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Rosemeri Melo e Souza Sindiany Suelen Caduda dos Santos Eline Almeida Santos (Organizadoras) Metodologias Aplicadas em Comunidades

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Rosemeri Melo e Souza

Sindiany Suelen Caduda dos Santos

Eline Almeida Santos

(Organizadoras)

Metodologias Aplicadas em Comunidades

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VIVÊNCIAS E PRÁTICAS SOCIOAMBIENTAIS: metodologias aplicadas em comunidades

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2015

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Rosemeri Melo e Souza Sindiany Suelen Caduda dos Santos

Eline Almeida Santos (Organizadoras)

VIVÊNCIAS E PRÁTICAS SOCIOAMBIENTAIS:

Metodologias aplicadas em comunidades

São Cristóvão-Sergipe

GEOPLAN/CNPq/UFS

2015

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Rosemeri Melo e Souza Sindiany Suelen Caduda dos Santos

Eline Almeida Santos (Organizadoras)

Analee Cruz Alves, Cláudio Jorge Moura de Castilho, Felippe Pessoa de Melo, Gênisson Lima de Almeida, Giane Florentino Rodrigues de Brito, Gicélia

Mendes, Judson Augusto Oliveira Malta, Luís Ricardo Rodrigues de Araújo, Maria do Socorro Ferreira da Silva, Miria Cássia Oliveira Aragão, Priscila de

Oliveira Rocha, Roberto dos Santos Lacerda, Selene Herculano, Thiago Valença e Silva

VIVÊNCIAS E PRÁTICAS SOCIOAMBIENTAIS:

Metodologias aplicadas em comunidades

São Cristóvão-Sergipe

GEOPLAN/CNPq/UFS

2015

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Todos os direitos autorais deste material são de propriedade dos autores. Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte. O conteúdo de cada artigo é de inteira responsabilidade do(s) autor (es). Livro aprovado pelo Conselho Editorial da Revista Acadêmico Mundo (ISSN 2318-1494).

Revisão de Originais e Revisão de Provas Leandro Carvalho de Almeida Gouveia

(Revista Acadêmico Mundo)

Capa Joelma Alves da Rocha e Eline Almeida Santos

Editoração Eletrônica

Josevaldo da Silva do Lago (site. http://www.academicomundo.com.br/revista.html)

Impressão e Acabamentos

Editora JM Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP).

Catalogação na Fonte

JM GÁFICA E EDITORA LTDA. CNPJ: 00.149.796/0001-49

Rua Vital Rego, 13, Barbalho, Salvador, Bahia, CEP 40301-090 e-mail: [email protected]

ISBN 978-85-60753-94-9

JM GÁFICA E EDITORA LTDA. CNPJ: 00.149.796/0001-49

Rua Vital Rego, 13, Barbalho, Salvador, Bahia, CEP 40301-090 e-mail: [email protected]

Brasil outubro de 2015 pela JM Editora CNPJ: 00.149.796/0001-49 e-mail: [email protected] Tiragem: exemplares.

MELO E SOUZA, Rosemeri; SANTOS, Sindiany Suelen Caduda dos; SANTOS, Eline Almeida. M528 Vivências e práticas socioambientais: metodologias aplicadas em comunidades/

Rosemeri Melo e Souza; Sindiany Suelen Caduda dos Santos; Eline Almeida Santos (org.) São Cristóvão, SE: GEOPLAN/CNPQ/ UFS, 2015.

200p.

1.Socioambiental 2. Metodologia 3. Comunidades I. Rosemeri Melo e Souza II. Sindiany Suelen Caduda dos Santos III. Eline Almeida Santos IV. GEOPLAN V. CNPQ VI. UFS

CDD: 333.793

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Sumário

Prefácio...............................................................................................................8

Apresentação...................................................................................................12

Capítulo 1 Aspectos Metodológicos e Epistemológicos para a Construção de Pesquisa Socioambiental................................................................................13 Selene Herculano

Capítulo 2 Universidade e Experiências de Participação no Espaço Urbano: Por uma Pedagogia Política em Territórios Vividos por Famílias Pobres.................27 Cláudio Jorge Moura de Castilho

Capítulo 3 Territorialidade e Pedagogia Griô: Caminhos para Pesquisa em Comunidades Tradicionais.............................................................................44 Gicélia Mendes Roberto dos Santos Lacerda Giane Florentino Rodrigues de Brito

Capítulo 4 Análise do Conteúdo: percurso metodológico na avaliação de sentidos da conservação em comunidades tradicionais.................................................60 Sindiany Suelen Caduda dos Santos Rosemeri Melo e Souza

Capítulo 5 A Pesca Artesanal na Ilha Mem de Sá: Metodologias Participativas e o Desvendar da Realidade – Imaginário...........................................................78 Miria Cássia Oliveira Aragão Rosemeri Melo e Souza

Capítulo 6 Mulheres das Marés: Metodologia Aplicada na Análise Geográfica do Trabalho Feminino na Pesca..........................................................................91 Eline Almeida Santos Rosemeri Melo e Souza Capítulo 7 Etnomapeamento dos Bancos Naturais de Sutinga (Mytella charruana) no Estuário do Rio Cajaíba-SE...........................................................................108 Analee Cruz Alves Felippe Pessoa de Melo Rosemeri Melo e Souza

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Capítulo 8 Uma Análise Fenomenológica das Comunidades Tradicionais no Litoral Sul de Sergipe................................................................................................121 Maria do Socorro Ferreira da Silva Gênisson Lima de Almeida Priscila de Oliveira Rocha Capítulo 9 O Papel dos Discursos na Disputa pelo Litoral Sul de Sergipe................139 Thiago Valença e Silva Rosemeri Melo e Souza

Capítulo 10 Comunidades Tradicionais e Territorialização: Metodologia Aplicada à Análise de Conflitos Territoriais...................................................................155 Luís Ricardo Rodrigues de Araújo Rosemeri Melo e Souza

Capítulo 11 Modelagem Geofísica: Subsídios para Gestão Ambiental em Garanhuns-PE....................................................................................................................171 Felippe Pessoa de Melo

Rosemeri Melo e Souza

Capítulo 12 Comunidade Escolar e Geotecnologias: Metodologia Interdisciplinar em Práticas Socioambientais.............................................................................188

Judson Augusto Oliveira Malta

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Prefácio

Ou escreves algo que valha a pena ler, ou fazes algo acerca do qual valha a pena escrever.

Benjamin Franklin

A acertada decisão deste coletivo de autores em registrar diversos

percursos de pesquisa socioambiental encontra ressonância na afirmação do

cientista Benjamim Franklin. Este coletivo assume a premissa de que se é para

enveredar pelo árduo exercício da escrita, que sejam apresentados ao público

escritos que revelem a validade do que foi feito acerca dos caminhos de

pesquisa trilhados pelos autores, navegando às margens dos preceitos

metódicos já estabelecidos, aventurando-se para águas mais profundas da

pesquisa.

Esta característica perpassa os capítulos do livro Vivências e Práticas

Socioambientais: metodologias aplicadas em Comunidades que tem por

eixo norteador a narrativa densa de experiências metodológicas na pesquisa

com comunidades, na mais ampla acepção que esta conceituação abarca, a

saber: tradicionais, urbanas, rurais ou periféricas.

Tal compromisso é desvelado no capítulo de abertura da obra, escrito pela

Drª Selene Herculano, Professora Titular do Departamento de Sociologia da

Universidade Federal Fluminense, intitulado Aspectos Metodológicos e

Epistemológicos para a Construção de Pesquisa Socioambiental, no qual

princípios da pesquisa, de ordem epistêmico-operativa são abordados com

propriedade e rigor acadêmico.

O segundo capítulo, Universidade e Experiências de Participação no

Espaço Urbano: Por uma Pedagogia Política em Territórios Vividos por

Famílias Pobres, foi escrito pelo Professor Associado do Departamento de

Ciências geográficas da Universidade Federal de Pernambuco, Dr. Cláudio

Jorge Moura de Castilho. Ele aborda a experiência vivencial e metódica

desenvolvida pelo Grupo MSEU (Movimento Sociais e Dinâmicas Espaciais) no

desenvolvimento de enfoques participativos no âmbito de uma pedagogia

política do encontro em territórios de famílias periféricas em Recife/PE.

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A problematização dos aspectos vivenciais na constituição dos caminhos

pedagógicos desveladores das territorialidades quilombolas foi o foco do

terceiro capítulo, escrito pela Drª Gicélia Mendes e pelos professores

doutorandos, Roberto dos Santos Lacerda e Giane Florentino Rodrigues de

Brito. As reflexões do capítulo Territorialidade e Pedagogia Griô: Caminhos

para Pesquisa em Comunidades Tradicionais suscitam novos olhares

acerca das tensões e preocupações peculiares da pesquisa nos territórios Griô.

Análise do Conteúdo: percurso metodológico na avaliação de sentidos

da conservação em comunidades tradicionais elaborado pela doutoranda

Sindiany Suelen Caduda dos Santos e pela Drª Rosemeri Melo e Souza aborda

os desafios de pensar e fazer pesquisa no contexto de comunidades

pesqueiras ante o dilema da conservação ambiental de seus territórios de vida.

Em seguida, a professora Msc. Miria Cássia Oliveira Aragão, socióloga da

Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL) e a Drª Rosemeri Melo e Souza

reconstroem caminhos de pesquisa étnico-vivencial no capítulo intitulado A

Pesca Artesanal na Ilha Mem de Sá: Metodologias Participativas e o

Desvendar da Realidade – Imaginário.

Dois capítulos contemplam as especificidades da tessitura de pesquisas

com recortes acerca da/na pesca. Mulheres das Marés: Metodologia

Aplicada na Análise Geográfica do Trabalho Feminino na Pesca, da

professora doutoranda Eline Almeida Santos e da Drª Rosemeri Melo e Souza.

Neste artigo, as autoras tecem uma discussão sobre os aspectos

metodológicos utilizados para a análise geográfica do trabalho feminino no

espaço da pesca artesanal, fundamentada no método fenomenológico.

Etnomapeamento dos Bancos Naturais de Sutinga (Mytella charruana)

no Estuário do Rio Cajaíba-SE, elaborado pela mestranda e engenheira de

pesca Analee Cruz Alves, pelo professor doutorando Felippe Pessoa de Melo e

pela Drª Rosemeri Melo e Souza faz o registro da experiência de mapeamento

de recursos vivos estuarinos, realizada em conjunto com os pescadores

ribeirinhos sergipanos.

Uma Análise Fenomenológica das Comunidades Tradicionais no

Litoral Sul de Sergipe foi escrito pela Drª Maria do Socorro Ferreira da Silva,

Gênisson Lima de Almeida e Priscila de Oliveira Rocha, ambos acadêmicos da

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graduação em geografia da Universidade Federal de Sergipe. Eles abordam

questões da existência no território e as disputas envolventes dos habitantes

de comunidades litorâneas do sul sergipano.

O Papel dos Discursos na Disputa pelo Litoral Sul de Sergipe constitui

ensaio elaborado sob a perspectiva hermenêutica pelos autores Thiago

Valença e Silva, licenciado em Geografia e a Drª Rosemeri Melo e Souza. O

artigo discorre acerca do papel dos discursos de diversos atores envolvidos

nas disputas territoriais no processo de criação de um espaço territorial

protegido litoral sul sergipano.

Comunidades Tradicionais e Territorialização: Metodologia Aplicada à

Análise de Conflitos Territoriais, capítulo de autoria do Mestre em Geografia

Luís Ricardo Rodrigues de Araújo e da Drª Rosemeri Melo e Souza, tematiza

acerca de procedimentos analíticos de um processo instaurado na esfera

federal para a implantação da Reserva Extrativista do Litoral Sul de Sergipe,

mapeando os impasses jurídicos e as práticas de apropriação territorial.

Concluem a obra dois capítulos que convidam ao olhar sobre a gestão do

espaço urbano em cidade do agreste pernambucano e da comunidade escolar

no processo de internalização das geotecnologias

Modelagem Geofísica: Subsídios para Gestão Ambiental em

Garanhuns-PE, escrito pelo professor doutorando Felippe Pessoa de Melo e a

Drª Rosemeri Melo e Souza, apresenta caminhos metodológicos para a adoção

de geotecnologias na gestão ambiental das cidades.

O capítulo de autoria do professor de geografia e doutorando Judson

Augusto Oliveira Malta sob o título: Comunidade Escolar e Geotecnologias:

Metodologia Interdisciplinar em Práticas Socioambientais enfoca os

desafios e as vantagens de adoção das geotecnologias pela comunidade

escolar na realização de experiências didáticas interdisciplinares.

Em suma, pode-se reafirmar a pluralidade das visões e dos sentidos

construídos pelos autores, como parte de uma senda demarcada pela poiesis,

a saber, pela adoção de olhares reconstrutivos das práticas de pesquisa,

exercidos com rigor científico e com a ousadia daqueles que vislumbram

pesquisa como processo de autoformação, (re)fazendo os caminhos no seu

próprio caminhar.

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Rosemeri Melo e Souza Professora Associada

Pesquisadora CNPq e FAPITEC Líder do GEOPLAN/UFS

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Apresentação

O método e os procedimentos metodológicos que escolhemos para

construção das pesquisas científicas constituem o cerne da produção de

resultados fidedignos. Pensando desta forma, a obra intitulada VIVÊNCIAS E

PRÁTICAS SOCIOAMBIENTAIS: Metodologias aplicadas em

comunidades, foi construída com o propósito de revelar a aplicabilidade de

métodos e de procedimentos metodológicos, quando o objeto de investigação

do pesquisador volta-se para comunidades, sejam elas tradicionais, urbanas,

rurais ou periféricas.

Para tanto, este livro consiste numa coletânea de artigos que foram

construídos pelos membros e professores parceiros do Grupo de Pesquisa em

Geoecologia e Planejamento Territorial (GEOPLAN), de maneira que o leitor

seja capaz de envolver-se na busca pelo método e ou procedimentos que

sejam adequados ao objeto de estudo escolhido e aos objetivos da

investigação científica particular.

Esta coletânea é destinada aos diversos leitores que tenham por interesse

iniciar ou dar continuidade as investigações científicas voltadas para

comunidades, partindo da ideia de que diversos podem ser os métodos e/ ou

procedimentos metodológicos a serem seguidos, mas que todos eles partem

de um rigor metodológico adequado a cada perfil de investigação.

Assim, de forma coletiva, os autores deste livro almejam que as

formulações teórico-práticas aqui descritas ampliem o leque de possibilidades

na investigação científica em comunidades, partindo das vivências e práticas

socioambientais experimentadas e reveladas.

São Cristóvão, Sergipe, julho de 2015.

Rosemeri Melo e Souza

Sindiany Suelen Caduda dos Santos

Eline Almeida Santos

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CAPÍTULO 1

ASPECTOS METODOLÓGICOS E EPISTEMOLÓGICOS

PARA A CONSTRUÇÃO DE PESQUISA

SOCIOAMBIENTAL

Selene Herculano1

Resumo

O artigo sumariza dois conceitos-chave propostos para um campo de um saber em construção, a epistemologia ambiental, focalizando os conceitos de complexidade e de sistemas, desenvolvidos respectivamente por Edgar Morin e por Donella Meadows; examina possibilidades e desafios da convergência de saberes acadêmicos (multi, inter e transdisciplinaridades) em prol de uma visão integradora sobre a problemática socioambiental; descreve um projeto em realização na Universidade Federal Fluminense - UFF acerca de um projeto realizado conjuntamente pela Arquitetura e pela Antropologia, focalizando o ensino do conhecimento arquitetônico sustentável de duas tribos indígenas tendo a eles próprios como professores.

Palavras-chave: Metodologia de pesquisa social. Epistemologia ambiental. Sistemas. Teoria da complexidade. Saber indígena.

METHODOLOGICAL AND EPISTEMOLOGICAL

APPROACHES TO SOCIOENVIRONMENTAL

RESEARCH

Abstract

1Selene Herculano é Professora Titular do Departamento de Sociologia e Metodologia das

Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense. Integra o corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito – PPGSD da mesma universidade. Edita a revista eletrônica VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade (www.uff.br/revistavitas); [email protected] / www.professores.uff.be/seleneherculano

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This paper focuses on two key concepts of the field known as environmental epistemology, namely complexity and systems, proposed by Edgar Morin and by Donella Meadows each; it discusses possibilities and challenges of a convergence of academical knowledge (multi, inter and transdisciplinarities) to better face socioenvironmental studies.it finishes by describing a project held at Universidade Federal Fluminense – UFF that took Architecture and Social Anthropology as partners of an experience of learning some sustainable architecture skills of two Brazilian tribes, taught by themselves. Keywords: Methodology for social sciences. Environmental epistemology. Systems. Theory of complexity. Indigeneous skills.

