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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3 Cadernos PDE I

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE

I

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O DOCUMENTÁRIO COMO POSSIBILIDADE PARA FOCALIZAR AS PRÁTICAS

CULTURAIS

Maria Nelda Matias Bassi1

Maria Elena Pires Santos2

RESUMO

Este artigo apresenta o resultado do desenvolvimento de um projeto de intervenção, que tem como temática a criação do gênero discursivo documentário sobre as práticas culturais dos moradores do bairro Cidade Nova, Foz do Iguaçu-Paraná, com a finalidade de contribuir para a formação dos alunos do Colégio Estadual Ipê Roxo. As atividades partiram de uma prática social inicial, com o objetivo de elaborar, juntamente com os alunos e comunidade local, um documentário que propiciasse a visibilidade dos valores artísticos e socioculturais dos moradores do bairro. Para a realização desse objetivo, foram abordados diversos gêneros discursivos que foram lidos e/ou escritos pelos alunos, como etapas prévias necessárias para a produção do documentário. A intervenção abordou em maior profundidade o gênero documentário, explorando sua forma composicional, marcas linguístico-enunciativas, estilísticas e sociocomunicativas, bem como de outros gêneros discursivos decorrentes das temáticas sugeridas. Em conformidade às ações de implementação, realizou-se um Sarau com artistas locais, visando à socialização dos artistas e também para coletar imagens e sons para compor o documentário. Ao término do trabalho pedagógico apresentou-se, como prática social final o resultado da edição, o documentário para a comunidade escolar e local. Os resultados desse estudo apontaram para aspectos assertivos como a valorização do contexto histórico-cultural local a partir de um novo “olhar” dos alunos para a comunidade, contribuindo para o estudo e aprimoramento da prática pedagógica do professor PDE. Palavras-chaves: Documentário. Gêneros Discursivos. Ensino.

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é relatar os estudos realizados no Programa de

Desenvolvimento Educacional PDE/PR, turma 2014/2015, que culminou no Projeto

de Intervenção Pedagógica e na Produção didático-pedagógica aplicados no Colégio

Estadual Ipê Roxo- Ensino Fundamental e Médio, em uma turma de 8º ano do

1 Maria Nelda Bassi, professora de Língua Portuguesa Ensino Fundamental e Médio do Colégio Estadual Ipê

Roxo, Cidade Nova, Foz do Iguaçu-PR 2 Professora dos cursos de Letras da Unioeste/Foz; do Programa de Mestrado/Doutorado em Letras, do

Profletras e do Programa de Mestrado/Doutorado em Sociedade, Cultura e Fronteiras.

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Ensino Fundamental. Este projeto de intervenção teve como temática a criação de

um documentário sobre as práticas culturais dos moradores do bairro Cidade Nova,

Foz do Iguaçu-Paraná, com a finalidade de contribuir para a formação e

aprendizagem dos alunos do referido Colégio. Essa proposta surgiu da necessidade

de valorizar a cultura e seus artífices, ampliando o conhecimento dos alunos sobre

as diferentes formas de representatividade da cultura daquela localidade.

Assim, o tema do estudo foi o documentário como possibilidade para focalizar

as práticas culturais do bairro Cidade Nova, que apresenta como característica ter

surgido da desocupação de favelas em outras regiões do município de Foz do

Iguaçu e teve como princípio urbanizar da cidade, minimizar os riscos inerentes às

ocupações ilegais tais como: enchentes, inundações, violência, preservação

ambiental e diminuição da miséria, melhorando o IDH do município. Todos os

objetivos são nobres, mas durante a formação da comunidade foi necessário

implantar escolas, posto de saúde, e desenvolver outros recursos urbanos que não

haviam sido planejados quando foi criada essa comunidade como característica de

Vila Rural, nas proximidades dos linhões de transmissão de energia de Itaipu.

Como as pessoas vieram de diferentes regiões da cidade, no início houve

choque de opiniões, cultural e de valores, que aos poucos vêm formando uma nova

identidade comunitária ao longo dos anos. Essa nova identidade cultural se atualiza

por diferentes traços de expressões artísticas como música, dança, artes plásticas,

artesanato e também por expressões religiosas, entre outras. Isso implica em formar

na escola estudantes que sejam cidadãos que valorizem e estimem a sua cultura

com os significados que ela representa. Não se trata de segregar a cultura local,

mas de valorizar as expressões culturais das camadas populares.

Uma comunidade formada com pessoas oriundas de desocupações de

favelas sofre com a estigmatização e o preconceito em relação à sua cultura e ao

seu desenvolvimento social, pois ocorre uma depreciação do entorno social. Diante

disso, a valorização da cultura e, consequentemente, da comunidade deve começar

pelos próprios moradores que a compõem, usando todos os recursos disponíveis

para aferir valor à cultura local.

A partir dessas constatações, foi pensada a possibilidade da construção de

um documentário, com a participação dos alunos do 8º ano e comunidade, com a

finalidade de apreciar e valorizar o contexto sociocultural existente nesta

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comunidade carente, oportunizando o conhecimento destas produções no ambiente

escolar e além dos muros da escola.

Desta forma, o objetivo geral deste estudo foi elaborar, juntamente com os

alunos e comunidade local, um documentário que propiciasse a visibilização do valor

artístico e sociocultural das pessoas que residem no bairro Cidade Nova. Desta

maneira, a operacionalização do projeto partiu dos seguintes objetivos específicos:

fazer um levantamento dos gêneros discursivos a serem lidos e/ou escritos pelos

alunos, necessários para a elaboração do Documentário como uma prática social

inicial; construir com os alunos, diferentes temáticas para a elaboração do

documentário; trabalhar a forma composicional, estilística e sociocomunicativa dos

gêneros discursivos decorrentes das temáticas e das necessidades

sociocomunicativas de elaboração do documentário. Em conformidade às ações de

implementação, realizou-se um Sarau com os artistas locais, com a finalidade de

socializar os artistas e coletar imagens e sons para compor o documentário. Para

finalizar as ações, organizou-se a apresentação do documentário produzido em

conjunto com alunos e colaboradores do projeto, para a comunidade local.

