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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

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LEITURA DO GÊNERO REPORTAGEM NAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

FARIAS, Geni de Souza Leite1

LABES, Elizabeth2

RESUMO

Este artigo aborda discussões e resultados obtidos com o desenvolvimento do nosso projeto PDE “Leitura do Gênero Reportagem nas séries finais do Ensino Fundamental”, amparado nos pressupostos da concepção interacionista de linguagem e sob o enfoque da leitura na perspectiva discursiva, na qual a leitura não é vista apenas como apreensão de uma informação, mas como instauração de sentidos a partir de determinantes sócio-histórico - ideológicos. A prática pedagógica foi desenvolvida com alunos do Colégio Estadual Santo Inácio de Loyola, Ensino Fundamental e Médio, na cidade de Fênix, Paraná, e teve por objetivo levar os alunos a sistematizarem conhecimentos sobre o gênero reportagem, enfatizando sua produção, circulação e a recepção, bem como de seus aspectos organizacionais e funcionais, com o fim último de melhorar a capacidade de leitura proficiente e crítica dos alunos. Para alcançar os objetivos propostos foram realizadas leituras, discussões sobre a função social do gênero reportagem e suas condições de produção, confrontadas ideias e posicionamentos críticos frente às reportagens lidas, comparação da linguagem empregada na reportagem com as de outros gêneros e produção de reportagens que tematizavam o contexto social dos alunos. Participaram do projeto dezesseis alunos do 8º ano, período vespertino, no decorrer do primeiro semestre de 2014. Pudemos observar que em algumas aulas, especialmente as iniciais, os alunos sentiram dificuldades para refletir sobre o tema abordado e, sobretudo, em diferenciar o gênero notícia de reportagem. Porém, no decorrer dos trabalhos houve melhoria no reconhecimento das características próprias do gênero e ampliação dos conhecimentos sobre as condições de produção e circulação, o que possibilitou a realização de leituras mais proficientes.

PALAVRAS – CHAVE: Leitura Discursiva; Gênero; Reportagem; Ensino

1 INTRODUÇÃO

Em nossa prática pedagógica no Colégio Estadual Santo Inácio de Loyola

EFMN, na cidade de Fênix, Paraná, por meio de trocas de experiências entre

professores, no decorrer de Grupos de Estudos, Semana Pedagógica, nos 1 Professora de Língua Portuguesa do Colégio Estadual Santo Inácio de Loyola, Fênix, Paraná. Integrante do Programa de Desenvolvimento Educacional, turma 2013.2 Professora Doutora em Língua Portuguesa/Linguística pela UNESP - Araraquara. Professora adjunta do curso de Letras da UNESPAR Campus de Campo Mourão – PR

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momentos de Conselho de Classe e na experiência como professora de Língua

Portuguesa foi possível constatar que os alunos encontravam muitas dificuldades

quando eram propostas atividades relacionadas à prática da leitura.

Constatamos que a maioria dos alunos não lia, muitas vezes, não conseguia

atribuir sentidos ao texto, só decifrava o código, possuía dificuldades para comentar

e relacionar o que lia, nem entendia os comandos dados para fazer determinadas

atividades do livro didático ou dos encaminhamentos do professor.

A partir destas constatações propusemo-nos a oportunizar a uma turma de

alunos de 8º ano, atividades que, primeiramente estimulassem o interesse pela

leitura, isso foi feito por meio da seleção de gêneros discursivos que fazem parte do

cotidiano dos alunos, como por exemplo: charge, músicas, notícias, reportagens.

Tivemos por objetivo a compreensão da produção, circulação e recepção do gênero

jornalístico reportagem e de seus aspectos organizacionais e funcionais visando o

desenvolvimento da capacidade de leitura crítica do aluno.

