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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU -FURB CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PEDAGOGIA LUANA TILLMANN CULTURA ESCRITA DA PESSOA CEGA: A INCLUSÃO DE QUEM NÃO ENXERGA NA SOCIEDADE MULTILETRADA BLUMENAU 2013

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU -FURB

CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

PEDAGOGIA

LUANA TILLMANN

CULTURA ESCRITA DA PESSOA CEGA: A INCLUSÃO DE QUEM NÃO

ENXERGA NA SOCIEDADE MULTILETRADA

BLUMENAU

2013

LUANA TILMANN

CULTURA ESCRITA DA PESSOA CEGA: A INCLUSÃO DE QUEM NÃO

ENXERGA NA SOCIEDADE MULTILETRADA

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao

Curso de Graduação em Pedagogia do Centro de

Ciências da Educação da Fundação Universidade

Regional de Blumenau, como requisito parcial

para a obtenção do grau de licenciado em

Pedagogia.

Prof. Dra. Otilia Lizete Heinig – Orientador

BLUMENAU

2013

LUANA TILLMANN

CULTURA ESCRITA DA PESSOA CEGA: A INCLUSÃO DE QUEM NÃO

ENXERGA NA SOCIEDADE MULTILETRADA

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado para

obtenção do grau de licenciado, pela Banca

examinadora formada por:

Aprovado em: ___/___/______.

_________________________________________________

Presidente: Prof. Otilia Lizete Heinig, Dra. - Orientador, FURB

_________________________________________________

Membro: Prof. Rodrigo Marcelino de França, Ms., FURB

_________________________________________________

Membro: Prof. Izabel Viviane Zardo, Ms., FURB

Esta pesquisa é dedicada a todas as pessoas

cegas e/ou profissionais envolvidos com a

temática, que, assim como eu, reconhecem a

eficiência do Sistema Braille, considerando-o

como o principal método de leitura e escrita. E

que, complementar a este, utilizam as novas

tecnologias de informação e comunicação,

percebendo-as como ferramentas indissociáveis

da cultura escrita de quem não enxerga na

sociedade contemporânea.

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus familiares: pais (João Carlos Tillmann e Luiza Gonçalves

Tillmann), irmã (Morgana Tillmann), namorado (Lucas Cazagranda) e prima (Andressa

Bittencourt), que, de uma forma ou de outra, contribuíram para a efetivação desta pesquisa,

bem como, para a estruturação deste relatório. Agradeço também a todos os docentes do curso

de Pedagogia que, ao longo desses quatro anos, nos auxiliaram a construir nosso

conhecimento, agindo como mediadores do nosso processo de ensino-aprendizagem. Em

especial, agradeço à professora Dra. Otilia Lizete Heinig que, além de ter sido uma excelente

ministrante da disciplina de Teoria Pedagógica e Prática em Língua Portuguesa, prontamente

aceitou o convite para ser minha orientadora. Durante o desenvolvimento desta pesquisa,

orientou-me sabiamente, mostrando-me possibilidades e apontando caminhos, os quais, por

vezes, não enxergaria sozinha. Muito obrigada por sua dedicação e por compartilhar seu

conhecimento comigo e, consequentemente, com todos que lerão este documento. Por fim,

agradeço a todos os colegas de turma, com os quais troquei experiências, anseios e desejos ao

longo do curso. Entretanto, preciso agradecer em especial à querida e sempre amiga Stefanie

Cidral, que foi uma verdadeira companheira de faculdade, estando presente em todos os

momentos que necessitei de auxílio, de um ombro amigo, ou mesmo, somente para dar uma

boa risada e bater papo e, também, dividir o sorvete de aniversário do Nibbles.

Você tem diante de si um texto Braille e deixa

que sua mão aberta passeie pelo papel. Uma

sensação de aspereza estimula sua pele e nada

mais. Aí você experimenta olhar para o texto e a

princípio não vê senão um emaranhado de

pontos, que ora podem assemelhar-se a um

labirinto, ora lembram um bordado abstrato, ora

uma pauta musical, ora parecem sugerir flores ou

pequenos peixes. Como num jogo de quebra-

cabeça você pode se perguntar: Qual é a senha

ou a chave que me fará acessar a lógica desse

jogo?

Joana Belarmino de Sousa, 2004

RESUMO

Há aproximadamente seis mil anos, os seres humanos sentiram a necessidade de

registrar sua cultura, a fim de que, posteriormente, fosse acessada por seus descendentes.

Dessa forma, criaram o primeiro sistema de escrita, que servia para transmitir as informações

aos demais. Com a evolução dos povos antigos, novos códigos foram inventados, conforme as

necessidades de cada grupo e região. Em 1825, na França, um jovem cego chamado Louis

Braille desenvolveu um método de leitura e escrita, destinado ao uso das pessoas que não

enxergam. Este não foi o primeiro sistema criado para a execução das atividades dessa

natureza, entretanto, apresentou-se como o código mais lógico e eficaz, o qual atendia às

necessidades de comunicação escrita desse segmento da sociedade. Esta pesquisa

bibliográfica tem o objetivo de compreender, a partir da literatura, a cultura escrita da pessoa

cega e o processo de sua inclusão na sociedade multiletrada. Para tal, foram consultadas

fontes em Braille e digitalizadas de teóricos do campo da linguística e da educação de pessoas

cegas. Percebe-se que todos os indivíduos, independentemente de suas limitações físicas,

intelectuais ou culturais, caracterizam-se como sujeitos letrados, visto que, participam de

práticas e eventos de leitura e escrita no seu cotidiano, bem como, estão inseridos em uma

sociedade igualmente letrada. Nesse sentido, as pessoas cegas, aqui compreendidas como as

que fazem uso do Sistema Braille nas suas atividades de letramento, conforme a definição

pedagógica de deficiência visual, definem-se como sujeitos atuantes na sociedade, que,

equivalentemente às pessoas normovisuais, possuem uma cultura escrita. Contudo, na

sociedade moderna, as novas formas de comunicação, oriundas do advento das tecnologias

eletrônicas, transformam o conceito de letramento. Na contemporaneidade, o conjunto de

diversos elementos textuais, nos mais variados gêneros, denominado de multiletramento, bem

como, as práticas e os eventos de leitura e escrita estão migrando para o suporte tecnológico.

Esse letramento digital, o qual adota a tela como suporte de leitura e escrita, atinge a todos os

indivíduos. Sob essa perspectiva, considera-se que as pessoas cegas necessitam do software

leitor de telas para imergirem no letramento digital. Essa tecnologia assistiva proporciona-lhes

a utilização de ferramentas eletrônicas nas suas diferentes atividades e a navegação na

internet. Sendo assim, encontram-se em equiparação de oportunidades com as pessoas

normovisuais, no que diz respeito ao acesso às informações e ao conhecimento, bem como, à

comunicação e interação com outros indivíduos. Todavia, considera-se o Sistema Braille

como o principal método de leitura e escrita para as pessoas privadas do sentido da visão,

visto que, substitui o sistema comum (em tinta), utilizado por quem enxerga. Dessa forma, a

combinação entre Sistema Braille e leitor de telas favorece a participação plena das pessoas

cegas na sociedade multiletrada.

Palavras-chave: Cultura escrita. Pessoa cega. Sistema Braille. Sociedade multiletrada.

Letramento digital.

ABSTRACT

About six thousand years ago, human beings felt the need to record their culture, so

that it would be accessed by their descendants later. Thus, they created the first writing

system, which served to convey information. Along with the evolution of ancient peoples,

new codes were invented, according to the needs of each group and region. In 1825, in

France, a blind young man named Louis Braille developed a method of reading and writing

for the use of people who are blind. This was not the first system designed to perform

activities of this nature, however, it was the most logical and efficient code, which met the

needs of written communication of this segment of society. This research, based on literature,

aims to understand the writing culture of blind people, and the process of their inclusion in a

multiliterate society. Sources in Braille and also scanned ones by theorists in linguistics and

education of blind people were consulted. It is noticed that all individuals, regardless of their

physical, intellectual or cultural limitations, are characterized as literate, since they participate

in events and practices of reading and writing in everyday life as well as they are inserted in a

society that is also literate. So, blind people - here understood as those who use the Braille

system in their literacy activities - according to the pedagogical definition of visual

impairment, are defined as active individuals in society, and equivalently to sighted people,

have a writing culture. However, in modern society, the new forms of communication,

derived from the advent of electronic technologies, transformed the concept of literacy. In

contemporary times, the set of diverse textual elements, in several different genres, called

multiliteracy, as well as the practices and events of reading and writing are migrating to the

technological support. This digital literacy, which adopts the screen as a support for reading

and writing, reaches all individuals. Thus, it is considered that blind people need the screen

reader software to immerse in digital literacy. This assistive technology provides them with

the use of electronic tools in their several activities and web browsing. Therefore, they are in

equalization of opportunities with sighted people, with regard to access to information and

knowledge, as well as communication and interaction with other individuals. However, the

Braille system is considered as the primary method of reading and writing to people deprived

of the sense of sight, as it replaces the common system (ink), used by those who can see.

Hence, the combination of the Braille system and the screen reader promotes the full

participation of blind people in a multiliterate society.

Keywords: Written culture. Blind person. Braille system. Multiliterate society. Digital

literacy.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 19

2 CULTURA ESCRITA .................................................................................................... 25

2.1 A HISTÓRIA DA ESCRITA .................................................................................... 25

2.2 A LEITURA NA SOCIEDADE ................................................................................ 31

2.3 O ACESSO DAS PESSOAS CEGAS À LEITURA E À ESCRITA - ASPECTOS

HISTÓRICOS E SOCIAIS ................................................................................................... 34

3 SISTEMA BRAILLE ...................................................................................................... 41

3.1 O CRIADOR DESSE SISTEMA .............................................................................. 41

3.2 O QUE É O SISTEMA BRAILLE ............................................................................ 44

3.3 RECURSOS UTILIZADOS NA ESCRITA BRAILLE ............................................ 47

4 AS NOVAS FORMAS DE COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE MODERNA ....... 55

4.1 LETRAMENTO DIGITAL ....................................................................................... 58

4.2 AS PESSOAS CEGAS E O LETRAMENTO DIGITAL ......................................... 60

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 63

6 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 67

1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa originou-se a partir do interesse pessoal da pesquisadora em estudar a

cultura escrita da pessoa cega, pelo fato de, além de interessar-se pela capacidade humana de

ler e escrever, ser uma pessoa cega e, por vivenciar tal limitação sensorial, bem como,

trabalhar com a produção de materiais adaptados em Braille e com a difusão de tal sistema,

considera ser necessária a reflexão e a análise dessa temática. O Sistema Braille, código de

leitura e escrita comumente utilizado pelas pessoas cegas, desperta um interesse peculiar na

acadêmica, visto que, considera tal recurso de comunicação logística e tatilmente eficaz.

Luana nasceu com glaucoma congênito, doença ocular hereditária, caracterizada pelo

aumento da pressão intraocular. Até os quinze anos possuía baixa visão, enxergando somente

pelo olho direito. Devido à necessidade de desenvolver-se em igualdade de oportunidade para

com as crianças sem deficiência visual, seus pais matricularam-na em um serviço de

atendimento educacional especializado, no qual, recebia atendimentos periódicos de

estimulação essencial. Pelo fato do prognóstico do glaucoma, em casos incontroláveis como o

seu, ser a perda da visão, a partir dos dez anos Luana passou a aprender a ler e escrever

através do Sistema Braille, entretanto, no ensino regular e em demais atividades dessa

natureza, utilizava o sistema comum de escrita, conhecido também como "em tinta".

Ao perder a visão, devido a um descolamento de retina, a pesquisadora encontrou

facilidade em dar sequência aos seus estudos, pois já possuía domínio do código tátil que, a

partir de então, utilizou para exercer suas habilidades de leitura e escrita. Entretanto, ao

ingressar na universidade, sentiu a necessidade de efetuar suas leituras e anotações no

computador, por intermédio de um software leitor de telas. Tal decisão foi tomada, pois, sob a

perspectiva de Luana, o acesso aos materiais pela via do arquivo digital apresenta-se mais

amplo e dinâmico.

Todavia, a pesquisadora considera o Sistema Braille como o principal método de

leitura e escrita para as pessoas que não enxergam, assemelhando-se ao sistema em tinta para

as pessoas normovisuais. Nesse sentido, optou-se por desenvolver a presente pesquisa, na

qual os aspectos históricos e sociais da cultura escrita da pessoa cega serão descritos e

analisados, fazendo um paralelo aos recursos tecnológicos atuais que afastam o usuário do

Sistema Braille desse recurso eficiente de comunicação escrita. Além disso, analisar-se-á

inclusão da pessoa cega na sociedade multiletrada, refletindo sobre suas vias de acesso à

informação e à comunicação.

A partir da invenção da escrita, o homem pôde comunicar-se e transmitir informações

e conhecimentos sem necessitar estar presente. Ao escrever, o autor transmite ao interlocutor

ideias, opiniões e saberes, bem como, estabelece relações de interação e diálogo. É através da

leitura que o indivíduo tem acesso a uma gama de conhecimentos, ampliando, assim, seus

saberes e perspectivas. Estar em um mundo permeado de símbolos que se determinam letras,

e por sua vez, têm um significado de compreensão e promovem o acesso a informação, faz

parte da vida do ser humano.

A criança normovisual está em constante contato com a língua escrita, visto que as

letras e, consequentemente a leitura, fazem parte do seu cotidiano, por exemplo, em placas,

panfletos, televisão, livros, embalagens, jogos, jornais, revistas, eletrônicos. Ou seja, desde

muito cedo ela estabelece uma relação estreita com a cultura escrita, percebendo que tais

símbolos têm um significado e uma função específica na vida social dos seres humanos.

Já a criança cega, privada do sentido da visão, não tem relação com a escrita

equivalente à criança normovisual. É só na estimulação essencial, ou até somente na escola,

que ela começará a entrar em contato com a escrita e a leitura. Impedida do ato de imitação

voluntária, não observa que as pessoas leem e escrevem. Se elas não forem inseridas em uma

cultura letrada, o significado e a função social da escrita não são compreendidos.

O Sistema Braille se apresenta como a principal forma de leitura e escrita para a

pessoa cega. Equivalente ao sistema comum de escrita para as pessoas que enxergam, a leitura

tátil estimula os neurônios, fazendo com que o cérebro se esforce em decodificar e interpretar

o que se lê. O não acesso ao Sistema Braille acarreta falhas na compreensão de segmentação

lexical, pontuação e ortografia. Os estudantes cegos que não têm acesso constante ao material

transcrito em Braille, no âmbito escolar (ensino regular), podem apresentar dificuldades

incomuns para sua faixa etária, no que diz respeito ao desenvolvimento da língua escrita. Por

ser cega e por trabalhar com a produção de materiais de apoio pedagógico e suplementação

didática em Braille, utilizados por estudantes cegos no ensino regular, bem como, por estar

em constante diálogo com os professores referência desses estudantes e os professores do

Atendimento Educacional Especializado (AEE), da rede municipal de Blumenau, a

pesquisadora percebe a necessidade de analisar, na literatura, a cultura escrita da pessoa cega,

refletindo sobre a inclusão de quem não enxerga na sociedade multiletrada.