O presente artigo faz uma breve revisão teórica, abordando os gêneros

discursivos, em especial o documentário; também conceitua leitura e escrita de

acordo com alguns estudiosos como Bakhtin (1992), Marcuschi (2002), Dolz et al.

(2007) e as DCE’s (Paraná, 2008) de Língua Portuguesa. Na metodologia, são

citadas as etapas do Plano de Trabalho Docente do Prof. João Luis Gasparin e

como foram aplicadas no projeto de intervenção. Na sequência, apresentamos o

relato de implementação, descrevendo as ações previstas no projeto. Para finalizar

demonstramos, por meio das análises e discussões os resultados da implementação

do projeto-PDE.

2. GÊNEROS DISCURSIVOS

As Diretrizes Curriculares da Educação Básica para o Estado do Paraná

(DCE/PARANÁ, 2008) propõem que os gêneros discursivos sejam adotados como

prática para o trabalho de escrita, leitura, análise linguística e oralidade, sendo

adotados como conteúdos básicos para o ensino, de acordo com esferas sociais de

sua circulação.

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Segundo Marcuschi (2002, p.19) “os gêneros textuais são fenômenos

históricos profundamente vinculados à vida cultural e social”. Assim, classificam-se

como resultado do trabalho coletivo e contribuem para ordenar e estabilizar as

atividades comunicativas cotidianas.

Bakhtin (1992), em seus estudos sobre o caráter social dos fatos da

linguagem, postula que o enunciado é produto da interação social determinada por

fatos concretos ocorridos no contexto real onde se dá a interação. O autor insiste na

possibilidade de que o caráter social acontece a partir de uma diversidade de

atividades entre grupos que produzem e reproduzem determinadas linguagens

como: a língua usada no ambiente de trabalho, a literatura, a legislação, os textos

político ideológicos, a cultura, entre outros, os quais são sistemas diferentes, mas

atestam a competência linguística dos falantes.

Entretanto, é necessário perceber que o conceito de cultura é abrangente e

que vai além dos objetos materiais carregados de signos e símbolos. Para o

desempenho dessa atividade torna-se importante abordar o que é Cultura.

Conforme Canclini (2009, p.41):

Pode- se afirmar que a cultura abarca o conjunto dos processos sociais de

significação ou, de um modo mais complexo, a cultura abarca o conjunto de

processos sociais de produção, circulação e consumo da significação na

vida social [...] a cultura apresenta-se como processos sociais, e parte da

dificuldade de falar dela deriva do fato de que se produz, circula e se

consome na história social (CANCLINI, 2009, p.41).

A linguagem está diretamente relacionada à Cultura, pois através da mesma

também é possível reconhecer a história de um povo e suas manifestações culturais,

como mostram as DCEs do Estado do Paraná (2008, p.50):

[...] o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa visa aprimorar os

conhecimentos linguísticos e discursivos dos alunos, para que eles possam

compreender os discursos dos alunos, para que eles possam compreender

os discursos que os cercam e terem condições de interagir com esses

discursos [...] nestas Diretrizes, considera-se o processo dinâmico e

histórico dos agentes na interação verbal, tanto na constituição social da

linguagem, que ocorre nas relações sociais, política, econômicas, culturais,

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etc., quanto desses sujeitos envolvidos nesse processo. (DCEs/PARANÀ,

2008, p.50)

A leitura, por sua vez, é resultado do processo de comunicação entre leitor e

autor, por meio do texto, pois através da mesma os indivíduos conhecem as

memórias e as transformam. Como demonstra Silva (1983):

A leitura deve ser vista como uma das conquistas da espécie humana em seu processo evolutivo de hominização. [...] toda sociedade, nas suas diferentes etapas evolutivas, produz uma memória cultural e a leitura vem a ser um dos instrumentos para conhecimento e transformação dessa memória, isto é, das ideias, instrumentos e técnicas produzidos e conservados pelo homem. SILVA (1983, p. 22)

Kleiman (1999) reitera que é necessário integrar a leitura nos projetos de

modo significativo e demonstra que:

Numa sociedade complexa, a tecnologia da escrita permeia todas as

instituições e relações sociais e determina até modos de falar sobre os

assuntos e sobre os textos moldados ao longo dos tempos pela influência

da palavra escrita. Uma palestra, um debate político, uma entrevista na

televisão são gêneros orais de instituições profundamente afetadas pelo

impacto social do sistema escrito (KLEIMAN, 1999, p. 57).

As DCEs (2008) consideram que a formação do sujeito leitor é um ato

dialógico, interlocutivo, em que o leitor apresenta um papel ativo no processo da

leitura e, enquanto coprodutor procura pistas formais, formula e reformula hipóteses,

aceita ou rejeita conclusões e usa estratégias com base em seu conhecimento

linguístico e na sua vivência social (DCE/PARANÁ, 2008).

Observando as orientações contidas nas DCEs (2008), é de bom senso que

os educadores pensem em como proporcionar leituras aos educandos de maneira

que façam uso da mesma na construção de sua história, como sujeito-autor,

refletindo com criticidade sobre sua própria existência e do mundo que o cerca.

Dolz et al. (2007) consideram que o desenvolvimento da autonomia do aluno

no processo de leitura é uma consequência do domínio do funcionamento da

linguagem em situações de comunicação e que, por meio dos gêneros discursivos,

as práticas de linguagem incorporam-se nas atividades dos alunos, pois, ao

interagir, o sujeito adapta-se a uma situação. Assim, os textos orais ou escritos que

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produzem, diferenciam-se um do outro de acordo com a situação em que são

produzidos; entretanto os textos que são produzidos com características

semelhantes classificam-se dentro de um mesmo gênero discursivo.

