os argumentos dos ceticos

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OS ARGUM EN TO S  T RO PO S /MOD O S S C ÉTICOS  vimos, p e los r e l a t os d e Se xt o E rr Í i ri c o , que o C e t icismo é uma h a bilidad e m e ntal de o po r o u . contras t ar f e n ô men os e juíz os de t das as fo r mas possí v e i s . Neste s e n tido, a pr á t ic a c ét ica será a de apr e sent a r arg u m entos c onflit a nt es (incompatí v ei s) ena falta d e um c r i t é ri o de verdade que possa decidir con c lusi v a mente qu a l del e s é o v er da deiro, ocorr e a ' su sp en s ã o do . · ju í zo'  epo c h é . P a ra tal , foram el a b o rados dif e rent e s a drõ es d e a rgu me nt açõ e s  t r op a s  como , p o r e x emplo , o s dez T ropos de Enesiderno (H P I, 40 -1 63), o s cinco Trapos de Ag r ippa (HP I , 164-177) , os dois T rop a s ( res u mo dos a nteriores - HP I , 1 78-9 ) . V ej a mos, a go r a, os d e E nes id e mo . TR S DE ENESIDE l VIO O qu e se p e rceberá na e x posiç ã o d ele s é a produ ç ã o de u m questionamento ú ni c o e geral d o t ipo : Se u m a coisa a pa r ece am i m destajor m a, e t ambé m apa r ece a mim / al i a outro de out r a form e n t ão qual é a r e al nature za d es ta coisa ? Qua l é a sua ver d ade ira fo rm a? E , u m a ve z qu e est as dua s f o rm as d e a pa re cer s ão imcom pa t ive is uma com a o u tra , com o decidir ? Para se d ecid ir p o r uma o u p or outr a, será n ece s sário um cr i ri o, pois, caso co n trário , a de ci s ã o e n tre a s ap arê n ci as ser i a f e i ta d e anei r a a rbi t r á r ia e , dest a for m a, sem credibi l id a d e 1°) Diferenças na natureza animal (H P I, 40 - 78) Esse tr op a expõ e as dif ere n ças ex is te nt e s en t r e o s di fere nte s animais, o u se j a, entre a nat u rez a d el es . . S ão ap r es en ta d o s ex empl o s distintos em r e l açã o àg e r a çã o , cres c im e n to, e s t ru t ura co rpó r ea e a cuid ade pe r ce pt ual dos dife re ntes  n i m is A i ntençã o . dos exe m plos a p rese n tad o s par ' Sexto é a de r ess al tar q ue , se os s eres v1VOSe o h omem se i nclu i ) são c o nstituídos de ' m a neiras difer en tes uns dos outr os , é ad m i ssi v el que se u s re s p e cti vos órgã os se nso ri ais e s u a s respe ctiva s percep çõe s também o s e jam ( HP I , 4 4 -5 4). C om o c a da es p é c ie ter ia um a apr ee nsão p pr ia do real , nenhum a d ela s po de r ia ser co nsi de r a d a c om o p riv ile g i a da par a e stabele cer e f und ame nt a r um a r e l açã o de certeza co g niti va com o r eal (HP I , 6 2 -72 ) . f m outr a sp a la vras, não t ería mo s bo a s razões p a ra c o nside r ar a s imp r es sõe s sensíveis do s animais h m an os , e m di spu t ac om a do s o u t ro s a nim a is , c o mo s e nd o capaz e s d e r e ve l ar a r e al n a turez a d e um obj e to . A lém diss o, Se x to nos aler ta qu e o s h o m e ns não s er iam juíz e s imparciais para julgarem en t re suas próprias impr ssões e a s dos ou t ros a ni mai s, pois fa ri a m p a rt e da di s put a ( H P I, 59) . As sim , co n sid e rando qu e as mesmas co i sa s a par ecem ' de forma dif ere n c iada d ev id o - à s - d ife r e n tes . n atu r e zasrdos . an i m a i s), e na f a lta de um cr it éri o de v erd a de p a ra decidir entr e e las , Se x to alega que  poderí a mos f a l ar como os objetos nos ap recem mas :' em ' rela ç ã o à ' s ua ' re a lna t ureza, - ocorre r i a - a-su s pens ã o do j zo . .' . s 2 °) Diferenças entr e o sh < Ymêns ( H P I , 7 9·-9 0) . P artindo da suposição de que os homens são superiores aos anim a is, a qu e s t ã que a g o ra se ap re se nt a é a d e sa ber m os s e tod os el es tê ma me sm a per ce ã o sob re o s m e smos objet os . C omo a n at u re z a hum a n a t ambém se a pre s en t a de modo di ve rs o, as m e s mas coi sas p a recem afe t ar os homens de maneir a dif e rente (H P I, 80-88) . Na falta de um c r itério de ver d a de p a r a de ci dir sobre e ssa div : ersid a de de percepções, ou seja , sobre qu a l d e l as reve l a