Observamos que o gênero reportagem oferecia um suporte bastante propício

para um trabalho em uma perspectiva interacionista, devido às suas diferentes

possibilidades de leitura, podendo permitir ao aluno constituir –se como sujeito de

suas leituras, assumindo posições com as quais pudesse ou não identificar-se, uma

vez que o gênero reportagem aborda assuntos que permitem uma reflexão sobre as

diferentes situações sociais e culturais, proporcionando ao aluno a possibilidade de

acesso a diferentes pontos de vista sobre assuntos que o constituem

historicamente.

Para o desenvolvimento do trabalho de leitura, como prática social,

enfatizamos a interlocução do leitor com o autor e outros sujeitos instaurados no

texto, para que o aluno/leitor pudesse atribuir diferentes sentidos nas leituras

realizadas, pois o mesmo ocupa uma posição no espaço social e, como tal, produz

um discurso determinado por um lugar e tempo histórico, que vai situar-se em

relação aos discursos do outro.

Consideramos que, proporcionar ao aluno a oportunidade de poder conhecer

melhor o gênero textual reportagem, em um trabalho sistematizado e mediado, pode

possibilitar que compreenda melhor o funcionamento social da sua língua e, dessa

forma, possa ampliar sua capacidade de compreender que o uso da língua é sempre

uma atividade com o objetivo de alcançar determinado propósito.

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2 PROPOSTA DE LEITURA EM UMA PERSPECTIVA DISCURSIVA

Acreditamos que para se realizar uma intervenção pedagógica tematizando a

leitura, baseada na concepção de linguagem interacionista, tendo por objeto o

Gênero Jornalístico reportagem, precisamos compreender a extensão do conceito

de leitura por nós aqui adotados.

Em conformidade com os estudos de Kato a concepção de linguagem como

forma de ação ou interação,

é aquela que encara a linguagem como atividade, como forma de ação, ação interindividual finalisticamente orientada; como lugar de interação que possibilita aos membros de uma sociedade a prática dos mais diversos tipos de atos, que vão exigir dos semelhantes reações e ou comportamentos.(KATO,1995, p.95).

Para Kato (1995, p.100) a leitura de um texto não deve ser abordada apenas

do ponto de vista formal, pois isso nos abstrai, perigosamente, de seu sentido global

explícito e implícito.

A leitura, na perspectiva discursiva, excede a compreensão superficial, sendo

mais que um entendimento das informações explícitas, é preciso perceber os

implícitos, os subentendidos, fazer inferências. A ideia de implícito pode ser definida

como o conteúdo que fica à margem da discussão porque ele não está explicitado

no texto, no que se refere às inferências passam, pelo estabelecimento de sentido

ou obtenção de informações na leitura de um texto pelo que não foi dito

explicitamente, ou seja, pode ser inferido a partir do que foi dito, porém não está dito

diretamente no texto, está subentendido ( FRANÇA, 2012).

Orlandi (1988) faz a distinção entre os vários sentidos com que se toma a

leitura. Em uma acepção mais ampla a leitura pode ser entendida por dois sentidos,

tanto oral como escrita, variando tanto na fala cotidiana quanto na fala formal. Pode

se ter possibilidade de leitura em um texto de Aristóteles como também na fala

cotidiana de qualquer pessoa. Por outro lado, pode significar "concepção", sentido

usado quando se diz "leitura do mundo". Essa forma de se usar a palavra leitura

reflete a relação com a noção de ideologia, de maneira mais geral e indiferenciada.

Em um sentido restrito, acadêmico, "leitura" pode significar a ostentação teórica e

metodológica de aproximação de um texto, como as possíveis leituras de um texto

de Saussure. Mas se restringirmos ainda mais o sentido, agora em termos de

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escolaridade, parece ser possível vincular leitura à alfabetização (aprender a ler e a

escrever) e, então, ela adquire o caráter de estrita aprendizagem formal.