Marcuschi (2003) considera que os gêneros discursivos representam a

materialização dos textos que acontecem no cotidiano, imbricados em

características sócio-comunicativas.

Bakhtin (1992) considera que os gêneros são constituídos de processos

históricos que têm como ponto de partida as interações verbais que acontecem na

vida social, sendo esse o motivo pelo qual os gêneros possuem uma variedade

infinita.

Baseando-se nos estudos linguísticos de Bakhtin, os Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCNs) e, posteriormente, as Diretrizes Curriculares para o Estado Paraná

apresentam como proposta de ensino da língua que as atividades relacionadas à

leitura e produção de textos sejam contextualizadas à realidade social e escolar dos

aprendizes, fazendo dos estudos sobre os gêneros discursivos a base do ensino da

linguagem comunicativa.

Entre as principais ferramentas que permitem ao aprendiz compreender os

textos orais e escritos situam-se a identificação e posterior utilização dos gêneros

discursivos em suas práticas cotidianas, uma vez que o estudo da língua precisa ser

desenvolvido a partir de situações reais que favoreçam o domínio linguístico. A partir

desse processo, o aluno se torna capaz de refletir a respeito dos processos de

comunicação, da linguagem e da interação cotidiana, entrelaçando os conteúdos

com a vivência social para utilizar como subsídios nas informações para produzir

conhecimentos (BAKHTIN, 1992).

3. PRODUÇÃO ESCRITA NA ESCOLA

Entre as competências da escrita a serem desenvolvidas com alunos do 8º

ano do ensino fundamental, previstas nas DCE’s (2008), os conteúdos básicos são:

conteúdos temáticos, interlocutor, intencionalidade do texto, informatividade,

contexto de produção, intertextualidade, vozes sociais presentes no texto, elementos

composicionais do gênero, relação de causa e consequência entre as partes e

elementos do texto, marcas linguísticas de coesão, coerência, função das classes

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gramaticais no texto, pontuação, recursos gráficos como aspas, travessão, negrito e

concordância verbal e nominal.

Ao refletir sobre esses conteúdos, os quais são organizados a partir das

práticas de leitura, escrita e oralidade, torna-se importante compreendê-los como

processos sociais. Para Garcez (2004, p.2) “a escrita é uma construção social,

coletiva, tanto na história humana como na história de cada indivíduo. O aprendiz

precisa das outras pessoas para começar e para continuar escrevendo”. Depreende-

se de uma afirmação assim que toda pessoa escreve para um leitor e que isso é

parte de seu processo de comunicação. A leitura e compreensão do texto escrito

representam uma resposta ao autor, mas para que isto aconteça o texto precisa ser

escrito com clareza, para que possa ser compreendido e interpretado.

Segundo as DCE’s (Paraná, 2008) o aluno tem necessidade de conhecer o

funcionamento de um texto escrito, compreendendo como este é organizado,

entendendo seu tema, a coesão, coerência, intenções, a quem se destina, entre

outros elementos que compõem as condições de produção, circulação e consumo

dos textos. Marcuschi (2005) explica que a leitura é marcada por elementos que

indicam significados, elementos estes que não aparecem na fala como: o tipo das

letras, o tamanho, a cor, o formato, os sinais que indicam gestos, entonações,

mímicas que são representados de maneira gráfica ou pictórica.

Garcez (2004) explica que o desenvolvimento da escrita será familiarizado

pelo aluno a partir da importância que a escrita tem para o mesmo; por isso, é

necessário intensificar o convívio com o texto escrito e a frequência com que se

propiciam as oportunidades de escrita.

Em se tratando da escrita em sala de aula, o texto é o local onde a interação ocorre entre os sujeitos envolvidos na produção textual, uma vez que ele está sujeito a mudanças e ao aperfeiçoamento. O ato de produzir um texto revela que o aluno agiu ativamente perante um comando de uma produção textual, proposto pelo professor. Este, por sua vez, passa de sujeito inerte a ativo quando, em processo de correção, revisa o texto do aluno e comenta, aponta, faz ressalvas, elogia, enfim, solicita mudanças, compartilhando ideias com o aluno, coproduzindo o texto, ação que também pode ser realizada pelos colegas de classe. A troca de informações continua na reescrita, em que o aluno responde aos apontamentos da revisão do professor, acatando-os, refutando-os e, até mesmo, ignorando-os (MOTERANI e MENEGASSI, 2013, p.219).

A escrita precisa representar, também, o que o aluno escreve fora da sala de

aula, para que represente a função social determinada conforme as práticas sociais.

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Garcez (2004) afirma que a escrita é uma das complexas realizações do ser

humano, porque exige memória e raciocínio e conhecimentos prévios, tornando-se

muito importante que o sujeito desenvolva agilidade perceptiva para abranger todos

os aspectos do desenvolvimento da escrita, coordenando, articulando e

harmonizando os aspectos envolvidos na escrita para que o texto seja bem

sucedido. Outros elementos se agregam também à escrita, tornando a leitura mais

ampla, produzindo mais efeitos de sentido, como no caso dos vídeos, além da

linguagem verbal, diversos elementos compõem o texto, facilitando a compreensão.

Para Rojo (2012, p. 147), é importante ir além da leitura das

multimodalidades, das leituras de textos escritos, ou seja, a leitura só é completa se

levar em consideração o visual, as cores, o som, entre outros para que aconteça a

compreensão:

As atuais coerções relacionam-se aos novos modelos discursivos que

permeiam as relações sociocomunicativas dos sujeitos, a saber: os

diferentes gêneros de textos organizados por diferentes modalidades de

linguagem, verbal escrita, verbal oral, não verbal, imagética, sonora, etc.,

denominados de gêneros multimodais ROJO (2012, p.147).

Os novos modelos discursivos, ou mesmo os que já circulam em diferentes

esferas sociais, abrangem esses elementos multimodais, produzindo maior

significação e sentido para o leitor.