Pressupõe-se que a cultura escrita da pessoa cega se apresenta singular à cultura

escrita da pessoa normovisual. Entretanto, as vias de acesso às informações de quem não

enxerga são prejudicadas, considerando que a sociedade contemporânea está permeada por

recursos visuais de comunicação escrita, os quais, não são pensados para promover o acesso

de todos às informações transmitidas. Nesse sentido, estudá-la ampliará as oportunidades de

promoção e facilitação do acesso desses usuários à escrita e à leitura, através do Sistema

Braille.

Referente à escrita e à leitura no ensino regular, o estudante cego tem o direito de

usufruir do material didático adaptado às suas necessidades educativas, ao mesmo tempo em

que os demais estudantes da sua classe. Por vezes, eles são privados do acesso ao material em

Braille, tendo que se limitar a ouvir e copiar. A falta da leitura constante reflete em muitas

dúvidas referentes à língua escrita. Como ocorre o desenvolvimento da escrita desses

aprendizes, se, na sua maioria, os conhecimentos e conteúdos lhes são transmitidos através da

oralidade? Interromper constantemente o que lhe é ditado, para questionar qual a ortografia

correta de determinada palavra, além de gerar constrangimento ao indivíduo cego, também

torna o processo de cópia mais extenso. Então, torna-se mais "cômodo" arriscar a grafia que

acredita ser correta.

Considera-se que esta pesquisa é relevante para a compreensão da cultura escrita das

pessoas cegas, visto que, com uma margem de cinco anos anteriores, não se encontrou

pesquisas que seguiram exatamente essa linha. Entretanto, deparou-se com investigações

próximas que discutem sobre a inclusão do estudante cego no ensino regular ou sobre a

alfabetização em Braille, mas não houve desdobramentos sobre as especificidades da cultura

escrita da pessoa cega e de que forma estas são incluídas na sociedade multiletrada.

Nicolaiewsky, ao longo da sua vida acadêmica (iniciada em 2003), produz pesquisas

que se aproximam do tema elencado. Entre elas, menciona-se a dissertação de mestrado, que

realizou em 2008, "Segmentação lexical na produção textual em Braille". Desta, deriva o

artigo científico "Habilidades cognitivo-linguísticas e segmentação lexical em Braille",

publicado em 2009, pela mesma autora.

Nessa pesquisa, sob a orientação de Correa, desenvolveu uma investigação com vinte

e um estudantes cegos do 1º, 2º e 3º ano do Ensino Fundamental do Instituto Benjamin

Constant1. Esses estudantes foram selecionados de acordo com o conhecimento mínimo da

língua escrita em Braille que já possuíam e sua capacidade de produzir frases. Eles foram

entrevistados individualmente no contraturno escolar, bem como, produziram um texto em

Braille de sua autoria. Em seguida, efetuaram a leitura de seus textos que foram gravados em

áudio, para posterior análise. Os estudantes pesquisados apresentaram a predominância de

1 Instituição especializada no atendimento e na reabilitação de pessoas com deficiência visual (cegas e com baixa

visão), bem como, na formação continuada de profissionais atuantes na área. Localiza-se na cidade do Rio de

Janeiro. Site oficial: <www.ibc.gov.br>.

hipossegmentações na escrita das palavras semelhante a crianças normovisuais. Com isso,

constatou-se que é fundamental o entendimento do processo de aquisição da língua escrita por

parte dos docentes, a fim de que se desenvolvam práticas pedagógicas que ampliem o domínio

das habilidades de produção de textos.

Considerando a importância do Sistema Braille para a inclusão social dos indivíduos

cegos, pesquisas que enfoquem o seu aprendizado são de extrema relevância para o

desenvolvimento de práticas pedagógicas que facilitem o processo de aquisição da

língua escrita por deficientes visuais. (NICOLAIEWSKY e CORREA, 2009, p. 6)

No VII Senabraille (Seminário Nacional de Bibliotecas Braille), Mendes (2011)

apresentou o trabalho "A leitura tátil como mediadora para o aprendizado da escrita Braille",

no qual desenvolveu um estudo de caso com dois adultos cegos, reabilitandos, que estavam

aprendendo o Sistema Braille. A autora ressalta a importância da leitura em Braille para a

construção da escrita, constatando que a frequência dessa leitura promove a diminuição dos

erros ortográficos, a ampliação de vocabulário e a produção de textos mais elaborados.

Faz-se necessário que os profissionais da educação compreendam a importância e o

direito que o estudante cego tem em receber o material adaptado às suas necessidades

educativas e, assim, poder acompanhar a turma normalmente. Dessa forma, o processo de

inclusão destes na escola comum dar-se-á de forma eficiente e completa.

Tais pesquisas foram selecionadas pela relevância do tema, pois enfatizam a

importância do uso do Sistema Braille como código de leitura e escrita eficiente e completo

para as pessoas cegas. Nesse sentido, optou-se por, ao refletir e analisar a cultura escrita da

pessoa cega, descrever a estrutura desse sistema, sob a perspectiva de que se caracteriza como

principal código que atende às necessidades de registro de comunicação das pessoas privadas

do sentido da visão.

Este documento apresenta o relatório da pesquisa bibliográfica "Cultura escrita da

pessoa cega: a inclusão de quem não enxerga na sociedade multiletrada". Esta, tem por

objetivo geral: compreender, a partir da literatura, a cultura escrita da pessoa cega e o

processo de sua inclusão na sociedade multiletrada. A fim de alcançá-lo, foram consultadas

fontes de teóricos do campo da linguística e da Educação Especial, mais especificamente da

educação de pessoas cegas e da difusão do Sistema Braille. Este trabalho, em seu

desenvolvimento, divide-se em três capítulos principais, os quais, respectivamente, também

possuem um objetivo específico.

No primeiro, intitulado "Cultura escrita", objetiva-se: caracterizar a cultura escrita,

enfatizando seus aspectos históricos e sociais. Para fundamentação foram utilizados autores

que discorrem sobre os aspectos históricos e sociais da escrita e da leitura, bem como, o

acesso das pessoas cegas a ela, tais como: Maurício Carvalho et al. (1999), João Roberto

Franco e Tárcia Regina da Silveira Dias (2005), Alberto Manguel (1997) e Joana Belarmino

de Sousa (2004), dentre demais fontes pertinentes ao tema.

Já o segundo capítulo, que tem como objetivo descrever o Sistema Braille, ressaltando

sua estrutura, uso e principais normas de aplicação, denomina-se "Sistema Braille". Nesse

momento, como fonte de dados, foram consultados documentos oficiais do Ministério da

Educação, que apresentam informações relevantes sobre esse Sistema, como: "Desenvolvendo

competências para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos cegos e de

alunos com baixa visão" (BRASIL, 2006a) e “Grafia Braille para a Língua Portuguesa”

(BRASIL, 2006b), bem como pesquisadores da deficiência visual e do Sistema Braille, como:

José Antônio dos Santos Borges (2009), José Antônio Lages Salgado Batista (2000), Jonir

Bechara Cerqueira (2009) e Clarissa de Arruda Nicolaiewsky (2008).

O último capítulo analisa a inclusão das pessoas que não enxergam na sociedade

multiletrada, sendo intitulado de "As novas formas de comunicação na sociedade moderna", e

tem por objetivo: comparar em quais aspectos a cultura escrita da pessoa normovisual difere

da cultura escrita da pessoa cega. A fim de alcançar esse objetivo, foram consultados teóricos

do campo da linguística: Magda Soares (2002) e Mauricéia Silva de Paula Vieira (2012), bem

como, estudiosos da área do Sistema Braille e da educação de pessoas cegas: Edison Ribeiro

Lemos et al. (1999), Joana Belarmino de Sousa (2008) e Fabricia Barbosa de Omena (2009).

Este estudo caracteriza-se por seu objetivo geral como uma pesquisa de natureza

qualitativa, pois tem como intuito investigar a subjetividade dos dados, aqui compreendidos

como os enunciados dos teóricos que estudam o tema, sem quantificá-los, debruçando-se

sobre suas especificidades. A forma que o pesquisador interpreta os enuciados e lhes atribui

sentido, influencia no resultado da pesquisa.

Segundo Bogdan e Biklen (1991), a pesquisa de natureza qualitativa apresenta cinco

características. Todavia, para uma investigação ser classificada como tal, não

necessariamente, deve possuir todas simultaneamente.

A primeira característica trata-se da dedicação pessoal do investigador. Para os autores

"[...] o comportamento humano é significativamente influenciado pelo contexto em que

ocorre." (BOGDAN e BIKLEN, 1991, p. 48). Dessa forma, tanto por estudo no local, quanto

através de recursos tecnológicos, o investigador colhe os dados que lhe interessam. Por estar

em constante contato com o local da investigação, se tornará mais crítico e ampliará suas

perspectivas.

A pesquisa qualitativa apresenta como segunda característica, sua estrutura descritiva.

A presença de citações de dados colhidos que fundamentam a descrição dos resultados, faz-se

necessária referente à sua consistência e veracidade.

Como terceira característica, Bogdan e Biklen (1991), ressaltam que os pesquisadores

que desenvolvem um estudo qualitativo, na sua maioria, interessam-se mais pelo processo de

investigação do que pelos resultados obtidos. O grau de envolvimento do pesquisador reflete

na análise dos dados. Quanto mais estiver envolvido, mais terá segurança e propriedade

científica para analisá-los.

A quarta característica define que o pesquisador, ao analisar os dados colhidos, o faz

de forma indutiva. A partir da sua perspectiva e da sua fundamentação teórica, ele apresenta

os resultados subjetivos. Conforme os dados são agrupados, as abstrações inerentes ao

pesquisador, são adquiridas.

Por fim, a última característica da pesquisa qualitativa enfatiza o grau de importância

que o tema pesquisado tem sobre os sujeitos da investigação, bem como referente ao

aprendizado adquirido pelo pesquisador.

Optou-se por desenvolver uma pesquisa bibliográfica, visto que é necessário,

inicialmente, compreender como ocorre essa cultura escrita da pessoa cega e de que maneira

estas, são incluídas na sociedade moderna, a qual possui uma gama extensa de formas

diversas de letramento, através dos materiais científicos já publicados. Nesse sentido, esta

pesquisa caracteriza-se como bibliográfica, pois, segundo Rauen (2002), utiliza somente

fontes bibliográficas, seja em suportes impressos ou digitais.

Cabe ressaltar, que, indo ao encontro do tema deste estudo, a pesquisadora teve

dificuldade em acessar materiais pertinentes ao tema e de qualidade científica, visto que uma

parcela dos livros desejados para consulta não foram disponibilizados em formato digital

acessível ou em Braille.

Por fim, este documento apresenta as considerações finais, nas quais, com base nos

dados bibliográficos colhidos, é elucidado a comparação da cultura escrita da pessoa

normovisual com a da pessoa cega, enfatizando o uso combinado de dois recursos de leitura e

escrita para as pessoas que não enxergam (o Sistema Braille e a utilização de tecnologias

eletrônicas, através do leitor de telas), bem como, as referências citadas, devidamente listadas.

2 CULTURA ESCRITA

Letras, palavras, frases, textos, estão presentes no cotidiano dos seres humanos, desde

sua tenra idade. Escrever, para uma parcela considerável da sociedade, trata-se de uma

atividade automática e rotineira. A capacidade da comunicação escrita não se caracteriza mais

como uma habilidade restrita aos poderosos e oriundos de classes sociais favorecidas. O

mundo letrado atinge a todos os indivíduos, independentemente de suas limitações físicas,

sociais ou culturais.

Sob essa perspectiva, as pessoas cegas também se caracterizam como membros

representativos desse universo permeado de informações, transmitidas através da

comunicação escrita. Inseridas na sociedade como cidadãos produtores e ativos, elas escrevem

e leem, possuem uma cultura escrita e fazem parte do mundo letrado na mesma proporção que

as pessoas normovisuais, entretanto, os recursos utilizados, as vias de informação e o grau do

acesso ao conhecimento diferem.

A cultura escrita dos seres humanos originou-se há mais de seis mil anos. Equivalente

a qualquer tecnologia idealizada e produzida, possui uma trajetória histórica e uma variação

referente ao seu valor social. A fim de atingir o objetivo deste capítulo: caracterizar a cultura

escrita, enfatizando seus aspectos históricos e sociais, a seguir, apresentam-se três seções que,

respectivamente, discorrem sobre a história da escrita, a leitura na sociedade e o acesso das

pessoas cegas à leitura e à escrita, ressaltando seus aspectos históricos e sociais.

2.1 A HISTÓRIA DA ESCRITA

Esta seção tem o objetivo de apresentar os aspectos peculiares da evolução da palavra

escrita, enfatizando os períodos históricos nos quais determinados povos desenvolveram

sistemas de escrita que suprissem suas necessidades de comunicação, adaptados às suas

respectivas línguas faladas. Para tal, foram utilizadas três fontes de consulta: o livro "Uma

história da leitura" (MANGUEL, 1997); o texto "A história da escrita" (CARVALHO et al.,

1999); e o documentário "A história da palavra - o nascimento da escrita"2, nos quais os dados

foram comparados, difundidos e sintetizados, a fim de facilitar a compreensão desse contexto

2 A HISTÓRIA DA PALAVRA: o nascimento da escrita . Produção e direção de Sang-ho Hang. S.l.: EBS.

(27min51seg). Dublado em português.

histórico e do aperfeiçoamento dessa tecnologia, tão relevante para o desenvolvimento da

humanidade.

No final do quarto milênio, no Oriente Médio, foi inventado o código que deu

autonomia aos seres humanos. Antes da criação da arte de escrever, os povos antigos

comunicavam-se principalmente pela fala. A partir do desenvolvimento da comunicação

escrita, as informações e os conhecimentos puderam ser transmitidos a uma quantidade

inumerável de pessoas. Segundo Manguel (1997), a escrita foi desenvolvida com o intuito de

organizar uma sociedade complexa, visto que, seus membros sentiram a necessidade de

registrar as leis, éditos e regras de comércio vigentes. Com o aumento das civilizações e das

atividades executadas por elas, os homens desejaram registrar seus pensamentos e ações, a

fim de eternizá-los e transmiti-los aos seus descendentes. Para Sousa (2004), a conquista da

linguagem verbal se caracteriza como uma solução que os indivíduos encontraram para

preservar sua permanência no mundo. Após a invenção da escrita, a fala tornou-se

incontestável, bem como, a cultura dos povos pôde ser repassada às gerações subsequentes e

disseminada por todas as sociedades letradas.

Na Mesopotâmia, por volta de 4000 a.C., os povos agrícolas da região Suméria,

localizada entre os rios Tigre e Eufrates, criaram a primeira forma de registro, composta de

sinais rudimentares que antecederam o sistema de escrita. "Com toda a probabilidade, a

escrita foi inventada por motivos comerciais, para lembrar que um certo número de cabeças

de gado pertencia à determinada família ou estava sendo transportado para determinado

lugar." (MANGUEL, 1997, p. 206). Nessa região, inicialmente símbolos semelhantes à cruz e

rabiscos eram registrados em jarros de barro, a fim de representar quantidades de produtos

comercializados pelos sumérios. Se uma negociação, por exemplo, envolvia sessenta cabeças

de carneiros, reproduzia-se a mesma quantidade desses sinais nos respectivos jarros e, cada

negociante ficava com um, como uma espécie de contrato. Toda via, a partir do aumento das

civilizações, houve a necessidade de criar-se outros sinais.

