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A Ética e os Reumatologistas

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Os avanços e as perspectivas tecnológicaslevam a constantes questionamentos. Porque lidamos com vidas,

nossa responsabilidade torna-se mais do que uma obrigação; um

caminho. Não se trata apenas de moral, valores de uma determinada

sociedade que vem de fora para dentro. Ética é um juízo crítico de

valores, avulta-se de dentro para fora, numa luta de conflitos e

opções, resultando em reflexão e discernimento. E isso se pode

traduzir também por angústia. Essa “boa angústia” depende de

algumas condições: liberdade de escolha, inexistência de coação,

ausência de preconceito, humildade para ver a razão no outro e

grandeza para aceitá-la.

A Sociedade Brasileira de Reumatologia, na gestão Caio Moreira,

graças ao incansável Georges Basile Christopoulos, cumpre assim

um dos seus misteres. O colega Georges há muito já vinha publicando

no Boletim da SBR suas preocupações. Juntou a essas, opiniões e

comentários, ensinamentos e abordagens de especialistas e

pensadores. Resultou daí, não uma obra definitiva (em se tratando

de Ética, o definitivo não existe), mas uma provocação, saudável e

bem-vinda provocação. Onde comungam boa vontade e huma-

nismo. A propósito, vale lembrar Heráclito: nunca entramos no

mesmo rio; e Platão: tudo muda, tudo flui. Embarque nessa leitura,

aceite a turbulência desse caudal, à frente há um oceano de desafios

e infinito horizonte.

Fernando NeubarthPorto Alegre, inverno de 2004

A Éticae os Reumatologistas

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SumárioApresentação ● Georges Basile Christopoulos ● 3

1. HistóricoComportamento Ético na Prática Médica: de Hipócrates à Bioética ● José Marques Filho ● 4

2. Relação Médico-PacienteReflexões Sobre Ética e Relação Médico-Paciente na Era Pós-Moderna ● Tácito Medeiros ● 8

3. Pesquisa MédicaÉtica na Experimentação Animal ● Virginia Claudia C. Girão e Francisco Airton C. Rocha ● 10

4. Ética, Ciência e Inovação Tecnológica em SaúdeÉtica, Ciência e Inovação Tecnológica em Saúde ● José Tupinambá S. Vasconcelos ● 14

5. Erro MédicoErro Médico — e o Direito do Paciente à Informação ● Georges Basile Christopoulos ● 15 A Responsabilidade Médica no Novo Código Civil ● Georges Basile Christopoulos ● 17

6. Medicina Baseada em EvidênciasMedicina Baseada em Evidências e Ética ● Georges Basile Christopoulos ● 18 Artigo resposta no 1 — Reflexões no Campo da Bioética ● Erinalva M. Ferreira ● 18 Artigo resposta no 2 — A Responsabilidade Civil do Médico Ante a Aplicação ou Não Aplicação de Técnicas e Medicamentos Experimentais ● Fernando Maciel ● 19 Artigo resposta no 3 — “A Saúde do meu Paciente Será Minha Primeira Consideração” ●

Georges Basile Christopoulos ● 21

7. Medicina DefensivaMedicina Defensiva ● Lauro José Pedrosa de Lima ● 22

8. Relações com a Indústria Farmacêutica Relações com a Indústria Farmacêutica ● Caio Moreira ● 23

9. Aspectos Éticos em Reumatologia PediátricaA Ética e a Reumatologia Pediátrica ● Blanca Elena Rios Gomes Bica ● 34

10. Título de EspecialistaÉ a Hora e a Vez de Consagrar Nosso Título de Especialista ● Georges Basile Christopoulos ● 36

AnexosAnexo no 1 — Questionário Pré-Consulta ● 38 Anexo no 2 — Direitos do Paciente ● 39

A Éticae os Reumatologistas

Georges Basile ChristopoulosCoordenador

RealizaçãoSociedade Brasileira de ReumatologiaBiênio 2002-2004Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 2.466 - conj. 93CEP 01402-000 - São Paulo - SPFone: (11) 3266 3986Fone/fax: (11) 289 7165E-mail: [email protected]

Uma publicação daETCetera Editora de Livros e RevistasRua Baronesa de Itu, 336 - 10o andarHigienópolisCEP 01231-000 - São Paulo - SPFones: (11) 3825 3504/3826 4945Fax: (11) 3826 7770E-mail: [email protected]

capa. Imagem principal: ilustração de um manuscrito apresentandoum professor ministrando instruções aos seus pupilos sobre os aforismos de Hipócrates, Sience Photo Library. Imagem secundária: sarcófago com um médico grego. Romano,perto de Óstia. The Metropolitan Museum of Art.

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Apresentação

O desafio de elaborarmos uma coletânea de artigos a respeito da ética médica não foi pequeno,tendo em vista a complexidade do tema — a envolver permanente e aprofundado estudo — e a escassez de publicações a respeito.

Assim conscientes, decidimos, então, adotar a “filosofia” já consagrada pelo genial MillôrFernandes: a de que o “livre pensar é só pensar”, sem a pretensão de elaborar uma completaobra sobre o tema.

É de bom alvitre realçarmos que os aspectos abordados refletem unicamente as opiniõesdos autores, muitas delas polêmicas, porém todas de enorme importância sem representar,obviamente, o pensamento do universo da Sociedade Brasileira de Reumatologia ou dosmembros do Comitê de Ética e Defesa Profissional como um todo.

Os autores foram diligentes e entregaram os artigos aqui coligidos nas datas acordadas,demonstrando, desse modo, a conscientização da importância do trabalho ora apresentado eque tivemos a honra de coordenar.

Os resultados, todos podem conferir, foram extremamente valiosos, apresentando textoscuriosos, intrigantes, didáticos, informativos, por vezes desafiadores, além de francos, bemdesenvolvidos e de excelente qualidade.

Destacamos que tal empreitada só nos foi possível graças ao estímulo prestado pelos Drs. Caio Moreira e Fernando Neubarth, que, desde o início, apoiaram-nos com entusiasmo,atendendo com prestimosidade às nossas reivindicações, não poupando as diligências e ascríticas indispensáveis ao correto desenvolvimento dessa tarefa.

Nossas oportunas homenagens aos Drs. João Francisco Marques Neto e Fernando SérgioLira Neto, que, inspirados pelo grande filósofo grego Diógenes, iluminaram-nos o caminho.

Agradecemos, também, a colaboração efetiva da Dra. Maria Celina Bravo, advogada e pro-fessora de Direito Constitucional em Alagoas.

Esperamos que a leitura deste trabalho estimule a reflexão crítica e fomente debates, apri-morando o comportamento ético e profissional de nossos associados no exercício de suanobre arte, a Medicina.

Georges Basile ChristopoulosCoordenador

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. HISTÓRICO

Comportamento Ético na Prática Médica:de Hipócrates à Bioética

JOSÉ MARQUES FILHO Conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de São PauloMembro da Comissão de Ética e Defesa Profissional da SBR e SPR

“A atuação primordial dos médicos é prolongar a vida e restaurar a saúde. A medicina éuma profissão que dignifica o ser humano. Ela exige um relacionamento delicado e cons-ciente com os seres humanos e jamais deve ser considerada apenas um trabalho para oclínico que a pratica. Os deveres que ela impõe, alguns dos quais foram aqui citados, sãoenormes. Os mais elementares obrigam a um comportamento ético em relação aos pacien-tes e aos demais membros da profissão. Tal ética prescreve que devemos agir com os ou-tros, exatamente, como gostaríamos que os outros agissem conosco. Sempre esquecemos,porém, que essa regra requer que nos coloquemos na posição da outra pessoa antes dedecidir nossos assuntos.”

ROBERT WILKINS

H (- a.C.) pode ser considerado ofundador da medicina tal como a conhecemos nosdias de hoje. Ele deu à medicina o espírito cientí-

fico, substituiu a superstição, pondo em seu lugar a obser-vação diagnóstica e o tratamento clínico, e deu à medicinaos seus ideais éticos. As notáveis descrições das doençasque redigiu são modelos ainda hoje, e as fez com os úni-cos instrumentos que dispunha: o espírito aberto e os seussentidos sutis().

Hipócrates, conhecido como o pai da medicina, nasceuna ilha de Cos, sendo filho de um médico. Estudou em Ate-nas e viajou bastante, praticando a arte de curar nas váriascidades da Trácia, da Tessália e da Macedônia. A ilha de Cosé famosa por seu templo de Esculápio, cujas ruínas ainda sevêem na encosta de uma colina coberta de vegetação. Per-gunta-se até hoje se Hipócrates foi membro dos cultuadoresdo templo.

Assim, ao invés de atribuir aos deuses a culpa pelas en-fermidades, Hipócrates fundou o método da cabeceira dacama. Cada novo paciente passou a constituir um novo vo-lume original a ser estudado. Em todos os casos de doença,ele observava os sintomas e a natureza do mal, como se fos-sem fatos inéditos. Havia, e não podia deixar de ser, inter-venção da experiência, mas esta intervenção ocorria apenasdepois que os fatos todos haviam sido anotados e, sem ne-nhuma presunção de atribuir ao que não fosse fato, as carac-terísticas de um fato.

Hipócrates anotava todas as particularidades, colhia to-dos os detalhes, examinava-os seguidamente e os ajustavaaos paradigmas da experiência clínica.

Escreveu tratados e livros, constituindo o “corpushipocraticum”. Estas obras constituem provas do desenvol-vimento da medicina prática leiga, num século consideradopor todos, o período áureo da Grécia, o século de Péricles().

As experiências cotidianas de Hipócrates foram coligi-das nos pensamentos apresentados no livro “Os Aforis-mos”. Alguns, os mais famosos, apresentam também umafilosofia de vida. É o caso de “para males extremos, extre-mos remédios” e “a vida é breve, a arte vagarosa, a ocasiãofugaz, a experiência falha, o julgamento difícil”.

Hipócrates, ao estabelecer os fundamentos da técnica earte médica (ars medica), deu enfoque a uma questão essencialem medicina: a relação médico-paciente, sem a qual não existeato médico digno desse nome.

Esta relação, segundo os gregos, deveria ser alicerçadaem forte sentimento entre as partes, em relação biunívoca.Este sentimento profundo é o da amizade com amor, isto é,a “filia”. O médico deveria exercer a sua competência comamor pelo ser humano (filantropia) e pela técnica médica (fi-lotecnia). A filotecnia só faria sentido se colocada à disposi-ção do doente.

No juramento hipocrático estão claramente enunciadosalguns princípios: a filia, a não maleficência, a beneficência eo sigilo.

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Verifica-se, deste modo, que o médico, já ao nascer damedicina como técnica e arte, tem sua competência subordi-nada ou balizada por determinados princípios().

Quanto ao princípio da justiça, é preciso enfatizar que osfilósofos gregos sempre consideraram a justiça um princípioelevado, presente na maioria dos ensaios e ensinamentos dosfilósofos da época. Com esta conotação, cabia ao médico serum homem justo; dito em outras palavras, o poder da técni-ca (e a competência) do médico deveriam sempre se pautarpela justiça, e a ela subordinar-se, a fim de não cometer qual-quer ato injusto.

Note-se a absoluta ausência de citação com relação à au-tonomia. O princípio da autonomia surgiu somente no sécu-lo XVIII e, mesmo assim, demorou mais três séculos para serincorporado à relação médico-paciente.

Os paradigmas éticos de Hipócrates mantiveram-se porlongos séculos até a Idade Média. Daí por diante a Igrejaassumiu a liderança científica, o que, de certa forma, assu-miu caráter exclusivamente místico, tornando-se, assim, umamedicina dogmática, orientada pelos princípios da piedadecristã e, naturalmente, pela fé.

Os séculos posteriores, em pleno apogeu da Idade Mé-dia, em que o espírito guerreiro de conquistas prevaleceu so-bre as ciências, pouco ou nada de contribuição trouxeramcomo evolução para a medicina e os conceitos de ética().

Foram os denominados “mil anos de trevas”, onde a al-quimia, os esconjuros, o esoterismo e a prática leiga da me-dicina marcaram época. Os alquimistas procuravamsobretudo o segredo da pedra filosofal, que concedia o po-der de transformar qualquer elemento em ouro().

A ciência dessa fase estendeu-se por vários séculos e ca-racterizou-se por um dogmatismo e uma escolástica rígidos,que suprimiram toda a experimentação em cada um dos se-tores da atividade humana, abolindo toda e qualquer pesqui-sa científica. A medicina monástica, arraigada aos princípiosrígidos da filosofia cristã, por meio da abolição de toda aexperimentação científica determinou um recuo das filoso-fias clássicas. A idade média foi a época em que a medicinapermaneceu praticamente paralisada, sem evolução. Ao con-trário, sob muitos aspectos houve decadência(). Assim per-maneceu do século V ao XIV, só melhorando de padrão como desenvolvimento intelectual dos conventos.

A partir do século XV, com o renascimento das ciências,a medicina voltou a florir como arte científica. Leonardo da

Vinci, notável naturalista, estudioso inestimável de anatomia,contribuiu grandemente com o seu gênio para o desenvolvi-mento dos estudos científicos().

À invenção da imprensa sucedeu-se uma chuva de publi-cações médicas que sacudiram a medicina do longo períodode estagnação e passividade que atravessara.

Paracelso, que viveu de a , foi um dos grandesrevolucionários dessa época do ressurgimento, sendo con-siderado por alguns, o mais genial dos médicos depois deHipócrates().

No século XVI, ressalta-se a figura de Ambroise Parré,considerado o pai da cirurgia francesa.

O século XVII foi de grande importância para a medici-na, impulsionada pelo período da Renascença, repleto denotáveis conquistas.

Somente no final da Idade Média e nos primeiros tem-pos da modernidade surgiu a figura do princípio da autono-mia. A história da autonomia está associada à progressivaconsolidação dos direitos humanos, desde Locke até os nos-sos dias().

Estabelecem-se os direitos humanos básicos: direito àintegridade (e portanto à saúde) direito à liberdade, à pro-priedade e o direito de defender tais direitos quando amea-çados (Locke, ). Estes direitos pertencem a todo ser hu-mano, justamente por sua condição e, por isso mesmo,independem de legislação.

As revoluções inglesa, francesa e americana também con-tribuíram para a concepção pluralista de sociedade. As idéiasde direitos básicos e o ideário das revoluções democráticasmodificaram profundamente a visão prevalente à época deHipócrates.

Desses movimentos surge e firma-se o princípio da au-tonomia do ser humano, entendido, sobretudo, como direi-to à autodeterminação.

O respeito às pessoas se baseia na filosofia de Kant, queformalizou o princípio de que o homem é um fim em simesmo, não um meio. Todo ser humano tem direito à auto-determinação, isto é, tem o direito de agir de acordo com ospróprios julgamentos e as próprias convicções().

O princípio da autonomia não se fez sentir de imediatona relação médico-paciente; somente a partir da década de do século passado é que ocorre efetivamente.

Admite-se que as ciências experimentais, a partir das quaisse desenvolveram outros ramos das ciências, têm como mar-co inicial simbólico as contribuições e, sobretudo, a posturade Galileu no século XVI. Desde então os avanços científi-cos se fizeram de tal forma que, ao fim de dois séculos, con-figurou-se e consolidou-se a chamada revolução científica.

No século XX a evolução científica e tecnológica apre-sentou um ritmo vertiginoso. Estima-se que o número decientistas vivos vem duplicando a cada ou anos; esti-ma-se que hoje o mundo dispõe de um número de cientis-

Juro por Apolo, médico...... aplicarei os regimes para o bem dos doentes... (beneficência)... nunca para prejudicar ou fazer mal a quem quer que seja...(não maleficência)... o que no exercício ou fora do exercício e no comércio euvir ou ouvir que não seja necessário revelar, conservareicomo segredo... (confidencialidade)

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and Clinical Research”(), demonstrando o aumento no nú-mero de experimentos em seres humanos e que nem sempreeram conduzidos de forma ética adequada. Beecher levan-tou na literatura médica trabalhos científicos publicadosnas melhores revistas e que, comprovadamente, continhamprocedimentos não éticos. Publica no mesmo ano no JAMA

importante artigo “Consent in Clinical and Experimentati-on: Myth or Reality”(), causando forte impacto na comuni-dade científica mundial.

Em , na .ª Assembléia da Associação Médica Mun-dial foi revisto o Código de Nuremberg e aprovada a Decla-ração de Helsinque, introduzindo a necessidade de revisãodos protocolos por comitê independente, e estabelecendoque os interesses do indivíduo devem prevalecer sobre os daciência e da sociedade. Esta declaração foi revista na décadade (Tóquio) e de (Veneza e Hong Kong) e por últimoem na .ª Assembléia Geral realizada em Somerset West(África do Sul). Continuou, porém, sendo conhecida comoDeclaração de Helsinque. Nesta declaração se estabelecemtambém as normas para pesquisas médicas sem fins tera-pêuticos(7).

Na década de , o Concil for International Organiza-tion of Medical Sciences (CIOMS), juntamente com a Or-ganização Mundial de Saúde (OMS), elaboraram um docu-mento mais detalhado sobre o assunto, estipulando as“Diretrizes Internacionais para a Pesquisa Biomédica emSeres Humanos”.

Na década de o CIOMS lança o primeiro documentoespecificamente voltado para a pesquisa em estudos da cole-tividade (estudos epidemiológicos): “International Guideli-nes for Ethical Review of Epidemiological Studies”.

No Brasil, merece destaque a resolução CNS n.º de ,do Conselho Nacional de Saúde, que é o primeiro documen-to oficial brasileiro que procurou regulamentar as normas depesquisa em saúde. Esta resolução foi revista e atualizadapela CNS n.º de , que criou a Comissão Nacional deÉtica em Pesquisa (CONEP)().

Potter, oncologista americano, jamais poderia imaginarou prever o extraordinário avanço que ocorreria com a bioé-tica, quando da publicação de sua obra Bioethics: A Bridge to

the Future, em (). Considerada consensualmente a pedrafundamental e o marco divisório deste novo campo do pen-samento humano, essa obra alavancou o desenvolvimentoda bioética. Raras áreas do conhecimento humano tiverammaior desenvolvimento e progresso nas últimas décadas.

É curiosa a observação que a visão de bioética mudou demaneira bastante significativa nos anos seguintes à sua pu-blicação, que a focalizava como um amplo e abrangente com-promisso da humanidade com relação ao equilíbrio e preser-vação do ecossistema. O marco histórico desta mudança foi,sem dúvida, a publicação do livro Principles of Biomedical Ethics,de Beauchamp e Childress, em (). Essa obra, a bíblia

tas maior, talvez, que o número total de cientistas que omundo já teve e morreram. Ambos os fatos significam quea geração constante e crescente de novos conhecimentos enovas tecnologias, destinados ao homem, irão atingi-lo demodo direto ou indireto. E a primeira aplicação do conheci-mento ou da tecnologia no ser humano é, no fundo, umaexperimentação().

A ética hipocrática e seus “princípios” obrigatoriamentetiveram que se adaptar e conviver com as complexas e sofis-ticadas tecnologias e avanços científicos incorporados à prá-tica médica e às pesquisas acadêmicas nos séculos XX e XXI.

Sir William Osler é considerado o pai da medicina mo-derna. Conhecido como “O moderno Hipócrates”, Oslersoube como ninguém aplicar os fundamentos hipocráticos àevolução científica e tecnológica dos séculos XIX e XX. As-sim como ensinava Hipócrates, este canadense praticava avelha medicina à beira do leito().