4. DOCUMENTÁRIOS

A produção de documentários é realizada utilizando-se o discurso visual

amparado na verdade. Definir o documentário pode parecer fácil, mas implica em

tratar a realidade de forma a torná-la conhecida, não sem passar pelo crivo do autor

que a interpreta e apresenta a partir de uma maneira subjetiva de tratar essa mesma

realidade, pois todo discurso é uma representação do pensamento de um autor

(RAMOS, 2005)

O documentário pode reconstituir ou analisar assuntos contemporâneos do

mundo histórico vistos por uma perspectiva crítica, possibilitando desenvolver temas

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mais corriqueiros ou cotidianos, tratados como reportagens diárias ou semanais

pelas mídias impressa, radiofônica e televisiva.

O gênero documentário não é estável, mas passível de transformações,

adaptações, uma vez que com os avanços tecnológicos, tornou-se mais fácil realizar

as produções, inclusive as imagens que podem ser coletadas através de dispositivos

móveis, ocasionando rapidez e muito mais materiais para a edição. Também vale

ressaltar que, durante a produção do documentário é possível que o documentarista

expresse seu senso crítico através da captação de imagens e outros elementos

multimodais.

Nas considerações de Bunzen & Mendonça (2013, p.144)

Há uma tendência no documentário contemporâneo de enfatizar a

subjetividade do documentarista em substituição a uma representação

objetiva e realista do mundo. Esse movimento de mudança mostra que o

documentário (como qualquer outro gênero textual) não é fixo. Modificações

tecnológicas, conceituais sócio-históricas provocam reconfigurações no

próprio gênero. Hoje, uma diversidade imensa de tipos de registros insere-

se na categoria “documentário” (BUNZEN & MENDONÇA, 2013, p.144)

Assim, o documentário pode apresentar histórias ou descrições que abrem espaço

para a reflexão sobre acontecimentos do meio social investigando suas relações e a

realidade de diferentes culturas (NICHOLS, 2005).

5. METODOLOGIA

A metodologia utilizada no desenvolvimento do projeto classificou-se como

uma pesquisa-ação que tem como característica compartilhar os diferentes saberes

produzidos pelos sujeitos envolvidos na pesquisa, tendo como ponto de partida a

produção de conhecimentos e a solução de problemas do âmbito social

(THIOLLENT, 2000).

O desenvolvimento do projeto adotou como roteiro para a realização do

mesmo o método dialético de construção do conhecimento que compreende a

relação prática-teoria-prática, desenvolvido por Gasparin (2003), que busca uma

junção da pedagogia histórico-crítica com a Teoria Histórico-cultural, para uma

abordagem em sala de aula.

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A elaboração de um Plano de Trabalho Docente, segundo o autor, parte da

elaboração de unidades de conteúdo, seguindo os cinco passos: reflexão

introdutória seguida de uma prática social inicial; problematização;

instrumentalização; catarse e, por fim, uma prática social final.

A reflexão introdutória partiu da apresentação da proposta do Projeto de

Intervenção ao Conselho Escolar, direção e equipe pedagógica do Colégio Estadual

Ipê Roxo, para devida apreciação e aprovação, seguida da proposição de trabalho

com os alunos, do 8º ano do Ensino Fundamental e comunidade local.

Para desenvolver estratégias de trabalho que levassem à elaboração e

realização de um documentário sobre a cultura desenvolvida no bairro Cidade Nova,

foi necessário adotar um desenvolvimento de ações pautado na teoria histórico -

critica que Gasparin (2003) apresenta conforme as cinco etapas a seguir:

1. Prática social inicial: tem início quando o professor busca saber o que o aluno já

sabe a respeito do conhecimento que se deseja construir, e passa a construir os

objetivos de seu trabalho considerando os aspectos levantados nessa prática social

inicial. Para se desenvolver documentários sobre os artistas e a cultura do bairro, foi

necessário compreender a concepção que os alunos têm sobre arte e cultura. Tais

conhecimentos nortearam escolhas quanto ao foco e participantes do documentário

que foi produzido.

2. Problematização: envolve a discussão dos problemas colocados na prática

social, determinando a dimensão dos conteúdos que vão constituir o conhecimento

que está relacionado à arte, cultura e documentário. Todas as dúvidas do professor

e dos alunos precisam se transformar em perguntas para serem respondidas, como:

a. Eixo dos Conceitos: O que é documentário? O que é arte? O que é Cultura?

b. Eixo da Histórica e da política: O que a valorização da cultura traz de

benefício para a sociedade? Qual a origem da cultura que permeia as

relações sociais no bairro Cidade Nova?

c. Eixo social: As pessoas que são artistas no bairro têm algum ganho

econômico com sua arte? Quais os aspectos culturais do bairro que valorizam

os pioneiros do local? As pessoas que se destacam na arte e na cultura do

bairro destacam-se no meio social?

d. Eixo da estética: Qual a relação entre beleza, cultura e arte?

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e. Eixo filosófico: Que aspectos da legislação beneficiam a cultura? Como é a

promoção da reflexão sobre a importância da cultura e da arte para as

camadas mais pobres da população? Há valorização?

f. Eixo Cultural: Até que ponto a arte é uma representação cultural?

3. Instrumentalização: essa etapa do desenvolvimento das ações histórico-críticas

está voltada para identificação dos recursos que o educador e o educando utilizam

para construir conhecimento, tomando como base a perspectiva dos gêneros

discursivos para focalizar sua forma composicional, estilística, sociocomunicativa

e também os recursos humanos e materiais que contribuem para socializar o

conhecimento.

4. Catarse: essa fase do plano de trabalho docente e discente é representada pela

síntese do conhecimento dos alunos, das mudanças que a elaboração do

Documentário e a reflexão sobre sua elaboração representam para a vivência social

de todos os participantes. A compreensão do educador e dos alunos sobre os

resultados desse trabalho coletivo corresponde a uma avaliação para indicar o

conhecimento construído por todos.