“Partimos do reconhecimento do caráter multidimensional do fenômeno do conhecimento; do reconhecimento da obscuridade escondida no coração de uma noção destinada ao esclarecimento de todas as coisas; da ameaça vinda do conhecimento […] de uma crise característica do conhecimento contemporâneo, sem dúvida inseparável da crise do nosso século […] a descoberta de que o conhecimento comporta sombras, zonas cegas, buracos negros”. (MORIN, 2005: 23)

Se uma fábrica é destruída, mas a racionalidade que a produziu se mantém, esta racionalidade produzirá uma nova fábrica. Se uma revolução destrói um governo, mas os modelos de pensamento sistêmico que produziram tal governo ficam intactos, eles se reproduzirão. Fala-se tanto em sistema e se entende tão pouco. (Robert PIRSIG, Zen e a arte de manutenção de motocicletas, apud MEADOWS)

1 Introdução

Este artigo está dividido em três seções. Na primeira seção, resenho

brevemente alguns autores que propuseram ir-se além dos limites

epistemológicos consagrados para se refletir sobre o conhecimento, em

especial sobre questões socioambientais; na segunda conceituo inter, multi e

transdisciplinaridade e aponto alguns equívocos metodológicos e

epistemológicos na elaboração de teses que se propõem interdisciplinares e

que versam sobre temas socioambientais; na terceira, trago o exemplo de uma

experiência atual de construção pluridisciplinar e transcultural na UFF

(Universidade Federal Fluminense), com adoção de práticas indígenas para

uma arquitetura sustentável.

Por metodologia refiro-me a seus dois significados: (1) o arcabouço teórico-

conceitual, isto é, as lentes escolhidas para calibrar o olhar e fazer a análise,

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bem como (2) as técnicas de contato com a empiria social, com o objeto

examinado (questionários, entrevistas, observação participante, registros

documentais e audiovisuais etc.). Por epistemologia, este ramo da filosofia que

trata literalmente da ciência do conhecimento (episteme), refiro-me ao processo

anterior à escolha do arcabouço teórico-conceitual e que o produz. Processo

que envolve tudo aquilo que recorta, limita e define a capacidade de conhecer:

os sentidos físicos, os sentimentos, as crenças, a realidade socio-político-

econômica-cultural etc.

Os autores escolhidos pertencem ao universo das reflexões que animam

uma epistemologia ambiental em construção e tem um ponto em comum, o

foco na complexidade e a busca metodológica-epistemológica sobre seu

estudo, e cuja proposta é a de mudar o modo de vermos o mundo a fim de

corrigir rumos: Edgar Morin e Donella Meadows.

Edgar Morin2 (1921-) teve uma formação pluridisciplinar em Direito, História

e Geografia e é considerado a um só tempo como sociólogo, filósofo e

antropólogo. É professor emérito do CNRS (Centre National de La Recherche

Scientifique), com um passado como miltante da Resistência Francesa e do

partido comunista. Tem dezenas de livros sobre o pensamento complexo,

epistemologia e educação. Donella Meadows (1941-2001), química e biofísica,

é descrita por seus biógrafos como cientista ambiental. Ela integrou o grupo do

M.I.T (Massachusetts Institute of Technology) que pesquisou as questões

ambientais mundiais entre 1968-1971 e que resultou no Relatório Meadows e é

mais conhecida entre nós como co-autora de Limites do Crescimento, o livro

baseado naquele relatório e que inspirou os debates da Conferência de

Estocolmo 72 (United Nations Conferenceon Human Environment - UNCHE)

sobre o ambiente humano; também foi co-autora de Além dos limites;

Dinâmicas de crescimento em um mundo finito. Foi também membro do

System Dynamic Group do M.I.T. e do Sustainability Institute.

2 Tentando novas perspectivas

2 https://www.google.com.br/#q=edgar+morin

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O conhecimento é peninsular, escreveu Morin, está ligado ao continente do

qual faz parte. Conhecer é um ato ao mesmo tempo biológico, cerebral,

espiritual, lógico, linguístico, cultural, social, histórico. Não pode ser dissociado

da vida humana e da relação social. Morin nos lembra também dos preceitos

kantianos a respeito dos limites intransponíveis do conhecimento, pois não

conhecemos as coisas em si – noumenos - e sim os fenômenos, sua

exterioridade. A partir destas observações ele vai mencionar a “tragédia da

complexidade”, que diz respeito à impossibilidade e, todavia à imperiosa e

inescapável necessidade de totalização, de unificação, de síntese.

Morin também critica os paradigmas da ciência dominante, que preceituam a

neutralidade do sujeito, ou seja, sua indeterminação e quase inexistência.

Morin se opõe a isto: conhecer o processo do conhecimento, incluindo nele o

sujeito, é a sua proposta, que ele define como “o retorno complexo de uma

realidade simples” (2005b:318). Este processo de conhecimento do

conhecimento ele o batizou de “noologia” (do grego νοός, mente, inteligência,

alma), uma ciência da inteligência do sujeito, e elegeu a bricolagem como “o

verdadeiro rosto da racionalidade complexa” (2005b, p. 362). A bricolagem,

este processo de colagem de micropeças diversas que comporão um mosaico,

Morin o vê como a representação da “organização viva”, um sincretismo

variável de quatro lógicas complementares, concorrentes e sinérgicas: a

centralizadora-hierárquica (competição-dominação-subordinação), a

policêntrica-poliárquica (especialização), a anárquica (sinergia sem

necessidade de controle, acêntrica) e a ecológica. Não existiria, para ele, uma

lógica organizacional simples da vida, existe uma polilógica, isto é, uma

bricolagem (2005b:362).

A bricolagem de Morin faz lembrar a metáfora do caleidoscópio-sociedade e

a questão de que metáforas podem ter sentido duplo e contrastante. O

caleidoscópio tem sido ilustração ambivalente para a realidade social e o

decifrar de sua lógica. Ora exemplifica o aspecto aleatório dos fatos sociais, em

que a aparente harmonia e composição dos desenhos esconde na verdade

uma combinação aleatória de fragmentos dançantes de vidro, ora, ao contrário,

ilustra a ideia de que as partes soltas e supostamente desconexas se

organizam em uma ordem tornada possível pela lógica da estrutura presente

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no prisma de espelhos. Ou seja, a sociedade-caleidoscópio ora pode ser

entendida como uma racionalidade ilusória, apenas aparente e ex-post, em que

agentes atuam aleatoriamente, ora como tendo uma estrutura oculta que

organiza e explica a suposta aleatoriedade do movimento das partes. A

proposta de Morin implica em ver que são ambas, ao mesmo tempo.

Os livros de Morin são uma proposta de análise questionadora da própria

epistemologia, uma análise enciclopédica, original e instigante. Porém

sustentamos que não nos oferece propriamente uma metodologia de pesquisa

para as ciências sociais, mas um estado de espírito, uma atitude. Ele questiona

paradigmas, aponta para a necessidade de nos abrirmos para uma reflexão

complexa de uma realidade complexa. Contudo, a força das teorias, base da

metodologia científica, reside na simplificação da realidade a uma ou poucas

variáveis para que se possa examiná-las em atuação (hipóteses) e confirmá-las

na prática (tese). Como conciliar teoria e complexidade?

Morin responde a isto escrevendo que:

Uma teoria não é o conhecimento, ela permite o conhecimento […] não é uma chegada, é a possibilidade de uma partida […] não é uma solução, é a possibilidade de tratar um problema (MORIN etalli, s.d., 23).

Morin propõe a atitude do viajante, com olhos abertos a tudo e sem se

apegar. Propõe uma estratégia que se abra para o imprevisto e a novidade,

que reconheça que a verdade não é inalterável, que as ideias são apenas

construções. Sua proposta é mais um alerta pedagógico sobre a necessidade

de uma educação para uma sociedade-mundo, para uma planetarização (não

confundir com a globalização, que seria meramente a mundialização das

dimensões econômicas e tecnológicas).

Parece-me que as análises de Morin guardam convergência com a noção de

dialógica, sem acordos finais, mas que se propõe a um conhecimento mútuo,

plural. Vejamos como Sennett (2013) a resume.

Em outro registro, tratando sobre a vida social cooperativa e de trocas,

Sennett apresenta as diferenças entre a fala dialética e a dialógica, ao destacar

as diferenças na construção de políticas de esquerda, a saber a esquerda

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política, de cima para baixo, do Estado, e a esquerda social, de baixo para

cima, da sociedade civil. A grosso modo essas variações da “política de

esquerda” teriam a ver com falas diferenciadas: a fala dialética, que busca

chegar a um entendimento comum e que se afinará em uma síntese (esquerda

política); a fala dialógica, cunhada por Bakhtin, para uma conversa que não se

propõe chegar a um acordo final, e sim possibilitar uma compreensão

recíproca, um conhecimento mútuo. A primeira pressupõe um comando e

regras; a segunda, horizontal, se configura na informalidade. Habermas definiu

a fala dialógica, base da razão do mesmo nome, como atributo do mundo

vivido, lebenswelt, e que seria a base do agir comunicativo, ombro a ombro, em

lugar do agir estratégico, vertical, do mundo como sistema. A questão que

Habermas nào parece ter visto é que mundo vivido e sistema não são mundos

separados.

Estudar sistemas foi a proposta de Meadows: ela manuseava um Slinky em

suas aulas, aquela mola de brinquedo, longa e colorida, que parece mover-se

sozinha. Apertava a mola nas mãos, soltava-a e a mola ganhava movimento

como se fosse um bichinho. “O que a fez mover-se?”, perguntava aos seus

estudantes. “Sua mão”, era a resposta. Ela então pegava a caixa de

embalagem da mola, apertava-a em sua mão, soltava e nada acontecia. A

resposta não estava na mão e sim na mola. As mãos que a manipulavam

suprimiam ou acentuavam um comportamento latente na estrutura da mola. E

assim ela ilustrava suas aulas sobre estrutura e comportamento dos sistemas.

Sistema é um conjunto de coisas – pessoas, células, moléculas -

interconectadas de tal forma que produzem um padrão de comportamento

próprio ao longo do tempo. Um sistema está coerentemente organizado de

modo a realizar alguma coisa. Decompondo: sistemas consistem em

elementos, interconexões e função ou propósito. Estes propósitos não são

necessariamente os intencionais dos seus atores individuais, mas o que surge

desta combinação. Meadows exemplificava: uma universidade tem como

propósito inventor preservar o conhecimento e transmiti-lo a novas gerações; o

objetivo do seu estudante é ter boas notas, do professor alcançar estabilidade

de cátedra, do seu administrador equilibrar o orçamento. Cada um desses

propósitos pode conflitar com o propósito maior, pois estudantes colam,

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professores negligenciam aulas para escrever papers e pontuar no curriculum,

o administrador de uma universidade particular pode equilibrar contas

despedindo professores etc.

Os elementos sistêmicos mudam e são o que seria menos importante (a não

ser que a troca de elementos implique em mudança de relações ou de

propósitos): um time de futebol muda de componentes, uma árvore renova

suas células, a universidade é um fluxo mutante de estudantes e de

professores. Mas cada um destes se mantém como time, árvore, universidade.

Todavia, se as interconexões mudam, o sistema se altera significativamente.

Se na universidade os debates forem através da força e não da razão, já não

será uma universidade; se a árvore passar a consumir oxigênio e expelir

dióxido de carbono já não será uma árvore e sim um animal. Da mesma forma,

se os propósitos mudarem também o sistema muda: se a universidade se

propuser a fazer dinheiro ou ganhar nos esportes, seu propósito de disseminar

conhecimento se perde. Sistemas se estendem no tempo, com estoques de

elementos (países tem populações), fluxos (nascimentos e mortes) e

mecanismos de regulação que buscam a estabilidade sistêmica mas que nem

sempre funcionam. (Um país pode se esvaziar por guerras, epidemias,

desertificação etc.).

No pensamento sistêmico deixamos de buscar saber se a causa b, mas se b

também influencia a e se a se reforça ou sofre reversão: uma área de solo

erodido dificultará o crescimento das plantas, que em consequência terão

raízes mais fracas e que, portanto, não segurarão o solo etc. O jeito usual e

antigo de analisar, de construir linhas entre causa e efeito, de dividir o todo em

peças compreensíveis é insuficiente e enganoso. Se alguém diz que

crescimento populacional causa pobreza, devemos também perguntar se

pobreza causa crescimento populacional. Na visão sistêmica não se busca a

causa e sim os drivingfactors, os fatores que agem como detonadores: que

fatores econômicos, ambientais e sociais influenciam fertilidade e mortalidade?

Que fatores do crescimento populacional influenciam os fatores econômicos,

ambientais e sociais? A partir daí, identificar os leverage points, os pontos de

alavancagem importantes para iniciar uma mudança pretendida.

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Sistemas estão dentro de sistemas, que estão dentro de sistemas e assim

sucessivamente. Se não levarmos isso em conta, soluções isoladas podem ser

ineficazes: em exemplo nosso, a dengue é transmitida por um mosquito

infectado, mas matá-lo não soluciona o problema sistêmico que o reproduz, o

do adensamento humano pobre conjugado com saneamento inexistente, falta

de higiene e de políticas sanitárias.

Reestruturar os sistemas nos quais vivemos, identificar pontos de

alavancagem para a mudança foi o que Meadows buscou. Ela tratou de

situações dinâmicas que consistem em sistemas complexos, buscando

compreender como problemas interagem entre si. Em resumo, ela ensinava a

examinar as interconexões e a se guiar pela pergunta “e se?”.

Em resumo: sustentamos que a complexidade conceituada por Morin no

plano epistemológico encontra sua possibilidade de operacionalização na

metodologia da compreensão sistêmica ensinada por Meadows. Isso implica,

todavia, no encontro e diálogo das diversas ciências e saberes práticos, o que

está proposto nos esforços interdisciplinares e na pretensão transdisciplinar.

Passemos a examinar esta possibilidade.

3 Paralelismos e convergências

Todo o acima exposto nos leva a examinar quais as possibilidades de

convergência ou de cooperação de saberes fragmentados acerca de cada

driving fator, ora como síntese, ora como conhecimento mútuo. De acordo com

Naomar de Almeida Filho (1997), haveria seis formas diferentes de

aproximação dos saberes: a multidisciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a

metadisciplinaridade, a interdisciplinaridade auxiliar, a interdisciplinaridade, e a

transdisciplinaridade:

Na multidisciplinaridade temos um conjunto de disciplinas que tratam simultaneamente de uma dada questão, problema ou assunto, sem que os profissionais implicados estabeleçam entre si efetivas relações no campo técnico ou científico. Nela há uma justaposição de disciplinas, sem uma cooperação sistemática entre os diferentes campos disciplinares e a coordenação, quando existente, é de ordem administrativa, na maioria das vezes externa ao campo científico. O exemplo dado pelo autor versa sobre as práticas ambulatoriais tradicionais, ou no acompanhamento de pacientes hospitalizados, quando os profissionais da saúde

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trabalham isoladamente, cada um na sua competência, sem intercâmbio e sem cooperação.

Na pluridisciplinaridadehá objetivos comuns e um certo grau de cooperação mútua e uma perspectiva de complementaridade. Por exemplo: ainda na área da saúde, as reuniões clínicas onde casos de pacientes são discutidos por algum supervisor ou chefe de serviço, trocando-se informações de diversos profissionais; as mesas-redondas ou painéis de diferentes especialistas sobre um mesmo tema, etc… A pluridisciplinaridade pode assim, portanto, ser entendida como uma prática interna a um campo e suas subdisciplinas.

A metadisciplinaridade se dá quando “a interação e as inter-relações entre as disciplinas são asseguradas por uma metadisciplina que se situa em um nível epistemológico superior”, que não funciona como coordenadora, mas como integradora do campo metadisciplinar. O exemplo de Almeida Filho são as matemáticas e o uso de sua linguagem formalizada de comunicação científica aplicada pelas diversas disciplinas. No que diz respeito as ciências sociais, a metadisciplinaridade pode ser exemplificada pela presença da Economia como catalisadora das interpretações sobre o mundo sócio-político-cultural.

Quanto a interdisciplinaridade, Almeida a desmembra em interdisciplinaridade auxiliar, salientando uma relação assimétrica: “diferentes disciplinas interagem sob a dominação de uma delas, que se impõe enquanto campo integrador e coordenador”. O exemplo ainda nos vem da área da saúde, entre as chamadas disciplinas paramédicas e a medicina.

A segunda forma de interdisciplinaridade, a interdisciplinaridade tout court, seria “estrutural, com tendência à horizontalização das relações de poder entre os campos” e implica na identificação de uma problemática comum, levantamento de uma axiomática teórica e/ou política básica e uma plataforma de trabalho conjunto.

Por último, a difícil questão da transdisciplinaridade, que adviria da criação de um campo teórico, operacional ou disciplinar de tipo novo e mais amplo. Nele há “a integração de disciplinas de um campo particular sobre a base de uma axiomática geral compartilhada”. A coordenação seria dada por uma finalidade comum, haveria a tendência à horizontalização de poder e este novo campo desenvolveria uma autonomia teórica e metodológica diante das disciplinas que o compõem. (ALMEIDA, 1997,5-20)

As questões ambientais, nos seus aspectos globalizantes, holísticos,

sistêmicos, complexos, vêm impondo a necessidade de estudos que construam

uma aproximação e trabalho comum entre as ciências da natureza e as

ciências sociais e entre estas e os saberes práticos. Funtowicz denominou tal

encontro de “comunidade ampliada de pares”. Algumas destas confluências

são fáceis, como no caso da Geografia, que passa a examinar:

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ajustes/desajustes da relação sociedade/natureza através das temáticas da

água (inundações, secas, energia), da erosão (natural e antrópica), do solo

(sistemas agrícolas), do subsolo (mineração); ou no caso da Demografia,

estudando a pressão demográfica sobre o espaço, a influência das doenças e

epidemias na dinâmica populacional etc. Todavia, a aproximação com as

ciências empíricas ou da natureza vem sendo difícil pelo lado da Sociologia,

que lida mal com os fatores biofísicos, por receio de recair no argumento

determinista. A Sociologia está no estágio da metadisciplinaridade, no sentido

de que se pauta por outras disciplinas já consagradas, a Matemática, ao

introduzir o cálculo como elemento de verdade e a Economia, ao tomar a

hegemonia da produção como fator explicativo da sociedade. Mas recusa a

questão biofísica, embora tenha no seu nascimento pautado-se por um

paradigma organicista. Mas que era abstrato, apenas uma metáfora para uma

sociedade com harmonia interfuncional.