Na perspectiva discursiva, alguns fatos se impõem na reflexão sobre leitura:a) o de pensar a produção da leitura e, logo, a possibilidade de encará-la como passível de ser trabalhada (se não ensinada);b) o de que a leitura, tanto quanto a escrita, faz parte do processo de instauração do(s) sentido(s);c) o de que o sujeito-leitor tem suas especificidades e sua história;e) o de que tanto o sujeito quanto os sentidos são determinados

histórica e ideologicamente;f) finalmente, e de forma particular, a noção de que a nossa vida intelectual está intimamente relacionada aos modos e efeitos de leitura de cada época e de cada segmento social (ORLANDI,1988, p. 8).

Na perspectiva discursiva a leitura “não é uma questão de tudo ou nada, é

uma questão de natureza, de condições, de modos de relação, de trabalho, de

produção de sentidos, em uma palavra: de historicidade” (1988, 2001, p. 9).

Trabalhamos na implementação pedagógica com a prática de leitura centrada

numa perspectiva discursiva em que o aluno-leitor passa a ser partícipe da leitura,

pois “saber ler é saber o que o texto diz e o que ele não diz, mas o constitui

significativamente.” (ORLANDI, 1988, 11).

Uma outra questão relevante para o ensino de Língua Portuguesa que

contribuiu para o aluno conhecer melhor o funcionamento da língua na sociedade foi

o trabalho com gêneros diversos. Dessa forma, não se preparou, simplesmente, o

aluno nas práticas de leitura e produção de texto, também seu conhecimento se

ampliou para atuar nas situações concretas de participação social como cidadão

ativo.

Orlandi esclarece que a perspectiva discursiva de leitura

procura observar o processo de sua produção e, logo, da sua significação. Correspondentemente, considera que o leitor não apreende meramente um sentido que está lá; o leitor atribui sentidos ao texto. Ou seja: considera-se que a leitura é produzida e se procura determinar o processo e as condições de sua produção. Daí se poder dizer que a leitura é o momento crítico da constituição do texto... (2006, p. 37).

Podemos considerar que somente por meio de textos que procedem da prática

social, será possível um diálogo que oportunizará a formação de leitores atuantes,

proficientes e críticos, capazes de perceber a leitura como um processo dialógico.

Conforme Kleiman (2006, p. 25), “As nossas atividades são realizadas no mundo

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social, em situações concretas, e é por meio da linguagem, nas suas diferentes

modalidades, que realizamos muitas das ações que nos interessam.” Caberá ao

professor realizar a mediação, ou seja, tentar conhecer a história de leitura do aluno,

suas diferentes experiências de leitura e conhecimento de gêneros discursivos, e

enriquecer essas práticas com um trabalho sistematizado, visando ampliar o que já

era conhecido pelos alunos e auxiliá-los em suas próprias escolhas, afinal, a

apropriação de qualquer conhecimento é “construída na interação entre sujeito

objeto. Essa ação do sujeito sobre o objeto é socialmente mediada”( SMOLKA,

1998, p. 12).

Segundo Travaglia (2009, p. 23), na concepção da linguagem como forma ou

processo de interação“ o que o indivíduo faz ao usar a língua não é tão-somente

traduzir e exteriorizar um pensamento ou transmitir informações a outrem, mas sim

realizar ações, agir, atuar sobre o interlocutor (ouvinte/leitor)”. Esta concepção situa

a linguagem como um lugar de interação humana, como o lugar de constituição de

relações sociais. Dessa forma, ela representa as correntes e teorias de estudo da

língua correspondentes à lingüística da enunciação(Lingüística Textual, Teoria do

Discurso, Análise do Discurso, Análise da Conversação, Semântica Argumentativa e

todos os estudos ligados à Pragmática), que colocam no centro da reflexão o sujeito

da linguagem, as condições de produção do discurso, o social, as relações de

sentido estabelecidas entre os interlocutores, a dialogia, a argumentação, a

intenção, a ideologia e a historicidade da linguagem.

