os consertos intocáveis

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intocáveis nathalia rech Os consertos

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Poemas. Novembro de 2012.

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Page 1: Os Consertos Intocáveis

intocáveis

nathalia rech

Osconsertos

Page 2: Os Consertos Intocáveis

Fotografia Capa:Luísa Hervé

Arte:Nathalia Rech

Textos do blog:www.desputada.blogspot.com

Contato amigo:[email protected]@gmail.com

Os consertos intocáveisnovembro de 2012

Page 3: Os Consertos Intocáveis

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contrário da solidão é o susto

há um tipo de medo que nosinveste

Os consertos intocáveis

Page 4: Os Consertos Intocáveis

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que não apareça com seu melhor sorrisoonde os talheres viraram sobremesaonde meus braços já não são maisseus talheres

ou sequer suas facas de serra

madereiras ilegais nos meus sonhos

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chove por detrás das travesgemem os parafusosonde a forma desapareceas mãos que se comemeram nos detalhesagora encurtaram demais para o abraçodediquei anos as dobraduras das mãossó asfaltei as rugas do esporronão quero mais a fala mansado ponteiro que pingaferro orgânico a manchar a roupa daentrevista de empregonão quero a verdade ou seu perfumeapenas algo que não quebre ouque para gastar não precise quebrar

meu ex-bem

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em minha cidade varreram as ruasficou a sujeira a habitar desesperos.

os visitantes levam saudades eimigram pedras sempre quando o tempo sobra.

em minha cidade o amor é jogo de azar proibidopela paisagem depois da erosão da água.

os peregrinos sempre chegam atrasados enão há ninguém que os explique o palco de costas.

em nós há uma cidade que só existequando a noite resolve falar.

e se acaso choramos é apenas paralivrarmos os pés do chão.

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a cidade é sempremenor que a despedida.de tal modo que não hácomo nos escondermospor completo.sempre um silêncionos denuncia.um choro nosdescobre.nenhum nascimentoatrasa o relógio.

quando a voz sumiuaprendi a não antecipar mais os ecos.

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não escoará minha memóriapelo entre de seus olhos.

mas embarcará nos botes delasempre que o vento levaro dia para escabelarsempre que o frio tremereu aparecerei nova de suas luvas.

não varrerá meus olhosda calçada de teu choro.

quando abraçar o medonascereiberrante e inteirada margem que afoga teu grito.

Page 9: Os Consertos Intocáveis

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a memória antecipadame trouxe aos bancosmais farpas que espera.de distância sobramas vigas do céu, os gramadosbombardeiros de atençãoos pequenos farelos que no máximoengasgam última palavra.eis que um olho fecha meu corpo.e o musgo desenhado na catedralé meu.e a calçada amolada pelo aré minha.se surgisse estrelas de qualquer descidase domasse as engrenagens do sanguequaquer domingonão me verias resfriadaa cada fim de conversajoelhos chatoso sopro vascular fazendo bicode cronômetro.puxei até aqui minha parede.trabalho de arrastar o corpodenunciar trajeto, biografia.fez-me de escolhas para apostar.se soubesse reconhecer ruínasnão retornaria para casa.

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usará a velocidadedo automóvel paraparar.

uma ligação perdida paracalcular a distância pelos fiosrompidos.

na primeira oportunidademorrerá inteira.

deixará um viaduto chamado convitee uma porção de gatos para os conhecidos estrevistarem.

e talvez uma biblioteca rabiscadamais o antigo zelador,um elefante velho.

enterrar ou cremar.café ou chá.

no primeiro sustoroubará o fantasma do susto.

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Itire o fantasma do lençol.unha solta a cavar.um erro que não secanos varais de teus cílios.

IIImas não posso me desfazer dasúnicas armas capazes de mecarregarem

IIem mim há uma montanhaque espichatoda vez que espero que o futuro seja

um corpo

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coragem falcão.assiste, embala e trava.coragem falcão.insiste em bala e lava.

fechamos todas as fugassó para você.excluímos todos seus amigossó para você.

a terra cobra seus passos.o céu balança em vermelho.como numa tourada,(os créditos sobem).

as pontes só presas de um lado,a caligrafia dos documentosà mercê dos seres de patas( a histoire se amarra).

não adianta esquecerseus tiros no escuro.o escuro sabe se vingar.o escuro se vinga lembrando.

(e dentro dele ninguém percebeos voos certosdas tuas asas pretas).

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(e dentro dele ninguém percebeos voos certosdas tuas asas pretas).

mas o que resta estiagem?eu não aposto um outro por esse,nem dou cabeças a tudo que desvia pela dança.se acredito ponho a palma para cimae deixo à mostra o mais valioso para os ciganos.se me permaneço, faço cochicho de um meuouvido para o outro meu, e perco os dentes para a digestão da voz,e toda palavra entala no primeiro tiro à galope.a memória do silêncio nunca troca os horários,me encontro em estudo, estudo apagando,disfarço a pele rochosa com muita roupa:acabo cúmplice dos episódios de distrair.e se saio, se me deixo em casa, e se me lembrojá no check-in do aeroporto, na hora do cho-cho dos parentes?e se me esqueço em outro mala, e lavo a pele e deixo a roupa,e se me resfrio no outro, e me concordo apenas na invasão de ninguém?se me cai a perna no meio do argumento,se me estranho e não me encaro, com que cara eu me uso?não, não aposto um outro por esse,não perco a mim por algum líquido que me bebe.me vigio pelo confuso das frestas dos atospor de baixo da mesa de meus convidadosme encontro em cheio no dardo que voa,

sou aquela que termina uma escultura com uma queda.