No campo mais restrito das ciências sociais – Sociologia, Ciência Política,

Antropologia Social, Psicologia Social, a interdisciplinaridade é hoje praticada,

embora com certo cuidado em manter fronteiras que na verdade são recortes

para defesa de territórios e de reservas profissionais, fronteiras que não se

sustentam quando observamos sua bibliografia comum. E que tornam as

escolhas dos jovens mais difíceis, por terem de decidir prematuramente se irão

entrar no curso de sociologia ou de antropologia social, apresentados como

saberes separados. Por outro lado, pensadores como Morin são apresentados

de várias maneiras: antropólogo, sociólogo, filósofo. Um dos nossos maiores

economistas, Celso Furtado, era diplomado em Direito.

Mas é a temática socioambiental que encoraja a formação de um campo

novo, de encontro e cooperação entre os diferentes saberes que lhe dizem

respeito. Tanto assim que nos Estados Unidos Donella Meadows ficou

conhecida como cientista ambiental. No caso brasileiro, esta nova temática tem

inspirado a criação de alguns programas de pós-graduação interdisciplinares,

que foram desenhados como este espaço desejado de cooperação e de

integração dos diferentes saberes afetos ao meio ambiente, tais como:

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Biologia, Ecologia, Medicina, Ciências Sociais, Engenharia, Direito, Química,

Filosofia etc3.

No entanto, até onde me foi dado conhecer teses e dissertações

desenvolvidas sob a chancela de programa único e de cunho interdisciplinar,

cada uma delas se atém a um único aspecto da sua seara e, quando procura

levar em conta mais de um enfoque disciplinar, costuma fazê-lo em menções

em planos paralelos, que não se integram. Então, hipoteticamente, à guisa de

exemplo, um programa de pós-graduação interdisciplinar sobre ambiente e

sociedade poderá abrigar uma tese sobre doenças ambientais (por vetores) e

outra tese sobre alterações no uso do solo, sem que se procure investigar a

interconexão entre os temas. Ou uma mesma tese pode versar sobre a

ocorrência de desastres ambientais e a criação de uma institucionalidade para

enfrentá-los, fazendo-o como capítulos independentes, sem procurar ligá-los,

deixando de analisar, por exemplo, fatores que limitam a eficácia institucional,

tais como as restrições de renda no acesso à terra urbana aedificandi.

Como salientou Morin, falta reconhecer a complexidade – do real e dos

saberes – pelos “cientistas burocratizados” formados por modelos clássicos de

pensamento, que enclausuram e fragmentam o saber, que separam o homem

da natureza e que revestem o conhecimento científico de esoterismo. Na

corrente inversa desta tendência descrevemos a seguir uma iniciativa

inovadora realizada pela UFF.

4 Um exemplo na UFF:

Desenvolve-se na Universidade Federal Fluminense - UFF o projeto Museu

Vivo e Arquitetura Bioclimática (Maloca) como Saber Indígena, que une

conhecimentos da academia e da cultura popular em prol de uma arquitetura

sustentável e mais conectada com a natureza4. Registrado na Pró-Reitoria de

Pós-Graduação, Pesquisa e Inovação (Proppi), foi oficializado com o grupo de

3 Ver o trabalho “Programas de Pós-Graduação em Ciências Ambientais e similares no Brasil –

uma listagem preliminar”, feito por José Augusto Drummond e Andreia Schroeder. Revista Ambiente e Sociedade, NEPAM, Campinas, ano I, número 2, 1º semestre de 1998, pp. 139 – 149. 4 http://www.uff.br/?q=noticias/23-02-2015/cultura-indigena-viva-na-uff

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pesquisa Transculturalidade e Paisagem, com apoio da UNESCO, em

cooperação técnica com a Universidade de Paris 8 (Saint-Denis) por meio do

Programa Capes-Cofecub (Comitê Francês de Avaliação da Cooperação

Universitária com o Brasil). Faz parte do Seminário Transculturalidade e

Partilha da Verdade Universitária e também se liga ao projeto-conjunto de

pesquisa “A Estética Transcultural na Universidade Latino-Americana” do

antropólogo transcultural francês Jacques Poulain, professor emérito da

Universidade de Paris 8 e presidente da cátedra de Filosofia da Cultura e das

Instituições da Unesco. Sua Coordenadora, a arquiteta e antropóloga Dinah

Papi de Guimarães (EAU e PPGAU), destaca que o conteúdo teórico e prático

se afina com a Lei nº 11.645, de 2008, que tornou obrigatória a inclusão, nos

conteúdos didáticos do estudo da história e culturas afro-brasileiras e indígenas

e com a orientação do Ministério da Educação para que esses saberes orais e

tradicionais indígenas sejam considerados no mesmo patamar que os

conhecimentos classicamente ministrados na academia. Um outro exemplo,

citado pela Professora Dinah, é a disciplina “Artes e Ofícios dos Saberes

Tradicionais”, ministrada por um docente índio Kamayurá na Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. Na experiência da UFF o

projeto realizou a construção de duas ocas no Campus da Praia Vermelha

(Niterói), como protótipos da arquitetura bioclimática, inspirada em teóricos

como Severiano Mário Porto, expoente da arquitetura regionalista, e com aulas

práticas ministradas em parceria com índios Guarani e de etnias do Alto Xingu

(como os Kamayurá, Baniwa, Yawalapiti, Aweti e outros). Cada oca ilustrando

um saber diferente de construção xinguana e guarani: a oca guarani tem uma

estrutura de madeira de lei, eucalipto e caibros de madeira, com cobertura de

sapê; axinguana utiliza uma estrutura baixa de eucalipto, madeira de lei, um

trançado de bambu e amarrações da estrutura feita com embira kamayurá e

cobertura de sapê. Neste caso para resistir às chuvas. Cada etapa da

construção foi pontuada por rituais, rezas e cânticos acompanhados por flautas

xinguanas, como forma de respeito aos antepassados nativos, e a fim de

purificar e “abrir” os caminhos para a boa conclusão da obra. Por ocasião de

seu desmonte, a edificação passará por novos rituais.

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“Quando você trabalha com cultura indígena, leva em conta a

cosmovisão, se despe do eurocentrismo e vê pela lógica do índio. Quando ele faz um estudo de território, pergunta primeiro aos antepassados daquela terra, para saber o que querem. Estabelece um ‘diálogo’ e presta conta para eles, porque os antepassados e os mais velhos são considerados professores para os indígenas. É um passado que é vivo. Por isso, é importante ter um entendimento e uma comunhão de vozes entre essas culturas e a parte acadêmica, levar tudo isso em conta” (Carol Potiguara, índia, historiadora graduada pela UFF e integrante do projeto).5

A professora Dinah sublinhou o enfoque intercultural e transcultural dialógico

que inspira o projeto, buscando não apenas a inclusão do indígena, mas

também o reconhecimento do saber dos índios pela universidade.6

O exemplo aqui narrado é uma bela iniciativa que integra antropologia,

arquitetura e ambiente urbano. O ensinamento indígena nele descrito não se

limita ao plano das práticas ambientais dos saberes tradicionais, mas aponta

também para uma proposta de se ressignificar o ato de construir na sua

dimensão simbólica e na sua sacralidade, aspectos abandonados pela

racionalidade moderna. Esperemos que nossos alunos não só os percebam,

como possam incorporá-los em sua futura vida profissional.

Referências

ALMEIDA FILHO, N. Transdisciplinaridade e Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz. Revista Ciência e Saúde Coletiva II (1/2), 1997, pp 5 – 20.

FUNTOWICZ, S. &RAVEtz, J. Ciência Pós-normal e comunidades ampliadas de pares face aos desafios ambientais. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, História, Ciências, Saúde, vol IV (2), 1997, pp 219 - 230.

HABERMAS, J. Théorie de L'AgirCommunicationel, Tome II. Trad.J.L. Schlegel. Paris: Fayard, 1987.

MATURANA, H. & VARELA, F. L' Arbre de laConnaissance: racinesbiologiques de lacompréhensionhumaine. Paris/ Ed. Addison-Wesley, 1994.

5 http://www.uff.br/?q=noticias/23-02-2015/cultura-indigena-viva-na-uff

6 Fonte:http://www.uff.br/?q=noticias/23-02-2015/cultura-indigena-viva-na-uff, capturado em 19

de maio de 2015

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MEADOWS, Donella.Thinking in systems. Diana Wright (ed.). Vermont. Sustainability Institute, 2008 (kindle edition).

MINAYO, M. Cecília. O desafio do conhecimento. São Paulo;Rio de Janeiro: Hucitec/Abrasco, 1996.

MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1998.

MORIN, Edgar. O método 2 – a vida da vida. Porto Alegre: Sulina,2005b.

MORIN, Edgar. O método 3 – o conhecimento do conhecimento. Porto Alegre: Sulina, 2005.

MORIN, Edgar, MOTTA, Raul e CIURANA, Emilio-Roger. Educar para a era planetária – o pensamento complex como método de aprendizagem no erro e na incerteza humanos. Porto Alegre: Instituto Piaget, Coleção Horizontes Pedagógicos, s.d.

SENNETT, Richard. Juntos – os rituais, os prazeres e a política da cooperação. Rio e São Paulo: Record, 2013.

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CAPÍTULO 2

UNIVERSIDADE E EXPERIÊNCIAS DE PARTICIPAÇÃO

NO ESPAÇO URBANO: POR UMA PEDAGOGIA

POLÍTICA EM TERRITÓRIOS VIVIDOS POR FAMÍLIAS

POBRES1

Cláudio Jorge Moura de Castilho2

Resumo

Busca-se, neste texto, encorajar o pensamento sobre os avanços das conquistas das experiências de participação da Universidade no espaço urbano, através da reflexão crítica sobre as práticas do grupo de pesquisa Movimentos Sociais e Espaço Urbano (MSEU) junto a movimentos sociais em Recife/Brasil. A estrutura deste texto baseia-se em resultados das experiências práticas e teóricas acumuladas pelo MSEU. Mostrou-se, ao final, que as inter-relações resultantes da reaproximação entre Universidade e movimentos sociais estão esboçando possibilidades concretas do estabelecimento de uma pedagogia política em territórios vividos da cidade, o que se faz relevante para a concretização do desenvolvimento territorial. Palavras-chave: Universidade. Comunicação. Sociedade. Pedagogia política.

UNIVERSITY AND PARTICIPATIVE EXPERIENCES IN

THE URBAN SPACE: FOR A POLITICAL PEDAGOGY IN

LIVED TERRITORIES BY POOR FAMILIES

Abstract

1 Reflexão realizada com base no conteúdo de uma conferência proferida na Universidade de

Catania (Sicília/Itália), em maio do ano de 2015, durante a realização de atividades naquela instituição, na condição de Professor Visitante junto ao TEMA European Master Course/EuropeanTerritories (Civilization, Nation, Region, City): Identity and development. 2 Doutor em Géographie Aménagement du Territoire Urbanisme. Professor Associado do

Departamento de Ciências Geográficas da Universidade Federal de Pernambuco, atuando nos Programas de Graduação em Geografia e Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Coordenador do grupo de pesquisa Movimentos Sociais e Espaço Urbano, [email protected].

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This text encourages the thinking towards the progress of the achievements of the University participatory experiences in the urban space, through a critical reflection on the practices of research’s group Social Movements and Urban Space (MSEU) whithin social movements in Recife/Brazil. The structure of this text was based mainly on results of the theorical and practical experiences accumulated by MSEU. Finally, it showed that the inter-relationships between University and social movements are outlining concrete possibilities of establishing a political pedagogy in lived territories of the city, which is relevant to the achievement of the territorial development. Keywords: University. Communication. Society. Political pedagogy.

1 Palavras Iniciais

O objetivo principal deste texto é pensar sobre os avanços das conquistas

obtidas através das experiências de participação da Universidade no espaço

urbano, o que será feito, sobretudo, pela reflexão relativa às práticas do grupo

de pesquisa Movimentos Sociais e Espaço Urbano (MSEU) junto a movimentos

sociais em Recife/Brasil.

Tais práticas acham-se no âmbito do que se está chamando aqui de

“pedagogia política”, a qual pressupõe a concretização de uma práxis, isto é,

de ações que articulam, dialética e dialogicamente, teoria e prática em uma

perspectiva interdisciplinar e complexa do processo de produção do espaço

urbano no curso da sua dinâmica histórica.

Partindo do pressuposto de que essa perspectiva deve abranger todas as

manifestações da vida humana, leva-se em conta, de imediato, a visão de um

dos grandes artistas do século XX. Isso porque se faz necessário resgatar a

relevância da dimensão política, dentre outras do conjunto das atividades

humanas, visto que a ciência não está sozinha no mundo.

O que seria um artista para você? Um deficiente que só possui olhos se for pintor, só ouvidos se for músico, só uma cítara para todos os estados de ânimo se for um poeta. Ou mesmo só músculos se for camponês? Mas isso só não é suficiente! Ele é ao mesmo tempo um ser político, que vive constantemente consciente dos acontecimentos mundiais destrutivos, problemáticos e alegres, formando-se em todos os seus sentidos segundo sua imagem. Como seria possível não ter nenhum interesse pelos outros seres humanos enclausurando-se em uma torre de marfim, indiferente à vida que nos é oferecida de maneira tão abundante? Não, a pintura não foi

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inventada para decorar apartamentos. Ela é a única arma de ataque e de defesa do inimigo. (PABLO PICASSO, 2015, tradução nossa)

É este espírito, também presente nas artes3 e na ciência, que tem movido o

exercício da pedagogia política que o MSEU – grupo de pesquisa de uma

universidade pública – está tentando construir, para o que, aliás, tem-se

pensado e refletido, permanentemente, acerca de metodologias adequadas à

realização das suas atividades.

A metodologia deste texto fundamentou-se, notadamente, em resultados das

atividades de leituras e debates sobre teorias dos movimentos sociais, sempre,

na sua relação com o mundo, bem como nas lições aprendidas com os

próprios sujeitos desses movimentos durante as diversas experiências

realizadas além das fronteiras da Universidade.

Diante do acima exposto, apresentam-se, primeiramente, os princípios

fundamentais do papel da Universidade junto aos movimentos sociais; em

segundo lugar, as bases teóricas das atividades realizadas; em terceiro, a

escolha metodológica; e, em quarto, as considerações finais.

2 Princípios fundamentais do papel social da Universidade

Para cumprir com seu papel social, a Universidade deve, portanto, resgatar

o exercício efetivo da práxis, isto é, promover a reaproximação permanente

entre teoria e prática no que concerne à sua postura no âmbito da sociedade

na qual se acha inserida, construindo e aperfeiçoando a pedagogia política.

Somente nesse sentido é que a Universidade terá condições de contribuir

para o efetivo desenvolvimento territorial para todos, que é o que se está

buscando. É com base nesta ideia que se formula a hipótese segundo a qual

sem uma mudança cultural efetiva não se conseguirá concretizar este

3 Pier Paolo Passolini, grande cineasta italiano do século XX, também, se colocava como

intelectual/escritor definindo-se como pessoa que procurava seguir tudo o que acontecia no mundo, acompanhando os processos inerentes ao local e ao extralocal e articulando os fragmentos da realidade a fim de reconstituir a lógica do presente descortinando o mistério, a confusão e a arbitrariedade do mundo obtuso, fascista e consumista (VIVA PASSOLINI, 2015). Segundo Morin (2014, p. 43 e 45), enfim, ensaios, romances, cinema, etc. mostram-nos o que está invisível na ciência – a qual tem ocultado a existência das pessoas – “cantando” os sofrimentos dos humanos submetidos aos imperativos da racionalidade técnica e instrumental do capitalismo selvagem.

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desenvolvimento, o qual possui como ponto de partida o fortalecimento do

território como espaço vivido pelas pessoas. Isso porque, segundo Santos

(1997, p. 258), é

No lugar, nosso Próximo [...] – um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas e instituições – cooperação e conflito são a base da vida em comum. [...] O lugar é o quadro de uma referência pragmática ao mundo, do qual lhe vêm solicitações e ordens precisas de ações condicionadas, mas é também o teatro insubstituível das paixões humanas, responsáveis, através da ação comunicativa, pelas mais diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade.

A Universidade começa, portanto, a romper as fronteiras que a têm levado a

adotar posturas lineares e conservadoras, notadamente no que diz respeito à

sua prática. Essa mudança é reforçada, em seu interior, pelas diversas

posturas complexas e progressistas que, felizmente, existem e criam novas

práticas quando seus atores se reaproximam do cotidiano compartido pelas

diversas classes sociais, consolidando suas teorias e metodologias no sentido

de uma práxis efetivamente concreta.

Nessa perspectiva, o processo de luta das ocupações urbanas tem atraído

diversos intelectuais, os quais, a partir das instituições públicas a que

pertencem, passaram a reforçar tais atividades, principalmente após o

processo epistemológico ocorrido nos anos 1970 na geografia urbana

brasileira. Com efeito,

A luta pela apropriação da terra urbana pelas camadas mais pobres da sociedade também despertou o interesse dos geógrafos críticos, levando-os inclusive a participar, de forma engajada, desse processo. [Em 1982, estudos] chamaram a atenção para o significado (teórico e empírico) das invasões [hoje, ocupações] organizadas de terrenos, que cada vez mais ocorriam nas cidades brasileiras. (ABREU, 1992, p. 63)

Com isso, a Universidade aprendeu a fazer ciência, sempre engajada, na

perspectiva de, pelo menos, “aliviar a miséria da existência humana” tal como

defendido por Alves (2000, p. 217), buscando concretizar a meta do

desenvolvimento territorial.