Em razão da praticidade do manuseio de tais registros, desenhos desses itens

produzidos pela população, inclusos em negociação comercial, bem como o número que

representava a sua quantidade, passaram a ser desenhados em placas de argila, com gravetos

afiados ou, por vezes, com ossos ou metais, indicando o perfil da transação e as partes

envolvidas. Por exemplo, em uma negociação que continha trezentos grãos de cevada,

escrevia-se tal número e desenhava-se esse grão, dessa forma, a escrita tornou-se mais

compacta. Com esse perfil de registro, originou-se o primeiro sistema de escrita conhecido

pelos homens, denominado cuneiforme. Carvalho et al. (1999) ressaltam que esse código foi

utilizado em diferentes línguas, com registros datados desde 3000 a.C. até 300 d.C., por

diversos povos da Mesopotâmia e da Pérsia.

O cuneiforme possuía a estrutura de escrita fonético-pictográfica, ou seja, os símbolos

representavam tanto os sons emitidos na pronúncia de determinada palavra (sinais fonéticos),

quanto a real forma dos elementos da natureza, dos seres e/ou dos objetos (pictogramas). A

estrutura de escrita do referido sistema, conhecida também como logográfica, equivale à

utilizada na língua chinesa, visto que, as palavras (logo) são representadas pelos ideogramas

(grafos).

A transição da fase de sinais para a de escrita, ocorrida a partir da criação do

cuneiforme, deu início à escrita silábica. Devido à quantidade de símbolos que possivelmente

poderiam ser registrados nessa escrita, no seu início, possuía cerca de mil e quinhentos

caracteres que, exclusivamente, deveriam ser memorizados pelo escritor. Posteriormente, com

a evolução constante da escrita, estes, foram reduzidos para aproximadamente seiscentos. Na

Mesopotâmia, somente as crianças oriundas de famílias ricas e poderosas tinham a

oportunidade de tornarem-se escribas. O ensino da escrita baseava-se na memorização dos

caracteres e no treino da leitura. Saber ler e escrever apresentava-se como sinônimo de poder

e liderança. Elas aprendiam tanto a moldar as placas de argila que utilizariam, quanto a traçar

os símbolos e decorar seus valores fonéticos.

Aproximadamente no mesmo período histórico, outro sistema de escrita foi

desenvolvido. O hieróglifo, que significa grafia sagrada, foi criado no Egito e era utilizado

somente para representar a língua egípcia, entre 4900 a.C. até 300 a.C., conforme registros

arqueológicos. Os egípcios acreditavam que Toth, Deus da sabedoria, inventou a escrita e a

transmitiu aos homens, a fim de que disseminassem o conhecimento pelo mundo. A estrutura

dessa escrita assemelhava-se a do código mesopotâmico, pelo fato de possuir símbolos que

indicavam palavras ou sons isolados, isto é, de natureza logossilábica. Esta, misturava "[...]

caracteres puramente logográficos (que eram desenhos estilizados das palavras que

representavam) e caracteres fonéticos (servindo apenas para indicar a pronúncia)."

(CARVALHO et al., 1999, p. 3). Entretanto, com o aumento da necessidade de registrar as

ações e as informações com precisão, o sistema de escrita egípcio foi aperfeiçoado, deixando

de utilizar somente pictogramas. Carvalho et al. (1999), explicam que para representar

conceitos complexos, esse código utilizava alguns truques fonéticos. Por exemplo, para

escrever a palavra camaleão utilizava-se o hieroglífico cama e o hieroglífico leão (cama+leão

= camaleão). Todavia, apesar do o uso de tais truques, a representação integral da fala

apresentava-se enfraquecida, dando margem a interpretações equivocadas do que foi escrito e

estava sendo lido.

Dois milênios após a invenção do sistema cuneiforme, o povo fenício, em 1200 a.C.,

desenvolveu um sistema de escrita menos complexo, denominado alfabeto consonantal. Este,

proporcionou o acesso à escrita e à leitura para todos os indivíduos, desmistificando o

conceito do perfil do escriba como um membro da elite e detentor do poder. Na sua estrutura,

os símbolos representavam somente as consoantes, não sendo criados símbolos que

representassem as vogais. Estas, necessitavam ser memorizadas pelo leitor, tanto referente à

sua pronúncia, quanto à sua localização nas palavras.

Para cada consoante, foi escolhido um símbolo que previamente era um logograma

representando uma palavra de uso comum, e foi-lhe dado um valor puramente

fonético, de acordo com seu som inicial. Por exemplo: Beth (casa) foi escolhido para

o fonema /b/ [...]. (CARVALHO et al., 1999, p. 4).

Essa escrita fenícia originou os alfabetos hebraico e árabe, que mantiveram a mesma

estrutura. Entretanto, também influenciou o alfabeto grego, o qual possuía símbolos que

representavam as consoantes e as vogais, denominado cientificamente de alfabeto vocálico

consonantal. Além da criação de símbolos para as vogais, o sistema grego inverteu a direção

da escrita. Esta, passou a ser efetuada da esquerda para a direita, diferentemente dos outros

três códigos, que eram escritos da direita para a esquerda. "Inicialmente, contudo, os gregos se

utilizavam do sistema denominado "boustrophédon" (arado), em que uma linha ia da esquerda

para a direita e a seguinte da direita para a esquerda e assim por diante." (CARVALHO et al.,

1999, p. 5). Outros sistemas de escrita foram criados por diversos povos, sempre com o

objetivo de registrar suas ações e difundir sua cultura. As estruturas de tais códigos diferem,

visto que, cada novo sistema era desenvolvido com base na sua língua falada e necessitava ser

adequado a ela, a fim de que a leitura se tornasse compreensível e objetiva.

Em 700 a.C. a escrita brahmi foi desenvolvida na Índia, com o intuito de representar a

língua sagrada (sânscrito) dos brâmanes. Esse sistema assemelhava-se ao criado pelos gregos,

visto que, caracterizava-se por sua natureza silábica-alfabética, ou seja, todos os sons da fala

marcavam-se na escrita. Entretanto, segundo Carvalho et al. (1999), os hindus obtiveram mais

êxito em sua invenção, pois, seu alfabeto apesar de complexo, possibilitava a representação

gráfica de qualquer som fonético, pelo fato de combinar letras na formação de sílabas, que por

sua vez compunham as palavras. Deste, derivaram outros alfabetos, por exemplo, o

devanágari e o tailandês, que permanecem em uso.

A partir da consolidação do Império Romano "[...] a escrita foi divulgada por uma

extensão territorial enorme, inclusive por regiões não romanas, dando origem, ainda na Idade

Antiga, por exemplo, à escrita rúnica dos vikingues e a escrita céltica, entre outras."

(CARVALHO et al., 1999, p. 7)). O sistema de escrita utilizado pelos romanos, denominado

de alfabeto latino, apresentava-se como uma adaptação exclusiva do alfabeto vocálico-

consonantal, criado pelos gregos, para o latim. Nas inscrições de monumentos e edifícios

usava-se a escrita monumental, que serviu como base para a estrutura das letras de forma

(conhecidas também como CAIXA ALTA). Já os textos, eram escritos com letras

garranchadas, omitindo-se os espaços entre as palavras. No latim clássico, algumas letras não

existiam e outras possuíam um valor fonético diferente do conhecido na modernidade.

O alfabeto latino era portanto assim: A, B, C, D, E, F, G, H, I, K, L, M, N, O, P, Q,

R, S, T, V, X, Y, Z, sendo que as letras K, Y e Z serviam apenas para grafar palavras

de origem grega. A letra C representava sempre o som /k/ [...]. (CARVALHO et al.,

1999, p. 7).

Na Idade Média, em aproximadamente 340 d.C. o Império Romano decaiu e, consigo,

as suas línguas oficiais faladas na época (o grego clássico e o latim). Todavia, nesse período,

"Surgem o grego medieval e as línguas neolatinas (português, castelhano, catalão, francês,

italiano, provençal, romeno, etc.), marcadas agora pela dominação da Igreja Católica

Ortodoxa (grega) e Romana." (CARVALHO et al., 1999, p. 9). O desenvolvimento do

registro escrito de tais línguas não foi imediato a sua origem falada, visto que, nessa época o

latim cristão, denominado de latim medieval, somente era escrito, dada a preferência dos

membros da Igreja. Carvalho et al. (1999) explicam que os monges copistas reproduziam na

íntegra as obras escritas em latim clássico, com o objetivo de preservá-las e garantir sua

permanência na humanidade. Os exemplares eram copiados de forma manuscrita, nos quais,

não se inseria espaço entre as palavras, a fim de agilizar o processo de cópia. Manguel (1997)

destaca que a escrita sem espaços entre as palavras, ou mesmo recuos de parágrafos,

apresentava-se comum aos escribas, considerando sua praticidade no ato de copiar e a

memorização do conteúdo das obras reproduzidas. Tal formato de escrita originou as letras

latinas e gregas, bem como, o estilo de letras cursivas.

A partir desse período, passou-se a utilizar as letras maiúsculas e minúsculas,

entretanto de forma desarmonizada. Toda via, com o desenvolvimento da língua escrita, as

letras maiúsculas foram introduzidas gradativamente nos sistemas, destacando o início dos

parágrafos e das palavras relevantes. "Em muitas línguas, todos os substantivos, próprios ou

comuns, se iniciavam com maiúscula, mas hoje apenas o alemão conserva essa

excentricidade." (CARVALHO et al., 1999, p. 9).

A fim de ajudar os que tinham pouca habilidade para ler, os monges do scriptorium

dos conventos usavam um método de escrita conhecido como per cola et commata,

no qual o texto era dividido em linhas de significado - uma forma primitiva de

pontuação que ajudava o leitor inseguro a baixar ou elevar a voz no final de um

bloco de pensamento. Esse formato ajudava também os estudiosos a encontrar mais

facilmente algum trecho que estivessem buscando. (MANGUEL, 1997, p. 65)

Esse método auxiliava os leitores na compreensão dos textos, bem como, originou os

sinais de pontuação. Contudo, tais sinais passaram a ser utilizados no alfabeto latino e no

grego somente no final da Idade Média. Manguel (1997) explica que para sistematizar a

leitura, após o século VII, passou a ser utilizada uma combinação de pontos e traços que

indicava uma pausa plena, equivalente ao ponto final, bem como, um ponto elevado que

possuía o valor da vírgula e um sinal semelhante ao ponto e vírgula, no que diz respeito a sua

estrutura e a sua aplicação. Registros históricos afirmam que aproximadamente no século IX,

os escribas desenvolveram o hábito de separar as palavras umas das outras, a fim de

simplificar a leitura e embelezar o texto. Na mesma época, "[...] os escribas irlandeses,

famosos em todo mundo cristão por sua habilidade, começaram a isolar não somente partes do

discurso, mas também os constituintes gramaticais dentro de uma frase, e introduziram muitos

dos sinais de pontuação [...]" utilizados na modernidade (MANGUEL, 1997, p. 66). No século

X, escrevia-se as linhas iniciais das seções principais dos textos utilizando tinta vermelha,

com o objetivo de destacá-las.

Também no final da Idade Média, o alfabeto cirílico foi desenvolvido, originado com

base no alfabeto grego e incrementado com letras hebraicas, criado para representar as línguas

dos povos ortodoxos. Em 400 d.C. outros dois alfabetos foram inventados para representar,

respectivamente, as línguas da Geórgia e a Armênia. Estes, possuíam letras distintas das

greco-latinas, porém seguia o mesmo sistema. "Assim se criaram os alfabetos da Europa

moderna: o latino (em suas dezenas de variantes), o cirílico (com variações regionais

também), o grego moderno, o armênio e o georgiano." (CARVALHO et al., 1999, p. 10).

Dentre os alfabetos criados pelas civilizações, o latino era utilizado por uma quantidade maior

de línguas. Entretanto, a fim de adequar-se às pronúncias desses idiomas, novos símbolos

foram desenvolvidos, denominados diacríticos.

Com a invenção da imprensa na década de 40 do século XV, pelo europeu Johannes

Gutenberg, o alfabeto latino passou a ser conhecido pelos povos de diversas regiões. Alguns

destes, adotaram esse alfabeto ocidental como principal sistema de escrita, ou mesmo,

substituíram o que já utilizavam por ele. Sua estrutura simplificada e sua praticidade no

registro contribuíram para o desenvolvimento da imprensa móvel. Carvalho et al. (1999)

afirmam que o referido alfabeto se caracteriza como código universal, bem como, é

apresentado e ensinado em todos os países, paralelamente à escrita local.

Entre 1450 e 1455 o primeiro livro impresso foi produzido por Gutenberg. Tratava-se

de uma Bíblia Sagrada dividida em cadernos com cinco páginas e quarenta e duas linhas por

cada. Até o século XX, para realizar a impressão dos textos, utilizava-se "[...] prismas de

metal para moldar as faces das letras, uma prensa que combinava características daquelas

utilizadas na fabricação de vinho e na encadernação, e uma tinta de base oleosa [...]"

(MANGUEL, 1997, p. 158). Com esse sistema, a reprodução dos materiais de leitura tornou-

se mais ágil e numerosa.

Partindo dessa contextualização histórica referente à evolução do sistema de escrita, na

qual se verificou que esse meio de comunicação se originou há seis milênios, desenvolvido

pelos povos da Mesopotâmia, e, no século XV, difundiu-se por toda a extensão do planeta

Terra atingindo todos os povos letrados, através da invenção da imprensa (escrita tipográfica),

na próxima seção analisar-se-á a leitura na sociedade, considerando que ela antecede a

capacidade de escrita e possui um valor social equivalente ao seu valor histórico.

2.2 A LEITURA NA SOCIEDADE

Esta seção abordará os aspectos sociais da leitura, considerando-a como um sistema de

comunicação fundamental entre os indivíduos, a qual possui um valor social que se modificou

ao decorrer da evolução da humanidade. Enfatizando os métodos de ensino da leitura,

objetiva-se compreender a função dessa capacidade nas relações interpessoais. Para tal, a

seguir apresenta-se uma síntese do capítulo "O aprendizado da leitura" (p. 85-103), do livro

"Uma história da leitura" (MANGUEL, 1997). Na qual as especificidades da leitura na

sociedade até o final da modernidade são ressaltadas.

O aprendizado da leitura antecede o desenvolvimento da escrita. Os métodos de

alfabetização, pelos quais os indivíduos são ensinados a ler, influenciam no perfil desse leitor.

Nesse sentido, o grau de acesso aos materiais escritos e a estimulação para realizar tal ação,

caracterizam-se como determinantes do seu hábito e eficiência de leitura.

A capacidade de ler proporciona ao indivíduo uma independência social, visto que,

possui autonomia e liberdade para escolher suas leituras e, dessa forma, adquire acesso ao

conhecimento, através do seu livre arbítrio. "A criança, aprendendo a ler, é admitida na

memória comunal por meio de livros, familiarizando-se assim com um passado comum que

ela renova em maior ou menor grau, a cada leitura." (MANGUEL, 1997, p. 89). A partir do

momento que aprende a ler, o ser humano insere-se na sociedade e constrói seu conhecimento

de forma independente.