Cardoso (2003, p.25) esclarece que,

Sendo a realidade essencial da linguagem seu caráter dialógico, a categoria básica da concepção de linguagem em Bakhtin é a interação. Toda enunciação é um diálogo; faz parte de um processo de comunicação ininterrupto. Não há enunciado isolado; todo enunciado pressupõe aqueles que o antecederam e todos os que o sucederão. Um enunciado é apenas um elo de uma cadeia, só podendo ser compreendido no interior dessa cadeia. Toda palavra, nesse sentido, já é uma contra palavra, uma resposta.

Esta concepção tem suas bases em Bakhtin (2010), para o qual a linguagem

constituiu-se num cruzamento constante de discursos. Para Bakhtin (2010) todo

discurso é dialógico, pois é determinado pelo fato de que procede de um sujeito e

dirige-se a outro, constituindo-se o produto da interação do locutor e do ouvinte. A

verdadeira substância da língua é constituída pelo fenômeno social da interação

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verbal, que se realiza através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal

constitui assim a realidade fundamental da língua.

Também Orlandi (2012, p. 87) enfatiza que,

O texto não pode ser visto como uma unidade fechada pois tem relação com outros textos (existentes, possíveis ou imaginados), com suas condições de produção ( os sujeitos e a situação) e com o que chamamos exterioridade constitutiva, ou seja, o interdiscurso, a memória do dizer (o que fala antes, em outro lugar, independentemente).

O texto materializa o processo discursivo e pode inscrever uma pluralidade de

vozes e a percepção destas vozes é fundamental para a leitura compreensiva.

Conforme as colocações de Kleiman (2006) a leitura é uma atividade social

que acontece na e pela interação de dois sujeitos (leitor e autor), acatando

necessidades e objetivos determinados socialmente.

Para Kleiman (2006, p. 24)

[...] é possível fazer na escola um trabalho sério com a escrita em geral e a leitura em particular, porque haveria uma predisposição do jovem de se integrar no mundo global e, ainda (...) a leitura é o instrumento por excelência para tal.

Dessa forma, visando oportunizar a realização de leituras críticas, pelas

quais o aluno possa entender o processo de produção de sentidos, instaurar

significação, considerando a inscrição da historicidade na língua, disponibilizamos

variados gêneros textuais, sobretudo que fazem parte da realidade social do aluno.

“Uma pedagogia da leitura que objetiva a transformação do leitor e, através deste,

da sociedade (...) propõe, ensina e encaminha a descoberta da função exercida

pelo(s) textos num sistema comunicacional, social e político” (SILVA E

ZILBERMANN, 1991, p. 111).

Não devemos desconsiderar que, o gênero reportagem apresenta ocorrências

sociais e surge das necessidades e atividades socioculturais com grande influência

das inovações tecnológicas. Dessa forma a televisão, jornais, internet e revistas, por

fazerem parte das interações discursivas dos alunos, propiciam um maior contato

com variados gêneros, entre eles o gênero reportagem. De acordo com Faria e

Zanchetta (2002,p.48), “a reportagem busca recuperar e aprofundar as informações

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apresentadas no cotidiano, além de informar pontualmente sobre determinado fato,

observando suas raízes e seu desenrolar”.

Lopes-Rossi (2003), considera que

A reportagem é um gênero discursivo da esfera jornalística, bastante apropriado a práticas de leitura em sala de aula se o professor selecionar textos de publicações e temáticas adequadas à faixa etária e aos interesses dos alunos. A iniciação do aluno à discussão sobre o discurso jornalístico e sua forma de ação social, sem contar as informações que cada texto apresenta, certamente contribui para a formação de cidadãos críticos (p.5).

Lage ( 2006) observa que a reportagem é um gênero próximo ao artigo de

opinião, quando há traços que evidenciam a relevância da autoria do texto, porém é

necessário que o autor respeite os fatos, não apresentando uma opinião contrária,

pois o papel da avaliação é do leitor.

O gênero reportagem é uma modalidade de texto que reproduz fatos e

atividades presentes na prática social, tendo, portanto um uso e uma função social.