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3 Em busca de bases teóricas adequadas à criatividade

Partindo do pressuposto de que já se tem refletido sobre tais questões, o

MSEU realiza, concomitantemente, uma profunda revisão da literatura sobre as

relações dos sujeitos sociais com a sociedade na qual se formam, resgatando

considerações interessantes e pertinentes para o momento atual, feitas por

grandes pensadores do século XX.

Uma primeira consideração, nesse sentido, possui como ponto de partida o

fato de que, compreendendo que não se pode separar o homo faber do homo

sapiens,

Todos os homens são intelectuais [...]; mas nem todos [...] desempenham função social de intelectuais na sociedade [...]. O que se nota é que, historicamente, formam-se categorias especializadas no exercício da função intelectual, em conexão com os grupos sociais mais importantes, sofrendo influências amplas e complexas inerentes aos interesses do grupo social dominante [...]. (GRAMSCI, 1996a, p. 11, tradução nossa)

É interessante pensar sobre essa função de intelectual, na medida em que,

segundo o mesmo autor, ela possui caráter diretivo e organizativo, ou seja,

educativo, intelectual. Isso para estimular a reflexão sobre as possibilidades

concretas da formação desse intelectual – Geógrafo, Professor de Geografia,

etc. – nos diversos territórios do seu acontecer histórico. Por isso,

Cada homem, enfim, além da sua profissão, realiza alguma atividade intelectual, sendo assim um ‘filósofo’, um artista, um homem de bom gosto, participa de uma concepção de mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, sustentando ou modificando uma concepção de mundo, isto é, suscitando novos modos de pensar. [...] O modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloquência, dirigindo afetos e paixões exteriores e momentâneas, mas na diversidade da vida prática, como construtor, organizador, ‘persuasor permanente’ porque não se trata de puro orador – é ainda superior ao espírito abstrato matemático; da técnica-trabalho chega à técnica-ciência e à concepção humanista da história, sem a qual se permanece ‘especialista’ e não se torna ‘dirigente’ (especialista + político). (GRAMSCI, 1996a, p. 18, tradução nossa)

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Daí a preocupação do MSEU com a necessidade de se reforçar o papel

político dos sujeitos, das classes e das instituições sociais no processo

histórico de produção do espaço urbano, considerando e respeitando os

diversos saberes envolvidos. Mas o que é esse papel político? Aproximando-se

do que disse Picasso a este respeito, na entrevista citada mais acima,

O político é um criador, um provocador, mas ele não cria do nada, ele se move para o vazio dos desejos e sonhos escuros. Fundamenta-se sobre a realidade efetiva [atual], mas o que é essa realidade efetiva? [...] É aquela movida pela vontade de criar um novo equilíbrio das forças realmente existentes e operantes, baseando-se em uma determinada força progressiva, e potencializando-a para o triunfo, a partir do terreno da realidade efetiva, mas para dominá-la e superá-la (ou contribuir para isso). O ‘dever ser’ é, portanto, concretude, é a interpretação realista e historicista da realidade, é a história e a filosofia nos seus aconteceres, é política. (GRAMSCI, 1996b, p. 34, tradução nossa)

Esta perspectiva teórica da dimensão do político na vida não somente

aproxima-se significativamente da que Freire (1983) defendeu em sua

Pedagogia do Oprimido, como da dimensão prática das atividades

institucionais denominada, por ele, de comunicação. Para o que, aliás, a

educação na perspectiva da “cabeça bem-feira” – contraria à da “cabeça cheia”

ou “bancária” – desempenharia papel fundamental, isto é,

[...] se a educação é essa relação entre sujeitos cognoscentes, mediatizados pelo objeto cognoscível, na qual o educador reconstrói, permanentemente, seu ato de conhecer ela é necessariamente, em conseqüência, um quefazer problematizador. A tarefa dos educadores então, é a de problematizar aos educandos o conteúdo que os mediatiza, e não a de dissertar sobre ele, de dá-lo, de estendê-lo, de entregá-lo, como se se tratasse de algo já feito, elaborado, acabado, terminado. (Ibidem, p. 56)

Da mesma maneira, então, em que se considera tal perspectiva no âmbito

das práticas de ensino e pesquisa dentro da Universidade, procura-se,

também, levá-la para fora desta instituição, isto é, colocando-a em prática

durante e a partir da realização das atividades do MSEU junto aos movimentos

sociais.

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Isso nos tem levado não somente a rever continuamente nossas posturas

teóricas e práticas, como as metodológicas, buscando, sempre, aperfeiçoar o

processo da construção de uma práxis efetivamente comprometida com o

desenvolvimento territorial.

4 Metodologia, sempre, em construção

No curso da sua existência, o MSEU tem aprendido que não existe uma

metodologia, mas metodologias, no processo de comunicação entre

Universidade e sociedade. Isso, principalmente, porque cada forma de

movimento social exige posturas metodológicas específicas, no espaço e no

tempo, além do que os movimentos sociais constituem processos tão

escorregadios que não se consegue defini-los e conceituá-los de maneira

precisa e simples.

Da mesma maneira, quando se reaproxima do cotidiano dos sujeitos em

seus territórios vividos, faz-se necessário estabelecer diálogos entre os

saberes e as várias posturas metodológicas existentes, o que acontece em

função da complexidade desses espaços.

Apresentar-se-á, a partir de agora, experiências do MSEU ocorridas

diretamente junto a diferentes práticas de movimentos sociais – aqui sendo

considerados, também, como sujeitos – em seus territórios, ao nível mais local

dos movimentos sociais, isto é, em processos de: ocupação de terrenos na

cidade; mobilização contra práticas urbanísticas de expulsão de moradores; e

protestos contra a baixa qualidade das construções dos conjuntos habitacionais

recebidos pelas famílias pobres relocadas, através das ações do Programa de

Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSHIS), gerido pela Prefeitura do

Recife.

Também, apresentar-se-á uma experiência da qual o MSEU não tem

participado diretamente, mas que tem acontecido em uma escala mais global, a

da cidade, encorajando a realização de uma crítica profunda à atual lógica de

produção do espaço urbano em nossas cidades. Trata-se do caso do

movimento Ocupe Estelita.

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34

4.1 Metodologia para atividades de ocupação de terrenos na cidade

Resgatando a dimensão política das práticas sociais, no âmbito de uma

pedagogia política, faz-se necessário começar pela realização de oficinas para

discussão sobre os problemas a serem enfrentados4. Tais oficinas possuíram

como objetivos principais: suscitar a compreensão da “natureza” do processo

de produção do espaço urbano; identificar os principais agentes e atores do

processo de produção do espaço urbano; e estimular a reflexão sobre o papel

desempenhado pelos movimentos sociais no processo de produção do espaço

urbano que lhes interessa, em algum sentido.

No que diz respeito à dinâmica das oficinas realizadas, utilizou-se da:

distribuição de folhetos de convocação dos sujeitos para as reuniões

comunitárias (Figura 1); discussão dos seus problemas, baseada nos temas

geradores extraídos diretamente dos discursos proferidos durante as reuniões,

utilizando-se das suas próprias falas (solidariedade, união, mobilização,

conquista, etc.); e realização de atividades práticas, utilizando-se de imagens e

materiais manipulados para a formulação de representações sobre seus

problemas cotidianos relativos à conquista do direito à cidade.

Figura 1: Folheto para mobilização.

Fonte: Estudantes do MSEU (2010)5.

Esta experiência de comunicação chegou a elaborar e apresentar aos

moradores da Ocupação, dois planos de construção: o primeiro, visando à

organização do espaço do “bairro”; e o segundo, o das casas (Figura 2) a

4 “Pensando a cidade a partir do território vivido: a cidade vista do lado de cá!” é o título do

primeiro projeto de comunicação do MSEU, realizado em 2010 na ocupação Josué de Castro (CASTILHO, 2011). 5 Nota: o conteúdo deste material foi elaborado com base nos problemas e nas discussões

estabelecidos no processo de ocupação do terreno na cidade.

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serem construídas para os ocupantes do território em pleno movimento de

conquista.

Figura 2 – Plano de construção do “bairro” (à esquerda) e das casas (à direita). Fonte: Professora e estudantes do Curso de Arquitetura do ESUDA, então membros do MSEU,

(2010)6.

Com efeito, vale reiterar que as atividades do MSEU sempre se pautaram no

respeito aos saberes dos sujeitos envolvidos nos movimentos sociais, condição

sine qua non para a concretização necessária do diálogo entre os saberes

defendido por Leff (2009).

4.2 Metodologia para mobilização social contra a expulsão de moradores

Há, atualmente, em nossas cidades, vários projetos de expulsão de

moradores pobres dos seus territórios vividos; os quais foram retomados,

sobretudo, em momentos específicos inerentes ao processo de produção do

espaço urbano, isto é, naqueles em que os interesses de caráter higienista e

gentrificador tornaram-se mais explícitos.

Contudo, quando tais projetos ameaçam territórios de sujeitos que

adquiriram cultura de mobilização social, no curso de suas histórias de vida na

cidade, suas práticas de contestação conseguem, pelo menos, atrapalhar os

interesses dominantes, na medida em que resistem e conseguem permanecer

em seus territórios.

6 Nota: fez-se primeiramente um esboço, que foi apresentado e discutido com os moradores do

território, os quais sugeriram modificações que foram contempladas, na perspectiva que se aproxima do que se tem chamado de “produção social do habitat”.

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36

A Universidade, junto a diversas outras instituições sociais (Figura 3), tem

atuado de maneira significativa no que concerne ao esclarecimento dos

interesses que estão por detrás dos projetos acima citados, isto é, daqueles

que buscam reconquistar espaços que se valorizam economicamente na

cidade. Neste caso, o papel do MSEU consistiu, principalmente, em dar

suporte, sem nenhum tipo de dirigismo, ao processo de mobilização das

famílias que moravam em áreas do entorno do Canal Ibiporã (bairro Coque-

Recife), junto ao movimento Coque (R)Existe e a outras instituições sociais.

Figura 3 – Universidade no Coque.

Fonte: acervo do MSEU (2013)7.

Nessa mesma perspectiva, outra atividade realizada pelo MSEU consistiu

em dar suporte às discussões iniciadas, também no ano de 2013, sobre as

possibilidades de expulsão de famílias, sempre pobres, dos seus territórios

para, em nome de uma questão de “utilidade pública”, viabilizar o projeto de

navegabilidade do rio Capibaribe.

O motivo da mobilização dos moradores do território Vila Santa Luzia (bairro

Torre-Recife) baseou-se, sobretudo, na dúvida sobre as reais possibilidades de

serem expulsos pelas obras de construção das estações fluviais e vias de

7 Nota: participação de membros do MSEU no processo de discussão do projeto de realização

de obras de retificação do canal Ibiporã e qualificação do entorno.

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acesso para integrar tais estações à malha urbana de transportes coletivos; o

que significaria desapropriações e expulsões.

Visando facilitar as discussões entre a Prefeitura e os moradores, o MSEU

propôs e apresentou aos moradores da Vila Santa Luzia uma representação

cartográfica da localização e distribuição espacial (Figura 4) dos diversos

territórios vividos existentes ao longo de um dos trechos do Rio, isto é, daquele

mais próximo dos sujeitos. Essa proposta pretendeu facilitar a compreensão da

posição do território Vila Santa Luzia no âmbito do problema discutido; bem

como suscitar o conhecimento da localização de outros territórios – que

poderiam estar vivenciando o mesmo problema – com os quais se poderia

promover atividades de articulação visando ao fortalecimento do processo de

mobilização, em uma dimensão para além do seu território.

Figura 4 – Territórios vividos em um trecho do Rio Capibaribe.

Fonte: Estudantes do MSEU, sob orientação do Coordenador do Grupo (2013)8.

Paralelamente, buscou-se, neste momento, aproveitar as bases de dados

elaboradas em outros grupos de pesquisas, a fim de desenvolver – não de

levar/estender sob os parâmetros de simples atividades de extensão – junto

aos movimentos sociais em ação, perspectivas concretas de articulação. Isso,

principalmente, com base em trabalhos de geoprocessamento realizados dos

territórios vividos existentes na cidade: ZEIS e não-ZEIS.

8 Nota: apesar do número considerável de territórios ao longo do Rio Capibaribe, não existem

práticas de cooperação entre os seus moradores.

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38

4.3 Metodologia para acompanhar revoltas de moradores contra a baixa

qualidade dos conjuntos habitacionais recebidos

O MSEU, também, aproximou-se de áreas dos novos conjuntos

habitacionais entregues às famílias pobres pela Prefeitura, através do PSHIS,

procurando, simultaneamente, dar suporte a reações contra a baixa qualidade

das construções. O que nos deixa indignado é que, sem nenhum diálogo,

continua-se a remover famílias pobres – com o apoio do Estado – para atender

os interesses de valorização econômica dos espaços dos quais tais famílias

são retiradas a fim de, posteriormente, serem ocupadas pelos agentes do

complexo dos capitais comercial, imobiliário e financeiro.

Os Conjuntos Habitacionais Palha do Arroz e Saramadaia (bairro Campo

Grande-Recife) são dois exemplos do desrespeito do atual PSHIS com relação

às famílias pobres (Figura 5). Mas quando essa postura de desrespeito é

percebida pelos seus moradores, geralmente, eles começam a mover-se a fim

de buscarem, pelo menos, algumas medidas de mitigação dos novos

problemas enfrentados.

Faz-se necessário reiterar que, para a realização das atividades acima

apresentadas, a estratégia metodológica da proximidade geográfica

desempenha papel fundamental. Contudo, segundo Santos (1997, p. 255)

[...] a proximidade que interessa ao geógrafo [...] não se limita a uma mera definição de distâncias; ela tem que ver com a contigüidade física entre pessoas numa mesma extensão [...] vivendo com a intensidade de suas inter-relações. [...] É assim que a proximidade pode criar solidariedade, laços culturais e desse modo a identidade.

Em sendo assim, esta proximidade geográfica é fundamental para se chegar

ao sonhado e desejado desenvolvimento territorial, para o que, ademais, tem-

se que extrapolar as lutas em escala local para as outras escalas do acontecer

histórico dos movimentos sociais.

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Figura 5 – Conjuntos Habitacionais Saramandaia (fotos superiores) e Palha do Arroz (fotos inferiores).

Fonte: acervo do MSEU (2015)9.

E é nesta perspectiva que se tem esboçado, em Recife – como em outras

cidades do Brasil e do mundo –, o movimento Ocupe Estelita, ou seja, um

movimento social mais abrangente, mobilizador da cidade como um todo, como

uma possibilidade de se discutir a cidade em sua totalidade.

4.4 Metodologia para lutas urbanas mais abrangentes: as perspectivas

criadas pelo movimento Ocupe Estelita

Este é, portanto, outro nível necessário das lutas urbanas contemporâneas,

que também deve ser considerado no âmbito das práticas de comunicação

entre Universidade e sociedade. O MSEU ainda não tem participado

diretamente da experiência do movimento Ocupe Estelita (Figura 6), porém não

pode negligenciá-la, sobretudo em função do seu papel no processo de

pressão social sobre o Estado, fazendo-o “rever” suas práticas no espaço.

9 Nota: observa-se que, apesar desses conjuntos terem sido entregues recentemente aos

moradores, há problemas como esgotos estourados, rachaduras das paredes dos blocos de apartamentos, reformas irregulares, etc.

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40

Como acima dito, o MSEU ainda não está participando diretamente deste

movimento tal como nos anteriores, muito embora o apoie e tenha muitos de

seus membros frequentando as atividades e os protestos realizados junto a

esta prática de luta social.

De qualquer maneira, este movimento é muito particular, na medida em que

é movido por uma rede de inter-relações entre grupos de pesquisa, cursos,

entidades, moradores, lideranças políticas, etc. constituindo referência para

qualquer outra luta urbana atualmente na cidade.

Figura 6 – Movimento Ocupe Estelita.

Fonte: imagens capturadas do Google (2015)10

.

Todavia, seria prudente desconcentrar as energias voltadas quase que

exclusivamente para esta – interessante – experiência. Isso, no sentido de

atender, talvez numa perspectiva de prevenção, outras “futuras” demandas de

sujeitos ameaçados – em bairros como Casa Amarela, Santo Amaro, etc. –

10

Nota: há, na área, um processo de mobilização permanente, que não está somente lutando pela preservação do patrimônio histórico local, mas, ao mesmo tempo, fazendo e reforçando uma crítica significativa ao atual modelo de construção da cidade; bem como questionando o discurso do “desenvolvimento” que, na verdade, é mero crescimento econômico em favor de quem sempre se beneficiou do modelo vigente de cidade.

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41

pelos interesses higienistas e gentrificadores inerentes a um modelo desigual

de cidade.