5. Prática social final: em conformidade às ações de implementação, realizou-se

um Sarau com os artistas locais. Ao término do trabalho pedagógico científico

apresentou-se como prática social final o resultado da edição do documentário para

a comunidade escolar e local. Os resultados desse estudo apontaram para aspectos

positivos como a valorização do contexto histórico-cultural local, um novo “olhar”

para a comunidade, contribuindo para o estudo e aprimoramento da prática

pedagógica do professor PDE.

6. RELATO DA INTERVENÇÃO

O projeto de intervenção foi desenvolvido no Colégio Estadual Ipê Roxo com

alunos do 8º ano do Ensino Fundamental. No mês de agosto de 2015,

desenvolvemos o primeiro módulo do projeto apresentando e socializando para a

comunidade escolar, enfatizando a participação dos alunos.

Inicialmente foi apresentado o eixo dos conceitos e contextualização de Arte

como uma das manifestações que acompanha o homem desde a antiguidade; antes

do surgimento de outros modos de conhecimento, a arte já fazia parte da educação

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que os gregos praticavam, assim abrangendo várias dimensões, entre elas a

epistêmica (conhecimento), dimensão ética (moral) e a estética (beleza e arte), como

podemos constatar em Kraemer (2010)3.

A arte desempenha na educação um papel muito relevante e é, muitas vezes,

o pano de fundo para o aprendizado de alguns conteúdos. Para tanto, foi importante

iniciar as ações com o preparo para a recepção do conteúdo; nisso entrou em cena

a Arte, Cultura e Documentário. Foram realizadas rodas de conversas acerca do

conhecimento prévio sobre o gênero documentário, apresentando vídeos e relato

oral, com explicações sobre a evolução do gênero discursivo documentário. Para

exemplificar a evolução do documentário, exibimos um vídeo4 que mostra o primeiro

documentário da história do cinema5.Essa ação possibilitou aos alunos compreender

melhor o gênero discursivo estudado, o documentário. Para que os alunos

compreendessem a importância do assunto, também foi estudada a Lei da Cultura6

por meio de leitura e interpretação. Depois foi apresentado um vídeo sobre a

biografia de Carolina de Jesus7, com o objetivo de valorizar a cultura popular.

Todos os materiais utilizados foram submetidos à apreciação dos alunos de

forma reflexiva, abordando especialmente os vídeos relacionados com a Cultura e

Arte. Por meio de leitura e reflexão dos textos e vídeos que abordam o contexto

histórico-social da cultura popular e da análise dos elementos multimodais presentes

nas imagens, nas cores, nas letras e sons, desenvolveram-se atividades que

3 KRAEMER, Celso. O conceito de arte e sua importância para a educação. Pesquisa financiada

pela Universidade regional de Blumenau, em convênio com o Governo doestado de Santa Catarina, no Programa de Incentivo à pesquisa (PIPE/FURB/Artigo 170 da CE). 4 Documentário Nanook Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=DCf4psNAIHE. 2:30 min. Acesso em 14 jan..2016

5 Considerado o primeiro documentário da história do cinema, Nanook do norte, produzido em (1922),

pelo norte-americano Robert Flaherty. Este filme etnográfico narra o cotidiano de uma família de esquimó e retrata costumes que não mais existiam. BUNZEN, C; MENDONÇA, M. Múltiplas linguagens para o Ensino Médio. São Paulo, Parábola Editorial, 2013, p.145.

6Lei da Cultura Disponível em: http://bibliotecadacapoeira.blogspot.com/2011/11/05-de-novembro-

dia-nacional-da-cultura.html#ixzz3EEl6LWWx acesso em: 14 jan..2016.

7Biografia de Carolina de Jesus. Heróis, de todo mundo. Disponível

em:https://www.youtube.com/watch?v=mLkJy86VU84 2:01 min. Acesso em:14 jan..2016.

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motivaram a construção de novos conhecimentos a respeito da produção de

documentários.

Ainda em agosto, foi desenvolvido o segundo módulo que teve início com a

exibição dos vídeos ”Documentários Memória das Cataratas - parte 1”,

“Documentário Memória das Cataratas – parte-2”, realizando a intertextualização

entre os vídeos documentários das Cataratas com a crônica “Quedas do Iguaçu” de

Rubem Braga, Lenda das Cataratas e o Hino de Foz do Iguaçu. Após a exploração

de todas as possibilidades interpretativas da relação entre os vídeos e as leituras, foi

apresentado o documentário Museu da Maré: Memória (Re) Existência que foi

contextualizado com a realidade local, analisando as inferências multimodais

presentes nos vídeos documentários e explorando a forma composicional, a

estilística e a função sociocomunicativa do gênero documentário. Terminamos o

módulo com debates e questionamentos acerca da compreensão do gênero

discursivo documentário.

No mês de setembro, desenvolvemos o terceiro módulo focalizando as

práticas socioculturais locais e realizando a leitura e compreensão do acervo de

jornais antigos e Projeto Cidade Nova-COHAFOZ, 1993 - Histórico da fundação do

bairro Cidade Nova (Arquivo- Colégio Ipê Roxo) contendo a história da constituição

do bairro Cidade Nova8.

No desenvolvimento do quarto módulo, apresentamos um vídeo de uma

entrevista, com o objetivo de demonstar aos alunos as multimodalidades do gênero

discursivo entrevista, observando a estrutura composicional, estilística e função

sociocomunicativa. Em seguida, propomos aos alunos a produção de entrevista com

pessoas da comunidade sobre aspectos socioculturais locais.

Em outubro a turma foi dividida em grupos, para definir a temática para

produção do documentário. Elaboramos um questionário para a prática da

entrevista, que tinha como finalidade identificar as principais práticas culturais do

bairro Cidade Nova.

