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Orientação Ao Vestibulando Para Alívio Da Ansiedade
Dulce Helena Penna Soares
No Brasil, o exame vestibular tem sido a principal forma de acesso ao ensino
superior, existindo nas universidades públicas, em média, 20 candidatos para cada vaga,
tornando o exame uma grande competição entre os jovens candidatos à formação
universitária. O referido exame, também conhecido enquanto processo seletivo gera
conflitos, dúvidas, medo e ansiedade. Alves (1995) denomina “efeito guilhotina” o
terror psicológico que contagia e vai aumentando à medida que o exame se aproxima.
Soares (2002b) salienta que no ano antecedente a sua realização, o vestibulando pode
sofrer vários distúrbios físicos e psicológicos e até mesmo, depressão.
O Laboratório de Informação e Orientação Profissional da UFSC (LIOP)
desenvolve o serviço de Orientação ao Vestibulando (OV) cujo objetivo é auxiliar os
candidatos do Processo Seletivo a lidarem de forma mais saudável com suas ansiedades
e expectativas frente ao exame Vestibular. Tais grupos destinam-se a redução da
ansiedade, da angústia e do medo que surgem durante o período de preparação para o
Vestibular, bem como na “cena da prova”. São conhecidos também por outros nomes:
Projeto Cuca-Fresca (SOUGEY; MEDEIROS; BRITO, 2001), Preparando para o
Vestibular (PPV), Vencendo o Medo, Grupos de Ansiedade, Grupo de Avaliação da
Experiência do Vestibular (GAEV) e mais recentemente é que foram chamados de OV
(SOARES, 2002b).
Este serviço vem sendo consolidado com a realização de diversos estudos e
pesquisas, as quais integram teoria e prática em Orientação Profissional, ampliando a
atuação desta área da Psicologia, neste caso, para o desenvolvimento de um modelo
para a prática da OV via Internet. O presente artigo tem a finalidade de relatar os
processos de OV presencial e via Internet e marcar em que medida eles se tangenciam.
GRUPOS DE OV PRESENCIAL
A orientação ao vestibulando é realizada em grupo variando entre de 8 a 12
horas disponíveis. As técnicas escolhidas e o número de encontros podem variar de
acordo com a necessidade de cada grupo.
Quanto ao número de participantes, este pode variar entre 8 a 15 participantes,
possuindo um coordenador de grupo - orientador e um observador participante, sempre
que possível.
Nos encontros iniciais, Soares (2002a) salienta a importância do orientador
buscar um conhecimento de cada jovem em particular e dessa maneira, ser capaz de
elaborar um diagnóstico inicial da situação específica de cada jovem, isto é, poder
responder a questão: quais fatores estão gerando ansiedade neste jovem.
As técnicas para redução da ansiedade encontram-se descritas, sobretudo, em
Soares (2002b) e possuem como objetivos, abordar vários aspectos desta problemática:
“ a) a ansiedade diante do exame (analisar os motivos, o medo de ser reprovado, as pressões sociais e familiares, a
discrepância entre o número de candidatos e o número de vagas); b) discutir com os jovens, seguindo a idéia de Rubem
Alves (1984), que a solução socialmente mais justa seria o “sorteio” para o ingresso na universidade, analisando a
situação injusta que se configura no vestibular; c) trabalhar exercícios de relaxamento auxiliando o jovem a sentir-se
mais calmo e tranqüilo no momento da prova; d) mostrar, por meio da identificação com os colegas, que eles não são os
únicos a experienciarem esse sentimento de fracasso; e e) recordar junto com os jovens os seus momentos de sucesso,
experiências nas quais saíram vencedores e avaliar como conseguiram tal resultado” (SOARES, 2000, p. 28-29).
Uma das técnicas adotadas neste trabalho como instrumento de avaliação é a Técnica do
Cartaz, utilizada inicialmente pelos cubistas e dadaístas no início do século XX
(SOARES e KRAWULSKI, 1999). Esta tem como objetivos propiciar o trabalho de
temas importantes no processo de OP de forma descontraída e lúdica. Possui ainda a
finalidade de facilitar e dinamizar processos de associação e expressão de elementos
pré-conscientes e inconscientes que são provocados pelos materiais oferecidos ao
sujeito.
No primeiro momento da técnica, o jovem observa o material que dispõe e tem
contato com a realidade por meio deste material (revistas, jornais, fotografias). Já no
segundo momento, o jovem vai explicar o material produzido. A tarefa do coordenador
é estimular o jovem a atribuir sentido aos diferentes elementos da colagem
relacionando-os com a problemática vocacional (SOARES & KRAWULSKI, 1999)
Em pesquisa realizada para avaliar este procedimento (D`Ávila e Soares, 2002)1
à partir dos 31 jovens inscritos (29 eram do sexo feminino e 2 do sexo masculino com
idade entre 17 e 25 anos) para a realização dos grupos de OV, formaram-se cinco
grupos. Para participar, o jovem deveria concordar em participar da pesquisa e
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido conforme aprovado pelo
Comitê de Ética da UFSC.