5 Conclusão e considerações finais

O MSEU tem acumulado conquistas interessantes, dentre as quais se

destacam as seguintes: reconhecimento e valorização da Universidade como

instituição pública que pode contribuir para as conquistas dos movimentos

sociais; aproximação entre teoria e prática dos movimentos sociais, visando à

concretização efetiva da práxis; envolvimento dos estudantes dos programas

de Graduação em Geografia e Pós-Graduação Geografia e Desenvolvimento e

Meio Ambiente nos problemas sociais, complementando sua formação não

somente como profissionais, mas, ao mesmo tempo, como educadores-

cidadãos; atualização do tema e do papel dos movimentos sociais no processo

de produção do espaço urbano trazendo-o novamente para a sala de aula;

reconhecimento da força dos movimentos sociais – em rede – no processo de

conquistas do direito à propriedade; identificação dos problemas existentes no

processo de mobilização social (apatia dos moradores, fragmentação social,

ameaças do tráfico de drogas, repasse dos imóveis); e tentativa de superação

da dependência dos coordenadores dos movimentos sociais com relação às

exterioridades, influências externas, etc.

Tais conquistas, decorrentes da prática da pedagogia política, são cruciais

para a construção do “território forte”, fazendo-se ainda necessário: recuperar

os “consensos” desfeitos; exercer a mobilização continuada no espaço e no

tempo; ultrapassar a escala local das lutas sociais em uma perspectiva

multiescalar; e, enfim, continuar procurando a mudança possível. Desse modo,

vale ressaltar que, como dizia Becker (1988, p. 183):

Espaço é poder. Como fonte e meio de vida, como dimensão material da sociedade, o espaço é condição da produção generalizada. Sua apropriação por diferentes atores implica na definição de territórios reconhecidos pelos demais.

Daí a contínua luta pelo espaço, sem o qual, aliás, não se consegue vida

digna na cidade. Contudo, de acordo com Harvey (2004, p. 304), a despeito de

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nada nos impedir de esforçarmo-nos no sentido de tornarmo-nos arquitetos do

nosso próprio destino – o que não se pode negligenciar em função mesmo da

nossa própria característica de termos vontade de criar – tem-se que ter em

mente que nenhum arquiteto é independente das contingências e limitações

inerentes às condições existentes de vida.

No mundo contemporâneo, tais contingências e limitações acham-se

vinculadas à racionalidade técnica instrumental do capitalismo perverso

(neoliberal) de produção dos espaços urbanos a qual deve ser combatida.

Referências

ABREU, M. O estudo geográfico da cidade no Brasil: evolução e avaliação. Contribuição à história do pensamento geográfico brasileiro. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 56, n. 1 e 4, p. 21-122, jan./dez. 1994.

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BECKER, B. K. Questões sobre tecnologia e gestão do território nacional. In: BECKER, B. K; EGLER, Claudio. (Org.) Tecnologia e gestão do território. Rio de Janeiro: UFRJ, 1988. p. 183-210.

CASTILHO, C. J. M. de. Nuevos rumbos del activismo socio-espacial en Recife-PE: comunidade Josué de Castro. La esperanza de la construcción de um nuevo território. New cultural frontiers on-line sociological review, n. 2, p. 63-86, 2011.

FREIRE, P. Extensão ou comunicação? 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

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GRAMSCI, A. Gliintellettuali e l’organizzazione della cultura. 3.ed. Roma: Editoririuniti, 1996a.

______. Note sul Machiavelli, sulla politica e sullo Stato moderno. 3.ed. Roma: Editoririuniti, 1996b.

HARVEY, D. Espaços de esperança. São Paulo: edições Loyola, 2004.

LEFF, E. O saber ambiental. Sustentabilidade. Racionalidade. Complexidade. Poder. Petrópolis, Vozes, 2009.

MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 21ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.

PABLO PICASSO E LE SUE PASSIONI, 2015, Catania, Exposição... Catania: Castello Ursino, 2015.

SANTOS, M. A natureza do espaço. Técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1997.

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VIVA PASSOLINI. Documentário. Capturado do Google, aos 24/05/2015.

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CAPÍTULO 3

TERRITORIALIDADE E PEDAGOGIA GRIÔ: CAMINHOS

PARA PESQUISA EM COMUNIDADES TRADICIONAIS

Gicélia Mendes1 Roberto dos Santos Lacerda2

Giane Florentino Rodrigues de Brito3

Resumo

Adentrar no ambiente sagrado das comunidades e experimentar as complexas variáveis que permeiam a vivência nestes territórios é a premissa básica deste artigo. De caráter bibliográfico, este estudo encontra lastro teórico nos estudos de Tönnies, Bauman, Litlle, Santos, Haesbaert, Raffestin, Diegues, Pacheco, Freire entre outros, objetivando caracterizar as territorialidades que retratam o emaranhado cultural existente nas comunidades tradicionais e os conhecimentos lá produzidos, visando sua sustentabilidade pela capacidade de extrapolar os espaços delimitados destes territórios. Neste sentido, para a tessitura deste artigo partimos dos conceitos de comunidades e territorialidades, para retratar nestes espaços de convivência as possibilidades de desenvolvimento de uma metodologia denominada de Pedagogia Griô. Os estudos nos permitiram concluir que a Pedagogia Griô constitui uma importante metodologia de participação popular com possibilidades de legitimar a cultura, disseminar os saberes, as transformações locais, as características herdadas e transmitidas de geração a geração nas comunidades tradicionais, estreitando laços e desvelando da memória individual e coletiva das pessoas, a sua ancestralidade.

Palavras-chave: Comunidades tradicionais. Territorialidade. Pedagogia griô.

1 Doutora em Geografia. Professora Adjunto do Departamento de Geografia da UFS.

Pesquisadora do GEOPLAN/UFS/CNPq e do LACTA/UFF/CNPq. [email protected] 2 Doutorando em Desenvolvimento e Meio Ambiente/UFS. Professor Assistente do

Departamento de Educação e Saúde da UFS. [email protected] 3 Doutoranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente/UFS. Professora da Escola de Aplicação

da UPE/Campus Garanhuns. [email protected]

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TERRITORIALITY AND PEDAGOGY GRIÔ: AVENUES

FOR RESEARCH IN TRADITIONAL COMMUNITIES

Abstract

To penetrate the sacred environment of communities and to try the complex variables that permeate the experience in these areas is the basic premise of this article. Of bibliographical, this study is theoretical ballast in studies of Tönnies, Bauman, Litlle, Santos, Haesbaert, Raffestin, Diegues, Pacheco, Freire and others, aiming to characterize the territoriality that portray the existing cultural tangle in traditional communities and knowledge produced there, aiming your sustainability by the ability to extrapolate the spaces bordered of these territories. Therefore, in the writing process of this article we start from key concepts of communities and territoriality, to portray the potential development in these living spaces of a methodology so-called Griô Pedagogy. The studies allowed us to conclude that Griô Pedagogy is an important methodology of popular participation with the possibility of legitimizing the culture, disseminate knowledge, local transformations, inherited characteristics and transmitted from generation to generation in traditional communities, strengthening ties and unveiling of memory individual and collective people, their ancestry. Keywords: Traditional Communities. Territoriality. Griô Pedagogy.

1 Introdução

GRIÔ Peço atenção dos senhores, Pra história que vou contar:

Falo das muitas pessoas Que vivenciam um mesmo lugar;

Que fortalecem a irmandade, Buscando a sustentabilidade

Nos recursos que ali há! Falo das comunidades Tradicionais em lutar,

Que para além da economia, Sustentam o seu dia-a-dia Com aquilo que a terra dá.

Perseguem a felicidade E suas artes, verdades,

Se perpetuam por lá!

Eis que surge um cantador, Genealogista e mediador Que com enorme fervor: Estimula a cultura e o amor. E os membros das comunidades, Caracterizam as territorialidades Da gente daquele lugar, Como as estrelas, a brilhar! Organizam rodas de conversa por idade, Juntam escola e comunidade Pra fortalecer a identidade. Valorizando saberes, Respeitam a essência dos seres E elaboram novos fazeres. E tudo que aqui se falou... Retrata a Pedagogia Griô! Giane Florentino

Pesquisar é “envolver-se com”. Imaginamos que poucos creem poder

pesquisar sem envolvimento. A partir do momento em que surge o interesse

por pesquisar determinado tema, a imparcialidade deixa de existir porque ai já

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se estabeleceu um elo com o objeto/elemento pesquisado. Mais forte ainda se

torna a ligação quando o nosso estudo está alicerçado no desejo de conhecer

a vivência de comunidades. Há os que discordem disto? Certamente. Mas o

que seria o nosso mundo se ele fosse feito apenas de concordâncias, não é?

Partindo, então, desta premissa trataremos neste texto de algumas das

questões que nos podem nortear quando adentramos no universo

complexíssimo da pesquisa com comunidades tradicionais. A complexidade

aqui é colocada no sentido de que há muitas variáveis que precisam ser

levadas em conta durante o processo de pesquisa. Variáveis que são externas

e internas ao pesquisador e internas e externas às comunidades pesquisadas.

Lembram-se de terem ouvido em algum momento da vida que devemos

“falar baixinho” ao entrarmos em ambientes sagrados? Pois bem, assim

devemos proceder no contato com comunidades tradicionais. Devemos chegar

com cuidado e pedindo licença para usarmos as nossas lentes foscas de

pesquisadores para, a partir delas, tentar explicar um pouco daquilo que

entendemos ser a vivência destes povos.

Aqui, em algumas poucas palavras, trazemos reflexões acerca da

Territorialidade e da Pedagogia Griô enquanto possibilidades de abordagens

metodológicas nas pesquisas com comunidades tradicionais.

A Pedagogia Griô surge como uma metodologia participativa que pode ser

bem utilizada nas comunidades tradicionais, haja vista seu potencial de

afirmação e valorização étno-cultural e racial de um povo. A referida

metodologia tem sua essência no protagonismo individual, na valorização da

ancestralidade e dos saberes locais, na congregação entre a educação formal

e a informal e suas ligações com a comunidade e, principalmente, no desvelar

das territorialidades individuais e do lugar, como mecanismo para legitimar os

valores econômicos, sociais e ambientais no espaço delimitado onde são

vivenciadas estas territorialidades.

Neste contexto, este artigo apresenta-se dividido em três seções mais as

considerações finais. A primeira seção trata dos conceitos de comunidades

tradicionais e suas relações com a transferência de geração a geração dos

saberes e outros valores materiais e imateriais do local. A segunda seção

apresenta os conceitos de territorialidades e a importância de sua identificação,

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como mecanismo de legitimação das comunidades tradicionais. Na terceira

seção, serão explicitadas as características, possibilidades de implementação e

as finalidades da Pedagogia Griô, como exemplo exitoso de metodologia de

participação popular desenvolvida no seio das comunidades tradicionais,

objetivando conferir sustentabilidade econômica, social, cultural e ambiental

pelo reconhecimento da identidade pessoal e coletiva da comunidade.

Assim, como a Territorialidade e a Pedagogia Griô, para viajar conosco

nestes curtos caminhos do texto, uma premissa é essencial: envolver-se.

2 Comunidades tradicionais e saberes locais

Há muito que o ser humano compreendeu a necessidade de viver e se

organizar em comunidade a fim de garantir que muitas de suas necessidades

sejam atendidas, a exemplo da segurança e do companheirismo. Em

comunidade, em muitos momentos, os anseios particulares precisam ser

desconsiderados para que o bem-estar geral prepondere.

Estar em comunidade, portanto, pressupõe estar em boa companhia, seguro

e protegido de todos os perigos, sortilégios ou, ao menos do maior número

deles. Ter sempre a certeza de poder contar com o outro, de ter apoio e

aconselhamento nas decisões e ancoradouro nas idas e vindas que a vida

pode apresentar. “[...] Numa comunidade, todos nos entendemos bem,

podemos confiar no que ouvimos, estamos seguros a maior parte do tempo e

raramente ficamos desconcertados ou somos surpreendidos. Nunca somos

estranhos entre nós” (BAUMAN, 2003, p.08).

O próprio nome comunidade já remete para todo este entrosamento: com +

unidade ou, comum + idade, caracterizando uma irmandade onde todos vivem

em favor do outro e/ou, em consonância com o outro. Assim, Tönnies (1973, p.

96), preceitua também que: “[...] tudo o que é confiança, intimidade e vida

exclusivamente em conjunto, compreende-se como vida em comunidade”.

Poderíamos entender comunidades tradicionais nestes mesmos sentidos,

mas o que nos parece é uma necessidade extrema que temos de dar

qualificativos às palavras, quiçá na tentativa de reforçarmos com eles o sentido

que elas tenham perdido ao longo do tempo.

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Em sendo “comunidade” necessitamos acrescentar o qualitativo

“tradicionais”. Pois bem, vamos às denominações.

O Decreto nº 6040, de 07 de fevereiro de 2007, que institui a Política

Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades

Tradicionais, em seu artigo 3º, compreende por:

I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (BRASIL, 2007).

Assim, comunidades tradicionais podem ser entendidas, como um grupo

fechado e independente e, para que possam se manter sob a perspectiva da

sustentabilidade, precisam adequar suas características às inter-relações com

o lugar e, principalmente, agregar às suas necessidades pessoais e coletivas

as atitudes de valoração, respeito e cuidado com o ambiente que as abriga.

Caracterizam, assim, seus territórios, pois deles dependem os recursos que

manterá a comunidade em níveis de funcionamento compatíveis com as suas

necessidades internas.

Não obstante, para a construção de uma comunidade, necessário se faz

inventariar os elementos ambientais, culturais e históricos que servirão de

constructo para a identidade dessa comunidade, conferindo-lhes legitimidade.

Diegues (2003) postula que a construção dessas comunidades está

intimamente relacionada à construção de sociedades sustentáveis o que, para

o referido autor, pressupõe pensar localmente, porém com resultados que

alcancem o nível macro das relações sociais.

[...] A construção de comunidades e sociedades sustentáveis deve partir da reafirmação de seus elementos culturais e históricos, do desenvolvimento de novas solidariedades, do respeito à natureza não pela mercantilização da biodiversidade mas pelo fato que a criação ou manutenção de uma relação mais harmoniosa entre sociedade e natureza serem um dos fundamentos das sociedades sustentáveis (DIEGUES, 2003, p. 01-02).

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Percebe-se que as relações entre a comunidade e o ambiente onde esta se

insere, configuram ainda mais a necessidade de estabelecimento das

territorialidades identitárias desta comunidade. Diegues & Arruda (2001)

afirmam que estas populações tradicionais convivem com esta biodiversidade,

e formulam nomes, classificação das espécies vivas. Esses autores destacam

este conhecimento como o conjunto de saberes e saber-fazer, não só do

mundo natural como o sobrenatural, transmitido oralmente de geração em

geração. Diegues (1996) é bastante assertivo ao esclarecer:

Comunidades tradicionais estão relacionadas com um tipo de organização econômica e social com reduzida acumulação de capital, não usando força de trabalho assalariado. Nela produtores independentes estão envolvidos em atividades econômicas de pequena escala, como agricultura e pesca, coleta e artesanato. Economicamente, portanto, essas comunidades se baseiam no uso de recursos naturais renováveis. Uma característica importante desse modo de produção mercantil (petty mode of production) é o conhecimento que os produtores têm dos recursos naturais, seus ciclos biológicos, hábitos alimentares, etc. Esse 'know-how' tradicional, passado de geração em geração, é um instrumento importante para a conservação (1996, p.87).

Diante da necessidade premente de garantir sustentabilidade e desenvolver

nas comunidades o sentido de preservação, possibilitando que os indivíduos

constituintes possam igualmente desenvolver suas potencialidades pessoais e

profissionais, torna-se salutar a necessidade de valorizar e legitimar seus

saberes, sendo este o desafio da contemporaneidade. Partimos, assim, dos

seguintes questionamentos para equacionar estas reflexões: Serão os saberes

locais, responsáveis pela sustentabilidade das comunidades tradicionais? Em

que medida a interligação entre os saberes locais e os saberes acadêmicos

constituem mecanismos a desenvolver estas comunidades?

O senso comum pode ser caracterizado como o que chamamos de

cultura/saber popular, que mesmo não fazendo parte de uma estrutura de

difusão organizada como o que se observa no conhecimento científico, é capaz

de penetrar profundamente na consciência humana, assumindo funções sociais

importantes. Assim, Santos (1989) faz proposições, no intuito de superar os

problemas que advém das relações ciências/senso comum. Para o sociólogo

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português “[...] a oposição ciência/senso comum não pode equivaler a uma

oposição luz/trevas”, pois, “[...] se os preconceitos são as trevas, a ciência,

como hoje se conhece e se verá adiante, nunca se livra totalmente deles”

(SANTOS, 1989, p.38). Ainda para Santos:

[...] pretende-se um senso comum esclarecido e uma ciência prudente; um saber prático que dá sentido e orientação à existência e cria o hábito de decidir bem. Trata-se de combinar o caráter prático e prudente do senso comum com o caráter segregado e estilista da ciência (1989, p.41).

A união de saberes dá sentido e legitima o senso comum e os saberes

locais, levando o conhecimento científico a transformar-se nele e, conferindo-

lhes racionalidade ambiental. E, apesar dos desafios epistemológicos trazidos

por uma nova racionalidade ambiental, é fundamental reconhecer a gama de

conhecimentos gerados e as práticas ambientalmente positivas que esta nova

realidade apresenta. Neste contexto, Leff afirma:

A racionalidade ambiental incorpora assim as bases do equilíbrio ecológico como norma do sistema econômico e condição de um desenvolvimento sustentável; da mesma forma se funda em princípios éticos (respeito e harmonia com a natureza) e valores políticos (democracia participativa e equilíbrio social) que constituem novos fins do desenvolvimento e se entrelaçam como normas morais nos fundamentos materiais de uma racionalidade ambiental (2001, p.85).