Segundo Kleiman (2006, p. 33),

A prática social como ponto de partida do trabalho escolar, além de acarretar a mobilização de gêneros de diversas instituições, pelos diversos participantes, para realizar a ação, promove o desenvolvimento de competências básicas para a ação; assim o trabalho escolar pode vir a ser estruturado tendo essas competências como elemento estruturante; é a experiência em situações diversificadas da vida social que põe o educando no papel de sujeito produtor de conhecimento, de participante dos mundos do trabalho, do estudo e do lazer, de protagonista (cf. PCNEM, 1979).

Acreditamos que o estudo sistematizado do gênero reportagem, numa

perspectiva discursiva, poderá levar o aluno a reconhecer características próprias do

gênero, bem como ampliar seu conhecimento sobre as condições de produção,

circulação, recepção e de se tornar um leitor mais proficiente.

Conforme Orlandi (2007, p. 40),

As condições de produção implicam o que é material (a língua sujeita a equívoco e a historicidade), o que é institucional (a formação social, em sua ordem) e o mecanismo imaginário. Esse mecanismo produz imagens dos sujeitos, assim como do objeto do discurso, dentro de uma conjuntura sócio-histórica. Temos assim a imagem da posição sujeito locutor (quem sou eu para lhe falar assim?) mas também da

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posição do sujeito interlocutor (quem é ele para me falar assim, ou para que eu lhe fale assim?, e também a do objeto do discurso (do que estou lhe falando, do que ele me fala? É pois todo um jogo imaginário que preside a troca de palavras.

Consideramos também que para a efetiva formação do leitor crítico é preciso

criar condições para que, por meio da reflexão sobre o funcionamento da língua em

suas diferentes manifestações, o aluno seja capaz de atribuir sentidos às diversas

manifestações de linguagem com as quais interage e desenvolver sua capacidade

comunicativa de forma que aprenda a interagir em diferentes situações.

3 DISCUTINDO RESULTADOS

Passaremos a apresentar pontos e dados relevantes sobre a prática

pedagógica desenvolvida em nossa intervenção escolar.

Esclarecemos que as observações desta implementação não tem como

finalidade discutir a generalização dos hábitos de leitura dos alunos, mas chamar a

atenção para a necessidade de rever as formas como são trabalhadas as atividades

de leitura nas salas de aula, pois, na maioria das vezes, não contribuem para a

formação de leitores/autores críticos e criativos. E se acreditamos na dimensão

social e transformadora da leitura, como meio de inclusão social e de

desenvolvimento cultural, é preciso criar condições para que, por meio da reflexão

sobre o funcionamento da língua, o aluno seja capaz de desenvolver sua

capacidade comunicativa de forma que aprenda a interagir em diferentes situações.

Para o início da avaliação qualitativa elaboramos, primeiramente, tabelas para

cada uma das questões, com as variantes, constituídas a partir de respostas dos

alunos. Inicialmente, foi dado um tratamento estatístico simples, por meio de

porcentagens, à interpretação de cada uma das questões e, logo em seguida, uma

análise das mesmas.

A primeira ação desenvolvida tratou de um levantamento do conhecimento

prévio dos alunos sobre o que sabiam acerca do gênero reportagem. As questões

respondidas pelos dezesseis alunos participantes foram as seguintes: O que é o

gênero reportagem, qual foi a última vez que leu, onde leu.

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QUADRO 1 – Demonstrativo das respostas obtidas na questão 01 que se referem

ao conhecimento dos alunos sobre o que é o gênero reportagem

1- Você sabe o que é o Gênero Reportagem?Variantes N° de alunos Porcentagem

Uma entrevista 6 37,5 %

Uma reportagem 2 12,5%

Uma notícia 2 12,5 %

Não tem ideia 6 37,5 %

Nesta questão, a maioria dos alunos concebe como reportagem a entrevista.

Observamos que isto se deve ao fato de considerarem a reportagem televisiva e não

impressa e que para escrever o jornalista precisa entrevistar alguém. O que de fato

muitas vezes ocorre, porém isto não significa, necessariamente, que seja para a

produção de uma reportagem, porém o repórter tem a tarefa de investigar o que, de

alguma forma, implica, também, entrevistar pessoas.