8 Projeto Cidade Nova- COHAFOZ- Moradores já aprovam o Loteamento Cidade Nova (A Gazeta do

Iguaçu, 29 de novembro de 1998).Arquivo digitalizado- Colégio Ipê Roxo.Cidade nova vai criar

Associação de Moradores- maior conjunto habitacional do Paraná, bairro já tem 900 casas (Folha do

Iguaçu, 6 a 9 de agosto 1994) Arquivo digitalizado- Colégio Ipê Roxo

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Houve explicação prévia sobre técnicas básicas de como captar imagens e

sons, como deveria ser registrada todas as atividades por alguns alunos e como

seria, posteriormente, realizada a produção dos vídeos (sons, imagens e textos)

para o documentário. Após as atividades realizadas, foram selecionados e

organizados os registros do material para a produção do documentário.

Em conformidade às ações de implementação, realizamos um Sarau com os

artistas locais com o objetivo de apresentar os artistas e coletar imagens e sons para

compor o documentário. Ao término do trabalho pedagógico, apresentamos como

prática social final o resultado da edição do documentário para a comunidade

escolar e local. Os resultados desse estudo apontaram para aspectos positivos

como a valorização do contexto histórico-cultural local, em que foi construído

coletivamente um novo “olhar” para a comunidade. Outra questão que merece

destaque é o fato de o aluno passar a se sentir mais valorizado e importante ao

perceber que sua comunidade importa para muitos, seja pela cultura, pelos amigos,

familiares, colegas e pela própria escola.

A prática social final foi realizada com a apresentação do documentário para a

comunidade do bairro Cidade Nova e comunidade escolar. Assim, socializamos os

resultados de implementação do Projeto.

7. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

As atividades foram realizadas com tranquilidade, os educandos expuseram

opiniões e exemplos acerca do gênero documentário, pois já haviam assistido a

documentários, na escola, com alguns professores. Na primeira ação, como início de

Implementação do Projeto, foram as rodas de conversa, de certa forma, bem

significativas, proporcionando interação entre os membros participantes do Projeto.

A partir de então, foram observadas como estão organizadas as práticas culturais do

bairro.

Durante a segunda ação realizamos a leitura, compreensão e apreciação de

vídeo sobre Cultura e Arte. Nestas atividades, os alunos puderam reconhecer os

elementos multimodais que se fazem presentes nos textos e que também são

representativos outros elementos comunicativos como sons, cores e símbolos

gráficos. Esta atividade resultou na produção de um painel, ilustrando o real sentido

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de Cultura, Arte e suas diversidades. A Figura-1 apresenta o painel construído pelos

alunos do 8º ano:

Figura 1: Painel sobre arte e cultura. Fonte: Acervo da autora, 2015.

A terceira ação realizada tornou possível aproximar os documentários da

realidade dos alunos, promovendo a contextualização entre os documentários,

crônica, lenda e hino de Foz do Iguaçu. No entanto, essa ação permitiu constatar

que alguns alunos, embora tenham nascido em Foz do Iguaçu, ainda não conhecem

as Cataratas. Assim, o documentário “A Lenda das Cataratas” e o “Hino de Foz do

Iguaçu” foram bons motivos para recordar e rever as particularidades da cidade, pois

esses gêneros representam parte da história do lugar.

Ao focalizar as práticas socioculturais do bairro Cidade Nova, percebemos

que a comunidade é em sua maioria cristã, e que também demonstra orgulho e

interesse em mostrar o que sabem fazer e quem são. Outro aspecto bem importante

foi a experiência de trabalhar com os jornais antigos do lugar, pois muitos alunos

não faziam ideia de como era o bairro, muito menos a sua história.

Para compreender o gênero Documentário nessa ação, foram trabalhados a

estrutura composicional do gênero escolhido, os elementos multimodais, as marcas

linguístico-enunciativas, bem como outros elementos importantes para compreender

o gênero em questão. O estudo proporcionou conhecimento aos educandos e

direcionamento para que pudéssemos pensar em nossa produção de documentário.

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Após a construção de conhecimentos sobre os documentários e decidir com

os alunos a produção, estes sugeriram as temáticas que desejavam produzir:

coreografia gospel, música de diversos gêneros, capoeira, fanfarra e a valorização

de um agente ambiental, foram os temas culturais e artísticos sugeridos. Também

houve outras atividades como produção da entrevista, com o intuito de observar

quais são as práticas culturais e artísticas mais acentuadas do bairro Cidade Nova.

Para tanto, foi importante observar algumas orientações acerca das

entrevistas, tomando por base os postulados da entrevista narrativa, conforme

propõe HERMANNS (1995 apud FLICK, 2009, p.165):

Na entrevista narrativa solicita-se ao informante que apresente, na forma de

uma narrativa improvisada, a história de uma área de interesse da qual o

entrevistado tenha participado [...] A tarefa do entrevistador é fazer com que

o informante conte sua história da área de interesse em questão como uma

história consciente de todos os eventos relevantes, do início ao fim.

(HERMANNS,1995, apud FLICK, 2009, p.165 ).

Adaptamos um roteiro de documentário, apresentado como modelo, de forma

bem simples, além de esclarecimento de como usar a câmera, a filmadora e a

pesquisa de campo para compreender como poderia ser produzido o documentário

sobre o assunto escolhido.

Como afirma Puccini (2012, p.34):

Mapear e fazer um cuidadoso estudo das locações pode ser útil para

prevenir possíveis imprevistos ou problemas técnicos relacionados à

iluminação e captação d e som, além de fazer com que o documentarista se

familiarize com o universo abordado. Em relação à fotografia, é conveniente

estudar a iluminação dos locais de filmagem, a incidência de luz natural e as

fontes de eletricidade, caso haja necessidade de luz artificial [...] PUCCINI

(2012, p.34).

Assim, conforme as palavras do autor acima, o grupo de participantes

envolvidos no projeto também fez averiguações dos locais de captação de imagens

e sons, garantindo melhor qualidade na produção áudio visual. Outra ação foi a

organização das funções dos participantes: a escolha da temática; quem seria o

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entrevistado; como seria a elaboração do roteiro das entrevistas; quem iria

entrevistar; quando e como iriam trabalhar, entre outros detalhes.