A vivência do saber ambiental interliga homem a natureza, afinados a uma

perspectiva da complexidade, haja vista que, conforme afirma Rousseau

(2010), possuem organização fisiológica perfeita, tem suas necessidades

saciadas pois a natureza, no sentido físico do termo, tudo dá. Neste sentido,

somente a partir da conservação dos traços originais será possível a

convivência harmoniosa do ser consigo mesmo.

Os saberes locais das comunidades tradicionais, portanto, representam o

conhecimento repassado de geração a geração, transmitindo hábitos culturais

e ou sociais que permitem aos seus indivíduos constituintes, reflexão,

reprodução, transformação e adaptação.

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3 Territorialidade como conceito primordial para pesquisa em

comunidades tradicionais

A luta das comunidades ao acesso a terra representa também a preservação

da memória e das práticas sociais, os sistemas de classificação e de manejo

dos recursos, os sistemas produtivos, os modos tradicionais de distribuição e

consumo da produção.

O território, em seu sentido material e simbólico, também faz parte da

cosmologia do grupo, referendando um modo de vida e uma visão de Homem e

de Mundo; ele é apreendido e vivenciado a partir dos sistemas de

conhecimento, portanto, encerra também uma dimensão lógica e cognitiva.

Além de assegurar a sobrevivência dos povos e comunidades tradicionais, os

territórios constituem a base para a produção e a reprodução dos saberes

tradicionais (BRASIL, 2007).

A este sentido simbólico dado e vivido no território material, chamamos de

territorialidade. Haesbaert (2004) destaca que a territorialidade além de

incorporar uma dimensão estritamente política, refere-se às relações

econômicas e culturais, pois está diretamente relacionada às formas que os

grupos possuem de utilização da terra, de organização no espaço e como dão

significado ao lugar.

Sack afirma que “A territorialidade, como um componente de poder, não é

apenas um meio para criar e manter ordem, mas é uma estratégia para criar e

manter grande parte do contexto geográfico através do qual nós

experimentamos o mundo e o dotamos de significado” (SACK,1986, p.219).

Raffestin caracteriza territorialidade: “[...] como um conjunto de relações que

se originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo em vias de

atingir a maior autonomia possível, compatível com os recursos do sistema”

(1993, p.160). Para o autor “é a ‘face vivida’ da ‘face agida’ do poder”. Portanto,

viver, valorizar a historicidade e os saberes locais, cuidar do ambiente e dele

tirar o sustento, preservar bens e culturas, é viver e agir a territorialidade de

cada um dentro da comunidade, como mecanismo de/para torná-la sustentável.

A territorialidade supõe ainda, “estar em”, “viver com” ou “viver para” tendo

como substrato o lugar onde esta territorialidade se efetiva. É, portanto, a

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capacidade de expressar suas externalidades no espaço delimitado do

território, o que para Guatari é tanto relativo ao “espaço vivido” quanto:

[...] a um sistema percebido no seio do qual um sujeito se sente 'em casa'. O território é sinônimo de apropriação, de subjetivação fechada sobre si mesma. Ele é o conjunto dos projetos e das representações nos quais vai desembocar, pragmaticamente, toda uma série de comportamentos, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos, cognitivos (GUATARI, 1996, p.323).

Neste sentido, Milton Santos afirma que:

[...] o território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas. O território tem que ser entendido como território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer aquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida (2002, p.10).

A partir desse entendimento, podemos considerar a territorialidade como a

forma através da qual um determinado grupo social se apropria, vivencia e

experimenta o espaço-território. Segundo Paul Little (2002, p.03), “[...] a

territorialidade é o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar,

controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico,

convertendo-a assim em seu território ou homeland”.

É importante destacar que as ações do grupo são resultado da composição

das ações individuais e que,

cada indivíduo presente no território elabora as suas estratégias de produção de acordo com seus interesses, recursos disponíveis e objetivos a alcançar. Contudo, dentro destas relações estão envolvidas diversas relações de poder que se choca com outras estratégias de produção. Nesse embate de interesses, a produção do espaço e consequentemente a formação dos territórios vão se configurando. (MENDES, 2012, p.44-45).

Isto porque “as imagens territoriais devem ser entendidas como resultados

da produção e do trabalho sobre o espaço, munido pelas relações de poder

que interferem significativamente na estrutura social, econômica e política”

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(MENDES, 2012, p.44). Não há ação sobre e no território que não traga

repercussões para a coletividade.

Desse modo, a territorialidade é um dos componentes fundamentais para o

entendimento dos processos políticos, econômicos ambientais e culturais que

ocorrem no espaço. É um componente que nos permite compreender as

interações entre os sujeitos e a imaterialidade do território (SAQUET, 2011,

p.93-94).

Isto porque, concordamos que:

As identidades, fundamentais na organização política, significam pertencimento, afetividade, coesão e possibilidade de resistência e projeção coletiva do futuro respeitando as diferenças. A identidade é construída coletivamente pelos sujeitos locais, interagindo entre si e com o milieu e significa uma forma para, politicamente, dinamizar as singularidades em favor do desenvolvimento local: os princípios organizativos de uma sociedade local permitem-facilitam a reunião, a discussão e a projeção do futuro (SAQUET, 2011, p.94).

Partindo destes pontos de reflexão, a nossa proposta é de que pensemos a

pesquisa em comunidades tradicionais a partir de dois vetores fundantes: a

Territorialidade e a Pedagogia Griô.

4 Metodologias Participativas: a Pedagogia Griô e suas

aplicações nas práticas socioambientais em comunidades

tradicionais

A pesquisa em comunidades requer uma ruptura metodológica, ou seja, a

prioridade dada à experiência pessoal do “campo” (LAPLANTINE, 1987).

Os grupos humanos existem num determinado espaço com formação social

e configuração cultural específicas. Toda investigação social necessita registrar

a historicidade humana o que Minayo (2010) chama de consciência histórica.

“Não é apenas o investigador que dá sentido a seu trabalho intelectual, mas os

seres humanos, os grupos e a sociedade dão significado e intencionalidade e

interpretam suas ações e construções” (MINAYO, 2010, p.14). Essa autora

aponta que, com desenvolvimento das forças produtivas e com a organização

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particular da sociedade e de sua dinâmica interna, criam-se visões de mundo

com nuances e diferenciações relacionadas às condições de vida e heranças

culturais.

O trabalho de pesquisa em comunidades deve buscar aproximar-se do que

Geertz (1987) chama de “experiência próxima” que é um conceito que alguém

– um paciente, um sujeito, no caso do pesquisador, um informante – usaria

naturalmente e sem esforço para definir aquilo que seus semelhantes veem,

sentem, pensam, imaginam, etc. e que ele próprio entenderia facilmente, se

outros o utilizassem da mesma maneira. Um conceito de “experiência-distante”

é aquele que especialistas de qualquer tipo, tais como analistas,

pesquisadores, etnógrafos- utilizam para levar cabo seus objetivos científicos,

filosóficos ou práticos.

Segundo Paulo Freire, o indivíduo traz dentro de si motivação para

posicionar-se de forma ativa diante da realidade, mas para isso precisa ser

desafiado para romper com uma postura fatalista em relação à realidade vivida.

Portanto, torna-se necessário:

[...] propor ao povo, através de certas contradições básicas, sua situação existencial, concreta, presente, como um problema que, por sua vez, o desafia e, assim, lhe exige resposta, não só no nível intelectual, mas no nível da ação (FREIRE, 1987, p.86).

Na pesquisa participativa a verdade se constrói com base em aproximações

sucessivas ao objeto pesquisado, que é constituído por sujeitos. Trata-se de

uma relação de troca de conhecimentos entre os sujeitos ou de exercício de

uma razão comunicativa (SANTOS, 2005).

O pensamento de Paulo Freire influenciou e continua a influenciar diversas

áreas do conhecimento e na constituição e/ou fortalecimento de espaços

públicos socioambientais tem contribuído, para: valorização do diálogo,

valorização da diversidade, protagonismo do sujeito, estímulo à participação,

reflexão (prática problematizadora), intenção explícita de promover ações.

As metodologias participativas estimulam a articulação dos atores em rede

para construção dos espaços locais a partir da necessidade de trabalhar mais

juntos fortalecendo o protagonismo dos atores sociais no processo de

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aprendizagem, tomada de consciência da realidade. Dessa forma, os atores

fortalecem a participação nos processos de planejamento, tomada de decisões

e avaliação dos processos socioambientais nos espaços públicos (SANTOS,

2005).

Um bom exemplo de metodologia participativa ainda pouco conhecida e

utilizada pela academia e que apresenta grande potencial indutor de pesquisa

e práticas socioambientais efetivas em comunidades tradicionais é a

Pedagogia Griô idealizada por Líllian Pacheco coordenadora pedagógica da

ONG Grãos de Luz Griô na Bahia. A Pedagogia Griô tem como objetivo a

valorização dos mestres e mestras portadores dos saberes e fazeres da cultura

de tradição oral, criando um diálogo entre educação formal e a cultura popular.

Trata-se de uma metodologia de pesquisa/extensão que visa reinventar

métodos de educação, tendo como princípio a participação e encantamento do

social, a valorização da expressão da palavra, dos afetos, da memória, da

história, das cantigas, das danças e dos rituais de tradição oral.

Essa metodologia tem como referenciais teóricos e metodológicos a

educação Biocêntrica, de Ruth Cavalcante; a educação dialógica, de Paulo

Freire; a educação para as relações étnico-raciais positivas, de Vanda

Machado; a arte educação comunitária, de Carlos Petrovich; a educação que

marca o corpo, de Fátima Freire; e é inspirada na pedagogia de todas as

expressões culturais de tradição oral, principalmente de raízes afro-indígenas

(PACHECO, 2006).

O termo Griô surgiu na região do noroeste da África no Mali, região onde

houve a colonização francesa, por isso, os mestres eram chamados griots, que

denomina figuras como contadores de histórias, genealogistas, mediadores

políticos, comunicadores, cantadores e poetas populares. Os griots têm

diversas formas de expressão, mas em comum são responsáveis pela

biblioteca viva da tradição oral. No Brasil a palavra foi “abrasileirada “como Griô

(PACHECO, 2006).

A pedagogia Griô valoriza a territorialidade das comunidades tradicionais,

pois estimula a vivência afetiva e cultural que facilita o diálogo entre as idades,

entre a escola e a comunidade, entre grupos étnico-raciais interagindo saberes

ancestrais de tradição oral e as ciências formais para a elaboração do

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conhecimento e de um projeto de vida que têm como foco o fortalecimento da

identidade e a celebração da vida (PACHECO, 2006).

De acordo com Both (2002, p.83) “[...] as lembranças dos mais velhos

podem contribuir para o enriquecimento da percepção dos mais jovens, o que

se pode aplicar aos saberes e práticas de conversação ambiental”.

Ao trabalhar a consciência da ancestralidade e a consciência de si mesmo, a

pedagogia Griô consegue fortalecer a identidade dos sujeitos e a

territorialidade da comunidade, apresentando grande potencial de

fortalecimento das práticas socioambientais ao favorecer o protagonismo

individual e comunitário, a participação política numa perspectiva que vai do

local ao global (Figura 1).

Figura 1- Princípios metodológicos Pedagogia Griô (Pacheco, 2006)

Essa metodologia vem sendo utilizada pela ONG (Grãos de Luz e Griô –

Chapada Diamantina/BA) e vem obtendo resultados positivos tais como: maior

interação com comunidades quilombolas, a exemplo de Remanso, onde vem

sendo feito um trabalho de valorização e resgate da cultura local e do espaço

natural que cerca a aldeia de pescadores. Além do trabalho nas comunidades a

pedagogia Griô vem sendo utilizada na formação de professores.

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A metodologia apresentada proporciona um clima de interação e possui

grandes possibilidades de aplicação nas atividades de pesquisa que utilizem a

oralidade e as diversas manifestações artísticas e culturais como forma de

apreender os modos de vida de uma comunidade. Na extensão, destacam-se o

potencial de fortalecimento da coesão social, do protagonismo dos sujeitos, da

participação social e política, fatores de extrema importância para a

sustentabilidade de ações e projetos e, principalmente, de transformação social

das comunidades tradicionais.

5 Considerações Finais

Como premissa primeira para a realização desse estudo, temos o

envolvimento do pesquisador. Envolver-se é deixar-se entrar no território

alheio, que a partir do envolvimento, deixa de ser desconhecido e passa a ser

vivido.

O envolvimento é também uma das premissas da vida nas comunidades

tradicionais, tendo em vista que esta pressupõe, para além do envolvimento

afetivo e pessoal, um envolvimento político, social, econômico e ambiental que

possibilite a sustentabilidade dessas comunidades. Estar em comunidade,

portanto, requer que cada indivíduo reconheça-se como integrante, reconheça

os limites territoriais que a circundam, vivenciem sua cultura, seus saberes,

suas potencialidades e fraquezas, inventarie seus recursos naturais e culturais

e, principalmente, caracterizem as territorialidades dos seus integrantes, a fim

de configurar os sentimentos de pertencimento que caracterizam a boa

convivência nas comunidades.

Reconhecer as territorialidades como um esforço individual e coletivo, é

garantia de identificação do ser com o espaço delimitado. Estas relações

requerem pertencimento social e afetivo, na medida em que, ocupar, usar e

controlar o ambiente carece tão somente, de atitudes conscientes e

necessárias ao bem estar dos envolvidos. Para tanto, desenvolver nestas

comunidades, metodologias de participação popular, supõe munir das

ferramentas necessárias, um indivíduo que já se identifica como pertencente

daquele lugar, na medida em que, vivência as experiências, os saberes, as

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transformações e expectativas nestas comunidades.

A pedagogia Griô surge como uma dessas metodologias participativas, pois

além de interligar os saberes locais à educação formal, promovem o

encantamento social, valorizam a oralidade, os afetos, a memória, a história, as

cantigas, as territorialidades e legitimam a identidade do lugar, através de

rodas de conversas que se ajuntam por idade, privilegiando o diálogo entre os

pares.

O êxito da pedagogia Griô reside exatamente no fato de que, ela possibilita o

fortalecimento consciente da ancestralidade, do indivíduo para consigo mesmo,

das práticas socioambientais, do protagonismo individual e comunitário, das

identidades pessoais e da celebração da vida.

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CAPÍTULO 4

ANÁLISE DO CONTEÚDO: PERCURSO

METODOLÓGICO NA AVALIAÇÃO DE SENTIDOS DA

CONSERVAÇÃO EM COMUNIDADES TRADICIONAIS

Sindiany Suelen Caduda dos Santos1 Rosemeri Melo e Souza2

Resumo

Este artigo científico demonstra de maneira prática a aplicabilidade da técnica de pesquisa análise do conteúdo na investigação dos sentidos da conservação atribuídos pelas comunidades tradicionais de Jatobá, Barra dos Coqueiros, Sergipe. Estruturalmente, o artigo está subdividido em seções que abordarão ao longo do texto: os procedimentos técnicos utilizados para construção da pesquisa prática, construída a partir das recomendações dos procedimentos de análise do conteúdo (AC) de Bardin; os resultados e discussões da pesquisa prática a partir das aplicações metodológicas da AC; e as considerações finais acerca do que a abordagem AC foi capaz de fornecer sobre os sentidos da conservação conferidos ao ambiente de dunas pelas comunidades tradicionais do povoado Jatobá. Ao final, o leitor observará que por meio das recomendações metodológicas da AC, descritas por Bardin, foi possível investigar a realidade desconhecida de comunidades tradicionais que fazem parte do contexto da conservação das áreas dunares no povoado Jatobá e ver de que maneira os sentidos da conservação são revelados em cada categoria de análise que fora definida durante o processo de investigação. Palavras-chave: Análise de conteúdo. Sentidos da conservação. Comunidades tradicionais. Sergipe.

1Bióloga. Mestre e Doutoranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente-Universidade Federal de

Sergipe. Estudante associada ao Grupo de Pesquisa em Geoecologia e Planejamento Territorial-GEOPLAN/UFS. Pesquisadora Associada da Fundação Mamíferos Aquáticos. [email protected]. 2Pós-Doutora em Geografia Física - GPEM/The University of Queensland; Drª em

Desenvolvimento Sustentável/Gestão Ambiental – UnB; Professora associada do Núcleo de Engenharia Ambiental - Universidade Federal de Sergipe; Líder do Grupo de Pesquisas Geoecologia e Planejamento Territorial - GEOPLAN/UFS; [email protected].

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CONTENT ANALYSIS: METHODOLOGICAL APPROACH

TO ANALYSIS OF SENSES OF CONSERVATION BY

TRADITIONAL COMMUNITIES

Abstract

This research paper aims to demonstrate a practical way the applicability of the content analysis method in the investigation of conservation of meanings attributed by traditional communities of Jatoba, Barra dos Coqueiros, Sergipe. Structurally, the article is divided into sections that will address throughout the text: the technical procedures used to practice research building, constructed from the recommendations of the procedures for examining the Bardin content; and the results and discussions of practical research from the methodological applications of AC; and the final considerations about what the AC method was able to provide on the conservation senses conferred to environment of sandbanks by traditional communities of Jatoba. In the end, the reader will notice that by means of the methodological recommendations of the AC described by Bardin, it was possible to investigate the unknown reality of traditional communities that are part of the context of the conservation of dune areas in Jatoba and see how the senses of conservation are revealed in each category of analysis which was set during the investigation process. Keywords: Content analysis. Senses of conservation. Traditional communities. Sergipe.