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OS ARGUMENTOS (TROPOS/MODOS) DOS CÉTICOS- rr

Já vimos, pelos relatos de Sexto ErrÍirico, que o Ceticismo é uma habilidade mentalde opor ou .contrastar fenômenos e juízos de todas as formas possíveis. Neste sentido, aprática cética será a de apresentar argumentos conflitantes (incompatíveis) e na falta de umcritério de verdade que possa decidir conclusivamente qual deles é o verdadeiro, ocorre a'suspensão do.· juízo' (epoché). Para tal, foram elaborados diferentes padrões deargumentações (tropas) como, por exemplo, os dez Tropos de Enesiderno (HP I, 40-163),os cinco Trapos de Agrippa (HP I, 164-177), os dois Tropas (resumo dos anteriores - HP I,178-9). Vejamos, agora, os de Enesidemo.

TROPOS DE ENESIDElVIOO que se perceberá na exposição deles é a produção de um questionamento único e

geral do tipo:Se uma coisa aparece (a mim) destajorma, e também aparece (a mim / ali a outro)

de outra forma, então qual é a real natureza desta coisa? Qual é a sua verdadeira forma?

E, uma vez que estas duas formas de aparecer são imcompativeis uma com a outra, comodecidir ? Para se decidir por uma ou por outra, será necessário um critério, pois, caso

contrário, a decisão entre as aparências seria feita de maneira arbitrária e, desta forma,

sem credibilidade.

1°) Diferenças na natureza animal (HP I, 40-78)Esse tropa expõe as diferenças existentes entre os diferentes animais, ou seja, entre

a natureza deles .. São apresentados exemplos distintos em relação à geração, crescimento,estrutura corpórea e acuidade perceptual dos diferentes animais . A intenção .dos exemplosapresentados par' Sexto é a de ressaltar que, se os seres v1VOSe o homem aí se inclui) sãoconstituídos de 'maneiras diferentes uns dos outros, é admissivel que seus respectivosórgãos sensoriais e suas respectivas percepções também o sejam (HP I, 44-54). Como cada

espécie teria uma apreensão própria do real, nenhuma delas poderia ser considerada comoprivilegiada para estabelecer e fundamentar uma relação de certeza cognitiva com o real(HP I, 62-72).fm outras palavras, não teríamos boas razões para considerar as impressõessensíveis dos animais humanos, em disputa com a dos outros animais, como sendo capazesde revelar a real natureza de um objeto. Além disso, Sexto nos alerta que os homens nãoseriam juízes imparciais para julgarem entre suas próprias impressões e as dos outrosanimais, pois fa riam parte da disputa(HP I, 59). Assim, considerando que as mesmascoisas aparecem 'de forma diferenciada devido-às-diferentes .naturezasrdos .animais), e nafalta de um critério de verdade para decidir entre elas, Sexto alega que s ó poderíamos falarcomo os objetos nos aparecem, mas:' em'relaçãoà'sua'realnatureza, -ocorreria-a-suspensãodo juízo. .'.s- -