Inicialmente, o aprendizado da leitura e da escrita destinava-se apenas aos indivíduos

pertencentes às famílias poderosas, tanto economicamente quanto socialmente. Com a

dominação da Igreja, essa atividade passou a ser praticada somente para fins religiosos e,

apenas seus membros tinham acesso a ela. As pessoas que aprendiam a ler sem estarem

envolvidas diretamente com essa instituição, faziam parte da aristocracia e, após o século

XIII, da alta burguesia. Manguel (1997) ressalta que em algumas dessas famílias, a ama de

leite, se soubesse ler, ensinava às crianças pequenas tal habilidade. Ela apontava em uma

cartilha ou abecedário as letras do alfabeto, e a criança deveria soletrá-las repetidamente, a

fim de que as memorizasse. Após já estarem alfabetizadas, contratavam-se professores tutores

para ensinar os meninos, enquanto as meninas deveriam ser educadas por suas mães.

Entretanto, a função da leitura e da escrita para as mulheres, limitava-se ao letramento

religioso. As meninas somente deveriam desenvolver tal capacidade com o objetivo de

preparar-se para o convento.

Por volta do século XIII, nas escolas e universidades, o método utilizado para ensinar

a leitura denominava-se escolástica. Este, consolidava os preceitos religiosos com os

argumentos da razão, a fim de harmonizar as ideias divergentes. "Logo, porém, a escolástica

tornou-se um método de preservar ideias e não de trazê-las à tona." (MANGUEL, 1997, p.

92). Nesse método, os estudantes eram treinados para, ao lerem um texto, interpretá-lo de

acordo com critérios estabelecidos e aprovados com antecedência. Ou seja, não possuíam a

liberdade de pensar por si e nem expor suas opiniões e perspectivas. Segundo Manguel

(1997), a eficiência da aplicação da pedagogia escolástica não dependia do grau de

inteligência do aprendiz, mas sim da sua perseverança. Eles deveriam decorar as letras e as

regras gramaticais, por isso, os resultados eram insatisfatórios, pois não havia aprendizado,

mas sim memorização.

Nessa pedagogia, que foi utilizada até aproximadamente o século XVI, além do ensino

da leitura ser mecânico, a escrita não possuía um padrão sistemático. Segundo Manguel

(1997), o educando, ao escrever suas anotações sobre o que estava sendo estudado, abreviava

as palavras com o objetivo de agilizar o processo de escrita, bem como, economizar papel.

Essa prática, contudo, dificultava posteriormente a leitura. Além disso, "[...] a ortografia não

era uniforme: a mesma palavra podia aparecer de diferentes maneiras." (MANGUEL, 1997, p.

96). Os estudantes eram ensinados a ler através de comentários ortodoxos de textos que,

convencionalmente, não poderiam ser lidos por eles. Estes, acessavam os escritos por meio de

uma dinâmica preordenada:

Primeiro vinha a lectio, uma análise gramatical na qual os elementos sintáticos de

cada frase seriam identificados; isso levaria à littera, ou sentido literal do texto. Por

meio da littera o aluno adquiria o sensos, o significado do texto segundo diferentes

interpretações estabelecidas. O processo terminava com uma exegese - a sententia -,

na qual se discutiam as opiniões de comentadores aprovados. (MANGUEL, 1997, p.

96-97)

O objetivo desse método de ensino da leitura limitava-se ao desenvolvimento da

capacidade dos estudantes de recitar (decorar) e comparar os pontos de vista das autoridades

literárias da época, contrapondo-as e absorvendo seu significado explícito. Dessa forma, eles

não eram estimulados a pensar, mas sim, moldar suas perspectivas de acordo com o que lhes

era imposto. Por causa do acesso minimizado aos livros, os aprendizes conheciam e liam

somente as notas resumidas.

No século XVII Nicolas Adam criou outro método de aprendizagem da leitura,

denominado "A trustworthy method of learning any language whatsoever"3 no qual se

mostrava às crianças as palavras inteiras, e estas, memorizavam o seu traçado, associando-o

ao seu respectivo som. "Esconde delas todos os á-bê-cês e todos os manuais de francês e

latim; entretém-nas com palavras inteiras que elas possam compreender e que irão reter com

muito mais facilidade e prazer do que todas as letras e sílabas impressas." (MANGUEL, 1997,

p. 99). Dessa forma, as letras, que por sua vez formavam palavras e frases, adquirem

significado. Ao associar o escrito com o objeto físico, os estudantes internalizam a grafia e

compreendem o sentido da leitura/escrita.

Em diversas escolas e universidades, o uso da pedagogia escolástica diminuiu a partir

da invenção da imprensa, visto que, o acesso constante dos estudantes às obras literárias na

íntegra foi ampliado. Com as mudanças de perspectivas, por causa do acesso facilitado à

informação, aniquilou-se o uso desse método de ensino da leitura, passando a serem utilizados

novos sistemas liberais de pensamento. A transição de ideologia na modernidade, do

geocentrismo para o heliocentrismo, contribuiu para tal mudança de interpretações e

metodologias de ensino.

A partir desse período histórico, a capacidade de ler incorporou-se na sociedade em

todas as suas vertentes, estando presente nas diversas ações e atividades realizadas pelos seres

3 Um método confiável para aprender qualquer língua (MANGUEL, 1997, p. 99)

humanos. Nesse sentido, a leitura na sociedade refere-se ao acesso de todos os indivíduos à

informação, através das singulares possibilidades de fazê-la, seja ela do sistema alfabético, de

imagens, de gestos e expressões, de meios audiovisuais, ou seja, todas as especificidades da

leitura de mundo. Partindo do princípio de que as pessoas com deficiência, incluídas as com

deficiência visual, fazem parte da sociedade em igualdade a todos os seres humanos, na

próxima seção analisar-se-á o acesso delas à leitura e à escrita, enfatizando os aspectos

históricos e sociais desse processo.

2.3 O ACESSO DAS PESSOAS CEGAS À LEITURA E À ESCRITA - ASPECTOS

HISTÓRICOS E SOCIAIS

Nesta seção, com o objetivo de ressaltar os aspectos históricos e sociais do acesso das

pessoas cegas à leitura e à escrita, a seguir apresenta-se compactamente uma trajetória da

evolução do conceito de deficiência, em paralelo com o progresso do ensino das pessoas que

não enxergam e os métodos historicamente relevantes que lhes oportunizaram o acesso ao

mundo letrado. Para tal, foram consultadas duas fontes principais: o artigo "A pessoa cega no

processo histórico: um breve percurso" (FRANCO e DIAS, 2005) e a tese de doutorado

"Aspectos comunicativos da percepção tátil: a escrita em relevo como mecanismo semiótico

da cultura" (SOUSA, 2004), além de outras fontes compatíveis com o tema.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estabelece que uma pessoa é considerada

cega quando o melhor dos seus olhos, com correção óptica e após tratamento oftalmológico,

possui acuidade visual igual ou inferior a 20/200 e/ou quando o diâmetro máximo do seu

campo visual seja igual ou inferior a 20 graus. Tratando-se de questões pedagógicas, Conde

(2005) explica que se considera cego o indivíduo que necessita utilizar como principal meio

de leitura e escrita o Sistema Braille, mesmo que possua algum resíduo visual. Sob essa

perspectiva, ao referir-se às pessoas cegas, esta pesquisa reputa a definição pedagógica aqui

apresentada, ou seja, remete-se àquelas que são consideradas cegas educacionalmente.

Historicamente, o conceito de pessoa com deficiência passou por modificações e

reinterpretações. Inicialmente, na fase de exclusão, elas eram consideradas inválidas (não

produtoras) e, dessa forma, seus familiares ou chefes das tribos/grupos em que nasciam,

extinguiam-nas da sociedade, tanto através do abandono, quanto do assassinato. Referente ao

tratamento com as pessoas com deficiência visual, "O infanticídio das crianças que nasciam

cegas e o abandono dos que haviam perdido a visão na idade adulta eram os procedimentos

mais frequentes." (FRANCO e DIAS, 2005, p. 1). Além disso, nessas sociedades primitivas se

acreditava que as pessoas nasciam ou adquiriam a cegueira, pois eram possuídas por um

espírito maligno, ou, então, em sua vida passada, foram pecadoras e receberam um castigo

dos deuses.

Conforme a explicação de Franco e Dias (2005), no período da Idade Média, a

cegueira passou a ser utilizada como forma de castigo ou vingança aos que fossem desleais ao

Estado e/ou que infringissem as leis impostas. Também nesse período histórico, passou-se a

ter um olhar de cuidado para com as pessoas cegas. "Em 1260, Luís XIII fundou, em Paris, o

asilo de Quinze-Vingts, a instituição mais importante da Idade Média destinada

exclusivamente para cegos [...]" (FRANCO e DIAS, 2005, p. 2). A partir de então, iniciou-se,

timidamente, a fase da segregação das pessoas com deficiência, na qual foram criadas

diversas instituições que as acolhiam, porém a implantada pelo imperador somente objetivava

atender suas necessidades de habitação e cuidados pessoais, visto que, seu propósito era

retirar das ruas os soldados que após batalhas militares na guerra ficaram cegos e, dessa

forma, por não serem aceitos pela sociedade submetiam-se a mendigar.

A partir do momento em que o cristianismo se fortaleceu na humanidade, os

indivíduos, que eram eliminados pelos demais, foram inseridos na sociedade sob a perspectiva

de tal crença religiosa, na qual todos os seres humanos, sem exceção, passaram a ser

considerados filhos de Deus. Dessa forma, as pessoas com deficiência adquiriram valor

conotativo às outras pessoas, com base no preceito de que todos se caracterizavam como seres

humanos. Entretanto, elas continuavam sendo excluídas da sociedade, pois eram segregadas

em instituições especializadas, considerando que, "[...] o asilo garantia um teto e alimentação;

no entanto, enquanto o teto protegia o cristão com deficiência, as paredes escondiam e

isolavam o incômodo ou o inútil." (FRANCO e DIAS, 2005, p. 3). Nesse sentido,

continuavam à margem da civilização, deixando de interagir e serem incluídas nas práticas

sociais.

Com o surgimento de estudos na área médica, a partir do século XVIII, nos quais se

pesquisava o funcionamento e a estrutura do cérebro e do olho, o conceito de pessoa com

deficiência visual modificou-se, bem como, as práticas de educação passaram a ser revistas

pelos estudiosos e profissionais da área. Segundo Franco e Dias (2005), um marco histórico

na educação das pessoas cegas foi a inauguração do Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris,

em 1784 na França, pelo Sr. Valentin Haüy. Essa instituição caracteriza-se como "a primeira

escola do mundo destinada à educação de pessoas cegas." (FRANCO e DIAS, 2005, p. 4).

Esta, apesar de segregar os jovens cegos, reservando-os da sociedade, preocupava-se com sua

educação, promovendo ações que lhes estimulassem e desenvolvessem sua autonomia e

independência.

Franco e Dias (2005) explicam que subsequente à criação desse instituto, outros foram

implementados, tanto na Europa como nos demais continentes, baseados na estrutura e no

funcionamento da instituição parisiense. Ressalta-se entre eles: a primeira escola americana

para cegos que foi criada em Massachusetts, nos Estados Unidos, no ano de 1829,

denominada como "New England Azilum for the Blind". Posteriormente seu nome foi

modificado para "Perkins Institute for the Blind"; o "New York Institute Education for the

Blind" que foi fundado em 1832; a "Ohio school for the blind" que foi inaugurada em 1837,

inteiramente subsidiada pelo governo americano. Com o surgimento dessas instituições

voltadas ao ensino especializado das pessoas cegas, estas, gradativamente, foram inseridas no

mundo letrado, pois, até então, não possuíam autonomia plena nesse aspecto. Seu acesso à

leitura era promovido por diferentes vias, minimamente eficazes, e seu acesso à escrita

independente apresentava-se ausente.

Somente a partir da invenção do Sistema Braille em 1825 e da sua publicação oficial

em 1837, pelo jovem cego francês Louis Braille, estudante da escola criada por Haüy, as

pessoas cegas tiveram acesso a um sistema de leitura e escrita adaptado às suas necessidades.

Sousa (2004) afirma que o advento do Braille permitiu que as pessoas que não enxergam

habitassem o mundo das culturas alfabéticas, promovendo um impacto significativo referente

à sua maneira de visualizar e perceber o mundo, bem como, oportunizou-lhes o acesso à

comunicação escrita.

Antes desse marco histórico, a leitura efetuada por elas apresentava-se precária ou, por

vezes, inexistente. Em determinadas situações dependiam do auxílio de terceiros,

normovisuais, para terem acesso aos escritos de uma obra literária. Tais pessoas, denominadas

ledores, liam o texto e realizavam anotações quando solicitado. Manguel, em seu livro "Uma

história da leitura" (1997), relata que, quando adolescente, foi convidado pelo Sr. Jorge Luis

Borges, que era cego, para ser seu ledor particular. Ele dirigia-se à casa do escritor

diariamente e proferia a leitura da obra previamente selecionada por Borges.

Eu descobria um texto lendo-o em voz alta, enquanto Borges usava seus ouvidos

como outros leitores usam os olhos, para esquadrinhar a página em busca de uma

palavra, de uma frase, de um parágrafo que confirme alguma lembrança. Enquanto

eu lia, ele interrompia, fazendo comentários sobre o texto a fim de (suponho) tomar

notas em sua mente. (MANGUEL, 1997, p. 31)

Faz-se necessário ressaltar que tal prática ainda é comum, visto que, a quantidade dos

materiais transcritos em Braille é escassa, quando comparada às literaturas publicadas no

sistema comum de escrita. Os ledores foram, por anos, a principal via de acesso das pessoas

cegas às informações e narrativas presentes nos livros. Todavia, sua contribuição para as

pessoas com deficiência visual preserva seu caráter essencial, bem como, sua função continua

ativa, por exemplo, em provas de: concurso público, processo seletivo, vestibular (para quem

desejar), além das gravações de livros em áudio.

O fundador da primeira escola para cegos, Valentin Haüy, supracitado, desenvolveu

um método de leitura para as pessoas que não enxergam, a fim de inseri-las na cultura

alfabética. Sousa (2004) explica que esse método com caráter de relevo linear se apresentava

como uma reprodução do código visual, visto que, tratava-se do relevo da escrita

convencional (letras do alfabeto latino) em proporções maiores, com o intuito de ser

perceptível ao tato. Entretanto, "Era lenta e penosa a leitura através do método do relevo

linear. As curvas das letras constituíam-se em uma espécie de contra-informação ou

informação paralela ao tato [...]" (SOUSA, 2004, p. 39). Além disso, por meio desse método,

as pessoas contempladas por ele, somente podiam ler, considerando que seu registro ocorria

por intermédio da tipografia, privando os usuários de realizarem anotações particulares e

espontâneas. Todavia, cabe ressaltar, que este, apesar de seus entraves, caracteriza-se como o

primeiro método de leitura em relevo destinado ao uso das pessoas cegas, com o objetivo de

oportunizar-lhes o acesso às informações contidas nos livros.

A escrita em relevo linear foi utilizada por anos como principal recurso de adaptação à

leitura para as pessoas que não enxergam. O próprio Louis Braille, criador do código de

leitura e escrita que deu liberdade literária às pessoas cegas, foi alfabetizado através desse

método, (ver biografia na seção 3.1). Outro sistema de leitura utilizado pelas pessoas privadas

do sentido da visão foi a sonografia desenvolvida pelo capitão militar francês Charles Barbier,

porém por um período reduzido. Esse método possui um valor significativo referente à

criação do Sistema Braille, considerando que, além de servir como base para o referido

sistema, também "[...] foi um marco na história da alfabetização dos cegos, por ter rompido

com o traço e com a curva, instituindo o ponto como estratégia básica para a leitura e para a

escrita." (SOUSA, 2004, p. 41). Originando, assim, a escrita pontográfica que, por sua vez,

apresenta-se mais perceptível ao tato do que a escrita em relevo linear.