A possibilidade da aplicação indevida dos conhecimen-tos, da ciência e da tecnologia, podendo levar até a destrui-ção da humanidade, foi um dos fatores que deram origem aoneologismo proposto por Potter na década de setenta –“Bioética” – que tem hoje, em verdade, uma outra conota-ção, mais ampla().

Quanto à pesquisa propriamente dita, são de estarreceros números, diversidade e as circunstâncias em que se come-teram abusos, dentro e fora dos campos de concentraçãodurante a Segunda Guerra Mundial. Abusos que, às vezes,tiveram a participação de pessoas de alto prestígio científicoe com amparo de órgãos de apoio à pesquisa e de outros cujafunção seria a de cuidar da saúde da população.

Com este pano de fundo não deixa de ser surpreendenteo fato de que somente em a humanidade decidiu esta-belecer as primeiras normas reguladoras da pesquisa em se-res humanos. Normas que surgiram quando do julgamentode crimes de guerra dos nazistas, ao se tomar conhecimentodas situações abusivas da experimentação, que foram deno-minadas como “crime” contra a humanidade. Surge então o“Código de Nuremberg” estabelecendo normas básicas depesquisa em seres humanos, prevendo a indispensabilidadedo consentimento voluntário, a necessidade de estudos pré-vios em laboratórios e em animais, a análise dos riscos e be-nefícios da investigação proposta, liberdade do sujeito dapesquisa em se retirar do projeto, a adequada qualificaçãocientífica do pesquisador, entre outros pontos().

O princípio da autonomia foi formalmente reconhecido.É oportuno ressalvar que esta autodeterminação somentemuitos anos depois se incorporou aos códigos de ética dosprofissionais de saúde.

Não obstante a dramaticidade do contexto em que surgeo Código de Nuremberg, os abusos continuaram a ocorrer.Na década de , Beecher causa grande impacto quandopublica no New England Journal of Medicine o artigo “Ethics

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dos bioeticistas das décadas de e do século passado efundamental para o desenvolvimento teórico da bioética,apresentou uma linha de raciocínio que ficou sendo conhe-cida como principialismo. A abordagem de questões de na-tureza ética passou a ser feita usando-se como instrumentoquatro princípios básicos, dois de caráter deontológico (nãomaleficência e justiça) e dois de caráter teleológico (benefi-cência e autonomia). Embora, filosoficamente, não apresen-tem caráter absoluto, o fato é que foram rapidamente aceitoscomo “ferramentas” básicas na elaboração de discussões esoluções de conflitos emergentes na área da bioética.

Historicamente deve ser lembrado que o filósofo TomBeauchamp e o teólogo James Childress idealizaram o livroa partir do “Relatório Belmont”, assim denominado por tersido concluído no Centro de Convenções Belmont, em Ma-ryland, EUA().

Este relatório foi o resultado final da Comissão Nacionalpara a Proteção dos Seres Humanos em Pesquisa Biomédicae Comportamental. A motivação para a criação desta comis-são foi a crescente preocupação pública com o controle so-cial de pesquisas com seres humanos. Diversos fatores con-tribuíram para o crescimento da preocupação com pesquisas,mas certamente teve enorme influência a divulgação, em ,do resultado do “Tuskegee Study” realizado no Estado doAlabama. Quatrocentos negros acometidos de sífilis foramdeixados sem tratamento para a realização de pesquisa sobrea história natural da doença. Observa-se que, de forma inad-missível, tal estudo teve seguimento normal até , maisde duas décadas após a descoberta da penicilina().

Beauchamp e Childress aplicam o “sistema de princípios”,estabelecido pela comissão, para a área clínico-assistencial,criando uma maneira inteiramente nova de juízo de questõeséticas, diferenciando do ultrapassado enfoque próprio e ca-racterístico dos códigos e juramentos, muito limitados e maisligados à moral que à ética.

Marco Segre(), autor brasileiro, define bioética como sen-do “parte da ética, ramo da filosofia, que enfoca as questõesreferentes à vida humana (e, portanto, à saúde). A bioética,tendo a vida como objeto de estudo, trata também da morte(inerente à vida)”. Defende este autor que a bioética deve sero mais autônoma possível para cada ser humano, buscandosempre uma visão teórica de “descentramento”. Esta linhade pensamento vislumbra que a pessoa possa posicionar-seindividualmente com relação às mais variadas situações pos-síveis de estudos éticos. Em sua visão, a autonomia é o prin-cipio básico mais importante e central. Esta “self ética” de-finida por Segre, pode também ser chamada de “ética daliberdade”.

Com relação à prática médica é nítido um crescimentoprogressivo de dilemas éticos, presentes cada vez mais emnosso dia-a-dia, tornando obrigatória a atuação de todos osprofissionais da saúde nas discussões e atualizações referen-tes aos termos de bioética().

O século XXI, que se inicia, traz consigo enormes mu-danças no exercício profissional, com novos e fantásticosavanços no campo da engenharia genética, da clonagem hu-mana, dos transplantes, da agressividade de marketing e umainevitável mercantilização da prática médica().

O mercado dita as regras do jogo e impõe conceitosglobais.

Finalizando este breve histórico do comportamento éti-co, fica no ar a pergunta: mas afinal, o que esperam de nós osnossos pacientes?

Acredito que a resposta possa ter sido dada por ThomasSydenham (-), um famoso sofredor gotoso:

“O médico precisa ter em mente que ele próprio está su-jeito às mesmas leis da mortalidade e da doença a que estãosubmetidos os outros; e assim cuidará dos enfermos commais ternura, desde que se lembre de que ele, em pessoa, é ocompanheiro de sofrimento deles.”

Referências

. Calder R: O Homem e a Medicina – Mil Anos de Tréguas, tradu-ção de Raul de Pollilo, São Paulo, Hemus Livraria Editora, .

. Maffei WE: Os Fundamentos da Medicina, .ª ed., São Paulo, Ar-tes Médicas, .

. Segre M, Cohen C: Bioética, .ª ed, São Paulo, Edusp, .. Lopes OC: A Medicina e o Tempo, São Paulo, Edusp, .. Jonsen AR: A Short History of Medical Ethics, New York, Oxford

University Press, .. Bertrand P: História do Pensamento Universal: A Aventura das

Idéias – dos Pré-Socráticos a Wittgenstein, tradução de Laura Al-ves e Aurélio Rebello, Rio de Janeiro, Ediouro, .

. Costa SIF, Oselka G, Garrafa V: Iniciação à Bioética, Brasília, Con-selho Federal de Medicina, .

. Marino Jr F: Osler – O Moderno Hipócrates, São Paulo, CLRBalieiro Editora, .

. Potter VR, Bioethics: A Bridge to the Future, New Jersey, En-glewood Cliffs, .

. Beecher HK: Ethics and Clinical Research. New England J Med:-, .

. Beecher HK: Consent in Clinical Experimentation: Myth or Rea-lity. JAMA :, .

. Beauchamp TL, Childress JF : Principles of Biomedical Ethics,.ª ed, New York, Oxford Press, .

. The Nacional Comission for the Protection of Human Subjectsof Research: The Belmont Report, Washington, Government Prin-ting Office, .

. Reich WT: Encyclopedia of Bioethics, New York, Editora TheFree Press, .

. Urban SIF: Bioetica Clínica, Rio de Janeiro, Revinter, .

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. RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE

Reflexões Sobre Éticae Relação Médico-Paciente na Era Pós-Moderna

TÁCITO MEDEIROS Professor Adjunto de Psiquiatria da Universidade Federal de Pernambuco

“O tempo passou na janelaE só Carolina não viu.”

CHICO BUARQUE DE HOLLANDA

de “era pós-moderna” suscita duas impres-sões: a de haver um tempo sucedendo outro, e a decoisas e mundo surgirem no rastro da modernidade.

A idéia de evolução, calcada na revolucionária concepção da-rwiniana do século XIX, pode ter contribuído para impreg-nar de valor progressivo o conceito de “moderno”, identifi-cando a categoria “tempo” como linha ascendente para ofuturo. A perturbação com os novos tempos foi representa-da ironicamente por Carlitos em “Tempos Modernos”. Res-ta perceber o que representa o “pós-moderno”.

A pós-modernidade prolonga a modernidade como suareflexão crítica. Questiona-se a sociedade. Questiona-se amedicina. O mundo mudou. Questionam-se os paradigmas:os organizadores de nosso pensamento, de nossa percepção,de nossas práticas, de nossa compreensão dos fenômenos.

A abordagem da relação médico-paciente na era pós-moderna exige o entendimento da medicina como institui-ção humana, com papéis sociais, hábitos e modelos constru-ídos na história e na cultura. No processo de ocupação detodos os espaços do planeta, as diferentes culturas humanassão construções de mutáveis instituições e de mutáveis mo-delos de relacionamento interpessoal como formas de vida ecomo formas de pensar.

A história da medicina no hegemônico mundo ocidentaltraça o trajeto desde as primitivas práticas mágicas, xamâni-cas, passando pelo legado da racionalidade grega, sendo iden-tificada em específicos conhecimentos e habilidades profis-sionais. Nesse trajeto prevaleceu a marcha do invisível parao evidente, do fluido para o concreto, do sobrenatural para anatureza, do anímico para o corporal, do divinatório para ohumano.

O destaque para as peculiaridades da relação médico-pa-ciente surgiu com a psicanálise, na revolução psicológica dasdescobertas freudianas do inconsciente, da vida instintiva do

homem, das pulsões de vida e de morte, do fenômeno datransferência. Psicologia médica e medicina psicossomáticasão ainda componentes periféricos do conhecimento médi-co biologicamente centralizado na evidência das mensura-ções físico-químicas e do corpo concreto.

As características da interação bipessoal e biunívoca dasrelações entre médicos e pacientes dependem dos modoscompartilhados de pensar a medicina, no contexto de pen-sar a cultura e a sociedade. O antigo Código de Ética Médi-ca da Associação Médica Americana, adotado pela medici-na brasileira em , dispunha de minuciosos preceitosregulamentando “obrigações dos doentes para com seusmédicos”: “o doente nunca deve fatigar o médico com anarração enfadonha de fatos ou assuntos que não tenhamrelação com a moléstia”; “a obediência do doente às pres-crições de seu médico deve ser pronta e explícita... nuncadeve permitir que sua opinião incompetente sobre a con-veniência delas (das prescrições) influa sobre a obediênciaque lhes deve prestar”. A singularidade desse Código é aexigência de respeitosos silêncios. Em nossos dias a éticamédica absorve direitos dos pacientes, até a desobediência.Médicos e pacientes conformam-se e confrontam-se nes-sas regras, retratos dos tempos, da cultura, da medicina emcontínua mudança.

A saúde, nos tempos modernos e pós-modernos, atendeao valor da funcionalidade. Médicos e pacientes associam-separa alcançá-la na qualidade de vida representada no funcio-namento, regularização e normalização de órgãos e compor-tamentos. Normalização no sentido de conformar com anorma. Regularização pelo estabelecimento da ordem e daprevisibilidade no controle do organismo e do mundo. Fun-cionamento pela garantia da eficácia dos mecanismos. Omodelo é mecânico. Norbert Wiener, um dos pais da ciber-nética, deplora o “idólatra da engenhoca”, e reflete sobre as

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trágicas conseqüências de serem realizadas as conjecturasmédicas de protelar indefinidamente a morte, e de ser sim-plificada a compreensão vital do envelhecimento na catego-ria diagnóstica de moléstia degenerativa, explicada como des-gaste da máquina biológica.

A idolatria dos fantásticos equipamentos tecnológicosutiliza os princípios mágicos e acríticos da crença e da fé, edenuncia os insucessos como imperdoáveis erros e provasda falibilidade humana. Em anos de atividade no Conse-lho de Medicina de Pernambuco acompanhei em médicos eem usuários os desentendimentos (os não-entendimentos)da medicina.

O paradigma da relação médico-paciente nesse contextoseria o execrado curandeiro, dotado de fantásticos poderes einstrumentos miraculosos, cujo valor cumpre-se na “cura”,entendida como correção-desaparecimento de mal. Mal /incômodo / defeito / sintoma / queixa / doença / anorma-lidade. A intrusiva ação médica legitima-se como interven-ção de único participante responsável ante o outro parceiro,o paciente infantilizado-submisso e passivo, dependente eirresponsável.

À primeira vista, considerar o núcleo da medicina emuma centralidade psicológica parece ser exagero reducio-nista, identificado com a primariedade do pensamento má-gico, em seu atribuir existência autônoma a espíritos e aentes desprovidos de corporeidade. No entanto, a centrali-dade psicológica da medicina não é a negação da centrali-dade biológica.

Vale refletir o significado grego de “psique”, aproxima-do do que é chamado “alma”. A palavra latina “anima” tam-bém é “alma”, e é raiz etimológica de “animação”, peculiarcaracterística dos seres vivos como seres dotados de movi-mento. No alemão, em sua obra, Freud sempre preferiu usaro termo “Seele”, justamente “alma”( da mesma raiz etimo-lógica do inglês “soul”). Expressivo exemplo da aparentediversidade dualista nessas centralidades é o que ocorre nosdiagnósticos de “fibromialgia” e de “transtorno persistentedoloroso”: o paciente e seu corpo sinalizam a dor, os médi-cos – reumatologistas e psiquiatras – desencontram-se nos“pontos de observação” (ou “ponto de vista”) da patogenia,e na denominação do mal (a posse dos nomes). Dois diag-nósticos: dois nomes ou duas doenças? Na consagração damais atual Classificação Internacional das Doenças preser-va-se nessa atribuição de nomes a dualidade em limites in-questionados. Em um deles, mal do corpo; no outro, mal damente. Na prescrição de medicação antidepressiva conver-gem reumatologistas e psiquiatras a cuidarem de portadoresdesses diferentes e específicos diagnósticos. Recentementepediram-me indicação de um “fibromialgista”. Pode estarnascendo uma nova especialidade médica.

A relação médico-paciente, como relação humana, é acon-tecimento múltiplo. É fato psicológico, impregnado de sig-nificados, de sentimentos, de valores. É fato social, no ex-pressivo encontro de pessoas assimetricamente situadas,supondo diferentes classes, necessidades, conhecimentos, pa-péis, direitos, deveres, capacidades e poderes. É importantefato econômico no disputado mundo de produção e de con-sumo como prestação de serviço intermediado por agentesdo Estado ou de organizações privadas para valorização eaquisição do bem “saúde”. É na relação médico-paciente quese realiza efetivamente a medicina em todas as épocas, nadinâmica das acolhidas e das repulsas, das tensões e dos afe-tos. A dinâmica das relações com o ambiente – o meio exter-no e o meio interno – é expressiva característica biológica. Arelação médico-paciente – como fato psicológico, como fatosocial, como fato econômico – situa-se basicamente nessadinâmica humana, a dinâmica do ser dotado de vida cuidadopela medicina.

A atividade clínica acontece no trabalho médico de ob-servação e exame do paciente. O suposto saber médico es-barra nos limites levantados pelo paciente no acesso às suasmanifestações mais íntimas, e nos limites dos instrumentosexistentes à disposição do médico. O trabalho médico con-siste na superação desses limites perturbadores e inevitáveis.O trabalho médico – diagnóstico e terapêutico – cumpre-sena transação de observações simultâneas e díspares em queo médico observa o paciente, o paciente observa o médico,o paciente observa a si mesmo, e o médico observa sua pes-soa e sua conduta.

Observação médica e exame médico são diferentes pro-cessos. A subjetividade da observação seria confirmada naobjetividade do exame. Na medicina moderna e pós-moder-na a objetividade conquista a soberania da nova clínica.

A perspectiva tecnológica da medicina enfatiza a obser-vação do paciente como portador da doença. O primadodo recurso instrumental objetiva descobrir a verdade dadoença escondida no corpo do paciente, desde que os apa-relhos são incapazes de compreender a verdade do doenteescondida na doença. As máquinas dominam a participa-ção do médico, apêndice para a leitura do que elas regis-tram. As máquinas ampliam os recursos do corpo do mé-dico, distanciando-o. O que seria contato (com tato),sensações e percepções – manifestações psicológicas –transmuda-se em resultados de exames. Aparelhos servempara ver em imagens o invisível para os olhos. Aparelhosservem para ouvir o inaudível. Servem para substituir porinformações físicas e químicas o que não é precisado pelotato, pelo olfato ou pelo paladar. Cumpre-se a objetividadedo exame médico.

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A linguagem é o instrumento humano a permitir a realpossibilidade de acesso às verdades do saber médico e dosaber do paciente. Palavras e silêncios, sons e gestos, tonali-dades e movimentos compõem a expressão comunicativa nainteração dos contatos interpessoais, supondo modos de re-velação e de encobrimento. O uso da linguagem na relaçãomédico-paciente engloba atitudes, comportamentos, palavras,e ultrapassa as técnicas de entrevista na elaboração de anam-neses ou na prescrição de medidas terapêuticas. Em sua plu-ralidade, a linguagem compreende – nos diversos sentidosdesta específica palavra – toda conduta expressiva existenteno mútuo interesse estabelecido. A doença e os sintomas sãolinguagem, a serem ouvidos, lidos, interpretados pelo médi-co no seu próprio saber técnico e no saber de si que apenas opaciente pode informar. Para saber de tudo isso, a milenaratitude do médico é perguntar, pois ele de nada sabe. Cum-pre-se, com as linguagens, a singularidade da observaçãomédica.

Estou dizendo que entrevista, observação, exames e tra-tamentos nunca deixam de ser situações de significado psi-cológico. Por isso são de significado biológico. Significativo

processo de adoecimento compõe a particular biografia decada paciente, como forma de manter e exprimir a vida pos-sível. Por isso entrevista, observação, exames e tratamentosconstituem fatos de significado biológico.

Saber da doença e de mecanismos não é saber do proces-so do adoecimento. Este é um evento da biografia. Tal comosaber da colocação ordenada dos tijolos não é saber da cons-trução do edifício. A dor, o sintoma, até mesmo a doença éuma sinalização do doente, uma manifestação significativada vida de que ele, o doente, é único portador. Talvez a rela-ção médico-paciente seja o local único e privilegiado ondepossa ser compreendido o que exprime cada uma dessas co-municações.

Ante as tensões e insatisfações da crise da medicina mo-derna, esboça-se a busca do que seria qualidade de vida comorealização, e não a quantificação de vidas. Cabe entender que,pela própria denominação, “era pós-moderna” é tempo detransição; transição de práticas, de costumes, de entendimen-tos, de objetivos, de métodos nas relações vigentes em nossacultura, e conseqüentemente na relação médico-paciente.

. PESQUISA MÉDICA

Ética na Experimentação Animal

VIRGINA CLAUDIA C. GIRÃO Doutoranda em Farmacologia do Departamento de Fisiologia eFarmacologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará

FRANCISCO AIRTON C. ROCHA Professor Adjunto do Departamento de Medicina Clínica da Faculdadede Medicina da Universidade Federal do Ceará

das ciências biológicas relaciona-se coma utilização de animais nos trabalhos de pesquisacientífica. Os estudos através de modelos experi-

mentais são de fundamental importância, não só em razãodos avanços que permitem o conhecimento dos mecanis-mos dos processos vitais, mas também pelo aperfeiçoa-mento dos métodos de prevenção, diagnóstico e tratamentode doenças tanto na medicina humana como na própriamedicina veterinária.