Os grupos de OV presenciais foram realizados na clínica-escola da UFSC nas
salas de grupo. Foi aplicado no início e no final do grupo o Inventário de Ansiedade
Traço-Estado (IDATE) a fim de obter uma medida quantitativa da variável ansiedade. O
resultado do teste constatou uma significativa diminuição na ansiedade dos jovens. O
relato destes também confirmou os dados numéricos e a efetividade do serviço
oferecido.
GRUPOS DE OV VIA INTERNET
Com o intuito de criar um modelo de atendimento de grupos de ov via Internet,
realizou-se uma pesquisa-piloto, Pimentel e Soares (2004)2 dos recursos gratuitos
disponíveis on line a fim de fornecer o suporte necessário para a comunicação entre
orientador-vestibulandos e dar suporte para a realização de algumas técnicas adaptadas
para o uso virtual.
Os principais recursos utilizados para suporte dessa pesquisa foram os
programas MSN Messenger para a interação entre orientador-orientandos, fotolog,
banco de dados de imagens e o programa paint brush. Todos esses programas
possibilitaram a comunicação entre os participantes e orientador numa sala de chat do
programa MSN e permitiram que algumas técnicas artísticas, como por exemplo a
técnica do cartaz, relatada acima, pudesse ser realizada por meio virtual.
Participaram da pesquisa seis pré-vestibulandos de diferentes regiões do país que
se inscreveram por meio de um formulário disponível na homepage do LIOP –
www.liop.ufsc.br, onde obtiveram informações sobre o trabalho que seria desenvolvido
e concordaram com o Termo de Consentimento para Participação em Pesquisa.
A técnica intitulada Retrato do Vestibular constitui uma adaptação da técnica
presencial do Cartaz. O programa Paint Brush é um recurso artístico virtual que se
1 Pesquisa financiada pelo PIBIC/CNPq 2002-2003
assemelha ao papel, lápis e tintas utilizadas presencialmente ao compor uma obra. A
livre expressão possibilita a projeção, suscitando dessa forma conteúdos conscientes e
inconscientes. O estudante retrata em um cartaz como é o vestibular para si, solicita-se
ao vestibulando que desenhe livremente no programa referido o retrato do vestibular.
Após realizar o desenho, o sujeito envia através do programa MSN Messenger o arquivo
com sua obra para ser debatida com o coordenador.
A linguagem escrita predominante na comunicação virtual suscitou a idéia de se
criar uma técnica chamada Metáfora do Vestibular. Cegalla (2002) pontua que a
metáfora é uma figura de linguagem possibilitando a expressão de uma palavra ou idéia
por meio de uma comparação com outra palavra com significado semelhante ou com
alguma característica em comum. É uma forma de expressão muito rica, pois propicia
que vários assuntos mais delicados e difíceis sejam abordados de maneira mais delicada
e sutil. O ato de escrever através desse recurso facilita a comunicação dos jovens com os
orientadores, ampliando as possibilidades de compreensão do processo pelo qual estão
vivenciando. Essa técnica utilizou um texto de Rubem Alves, publicado no livro “O
amor que acende a Lua” chamado “Como o milho para a pipoca”. Após ler o texto, o
jovem deveria colocar-se no lugar da pipoca e escrever sobre si mesmo, como se fosse
um milho, de acordo com o texto sugerido.
Exemplo da metáfora criada por um dos estudantes durante a realização dessa técnica:
Pipoca
Viver como milho não é o desejo de ninguém. Achar um jeito de sair do
“casulo” e se transformar em um lindo floco de pipoca se tornou um objetivo fixo de
muita gente. Sentir-se uma pipoca no meio branco parece ser lindo e muito inspirador.
Mas eu preferiria ser o milho que não estourou. Não estourou mas continua a existir, e
também tem sua função. Ele é diferente de todos, e tem sua vida mais longa pois não
será comido de imediato, talvez usado na próxima pipoca, talvez dado às galinhas, mas
seu destino é diferente de todas as outras pipoca ingeridas naquele momento. Ser uma
pipoca parece ser inspirador ou profundo, mas ser milho é mais tocante, mais difícil, já
q ele é um em vários flocos de pipoca. Pode parecer inútil, mas sem ele a pipoca não
existe, pode parecer feio, mas dentro dele esconde uma linda alma branca q se chama
2 Pesquisa financiada pelo PIBIC/CNPq 2003-2004
pipoca. Beleza interior conta também, viu?, E além do mais, o que seria do azul se
todos gostassem do amarelo, os milhos são muito apreciados pelas galinhas!
Baseado na realização dos atendimentos-piloto, da aplicação das técnicas
estudadas, e da avaliação deste modelo pelas pesquisadoras, constatou-se que houve
alívio da ansiedade frente ao exame vestibular, e o serviço de orientação ao
vestibulando via Internet é viável.