Entretanto, a sonografia desenvolvida pelo militar francês apresentava lacunas referentes ao

ensino da grafia correta das palavras, considerando que, sua aplicação era de base sonora, ou

seja, os símbolos representavam os principais fonemas da língua francesa, diferente do

Sistema Braille, no qual cada símbolo corresponde a um grafema do alfabeto latino, além de

sinais de pontuação, diacríticos e sinais específicos da grafia Braille. Por outro lado, quando

comparado ao método de relevo linear, "O sistema tinha a vantagem de permitir a leitura pela

identificação mais fácil das letras, com sinais em pontos, e ainda, a vantagem de permitir a

escrita em um aparelho especial inventado pelo próprio Barbier [...]" (LEMOS, 2000, p. 10

apud SOUSA, 2004, p. 41). Cabe ressaltar que, considerando que Louis Braille se baseou

nesse método de escrita fonética pontográfica para desenvolver o sistema que levou seu nome,

foi também alfabetizado através da sonografia de Charles Barbier.

O Sistema Braille, que será aprofundado a seguir (ver capítulo 3), é um código de leitura e

escrita utilizado pelas pessoas cegas que, diferentemente dos dois métodos apresentados

anteriormente, adapta-se à condição de percepção tátil, suprindo as necessidades de

visualização/exploração das pessoas cegas. Segundo Lemos et al. 1999), esse sistema, quando

comparado a todos os demais inventados para a leitura e a escrita de pessoas cegas, destaca-se

pela sua eficiência e facilidade na substituição da palavra impressa em tinta ou manuscrita,

utilizada pelas pessoas normovisuais.

Enquanto a maior parte das tentativas anteriores para instituir métodos de leitura e

escrita para as pessoas cegas fundava-se, eminentemente, num paradigma da

visualidade, o grande achado da célula de Braille foi de fato reconhecer a

especificidade da percepção tátil. (SOUSA, 2004, p. 64)

No mesmo sentido, a combinação de seis pontos salientes, perceptíveis ao tato e

ajustados à dimensão da polpa dos dedos, somada à possibilidade de reprodução por seus

usuários através de recursos especializados, tornam-no o sistema de leitura e escrita

convencionalmente utilizado pelas pessoas cegas, bem como, justifica seu uso por diversos

países, devido a sua lógica, eficiência e adequação para todas as línguas.

Apesar de o Sistema Braille ter sido desenvolvido em 1825 e publicado em 1837,

somente no final do século XIX passou a ser reconhecido como um código de leitura e escrita

consistente e eficaz. Franco e Dias (2005) explicam que, em 1878, em um congresso

internacional realizado em Paris, foi estabelecido que o Sistema Braille seria adotado como

método padrão e universal no ensino das pessoas cegas, respeitando a estrutura oficial

desenvolvida pelo francês Louis Braille. A partir de então, esse código passou a ser

gradativamente ensinado para as pessoas que não enxergam, principalmente nas escolas

segregadas, tornando-se, assim, o principal método de leitura e escrita utilizado por elas.

O Sistema Braille chegou ao Brasil, em 1850, com o retorno do jovem cego brasileiro

José Álvares de Azevedo, de Paris para o Rio de Janeiro. Este estudou por seis anos

consecutivos no Instituto Real dos Jovens cegos, o mesmo que Louis Braille frequentou. Lá

aprendeu os processos de ensino e aprendizagem desse código de leitura e escrita para as

pessoas cegas. Cerqueira, Pinheiro e Ferreira (2009) relatam que Azevedo se tornou o

defensor da educação das pessoas que não enxergam no Brasil, disseminando o ensino do

Sistema Braille, articulando ações que abrangessem a educação de tais pessoas e publicando

textos científicos que se debruçavam sobre esta temática. Referente ao período que o jovem

brasileiro estudou na instituição parisiense, "Vale ressaltar que o processo de pontos salientes

do professor Louis Braille já havia superado, em certa medida, as resistências a ele opostas

pelos profissionais videntes da instituição." (CERQUEIRA, PINHEIRO e FERREIRA, 2009,

p. 165). Isto é, quando José Álvares de Azevedo aprendeu o referido código, este, já havia

sido publicado oficialmente, possuindo a mesma base da configuração atual.

Esse cidadão brasileiro, que nasceu cego em 1834 e faleceu aos dezenove anos em

1854, dentre tantas ações, desejava implementar no Brasil uma instituição destinada ao ensino

das pessoas cegas, seguindo o modelo da criada por Valentin Haüy, na França. Cerqueira,

Pinheiro e Ferreira (2009) relatam que, seis meses após o falecimento de Azevedo, o Imperial

Instituto dos Meninos Cegos foi instalado no Rio de Janeiro no dia 17 de setembro de 1854.

Este se configurou como a primeira escola para cegos da América Latina. No ano de 1891,

passou a ser denominado Instituto Benjamin Constant, em homenagem ao terceiro diretor da

instituição. O IBC caracteriza-se como a escola pioneira do Brasil a utilizar o Sistema Braille

como principal método de leitura e escrita para seus alunos cegos, além de originar a

reprodução de livros Braille no Brasil, através de sua imprensa especializada para tal

demanda. Mantém suas atividades originais, porém em maior proporção e atendendo a um

número ampliado de pessoas cegas, em diversos setores, e de professores e demais

profissionais, que atuam nessa área, na sua formação continuada.

Em meados do século XX, as pessoas com deficiência passaram a ser inseridas nas

escolas de ensino comum, porém não faziam parte do grupo, somente frequentavam o mesmo

ambiente. Seu ensino era oferecido em classes especiais ou, por vezes, dentro da sala de aula,

entretanto, em um local isolado dos demais estudantes, com currículo e atividades

diferenciadas. Esse período histórico foi denominado de fase de integração, ou seja, os

educandos não eram mais excluídos ou segregados, mas sim, integrados no sistema de ensino

e na sociedade. Nessa fase, o conceito de deficiência baseava-se na visão médica, na qual a

deficiência apresenta-se como condição irrefutável do ser humano, cabendo a este, adaptar-se

e adequar-se às condições oferecidas pelo ambiente e pelo sistema.

No início do século XXI, tal conceito foi revisto, modificado e aperfeiçoado. A

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, lançada pela Organização das

Nações Unidas (ONU) em 2006, ratificada pelo Brasil em caráter de emenda constitucional,

através do Congresso Nacional, em 09 de julho de 2008, pelo decreto legislativo nº 186/2008,

no seu artigo 1, ilustra o novo conceito social de deficiência, no qual explica que: "Pessoas

com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial,

os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva

na sociedade com as demais pessoas." (CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS

PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2011, p. 17). Sob essa perspectiva, o conceito de

deficiência fundamenta-se nas barreiras arquitetônicas e atitudinais encontradas pelas pessoas

nos diferentes ambientes e grupos sociais. A partir do momento em que há a promoção de

acessibilidade para todos, com o objetivo de favorecer a igualdade de oportunidades, as

deficiências são aniquiladas.

Baseada nesse modelo social de deficiência, a fase de inclusão, vivida na

contemporaneidade, tem o intuito de incluir todas as pessoas na sociedade e,

consequentemente, nos sistemas de ensino, independentemente de suas limitações físicas,

sensoriais, intelectuais, sociais, étnico-raciais, linguísticas, socioeconômicas, culturais. Nesse

sentido, não há exclusão ou segregação das pessoas com deficiência, mas sim sua inclusão nas

atividades sociais, a partir da ocultação ou minimização das limitações. Entretanto, ressalta-se

que tal fase é recente para a sociedade, contudo, sua efetivação determina-se como urgente.

Faz-se necessário que ela, gradativamente, compreenda e respeite as diferenças, que são

condições inerentes aos seres humanos, bem como, vivencie amplamente esse modelo social.

O processo de inclusão apresenta-se moroso, porém seu valor social é pleno e indispensável

para o bem estar comum.

Sob a perspectiva do modelo social de deficiência e o processo de inclusão, as pessoas

cegas, foco deste estudo, não encontram limitação referente à sua deficiência visual, desde

que haja acessibilidade para elas, no seu sentido mais amplo, bem como, a sociedade respeite-

as e compreenda suas necessidades, considerando que são cidadãs, produtoras, ativas,

protagonistas de sua própria história. E, como tal, têm o direito, dentre tantos outros, de

acessar e transmitir informação e conhecimento (cultura) através da escrita e da leitura.

Caminhando por esse viés, no próximo capítulo, apresentar-se-á o Sistema Braille, com o

intuito de aproximar-se da cultura escrita da pessoa cega, compreendendo os aspectos da

estrutura do código comumente utilizado por elas.

3 SISTEMA BRAILLE

Há cerca de 180 anos, na França, um jovem cego inventou o sistema de leitura e

escrita que deu autonomia às pessoas cegas, no que diz respeito aos seus registros culturais,

transmissão de informações e comunicação escrita. “Através do Sistema Braille, as pessoas

cegas têm recursos para formar conceitos sobre ortografia e disposições gráficas como

sentenças, parágrafos, pontuação, quadros informativos, esquemas, formas, posições e

simbologias diversas.” (LEMOS et al., 1999, p. 6). Somente uma pessoa cega poderia criar

um código logisticamente eficaz que atendesse às necessidades de visualização tátil de tais

indivíduos. Mas, o que é o Sistema Braille, senão um aglomerado de pontos salientes?

Com o objetivo de descrever o Sistema Braille, ressaltando sua estrutura, uso e

principais normas de aplicação, este capítulo, que reúne as informações relevantes sobre esse

código e suas peculiaridades, com base nos conhecimentos da pesquisadora enquanto usuária

do Sistema Braille e atuação profissional nessa área, bem como, consulta em materiais

relevantes sobre a temática, divide-se em três seções. A primeira apresenta a biografia de

Louis Braille, criador do referido sistema de escrita e leitura tátil; já a segunda descreve a

estrutura do Sistema Braille, exemplificando algumas normas de aplicação; e, por fim, a

terceira discorre sobre os recursos utilizados na escrita Braille, descrevendo suas estruturas

físicas e seu respectivo manuseio.

3.1 O CRIADOR DESSE SISTEMA

Com o intuito de conhecer o criador do Sistema Braille, apresenta-se a seguir uma

breve biografia, elaborada a partir das informações apresentadas na revista Benjamin Constant

(CERQUEIRA; HILDEBRANDT; ALJAN; PINHEIRO; FERREIRA, 2009), lançada pelo

Instituto Benjamin Constant, em comemoração ao bicentenário de nascimento de Louis

Braille. A fim de ampliar a fundamentação dos dados apresentados, demais fontes também

foram consultadas.

Louis Braille nasceu em 04 de janeiro de 1809 na vila de Coupvray na França,

localizada acerca de quarenta quilômetros de Paris. Seus pais, Simon-René Braille e Monique

Baron, tiveram quatro filhos (Monique-Catherine-Josephine, Louis-Simon, Marie-Céline e

Louis). A principal fonte de renda da família provinha da produção de selas, arreios, correias

e calçados, confeccionados por Simon-René, considerado um seleiro de renome na localidade.

Louis desenvolvia-se normalmente, caracterizando-se como uma criança ativa,

comunicativa e carinhosa. Era muito curioso e interessado no trabalho de seu pai. Adorava

brincar com as ferramentas e objetos presentes na oficina dele. Entretanto, Simon-René não

aprovava que seu filho mais novo utilizasse suas ferramentas de trabalho como brinquedos,

pois eram muito perigosas e inapropriadas para sua idade.

Certo dia, aos três anos, Louis entrou na oficina de seu pai sem ser percebido, e

começou a brincar com uma ferramenta pontiaguda, tentando furar um pedaço de couro.

Então, acidentalmente, a ferramenta perfurou um dos seus olhos, o que resultou em uma forte

hemorragia. Foi socorrido imediatamente e o sangramento foi estancado, porém se

desenvolveu uma infecção que foi transmitida através do nervo óptico para o outro olho.

Cerqueira (2009) enfatiza que tal infecção facilmente seria controlada por um antibiótico

moderno. Entretanto, o caso do menino foi irreversível. A infecção ocasionou a perda da visão

em ambos os olhos, quando tinha cinco anos.

O fato de ter ficado cego não interferiu na relação de Louis com seus pais. Sua família

sempre foi muito dedicada a ele, preocupando-se em não deixá-lo ocioso, incluindo-o nas

atividades domésticas e estimulando-o constantemente. Com o objetivo de ampliar o

desenvolvimento de seu filho e dar-lhe oportunidade de acessar o conhecimento científico,

Simon-René e Monique, por intermédio de Jacques Palluy, matricularam-no no Instituto Real

dos Jovens Cegos, em Paris. Nesse momento, ele já estava com dez anos.

No dia 15 de fevereiro de 1819, Louis Braille ingressou efetivamente no referido

instituto, que tinha por objetivo instruir as crianças cegas e lhes proporcionar uma atividade

profissional útil. Utilizava-se o método de escrita criado pelo fundador do instituto, Valentin

Haüy, constituído do relevo linear das letras do sistema comum (em tinta), em maior

proporção para facilitar a percepção tátil. Cerqueira (2009) explica que o objetivo desse

sistema de escrita era levar a pessoa cega para a realidade das pessoas que enxergam. Toda

via, tal método não permitia que os estudantes cegos escrevessem, além de tornar a leitura

lenta e os livros excessivamente volumosos.

Referente à sua vida acadêmica, Louis era considerado um estudante exemplar,

interessado na leitura e ansioso por acessar novos conhecimentos. Dois anos depois de entrar

no Instituto Real dos Jovens Cegos, recebeu a notícia de que um militar do exército francês

havia apresentado à direção da instituição, um sistema de escrita em relevo (sonografia), o

qual "baseava-se em doze sinais, compreendendo linhas e pontos salientes, representando

sílabas na língua francesa." (BRASIL, 2006a, p. 58). Esse militar, Charles Barbier de La

Serre, havia criado o referido sistema, denominado de escrita noturna, com o objetivo de ser

utilizado para a comunicação de militares em campanha à noite, na ausência de luz, a fim de

não ser identificado e compreendido pelo inimigo.

Louis Braille ficou interessado nesse sistema pontográfico e, apenas com doze anos,

empenhou-se intensivamente para aperfeiçoá-lo e deixá-lo funcional e capaz de aniquilar as

dificuldades de acesso à leitura e à escrita das pessoas cegas. O ano de 1825 é considerado

como uma data histórica na educação das pessoas cegas, visto que este, é registrado como o

ano de criação do Sistema Braille.

Em 1829 Louis publicou a primeira versão do Sistema que recebeu seu sobrenome,

constituída de pontos e traços, em um total de noventa e seis sinais. Em 1837 apresentou uma

versão aperfeiçoada, constituída de sessenta e três sinais, ainda utilizada pelas pessoas cegas

como principal código de escrita e leitura. Viveu a maior parte de sua vida nas instalações do

Instituto Real dos Jovens Cegos, onde, além de estudante, tornou-se, também, docente da

instituição. Não constituiu família, porém era cercado de estudantes e amigos que o

veneravam. Louis Braille faleceu no dia 06 de janeiro de 1852, aos quarenta e três anos, de

tuberculose.