Os trabalhos desenvolvidos com a participação de ani-mais tiveram início com os estudos comparativos entre ór-gãos humanos e animais, realizados por Aristóteles (-

a.C). Esses estudos proporcionaram várias descobertas,

como os estudos iniciais sobre o funcionamento da medu-la espinhal (Galeno, -) e sobre a circulação sangüí-nea (Harvey, -); além de consagrar cientistas comoLavoisier (-) e Claude Bernard (-) (An-drade et al., ).

Os animais de laboratório, principalmente os ratos e oscamundongos, são os mais amplamente utilizados em pes-quisa. A grande utilização desses animais ocorreu em ra-zão de sua fácil manutenção e observação; de apresenta-rem ciclos vitais curtos; de permitirem a padronizaçãogenética e do ambiente; do transplante de tumores e tam-bém motivada pela grande quantidade de informações bá-sicas disponíveis.

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Um protocolo experimental implica na interação de di-ferentes reagentes. Assim, os animais de laboratório devemser considerados verdadeiros reagentes biológicos que par-ticipam do modelo experimental. Portanto, para o melhordesenvolvimento do trabalho científico, os animais utiliza-dos devem se encontrar em bom estado de saúde, ser man-tidos em condições adequadas, e ser submetidos a procedi-mentos éticos durante o desenvolvimento do experimentoplanejado (De Luca et al., ).

Infelizmente, durante muito tempo, a ciência viveu soba influência filosófica de René Descartes, que consideravaos animais seres incapazes de sentir ou de sofrer. Entre-tanto, Charles Darwin, através de sua teoria da evolução,contribuiu para a percepção de que o homem é um ani-mal. Assim, as preocupações morais com os homens de-veriam se estender aos animais. A partir dessas preocupa-ções iniciais com a ética no seu uso, teve início uma sériede movimentos a favor dos cuidados com os animais, bemcomo movimentos antiviviseccionistas que contribuírampara o surgimento de diversas entidades. São exemplos dis-so a Liga Alemã Contra a Tortura Animal, em , e a LaSocieté Contre la Vivisection, em , existentes até hoje.Já em , Charles Hume fundou a sociedade Universityof London Animal Welfare, atual Universities Federationfor Animal Welfare, com o objetivo de racionalizar a utili-zação dos animais em estudos experimentais e de ressaltara preocupação científica com o bem-estar animal (Andra-de et al., ).

Ainda hoje, existem posições extremas acerca da utiliza-ção de animais em experimentações. No entanto, a experi-mentação animal é uma atividade humana com grande con-teúdo ético. Assim, são considerados legitimamente éticosos experimentos em animais que sejam de benefício diretopara a vida, a saúde humana e animal e para aqueles que pro-curam novo saber que contribua significativamente para oconhecimento da estrutura, função e comportamento dosseres vivos. No entanto, se houver métodos alternativos fi-dedignos para o conhecimento que se procura, os experi-mentos não serão eticamente válidos.

O Princípio Humanitário da Experimentação Animal foisintetizado por Russel e Burch (apud Remfry, 1987) como oprincípio dos Rs (Replacement, Reduction e Refinement ).

REPLACEMENT – pode ser traduzidocomo Alternativas, indicando que sempre quepossível deve-se usar, no lugar de animais vi-vos, materiais sem sensibilidade, como culturade tecidos ou modelos em computador.

REDUCTION – é traduzido como redução,pois, uma vez que é imprescindível a utiliza-ção de animais em certos tipos de experimen-tos, o número utilizado deve ser o mais redu-zido possível, desde que possa fornecerresultados estatísticos significativos.

REFINEMENT – pode ser traduzido comoaprimoramento, refere-se a técnicas menos in-vasivas e ao manejo de animais somente porpessoas treinadas, inviabilizando situações deestresse e/ou dor que tragam sofrimento aosanimais.

O uso ético de animais depende muito da integridade econsciência de cada cientista, principalmente por não ser fá-cil policiar a pesquisa. Felizmente, a maioria dos cientistasenvolvidos com a experimentação respeita a vida dos ani-mais e preocupa-se em conduzir suas pesquisas sem causar-lhes sofrimento, seguindo os princípios éticos da experimen-tação animal.

Vale salientar que os pesquisadores podem contar, noâmbito local, com o apoio dos Comitês de Ética em Experi-mentação das diferentes universidades, e no âmbito nacio-nal, com o Colégio Brasileiro de Experimentação de Ani-mais (), constituído por pesquisadores e técnicosinteressados em experimentação animal. Além disso, exis-tem posturas éticas concernentes aos diferentes momentosde desenvolvimento de estudos com animais de experimen-tação, bem como sobre as normas de vivissecção.

Como modelo para a submissão de projetos de pesquisaà Comissão de Ética em Experimentação Animal da Facul-dade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (-

), temos o seguinte formulário:

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Universidade Federal do CearáComissão de Ética em Pesquisa Animal –

Rua Coronel Nunes de Melo, ., Rodolfo Teófilo -, Fortaleza,

Tel: () - – Fax () -

PROTOCOLO DE PROCEDIMENTOS PARALICENCIAMENTO DE PROJETO JUNTO À CEPA-UFC

Protocolo n.o ________Data de entrada ___/___/___ Aprovado ___/___/___

Não aprovado ___/___/___

. Pessoal

. Período previsto para utilização dos animais:Início: Término:

. Finalidade: ( ) Ensino ( ) Pesquisa

. Responsável:Nome:

E-mail:

Instituição:Telefone: Ramal: Fax:

. Título do projeto ou aula prática:

. Objetivo geral do projeto:

. Metodologia experimental:

. Justificar o uso da(s) referida(s) espécie(s) em cada procedi-mento:

. Indicar fontes provedora(s) dos animais:( ) Biotério ( ) Animal silvestre* ( ) OutrosOutros, especifique:

. * Em caso de experimentação envolvendo animais silvestres, éimprescindível a inteira adequação às pré-condições estabelecidaspelo IBAMA (anexar solicitação de autorização do IBAMA).

. Indicar o número aproximado de animais, justificando a suautilização:

. Descrição dos animais:( ) Camundongo ( ) Rato ( ) Hamster( ) Coelho ( ) Cão ( ) Gerbil ( ) Primata não humanoOutro(especificar):

Linhagem: WistarSexo ( ) M ( ) FIdade: Peso:Padrão sanitário:

. Existe planejamento estatístico?( ) Sim ( ) Não

. Condições gerais de uso (alojamento e alimentação dos

animais)

. N.º de animais por gaiola e tipo de gaiola:

. Os animais serão alojados:( ) Biotério de experimentação/local: sala n.º:( ) Outro, especifique:

. Climatização, fotoperíodo, exaustão de ar:

. Tipo de alimentação:( ) Ração industrial ( ) Suplementação ( ) Dieta específicaEspecificar:

. Qualidade da água:( ) Filtrada ( ) Autoclavada ( ) Clorada

. Tipo de cama:( ) Esterilizada ( ) Não esterilizada

. Existe acompanhamento técnico especializado?( ) Sim ( ) NãoNome:Qualificação:

. Biossegurança

. Utiliza animal infectado?( ) Sim ( ) Não

. Em caso afirmativo indique o nível de risco da atividade deacordo com o Manual de Biossegurança. Mario Hiroyuki Hirata eJorge Mancini Filho.( ) Risco 1 – Baixo risco individual e baixo risco para a comunidade;( ) Risco 2 – Baixo risco individual e baixo risco para a comunidade;( ) Risco 3 – Risco individual elevado, risco comunitário limitado;( ) Risco 4 – Risco individual e comunitário elevado.

. As condições de biossegurança oferecidas são compatíveis como risco da atividade?( ) Sim ( ) NãoSe não, justifique:

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. Limpeza, desinfecção e esterilização

. Qual o produto que será utilizado nos processos de limpeza edesinfecção e que terá contato com os animais?( ) Quaternários de amônio ( ) Álcool a 70% ( ) Polvidine( ) Iodo ( ) Cloro( ) Outro, especifique:

. Utilizará materiais e/ou equipamentos esterilizados?( ) Sim ( ) NãoSe não, justifique:

. Informações sobre os procedimentos experimentais do pro-

jeto de pesquisa ou da aula

. Será usado algum tipo de contenção no animal? Qual? Justi-fique:

. Usará drogas analgésicas e/ou anestésicas?( ) Sim ( ) NãoQual(is) droga(s), dosagem e via de administração:

. Envolverá dor nos animais?( ) Sim ( ) NãoJustifique a resposta, e como será avaliada a dor:

. Envolverá estresse nos animais?( ) Sim ( ) NãoSe sim, justifique:

. O procedimento levará a alguma restrição hídrica ou alimentar?( ) Sim ( ) NãoSe sim, justifique:

. Cirurgia

. Realizará cirurgia?( ) Não ( ) Única ( ) Múltiplas

. Indique o nome do responsável pelo procedimento cirúrgico:

. As manipulações cirúrgicas resultarão em sobrevida?( ) Sim ( ) Não

. A cirurgia será realizada no:( ) Laboratório ( ) Biotério de experimentação ( ) Outro localSe outro local, especifique:

. Que cuidados e terapias pré e pós-cirúrgicas serão utilizados?

. Administração de drogas, reagentes ou outros (materiais

radioativos, etc.)

. Serão administradas drogas, reagentes ou outros materiais(incluindo células) aos animais?( ) Sim ( ) NãoSe sim, especifique:

. Em caso de material radioativo o estudo deve ser autorizadopelo Conselho de Energia Nuclear.

. Extração de Fluídos durante o experimento

. Serão extraídos fluídos (p. ex., sangue, urina, bile, liquor) dosanimais?( ) Sim ( ) NãoSe sim, especifique:

. Haverá reposição de fluidos?( ) Sim ( ) NãoSe sim, especifique:

. Eutanásia

. Indique o método a ser utilizado nos animais:( ) Deslocamento cervical ( ) Decapitação ( ) CO

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( ) Anestesia sob dessangramento ( ) Alta dose anestésica ( ) OutroSe outro, especifique:

. Os animais podem ser usados para outro experimento de pes-quisa ou ensino?( ) Sim ( ) Não

. Os animais serão usados apenas para retirada de órgãos?( ) Sim ( ) Não

. Retorno das estatísticas de uso

. O portador da licença é responsável, também, por manterregistros de uso para eventuais inspeções, e encaminhar à comis-são um balanço de todos os animais utilizados anualmente.

. O retorno deverá acontecer a cada 31 de janeiro.

. Parecer:

Relator:

Referências

. Andrade A, Pinto SC, Oliveira RS: Animais de Experimentação.a ed, Rio de Janeiro, Fiocruz, .

. De Luca RR, Alexandre SR, Marques T, Souza NP, Merusse JLB,Neves SP: Manula para Técnicos em Bioterismo. .a ed, São Paulo,Winner Graph, .

. Remfry J: Ethical aspects of animal experimentation. In: Labora-tory Animals: an introduction for new experiments. New York,Tuffery, .

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. ÉTICA, CIÊNCIA E INOVAÇÃO

TECNOLÓGICA EM SAÚDE

Ética, Ciência e Inovação Tecnológica em Saúde

JOSÉ TUPINAMBÁ S. VASCONCELOS Mestre em Clínica MédicaMembro do Comitê de Coluna Vertebral da SBREx-Presidente da Liga dos Reumatologistas do Norte-Nordeste

é um dos gigantes da indústriamundial, representando % do produto internobruto (PIB) dos Estados Unidos. As perspectivas

desse setor são de crescimento acelerado, motivado por trêsfatores:

. envelhecimento da população e o conseqüente aumen-to da demanda por serviços de saúde;

. grande volume de pesquisas em ambiente privado, fi-nanciadas pelas indústrias farmacêutica e de equipa-mentos;

. confluência de elementos tecnológicos que podem re-sultar em uma mudança paradigmática de grande mag-nitude, como a genômica e a proteômica.

Mas a quem pertencem e a quem servem as novas in-formações científicas e a inovação tecnológica?

As leis de patentes dispõem o direito de uma pessoa oude uma organização explorar, por tempo limitado, os fru-tos de sua atividade intelectual abstrata ou de pesquisa for-mal. É legítimo que o esforço humano, o investimentofinanceiro e de tempo dos cientistas e das empresas pos-sam lhes conferir primazia no controle e uso dessas inven-ções e descobertas. Não é difícil imaginar que o desrespeito

generalizado às leis de patentes, um direito reconhecidouniversalmente, desencorajaria a produção, divulgação etransferência de informações científicas e inovações tec-nológicas para a sociedade.

Por outro lado, cabe a seguinte discussão sociológica ehumanitária sobre o tema: qual é o limite da propriedadeintelectual na era do conhecimento? É justo que milhõesde pessoas sofram ou morram pela ausência de um bemque lhe foi eticamente assegurado desde a advertência for-mal da ONU em de novembro de , quando procla-mou a “Declaração Sobre a Utilização do Progresso Científico e

Tecnológico no interesse da Paz e em Benefício da Humanidade ”?Uma recente ação do Ministério da Saúde brasileiro naquestão das patentes dos medicamentos utilizados no con-trole da AIDS é emblemática sobre o tema. Outro exemplonotável e recente da cooperação científica internacional emsaúde, deu-se na luta contra a epidemia de SARS, em quealgumas instituições dos três continentes, trabalhando jun-tas pela internet, conseguiram identificar o vírus causadorda doença em poucas semanas (o vírus da AIDS levou doisanos e meio para ser identificado).

Portanto, essas são questões éticas abertas, merecendodiscussão exaustiva para que se possa encontrar a medidaaceitável na mediação entre criadores de conhecimento, in-dústria, mercado e sociedade.

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. ERRO MÉDICO

Erro Médico – e o Direito do Paciente à Informação

GEORGES BASILE CHRISTOPOULOS Diretor Científico da Liga dos Reumatologistas do Norte-NordesteMembro do Comitê de Ética da SBR

era um “chamado de Deus”.Perder a saúde ou morrer era, portanto, fato decor-rente da vontade divina. Os valores religiosos foram

cedendo espaço às condutas mais racionais, tendo o homempassado a acreditar na possibilidade de prolongar sua exis-tência e evitar males à sua saúde através de meios científicos.

Surgiu, então, a figura do “médico da família”, aquele pro-fissional que gozava da plena confiança do paciente. Na ocor-rência de morte ou do prolongamento de uma grave enfer-midade, a última possibilidade a se cogitar seria a de umafalha do insuspeito profissional.

A relação médico-paciente encontra-se, atualmente, con-turbada, especialmente em decorrência da impossibilidadede livre escolha do médico pelos pacientes, o que implica emum relacionamento impessoal. Agravando essa situação, ob-serva-se a imposição dos convênios no sentido de que o aten-dimento seja realizado exclusivamente por credenciados, oque implica, para obter melhor remuneração, ser o médicoobrigado a trabalhar em vários locais, com um número maiselevado de pacientes, com menos tempo disponível.

Em decorrência dessa nova realidade, um tema que sereveste da maior relevância e que atualmente se faz objetode inúmeras discussões é a responsabilidade profissional dosmédicos. Cabe então a indagação: será que o erro médiconeste país só ocorre por falta de preparação adequada nasuniversidades? Certamente esse é um fator importante, noentanto, sabemos que um sexto dos médicos americanos jáfoi ou está sendo processado por erro. E eles são, certamen-te, médicos com excelente qualificação profissional!

Os fatores que provocam o aumento acelerado no núme-ro de processos são, segundo os especialistas, os seguintes:

– dessacralização crescente da sociedade;– impessoalização da relação médico/paciente;– Judiciário mais próximo da população.

Surge, então, a seguinte indagação, fruto da preocupaçãoque passou a ter toda a categoria:

Quando um médico é culpado por erro?Naturalmente, quando há negligência, imprudência ou

imperícia.

Nessas situações o que se procura verificar é se o médi-co procedeu ou não com culpa, isso porque a natureza doserviço médico é, em princípio, obrigação de meio, e não deresultado.

Com efeito, os médicos não pactuam com os pacientes osucesso do tratamento, mas, tão-somente, a obrigação decolocar à sua disposição diligências e técnicas que prudente-mente serão utilizadas na realização do trabalho.

Para haver responsabilidade pessoal do médico, portan-to, deve haver CULPA, decorrente de uma ação ou omissãoprofissional que provoca dano ao paciente. O simples dano,tal como uma seqüela decorrente do uso de um determi-nado medicamento, evidentemente, por si só, não implicano dever de reparação, conforme se depreende da seguinteafirmativa:

“Não age com negligência ou imperícia o médicoque, diante do quadro do paciente, é levado a diagnós-tico distinto, não lhe dando tratamento adequado.”(Juízes DUARTE DE PAULA e KILDARE CARVALHO)

Daí, então, a necessidade de serem evitadas condutas equi-vocadas que importem em:

NEGLIGÊNCIA. Age negligentemente o profissional,quando deveria adotar uma determinada conduta e dela seomite. Por exemplo, abandonar o paciente quando este ne-cessita de seus cuidados; deixar a cargo de outros (enfermei-ras, acadêmicos) a realização de determinados procedimen-tos; quando impossibilitado, não incumbir outro médicoencarregado do atendimento de seus pacientes em estadograve; omitir-se de informar ao paciente todos os riscos queenvolvam o seu tratamento ou a gravidade da doença etc.

IMPRUDÊNCIA. Nesse caso existe uma ação e não umaomissão, tal como ocorre com a negligência. Evidencia-sequando o médico expõe o paciente a um risco demasiado,agindo sem cautela, como, por exemplo, na utilização dematerial não esterilizado para punção, ou de drogas sem odevido controle (metotrexato sem enzimas de controle, clo-roquina sem exame oftalmológico de rotina).

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IMPERÍCIA. Ocorre quando há deficiência de conheci-mentos técnicos profissionais ou despreparo prático, demodo a colocar em risco os pacientes. Nessa hipótese háuma conduta realizada em desacordo com a melhor técnica,porque o profissional simplesmente não a domina adequa-damente. Por exemplo, realizar pulsoterapia com dose ina-dequada, deixar de adotar tratamento em que já exista traba-lho de metanálise comprovando sua eficácia etc.

Diante de um caso que supere seus conhecimentos, de-verá o médico conferenciar com seus colegas, ou seja, antesde intervir, deve avaliar a si mesmo.

Com relação aos conceitos supra referenciados, temos anotável lição:

“Não é imperito quem não sabe, mas aquele que nãosabe aquilo que um médico ordinariamente deveriasaber; não é negligente quem descura alguma técnica,mas quem descura daquela norma que todos obser-vam; não é imprudente quem usa experimentos tera-pêuticos perigosos, mas aquele que os utiliza sem ne-cessidade.” (Procurador-Geral da Corte de Apelaçãode Milão)

Devemos notar que um dos erros mais comuns é a omis-são de informações claras sobre o diagnóstico, o tratamentoe a evolução da doença. Essa falta de informação natural-mente deixa inseguro o paciente que paga pelo serviço, in-duzindo-o a comparecer aos tribunais diante de um fato inu-sitado, por vezes mesclando a ignorância sobre o assuntocom a revolta de que é possuído.

Lembremos nosso Código de Ética, expresso ao vedarao médico:

Art. – Efetuar qualquer procedimento médico semo esclarecimento e o consentimento prévios do pa-ciente (...)(...) Art. – Exercer sua autoridade de maneira a limitaro direito do paciente de decidir livremente sobre asua pessoa ou seu bem-estar.(...)