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não importaa circunstâncianão chegarei primeironem sereia primeira namorada,o primeiro desejo,a primeira amiga.não importa o diachegarei atrasadaao elogio,ao abraço,ao encontro.sem pegar a porta abertadormirei no pátio do quarto.sem chegar a tempo na fugausarei a viagem para ficar.é sempre o corpoque chega antes.é sempre você,descontrole de vontadeem alta voltagem.que vence a corridame rouba a presençae cava buracos onde caioseguidamente no exílio.a razão é esse varal a cuidar das roupas e nosdeixar completamente nus.

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é urgenterecolher a idade.

deixar o corposem placas.

tempo, erre o caminho.

quando eu ganhar rugasterei é marcas de guerra.

enredos de pelea povoar distância.

envelhecer é somarnascimentos

fazer pegadas comuma queda

e confundir o tempo,destrutivo redemunho.

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onde a luz famintacaça imagens

escolho a coberta das sobrascomo parada de metrô

os telefonemas sãoos antigos ouvidos das paredeso sussuro da vontade clandestinaem cada fim de frase

por isso só revejoo que nunca toqueisó mastigo aperitivoe se sorrio é ao revés

quando parei de deduzirvida tuas invençõesperdi o dedo paraas calculadoras

e apenas agarro em sonhocom todos os corpos que um diame herdarei

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a palavra últimaé muitoperigosa

há relatos de já a teremfeito delança

e piorter estado à altura dotrabalho

alguns por ela feridosvão para casas de traçaoutros apenasse vão

a palavra última,também conhecida comobyebye, tchau,adiós,

só na minha ruafechou uma vendinhaacabou com duas famíliastirou a casa de um gato

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por isso recomenda-seutilizá-la com parcimôniana presença de uma bulacom muita atenção

ou caso contráriose decidir usá-la, favormirar bem no centro do peitoe não errar

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como machucate ver hojeé como abrir os dedospara a infecçãodepois de cortá-losnas lâminas das páginasdo antigo arquivoque escondo de tudo e todosdepois do fracasso no genocídiodos espelhos

como machucate ver hojepista de pousonas alturasfolheio de novo nossas conversasmais uma vez me abremos adeusese aqui no escuro desse sótãopelas mãos feridasa sombra do cômodome ingere

carrego uma casaque só ganha portasquando em demulição

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um dia viajarei para bem longedistante do longe talvezpara um retiro em Jacartaou um iglu caribenhopegarei um cruzeirocruzarei o desertoescutarei todas as línguasaté esquecer meu nomeum dia viajarei para bem longesó para te mandar uma cartaonde estará escrito no envelopetout va biensó para não estar do seu ladoquando você me lerpara não me cobrar o que vemdepois da mentirainterrogando bemos olhos que não vieram no selovocê acreditara em mimpois bem sabemos

a saudade anda de costase no medo de cairnos vemos

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um dia viajarei para bem longedistante do longe talvezpara um retiro em Jacartaou um iglu caribenhopegarei um cruzeirocruzarei o desertoescutarei todas as línguasaté esquecer meu nomeum dia viajarei para bem longesó para te mandar uma cartaonde estará escrito no envelopetout va biensó para não estar do seu ladoquando você me lerpara não me cobrar o que vemdepois da mentirainterrogando bemos olhos que não vieram no selovocê acreditara em mimpois bem sabemos

a saudade anda de costase no medo de cairnos vemos

é possível olhar esquecendovocê me perguntae eu me guio pelas misérias de minhas craterase eu penso nas bolas perdidas naquele jogo de golfque nunca aconteceuporque detestamos desperdício de espaçoe finjo mais uma tosse nua - engulo mais uma palma lentacom as mãos trêmulas onde corre a elétrica correntede tuas palavras

agora redesenho caravelas ali nos teus olhostodos os descobridores queriam antes de tudo era se perderrecosturo a mata fechada enquanto

aguardo que meus oceanos voltem para casa

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plano feridorespiro de intervalocauso de costumeenredo pra searafala falate espero pro perdãocom dois bolsos feridospor onde a nudez escorrefala falaevoca desculpa primeiratontura e pluma de coceiraresquício de toqueaguardo na banheirao retorno dos barcosdos cravos quebradosencho um balde com os olhospara a confecção do cimentodepois apagar o teatro que ofuscaa sinaleira que me dirige

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quando um choraoutro costura um rio

e assim os barcos são salvos

hoje faz tanto tempo

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simularei o roncodas coisas ignoradas.e tu, ouvirás acordadajunto aos remendos a descolar.lembrarás da carne descobertanão como novíssimo continentemas assim: vermelho, sombra e assombro.será que dará tempo, te perguntas.teus dedos caminham um sobre o outroos músculos se auto-âncoram nas fibras.morrerá um março e o fogo a escrever,perderá dois braços de abril e o manco a sustentar,usarás minhas dúvidas para limpar as veias,reverberá em ti meu rosto nas paredes da garganta.mas não falará nada; apenas lerás o jornalcedo do dia para não sonhares antes da cama.o que é em vão, pois minha boca que criou teu beijo.o amor nos aproxima do cimento pela areia.não me esquecerás bobalhão. roubei teu escuroe já não poderás mais dormir como antes.

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os fios que se encapam no abraçoas tardes que florescemnas plantas dos pés.

fugir para dentro de um nósque só cabeno endereço do outro.

os poemas tirados de ouvidoas vilas que se povoamno encontro das intimidades.

medir o tamanho de um sorrisopela confusão causadano longo dos rostos.

sobreviveremos como uma família jovemsem deixar de limpar os dentesna fome.

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traduzir-se é ter paciência para o desespero