1 Introdução

A pesquisa que separa homem e universo não fornece descrições de

experiência de pessoa e mundo, os quais formam um conjunto inseparável.

Nessa lógica, natureza e sentidos a ela atribuídos não devem ser vistos como

eventos isolados, pois de acordo com Schopenhauer (2005), é o homem quem

percebe as paisagens através de suas vivências e lhes dá significados e

valores.

O povoado Jatobá, na Barra dos Coqueiros, Sergipe, por exemplo, conta

com a exibição das belezas naturais dos manguezais e restingas3 que se

3Dentro do complexo de restingas é encontrado o ecossistema de dunas (RIZZINI, 1997). As

dunas são marcadas pela diversificação de ambientes costeiros que podem variar em função dos diferentes nichos, os quais existem em virtude da intercomunicação das distintas características biológicas, geomorfológicas e climáticas (CORDAZZO et al. 2006). Além disso, são evidenciadas por sua importância ecológica, social e econômica, ressaltam os autores.

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revelam ao longo do litoral sergipano. Esses ecossistemas, por sua vez,

representam fonte de sobrevivência para populações tradicionais, as quais

compõem indivíduos históricos, possuidores de conhecimento particular que

deve ser parte fundamental dos processos de conhecimento e, especialmente

de gestão e manejo das áreas naturais (DIEGUES; NOGARA, 2005).

Por outro lado, o povoado Jatobá, assim como todos os municípios de Barra

dos Coqueiros, tem vivenciado o aumento contínuo da especulação imobiliária

na região, especialmente depois da construção da ponte “Construtor João

Alves”, no ano de 2006, que liga a cidade de Aracaju ao município de Barra dos

Coqueiros. O cenário após a construção da ponte é representado pelo aumento

desenfreado de casas, indústrias e loteamentos que ocasionam a redução

contínua de áreas de extrativismo de colheita da mangaba4 e da pesca,

provocando a migração de muitas dessas populações para áreas urbanas.

Nesse processo, os atores sociais tradicionais têm passado de produtores

que garantem a sobrevivência pela pesca ou extrativismo para consumidores

urbanos, que sofrem os impactos de uma sociedade urbana da qual nunca

fizeram e não farão parte. Juntamente com os meios de produção, essas

comunidades perdem progressivamente seus traços identitários, pois não são

nem de ambiente rural e nem também de ambiente urbano (MATTOSO, 1979

apud DIEGUES; NOGARA, 2005). Desse modo, é possível chegar à conclusão

de que deixar o modo de vida tradicional por circunstâncias de uma sociedade

urbana é traçar um caminho rumo à perda de identidade das comunidades

tradicionais.

Além disso, as comunidades tradicionais do povoado enfrentam desde 2011

a ideia da criação de uma Unidade de Conservação de Proteção Integral5 na

região, o que também pode comprometer a permanência dessas comunidades

4Fruto extraído da área de restingas pelas comunidades extrativistas tradicionais de catadoras

de mangaba, espécie Hancornia speciosa Gomes (Apocynaceae). 5A tipologia unidades de conservação está subdividida em 12 categorias de áreas protegidas.

Elas foram instituídas por meio da lei nº 9.985 de 18 de julho de 2000 que criou o Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC) (MEDEIROS; GARAY, 2006). Além disso, as UCs contam com as designações do decreto nº 4.340 sobre as unidades de conservação, regulamentado no ano de 2002 (BRASIL, 2002). As Unidades de Proteção Integral têm como objetivo básico a preservação da natureza. Elas permitem o uso indireto dos recursos naturais de acordo com os fins previstos em lei e dispõe de particularidades para cada categoria (BRASIL, 2000). Para maiores detalhes a respeito da criação da Unidade de Conservação de Proteção Integral, cogitada desde o ano de 2011, denominada Parque Estadual das Dunas, em Jatobá, consultar a dissertação da autora, no banco de teses e dissertações.

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como agentes de conservação6 da área e como atores sociais atuantes no

equilíbrio ambiental.

Entretanto, no que se refere à investigação da relação homem natureza,

compreender de que maneira o processo de análise científica se dá, não é uma

tarefa simples. É preciso ter cautela no momento de fazer as escolhas dos

objetos de investigação e principalmente ter cuidado na seleção da abordagem

teórica que irá guiar todo percurso metodológico.

Assim, partindo das inquietações sobre a falta de estudos científicos acerca

de uma comunidade que vive diretamente da forma tradicional de vida; da

ausência de investigações sobre a relação das comunidades de Jatobá com o

ambiente; e da necessidade acadêmica de gerar informações sobre

populações que ainda mantém um estilo de vida tradicional, mas que pode ser

rompido pelas novas formas de vida impostas pela sociedade, surgiu o desejo

de investigar a representatividade dos ambientes de restinga para essas

comunidades e as implicações favoráveis e desfavoráveis geradas em meio à

criação de uma Unidade de Conservação de Proteção Integral. Para tanto, foi

necessário previamente escolher a técnica de pesquisa que conduziria o

processo de investigação científica.

Nesse propósito, a técnica de pesquisa análise do conteúdo (AC) foi

escolhida como eixo para guiar toda a investigação, e Laurence Bardin foi o

autor responsável pela fundamentação teórico-prática da abordagem.

Bardin trata da AC como um conjunto de técnicas que analisa as

comunicações através de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição

do conteúdo das mensagens, busca a obtenção de indicadores, sejam eles

quantitativos ou não, os quais permitem a inferência de conhecimentos ligados

às condições de produção e ou recepção das mensagens, trazendo à tona as

significações do conteúdo (BARDIN, 2006).

É preciso deixar claro que a AC não está vinculada a uma abordagem

filosófica (BAUER, 2005). Contudo, é reconhecida como procedimento analítico

de dados originados de textos escritos, que podem ser jornais, diários,

entrevistas entre outros tipos (BAUER, 2005).

6 Está associada à relação inseparável entre homem e natureza.

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64

Entretanto, para utilizar esta técnica, o pesquisador precisa refinar sua

percepção para aprender a observar e analisar a mensagem que o objeto é

capaz de transmitir, partindo de um rigor metodológico (BRANCO, 2014).

Bardin (2011) trata da AC como um procedimento técnico que busca obter

inferências objetivas sobre os dados de textos e para trabalhar com ela exige-

se que sejam seguidas etapas para análise, as quais podem ser observadas no

quadro um.

conforme trataBardin (2011) e consoante é abordado no quadro 1.

Procedimentos de análise em AC

1) Delineamento amostral da AC

Corresponde à etapa de elaboração e organização do material a ser analisado;

Os textos a serem analisados devem estar alinhados com o objeto de estudo da pesquisa, o problema de pesquisa, as hipóteses e os objetivos de investigação;

É o momento de elaboração dos questionários, das entrevistas e da organização da transcrição dos dados coletados.

2) Exploração do material previamente organizado

Etapa de codificação dos dados;

Fase de transformação dos dados brutos;

Momento da representação do conteúdo e de estabelecimento das unidades de registro analisadas no texto (poderão ser estabelecidas palavras-chave ou temáticas);

Estabelecer um valor para cada unidade de registro (contém a mensagem que expressa o modo como a amostra é apresentada);

Analisa-se a medida de frequência de cada unidade de registro (UR);

Inferência das mensagens existentes em cada UR;

Atribuição de sentidos a cada UR, de acordo com os interesses da pesquisa.

3) Estabelecimento de indicadores para elaboração de categorias

A categorização corresponde à classificação dos elementos que contém um conjunto por diferenciação e reagrupamento, conforme o gênero;

Todos os critérios de reagrupamento devem ser previamente definidos;

As categorias são rubricas ou classes que reúnem as unidades de registro, utilizando um título genérico;

O agrupamento deve ser feito em função de características comuns dos elementos.

Sobre a etapa trêsexpressa no quadro um, deve-se considerar que fazer

Sobre a etapa três do quadro apresentado, o agrupamento das unidades de

registro para criação de categorias exige que o pesquisador esteja

extremamente envolvido com seu objeto de pesquisa, de maneira que as

categorias consigam explicar os dados coletados. É função das categorias de

Fonte: SANTOS (2015), adaptado de BARDIN (2011).

Quadro 1: Etapas para análise do conteúdo.

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65

análise permitir a transformação de indicadores brutos em dados organizados

(BRANCO, 2014). Estes, por sua vez, são dotados de sentido e devem ser

evidenciados na AC por meio da descoberta dos conteúdos e estruturas das

mensagens, ressalta a autora.

Apesar da AC não elaborar reflexões filosóficas acerca do que é a realidade,

ela é capaz de elucidar os significados que as pessoas imprimem na realidade

(BARDIN, 2011) e foi justamente a necessidade de conhecer os significados da

conservação do ecossistema de dunas, relacionada à criação de uma Unidade

de Conservação de Proteção Integral em Jatobá, atribuídos pelas comunidades

tradicionais, que fez da AC, segundo as descrições de Bardin, a técnica de

pesquisa chave para executar toda a pesquisa científica.

Nesse contexto, este artigo científico objetiva demonstrar de maneira prática

a aplicabilidade da técnica de pesquisa análise do conteúdo na investigação

dos sentidos da conservação atribuídos pelas comunidades tradicionais de

Jatobá, Barra dos Coqueiros.

O povoado Jatobá está localizado a uma distância de 18 km a nordeste da

sede do município Barra dos Coqueiros. Esta cidade está situada, segundo as

coordenadas geográficas, de latitude 10˚54”23” e de longitude 37˚12’02”, na

zona do litoral - leste sergipano (PLANO DE DESENVOLVIMENTO URBANO

DA BARRA DOS COQUEIROS, 2001).

Do ponto de vista estrutural, o artigo está subdividido em seções que

apresentarão: os procedimentos técnicos utilizados para construção da

pesquisa prática, construída a partir das recomendações dos procedimentos de

análise do conteúdo de Bardin; os resultados e discussões da pesquisa prática

a partir das aplicações metodológicas da AC; e as considerações finais acerca

do que o método AC foi capaz de fornecer sobre os sentidos da conservação

conferidos ao ambiente de restingas pelas comunidades tradicionais de Jatobá.

2 Procedimentos técnicos utilizados para a construção da

pesquisa prática

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a) Passo 1: pesquisa bibliográfica

Inicialmente foi realizada pesquisa bibliográfica acerca das temáticas de

abordagem do artigo científico: análise de conteúdo e comunidades

tradicionais.

b) Passo 2: observação e delineamento amostral

A observação foi importante para o reconhecimento dos atores tradicionais

que compõem cada comunidade. Nessa fase foram feitos trabalhos de

reconhecimento em campo no ano de 2011, a fim de conhecer líderes

comunitários e representantes de Jatobá que pudessem indicar os atores

participantes da pesquisa.

Em seguida, para a definição da amostra, foram investigados apenas os

pescadores, marisqueiras e catadoras de mangaba, nativos do povoado

Jatobá, e aqueles que pertenciam à terceira geração, seguindo as sugestões

de Diegues (2000) para estabelecer a amostra. Ademais, só foram

entrevistados os adultos e aqueles indicados pela secretária de meio ambiente,

agricultura e pesca do município de Barra dos Coqueiros no ano de 2010; pela

presidente da Associação de moradores do povoado Jatobá; pela

representante da Colônia de pescadores da Barra dos Coqueiros e por uma

das representantes do movimento das catadoras de mangaba de Sergipe. Por

estas três últimas, as indicações foram feitas em 2011.

Na etapa da pré-análise, que, segundo Bardin (2006), consiste na

organização do material, foram elaborados questionários, os quais trataram da

identidade social das comunidades tradicionais. Cada tipo de comunidade

(pescadores, marisqueiras e catadoras de mangaba) teve suas perguntas

direcionadas às atividades tradicionais desenvolvidas. Nos questionários

elaborados foram traçados aspectos ecológicos, sociais, econômicos, políticos

e culturais.

A continuidade do trabalho qualitativo com as comunidades contou ainda

com a realização de entrevistas semiestruturadas no ano de 2011, registradas

por meio de gravações e anotações em diário de campo. As entrevistas foram

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realizadas com 25 atores das comunidades tradicionais e incluiu pescadores,

marisqueiras e catadoras de mangaba. O valor da amostra é justificado pela

repetição das respostas dos participantes, não acrescentando informações

novas e nem significativas às entrevistas e aos questionários. Quando as

respostas passam a não acrescentar novos dados ou quando estes não são

mais significantes no processo, isso quer dizer que a amostra atingiu seu ponto

de saturação teórica (THIRY-CHERQUES, 2009) e a partir desse momento o

pesquisador não precisará aumentar o número amostral.

c) Passo 3: exploração do material previamente organizado

Nesta etapa, também chamada de descrição analítica, a fim de compreender

a mensagem a partir da decomposição do conteúdo revelado pelas

comunidades tradicionais, em fragmentos mais simples, foi feito o

estabelecimento das unidades de registro dos dados obtidos durante os

questionários e as entrevistas semiestruturadas.

d) Passo 4: estabelecimento de indicadores para elaboração de

categorias

Foram criadas as categorias de análise que possibilitaram a descoberta dos

sentidos dados pelas comunidades tradicionais às dimensões abordadas

durante as entrevistas. A determinação das categorias foi feita considerando a

forma como essas comunidades relacionam-se com o ambiente e desenvolvem

estratégias singulares de conservação. Por isso, alguns trechos de conversas

durante as entrevistas foram transcritos ao longo dos resultados e discussões

apresentando simbologia com letras (P – pescadores; M – marisqueiras e C –

catadoras de mangaba) e números. No caso dos números, estes foram

determinados a partir do sequenciamento das entrevistas. Logo, P1 representa

o primeiro pescador entrevistado, P2 o segundo e assim sucessivamente. O

mesmo vale para marisqueiras e catadoras de mangaba.

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3 Resultados e discussões da pesquisa prática a partir das

aplicações metodológicas da AC

3.1 Sentidos da conservação do ambiente de dunas para as comunidades

tradicionais

Os sentidos da conservação foram atribuídos a partir das categorias de

análise descritas adiante:

a) Representatividade dos ambientes de dunas e os recursos naturais

enquanto objetos de usos sociais e sobrevivência.

A forma como as comunidades tradicionais do povoado Jatobá enxergam o

ambiente circundante revela a importância do cenário expresso pelas dunas da

localidade, bem como a riqueza natural que ainda existe.

Em torno de 54% dos atores sociais moram há mais de 10 anos em Jatobá,

embora existam pescadores e marisqueiras que residem há 46 anos no

povoado. Todos eles carregam histórias de vida que permitem entender a atual

configuração do cenário ambiental lá existente.

A partir da investigação da representatividade dos sistemas de dunas para

as comunidades locais entrevistadas, foi possível chegar à conclusão de que o

ecossistema dunar possui, no sentido da conservação, significados de

subsistência, proteção da natureza e lazer (Gráfico 1).

Dos entrevistados, 33% disseram que as dunas representam a garantia de

sobrevivência de inúmeras famílias na região. A assertiva foi observada nas falas de

duas das catadoras de mangaba da região:

C1 “Sobrevivo das dunas com minha família”

C7 “As dunas são importantes pela presença das mangabeiras”

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Os veranistas, donos de bares, turistas e comerciantes, fazem parte do

contexto real de utilização dos recursos disponíveis, mas atuam de forma

indireta. Estes atores usam os recursos através da compra feita aos

pescadores, às marisqueiras e às catadoras de mangaba. Os 100% dos

entrevistados revelaram durante os diálogos que as próprias comunidades

tradicionais fazem a coleta dos recursos e os outros atores sociais apenas os

compram.

A presença de plantas nativas como a mangaba, em ambientes de restingas,

e a manutenção de atividades tradicionais há mais de 10 anos, sem causar

danos irreversíveis em Jatobá, traz indícios de um nível de distúrbio

intermediário que mantém a diversidade de flora e fauna local e a

sobrevivência das famílias por meio de práticas tradicionais. Estas

comunidades aliam sobrevivência e qualidade do habitat, o que se pode

denominar na perspectiva de Diegues (1995) de manejo tradicional.

As comunidades tradicionais revelam-se como sujeitos sociais dotados de

conhecimentos que permitem a gestão e o manejo ligados às práticas

simbólicas que são herdadas e que garantem a permanência do sistema

natural.

Além da garantia de sobrevivência, o ambiente de dunas é visto pelas

comunidades tradicionais como meio de proteção para a própria natureza e por

Fonte: Trabalho de campo (2011). Elaboração: Sindiany Santos (2011)

Gráfico 1 – Representatividade do ambiente de dunas para as comunidades tradicionais

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isso deve ser resguardado. Em uma das falas abaixo, o pescador P5 faz

referência ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis (IBAMA). Para ele, o órgão fornece proteção ao meio ambiente, o

que revela sua percepção de conservação que deve ser dirigida ao meio

ecológico por entes públicos.

Mais uma vez a preocupação destes povos com o habitat em que vivem é

observada. Cerca de 30% dos entrevistados confirmaram a função protetora

das dunas.

P5 “Formação que a natureza faz. O vento sopra areia e faz as dunas. As dunas

são um lugar intocável. O Ibama não deve deixar construir casa nas dunas”.

Os entrevistados acreditavam que dunas são “morros naturais” que

funcionam como barreira natural contra a invasão do mar e contra a ação dos

ventos sobre as casas. Dessa forma, embora as comunidades não enxerguem

a natureza do ponto de vista da ciência, a visão de mundo ligada ao ponto de

vista cultural, de que trata Diegues (1995) em seus textos, permite a estes

povos a manutenção de práticas simbólicas contribuintes à proteção do habitat.