Os encontros virtuais - atendimento-piloto - proporcionaram aos sujeitos um
aumento de consciência acerca de suas angústias e medos frente ao vestibular e,
possibilitando a criação de estratégias próprias para diminuir suas ansiedades. A
avaliação escrita dos participantes foi bastante positiva, confirmando a possibilidade de
se realizar orientação efetiva via Internet.
CONCLUSÃO
Por meio da proposta de oferecer um serviço de OV presencial e via Internet
para a redução da ansiedade do vestibulando, a pesquisa realizada objetivou desenvolver
e adaptar técnicas para serem utilizadas nos grupos presenciais e via Internet. Num
primeiro momento foram realizados grupos com o objetivo de avaliar a eficácia das
técnicas utilizadas em processo de orientação ao vestibulando de forma presencial.
Foram realizados 5 grupos durante o mês antecedente ao vestibular. Avaliou-se no final
dos encontros que as técnicas utilizadas mostraram-se eficazes no alívio da ansiedade
possibilitando aos estudantes uma ressignificação do vestibular, integrando sentimentos
ambivalentes: aprovação e reprovação e na avaliação final as participantes consideraram
a orientação eficiente por ter sido realizada em grupo e pelo compartilhar de
experiências.
Num segundo momento foi realizado um estudo dos recursos virtuais gratuitos
disponíveis, a adaptação das técnicas e o experimento das mesmas em atendimentos-
piloto on line. Os principais recursos utilizados foram os programas messenger (msn)
para a interação entre orientador-orientando, fotolog, banco de dados de imagens e o
programa paint brush. A avaliação dos sujeitos que participaram do atendimento-piloto
confirmou a possibilidade de realizar OV via Internet e as técnicas adaptadas
funcionaram na prática. Concluímos que é viável a realização desse tipo de trabalho,
pois os estudantes de várias regiões do país podem se beneficiar sem precisar sair de
casa. A foto do orientador e do vestibulando que aparecem no programa MSN
Messenger permite um contato mais pessoal entre as partes. As desvantagens desse tipo
de trabalho são em relação ao tempo despendido na conversa, pela necessidade de ter
que digitar as idéias e a velocidade dos dedos não ser a mesma das falas e/ou
pensamento. A falta de contato pessoal/presencial implica em algumas carências que
poderiam auxiliar o psicólogo a perceber melhor os sentimentos da pessoa a ser
atendida.
As pesquisas realizadas no LIOP mostram que as duas modalidades de
atendimento em OV, presencial e via Internet, aproximam-se em seu objetivo de
redução da ansiedade, e, diferenciam-se essencialmente pela natureza distinta da
comunicação. Há outras diferenças e semelhanças a serem marcadas, mas que não
ocorreram pela ausência de critérios para avaliar a interação estabelecida em cada
modalidade. Outras investigações poderão contribuir para suprir essa demanda, não
apenas na área de Orientação Profissional, mas também na própria Psicologia.
REFERÊNCIAS ALVES, R. O fim dos Vestibulares. In: Folha de São Paulo. São Paulo, 1995. ALVES, R.O Amor que Acende a Lua. Campinas: Papirus, 2003 CEGALLA, D. P. Novíssima gramática da língua portuguesa. Companhia Nacional, 2002.
D`AVILA, G. T. e SOARES, D. H. P. Orientação ao Vestibulando: aliviando a ansiedade no mês anterior ao Exame. Relatório Final de Atividades. PIBIC/UFSC/CNPq. (não publicado). Florianópolis, 2003.
PIMENTEL, R.G E SOARES, D.H.P. Avaliação da metodologia de orientação ao vestibulando para alívio da ansiedade aplicada on line. Relatório Final de Atividades. PIBIC/CNPq. (não publicado). Florianópolis, 2004.
SOARES, D. H. P. A escolha profissional: do Jovem ao Adulto. São Paulo: Summus, 2002a.
SOARES, D. H. P. “Como trabalhar a ansiedade e o estresse frente ao vestibular”. In: LEVENFUS, R. S.; SOARES, D. H. P. Orientação Vocacional Ocupacional: novos achados teóricos, técnicos e instrumentos para a clínica, a escola e a empresa. Porto Alegre: ArtMed, 2002b. SOARES, D. H. P. e KRAWULSKI, E. O desenvolvimento de novas técnicas em orientação Profissional no LIOP. In: LASSANCE, M. C. P. (Org.) Técnicas para o trabalho em Orientação Profissional em Grupo. Porto Alegre: Ed. da Universidade (UFRGS), 1999. SOUGEY, M. da C. P.; MEDEIROS, J. M. do N.; BRITO, S. Programa Vestibular Cuca Fresca. In: Anais do IV Simpósio Brasileiro do Orientação Vocacional & Ocupacional; I Encontro de Orientação Profissionais do Mercosul. São Paulo: Vetor, 2001.