2°) Diferenças entre os h<Ymêns(HP I, 79·-90). Partindo da suposição de que os homens são superiores aos animais, a questão que

agora se apresenta é a de sabermos se todos eles têm a mesma percepção sobre os mesmosobjetos. Como a natureza humana também se apresenta de modo diverso, as mesmas coisasparecem afetar os homens de maneira diferente (HP I, 80-88). Na falta de um critério deverdade para decidir sobre essa div:ersidade de percepções, ou seja, sobre qual delas revela

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a real natureza do objeto, ocorre a suspensão do juízo. (Obs.: i- todos; ii - alguns (sábio);iii- maioria) ..

3°) Diferenças entre os sentidos (HP I, 91-99)Esse argumento irá tratar das diferenças no próprio homem, agora como indivíduo,

em função das diferentes informações recebidas pelos seus órgãos sensoriais. Os diferentes

sentidos' produzem diferentes impressões. A intenção do argumento é mostrar que, se os.homens. percebem as coisas através dos sentidos, e sendo estes diferentes uns dos outros,diferentes oposições surgem em relação ao objeto que se investiga (HP I, 92). Comonenhum sentido pode ser tomado como mais compreensivo do que o outro, isto é, namedida em que não se pode privilegiar um sentido em detrimento de outro, pois, nos faltaum critério de verdade para isso, ocorre a suspensão do juízo. Ainda que se considere aarticulação de todos os sentidos, visando eliminar os conflitos entre eles, Sexto alega que,ainda assim, não teríamos um critério de verdade que nos garantisse que eles revelariam areal natureza do objeto (HP I, 94-96).

4°) Circunstâncias (ou disposições) que afetam o indivíduo (HP I, 100-117)

Neste quarto argumento, Sexto procura mostrar os conflitos de impressões quesurgem, para um mesmo indivíduo, quando suas disposições (circunstâncias, condições)são alteradas. àu ainda, que as diferentes disposições são capazes de afetar, alterar odesempenho de cada um dos sentidos. f,/Se sob uma determinada disposição (ex.: acordadoou dormindo, embriagado ou sóbrio, s<)Ydávelou doente, jovem ou idoso, alucinado, alegre,etc) um objeto aparece de uma forma, quando esta disposição é mudada, o mesmo objetoaparece de outra forma (HP I, 104-106), gerando um conflito de impressões. Em outraspalavras, Sexto procura mostrar que o conhecimento parece depender dadisposição/circu;nstância em que o indivíduo se encontra. Como há diferentescircunstâncias (e ~ão se pode viver fora delas), há diferentes impressões. Segundo Sexto(HP I, 112-113), esse conflito de impressões provocado pelas diferentes circunstâncias,

parece não poder ser resolvido, pois, ou estamos em alguma disposição e fazemos assimparte da disputa{não seríamos juízes imparciais); ou não estamos em nenhuma disposição,o que se torna algo absurdo. Desse modo, na falta de um critério de verdade para decidirsobre qual das impressões revela a real natureza do objeto, ocorre a suspensão do juízo.

5°) Posição, Distância e Localização do objeto (HP I, 118-123) " 1Se no argumento anterior o conflito de impressões era gerado pelas diferentes

disposições do indivíduo, neste quinto argumento os conflitos de impressões são agoragerados pelasdiferentes condições espaciais do objeto em questão. Se estas condiçõesmudam, a impressão provocada pelo mesmo objeto também muda, pois, estamos sempreobservando um' objeto que está t~~to -emvuma -determinada. .posiçãc.v.quanto .a umadeterminada distância, e ocupandoum-determinado lugar (HP I, 118-120). Na falta de umcritério de verdade que possa privilegiar uma impressão em detrimento de outra comosendo a que revela a sua rea~~âtureza, ocorre a suspensão do juízo.