Fotografia 1 – Busto de Louis Braille

Fonte: Acervo da pesquisadora

Após conhecer a biografia do criador do principal método de leitura e escrita utilizado

pelas pessoas cegas, bem como, sintetizadamente, conhecer as origens que basearam a

estrutura do Sistema Braille, na próxima seção descrever-se-á esse Sistema, ressaltando sua

estrutura.

3.2 O QUE É O SISTEMA BRAILLE

Esta seção apresentará o Sistema Braille, descrevendo sua estrutura e ressaltando suas

peculiaridades. Para isso, principalmente, foram consultados dois documentos oficiais do

Ministério da Educação, que discorrem sobre o referido tema. O texto "Desenvolvendo

competências para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos cegos e de

alunos com baixa visão" (BRASIL, 2006a) e a "Grafia Braille para a Língua Portuguesa"

(BRASIL, 2006b), a qual regulamenta o uso do Sistema Braille como código de leitura e

escrita para as pessoas cegas e determina as normativas da sua grafia específica.

O Sistema Braille é um código universal de escrita e leitura tátil, comumente utilizado

pelas pessoas cegas. As diferentes combinações de seis pontos em relevo justapostos,

resultam em sessenta e três sinais Braille, que representam símbolos gráficos, matemáticos,

químicos, físicos, musicais, informáticos e fonéticos. Ou seja, através desse sistema, pode-se

representar todas as formas existentes e possíveis de caracteres, em qualquer ciência e idioma.

Uma parcela dos estudiosos e técnicos nesse método, afirmam existir sessenta e quatro

combinações, pelo fato de considerarem a ausência dos seis pontos como um sinal, o qual

representa um espaço em branco.

O espaço que limita a representação dos sinais Braille se denomina cela ou célula

Braille. Este documento utilizará o primeiro termo apresentado, considerando que, na região

do sul do Brasil, seu uso é predominante. Projetada para ser lida com os dedos, ela possui a

dimensão de seis milímetros de altura por dois milímetros de largura, acomodando-se à

extensão da polpa do dedo. Os seis pontos da cela são distribuídos sistematicamente em duas

colunas verticais e cada um é denominado por um numeral. Na coluna da esquerda, de cima

para baixo, estão os pontos 1, 2, 3; e na coluna da direita, de cima para baixo, estão os pontos

4, 5, 6.

Imagem1 – Ilustração da cela Braille

Fonte: Acervo da pesquisadora

A leitura através do Sistema Braille é realizada da esquerda para a direita, de cima

para baixo, igualmente ao sistema de escrita alfabética. A forma de leitura mais indicada e

eficiente para as pessoas cegas é realizada com a movimentação simultânea das duas mãos. O

dedo indicador da mão esquerda demarca a próxima linha a ser lida e o dedo indicador da mão

direita percorre pela linha, com uma leve pressão sobre os pontos, transmitindo as

informações táteis para o cérebro, a fim de decodificar e interpretar os símbolos lidos.

Entretanto, existem cegos que preferem utilizar outros dedos ou até mesmo a mão esquerda.

“Esse sistema utiliza o tato como substituto da visão na leitura. A palavra em Braille significa

para a pessoa cega o que a palavra em tinta significa para a pessoa que vê.” (LEMOS et al.,

1999, p. 6). As pessoas que enxergam conhecedoras desse sistema, raramente efetuam a

leitura tátil, mas sim, realizam a leitura visual, o que é justificável, visto que, na sua maioria,

não possuem a mesma sensibilidade e discriminação do tato que as pessoas cegas.

Os sessenta e três sinais Braille simples dividem-se sistematicamente em sete séries,

esta, denomina-se Ordem Braille. A Comissão Brasileira do Braille (CBB), na Grafia Braille

para a Língua Portuguesa (BRASIL, 2006b), esclarece que a primeira série apresenta dez

sinais superiores, que utilizam somente os quatro pontos superiores da cela Braille, pontos 1,

2, 4, 5; e serve de base para as segunda, terceira e quarta série, bem como, de modelo para a

quinta. A segunda série corresponde a mesma sequência da primeira, acrescentando-se o

ponto 3. Na terceira, usando a primeira de base, acrescenta-se os pontos 3, 6. E na quarta

série, somente o ponto 6 é acrescentado à combinação da primeira. Já na quinta série, os sinais

da primeira são reproduzidos formalmente rebaixados, isto é, utilizam-se os pontos da parte

inferior da cela Braille, pontos 2, 3, 5, 6. A sexta série possui apenas seis sinais e utiliza na

combinação para a sua formação, somente os pontos 3, 4, 5, 6. E, por fim, a sétima série é

composta de sete sinais, que utilizam somente a coluna da direita da cela Braille, na qual estão

os pontos 4, 5, 6. A sequência desta, determina-se somente pela memorização dos pontos.

Imagem 2 – Ilustração da Ordem Braille

Fonte:

<http://2.bp.blogspot.com/_FFwGyoWrAqc/S996MLMcGUI/AAAAAAAAAFc/NGeoM9bsTCk/s1600/6+pont

os+braille.bmp>

A escrita Braille segue as normas ortográficas e de pontuação da gramática da língua

em que o usuário do Sistema Braille escreve. "Na sua aplicação à Língua Portuguesa, quase

todos os sinais conservam a sua significação original. Apenas algumas vogais acentuadas e

outros símbolos se representam por sinais que lhe são exclusivos." (BRASIL, 2006b, p. 15).

Tratando-se especificamente da língua portuguesa, o escritor em Braille usa a norma

ortográfica convencionada para esta língua. Toda via, por ser um código singular à escrita

comum, possui normas de grafia e aplicação específicas. Por exemplo, os números são

representados utilizando os dez sinais Braille da primeira série, antecedidos do sinal de

número (símbolo específico da grafia Braille), composto dos pontos 3, 4, 5, 6. Dessa forma,

obtém-se, respectivamente, os algarismos de 1 a 0. Os mesmos sinais, quando não precedidos

do sinal de número, correspondem as dez letras iniciais do alfabeto latino, de a à j.

Na Grafia Braille para a Língua Portuguesa, os sessenta e três sinais, derivados das

diferentes combinações dos seis pontos, representam: vinte e seis letras do alfabeto, doze

letras com diacríticos, vinte e dois sinais de pontuação e acessórios, dezesseis sinais usados

com números e dez sinais exclusivos da escrita Braille. Ao somar essas quantidades, verifica-

se que ultrapassam os sessenta e três símbolos convencionados por Louis Braille. Isto ocorre,

pois há sinais, com a mesma configuração, que são utilizados em contextos diferentes. Por

exemplo, a configuração 2, 3, 5, representa o sinal de mais (+) e o ponto de exclamação (!). O

que indica qual é o sinal correto a ser lido, é o contexto literário em que ele se encontra.

Além disso, há sinais Braille que utilizam mais de um símbolo, chamados de sinais

compostos. Estes podem ser representados pela duplicidade de um sinal simples - que ocupa

apenas uma cela -, ou da combinação de dois sinais simples distintos. Por exemplo, a

configuração 1, 2, 6 e 3, utiliza duas celas e representa o sinal de abre parênteses ((). Este, é

composto dos sinais simples: letra e com acento circunflexo (ê) e ponto final (.), porém ao

aprender a simbologia Braille, o usuário já internaliza que se trata de um sinal único.

A partir desse apanhado geral sobre a estrutura do Sistema Braille, pode-se perceber

que este se apresenta como um código de leitura e escrita logisticamente eficiente e, como tal,

possui recursos específicos para serem utilizados na sua escrita. Na próxima seção,

apresentar-se-ão tais recursos, os quais, possibilitam a plena autonomia e independência do

usuário nessa ação de registro.

3.3 RECURSOS UTILIZADOS NA ESCRITA BRAILLE

Esta seção tem o objetivo de descrever os principais recursos que são utilizados na

escrita Braille, ressaltando suas estruturas físicas e as especificidades pedagógicas dos seus

manuseios. Para tal, foram consultadas duas obras principais, "Desenvolvendo competências

para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos cegos e de alunos com

baixa visão" (BRASIL, 2006a) e "Grafia Braille para Língua Portuguesa" (BRASIL, 2006b).

Ambas se caracterizam como documentos oficiais do Ministério da Educação (MEC), sendo

editados pela Secretaria de Educação Especial. Além destes, demais fontes relevantes ao tema

também foram consultadas.

Para escrever em Braille, no tamanho convencional, utilizam-se diferentes recursos.

Inicialmente, Louis Braille representava os sinais Braille utilizando objetos semelhantes aos

conhecidos por reglete e punção.

A reglete, produzida de plástico ou metal, consiste em uma régua que possui duas

placas unidas por dobradiças no canto esquerdo. A placa inferior possui quatro fileiras

horizontais com celas Braille em relevo rebaixado, ou seja, cada cela possui seis orifícios

justapostos. A placa superior possui quatro fileiras com celas vazadas, diretamente

posicionadas sobre as da placa inferior. Nas laterais internas de cada cela, há três reentrâncias

arredondadas, que têm a função de definir o formato e a posição exata dos pontos. A

quantidade de celas Braille nas fileiras da reglete varia conforme seu modelo. O papel é

introduzido entre as duas placas. Existem regletes que são fixadas em uma prancheta, de

madeira ou plástico, na qual o papel também é preso na parte superior. Estas, prendem-se à

prancha por dois pinos que são encaixados em orifícios sistematicamente distribuídos. Outras

são avulsas, e o papel é preso a elas por pequenos pinos localizados na face das duas placas

que têm contato com ele. Há um terceiro modelo de reglete, menos utilizado, que consiste em

duas placas de plástico com várias fileiras de celas Braille, abrangendo uma folha de tamanho

A4. Nesse modelo, a placa inferior possui linhas horizontais contínuas em baixo-relevo; e a

placa superior possui celas Braille retangulares, sem reentrâncias. Dessa forma, a precisão na

localização e perfuração dos pontos diminui. Tal situação é comum, pois o usuário não dispõe

da referência na cela para efetuar a perfuração.

Fotografia 2 – Três modelos de reglete

Fonte: Acervo da pesquisadora

O punção é um estilete de madeira ou plástico, com uma ponteira perfurante de metal

e um cabo com a parte superior mais arredondada, ajustando-se a anatomia da mão. O usuário

segura-o entre os dedos polegar e indicador da mão predominante. Esse instrumento equivale

ao lápis ou caneta na escrita comum, visto que, através dele os pontos serão perfurados, dando

forma a escrita dos sinais Braille. Cabe ressaltar que o objetivo do punção não é furar o papel,

mas sim, devido a sua ponteira também arredondada, marcar o relevo dos pontos. Quando isto

ocorre, a leitura tátil fica comprometida, considerando que a visualização dos pontos se

apresenta conturbada e a textura do papel se demonstra agressiva ao tato.

Fotografia 3 – Punção com cabo de plástico

Fonte: Acervo da pesquisadora

Na reglete a escrita é realizada da direita para a esquerda e as colunas dos pontos na

cela Braille são invertidas, sendo pertencentes à coluna da direita os pontos 1, 2 e 3, e à

coluna da esquerda os pontos 4, 5 e 6. Essa inversão, da direção da escrita e da posição dos

pontos, faz-se necessário pois a escrita será impressa no verso da folha, ou seja, na face oposta

a que está perfurando. Para efetuar a leitura, o escritor retira a folha de papel da reglete e a

vira, a fim de ficar de frente à escrita, então lê normalmente, da esquerda para a direita e de

cima para baixo.

Com o punção na reglete, os pontos de cada símbolo são perfurados um a um, por isso,

é comum que haja trocas involuntárias na perfuração dos pontos, devido ao restrito espaço da

cela, configurando, assim, um caractere distinto do desejado pelo escritor. "Exceto pela

fadiga, a escrita na reglete pode tornar-se tão automática, para o cego, quanto a escrita com o

lápis para a pessoa de visão normal." (BRASIL, 2006a, p. 60).

Ao aprender a manusear o punção e a reglete, tanto a criança cega quanto o adulto

reabilitando, necessitam ter compreendido o esquema de inversão da coluna dos pontos, a fim

de garantir que a impressão no papel saia na posição correta de leitura. Na fase inicial da

escrita na reglete, é comum que haja trocas involuntárias, devido ao posicionamento

equivocado do punção, ou mesmo confusões referente à localização dos pontos na cela, à

sequência de celas utilizadas e/ou à direção da escrita. Esta última observa-se mais no ensino

do Sistema Braille para pessoas normovisuais, considerando que, estão habituadas a

escreverem da esquerda para a direita, através do sistema comum de escrita.

A perda da sequência da próxima cela a ser utilizada, comumente ocorre com as

crianças, pois estas, esquecem-se de marcá-la com o dedo indicador da mão não

predominante. Pessoas cegas com o predomínio da mão esquerda encontram dificuldade nessa

marcação, visto que, a escrita direciona-se da direita para a esquerda. Sendo assim, a mão que

segura o punção fica sobre as celas que serão utilizadas.

Para apagar pontos excedentes, utiliza-se um apagador Braille de madeira ou plástico,

que possui a ponta mais estreita que o cabo. Ao pressionar com força um dos pontos ou todo o

caractere, os pontos em relevo são abaixados. Nicolaiewsky e Correa (2008) ressaltam que o

ato de apagar letras ou mesmo pontos excedentes em caracteres, ou então acrescentar letras ou

pontos faltantes é extremamente difícil, pois requer impecabilidade no ato de apagar e

precisão na hora de recolocar o papel na reglete e localizar a cela exata. Esta ação

sistematizada de registrar um caractere, perceber a troca no ato do registro, abrir a reglete,

retirar a folha, localizar o erro, apagar com precisão, recolocar o papel no recurso, deportar-se

exatamente para a última cela utilizada e, por fim, reescrever o sinal Braille apresenta-se

desgastante e complexa para, principalmente, as crianças em fase de alfabetização, ou mesmo,

para qualquer iniciante na aprendizagem do uso da reglete.

Fotografia 4 – Apagador Braille de madeira

Fonte: Acervo da pesquisadora

Para escrever em Braille, também se pode utilizar a máquina de escrever Braille,

podendo ser mecânica, mais comum, ou elétrica. Esse recurso possui seis teclas que

correspondem aos seis pontos da cela Braille. No centro há uma tecla com a função de

avançar um caractere, utilizada para inserir um espaço. A esquerda desta, do centro para a

extremidade, estão os respectivos pontos 1, 2, 3; e a direita, do centro para a extremidade,

estão os pontos 4, 5, 6. Na lateral esquerda há uma tecla que tem a função de avançar uma

linha, e na lateral direita há outra com a função de retroceder um caractere. Batista (2000),

explica que a máquina permite fazer simultaneamente todos os pontos de um sinal, em vez de

perfurá-los um a um, com o punção.

Ao escrever com esse recurso, o usuário consegue ver os sinais Braille à medida que

são teclados, pelo fato de serem impressos no anverso da folha de papel. A escrita é realizada

da esquerda para a direita, e a cela Braille possui a configuração original da posição dos

pontos. Além disso, o ato de apagar torna-se mais fácil do que na reglete, visto que se apaga

sem necessitar retirar o papel da máquina, e o erro pode ser detectado a medida que é escrito,

diferente da reglete, na qual só é percebido após terminar a escrita, quando a folha é virada e a

leitura é efetuada.