Diante dos dados, como professora PDE, procurei as pessoas sugeridas

pelos alunos e fiz o convite para participarem do documentário. Então, relatamos

aos convidados sobre o objetivo do Projeto Documentário: “A arte de fazer” –

Práticas Culturais do bairro Cidade Nova, e marcamos uma pré-entrevista com os

alunos para, posteriormente, colocar em prática as entrevistas programadas.

Sintetizando o trabalho realizado durante os meses de agosto a outubro de

2015: a turma foi dividida em grupos (total de 33 alunos), obtendo seis grupos que

realizaram entrevistas que foram gravadas e editadas com sugestões dos alunos a

respeito da sonorização, imagens usadas com criatividade, etc. A edição do vídeo

contou com a participação de alunos envolvidos no projeto e de um morador do

bairro que se propôs, em um trabalho voluntário, finalizar a edição do documentário,

para ser apresentado à comunidade. A tabela 1 apresenta a sequência das

entrevistas e alguns pontos que se destacaram nas informações colhidas:

ENTREVISTADO PONTOS RELEVANTES DA ENTREVISTA

1.Agente ambiental, entrevista realizada na Avenida Andradina

O agente ambiental gosta de músicas, é fã de Roberto Carlos e Raul Seixas e cantou uma música de Raul para os alunos durante a entrevista.

2.Professora da fanfarra; local da entrevista:a Escola Municipal Jorge Amado

A professora explicou aspectos culturais que levaram ao surgimento da fanfarra na escola Municipal Jorge Amado, no bairro Cidade Nova.

3. Professor de capoeira e um contramestre, na Escola Municipal Jorge Amado.

O professor de capoeira explicou aos alunos a origem da capoeira e a importância das artes marciais no desenvolvimento das relações entre as pessoas.

4.Coordenadora de coreografia gospel e um grupo gospel, que canta e toca na Igreja.

As coreografias gospel desenvolvidas no bairro são uma maneira de levar a mensagem religiosa do grupo até às pessoas. Há diversos grupos de coreografias gospel no local, então os alunos decidiram entrevistar a coordenadora do grupo em que eles participam.

5. Foram entrevistadas as pessoas da comunidade local que tocam e cantam. As entrevistas aconteceram na biblioteca comunitária do bairro Cidade Nova CNI (Cidade Nova Informa) e no

Diversos gêneros musicais costumam ser ouvidos no bairro Cidade Nova, mas entrevistamos um senhor que toca sanfona e canta música sertaneja raiz; uma senhora que toca violão e canta sertanejo romântico e um grupo de rap.

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Colégio Ipê Roxo.

Nas entrevistas realizadas pelos alunos havia uma pergunta final, que trazia a

seguinte indagação: Qual é a sua música favorita? Essa pergunta foi feita aos

colaboradores do Projeto, moradores do bairro Cidade Nova, com intuito de

homenagear a pessoa entrevistada colocando a imagem do entrevistado e sua

música favorita de fundo, isso na edição do documentário, já que seriam os

primeiros a assistir a produção. Com isso, acreditamos que contribuímos para

valorizar e enriquecer a identidade do bairro, assim possibilitando que os moradores

da comunidade tomassem sua voz e falassem de si, favorecendo e legitimando os

saberes locais.

Um fato importante que nos chamou a atenção durante as entrevistas foi a

fala do Agente Ambiental, pois disse que gosta das músicas de Roberto Carlos e

Raul Seixas. Bem humorado, ressaltou que um de seus sonhos era ser cantor e

cantar com uma voz forte e com autoridade. Cantou a música “A mosca”, de Raul

Seixas sendo aplaudido com fervor, o que motivou uma aluna a afirmar: “O senhor é

um artista e agora vai ficar famoso em nosso bairro”.

Outros entrevistados foram: a professora da fanfarra local, o professor de

capoeira e um contramestre, uma coordenadora de coreografia gospel e um grupo

gospel, um senhor que toca sanfona e canta música sertaneja raiz, uma senhora

que toca violão e canta sertanejo romântico e um grupo de rap. Embora não tenham

citado a música preferida, deixaram uma mensagem de incentivo aos alunos, para

estudar e aproveitar as oportunidades que a vida oferece. Os alunos sugeriram

algumas músicas, para incluir juntamente com as imagens deles e dos

entrevistados.

Na introdução das temáticas postas na edição do documentário, a música de

fundo escolhida pela maioria dos alunos foi o estilo rap, inclusive a letra de rap

cantada pelos artistas locais. Na sequência, acompanhando as imagens, dentro da

edição do documentário, aparecem o som da Capoeira e Fanfarra do bairro e as

falas da comunidade local e dos alunos. Dessa forma, a edição do documentário

trouxe uma síntese das práticas de linguagem do povo daquele bairro, expressando

as suas características culturais.

Após as entrevistas, observamos que realmente os moradores e alunos da

comunidade possuem grandes ideias e talentos artísticos. A participação da

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comunidade local, juntamente com os alunos moradores também do bairro

demonstrou o quanto é importante essa aproximação, pois a escola não pode ficar

isolada de seu contexto. Assim, valorizar as práticas culturais sociais da comunidade

beneficia a Educação, demonstrando aos alunos que o lugar onde vivem deve ser

respeitado e que ele faz parte dessa história.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo desse estudo, percebemos a importância de conhecer e valorizar as

práticas culturais da comunidade que faz parte do contexto escolar, entendendo o

aluno não como descorporificado, mas como fazendo parte de uma família, de uma

comunidade. Para tanto, o objetivo geral deste estudo foi elaborar, juntamente com

os alunos e comunidade local, um documentário que propiciasse a visibilização do

valor artístico e sociocultural das pessoas que residem no bairro Cidade Nova. Essa

proposta surgiu da necessidade de valorizar a cultura e seus artífices, ampliando o

conhecimento dos alunos sobre as diferentes formas de representatividade da

cultura daquela localidade.