Art. – Desrespeitar o direito do paciente de deci-dir livremente sobre a execução de práticas diagnósti-cas ou terapêuticas (...)Art. – Deixar de informar ao paciente o diagnósti-co, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento(...)Art. – Opor-se à realização de conferência médicasolicitada pelo paciente ou seu responsável legal.(...)Art. – Deixar de elaborar prontuário médico paracada paciente.Art. – Negar ao paciente acesso a seu prontuáriomédico, ficha clínica ou similar (...)

Não podemos jamais esquecer que o direito de acesso àinformação é inalienável, representando uma garantia ampla

e irrestrita da Constituição Federal, daí porque base de uma ver-dadeira e real democracia, pois assegura ao cidadão o direi-to total e ilimitado de saber o que lhe diz respeito. O seucorpo e a doença que o aflige lhe pertencem, não sendopropriedade do médico. O paciente não nos dá o direito dedecidir por ele.

Com efeito, o paciente quer ver respeitada a sua capaci-dade de discernimento, de julgamento, assim como a suaopinião, sendo de bom alvitre o médico proceder da seguin-te maneira para evitar culpas futuras:

– informar adequadamente o paciente a respeito do diag-nóstico e do tratamento;

– obter o consentimento do paciente, por escrito, noscasos mais complexos;

– obter o testemunho dos familiares do paciente, por

escrito, nos casos mais complexos;

– registrar os cuidados que o paciente deverá tomar

durante e após o tratamento.

É importante que a Sociedade Brasileira de Reumatolo-gia reserve, em seus Congressos, um espaço onde se possaconvidar membros do Conselho Federal de Medicina, advo-gados e outros especialistas para que se obtenha melhoresinformações a respeito de temas tão polêmicos como erromédico, inter-relação com laboratórios etc.

Referências

. Código de Ética Médica. Resolução n.o .⁄ do CFM.. Código de Defesa do Consumidor.. Gauderer EC: Os Direitos dos Pacientes, Rio de Janeiro, Record.. Miro C: Erro Médico Visto pelos Tribunais, São Paulo, Edipro.

. Marinoni LG: Tutela antecipada, julgamento antecipado e execu-ção imediata da sentença, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais.

. Consulex Revista Jurídica, Brasília, DF, nov. .. Rocha MV: Moral e Medicina, Alagoas, Editora Edufal.. Revista Síntese de Direito Civil e Processual, São Paulo, n.os e ,

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A Responsabilidade Médica no Novo Código Civil

GEORGES BASILE CHRISTOPOULOS Diretor Científico da Liga dos Reumatologistas do Norte-NordesteMembro da Comissão de Ética e Defesa Profissional da SBR

ARTIGO do novo Código Civil brasileiro cuidada responsabilidade civil do seguinte modo:

Art. . Aquele que, por ato ilícito (arts. e), causar dano a outrem, fica obrigado arepará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação de repararo dano, independentemente de culpa, nos casos es-pecificados em lei, ou quando a atividade nor-malmente desenvolvida pelo autor do danoimplicar, por sua natureza, risco, para os direi-tos de outrem. (Grifo nosso.)

Tal dispositivo poderia erroneamente ser entendido comopossível de incidir sobre a atividade médica.

Tal não ocorre, porém.Como já havíamos afirmado, em outra oportunidade,

“O que se procura verificar é se o médico pro-cedeu ou não com culpa. A natureza do servi-ço é, em princípio, obrigação de meio, e nãode resultado (...) Para haver responsabilidadepessoal do médico, deve haver culpa (...) O sim-ples dano, como uma seqüela decorrente douso de um determinado medicamento, eviden-temente, por si só, não implica no dever dereparação (...).”

Entendemos que o raciocínio anteriormente aplicadocontinua a prevalecer, pois o Código de Defesa do Consu-midor (Lei n.o .⁄), em seu artigo , § .º (não revoga-do pelo novo Código Civil), contém a seguinte regra:

§ .º A responsabilidade pessoal dos profis-sionais liberais será apurada mediante a verifi-cação de culpa. (Grifo nosso.)

A posição do profissional liberal, portanto, é tratadapor lei especial, ou seja, pelo direito do consumidor, cons-tituindo-se em exceção ao disciplinamento geral do CódigoCivil.

O mesmo raciocínio, contudo, não se aplica às pessoasjurídicas fornecedoras de serviço médico, tais como hospi-tais e planos de saúde, que respondem objetivamente pelosdanos causados, sendo oportuno ressaltar que, se essas enti-dades propuserem ação regressiva contra o médico, a verifi-cação de culpa deverá ser apurada.

O que se tem por imprescindível é que, mesmo sem ha-ver, ainda, número expressivo de ações, deveria a SociedadeBrasileira de Reumatologia antecipar-se a possíveis decisõesjudiciais, promovendo a discussão sobre seguros de saúde(coletivos?).

O tema deverá ser abordado em reuniões específicas aserem realizadas em nossos congressos e jornadas.

O

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. MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

Medicina Baseada em Evidências e Ética

GEORGES BASILE CHRISTOPOULOS Diretor Científico da Liga dos Reumatologistas do Norte-NordesteMembro do Comitê de Ética da SBR

, baseávamos nossas condutas somentena literatura e em nossa experiência pessoal.Com o aumento no número de publicações, tornou-

se impossível acompanhar todos os trabalhos editados, muitasvezes discordantes entre si, em relação aos resultados obtidos.

Com o avanço da epidemiologia clínica, obtivemos tra-balhos de maior fidedignidade, impondo-nos novas questõeséticas.

Como é sabido, age negligentemente o profissional quese omite em adotar determinada conduta tida como correta.

Se existe estudo, através de medicina baseada em evidên-cia, em que se comprova a eficácia de determinado tratamen-to em detrimento de outro, incide em erro, sendo passível depunição, médico que deixa de optar pela consagrada conduta?

Observemos o seguinte caso:Segundo Ortiz, Z et al., no estudo Folic acid and folonic

acid for reducing side effects in patients receiving metho-

trexate for rheumatoid arthritis – Cochrane Review (In: Co-chrane Library, Issue , – Oxford: Update Software),há redução dos efeitos colaterais gastro-intestinais do me-thotrexato em até %, quando se utiliza ácido fólico nadose de mg/semana, sem que haja redução de seus efei-tos benéficos.

Surge, então, a seguinte hipótese: a não utilização domedicamento acima, em casos que tais, e havendo efeito co-lateral indesejado, ensejaria um processo contra o profissio-nal médico?

Da mesma forma, se existe terapia cuja eficácia os dadosepidemiológicos colhidos não evidenciam ( florais de Bach,babosa, cartilagem de tubarão, medicina ortomolecular, ho-meopatia[?], dentre tantas outras), teríamos a possibilidadede utilizá-las?

Somos absolutamente livres em nossa conduta?

ARTIGO RESPOSTA N.O 1

Reflexões no Campo da Bioética

ERINALVA M. FERREIRA Professora do Centro Jurídico da Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

, em junho de , com muita satisfação, dasmãos do Dr. Georges Christopoulos, uma reflexãode sua autoria intitulada “Medicina Baseada em Evi-

dências e Ética”.Solicitou-me uma apreciação sobre o estudo que apre-

senta com reflexão, já publicado no Boletim da Sociedade Brasi-

leira de Reumatologia, em jan./mar..Sem dúvida, a preocupação do Dr. Christopoulos é rele-

vante porque obriga-nos a estar vigilantes aos enormes desafi-os de um novo tempo, com cientistas, pensadores e profissio-nais de todos os campos do conhecimento se perguntandosobre determinados procedimentos tecnocientíficos e a viabi-lidade destes em searas da bioética e/ou do biodireito.

Assim, o caso que me foi apresentado e que ora está emdebate, abre mais uma oportunidade para múltiplas reflexõesno campo da bioética, vez que a sua natureza não é exclusivada moderna ciência biomédica. Diante deste caso, observam-se questões éticas sobre os limites da prática médica, sobreos direitos e a dignidade do sujeito envolvido que não podeser tratado como mera coisa.

Entretanto, por não se tratar de um artigo ou um paper(entendo como sendo apenas um caso sugerido), a minhacontribuição neste espaço não poderá ser de uma discussãoacadêmica, porque o caso descrito pelo Dr. Christopoulossugere outras implicações ético-metodológicas específicaspara “análises” de casos ou “casuística”.

N

R

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ARTIGO RESPOSTA N.O 2

A Responsabilidade Civil do Médico Ante a Aplicação ou Não Aplicação de

Técnicas e Medicamentos Experimentais

FERNANDO MACIEL Advogado, Mestre em DireitoProfessor de Direito Civil da Faculdade de Alagoas (FAL)e da Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

Minha primeira idéia é remeter a nobre preocupação doDr. Christopoulos à Resolução do Conselho Nacional de Saú-de (CNS) n.º ⁄, que trata precisamente de pesquisas so-bre novos fármacos... Assim o faço porque considero que amais interessante contribuição para a problemática referida– sem jamais perder de vista que a mesma alcança os quatroprincípios bioéticos básicos, quais sejam: beneficência, não-maleficência, autonomia e justiça – seria transformá-la emum projeto de pesquisa em ser humano. Tal projeto, por suavez, deveria ser encaminhado a qualquer comitê de ética empesquisa (CEP) do país, desde que aprovado pela ComissãoNacional de Ética em Pesquisa (CONEP). Os CEPs são insti-tucionais e a Universidade Federal de Alagoas, através doseu CEP reconhecido e aprovado pela CONEP desde ,poderia acolher e analisar tal projeto.

Se a intenção do debate é proteger populações vulnerá-veis, tal procedimento corresponde à melhor forma de ga-rantir o bem do paciente pesquisado ou, em outras palavras,corresponde à melhor forma de lidar com as questões desuma importância envolvendo protagonistas (sujeitos), cujobem-estar e/ou sofrimento não podem ser minimizados oudeturpados.

Ao mesmo tempo, considero que a transformação doproblema biomédico em problema bioético – com a estrutu-ração de um protocolo de pesquisa direcionado para um CEPcorresponde a uma exigência das diretrizes e normas brasi-leiras vigentes, porque com essa mentalidade temos avança-do no Brasil a partir do texto da Resolução n.º ⁄–CNS eda criação do CONEP.

No presente momento, a reflexão bioética sobre casoscomo o que ora me foi apresentado, não pode ficar na pe-numbra ou meramente sensibilizado por opiniões, posto quejá nos são disponíveis instrumentos normativos, éticos e prá-ticos que podem ser operacionalizados cuidadosamente e deforma significativa pelas instâncias que discutem a eticidadeda pesquisa no país (CEP e CONEP).

À medida que crescem os dilemas, e os complicadoresno campo bioético são mais sérios, há necessidade de se ade-quar a liberdade de saber e da ciência a outros critérios eprincípios ético-democráticos (vulnerabilidade, responsabi-lidade, precaução, equidade, etc.), a partir do arcabouço jurí-dico e bioético produzido na última década de forma demo-crática e multidisciplinar pela sociedade brasileira, através desuas instituições representativas.

Em quaisquer casos, as diretrizes nacionais plasmadasnos inúmeros textos das resoluções da CONEP/CNS-MS po-dem e devem ser complementadas pelos instrumentos in-ternacionais de controle no campo bioético, como: a Decla-ração Universal dos Direitos Humanos Bioéticos (ONU/UNESCO); o Convênio sobre os Direitos Humanos e a bio-medicina (União Européia); a Declaração de Helsinque, en-tre tantos outros.

Em síntese: considero que o caso que se analisa encontraplena previsibilidade nas resoluções nacionais da CONEP/CNS, principalmente nas Resoluções n.os ⁄ e no ⁄,devendo apresentar-se por meio de protocolo.

Assim, faz-se indispensável no exemplo em tela e emquaisquer outros, a prática do controle social para evitar osabusos incompatíveis com a ética e os direitos fundamen-tais. A prática biomédica, como atividade de interesse públi-co e coletivo não pode fugir dos pressupostos de controle,realizados cuidadosamente através de instâncias afirmado-ras do pluralismo democrático presente nos comitês de éticaem pesquisa (mais de trezentos CEPs em todo o país) e naComissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).

Que a mensagem do Dr. Christopoulos e seus questio-namentos possam ser evidenciados através da ética em pes-quisa e nos possibilite a revisão de muitos conceitos, crençase valores acerca do homem, da sua saúde e da sua vida emdignidade e qualidade.

, a partir do surgimen-to de novas técnicas e medicamentos para tratar ve-lhas patologias, traz a lume uma indagação muito

interessante: pode o profissional médico ser responsabili-zado civilmente se aplicar ao paciente uma nova técnica ouum novo medicamento em detrimento de outra técnica ouO

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conduta médica já consagrada ou de outro medicamentocujos efeitos já são conhecidos?

Questionado de maneira inversa: pode o profissionalmédico ser responsabilizado se aplicou ao paciente condutae técnica médica ou ainda remédio já consagrados e conhe-cidos, que não surtiram o efeito desejado, em detrimento deusar novas técnicas e novos medicamentos que poderiam tê-lo surtido?

Há que se observar inicialmente, antes de partir para aresposta a essas perguntas, que após o advento do Códigode Defesa do Consumidor (Lei federal n.º .⁄), a res-ponsabilidade do médico, profissional liberal, passou a serregida também pelo mesmo dispositivo, tratando-se de umarelação de consumo, em que o médico é o fornecedor e opaciente o consumidor de seus serviços.

A aludida lei, entretanto, atribui aos profissionais liberaisa responsabilidade subjetiva, que requer a comprovação deculpa (negligência, imprudência ou imperícia) ou dolo (von-tade de agir). É de se observar que, no caso dos médicos, suaobrigação contratual com o paciente é de meio e não de re-sultado(), ou seja, a obrigação do médico é usar todo o seuconhecimento, habilidade e ciência (meios dos quais dispõe)para atingir o objetivo desejado com aquela intervenção.

Daí, conclui-se que o médico, em regra, somente serápunido civilmente se prejudicou seu cliente e paciente porter agido de maneira negligente ou imprudente, ou por serimperito para aquele tipo de intervenção médica (não serespecialista, p. ex.), ou, ainda, por desejar causar o dano aopaciente (dolo). Somente poderá ser punido o médico se dei-xou de empregar técnica e conduta ou de utilizar medica-mentos que dominava e tinha conhecimento.

É ainda um requisito para que o médico possua tal obri-gação que as técnicas e condutas a serem usadas, bem comoos medicamentos a serem receitados, tenham a aprovação econhecimento do Ministério da Saúde e do Conselho Fede-ral de Medicina, posto que sem essa autorização não está omédico obrigado a fazer uso dos mesmos.

No que pertine à primeira questão formulada neste arti-go, pode-se afirmar que o médico poderá responder civil-mente se, mesmo agindo com prudência e sem negligência,usa de técnicas ou condutas médicas novas, ou prescreve me-dicamentos novos, sem a chancela do Ministério da Saúde edo Conselho Federal de Medicina e porventura este venhama causar danos ou mesmo a morte do paciente.

A única hipótese em que a jurisprudência tem admitido apossibilidade apresentada é o fato de estarem tais técnicas emedicamentos em fase de testes, cujos efeitos colaterais nãosão num primeiro ponto mortais, e há autorização expressado paciente ou de sua família para que tais medicamentos outécnicas sejam usados como último recurso de salvação dopaciente.

Nesse caso prevalece o princípio jurídico do risco tecno-lógico, bem como da prevalência da vida humana.

Já quanto à segunda questão suscitada, há que se aplicaro raciocínio também de maneira inversa. Não poderá o pro-fissional médico ser punido civilmente porque aplicou técni-ca, procedimento ou medicamento de efeitos conhecidos,ainda que estes não atinjam o fim desejado. Não é entendidopelos tribunais que o profissional médico possa ser punidopor deixar de usar remédio ou técnica experimental.

Neste segundo caso, o profissional médico somente res-ponderá civilmente se for comprovado que o mesmo apli-cou a técnica ou o procedimento equivocado ou de maneiranegligente ou imprudente, bem como se houver comprova-ção que não existindo outra técnica ou medicamento paraaquela situação patológica, deixou de fazer o seu uso, semexplicação científica satisfatória, sobretudo quando é solici-tado pelo paciente a fazê-lo.

O profissional médico poderá, entretanto, responder ci-vilmente se usou de técnica, conduta ou procedimento mé-dico, ou ainda se prescreveu medicamento que não possuicomprovada aplicação ou efeitos.

Apesar de o médico, como os demais profissionais libe-rais, possuir certa liberdade de conduta, desde que ética elegal, tal liberdade resta adstrita à adoção de comportamen-to, técnicas e condutas científicos comprovadamente efici-entes, e que sejam de conhecimento e domínio do profissio-nal que os aplicará. Tal comportamento enseja a perícia domédico. Além disso, deverá fazê-lo considerando e pesandoos riscos que correrá seu paciente (prudência) e fazê-lo demaneira séria, correta e atenciosa (sem negligência). A mes-ma situação é aplicada à prescrição de medicamentos.

Por fim, resta dizer que, havendo várias condutas, técni-cas ou procedimentos, ou ainda medicamentos, que tenhama aprovação dos órgãos competentes, e cientificamente hajacomprovação de seus resultados, o médico é livre para esco-lher entre eles, não podendo ser responsabilizado civilmentepor isso, salvo se, ao aplicá-los, como já explanado, age comculpa ou dolo ao causar prejuízos ao seu paciente.

Nota

. Há que se observar que os tribunais superiores vêm entendendoque, apesar da responsabilidade civil do médico ser em geral sub-jetiva, e de sua obrigação ser de meio, em algumas intervençõesmédicas, como no caso das cirurgias plásticas estéticas, esta res-ponsabilidade passa a ser objetiva e a obrigação de resultado.

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ARTIGO RESPOSTA N.O 3

“A Saúde do meu Paciente Será Minha Primeira Consideração”

(Declaração de Genebra – Associação Médica Mundial, setembro de 1948)

GEORGES BASILE CHRISTOPOULOS Diretor Científico da Liga dos Reumatologistas do Norte-NordesteMembro do Comitê de Ética da SBR

, o ato médico vem sendo in-terpretado de maneiras diversas. Primitivamente, asociedade acatava, sem maiores discussões, a práti-

ca de curandeirismos oriundos das mais variadas origens, aoobjetivo de obter curas milagrosas.

Hoje tal realidade já não mais ocorre: o que se observa éum crescente questionamento, fruto, evidentemente, do de-senvolvimento cultural e das informações veiculadas pelosmeios de comunicação.

Da mesma forma, várias terapias, tidas como “insubsti-tuíveis”, foram, aos poucos, deixando de ter o seu uso pres-crito, seja por falta de eficácia, seja pelos danos colaterais aque submetem os pacientes.

No entanto, o bem do paciente sempre foi o objetivo aser alcançado, quaisquer que fossem as práticas adotadas.

Com o avanço da medicina, passamos a ter maiores emelhores opções terapêuticas. Entretanto, o volume de in-formações passou a ser de tal monta, que acabou por desen-cadear enormes problemas, pois acompanhar essa evoluçãotornou-se virtualmente impossível, fato esse agravado peladuvidosa qualidade científica dos relatos contidos em diver-sos trabalhos.