Todavia, diferentemente da reglete, o usuário de tal recurso encontra dificuldade no

momento de transportá-lo diariamente, pois pesa aproximadamente quatro quilos e quinhentos

gramas, além de possuir um volume significativo. As crianças em idade escolar, que

frequentam os três primeiros anos do Ensino Fundamental, via de regra, utilizam a reglete

para efetuar seus registros em sala, visto que, sua idade e estrutura física não lhes permite

manter uma mobilidade independente e autônoma no transporte da máquina Braille.

Também possui duas travas laterais que, quando abaixadas, prendem o papel,

impedindo-o de mexer-se. De cada um dos seus lados, há um puxador do alimentador de

papel, que, quando girados em direção ao usuário, armazenam ele no seu interior, enrolando-o

em um cilindro. Já quando movimentados no sentido oposto, retiram-no da máquina.

Fotografia 5 – Máquina Braille Perkins

Fonte: Acervo da pesquisadora

Considera-se esse recurso mais dinâmico e prático que a reglete. "Uma máquina de

escrever em Braille introduz uma velocidade de até 20 vezes a velocidade da escrita manual,

com grande diminuição de esforço físico." (BORGES, 2009, p. 64). Além de a escrita ser

mais rápida e menos cansativa, visto que, o registro é realizado de caractere em caractere, a

máquina Braille também promove a leitura instantânea do que está sendo escrito, e a correção

de eventuais erros é efetuada com mais praticidade. Porém, trata-se de um recurso manual, no

qual, a produção de cópias de um mesmo material exige a repetição da sua transcrição,

equivalentemente a uma máquina de datilografia do sistema comum de escrita.

A impressora Braille computadorizada permite a réplica de materiais, desde que estes

estejam em formato texto e sejam submetidos a um tratamento especial em um software

destinado a edição e formatação de documentos para impressão em Braille. Esse recurso pode

ser de pequeno porte (uso doméstico), ou de grande porte, (utilizado em imprensas Braille de

larga escala).

Fotografia 6 – Impressora Braille Index Basic de pequeno porte

Fonte: Acervo da pesquisadora

Os dois modelos podem imprimir em só uma face do papel ou nas duas, através do

sistema de interpontos. Este possibilita a superposição de linhas, sem que a impressão do

anverso interfira ou prejudique a impressão contida no verso da folha.

[...] os pontos são dispostos de tal forma que impressos de um lado não coincidam

com os pontos da outra face, permitindo uma leitura corrente, um aproveitamento

melhor do papel, reduzindo o volume dos livros transcritos no Sistema Braille.

(BRASIL, 2006a, p. 61).

A escrita interpontada não prejudica a leitura tátil do usuário do Sistema Braille pelo

fato dos pontos em alto-relevo apresentarem-se mais perceptíveis ao tato, ocultando, de certa

forma, os furos de baixo-relevo. Entretanto, generalizadamente, as pessoas normovisuais que

realizam a leitura através desse código, incomodam-se com a impressão nas duas faces do

papel, pois as informações de alto-relevo e baixo-relevo, visualmente, não são inteiramente

discriminadas.

As impressoras Braille "São conectadas a um microcomputador através de porta serial

ou paralela." (BRASIL, 2006b, p. 84). O papel utilizado pode ser folha avulsa, entretanto,

geralmente trabalha-se com formulário contínuo.

As grandes imprensas que confeccionam livros e demais materiais nesse código de

escrita, também utilizam máquinas estereotípicas. Esse equipamento assemelha-se à máquina

de datilografia. São utilizadas para escrever nas duas faces de matrizes de liga de alumínio ou

plástico, conhecidas por clichê. Posteriormente, estas são prensadas entre duas folhas de

papel, efetuando a impressão interpontada.

O papel utilizado para a escrita Braille, em qualquer dos recursos apresentados, deve

possuir gramatura superior a 120, a fim de ampliar a durabilidade da saliência dos pontos em

relevo. É necessário que se atribua um cuidado especial referente ao manuseio e

armazenamento dos livros e demais materiais em Braille, pelo fato dessa escrita ser

estruturada a partir de pontos em relevo e, ao serem fortemente pressionados, estes são

abaixados, apagando-se, assim, a escrita Braille.

O Sistema Braille apresenta-se como um recurso de comunicação escrita comumente

utilizado pelas pessoas cegas, equivalentemente ao sistema comum de escrita adotado pelas

pessoas normovisuais. Entretanto, a sociedade contemporânea está vivendo um novo perfil de

comunicação, no qual, o advento das novas tecnologias de informação e comunicação, e

consequentemente, o multiletramento, ampliaram as possibilidades de acesso à informação e

ao conhecimento. Nesse sentido, no próximo capítulo, analisar-se-á de que forma as pessoas

privadas do sentido da visão estão inseridas na sociedade multiletrada, bem como, a sua

imersão no letramento digital, a partir do uso das ferramentas tecnológicas.

4 AS NOVAS FORMAS DE COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE MODERNA

Este capítulo tem o objetivo de comparar em quais aspectos a cultura escrita da pessoa

normovisual difere da cultura escrita da pessoa cega na contemporaneidade, analisando a

inclusão da pessoa que não enxerga na sociedade multiletrada. Para tal, faz-se necessário

abordar os conceitos de multiletramento e letramento digital, a fim de compreender a cultura

escrita moderna da pessoa normovisual, agregando subsídios para compará-la à da pessoa

cega.

No primeiro momento, foram utilizadas duas fontes principais: "Novas práticas de

leitura e escrita: letramento na cibercultura" (SOARES, 2002) e "A leitura de textos

multissemióticos: novos desafios para velhos problemas" (VIEIRA, 2012), que abordam, em

síntese, as novas formas de comunicação na sociedade moderna.

A trajetória histórica das formas de comunicação criadas e utilizadas pelas sociedades

gráficas perpassa por diferentes etapas. Desde os povos antigos até a Idade Média, o

desenvolvimento da capacidade de leitura e escrita destinava-se somente aos sujeitos

economicamente favorecidos e pertencentes às famílias de status elevados. A partir da

invenção da imprensa tipográfica, no século XV, os indivíduos passaram a ter maiores

oportunidades de acesso a cultura escrita, devido à disseminação da escritura pelo mundo, em

diversas sociedades letradas.

Já no século XX, o acesso dos seres humanos às informações e ao conhecimento foi

ampliado a partir do advento das novas tecnologias de informação e comunicação. No

presente período histórico, as novas formas de comunicação ultrapassam as barreiras impostas

pela impressão metódica do código alfabético que utiliza fontes e diagramação padronizadas

em espaços rotineiros.

Vieira (2012) ressalta que os textos que circulam pela sociedade contemporânea

apresentam mais de uma modalidade de escrita, utilizando, assim, simultaneamente ao código

alfabético, elementos imagéticos e sonoros. Os seres humanos convivem diariamente com

distintos gêneros textuais que reúnem tais elementos, promovendo diferentes combinações

entre si, por exemplo: "[...] reconhecimento automático de voz, letreiros luminosos, outdoors,

panfletos, jornais com fotos, hipertextos, mangás, emoticons" (VIEIRA, 2012, p. 2). Ou seja,

a leitura e a escrita passaram a ter uma nova função e utilização na sociedade moderna.

Nesse sentido, a variedade de gêneros textuais que combinam linguagem, tanto verbal

quanto não verbal, com signos em um único conjunto de comunicação, produzindo uma

informação, além de atingir a todos os indivíduos, independentemente do seu nível de

desenvolvimento da leitura e da escrita, também proporciona uma interação de registro escrito

mais dinâmica e eficaz. "[...] a relação entre palavra e a imagem e outros recursos, como sons,

links, artes gráficas, desenhos fotos, permitem modos de ler diferenciados e trazem diversos

elementos portadores de sentido." (VIEIRA, 2012, p. 1-2). Isto é, esse multiletramento,

vivenciado na sociedade moderna, demarca o perfil da humanidade, no qual as formas de

comunicação são variadas e o acesso à informação é explícito, contemplando todos os

envolvidos, independentemente de suas limitações físicas e sociais.

Entretanto, antes de falar em multiletramento, precisa-se compreender o real

significado de letramento. A presença desse termo é recente nos estudos e publicações

pedagógicas. Há profissionais da área da educação que o utilizam em suas falas e escritos,

porém, na sua essência, não internalizaram seu conceito e finalidade. Este documento reputa a

definição de letramento estabelecida pela professora Magda Soares, com base na teoria de

Angela Kleiman. "[...] letramento são as práticas sociais de leitura e escrita e os eventos em

que essas práticas são postas em ação, bem como as consequências delas sobre a sociedade."

(SOARES, 2002, p. 144). Todavia, a autora estende esse conceito de letramento para o

indivíduo, indicando que o estado e a condição em que este se encontra na atuação de tais

práticas influenciam na sua compreensão, interpretação e participação. Ou seja, sob essa

perspectiva, letramento define-se como "[...] o estado ou condição de indivíduos ou de grupos

sociais de sociedades letradas que exercem efetivamente as práticas sociais de leitura e de

escrita, participam competentemente de eventos de letramento." (SOARES, 2002, p. 145).

A fim de ampliar a compreensão sobre os letramentos, faz-se necessário apresentar

(ainda que de forma sintética) os conceitos de eventos de letramento e práticas de letramento

discutidos por Street (2003); Barton e Hamilton (2000). Inicialmente apresenta-se o conceito

de eventos de letramento e depois de prática. Ainda que estejam imbrincados, é importante

discuti-los separadamente para que suas especificidades sejam compreendidas.

Evento de letramento foi um conceito definido por Heath (2004) que defende que cada

comunidade tem as suas regras para interagir socialmente e partilhar os seus conhecimentos

em relação à escrita e leitura. Existe uma alfabetização familiar para integrar as crianças em

eventos de letramento: leitura das caixas de cereais, placa de sinais, anúncios, comerciais de

tevê e instruções de jogos. (HEATH, 2004).

Os eventos de letramento consistem em ocasiões em que os textos fazem parte das

interações dos participantes e dos processos interpretativos de um determinado grupo. Este

permite focar e observar uma situação específica de uso da leitura e da escrita e descrever as

suas características. (BARTON e HAMILTON, 2000). O que é mais importante nesse

conceito é que os eventos são observáveis, isto é, se fosse necessário seria possível fotográ-

los, por isso existe a possibilidade de descrever o que ocorre em torno do texto que mobiliza

evento.

Como já foi enfatizado, há aproximações entre eventos e práticas de letramento. Esse

conceito, segundo Street (2003), é mais amplo, pois tenta contemplar tanto os eventos de

letramento quanto os padrões que tenham a ver com o fenômeno, associando-os a uma

natureza cultural e social. São modelos sociais próprios, relacionados à natureza de cada

evento de letramento, questões que o fazem funcionar e que lhe dão sentido.

Portanto, práticas de letramento estão interligadas a questões culturais mais amplas das

formas específicas de pensar e de fazer a leitura e a escrita dentro dos contextos culturais.

(BARTON e HAMILTON, 2000; STREET, 2003). Portanto, as práticas de letramento não

são unidades observáveis de comportamento, pois elas envolvem valores, atitudes,

sentimentos e relações sociais. Incluem julgamentos, ou a consciência que as pessoas têm

sobre o letramento, como as pessoas falam e constroem sentido em torno dele.

Sob essa perspectiva, todo e qualquer indivíduo que exerce a escrita e a leitura, em

práticas sociais de letramento, e/ou promove ações/momentos de discussão, reflexão e

apropriação dessa natureza, é considerado um ser humano letrado, inserido em uma sociedade

igualmente letrada. Caminhando por esse viés, as pessoas cegas, por fazerem parte dessa

sociedade letrada, bem como, por usufruírem da escritura nas suas ações cotidianas,

equivalentemente às pessoas normovisuais, são consideradas sujeitos letrados.

Contudo, conforme explicitado anteriormente, na contemporaneidade fala-se de

multiletramento, o qual, sucintamente, define-se como a multiplicidade simultânea de práticas

e eventos de letramento, permeados pelo estado e pelas condições, sejam físicas, intelectuais,

emocionais, em que se encontra o sujeito e a sociedade. Segundo Vieira (2012), essa

multiplicidade de informações disponíveis ao leitor, traduzidas nas diferentes combinações

entre texto, imagens e sons, auxiliam-no a efetuar a leitura, bem como, a compreender o

conteúdo da informação que lhe está sendo transmitida. "Assim, as imagens, as cores, os tipos

de letras também são portadores de sentido e precisam ser lidos e interpretados; trazem

informações que precisam de ser inferidas." (VIEIRA, 2012, p. 2). Não se trata mais somente

da leitura, interpretação e compreensão de letras sistematicamente distribuídas entre as

palavras que, por sua vez, estão delimitadas em linhas, mas sim, de um conjunto de símbolos,

de diversas categorias, que estruturam uma informação, configurando, assim, as novas formas

de comunicação, nas quais, "Imagem e palavra mantém uma relação cada vez mais próxima,

cada vez mais integrada.” (VIEIRA, 2012, p. 2).

Cabe ressaltar que palavra e imagem não são substitutivas entre si, nem tão pouco

dizem a mesma coisa. A junção de ambas em uma única comunicação ampliam as

oportunidades de compreensão de quem as lê. "Imagem e palavra se complementam, se

contrapõem, se integram (ou não), mas sempre com propósito de significar mais.” (VIEIRA,

2012, p. 2). Considerando que esse novo perfil de letramento se caracteriza como visual, de

que forma as pessoas cegas são inseridas na sociedade multiletrada?

Soares (2002) explica que esse novo conceito provém das recentes vivências da

sociedade no que diz respeito às modalidades de práticas de leitura e de escrita estabelecidas

através das modernas tecnologias eletrônicas de comunicação. Sob essa perspectiva, imerge-

se em um novo conceito, o letramento digital, que, está incluso na configuração do

multiletramento. Nesse sentido, a seção a seguir, abordará o letramento digital, analisando sua

relevância e influência na comunicação e no acesso à informação, tanto para as pessoas

normovisuais, quanto para as pessoas cegas.

4.1 LETRAMENTO DIGITAL

Esta seção objetiva apresentar o conceito de letramento digital, a fim de que se

obtenham subsídios para, posteriormente, comparar a cultura escrita da pessoa normovisual

com a cultura escrita da pessoa cega, na contemporaneidade. Para estruturar tal conceito de

maneira concisa, utilizou-se como base o artigo "Novas práticas de leitura e escrita:

letramento na cibercultura" (SOARES, 2002).

Considerando que letramento se define como as práticas e eventos de leitura e escrita,

concomitantes ao estado e às condições em que o indivíduo atuante nesse processo e a

sociedade em que ele vive se encontram, compreende-se que o letramento digital remete-se a

tal processo, nos meios digitais de comunicação. Ou seja, conforme Soares (2002), o

letramento digital trata das práticas, espaços e interações desenvolvidas nas vias digitais. De

forma leiga, pode-se entender por vias digitais todo e qualquer equipamento eletrônico que

transmite as informações através da projeção destas em tela.