Com as ações do projeto, percebemos o desempenho dos alunos na

participação das atividades propostas, bem como em vários aspectos que

demonstraram êxito no envolvimento dos mesmos. O relacionamento professor-

aluno merece destaque, pois houve uma abertura maior para o diálogo e interação.

Percebemos que os alunos ficaram muito mais interessados a partir do momento

que também se sentiram valorizados, inclusive vendo as expressões culturais de seu

bairro em destaque. Na primeira vez em que socializamos o projeto com os alunos,

sentimos que a possibilidade de construir um documentário parecia algo muito

distante para os participantes. Os alunos acreditavam que a cultura fosse coisa

apenas de gente da alta sociedade e de quem estuda muito, acreditando que eles

não tinham cultura e não sabiam fazer Arte. O vídeo sobre a biografia de Carolina de

Jesus, escritora brasileira, nos auxiliou para demonstrar que todos nós,

independente da esfera social, somos construtores de significados culturais, pois a

cultura é uma forma de viver. Após esse entendimento, os alunos ficaram mais

descontraídos e entusiasmados. Durante a produção do painel relatando uma nova

visão cultural, eles demonstraram que aprenderam o sentido real de Cultura e Arte.

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As ilustrações sobre Cultura em um painel detalhavam o conhecimento

adquirido e entre os desenhos de violão, notas musicais, instrumentos utilizados em

roda de capoeira, a representação de uma igreja nos chamaram a atenção para a

cultura local. Outro aspecto interessante ilustrado no painel foi o desenho de uma

pessoa deitada, descansando. O aluno disse que representava a sesta, que tem um

significado cultural nos países vizinhos.

A aceitação de pertencimento como membro de uma comunidade geralmente

estigmatizada na cidade foi um ponto relevante para que muitos adolescentes

percebessem o seu próprio contexto, superando as adversidades das condições

sociais pelas quais passam. Os alunos em geral não se aceitavam como parte da

história do bairro, sentiam-se sem motivação para participarem, tinham medo de

serem vistos pela sociedade de forma discriminatória ou estigmatizada. Depois que

abordamos o sentido da palavra “Cultura”, em um trabalho realizado coletivamente

entre os pares da escola, membros da comunidade e alunos, os resultados foram

significativos, principalmente no desenvolvimento dos educandos. Assim sendo,

conseguiram se expressar de maneira mais solta, desinibidos, sentindo-se parte da

história local. Com a implementação, sentimos que os alunos participantes do

projeto se aproximaram mais da escola, dos colegas e dos professores, adquirindo

mais confiança e vendo no espaço escolar um lugar de respeito e valor.

As ações de implementação também motivaram a comunidade local, pelo fato

de trazermos para a escola artistas locais, mesmo que esquecidos pelo tempo e

pela sociedade, mas com muitos saberes ainda a serem compartilhados. O

sentimento de serem valorizados estava expresso nas faces alegres, demonstrando

orgulho de pertencer à comunidade. Durante a apresentação do Sarau, houve a

oportunidade de os artistas participarem, mostrando a sua arte. Para a escola foi um

momento de reconhecer e valorizar essas pessoas, divulgando para outros alunos

que o bairro tem valores culturais.

Na escola, quanto ao trabalho desenvolvido pelos pedagogos, direção

escolar, professores interessados no projeto, entendemos que foi produtivo e

despertou a sensibilidade de alguns participantes em observar mais o lugar em que

nossos alunos moram e sua relação com a escola. Os profissionais envolvidos

nesse trabalho pedagógico motivaram ainda mais os alunos a interagirem no espaço

escolar e com sua comunidade. Assim, essa ação coletiva contribuiu para romper

barreiras, porque muitos alunos não aceitavam a condição de morar no bairro, muito

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menos viam algum valor na cultura local. Embora diante dos avanços no ensino e

da aprendizagem durante a implementação - que contribuíram para nossa prática e

em especial para o conhecimento dos alunos - também ficou evidente a importância

de termos recursos tecnológicos no meio escolar, tão importante na atualidade o

que representou uma das dificuldades enfrentadas no decorrer da implementação.

Assim, para que pudéssemos desenvolver plenamente o projeto, contamos com o

auxílio de recursos tecnológicos de particulares e dos próprios educandos.

A experiência de passar pelo PDE foi edificante, muito produtiva, pois foi

possível observar, na prática de sala de aula, a aplicação das teorias estudadas,

entre estas a Proposta Pedagógica do Professor João Luiz Gasparin,

compreendendo as etapas de desenvolvimento do trabalho pedagógico. Também

pudemos nos aprofundar no estudo dos gêneros discursivos, tomando em particular

o documentário, observando suas particularidades. O desenvolvimento do trabalho

proposto no PDE trouxe a cada ação um “novo olhar” sobre a prática pedagógica e

seu reflexo sobre a metodologia empregada, observando em que aspectos havia

necessidade de ampliar ou adaptar as ações. Outro aspecto relevante nesse estudo

foi a oportunidade de avaliarmos nossa prática pedagógica, enriquecendo-nos

teoricamente, o que refletiu diretamente em nossas atitudes como mediadores do

conhecimento e dos saberes.

O desenvolvimento e a participação dos alunos foram surpreendentes,

juntamente com a alegria em que realizavam as atividades, o que nos encantou e

motivou para a continuidade de um trabalho que não acaba aqui. Aprendemos mais

sobre o gênero discursivo documentário, nos atendo de maneira mais meticulosa, o

que possibilitou percebermos o alcance das práticas contextualizadas para, ao aliar

os processos históricos e culturais, ampliar o alcance das práticas de linguagem dos

alunos.

Essa experiência singular nos permite repensar o cotidiano escolar, ver a sala

de aula por outro prisma, em específico o Ensino de Língua Portuguesa, com intuito

de buscar melhorias para o ensino e a aprendizagem.

9. REFERÊNCIAS

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