Surge, então, inconteste, a medicina baseada em evidên-cias que, através do método científico, avaliando e, poste-riormente, corrigindo vieses que a literaturta médica apre-senta, dá ao médico a possibilidade de tomar decisões demaneira mais coerente, proporcionando uma probabilidademaior de resolução e menores complicações.

Se existe, então, uma chance evidente de minimizar ouextinguir os efeitos colaterais, e não a utilizamos, não incor-reríamos em erro médico?

Deve o desejo do médico, a sua desatualização, ou atémesmo sua personalidade influenciar decisão clínica, impli-cando em risco maior para o paciente?

Observemos a disposição do nosso Código de Ética:

Art. .º – O médico deve aprimorar continuamenteseus conhecimentos e usar o melhor do progresso cien-tífico em benefício do paciente. (Grifo nosso.)(...)É vedado ao médico:(...)Art. – Deixar de utilizar todos os meios disponí-veis de diagnóstico e tratamento a seu alcance em fa-vor do paciente.

Coloquemo-nos, então, de modo diferente, na situaçãodaqueles que queremos auxiliar: os pacientes.

Nós, médicos, aceitaríamos a decisão de não se acrescen-tar o ácido fólico (como no caso em pauta), implicando emriscos para a nossa saúde?

Aceitaríamos, ainda, que fosse aplicada terapia cuja evi-dência não tivesse sido comprovada, em detrimento de ou-tra já consagrada?

Especulações, testemunhos e afirmações podem substi-tuir evidências?

Como seria a decisão de um magistrado diante do pro-blema?

Senhores, fiquemos atentos!!!A medicina baseada em evidências aparece num momento

bastante importante, servindo até de proteção para eventuaisconstestações legais. Incorporem-na, então, no seu dia-a-dia!Recordemo-nos do surgimento do direito médico, área deespecialização recentemente incorporada ao meio jurídico.

Esquecer a arte da medicina e desprezar a intuição é umequívoco! Mas se não nos basearmos, também, nas melho-res evidências para o tratamento dos nossos pacientes, esta-remos incorrendo em erro médico.

A

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. MEDICINA DEFENSIVA

Medicina Defensiva

LAURO JOSÉ PEDROSA DE LIMA Vice-Presidente do Conselho Regional de Medicina do CRM/AL

Especialista em Fisiatria e Eletroneuromiografia pela AMB

MEDICINA É CONCEBIDA, desde os seus primórdios,como mais que uma profissão ou um ofício. Ela éum sacerdócio. Lidar com a dor e o sofrimento dos

seres humanos já seria suficiente para justificar esta condi-ção. Porém, é a invasão da intimidade do paciente a sua pe-dra de toque, sua condição essencial de existência. Esta sin-gularidade gera toda a aura que a coloca num campo acimadas atividades humanas em geral. Por outro lado, determinauma série de compromissos e deveres no mesmo patamar –a ética médica.

Entretanto, a organização social na sociedade capitalistamoderna, sob os pilares do liberalismo econômico, defineprincípios jurídicos que coloca a medicina como uma ativi-dade comercial de prestação de serviços. Disto decorre umasérie de aspectos legais, que vão desde o direito do consumi-dor ao direito penal. Destaco neste contexto a imprensa, quedivulga como deseja, julga como bem entende e condena sefor conveniente.

Se o sacerdócio e a lei (econômica sobretudo) devemcoexistir, também o devem o humanismo e o mercantilismo.Não é justo apenas cobrar o juramento hipocrático para im-por obediência civil aos médicos, e levantar argumentos mer-cadológicos que aviltam a ética médica.

Contudo, não é apenas no âmbito econômico que estacontradição atinge o médico. No campo do direito sentimosna pele a mesma sensação hostil. Antigamente tínhamos emmente apenas os processos éticos e disciplinares sob a égidedos conselhos regionais e do Conselho Federal de Medicina,restando os outros aspectos do direito como possibilidaderemota. O erro médico ou a má prática julgado por um tri-bunal de ética, apesar de rigoroso, não permite que incom-preensões acerca do ato médico, muitas vezes complexo, levea uma condenação injusta ou desproporcional ao dano. Omesmo não ocorre no campo penal e civil, nem diante daimprensa. Nossa vulnerabilidade torna-se ainda maior quan-do da formação de personalidades jurídicas, pois perdemosalguns atenuantes exclusivos da condição de profissional li-beral – as acusações contra ele precisam de prova inequívocada sua culpa.

A atividade médica, como toda a atividade humana, épassível de erro. Mesmo os mais brilhantes e bem formadosmédicos são flagrados em erro médico em algum momentode sua vida profissional. Diante dessa realidade, há que sedifundir a idéia de medicina defensiva. Ou seja, de uma linha deconduta dedicada a eliminar a má prática e reduzir ao máxi-mo a possibilidade de erro médico. Mais uma vez é a preven-ção o caminho mais inteligente para eliminar riscos de even-tos indesejáveis.

A Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia, preocu-pada com o assunto, editou recentemente um “Manual deProcedimentos”, no caminho da medicina defensiva, e le-vanta dez mandamentos para evitar a má-prática:

. OBSERVAR A TÉCNICA. Esgotar a pesquisa semi-ológica, com aplicação de todas as rotinas de inves-tigação recomendadas para cada caso, assim com-preendidos: exames físicos, de laboratórios, especiaise de imagem, história clínica detalhada, etc. Não dardiagnóstico sem esgotar esta pesquisa. Não agir forade sua especialidade registrada junto ao CRM, a nãoser em emergências. Não dar consulta nem prescre-ver por telefone. Acompanhar a terapêutica realiza-da pessoalmente.. NÃO INVENTAR. Não inventar ou improvisar pro-cedimentos, a não ser os de urgência, que não sejamreconhecidos pela comunidade médica e científica.. ANOTAR TUDO. Cada acusação de má-condutaserá detalhadamente analisada pelo Judiciário. Oprontuário médico é o principal documento e a prin-cipal arma de defesa do médico. Um mero detalhepode ser de grande valia para a defesa em um pro-cesso judicial ou ético.. INFORMAR O PACIENTE. O paciente e/ou seusfamiliares ou responsáveis devem ser minuciosamen-te informados sobre diagnósticos, condutas e terapêu-ticas aos quais o primeiro será submetido. Deve serinformado sobre diagnósticos preliminares, diferen-ciais e ausência de diagnóstico. Deve ser informadosobre riscos do tratamento e condutas adotadas.

A

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. CONSULTAR COLEGAS. Em caso de dúvidas, difi-culdades de diagnóstico ou técnicas, consultar cole-gas sobre procedimentos. Dar tratamento até oslimites de suas condições ou especialidade. Não sus-pender, modificar ou continuar terapêutica iniciadaanteriormente sem consultar e/ou comunicar o mé-dico que a prescreveu.. CONSCIENTIZAR E TREINAR EQUIPE. De nadaadianta o médico estar consciente e treinado para re-alizar sua missão, se algum dos seus auxiliares podecolocar tudo a perder. Lembrem-se da solidariedade,pois a má prática de um contamina todos.. SIGILO E DISCRIÇÃO. A saúde e a intimidade dopaciente devem ser preservadas. Não prestar infor-mações sobre as condições do paciente, a não ser queexpressamente autorizadas por ele ou por familiar ouresponsável.. ATESTADO É DOCUMENTO. Não fornecer atesta-do de saúde ou congênere, sob hipótese alguma, semter examinado o paciente. Atestado “frio” é um dosmaiores motivadores de processos éticos e penais

contra médicos. Não fornecer receitas para pacientesque não examinou.. ESCLARECER OS CUSTOS. Os pacientes, familia-res ou responsáveis devem ser esclarecidos previa-mente sobre os custos dos honorários e dos servi-ços médicos.. O MÉDICO É A ESPERANÇA. Ter uma boa rela-ção médico-paciente é a principal e a mais relevantedas condutas. Urbanidade, carinho e atenção são tãoimportantes ao paciente quanto as condutas e tera-pêuticas aplicadas pelo médico.

Não há dúvida que temos de adotar medidas para garan-tir e assegurar um exercício profissional que eleve a medici-na e que traga tranqüilidade ao médico, tendo sempre comoreferencial o paciente, a sua segurança e o seu bem-estar. Es-tarmos conscientes e atualizados quanto à Legislação em vi-gor e buscar sempre o apoio das entidades de classe, agindoorganizadamente para fazermos valer os elevados princípiosda prática médica, independentemente do sistema econômi-co, jurídico e social vigente.

. RELAÇÕES COM A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

Relações com a Indústria Farmacêutica

CAIO MOREIRA Reumatologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas GeraisPresidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia – biênio 2002-2004

STA REFLEXÃO CRÍTICA expressa exclusivamente a mi-nha ótica, não envolvendo a dos membros da dire-toria da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR)

no biênio -, sob minha responsabilidade, tampou-co o ponto de vista de seus futuros dirigentes. A publicaçãodestas considerações não foi somente reforçada pelo exercí-cio do cargo da presidência da SBR, mas também pelas ob-servações acumuladas durante anos de exercício da pro-fissão liberal, como funcionário público federal, como membrode boards e speaker de indústrias farmacêuticas e de outroscargos administrativos exercidos paulatinamente durante aminha vida profissional, tão importantes quanto o exercidoneste último biênio.

Em todos os países do mundo se retoma, acalorada-mente, a discussão ampla de uma prática ética em todas as

relações humanas, o que já deveria ser uma norma habitualde comportamento, mas que foi atropelada pelo modus vivendi

da sociedade contemporânea. As observações de Teixeira, em, de que “é inútil esperar da Ciência qualquer barreira ética aos

seus interesses” e que “o discurso científico não é regido por nenhuma

outra ética senão a do domínio progressivo sobre o real e o avanço inin-

terrupto do saber. Qualquer princípio ético diverso, que fale do respeito

ao ser humano, por exemplo, terá que provir, necessariamente, de fora

da ciência: da religião, da filosofia ou dos grupos de pressão da sociedade”,também reforçam e justificam plenamente a expressão livrede meus pensamentos, uma pressão que vem da Ciência, quepoderá ajudar-nos a refletir sobre como estamos nos com-portando nessa complexa relação com a indústria farmacêu-tica, principalmente os colegas que iniciam a profissão médi-ca como “ clínicos das doenças do aparelho locomotor ”, mais

E

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vulneráveis aos efeitos devastadores que uma relação incor-reta possa exercer sobre toda a sua vida profissional.

É muito importante manter uma relação cooperativa comas indústrias farmacêuticas, que investem em pesquisas con-fiáveis, novos e úteis medicamentos e “marqueteiam” seusprodutos de forma ética. Sabemos que, atualmente, o suces-so dos novos medicamentos não se deve somente à excelên-cia dos produtos oferecidos, mas também às estratégias demarketing, e também nos últimos anos, à demonstração damanutenção de relações institucionais éticas com os médi-cos, suas associações e sociedades e com os pacientes quecom eles são tratados. Existem muitas distorções desta reali-dade ideal, mas há atualmente uma real motivação para quese desenvolvam relações sadias da indústria farmacêutica comos médicos, uma contingência inexorável da sociedade mo-derna, que reestuda intensamente novas relações sociais, exi-gindo uma postura mais clara de todas as instituições em suasrelações sociais e negócios.

As discussões a respeito do conflito de interesses entre aclasse médica e a indústria farmacêutica têm sido uma preo-cupação constante das autoridades médicas, principalmentenos últimos a anos, visando a preservar os preceitoséticos que alicerçam a nossa profissão. Nossas inter-relaçõestêm pontos críticos que necessitam de uma urgente revisão,pois a parceria entre a indústria farmacêutica e os médicos éessencial para preservar o progresso da Medicina e melhorara saúde de nossos cidadãos (Tabela ). Atualmente, tanto unsquanto outros estão em falta com a sociedade, reconhecen-do haver “algo doente” em sua relação, porém, sentem-seincapazes de dar um basta a estas relações inadequadas e deestimular outras mais confortáveis. Penso que deva haver umamudança (Tabela ) o quanto antes, pois os pacientes preci-

sam estar seguros de que a decisão de seu médico não estásendo influenciada pelo marketing farmacêutico. Muitos mé-dicos, e até mesmo associações profissionais, estão necessi-tando fazer difíceis escolhas entre continuar na engrenagempromocional da indústria farmacêutica ou manter alguma dis-tância em seu relacionamento, que lhes dê independência emseus atos de pesquisar, ensinar, prescrever e fazer o melhorpor seus pacientes. Já não é sem tempo tentarmos, pelo me-nos, reduzir estas influências em nossas decisões, o que seriamelhor para os pacientes.

Há uma tendência em ver a indústria farmacêutica comoa vilã e os doutores como vítimas inocentes – mas isto éuma simplificação de relações muito mais complexas. É umafalácia dizer que a indústria farmacêutica corrompe médi-cos inocentes. Em geral, sem aprofundamento da discus-são, o problema se torna uma luta maniqueísta entre “o beme o mal”, mas o problema passa pelas relações humanas,com indivíduos, em ambos os lados, com diferentesbackgrounds e valores, que interagem nesta “luta de interesses”muitas vezes trocando favores e amizade, rompendo, atésem perceber, as barreiras do que pode ser considerado“politicamente correto”.

Para fazer o melhor para seus pacientes, os médicos têmde usar os produtos oferecidos pela indústria farmacêutica eé razoável entender que a indústria tenha de promover seusprodutos. A grande discussão não é com o papel da indústriafarmacêutica na evolução da medicina, mas sim de comopromovem seus produtos. A ninguém, com razoável sensode observação, passam despercebidas as investidas da pode-rosa força do marketing da indústria farmacêutica sobre a classemédica. No aspecto relacionado com o lucro, estas investi-das podem até ser legítimas, uma vez que há necessidade de

TABELA FORMAS DE ENVOLVIMENTO DOS MÉDICOS E SUAS ASSOCIAÇÕES COM A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

. Aceitação do recebimento de visitas dos representantes far-macêuticos

. Aceitação direta ou indireta de brindes, equipamentos, viagense hospedagens

. Comparecimento a almoços, jantares e outras atividades so-ciais e recreativas patrocinadas

. Comparecimento a conferências científicas patrocinadas. Aceitação de contribuições para escolas médicas, disciplinas

acadêmicas ou para reuniões regulares de corpo clínico dehospitais ou clínicas particulares

. Integrar sociedades profissionais ou sociedades médicas pa-trocinadas

. Supervisão de grupos de pacientes ou sociedades de portado-res de doenças patrocinados

. Envolvimento com a elaboração ou uso de guidelines clínicospatrocinados

. Exercer consultoria remunerada. Participar de boards (conselhos) de líderes de opinião ou de

equipes de speakers (palestrantes) patrocinados. Ser redator principal, autor ou co-autor de artigos científicos

realizados com o seu patrocínio. Participar na redação de matérias para revistas, suplementos

ou outras publicações, como fascículos de educação continua-da, CDs, patrocinados

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que a indústria recupere fabulosos investimentos gastos napesquisa e na promoção de seus produtos, não só na formade propaganda direta, como na promoção de eventos, con-ferências e cursos de educação continuada, que possibilitemdiscutir o que estão lançando no mercado.

Como vemos, há uma forte justificativa que é legal eética – em se tratando de regime capitalista – que haja re-torno do dinheiro aplicado. Da mesma forma, sabemos quenós, médicos, precisamos conhecer, e bem, tudo a respeitodos novos medicamentos. Por isso, é aceitável, quando nãonecessário, a existência da propaganda, eventos, conferên-cias e cursos de educação continuada. A indústria farma-cêutica precisa divulgar seus produtos, e nós precisamosconhecê-los. O patrocínio ético destes eventos sempre ocor-reu e ocorre hoje, em todos os países, e deveria ser semprebem-vindo pelas sociedades médicas, pois aprimoram tec-nicamente os seus membros. Tais eventos, porém, costu-mam apresentar problemas em sua realização. A indústriafarmacêutica gasta fortunas no desenvolvimento de novosmedicamentos. Chega a investir centenas de milhões de dó-lares na tentativa de encontrar os chamados blockbusters, re-médios que se tornam amplamente conhecidos e vendemacima de um bilhão de dólares ao ano. Estas raridades, queproporcionam um expressivo e rápido retorno do investi-mento, podem ser exemplificadas por um dos atuais medi-camentos para disfunção erétil, que chegou a vender, sóem , o equivalente a , bilhão de dólares no mundo e milhões de dólares no Brasil. Muitas indústrias farma-cêuticas dos Estados Unidos investem hoje mais em pes-

quisa que o próprio National Institutes of Health (NIH),sendo praticamente impensável o desenvolvimento de no-vos medicamentos sem a participação da indústria farma-cêutica privada. Realmente, o que seria da Saúde sem osmodernos antibióticos, anti-hipertensivos, imunossupres-sores, antidepressivos, anestésicos, analgésicos, antiinflama-tórios, hipolipemiantes e dezenas de outros medicamentosdesenvolvidos por essas empresas?

É evidente que a forma de se recuperar esse investimen-to passa, necessariamente, pelo receituário médico. Só parase ter uma idéia de quão vultosa é a soma aplicada em marke-

ting, só em os fabricantes de medicamentos gastaram bilhões de dólares na promoção de seus produtos (Annals

of Internal Medicine, ⁄⁄). Isto é danoso para a classe mé-dica, pois existem estudos demonstrando que, para influen-ciar o médico, eles criam vínculos de dependência que aca-bam criando distorsões nas obrigações primárias dos médicoscom seus pacientes, não só de como tratá-los, mas tambémnoutras atividades, como as de ensinar e pesquisar.

A relação médico-indústria farmacêutica deveria ser umavia de mão-dupla, um binômio inseparável. Atualmente ob-servamos que uma das pistas comporta mais tráfego que aoutra e, como acontece nestes casos, por imperícia de algunsmotoristas, ocorrem comumente invasões da pista contrá-ria, mesmo com a faixa amarela dupla, o que, freqüentemen-te, gera acidentes graves e fatais. Não podemos ver a forteindústria farmacêutica como uma inimiga do médico e, sim,como uma valiosa parceira, desde que seu relacionamentoseja pautado por compromissos éticos e bilaterais.