[...] a tela como espaço de escrita e de leitura traz não apenas novas formas de

acesso à informação, mas também novos processos cognitivos, novas formas de

conhecimento, novas maneiras de ler e de escrever, enfim, um novo letramento, isto

é, um novo estado ou condição para aqueles que exercem práticas de escrita e de

leitura na tela. (SOARES, 2002, p. 152)

Na sociedade contemporânea, a capacidade de leitura e escritura do sujeito, essenciais

para sua plena interação no ambiente de forma independente e autônoma, não se restringe ao

domínio do uso do papel e do lápis e/ou do manuseio do livro impresso (códice), mas também

se estende à utilização de recursos digitais, como computador, celular, tablets, e-books. Soares

(2002) explica que os instrumentos utilizados nas práticas sociais de leitura e escrita,

denominados de tecnologias de escrita, organizam e reorganizam o estado e a condição em

que tanto sujeito quanto sociedade letrada se encontram. Isto é, tais tecnologias influenciam

no grau de letramento do indivíduo, inserido em um grupo maior, no qual as práticas e os

eventos de letramento são comuns e indispensáveis para a interação e a comunicação em

sociedade.

O acesso às informações, por meio das vias digitais, torna-se mais amplo e dinâmico.

A partir do advento da internet, os seres humanos, de modo generalizado, passaram a ter

contato com diferentes gêneros textuais, estruturados em multiletramento. A junção dos

recursos imagéticos e sonoros ao texto grafado, bem como o acesso livre a diferentes gêneros,

nos mais variados suportes, ambos propiciados pelas novas tecnologias de informação e

comunicação, caracterizam o letramento digital vivenciado na modernidade.

Letramento digital: estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova

tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na tela, diferente do

estado ou condição dos que exercem práticas de leitura e de escrita no papel.

(SOARES, 2002, p. 151.

Soares (2002) ressalta que o letramento digital reconfigura a postura isolada do autor

(quem escreve) em relação ao leitor (quem lê o que foi escrito). Na leitura efetuada na tela,

diferentemente da realizada no papel, o leitor interage de forma autônoma com o texto do

autor, podendo executar as duas capacidades (leitura e escrita) simultaneamente, dando assim,

um novo perfil e sentido ao texto. "O espaço de escrita condiciona, sobretudo, as relações

entre escritor e leitor, entre escritor e texto, entre leitor e texto." (SOARES, 2002, p. 149).

Esse texto digital se trata de “Um texto que agora se dá a ler em um meio que é também o

meio em que se escreve e, muitas vezes, no qual também se publica, [...] confundindo as

práticas da escritura e da leitura.” (BEIGUELMAN, 2003, p. 18). Nesse sentido, as diferentes

maneiras de interação entre autor, texto e leitor, apresentam-se mais consistentes e

significativas.

Segundo Soares (2002), a tela, considerada um espaço de escrita, além de

proporcionar tais interações, de modo peculiar e significativo, também promove uma maior

interação entre o ser humano e o conhecimento. Sob essa perspectiva, esta pesquisa pretende

comparar em quais aspectos a cultura escrita da pessoa normovisual difere da cultura escrita

da pessoa cega na contemporaneidade. Para tal, na próxima seção analisar-se-á o letramento

digital das pessoas que não enxergam, enfatizando suas vias e grau de acesso às informações

por meio dos recursos digitais.

4.2 AS PESSOAS CEGAS E O LETRAMENTO DIGITAL

Esta seção apresenta como ocorre o letramento digital para as pessoas cegas,

ressaltando os recursos utilizados e o grau de acesso às informações, sob a perspectiva de que

estas são sujeitos letrados inseridos na sociedade contemporânea. A fim de atingir o objetivo

desse texto, foram consultadas três principais fontes: “Louis Braille: sua vida e seu sistema”

(LEMOS et al., 1999), “Mídias digitais: acessibilidade na web e os desafios para a inclusão

informacional” (SOUSA, 2008) e “Comunicação e linguagem: estudo do Sistema Braille à luz

da semiótica” (OMENA, 2009), que, dentre outras temáticas, discorrem sobre o letramento

digital das pessoas cegas, porém, não utilizam tal nomenclatura.

Antes da invenção do Sistema Braille, pelo jovem cego francês Louis Braille, em

1825, o acesso das pessoas cegas às informações e ao conhecimento através da comunicação

escrita não ocorria de forma independente e autônoma, visto que, necessitavam do auxílio de

terceiros para desempenhar ações de leitura e escrita. Sousa (2004) afirma que a invenção

desse genial método lógico-matemático proporcionou autonomia, independência e liberdade

às pessoas que não enxergam nas suas ações de leitura e escrita. Entretanto, mesmo após a

difusão desse método por diversos países, o acesso de tais pessoas às informações escritas

manteve-se reduzido. A quantidade de materiais reproduzidos e disponíveis em Braille é

significativamente inferior em relação à oferecida em tinta, contemplando, assim,

expressivamente apenas as pessoas normovisuais.

O fato de a escrita braile ocupar um espaço grande (cada página da escrita comum

corresponde a aproximadamente três páginas em braile) e o fato de a sua impressão ser mais

onerosa, pois além de precisar ser feita por profissionais especializados, necessita ser feita em

papel de gramatura mais elevada, não permitem que todas as obras produzidas pelo mercado

editorial sejam produzidas em Braille. (OLIVEIRA e CERQUEIRA, 2005, p. 2 apud

OMENA, 2009, p. 22)

Todavia, o carente acesso das pessoas cegas ao material de leitura em Braille, devido à

problemática da reprodução dos exemplares, foi minimizado a partir do advento das novas

tecnologias de informação e comunicação. Lemos et al. (1999) ressaltam que a evolução

tecnológica e científica amplia a criação e aplicação de recursos e instrumentos de

comunicação para uso das pessoas com deficiência visual. Nesse sentido, os softwares leitores

de telas, que decodificam somente as informações escritas, reproduzindo-as em som através

de uma voz sintetizada, amplificam o acesso de tais pessoas ao conhecimento e à

comunicação, consequentemente, à cultura, visto que permitem que elas utilizem o

computador e suas ferramentas, bem como, acessem a internet. Segundo Omena (2009), esses

avanços tecnológicos, na área da informática e o acesso à internet, apresentam-se como

recursos que ampliam o potencial comunicativo das pessoas cegas, bem como promovem seu

desenvolvimento social, cultural e intelectual.

Sob essa perspectiva, a relação entre as pessoas privadas do sentido da visão e o

letramento digital, mediada pelo uso das tecnologias assistivas, além de facilitar a interação

entre sujeitos com a mesma deficiência e/ou com e sem deficiência, promovendo, dessa

forma, o aumento de suas relações interpessoais, também amplia o acesso de tais pessoas às

obras literárias e às informações científicas e do senso comum, bem como, disponibiliza a

possibilidade de divulgar materiais, eventos, sanar dúvidas cotidianas, promover e participar

de discussões sobre temáticas pertinentes ao seu julgamento. Sousa (2008) afirma que as

novas tecnologias informáticas se caracterizam como recursos essenciais para as pessoas com

deficiência, visto que suprem as necessidades e aniquilam as limitações encontradas nos

aspectos profissionais, educacionais e cotidianos de sua vida. Nesse sentido, os leitores de

telas promovem às pessoas com deficiência visual, além de outras ações, a navegação na rede

mundial de computadores e, consequentemente, essas se deparam com uma gama infinita de

informações e possibilidades de interação e comunicação, tanto com outras pessoas, quanto

com o conhecimento.

Entretanto, no artigo “Mídias digitais: acessibilidade na web e os desafios para a

inclusão informacional”, Sousa (2008) ressalta que, assim como os espaços físicos necessitam

de acessibilidade para que haja a plena inclusão das pessoas com deficiência, os espaços

virtuais, da mesma forma, necessitam promover a acessibilidade na web, já prescrita nas

diretrizes desenvolvidas pelo W3C4. Ou seja, o acesso efetivo das pessoas que não enxergam

às informações e ao conhecimento disponibilizados na internet e oriundos das interações e

utilização das novas tecnologias de comunicação depende do grau de acessibilidade que lhes é

oferecido.

Porém, cabe ressaltar que, conforme Lemos et al. (1999), apesar das pessoas com

deficiência visual terem sido beneficiadas com diversos equipamentos e sistemas de acesso à

informação, oriundas do progresso das tecnologias e da informática, o Sistema Braille

apresenta-se como um recurso indispensável para sua formação educacional, profissional e

cultural. Isto é, as pessoas que não enxergam, assim como as pessoas normovisuais que apesar

de utilizarem as tecnologias digitais para efetuarem suas ações de leitura de escrita, não

extinguiram o uso da escrita comum manual, favorecem-se quando utilizam combinadamente

o Sistema Braille e o leitor de telas para realizar as ações dessa natureza. A partir dessa

perspectiva, no próximo capítulo, apresentar-se-á as considerações finais desta pesquisa, com

base nas informações bibliográficas colhidas.

4 O Consórcio World Wide Web (W3C) é um consórcio internacional no qual organizações filiadas, uma equipe

em tempo integral e o público trabalham juntos para desenvolver padrões para a Web. A missão do W3C é:

Conduzir a World Wide Web para que atinja todo seu potencial, desenvolvendo protocolos e diretrizes que

garantam seu crescimento de longo prazo. Fonte: http://www.w3c.br/sobre/

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considera-se, a partir dos dados bibliográficos levantados e das análises e reflexões

efetuadas, que a cultura escrita da pessoa normovisual não difere da cultura escrita da pessoa

cega, compreendendo que ambas se caracterizam como sujeitos letrados e estão inseridas em

uma sociedade igualmente letrada, na qual são promovidas práticas e eventos de letramento.

Tanto para quem enxerga, quanto para quem não enxerga, a capacidade de leitura e escritura

são essenciais para sua sobrevivência e convivência em uma sociedade grafocêntrica. Ou seja,

conotativamente, executam práticas de leitura e escrita e promovem/participam de eventos de

letramento no seu cotidiano.

Entretanto, referindo-se ao grau de acesso às informações e ao conhecimento,

considera-se que as pessoas normovisuais dispõem de uma facilidade e de oportunidades de

exercer suas atividades de leitura e escrita relevantemente mais significativas do que as

pessoas cegas. Apesar do uso do Sistema Braille, que oportunizou autonomia e independência

nas ações de leitura e escrita para seus usuários, a quantidade de informações reproduzidas

nesse código apresenta-se inferior à disponível em tinta. No mesmo sentido, a possibilidade

de interação e utilização das novas tecnologias de informação e comunicação, por intermédio

do leitor de telas, ampliou consideravelmente o acesso ao conhecimento. Contudo, a

acessibilidade nos espaços virtuais apresenta-se reduzida, limitando, assim, o usuário do leitor

de telas com deficiência visual.

Nesse sentido, tanto pelo letramento em Braille, quanto pelo letramento digital, as

pessoas cegas são prejudicadas, devido à falta de acessibilidade, por exemplo, desde a

impressão escrita em Braille do nome de um remédio em sua embalagem, até a capacidade

plena de navegar e usufruir um site de compras. Conforme os dados apresentados, verifica-se

que o letramento digital, para as pessoas que não enxergam, apresenta-se mais amplo e

dinâmico quando comparado ao letramento através do uso do Sistema Braille, ou mesmo do

auxílio de terceiros. Porém, ao comparar o grau de acesso às informações e ao conhecimento

das pessoas normovisuais com o grau de acesso das pessoas cegas, o primeiro revela-se mais

abundante e diversificado, visto que, a sociedade multiletrada inclui parcialmente todos os

seus membros, promovendo-lhes o acesso autônomo e independente a todos os espaços, sejam

físicos ou virtuais.

Considera-se também que, ao falar-se em multiletramento, vivenciado na

contemporaneidade, no qual a transmissão das informações escritas não se restringe a

reprodução de textos, mas sim, trata-se do conjunto de elementos imagéticos, sonoros e

gráficos, a inclusão de quem não enxerga apresenta-se enfraquecida, quando utilizado

somente um recurso de leitura e escrita. Isto é, o Sistema Braille dá conta de reproduzir as

informações textuais com precisão e eficiência, pelo fato de substituir o sistema comum de

escrita (em tinta). Entretanto, devido à problemática da reprodução dos materiais de leitura em

Braille, o acesso às obras literárias e demais publicações científicas, por exemplo, é

amplificado a partir da utilização de softwares leitores de telas. Essa tecnologia assistiva

também contribui com a dinâmica do acesso digital às informações, considerando que a

sociedade moderna está vivenciando a era do letramento digital.

Sob essa perspectiva, considera-se que o Sistema Braille e o leitor de telas não são

substitutivos entre si, mas sim, quando utilizados combinadamente pela pessoa cega para

executar suas ações de leitura e escrita, ampliam as possibilidades de acesso às informações e

ao conhecimento, bem como, de interação e comunicação com demais seres humanos. Tal

perspectiva é adotada pelo fato de se compreender que, em determinadas atividades, o uso do

Sistema Braille é cabível, como na utilização de gêneros textuais do cotidiano, por exemplo,

lista de compras, cartões de felicitações, anotações rotineiras, identificação de produtos

industrializados. Já a utilização das novas tecnologias de informação e comunicação, através

do software leitor de telas, associa-se à utilização de gêneros textuais secundários, como

leitura de livros, formulação de trabalhos acadêmicos, utilização de correio eletrônico. Estes

são apenas alguns exemplos de distribuição da utilização dos dois recursos de leitura e escrita,

todavia, cabe ressaltar que cada indivíduo se adaptará a essa combinação da forma que mais

oportuno lhe parecer, com base nas suas necessidades e preferências.

Por fim, considera-se, a partir dos dados e suas discussões e reflexões apresentadas,

colhidas nas publicações teóricas, que o Sistema Braille se apresenta como o método de

leitura e escrita destinado aos cegos mais eficiente e logisticamente completo, no qual o

contato com a ortografia, estruturação de texto e segmentação lexical é possível de forma

imediata no próprio ato da leitura. E que, complementar a este, o uso do leitor de telas, nos

diversos equipamentos eletrônicos, amplia o acesso de tais pessoas às informações e ao

conhecimento, bem como, promovem em maior escala a interação e a comunicação com

outros indivíduos. Ou seja, considera-se que as pessoas cegas necessitam do software leitor de

telas para imergirem no letramento digital, visto que, essa tecnologia assistiva proporciona-

lhes a utilização de ferramentas eletrônicas, nas suas diversas atividades, e a navegação na

internet. Sendo assim, encontram-se em equiparação de oportunidades com as pessoas

normovisuais no que diz respeito ao acesso às informações e ao conhecimento, bem como, à

comunicação e interação com outros indivíduos. Todavia, considera-se o Sistema Braille

como principal método de leitura e escrita para as pessoas privadas do sentido da visão, visto

que, substitui o sistema comum (em tinta), utilizado por quem enxerga. Dessa forma, a

combinação entre o Sistema Braille e o leitor de telas favorece a participação plena da pessoa

cega na sociedade multiletrada.

Nesse sentido, sugere-se que uma próxima pesquisa, entrelaçada a esta, seja realizada

com caráter empírico, na qual, analisar-se-á como ocorre essa dinâmica da utilização

simultânea dos dois recursos de leitura e escrita aqui apresentados, pelos sujeitos que não

enxergam, nas suas práticas cotidianas, profissionais e educacionais de letramento, bem como,

nos eventos de letramento de que participam.

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