QUADRO 2 – Demonstrativo das respostas obtidas na questão 2 sobre qual a última

vez que o aluno teria lido uma reportagem

1- Qual foi a última vez que você leu uma Reportagem?Variantes N° de alunos Porcentagem

Nunca li nenhuma 8 50 %

Nas férias 4 25%

Não soube responder 4 25%%

Analisando as respostas do quadro 2 podemos concluir que a maioria dos

alunos (75%) nunca leu nenhuma reportagem, ou se leram, desconheciam que se

tratava deste gênero textual. Consideramos diante deste resultado a importância de

se trabalhar o gênero reportagem para que os alunos possam diferenciá-lo dos

demais e, saber, o modo como se dá sua produção e circulação, sua função social.

QUADRO 3 – Demonstrativo das respostas dos alunos sobre onde puderam ler uma ou mais reportagens.

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1- Onde você leu uma ou mais reportagens?Variantes N° de alunos Porcentagem

Nunca leu nenhuma 12 75 %

Na escola 2 12,5%

Não soube responder 2 12,5%

A partir destas respostas pudemos observar que apenas dois alunos disseram

ter lido reportagem na escola. Esta resposta precisa ser relativizada, pois é

necessário considerar que nem todos reconheciam o gênero. Podemos observar

pelos dados obtidos que este gênero, possivelmente, foi pouco trabalhado com os

educandos, apesar de já estarem no 8º ano do Ensino Fundamental. Acreditamos

que trabalhar com os gêneros textuais na escola é essencial, pois são textos reais

que produzem significados e de grande circulação na sociedade.

Após ter feito uma investigação sobre o conhecimento prévio dos alunos

sobre o gênero, explicamos que iríamos desenvolver um trabalho de leitura com o

gênero discursivo reportagem. Em um primeiro momento, apresentamos aos alunos

algumas definições do gênero reportagem e, na sequência, a diferenciação entre

reportagem e notícia. Levamos jornais e revistas para a sala de aula e propusemos a

eles que observassem os conteúdos dos mesmos, e escolhessem uma reportagem,

observando alguns aspectos sobre a produção, circulação e recepção e

registrassem no caderno os seguintes questionamentos: Qual o assunto? Sobre o

que ou quem a reportagem escolhida está falando? Para quem (possivelmente)

está sendo direcionado o texto? O que sabe sobre o assunto?

Pudemos observar que houve receptividade dos alunos com relação à

atividade proposta. Todos os alunos empenharam-se em realizá-la, no entanto,

encontraram algumas dificuldades com referência ao público – alvo. Possivelmente,

isto tenha ocorrido devido a dificuldade de percepção, por parte dos alunos, daquilo

que não é dito explicitamente no texto.

Convidamos os alunos para, ao final de cada atividade trabalhada, anotarem

em um caderno pessoal (diário de classe) as suas considerações, registrando

também, as dificuldades encontradas. No que se refere aos aspectos sobre a

produção, circulação e recepção da reportagem destacamos alguns trechos destas

considerações realizadas pelos alunos.

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“ Hoje eu achei que a aula foi ótima, eu aprendi a diferença entre a reportagem e a notícia”.

“Hoje eu achei que a aula foi muito boa porque eu entendi mais sobre reportagem”.

“Hoje eu achei que a aula foi muito legal porque eu vi que há notícias parecidas com reportagem”.

“Eu achei reportagem difícil porque eu não sei quando é reportagem e quando é notícia”.

Podemos observar que houve uma compreensão sobre as condições de

produção da reportagem, mas observamos que ficaram dúvidas sobre a diferença

entre notícia e reportagem, apesar deste assunto ter sido abordado de forma

contextualizada, isto é, com textos próximos à realidade dos alunos, o que deveria

ter possibilitado maior assimilação dos conceitos abordados.