TABELA MEDIDAS PARA EVITARMOS A INFLUÊNCIA EXCESSIVA DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA EM NOSSAS DECISÕES

. Proibição, restrição ou análise crítica cuidadosa do que for pro-pagandeado nas visitas dos representantes farmacêuticos

. Proibição, restrição ou análise crítica cuidadosa do que for apre-sentado e debatido em eventos educacionais patrocinados

. Proibição da participação de indivíduos ou organizações comconflito de interesses com a indústria farmacêutica na elabo-ração de programas de educação continuada societários

. Trabalhar para construir independentes fontes de informaçãoe projetos de educação médica continuada, sem relação compatrocínios coercitivos

. Participar de campanhas contra o aceite de presentes, viagense hospedagens

. Participar de campanhas contra o recebimento de honoráriospara falar em conferências educacionais institucionais

. Convencer as associações profissionais a reduzirem os pedi-dos de patrocínio

. Proibição da condução de pesquisas em associações profis-sionais por pesquisadores com conflito de interesses com ospatrocinadores

. Condicionar os anúncios comerciais em revistas médicas esuplementos à prévia aprovação pelo comitê de ética de cadainstituição

. Construir fundos institucionais independentes (blind trusts) comcontrole independente dos gastos

. Introdução em guidelines importantes de norma que dispõe quepesquisadores com conflito de interesses não podem condu-zi-los e nem participarem de sua confecção

. Constituir novos núcleos de pesquisa clínica para conduzir pes-quisas dirigidas para o interesse público

. Solicitar aos membros de comitês regulatórios e consultoriasinstitucionais que evitem conflitos de interesse com a indús-tria farmacêutica

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Entendo que parte da explicação para a quebra de regraséticas de marketing tenha a ver com a situação econômica atual,na qual os laboratórios farmacêuticos vêm se degladiandoem um mercado que só fez encolher nos últimos anos. Se-gundo dados da Febrafarma, da ABCFarma e da AssociaçãoBrasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos, a co-mercialização de medicamentos no País recuou ,% entre e . A curva de venda de medicamentos no Brasil(em unidades de faturamento) nos últimos sete anos é de-crescente. Em unidades caiu de , bilhões em para, bilhão neste ano, e a indústria reclama que opera emcapacidade ociosa de % a %. Não bastasse a retraçãonas vendas, provocada pelo alto custo dos medicamentos epela gravidade do contexto econômico (a queda do poderaquisitivo chegou a % em – IBGE), onde % dasfamílias consomem % do total de medicamentos, a popu-larização dos genéricos dividiu ainda mais o “bolo”, a partirde , chegando a serem vendidos % a % abaixo dasmarcas de referência. Mas o acesso a esses medicamentosainda está restrito às classes A e B. A compra destes remédiossó pode ser feita por quem recebe até três salários mínimos( reais). A população com rendimento de até reaistem dificuldade para sobreviver. Para estas famílias não adian-ta muito o preço do remédio baixar, pois elas têm de “fazerginástica” para pagar gastos básicos como moradia, trans-porte e alimentação. Calcula-se que os remédios “sem mar-ca” tiraram, de julho de a julho de , cerca de %da receita dos grandes laboratórios que operam no país, cor-respondendo hoje a cerca de % do mercado total de medi-camentos, se levado em conta o número de unidades vendi-das. Diante desta realidade econômica, fica claro o que estátornando a indústria farmacêutica muito mais agressiva emsuas táticas de divulgação e promoção de produtos, algunsvoltando a práticas inadequadas e já superadas.

Devemos sempre ter em mente que os médicos devemter suas fontes independentes de informação e formação,não devendo chegar ao ponto de ter de se “aprimorar” ex-clusivamente em “encontros educacionais” acompanhadosde subsídios e de outras benesses. Nossos veículos de comu-nicação e educação societários deveriam ser independentese exercer este papel. Tem de haver relações dos médicos coma indústria farmacêutica, sempre, mas com a premissa de serespeitar a independência do médico e de suas associações,de que sua influência não seja capaz de distorcer sua condu-ta diante dos cuidados dispensados aos seus pacientes. Feliz-mente, o grau de influência da indústria farmacêutica sobreos médicos depende muito das diferenças individuais de for-mação e objetivos de cada um deles, pois são diferentes, sen-do somente danosa para certos indivíduos, “alvos especiais”destas investidas. Tudo se passa mais ou menos como numa

reação auto-imune, onde um anticorpo encontra o seu re-ceptor específico, sempre um mecanismo de chave e fecha-dura, do côncavo e do convexo.

As relações com a indústria – imprescindíveis para todosnós – devem ser construídas sobre fortes alicerces, em queos amálgamas essenciais devem ser a ética e a honestidadede propósitos e estes princípios devem nortear essas rela-ções, porque o nosso compromisso – único e exclusivo – écom a saúde de nossos pacientes. A indústria farmacêuticafaz parte de um pequeno rol de setores que – por motivosóbvios – não pode falar com os consumidores de seus pro-dutos. Por isto, seu acesso premente é o médico, e eles ten-tam seduzi-lo de todas as formas imagináveis, nem sempreaprovadas por todos nós. Muitos colegas, entretanto, facil-mente se convencem de que são imunes à sedução da indús-tria farmacêutica; outros, acham que algumas regras podemser quebradas “de vez em quando”, as “refeições grátis” de-vem continuar a existir, e que estas pequenas transgressõesnão influenciarão sua conduta com o paciente, mas, infeliz-mente, isto só acontece na sua imaginação, pois a influênciaserá inevitável.

Os desvios e a obnubilação da consciência ética – pedraangular da nossa profissão – pode se dar pela introdução debias nas teses e conclusões induzidas, de várias maneiras. Bias

é uma palavra inglesa, cuja tradução literal é inclinação, ten-dência ou, ainda, influenciar de modo desfavorável. Podería-mos resumir dizendo que bias, ou viés, em português, no casoem questão, pode ser uma forma de convencimento lógico,até subjetivo, usando premissas, fatos e estatísticas que po-dem ser tendenciosas, documentadas com convincentes apre-sentações audiovisuais e dados estatísticos que, analisadosdetalhadamente, podem, muitas vezes, mostrar claramenteinterpretações tendenciosas e falsas conclusões.

Influenciar na decisão de qual medicamento devemosreceitar é uma necessidade vital do fabricante de remédios eisto pode ser conseguido através da aparente ajuda ao exer-cício profissional, demonstrada na prática por meio de vá-rias estratégias do marketing, tais como: visita de propagan-distas gentis, de relacionamento com funcionários derelações públicas da indústria muito experientes, fornecimen-to de amostras grátis de medicamentos, separatas mostran-do os estudos realizados com os produtos, publicados emrevistas de grande importância ou apresentados em congres-sos e simpósios, presentes como canetas, blocos de recei-tuário e outros impressos, oferecimento de jantares, viagens,espetáculos ou, ainda, por uma via muito mais perigosa, de“atualização” através de simpósios, conferências e cursos deeducação continuada. Todas estas práticas podem afetar acapacidade de julgamento do médico, particularmente a“atualização”, quando geralmente médicos conhecidos e

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confiáveis, “formadores de opinião”, atados aos seus com-promissos com os patrocinadores, quase sempre inferidospela platéia, mas não declarados pelo palestrante, conseguem,de forma consciente ou não, direcionar o julgamento dos co-legas, notadamente dos mais jovens. Milhares de dólares sãogastos anualmente pela indústria farmacêutica em amenida-des, panfletos, apresentações audiovisuais espetaculares, en-tretenimento, refeições gratuitas, viagens, hospedagens deluxo, preparação de speakers, manutenção de relações publi-cas, para a promoção de seus produtos. Muitas delas chegama investir mais no marketing dos produtos que em pesquisascientíficas, em flagrante detrimento do desenvolvimento daSaúde. A oferta de refeições e hospedagem por ocasião desimpósios educacionais, patrocinados pela indústria farma-cêutica, são comumente aceitos, a despeito de sua sabida in-fluência no aumento das prescrições dos medicamentos daindústria que promoveu o simpósio. Afinal, refeições, agra-dos e atitudes amistosas são poderosos meios de persuasão,particularmente quando estão juntos.

Já existem movimentos, em vários países, para dar umfim aos free lunches ( free lunch learning is better than lunch free lear-

ning ) e à influência de patrocínios não institucionais da in-dústria farmacêutica nos programas educacionais das uni-versidades. A American Medical Student Association,representando . estudantes internistas e médicos resi-dentes dos Estados Unidos, está com uma campanha – de-nominada PharmFree (http://www.nofreelunch.org/) – cla-mando pelo fim de amenidades financiadas pela indústriafarmacêutica, como refeições grátis, interferências da edu-cação médica, participação de speakers remunerados em reu-niões médicas, hospedagens, presentes, etc. Eles tentam di-minuir o viés estabelecido na informação médica e em suaformação acadêmica, baseando-se em dados comprovadosde que o aproveitamento do estudante em um programa edu-cacional é independente do investimento feito pelo patroci-nador em amenidades e benesses. Quanto menor fosse o in-vestimento nestes itens, mais se poderia investir no processoeducacional propriamente dito, e a maioria de nós, interessa-dos, clamamos pelo investimento apenas institucional das em-presas privadas no ensino médico.

A campanha PharmFree sugere acrescentarmos ao anti-go juramento de Hipócrates – chamando-o agora de “mo-delo de juramento para o médico moderno” as seguintes fra-ses: “Eu tomarei decisões médicas (...) livre da influência da propaganda

ou promoções. Eu não aceitarei dinheiro, presentes ou hospitalidade

que possam criar conflito de interesses em minha educação, prática, en-

sino ou pesquisa ”.Quando andamos pelas salas de congressos médicos de-

paramo-nos, inevitavelmente, com a propaganda médica esua parafernália, que necessariamente não corrompe sempre

princípios éticos, pois são negócios travados legalmente pe-las sociedades e a indústria farmacêutica. Sendo você ético,não deveria fazer o que muitos fazem, andar nestas salas ta-pando seu nariz, fechando os seus ouvidos e fechando osseus olhos. Mas, hipocritamente, sabendo que o dinheiro daindústria já está em seu bolso, através do subsídio de suaremuneração pela conferência ou de sua inscrição subsidia-da no evento. Você “não precisa tapar o nariz ”, ou embotaroutros de seus sentidos, recebendo patrocínio ético da in-dústria farmacêutica: declare-os, publicamente e sempre, paratodos os colegas, em todas as ocasiões necessárias, pois afi-nal você executou um trabalho, ético, que deve ser remune-rado. As indústrias deveriam realizar estudos sobre o rompi-mento dessas barreiras éticas, e os médicos deveriam fazerum mea culpa e refletirem sobre a distorsão de seus atos, apósreceberem silenciosamente estas benesses que, inclusive, sãoparte da explicação do encarecimento expressivo dos medi-camentos para os pacientes.

Até mesmo o contato dos médicos, e particularmente dosacadêmicos, com os chamados “Representantes de Laboratório”,relacionamento freqüente, tradicional e considerado até inó-cuo, porque sempre achamos que “eu já deveria ter uma opi-nião formada sobre este produto e o que eles disserem nãoos influenciará”, pode não ser bem inocente assim. Já foidemonstrado que os médicos que mantêm freqüente conta-to com estes “propagandistas” (quase sempre sedutores, afá-veis, submissos, cooperativos, facilitadores) são mais incli-nados a prescrever os medicamentos que lhes estão sendoapregoados. Virtualmente todos os medicamentos desenvol-vidos pela indústria farmacêutica que “mudaram a cara” damedicina nos últimos anos precisaram e precisam ser“marqueteados”, mas os médicos e acadêmicos, ainda aspi-rantes a médicos, não necessitam de banquetes, hospedagensem hotéis de luxo, e serem educados pela indústria farma-cêutica para conhecerem a aplicabilidade de um novo medi-camento. Isto deveria ser obrigação das escolas médicas, daAssociação Médica Brasileira e das sociedades médicas deespecialidades, oferecendo-lhes a oportunidade de desenvol-verem a sua própria ótica, isenta destas influências. Outrasformas éticas de marketing farmacêutico deveriam ser pes-quisadas e postas em prática.

Eu e outros associados da Sociedade Brasileira de Reu-matologia e de outras especialidades, muitos chefes de servi-ços de medicina do Brasil, dos Estados Unidos, Canadá,Austrália e muito outros países, acreditamos que os limitesentre educação e promoção de produtos farmacêuticos es-tão ficando indistintos. Por isto, sugerimos a promoção detodos os esforços no sentido de se desenvolver os programas

de educação continuada pelas associações de especialidade, pormédicos sem conflitos de interesses com a indústria farma-

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cêutica. A educação médica, comercialmente financiada pelaindústria de modo não institucional, pode constituir viés, ehá necessidade de caminharmos para a imparcialidade des-ses conteúdos, isolando-os dos interesses empresariais. Es-tes vieses da educação médica continuada são de interessedos patrocinadores, dando a oportunidade de que speakers

ou “formadores de opinião” subsidiados por eles, falem so-bre seus medicamentos, particularmente quando os progra-mas levam o nome do patrocinador, o que é quase semprepercebido pelos participantes. O conteúdo introduzido porspeakers remunerados pela indústria, geralmente selecionadosentre os “formadores de opinião”, na cabeça de quem aindanão possui uma consciência crítica ou que seja imbuído deprincípios éticos fracos, pode ter um efeito final danoso so-bre a saúde de seus pacientes.

Outro fato que é inaceitável – e isso vem se tornandoregra nos últimos tempos – é a “pressão” exercida por algu-mas indústrias farmacêuticas durante as negociações de suaparticipação em congressos e jornadas médicas, como a escolhaantecipada dos temas e até mesmo dos conferencistas de seussimpósios, sem consultar previamente os presidentes dassociedades, dos congressos e jornadas sobre seus interessescientíficos regionais naquele determinado evento. No finalacabam prevalecendo, quase sempre, os interesses da indús-tria, muitas vezes diversos daqueles dos organizadores doseventos. Estamos nos sentindo reféns diante do avassaladorpoder de nossos patrocinadores. Aliás, a sensação de impo-tência e perplexidade tomam conta da classe médica brasi-leira, por inúmeros outros motivos já conhecidos de todosos nossos colegas.

A agressividade do “marketing” de alguns representantes da

indústria farmacêutica, há algum tempo, incomoda a nossa cons-ciência e os nossos princípios éticos, chegando a atropelartradicionais acordos não escritos e regras tácitas que, se nãovioladas, permitem uma relação harmoniosa entre médicose a indústria farmacêutica. Algumas técnicas de marketing em-pregadas pela indústria farmacêutica parecem atender e res-ponder às necessidades de produtos e consumidores comuns,de qualquer produto. Achamos que as técnicas que a indús-tria farmacêutica deveria empregar nas relações com os mé-dicos não deveriam ser as corriqueiramente ensinadas noscursos de MBA, não dirigidos especialmente ao seu negócio,e sim às atividades comerciais comuns. Os diretores de marke-

ting da indústria farmacêutica deveriam adaptar o que apren-deram em seus cursos de gestão empresarial ao delicado tra-balho de “vender remédios”, com técnicas mais sutis eapropriadas para lidar com o médico.

As revistas médicas são também muito úteis à indústriafarmacêutica, tanto para publicar seus trials, quanto para di-vulgar propaganda de seus produtos. Sabemos que três quar-

tos dos trials randomizados publicados pelas revistas médi-cas são patrocinados pela indústria. O impacto econômicode um medicamento novo poderá ser muito maior se suaapresentação inicial for publicada em uma revista de grandeimpacto, particularmente se for publicada como editorial.Por sua vez, a publicação destes estudos, muitas vezes im-portantes, megatrials que despertam muita curiosidade e dis-cussão, influi de modo positivo na aceitação deles pelos pe-riódicos, tendo sido demonstrado que médicos de todo omundo têm tendência a preferir estes periódicos a outros.Tais trials criam muita publicidade e jornais e revistas gos-tam de publicidade. Esses estudos são submetidos a crité-rios complexos para a sua publicação em revistas científicase, por isto, a maioria das mais importantes revistas médicasdeveria possuir mecanismos controladores de eventuais dis-torções, como, por exemplo, tendo um corpo editorial es-pecial e amadurecido, sem conflito de interesses com a in-dústria farmacêutica (o que torna hoje muito raro esteespecial juiz), e regras pré-estabelecidas para a rejeição deestudos com viés, evitando aqueles trabalhos científicos emque os autores não têm o direito de publicação, cabendo aopatrocinador do trial decidir como, quando e onde publicá-lo, trabalhos onde os autores não declaram seus conflitosde interesses, etc. Muitos dos mais importantes periódicosmédicos internacionais na atualidade deixam a desejar nestequesito idealmente discutido.

Para se ter uma idéia de como a classe médica se com-porta com relação aos periódicos, os editores do British Me-

dical Journal revelaram, recentemente, por meio de uma en-

quete entre seus assinantes, que, se tivessem de escolher

entre uma revista médica paga e sem propaganda e outra

gratuita com propaganda, esta segunda opção seria a esco-

lhida. Este dado talvez sinalize a atual carência de recursosdo médico nos novos tempos, além do quanto ele não estápreocupado com sua necessidade de receber uma informa-ção independente.

Outra revelação interessante é o resultado da análise de trials de medicamentos publicados em revistas de altoimpacto, como Annals of Internal Medicine, British Medical Jour-

nal, JAMA, Lancet e New England Jornal Medicine de abril de a março de . A origem do financiamento foi de-clarada em % dos estudos, e a natureza do envolvimentodos autores com a entidade financiadora foi declarada em de estudos financiados pela indústria farmacêutica(emprego %, consultor/honorário %, grant %, speaker

%). Os trabalhos que tinham co-autores patrocinadospela indústria representaram % dos trabalhos publicadosfinanciados pela indústria e % de todos os estudos con-trolados randomizados desta amostra. Conforme se obser-va, até mesmo grandes periódicos publicam trials sobre me-

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dicamentos sem citar a declaração de conflito de interesses de seus

autores, e necessitam de insumos da indústria farmacêuticapara se manterem ativos.

Além disto, a indústria patrocina a impressão de grandenúmero de separatas da publicação de artigos de seu interes-se, além de suplementos especiais, tão mais importantes para aindústria farmacêutica quanto mais importantes forem asrevistas que irão publicá-los. Sabemos que as matérias publi-cadas em tais suplementos são de pior qualidade e mais ten-denciosas que as editadas comumente nas revistas e, na rea-lidade, têm a finalidade de funcionar como “alavancas” napromoção dos medicamentos, particularmente dos blockbus-

ters, que comportam os já citados expressivos investimentos.Outro artifício para a divulgação de medicamentos, que

deve ser visto com muito juízo crítico, são os jornais e revistas,

criados e distribuídos gratuitamente para os médicos, patrocinadas ex-

clusivamente pela indústria farmacêutica para a divulgação princi-palmente de novos produtos, sobretudo na época de seu lan-çamento no mercado. Mesmo havendo a citação de que apublicação é financiada por “grant educacional irrestrito”,além de matérias introdutórias muito atrativas e bem escritaspor grandes especialistas, elas sempre mostram também osresultados de trials de seus medicamentos, seu verdadeirointeresse, e daí o perigo do estabelecimento do viés.

Através destes mecanismos, a indústria farmacêutica pa-rece hoje ser uma das principais causas de viés na informa-ção médica, fato comprovado na análise de documentos soba metodologia atualíssima da medicina baseada em evidên-cias. Quase sempre, a regra é o viés de informações, o quedeveríamos sempre evitar, para o nosso aperfeiçoamento.Mesmo nós, os críticos, não sabemos exatamente como se-riam novas regras de trabalho participativo bilateral a serempostas em prática para que os patrocinadores pudessem re-duzir a introdução de vieses, apesar de estarem patrocinan-do uma atividade de atualização para o médico.

Não vamos alongar o estudo com a abordagem detalha-da da publicidade camuflada a respeito de medicamentos eprocedimentos médicos em revistas leigas, programas de rá-dio e televisão, mas não poderíamos deixar de citá-las. Sãoorientadas por profissionais de relações públicas e médicoscontratados especialmente pela indústria farmacêutica, paraa divulgação, p. ex., de novos medicamentos e novas modali-dades de tratamentos com aparelhos. Hoje é comum ver-mos os semanários, jornais e programas radiofônicos e tele-visivos sobre “saúde” e até noticiários de grande audiênciaanteciparem sutilmente, até em meses, com press-releases cria-dos por experts e matérias dirigidas, habilmente disfarçadas,apresentadas por personalidades encantadoras, que exercemfascínio universal, como esportistas, por exemplo, o futurosurgimento, de “uma nova e espetacular descoberta da me-

dicina”. Uma verdadeira criação de uma nova e futura neces-sidade, o que é prática comum numa sociedade capitalistaestressada e consumista como a nossa. Se a indústria farma-cêutica consegue influenciar o comportamento dos médi-cos, e até mesmo dos governos federais(16), não há razão paraesperarmos algo diferente com os publicitários, jornalistas eesportistas. Para estes, que negociam com a indústria farma-cêutica, os medicamentos são mercadorias idênticas aos re-frigerantes, peças de vestuário, automóveis, etc., que devemser “marqueteados” para vender o máximo possível.