6°) lVlisturas ou Combinações (HP I, 124-128)Este argumento tem como idéia principal a afirmação de que os objetos nos

aparecem sempre' misturados ou combinados com alguma outra coisa e, assim, nada nosapareceria 'puro em si e por si' (DL IX, 84). Desse modo, a real natureza do objeto puro do

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conhecimento parece não se apresentar para nós. Em outras palavras, significa dizer que, nenhum objeto afeta os nossos sentidos puramente por ele próprio, mas misturado a outroselementos (ex.: ar, luz, umidade, etc). Sexto argumenta, então, que sem podermos filtrarestas misturas e' sem podermos saber quais os seus respectivos efeitos, aparentemente sópodemos' dizer como os objetos nos aparecem através de suas respectivas misturas; mas,quanto a sua real natureza, ocorre a suspensão do juízo.

7°) Quantidade' e Constituição do objeto (HP I, 129~134)No argumento anterior, Sexto investigou o fato dos objetos chegarem até nós

misturados a outros elementos externos a eles próprios. Mas, neste sétimo argumento eleinvestiga o próprio objeto e suas características qualitativas e composicionais. O conflitode impressões surge quando são alteradas suas respectivas quantidades e/ou composições(HP I, 130). Ccimo não se tek uma suposta quantidade (ou composição) 'perfeita' doobjeto, de modo a que ela revele a sua real natureza; áparentemente também não se tem umcritério de verdade pelo qual se 'possa decidir esse 'conflito de impressões, fazendo assimcom que ocorra a suspensão' do juizo sobre a sua real natureza.

8°) Relatividade (HP I, 135~140) ,, Esse argumento nos fala sobre a aparente relatividade de todas as coisas. Sexto jáhavia colocado essa questão como sendo a regente de todos os outros argumentos (HP I,39). Ele a investiga em dois campos: a) relacionada cóinaquele que percebe (1 0 ao 4°); b)relacionada com o objeto. Assim, como já foi visto nos argumentos anteriores, na falta deum critério de verdade que possa privilegiar uma impressão em detrimento das outras,ocorre a 'suspensão do juízo sobre a real natureza do objeto.

9°) Sobre a freguência de ocorrência (HP I, 141~144)Ao investigar a frequência com a qual determinado evento ocorre no mundo

fenornênico (constância ou raridade), a intenção de Sexto é a de mostrar que mudanças nelaimplicam em diferentes impressões ao observador, ou seja, diferentes padrões de juízo e deimportância sobre ele. Um outro objetivo desse arguniéfi.to é o de apontar a influência queuma determinada crença .tem em nossos juízos (ex.: o, c?uro é (intrinsecamente) um metalprecioso, ou 'a:!percepção de que quando estamos acostumados com algo, tendemos aconsiderá-Ia comum; caso contrário, tendemos a considerá-Ia raro - HP I, 141-143). Dessemodo, na aparente falta de um critério de verdade que possa resolver esse conflito deimpressões, ocorre a suspensão do juízo em relação à sua real natureza.

10°) Costumes e Persuasões (HP I, 145-163)Esse décimo argumento está diretamente ligado às questões éticas. A estratégia de

Sexto é a de criar oposições entre os próprio objetos "investigados (ex.: hábitos X hábitos;lei X lei; etc) e, posteriormente.jériar .oposições cruzadas umas às outras (ex.: hábito X lei;lei X crença'; etc). Com isso ele procura mostrar as disputas derivadas de conflitos deopiniões sobre o que venhe-a ser a prática correta e justa a ser adotada, mas, também, ainexistência de, um consenso sobre os objetos de investigação. Assim, na aparente falta deum critério de verdade que possa resolvê-Ias, pois, elas se apresentam em situação de'equipolência', ocorre a suspensão do juízo.