Apresentamos aos alunos uma notícia que tratava tematizava o contexto

social do aluno: “Fênix decreta situação de emergência”. A notícia discorria sobre a

situação de emergência no município devido à dengue. Em seguida, fizemos um

debate sobre a mesma, observando as características organizacionais do gênero,

seus aspectos funcionais e a linguagem empregada, verificando o direcionamento

argumentativo das diferentes vozes (dialogismo). Novamente, houve boa

participação dos alunos que comentaram sobre casos de dengue que aconteceram

em suas famílias. Inclusive um aluno da turma também havia contraído a doença. A

seguir, um exemplo de considerações sobre a aula de um aluno:

“Hoje a aula foi muito legal. Nós falamos sobre a dengue. Achei legal porque lemos a notícia sobre Fênix. Aqui tem muito caso de dengue e o prefeito disse na reportagem que é muito sério”.

Em outra aula, explicamos para os alunos a estrutura da reportagem escrita.

Retomamos, em seguida, os conceitos de reportagem e notícia e explicamos os

efeitos da linguagem própria desses gêneros, ou seja, os efeitos de objetividade,

neutralidade.

Para que os alunos observassem os efeitos da linguagem, após conceituá- la,

trabalhamos uma música que tematizava a Copa de 2014, que foi a temática

enfocada nas atividades subsequentes.

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Constatamos por meio do registro dos alunos que esta aula foi interessante,

mas um pouco difícil no que se referia a denotação e conotação. Vejamos a

observação de dois alunos sobre o conteúdo trabalhado:“Hoje a aula foi mais ou menos e aprendemos sobre denotativo e conotativo”“Hoje eu achei a aula muito legal por causa da música mas foi meio legal sobre conotativo e denotativo porque eu achei meio difícil. Eu aprendi depois e foi muito bom, acho que eu não estava muito ligada”

Na sequência, realizamos com os alunos leitura e análise de reportagens,

vídeos e charge sobre a Copa do Mundo de 2014. Pretendíamos que os alunos

pudessem formular um pensamento sobre as vantagens e desvantagens deste

evento e analisar também, as consequências sociais e econômicas que esse evento

causou em outros países.

Observamos algumas dificuldades com relação à leitura de charges:

“Eu achei a charge difícil, se a professora não tivesse explicado eu não ia entender”.

“Hoje eu fiquei um pouco sem entender a matéria porque eu achei a charge um pouco difícil”.

Consideramos que as dificuldades devem-se ao fato da linguagem, na

charge, sugerir sentidos além do conceito literal, e isto requer um leitor que esteja

bem informado com os acontecimentos políticos, sociais e econômicos que são

veiculados nos diferentes meios de comunicação, apesar de tratar-se do mesmo

tema “Copa do Mundo de 2014” sobre o qual os alunos já haviam realizado várias

leituras. Outra possibilidade seria a pouca leitura deste gênero que implica também

na compreensão do não verbal. Esta possibilidade se confirmou, pois após as

mediações realizadas, todos os alunos conseguiram realizar as atividades.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos no decorrer do desenvolvimento do projeto de intervenção, por

meio de atividades práticas de leitura, na perspectiva discursiva, levar os alunos a

sistematizarem conhecimentos sobre o gênero reportagem, considerando as

condições de produção, circulação e recepção.

Organizamos as aulas priorizando a leitura e discussão da função social do

gênero reportagem e suas condições de produção. Na concepção discursiva, o leitor

estabelece uma interação com o autor e com as perspectivas dadas e, assim, o

sentido do texto é produzido também pelo leitor.

Observamos que com um enfoque interacionista, as aulas de português

desenvolvidas com a aplicação do projeto na escola, proporcionaram melhorias na

capacidade de ler o gênero reportagem e os demais gêneros que foram trabalhados,

como: notícia, música e charge.

Constatamos, enfim, que o trabalho pedagógico de leitura em uma

perspectiva discursiva tornou o ensino-aprendizagem mais significativo para os

alunos.

5 REFERÊNCIAS

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