A indústria farmacêutica tem dado grande ênfase, e soli-cita de modo hábil, nossa co-participação para uma nova ma-neira de promover seus produtos: financiamento direto, in-direto, e até oculto, a grupos de ajuda a pacientes, que são degrande utilidade para as entidades médicas, mas muito maiorpara a promoção dos produtos dos patrocinadores (Tabela ).Seria aconselhável que estas organizações tivessem seus pro-gramas educacionais orientados pelas sociedades médicas,preservando a ética com o paciente, não dispensando o pa-trocínio da indústria farmacêutica, mas na forma de um con-sórcio de fundos múltiplos, com apoio somente institucio-nal, supervisionado pelos médicos e pelos pacientes queorientariam estas associações de modo independente. Nãopodemos ver com bons olhos a criação, cada vez mais fre-qüente, de grupos de pacientes especiais, portadores de doen-ças tratadas com medicamentos ou tecnologias de alto cus-to, amparados quase exclusivamente por fundos da indústriafarmacêutica. Os grupos são, geralmente, avalizados por es-pecialistas, muitos realmente interessados em ajudá-los, ou-tros também em ganhos pecuniários e de status, alardeandodeterminados procedimentos ou “tratamentos de última ge-ração”, acabando por reinvindicar ajuda especial dos pode-res públicos para sua difusão, o que amplia ainda mais a ex-tensão do uso destes medicamentos e práticas terapêuticas,mas que no fundo não são tão “beneficentes” assim, estan-do na realidade prestando maior serviço à indústria farma-cêutica que aos pacientes. Estes grupos de pacientes “reivin-dicantes”, não incomumente, surgem por ocasião doaparecimento de um “novo medicamento”, julgado eficaz,mas ainda sem o teste implacável do tempo de uso (qual seráo seu real lugar “dez anos depois”?), como uma reinvindica-ção moderna, que parece colocar o paciente e o médico numpatamar considerado “atualizado” diante de seus pares. Sa-bemos que nem nós, médicos, temos certeza de que deva-mos utilizar estes novos medicamentos na escala que os es-tamos utilizando, nem de que estamos realmente alcançandoeste patamar de tanta “atualização terapêutica”, como o di-vulgado pela mídia.

A interferência da indústria farmacêutica também passa,inevitavelmente, pela pesquisa médica. Felizmente, ao menos

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em grandes centros universitários e hospitais públicos, é con-trolada pelos comitês de ética em pesquisa, que obedecem,atualmente, normas governamentais rígidas (CONEP), quesó vêm proteger o maior interessado nestas relações, o pa-ciente. Temos hoje, também, proteções da qualidade do tra-balho e do produto final apresentado pelos pesquisadorescriadas pelas normas e procedimentos em pesquisa clínica,de normas do US Department and Human Services, Foodand Drug Administration nos Estados Unidos, da AgênciaEuropéia para avaliação de Produtos Médicos e até mesmode normas criadas em conferências internacionais, como aInternational Conference on Harmonisation of Technical Re-quirements for Registration of Pharmaceuticals for HumanUse, projeto desenvolvido por autoridades dos Estados Uni-dos, Japão e Europa. Infelizmente, sabemos que as “boaspráticas de pesquisa clínica” nem sempre são respeitadas,muitas vezes até burladas, em prejuízo novamente de quem?Com certeza da transparência das relações do médico com aindústria farmacêutica e da segurança dos pacientes.

Sabemos que os estudos financiados pela indústria far-macêutica são capazes de produzir quatro vezes mais resul-tados de eficácia e em relatos menores de toxicidade paraos produtos de interesse do patrocinador, que estudos pro-duzidos por outras fontes sobre os mesmos produtos. Ocor-re, portanto, um viés sistemático e explicações podem vir,desde a seleção inadequada das amostras, comparações ina-dequadas (exclusivamente com placebos, não comparar comprodutos classicamente usados como standards, com doses

não comparáveis do medicamento, por exemplo). Este viéssistemático de resultados não significa que as pesquisas ci-entíficas conduzidas pela indústria farmacêutica sejam demá qualidade, geralmente até são de qualidade muito supe-rior à média, mas que a questão a ser respondida refletemuito mais o interesse do patrocinador, podendo até, mui-tas vezes, superestimar o objetivo principal para lhe benefi-ciar, e minimizar, propositalmente, outros achados secun-dários, como efeitos colaterais, que não sejam de seuinteresse. A publicação seletiva dos dados obtidos em en-saios terapêuticos é a maior causa de viés para estimativasbaseadas em trabalhos publicados. Por isto, sugere-se hojeque todas as proposições às entidades científicas de trials

financiados pela indústria farmacêutica sejam registradosoficialmente e que as entidades controladoras exijam quesejam publicados todos os achados dos estudos, mesmo osdesfavoráveis, e não somente aqueles que interessam ao pa-trocinador da pesquisa.

A maioria dos grandes trials são conduzidos por médi-cos, em ambiente acadêmico, contratados pela indústria paraconduzir o trabalho científico. Cerca de um quarto dos pes-quisadores universitários recebe fundos da indústria e umterço deles tem financiamentos pessoais dos patrocinadores.Esses estudos terapêuticos podem ser conduzidos, muitasvezes, em meio não acadêmico, o que não os desmerece, masque torna mais fluido o controle da sua condução. Isto deve-rá ser minimizado, pelo aparecimento recente de cursos deextensão universitária para treinamento de pesquisadores de

TABELA RELAÇÕES DOS “GRUPOS DE PACIENTES” COM A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

A. O grupo de pacientes necessita de ajuda para:– obtenção de informações a respeito de diagnóstico e tratamento;

produção de materiais de informação para leigos– conseguir recursos para ajudar enfermos carentes– Angariar colaboradores interessados em tarefas específicas– Aquisição de know-how em negócios – organização estrutural e

econômica, publicidade e crescimento– Adquirir capital para financiamento de atividades

B. Uma indústria farmacêutica gostaria de auxiliar os grupos depacientes para:

– Sua própria expansão de mercado– Uso de seus medicamentos por todos os pacientes que pos-

sam obter benefício– Obter um diagnóstico mais rápido e eficiente para o mais pre-

coce de seus medicamentos– Usar primariamente seus produtos – em lugar de outros pro-

duzidos pelos competidores de mercado– Trabalhar contra medidas restritivas governamentais ou re-

gulação e policiamento dos serviços de saúde, para facilita-ção da comercialização de seus produtos em entidades go-vernamentais

– Sendo vistos como promotores de campanhas responsáveisde ajuda social, possam desfrutar de mais prestígio e aumentarseus benefícios potenciais por este tipo de ação

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fármacos, o que é um grande avanço, e espero que seja sem-pre uma exigência imediata da indústria farmacêutica: ter nacondução de seus estudos, principalmente em ambientes nãoacadêmicos, profissionais treinados em tais cursos.

É necessária a profissionalização dos serviços universitá-rios envolvidos em pesquisas farmacêuticas, uma associaçãouniversidade-indústria, que pode ser muito benéfica paraambos os parceiros, desde que cumpridos estreitos precei-tos éticos. Como normas de “boa prática clínica em pesqui-sa” os patrocinadores não deveriam escolher investigadorespara conduzir ensaios clínicos que tenham interesses pes-soais nos compostos ou em qualquer outro aspecto do queesteja sendo pesquisado. A transparência do pesquisador queconduz um trial de medicamentos tem de ser total. Deveriaser mostrada, por exemplo, a ausência de seu conflito de in-teresses com a indústria patrocinadora, não devendo ele, porexemplo, ser funcionário, speaker remunerado ou participarde board do patrocinador e, muito menos, ser membro doconselho de ética da entidade que analisa o projeto de pes-quisa. A ausência desta clareza pode desqualificar a credibili-dade dos resultados de um estudo conduzido por um deter-minado pesquisador

Outra solução ética seria, talvez, que os serviços de pes-quisa clínica de instituições públicas ou privadas constituís-sem um fundo global destinado à pesquisa, englobando to-dos os recursos obtidos dos diferentes laboratórios (blind

trust ), e o emprego independente destes inestimáveis recur-sos. Isto, com certeza, reduziria o viés dessas distorções deresultados.

Quem pensa que este alerta é feito só por alguns militan-tes da medicina brasileira está equivocado. Esta é, atualmen-te, uma preocupação constante de autoridades médicas emtodo o mundo. Até nos Estados Unidos, meca do capitalis-mo, a insatisfação veio à tona. Num depoimento publicadona revista Chest, de ⁄ ⁄, o Dr. Basil Varkey, professorde clínica médica do Medical College de Wisconsin, no arti-go “Time for Introspection” faz uma reflexão e pergunta: oscrachás com a logomarca do patrocinador que penduramosno pescoço e carregamos no peito, as pastas, canetas, as ins-crições, e até camisetas, com o nome dos medicamentos, nãonos estariam transformando em cartazes ambulantes da in-dústria farmacêutica?

O ilustre professor americano afirma estar consternadoe desapontado com tal situação e nós, como ele, julgamosque se impõe, na atual conjuntura, uma reflexão sobre nos-sos valores e objetivos, além de fazermos uma indagaçãosobre que percepção têm nossos pacientes da inusitada ati-tude que alguns de seus esculápios tenham se transformadopraticamente em divulgadores constantes de idéias das com-panhias farmacêuticas.

Apesar de o nosso protesto e o do prof. Varkey e outrosserem recentes, esta preocupação já é antiga nos EstadosUnidos, e foi o que motivou o Food and Drugs Administra-tion (FDA) e outros órgãos, como o “Accreditation Councilfor Continuing Medical Education” (JAMA, vol. -⁄⁄),a elaborarem normas para disciplinar as relações entre asorganizações médicas e a indústria farmacêutica. Uma dascláusulas principais é a que dispõe que os professores res-ponsáveis pela confecção dos programas de educação médi-ca devem manter sua total independência da indústria far-macêutica. Apesar de acreditarmos ser esta uma condiçãoideal, nem mesmo lá estas normas são respeitadas, como po-demos verificar em congressos em outros países ou ao exa-minarmos cuidadosamente projetos de educação continua-da de revistas médicas e via internet.

Esta preocupação também já existe no Brasil, motivandoa Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) a publi-car a Resolução n.o , de ⁄⁄, regulamentando as propa-gandas, mensagens publicitárias e promocionais e outraspráticas, cujo objeto seja de divulgação, promoção ou co-mercialização de medicamentos de produção nacional ouimportada, quaisquer que sejam as formas e meios de suaveiculação, incluindo as transmitidas no decorrer da progra-mação normal de emissoras de rádio e televisão.

A resolução normatiza várias práticas afeitas ao dia-a-diados médicos e, quando for divulgada, discutida e seguida àrisca, trará disciplina em várias práticas da relação indústriafarmacêutica-classe médica, hoje nem sempre observadas.Como exemplos, analisaremos apenas alguns artigos, rele-vantes a esta discussão:

Artigo .o Determina que, na mídia denominada “in-ternet”, é vedada a veiculação de propaganda, publi-cidade e promoção de medicamentos de venda sobprescrição, exceto quando o acesso é exclusivo paraprofissionais habilitados a prescrever ou dispensarmedicamentos. Isto, atualmente, é desrespeitado, tendo em

vista que vários sites médicos não possuem privacidade de con-

teúdo, podendo ser acessados livremente por leigos e não fazem

propagandas da indústria farmacêutica, exclusivamente insti-

tucionais, sendo muitas vezes patrocinados exclusivamente por

uma determinado produto da indústria farmacêutica.

Artigo .o No programa de fidelização dirigido ao con-sumidor não é permitido o estímulo à venda ou pres-crição e/ou dispensação de medicamentos, o que tam-

bém atualmente não está sendo respeitado por alguns

laboratórios. Através de “programas de fidelização”, através

de telefonemas gratuitos , disfarçados em programas de ajuda

aos leigos, não só enviam amostras gratuitas de medicamentos

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para tratamento inicial, como também interferem no ato médico,

prometendo dar apoio psicológico ao paciente, informações sobre

efeitos adversos de medicamentos e fazendo lembretes sobre a

necessidade de exames clínicos e laboratoriais de controle.

Artigo . É proibido aos propagandistas de produ-tos farmacêuticos outorgar, oferecer ou prometerprêmios, vantagens pecuniárias ou em espécie, aosprofissionais de saúde habilitados a prescrever ou dis-pensar medicamentos, e estes profissionais de saúdetambém não podem solicitar ou aceitar os incenti-vos citados, se estes estiverem vinculados à prescri-ção, dispensação ou venda de medicamentos. Enten-

demos que cabe à Sociedade Brasileira de Reumatologia uma

negociação direta com os dirigentes da indústria farmacêutica,

para a obediência a este artigo, quanto à concessão de prêmios

materiais concedidos por algumas indústrias a médicos diante

do seu volume de prescrições de determinados produtos, quase

sempre ocultados, pelos patrocinadores e também pelos colegas

beneficiados.

Artigo . O patrocínio, por um laboratório fabrican-te ou distribuidor de medicamentos, de quaisquereventos públicos ou privados, simpósios, congressos,reuniões, conferências e assemelhados seja ele parcialou total, deve constar em todos os documentos de divulgação

resultantes e conseqüentes do respectivo evento.

§ .o Qualquer apoio aos profissionais de saúde, paraparticipar de encontros, nacionais ou internacionais,não deve estar condicionado à promoção de algumtipo de medicamento ou instituição, e deve constarclaramente nos documentos referidos no caput desteartigo.

§ .o Qualquer palestrante, patrocinado pela indústriafarmacêutica ou tecnológica, deverá, em sua apresen-tação, declarar o nome de seu patrocinador como tam-bém isto deve ser divulgado no material impresso doevento. Cabe às associações médicas, na organização de seus

eventos oficiais, a divulgação ampla e clara de seus patrocinado-

res, de seus palestrantes envolvidos com o patrocínio oficial de

determinada indústria farmacêutica, como também do conflito

de interesses de todos os seus palestrantes e organizadores. Cla-

ro que, também, todos os esforços deverão ser feitos pela indús-

tria farmacêutica para divulgar oficialmente seu nome no pa-

trocínio dos eventos, de seus patrocinados, reservando a promoção

de seus produtos, com seus nomes comerciais, somente durante a

realização dos simpósios que estejam patrocinando e dentro dos

stands de divulgação de produtos farmacêuticos, como é roti-

neiro durante a realização de eventos.

Entendemos que, se ao menos estes artigos forem fiel-mente cumpridos, num esforço comum entre as associaçõesmédicas e a indústria farmacêutica, daremos um enorme sal-to de qualidade na transparência de nossas relações. Precisa-mos preservar nossa independência e a soberania de nossaconsciência. A responsabilidade do estabelecimento dos pro-gramas de cada evento da associação deve ser da diretoria,de preferência, com independência da indústria farmacêuti-ca. Esta deveria entender a necessidade ética de tal atitude,continuando a participar das realizações da associação, con-fiando em seus dirigentes e sabendo que a eles só interessaque todos os produtos, indistintamente, sejam conhecidosde modo aprofundado e ético, não só pelos formadores deopinião, como também por todos, até colegas de outras es-pecialidades e, principalmente, pelos estudantes, futurosmembros ativos destas associações.

Por todos estes fatos, defendo a maior independênciasocietária possível, o que não significa desconhecimento dodireito e da necessidade que tem o patrocinador de exporseus produtos. O motivo pelo qual nos preocupamos é que adesobediência às regras éticas, já universalmente propostas,possa fazer com que as associações de especialistas percam aqualidade e diversidade de suas reuniões científicas, a confi-abilidade de seus palestrantes e que tudo isto acabe por in-fluenciar no que há de mais sagrado entre o médico e o pa-ciente: a indiscutível transparência da relação profissional.

No entanto, para que estas palavras não sejam mera figu-ra retórica, não basta exigirmos ética; antes, precisamos nosimpregnar dela e exercê-la em toda sua plenitude. Se assimnão fizermos, continuaremos vassalos de nossas fraquezas.

Declaração de conflitos de interesses do autor deste artigo: ex-presidente

da Sociedade Brasileira de Reumatologia, no biênio -; médico

reumatologista do Hospital das Clínicas da UFMG e membro do Ins-

titute of Arthritis and Pain (IAP), fundado e patrocinado com grant

educacional da Pfizer Inc., no biênio -.

Agradecimentos: ao prof. Dr. Hamid Alexandre Cecin, de Uberaba,

MG, que não só me estimulou na publicação destas considerações, como

me ajudou com excelentes reflexões, que serviram de “modelo” para a

ampliação deste artigo.

Não podemos permitir que nos conduzam,nós é que devemos conduzir. ‘Libertas quae sera tamen’(Liberdade, ainda que tarde!)“

* * *

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. ASPECTOS ÉTICOS

EM REUMATOLOGIA PEDIÁTRICA

A Ética e a Reumatologia Pediátrica

BLANCA ELENA RIOS GOMES BICA Professora Assistente de Reumatologia Pediátrica da Faculdade deMedicina da UFRJ

Vice-Presidente da Sociedade de Reumatologia do Rio de Janeiro

ERCA DE % da população brasileira é constituídapor menores de anos, representando uma grandeparcela de pequenos cidadãos. Uma grande parte,

talvez a maioria, ou já nasce com algum grau de desnutrição,ou vive em famílias onde a renda per capita é inferior a umsalário mínimo, vive sem adequadas condições sanitárias, nãotem acesso a serviços de saúde e/ou educação e são vítimasda violência e prostituição infantil, para não falar do traba-lho infantil. Quando a esse quadro se junta o aparecimentode uma enfermidade crônica...

A profissão médica é, talvez, no mundo inteiro, aquelaque está mais sujeita a normas e regulamentos especiais, tan-to no exercício liberal como no exercício público. Essas nor-mas, no entanto, estão espalhadas nos vários códigos e regu-lamentos, criando, assim, uma legislação específica que dáao médico a capacidade de exercer a profissão em sua pleni-tude, dentro dos limites da legalidade e estabelecendo umarelação de confiança do indivíduo e da sociedade.

Todo ato médico deve representar uma consciência alia-da a uma confiança. É o encontro da necessidade de um coma capacidade de outro. No vínculo entre o especialista pedi-átrico e seu pequeno paciente subentende-se uma autoriza-ção prévia, delegada por seus representantes legais, para aqui-lo que precisa ser feito. Deste modo, como a criança não écapaz de entender o(s) ato(s) que se pretende tomar, está omédico obrigado a esclarecer e obter o consentimento deseus responsáveis legais.

Ética sempre foi um tema polêmico. Inclusive, há um sem-número de conceitos sobre ela que os profissionais de saúdedevem respeito e acato por fazer parte da “verdade ética” deoutros colegas.

Poderíamos definir: “Ética é o respeito ao saber alheio e a inte-

ligência no uso da verdade como instrumento profissional .”A medicina há muito deixou de ser uma profissão indivi-

dualizada para entregar-se ao trabalho em equipe. Com isso,tornou-se, essencialmente, uma atividade multi, inter e/ouintradisciplinar. Esta pluralidade de características exigiu umainevitável transformação no proceder dos reumatologistas

gerais que, reconhecendo suas limitações, aos poucos, viramsurgir colegas com maior interesse nos pacientes pediátri-cos, visto que o conhecimento das características biológicase psíquicas da criança tornou-se essencial para a atenção etratamento de doenças crônicas graves, até mesmo letais, queacometem o pequeno paciente e “adoecem” toda a família.Esse novo foco provocou a necessidade de se reconhecer eaceitar (o que é mais difícil) os limites do autoconhecimentoe a busca do saber “de outro” como forma de aprimorardiagnósticos e oferecer aos pacientes – destacando-se os depatologias especiais – tratamentos mais adequados, atualiza-dos e eficazes.

Por outro lado, cada vez mais, a especialização vem se tor-nando uma exigência médica. Mas isso não pode, de formaalguma, levar a reumatologia pediátrica a uma visão profissio-nal monocular. Ao contrário disso, essa exigência deve condu-zir a especialidade ao seu aprimoramento através de práticascoletivas, porquanto somente estas oferecem a oportunidadede se exercer uma enriquecedora troca de experiências.

Em função da afirmativa anterior, os seminários, os con-gressos, os workshops, as palestras, as mesas de debate e oestudo de casos, por exemplo, transformaram-se em instru-mentos essenciais para o avanço da capacitação cognitiva dosmédicos da área e para o alcance do state of art no exercíciodo trabalho em equipe, os quais auxiliam na busca de solu-ções clínicas capazes de atender às mais complexas patologi-as da atualidade e no combate às inevitáveis limitações indi-viduais que todos possuímos.

Além do mais, o reumatologista pediátrico tem de saberlidar com a verdade na relação com o seu paciente – umacriança ou um adolescente e sua família.

A verdade, sem qualquer dúvida, é uma ferramenta éticade inestimável valor.

O sucesso de um tratamento médico está ligado ao cor-reto nível de informação, de atenção e de motivação do pa-ciente para atender às demandas que sua doença requer. Eesse conjunto de componentes, muitas vezes, faz parte deuma verdade penetrante e aparentemente cruel, a qual os reu-

C

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matologistas pediátricos têm de saber utilizar, já que ela éfundamental para que o doente – junto a seus familiares –seja o agente da sua própria cura.

O paciente, de qualquer idade, quando consegue enten-der e aceitar o mal que o acomete, transforma-se num admi-rável “médico circunstancial ”, pois, de posse da verdade sobresua saúde, ele poderá vislumbrar limites e possibilidades pararealizar desejos que o permitirão levar uma vida mais feliz,sempre tendo em mente a medida do possível.

Assim, saber ouvir reclamações, interpretar bem os sin-tomas, vislumbrar os limites humanos e motivar o paciente aconquistar seu bem-estar é, certamente, um dos maiores de-safios de um médico. E demonstrar respeito pelo doente,através da verdade, o faz seu parceiro e cria as condiçõesnecessárias para que a relação do médico com seu pacienteseja muito positiva, além de trazer como recompensa a con-vivência harmoniosa da pessoa enferma com a própria pato-logia, quando crônica, ou a sua alta do tratamento, no menortempo possível.

Certa vez, uma pequena paciente de quatro anos, porta-dora de forma agressiva de artrite idiopática juvenil, disse-me: — “Tia, eu gosto de você mesmo sabendo que vocêmanda minha mãe me dar remédios ruins e injeção!” Em suainocência, ela podia compreender que o ato, em si, não era omais importante, mas o objetivo de vê-la melhor, isso, sim!

Uma outra visão importante a respeito da ética encontra-se no livro Gestão para a Formação Humana, da professora Val-derez Ferreira Fraga (editora Impetus, ), a qual conside-ra que “a ética é você diante de você mesmo”.

Esta afirmação tem uma importância extraordinária pelacarga de simplicidade, objetividade e profundidade que car-rega. Sua perfeição está em tirar da conduta ética a depen-dência de atitudes alheias para colocá-la unicamente diantedo indivíduo, já que não há nada no mundo que possa nosafastar da própria consciência.

Para os médicos, essa questão atravessa a capacidade dedisponibilizar-se para o seu paciente. A pergunta que se deve

fazer é: para curar pessoas os médicos têm de passar a “per-tencer” (temporária ou definitivamente) às suas famílias? Sea resposta for positiva, deve-se repensar a questão da acessi-bilidade do médico por parte do paciente e de seus familia-res. Enquanto enfermo, um indivíduo vê o “seu” médicocomo o único ser humano capaz de resgatar-lhe uma saúdeequilibrada. E isso deve ser permanentemente considerado,pois também faz parte do conjunto ético de atitudes profis-sionais, inserido no saber técnico. Esse fato traz à tona oporquê do pediatra ser o mais reconhecido “médico de fa-mília”, pois acompanhando todos os passos do crescimentoe desenvolvimento da criança, ele se torna o “amigo de to-das as horas” da família.

Nos últimos anos, avanços no conhecimento da espe-cialidade têm resultado em significativa melhora na qualida-de de vida e na sobrevivência de crianças com doenças ante-riormente letais. Crianças com doenças reumáticas entramna vida adulta, por vezes, com algum grau de incapacidadefísica que pode retardar e até impedir que esses jovens adul-tos atinjam seus objetivos no futuro. Além disso, recebemenorme impacto psicológico em seu desenvolvimento, mui-tas vezes agravado pelos aspectos sócio-econômicos.

Assim, a escolha do caminho ético, por vezes, é mais di-fícil do que se imagina, já que exige muito cuidado no tratodas relações profissionais. Contudo, o mais importante é adisposição para trilhá-lo, sem o receio de estar sozinho emmuitas ocasiões.

Não há dúvida de que, ao final de uma caminhada basea-da nos preceitos éticos, encontrar-se-á satisfação pessoal eprofissional, pela descoberta do equilíbrio entre o respeitoao saber alheio, o uso da verdade e o prazer de se tomaratitudes de maneira honesta e adequada, culminando na prá-tica profissional que julgamos “ideal” e na eficácia do trata-mento idealizado.

Outrossim, será sempre indiscutível que a ética é umaquestão de princípios e de conforto da consciência, pela cer-teza inabalável do dever cumprido.

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. TÍTULO DE ESPECIALISTA

É a Hora e a Vez de ConsagrarNosso Título de Especialista

GEORGES BASILE CHRISTOPOULOS Diretor Científico da Liga dos Reumatologistas do Norte-NordesteMembro do Comitê de Ética da SBR

TEMA RECORRENTE em nossas assembléias gerais a va-lorização do título de especialista.Observamos que, nos vários convênios e cooperati-

vas médicas existentes no país, profissionais não tituladosfiguram em seus quadros de “reumatologia” ou “doenças reu-máticas”, sempre sob a tolerância dos conselhos regionais.

Podemos, no entanto, abordar o tema de maneira diversado habitual, esclarecendo aos convênios que não é interes-sante, tampouco legal terem em seus quadros profissionaismédicos desprovidos do devido título, haja vista que lhes cabe,igualmente, a responsabilidade pela qualidade dos serviços.

E como realizaríamos tal façanha?Observemos a decisão unânime e irrecorrível do Supe-

rior Tribunal de Justiça, da lavra do ministro Aldir Passari-nho Júnior:

“A prestadora de serviços de plano de saúde é respon-

sável, concorrentemente, pela qualidade do atendimen-to oferecido ao contratante em hospitais e por médi-cos por ela credenciados, aos quais aquele teve deobrigatoriamente se socorrer sob pena de não fruirde cobertura respectiva.” (Grifo nosso.)

A decisão evidencia a culpa solidária do plano de saúdecom relação aos processos intentados contra os médicos porele conveniados.

De notar que o Código de Defesa do Consumidor (Lei.⁄) é bastante severo ao dispor da seguinte maneira:

Art. .º São direitos básicos do consumidor:(...)III – a informação adequada e clara sobre os diferentes pro-

dutos e serviços, com especificação correta de quantidade, característi-

cas, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apre-

sentem; (Grifo nosso.)(...)Art. . O fornecedor de serviços responde, independente-

mente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos

consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem comopor informações insuficientes ou inadequadas sobre sua frui-ção e riscos. (Grifo nosso.)

(...)Art. . A oferta e apresentação de produtos ou serviços

devem assegurar informações corretas, claras, precisas, os-tensivas e em língua portuguesa sobre suas características, quali-

dade, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e

origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à

saúde e segurança dos consumidores. (Grifo nosso.)(...)Art. . A publicidade deve ser veiculada de tal forma que

o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus

produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informa-ção dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos ecientíficos que dão sustentação à mensagem.

Art. . É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § .o É enganosa qualquer modalidade de informação ou

comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmentefalsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão,capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da nature-za, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem,preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

(...)Art. (...)§ .o A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municí-

pios fiscalizarão e controlarão a produção, industrialização,distribuição, a publicidade de produtos e serviços e o merca-do de consumo, no interesse da preservação da vida, da saú-de, da segurança, da informação e do bem-estar do consu-midor, baixando as normas que se fizerem necessárias.

(...)Art. . Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir in-

formação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quan-

tidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de pro-

dutos ou serviços : (Grifo nosso.) Pena – Detenção de três meses a um ano e multa.

É

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Art. . Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e ci-entíficos que dão base à publicidade:

Pena – Detenção de um a seis meses ou multa.(...)Art. . São circunstâncias agravantes dos crimes tipifica-

dos neste código: (Grifo nosso.)(...)III – dissimular-se a natureza ilícita do procedimento;

Fica claro, portanto, que é ILEGAL a inclusão e divulga-ção por parte de convênios e cooperativas médicas, de pro-fissionais não titulados naquelas categorias. Notadamente,há informação e publicidade inadequada nos casos em tela,vez que somente a prova de título confere ao médico suaespecialização.

Quais seriam, então, os meios que a Sociedade Brasileirade Reumatologia teria para evitar que tais atos se perpetuem?

Existem várias alternativas, dentre as quais:

– Acionar o CFM, solicitando a imediata adequação dosconvênios existentes no país às regras estabelecidasna legislação específica, o que beneficiaria, inclusive,a TODAS as demais especialidades médicas.

– No caso de insucesso, promover ações judiciais pe-rante a justiça federal, com o mesmo objetivo.

Existem momentos em que a história nos bate à porta,exigindo posições firmes na defesa de nossa categoria, querefletem, necessariamente, na consolidação dos nossos ideais.

É a hora e a vez de consagrarmos nosso títulode especialista!“

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QUESTIONÁRIO PRÉ-CONSULTA

[Autoria: Georges Basile Christopoulos]

Nome:

Idade:

Sexo:

Profissão:

ASSINATURA:

. Qual o motivo da sua consulta?

. Como você obteve informações sobre a clínica/médico?( ) Por indicação de outro médico? Qual?( ) Através de outro paciente?( ) Entrevistas/reportagens?( ) Outros. Quais?

. Você tem alguma dessas doenças?( ) Gastrite( ) Pressão alta( ) Glaucoma( ) Diabetes( ) Labirintite( ) Alergia a algum remédio? Qual?( ) Outras doenças:

. Se você tem dor, como a classificaria?( ) Insuportável ( ) Muito forte ( ) Dor forte( ) Dor moderada ( ) Dor leve ( ) Nenhuma dor

. Você está utilizando alguma medicação? Qual(is)?

ANEXO

NÃO ESQUEÇA DE PERGUNTAR AO SEU MÉDICO:

. Qual o diagnóstico?

. Qual a causa?

. Devo prestar atenção em algum sintoma particular?

. Devo fazer alguma mudança em meu estilo de vida?

. Qual o tratamento para o meu caso?

. Quanto tempo demora e qual a sua eficácia?

. Quais os riscos e os efeitos colaterais?

. Há algum alimento, bebida ou atividade que devo evitar?

. A que tipo de exames devo me submeter?

. O que o(a) senhor(a) espera obter dos resultados?

. Quando saberei o resultado?

. Os testes apresentam algum risco?

[Destaque na linha pontilhada e entregue ao paciente.]

.....................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

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DIREITOS DO PACIENTE

ANEXO

Morte – O paciente tem o direito de optar pelo local de morte(conforme lei estadual válida para os hospitais do Estado deSão Paulo).

Receituário – Receber as receitas com o nome genérico dos me-dicamentos prescritos, datilografadas ou em letra legível, sema utilização de códigos ou abreviaturas, com o nome, assinaturado profissional e número de registro no órgão de controle eregulamentação da profissão.

Respeito – Ter assegurado, durante as consultas, internações, pro-cedimentos diagnósticos e terapêuticos, a satisfação de neces-sidades, a integridade física, a privacidade, a individualidade, orespeito aos valores éticos e culturais, a confidencialidade detoda e qualquer informação pessoal, e a segurança do proce-dimento; ter um local digno e adequado para o atendimento;receber ou recusar assistência moral, psicológica, social oureligiosa.

Sangue – Conhecer a procedência do sangue e dos hemoderiva-dos e poder verificar, antes de recebê-los, os carimbos que ates-taram origem, sorologias efetuadas e prazo de validade.

Segunda opinião – Direito de procurar uma segunda opinião ouparecer de um outro médico sobre o seu estado de saúde.

Sigilo – Ter resguardado o segredo sobre dados pessoais, por meioda manutenção do sigilo profissional, desde que não acarreteriscos a terceiros ou à saúde pública.

Abandono – Após iniciado o tratamento, o médico não pode aban-donar o paciente, a não ser que tenham ocorrido fatos que com-prometam a relação médico-paciente e o desempenhoprofissional e desde que assegurada a continuidade na assis-tência prestada.

Acompanhante – O paciente tem o direito de ser acompanhadopor pessoa por ele indicada, se assim desejar, nas consultas,internações, exames pré-natais e no momento do parto; rece-ber do profissional adequado, presente no local, auxílio ime-diato e oportuno para a melhoria do conforto e bem-estar.

Alta – O médico pode negar-se a conceder alta a paciente sob seuscuidados quando considerar que isso pode acarretar-lhe riscode vida. Se o paciente ou familiares decidirem pela alta semparecer favorável do médico, devem responsabilizar-se por es-crito. Nesse caso, o médico tem o direito de passar o caso paraoutro profissional indicado ou aceito pelo paciente ou família.

Anestesia – O paciente tem o direito de receber anestesia em to-das as situações indicadas. Pode recusar tratamentos doloro-sos ou extraordinários para tentar prolongar a vida.

Atendimento digno – O paciente tem direito a um atendimentodigno, atencioso e respeitoso, sendo identificado e tratado pelonome ou sobrenome. O paciente não pode ser identificado outratado por números, códigos, ou de modo genérico, desres-peitoso ou preconceituoso.

Autonomia – Pode consentir ou recusar, de forma livre, voluntá-ria e esclarecida, com adequada informação, procedimentosdiagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados.

Criança – A criança, ao ser internada, terá em seu prontuário arelação das pessoas que poderão acompanhá-la integralmentedurante o período de internação.

Exames – É vedada a realização de exames compulsórios, semautorização do paciente, como condição necessária para inter-nação hospitalar, exames pré-admissionais ou periódicos e aindaem estabelecimentos prisionais e de ensino.

Gravação – O paciente tem o direito de gravar a consulta, casotenha dificuldade em assimilar as informações necessárias paraseguir determinado tratamento.

Identificação – Poder identificar as pessoas responsáveis direta eindiretamente por sua assistência, por meio de crachás visíveis,legíveis e que contenham o nome completo, a função e o cargodo profissional, assim como o nome da instituição.

Informação – O paciente deve receber informações claras, obje-tivas e compreensíveis sobre hipóteses diagnósticas; diagnós-ticos realizados; exames solicitados; ações terapêuticas, riscos,benefícios e inconvenientes das medidas propostas e duraçãoprevista do tratamento. No caso de procedimentos diagnósti-cos e terapêuticos invasivos, deve ser informado sobre a ne-cessidade ou não de anestesia; o tipo de anestesia a ser aplicada;o instrumental a ser utilizado; as partes do corpo afetadas; osefeitos colaterais; os riscos e as conseqüências indesejáveis e aduração esperada do procedimento; os exames e as condutas aque será submetido; a finalidade dos materiais coletados paraexame; as alternativas de diagnósticos e terapêuticas existen-tes, no serviço onde está sendo realizado o atendimento ou emoutros serviços, além do que mais julgar necessário.

Pesquisa – O paciente tem o direito de ser prévia e expressamenteinformado, quando o tratamento proposto for experimentalou fizer parte de pesquisa, que deve seguir rigorosamente asnormas regulamentadoras de experimentos com seres huma-nos no país e ser aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa(CEP) do hospital ou instituição.

Prontuário – Ter acesso, a qualquer momento, ao seu prontuáriomédico, recebendo por escrito o diagnóstico e o tratamentoindicado, com a identificação do nome do profissional e o nú-mero de registro no órgão de regulamentação e controle daprofissão.

Recusa – O paciente pode desejar não ser informado do seu esta-do de saúde, devendo indicar quem deve receber a informaçãoem seu lugar.

FONTES: Pareceres dos Conselhos de Medicina; Resolução n.º ⁄ doConselho Nacional de Saúde; Lei Estadual (São Paulo) n.º ., de ⁄ ⁄ – Conselho Regional de Medicina de São Paulo.

Informações gentilmente fornecidas pelo Dr. José Marques Filho, Conse-lheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo e Mem-bro da Comissão de Ética e Defesa Profissional da SBR e SPR.

Page 40: Os avanços e as perspectivas tecnológicas A Éticabvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/etica.pdf · Os avanços e as perspectivas tecnológicas ... Anexo no 1 — Questionário Pré-Consulta

Os avanços e as perspectivas tecnológicaslevam a constantes questionamentos. Porque lidamos com vidas,

nossa responsabilidade torna-se mais do que uma obrigação; um

caminho. Não se trata apenas de moral, valores de uma determinada

sociedade que vem de fora para dentro. Ética é um juízo crítico de

valores, avulta-se de dentro para fora, numa luta de conflitos e

opções, resultando em reflexão e discernimento. E isso se pode

traduzir também por angústia. Essa “boa angústia” depende de

algumas condições: liberdade de escolha, inexistência de coação,

ausência de preconceito, humildade para ver a razão no outro e

grandeza para aceitá-la.

A Sociedade Brasileira de Reumatologia, na gestão Caio Moreira,

graças ao incansável Georges Basile Christopoulos, cumpre assim

um dos seus misteres. O colega Georges há muito já vinha publicando

no Boletim da SBR suas preocupações. Juntou a essas, opiniões e

comentários, ensinamentos e abordagens de especialistas e

pensadores. Resultou daí, não uma obra definitiva (em se tratando

de Ética, o definitivo não existe), mas uma provocação, saudável e

bem-vinda provocação. Onde comungam boa vontade e huma-

nismo. A propósito, vale lembrar Heráclito: nunca entramos no

mesmo rio; e Platão: tudo muda, tudo flui. Embarque nessa leitura,

aceite a turbulência desse caudal, à frente há um oceano de desafios

e infinito horizonte.

Fernando NeubarthPorto Alegre, inverno de 2004

A Éticae os Reumatologistas