As pequenas ações realizadas por eles, como um todo, mostram a

preocupação em defender os ambientes dunares.

C1 “Eu subo lá em cima da duna para pegar mangaba, a mangaba protege a duna

e a duna protege mangaba... quando quebra uma galha do pé, a bichinha cresce sem

força, não vai ser mais igual”.

Ao dizer “(...) a mangaba protege a duna e a duna protege mangaba (...)”,

percebe-se que para a catadora existia nítida e inseparável relação entre meio

abiótico e flora, especialmente no que se refere à planta da mangaba.

Essa forma de ver a natureza conduz às comunidades a enxergar pressões

antrópicas sobre o sistema dunar por parte de atores sociais que utilizam o

ambiente como objeto de disputa material, sejam eles de natureza pública ou

privada.

Um pescador revelou como a especulação imobiliária tem influenciado de

maneira negativa na mudança do cenário paisagístico do povoado Jatobá. As

dunas têm sido substituídas ao longo dos anos por propriedades rurais, casas

de veraneio e também por loteamentos onde grandes construções são feitas

sobre dunas.

P11 “Há 40 anos atrás existiam dunas, mas a presença de sítios modificou a área”.

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Na visão do entrevistado as dunas não existem mais. A paisagem dunar

naquela região há 40 anos era bem diferente do cenário que se observa hoje.

Infelizmente o valor simbólico das dunas para este pescador foi perdido com as

ações do homem. Isso prova, entre tantos fatores, que práticas humanas

voltadas para o modelo de desenvolvimento econômico vigente modificam o

cenário natural com o passar dos anos e os malefícios locais refletem

simbolicamente na vida daqueles que valorizam a base de sustento.

Para estes sujeitos sociais, as dunas também constituiam objetos de lazer.

Em torno de 12% das entrevistas mostraram o quanto a beleza natural é

favorável à diversão e ao turismo.

Porém, ao afirmar que o lazer incentiva o turismo, as comunidades

demonstraram que, o que está por trás do lazer é a condição da sobrevivência.

Nesse sentido, elas dependem do lazer que as dunas oferecem aos visitantes

do povoado Jatobá para sobreviver da venda dos seus produtos. Elas

acreditavam que ao representar objeto de lazer, as dunas atraem o turismo e

geram renda. As comunidades vendem seus produtos na beira da estrada para

os diversos turistas que procuram no litoral norte a contemplação da paisagem

e a diversão.

Infelizmente, 24% dos entrevistados disseram não saber o que as dunas

representam. Eles apenas afirmaram que os ambientes dunares deveriam ser

importantes por algum motivo, mas não sabiam dizer qual. Deste contingente,

9% das opiniões foram dadas por mulheres catadoras de mangaba. A

justificativa para isto é que estas catadoras possuem suas próprias

propriedades rurais na região, onde catam a mangaba e vendem o produto nas

estradas. Por conseguinte, elas não dependem da vegetação das dunas de

áreas livres para sobreviver. Os outros 15% ficam por conta de pescadores e

marisqueiras que ganham seu sustento com a pesca e a mariscagem e não

julgam necessário prestar atenção em algo que não esteja diretamente ligado à

existência própria. Para estes últimos, o que mais importa é de onde irão retirar

o sustento, que neste caso é o mar e o rio Pomonga.

Portanto, é essencial salientar que a importância minorada dada aos

ambientes de dunas pelos atores sociais entrevistados refere-se ao ambiente

físico de dunas, já que lhes faltam conhecimentos mais concretos sobre o valor

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do ambiente físico para o homem. A relevância do ambiente para estas

comunidades está associada ao conhecimento dos processos de conservação

e manejo tradicional verificado.

b) Atores sociais e criação do futuro Parque Estadual das Dunas

A fim de investigar a concepção acerca de conservação e de Unidades de

Conservação com as comunidades tradicionais, as entrevistas

semiestruturadas permitiram a criação das seguintes categorias de análise:

aqueles que nunca ouviram falar em UCs e não sabiam o que significavam,

mas emitiram opiniões próprias sobre conservação e b) aqueles que nunca

ouviram falar, não sabiam o que são UCs, mas também preferiram não opinar.

A primeira categoria está representada por 52% dos entrevistados. Nenhum

destes entrevistados tinha ouvido falar com precisão sobre Unidades de

Conservação (UC). Os 48% restantes correspondem àqueles que nunca

ouviram falar, não sabem o que são UCs, mas também preferiram não opinar.

Dessa maneira, o equivalente a 100% desconhecia a ideia de criação do futuro

parque no povoado Jatobá.

No que se refere aos entrevistados da primeira categoria, o fato de não

saber o significado de uma UC não os intimidou. Eles fizeram questão de falar

sobre o tema conservação, demonstrando que a sobrevivência, o lazer e o

ambiente em que vivem estão diretamente ligados às práticas de conservação.

P2 “Conservar é não destruir. É o governo criar um plano para vigiar, o meio

ambiente”.

P3 “A unidade de conservação deve ser para conservar algo, não sei o quê”.

Além de emitir opiniões sobre a importância de conservar, os entrevistados

deixaram explícito em suas falas que a conservação está associada à

participação das comunidades, o que denota o reconhecimento deles como

parte integrante do meio ecológico.

Ao perguntar sobre os benefícios da conservação, a partir da criação de uma

UC, foram obtidas respostas que revelam a importância de se considerar a

opinião de comunidades tradicionais nos processos de conservação,

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73

principalmente no que se refere à criação da Unidade de Proteção Integral, o

futuro Parque das Dunas.

P5 “O parque só irá trazer vantagens se houver participação das comunidades. As

comunidades podem fazer trabalhos de conscientização na área do parque. O Ibama e

as comunidades poderiam fazer um trabalho de conscientização. Prá gente salvar o

planeta tem que fazer um trabalho de conscientização, não é só culpar o poder

público. ..”.

P6 “A unidade seria fiscalizadora da manutenção dos recursos naturais, da

proteção. Nós seríamos a unidade e daríamos o toque de como proteger o meio

ambiente”.

As falas desses pescadores, enquanto participantes de uma comunidade

tradicional, seriam de extrema importância em uma audiência pública que

consultasse a todos e não apenas uma parcela de agentes sociais que não

entendem a realidade de quem a vivencia.

Observa-se que o IBAMA aparece nas falas como instituição promotora da

conservação para os entrevistados. O fato de o IBAMA ser órgão de

fiscalização frequente do meio ambiente naquela região por conta da existência

do projeto de Tartarugas Marinhas (TAMAR-ICMBio) leva às comunidades a

crer que esta instituição é a responsável pela defesa do meio ambiente em

Jatobá, inclusive pela criação da futura UC.

Ademais, pode-se inferir que os entrevistados mostram-se à disposição, até

mesmo dos órgãos públicos, quando se trata de conservar o ambiente,

expressando o desejo de proteção do meio natural.

Dando continuidade ao intento de desvendar a noção sobre os conceitos de

conservação dos entrevistados, foi perguntado aos sujeitos sociais sobre as

vantagens e desvantagens de uma UC na área para eles.

Apenas 52% dos entrevistados que opinaram sobre o tema conservação

falaram sobre vantagens e desvantagens da criação da futura UC.

As respostas caracterizam mais uma vez que eles entendem que

participarão da criação da futura UC7. Por outro lado, ao mesmo tempo em que

acreditam nas vantagens de proteção ao meio ambiente trazida, eles declaram

7A criação de uma Unidade de Proteção Integral coloca em risco a participação das

comunidades, já que impede o uso direto dos recursos, de acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (2000).

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ter medo do que este futuro parque possa causar para as comunidades

tradicionais.

P6 “Não existem desvantagens. A comunidade seria orientadora e faria o trabalho

de conscientização”.

P2 “Acho que o parque irá trazer emprego, segurança para as comunidades. A

desvantagem é que muitas famílias vão perder o acesso. Tem gente que vive do caju,

da mangaba...”

O temor que estas comunidades têm em relação à criação da futura UC na

área é o receio do impedimento da utilização dos recursos da área, excluindo-

as dos processos de conservação da biodiversidade.

Muitas famílias que vivem da mangaba na localidade, a partir dos desígnios

do SNUC, não deverão mais praticar o extrativismo na área do futuro parque

(atualmente de livre acesso), devendo procurar novas áreas para cata do fruto.

Como a região é repleta de pequenas propriedades rurais, o mais provável é

que aconteça o mesmo que ocorreu no povoado vizinho, Capoã: as catadoras

pagam para retirar o fruto ou então invadem áreas particulares, as chamadas

por elas próprias de “sítios de titio carreira”, de onde muitas saem ameaçadas

quando são flagradas retirando o fruto.

É importante considerar que os entrevistados que não emitiram opinião

sobre a futura UC, expressaram nas falas a insatisfação com a forma como

veem sendo tratados há anos no povoado Jatobá. Eles diziam que se sentem

esquecidos, que programas sociais surgem na localidade, representantes

destes programas colocam propostas, mas eles não enxergam os resultados.

Para estes entrevistados, os benefícios não chegam até eles e isso faz com

que se mantenham desacreditados de qualquer proposta. Isso pode ser

observado na fala de um dos pescadores:

P4“Aqui passa anos e anos e ninguém vem falar sobre isso. A gente tá cansado de

ouvir e não acontecer nada”.

P5 “ De todas as praias do Brasil a nossa é a mais esquecida. O governo e a

prefeitura não dão assistência a gente. A praia de Jatobá é uma praia de muita paz,

mas não tem assistência. É como se a Barra dos Coqueiros não existisse”.

A fala deste pescador expõe os anseios das comunidades por uma

assistência ambiental urgente, especialmente ao povoado Jatobá, tanto no que

se refere ao ambiente terrestre como ao ambiente marinho. Merece destaque a

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forma como ele vê a conservação e vê nos processos de “conscientização”

uma forma de ajudar a melhorar o meio ambiente como um todo a partir da

participação comunitária.

4 Considerações finais acerca do que a técnica AC foi capaz de

fornecer sobre os sentidos da conservação conferidos ao

ambiente de restingas pelas comunidades tradicionais de

Jatobá

É sabido que os estudos voltados para investigações que envolvam o

homem podem seguir diversas perspectivas metodológicas. Entretanto, é papel

do pesquisador identificar, a partir do objeto de pesquisa, quais

fundamentações teórico-metodológicas que darão a sustentação necessária

para gerar resultados confiáveis e que atendam ao propósito expresso nos

objetivos da pesquisa. Nesse sentido, para que isso aconteça, o pesquisador

deverá fazer revisões sobre os diversos métodos, técnicas e metodologias de

pesquisa.

A ideia de trazer uma abordagem metodológica e revelar de maneira prática

a forma como a pesquisa foi construída é algo que nos faz refletir acerca da

possibilidade de fazer outras pesquisas que tenham o mesmo interesse

científico e que possa trilhar um caminho parecido, no que se refere ao

cumprimento do rigor científico para alcance de resultados satisfatórios.

Seguindo as recomendações metodológicas da AC, descritas por Bardin, foi

possível investigar a realidade desconhecida de comunidades tradicionais que

fazem parte do contexto da conservação das áreas dunares no povoado Jatobá

e analisar de que maneira os sentidos da conservação são revelados em cada

categoria de análise que fora definida durante o processo de investigação.

Intenções que só tornaram-se realidade em virtude da realização de um

trabalho de observação prévio, que permitiu definir os atores a serem

investigados; porque os questionários e as entrevistas foram construídos com

base na realidade dos atores sociais; e porque as unidades de registro e

categorias de análise foram definidas a partir de instrumentos de trabalho bem

planejados.

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Dessa forma, foi possível enxergar a realidade atribuída ao ecossistema de

dunas, que se expressa em cada fala de pescadores, marisqueiras e catadoras

de mangaba. Foi percebido que os principais significados dados ao ambiente

de dunas pelas comunidades referem-se à subsistência, à proteção da

natureza e ao lazer que abre portas para o turismo. Foi permitido identificar

como essas comunidades são tratadas com esquecimento quando revelaram

não saber sobre a criação e implementação de uma unidade de conservação

na região. Além disso, observou-se a necessidade que eles têm de serem

reconhecidos como participantes ativos dos processos de conservação da

região. No mais, eles expressaram a necessidade da realização de trabalhos

de assistência ambiental em Jatobá, por parte de órgãos ambientais do estado,

a fim de despertar a valorização tanto da natureza, como das comunidades que

representam uma parte indissociável do ecossistema costeiro de dunas.

Investigações científicas como estas são capazes de tornar possível o

reconhecimento de povos, outrora esquecidos e de despertar para uma nova

forma de tratar as questões ambientais em locais não estudados, onde o

homem pode ser protagonista no processo. Cabe ao investigador, portanto,

escolher um relevante objeto de estudo, traçar os objetivos, escolher o

método/técnica de pesquisa e trilhar o caminho metodológico de maneira

rigorosa. Estes são passos-chave para a obtenção de resultados científicos

fidedignos.

Referências

BARDIN, L. Análise de Conteúdo.São Paulo: Edições 70 - Brasil, 2006.

BARDIN, L. Análise de Conteúdo.São Paulo: Edições 70 - Brasil, 2011.

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77

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CAPÍTULO 5

A PESCA ARTESANAL NA ILHA MEM DE SÁ:

METODOLOGIAS PARTICIPATIVAS E O DESVENDAR

DA REALIDADE-IMAGINÁRIO

Miria Cássia Oliveira Aragão1 Rosemeri Melo e Souza2

Resumo

O pescador artesanal, tradicionalmente herdou e aprendeu a lidar com ambiente natural, como também, possui um aguçado conhecimento do saber-fazer de seus instrumentos de trabalho. O pescador artesanal pertence a uma atmosfera diferenciada na qual se coaduna suas relações sociais e o ambiente habitado, e estes elementos compõem o cenário de sua própria existência. O presente artigo apresenta as tramas evidenciadas na lida diária da atividade pesqueira na ilha Mem de Sá tentando estabelecer os elos relacionais entre ambiente e cultura, bem como, os impasses amalgamados no seio desta relação e evidenciados por metodologias participativas. O trabalho de campo foi realizado em um longo período (iniciou-se em março de 2009 com término em novembro de 2010), com base na observação direta, na observação direta elaborada, bem como na realização de roteiros de entrevistas. Deste modo, foram descobertos que os processos ecossistêmicos são revelados na lógica como a comunidade organiza a sua vida evidenciada pelo trabalho e no conhecimento tradicional que carrega.

Palavras-Chave: Pesca. Artesanal. Relações sociais.

1Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Sergipe, Mestre em

Desenvolvimento e Meio Ambiente. Professora da Rede Estadual de Educação do Estado de Alagoas. E-mail: [email protected] 2 Pós-Doutora em Geografia Física (Biogeografia) pela GPEM/ The University of Queensland

Austrália. Doutora em Desenvolvimento Sustentável/ Gestão Ambiental (UnB). Pesquisadora do CNPq e Professora Associada do Núcleo de Engenharia Ambiental da UFS. Líder do Grupo de Pesquisa em Geoecologia e Planejamento Territorial Universidade Federal de Sergipe-

GEOPLAN. E-mail: [email protected]

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THE ARTISANAL FISHERIES IN MEM DE SA ISLAND:

PARTICIPATORY METHODOLOGIES AND THE UNVEILING OF

THE IMAGINARY-REALITY

Abstract

The artisanal fisherman, traditionally inherited and learned to deal with the natural environment, but also has a keen knowledge of the know-how of their tools. The artisanal fisherman belongs to a different atmosphere in which sit well their social relations and the environment inhabited, and these elements make up much of his own existence. This article presents the plots evidenced in the daily grind of fishing activities in the Mem de Sa island trying to establish the relational links between environment and culture, as well as the impasses amalgamated within this relationship and evidenced by participatory methodologies. Fieldwork was conducted over a long period (started in March 2009 with completion in November 2010), based on direct observation, elaborate direct observation, as well as interviews scripts. Thus it was discovered that ecosystem processes are revealed in logic as the community organizes its life evidenced by the work and traditional knowledge bearing.

Keywords: Fishing. Handmade. Social relations.

1 Introdução

O presente estudo se propôs a analisar a lógica de sobrevivência refletida

entre as sociabilidades e os saberes construídos no desenvolvimento das

práticas pesqueiras de uma comunidade de pescadores artesanais3.

A compreensão do modo de vida das comunidades de pescadores

artesanais requer a constatação de que na pesca o trabalho não é contínuo,

tendo seu ritmo ditado pela natureza e não por desígnios diretos das

relações sociais, no entanto, o saber tradicional sobre os processos

ecossistêmicos envolvidos na atividade é essencial para a existência do

próprio pescador (VALÊNCIO; MARTINS, 2004).

A comunidade Mem de Sá situa-se em uma ilha fluvial no estuário do rio

Vaza-Barris, (11º29’26”S e 06’46”W), localizada em Itaporanga D’Ajuda

3 O presente estudo é um recorte da dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação

em Desenvolvimento e Meio Ambiente- PRODEMA/UFS em 2011.

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(Figura1). Distante apenas 23 km da sede municipal e a 53 km de Aracaju,

capital do Estado de Sergipe.

Figura 1 - Localização do cenário do estudo. Organização: Rodrigo Lima. Fonte: Atlas Digital sobre os Recursos Hídricos de Sergipe- SEPLAN-SRH (2004).

Tendo pesca como principal fonte de renda e vida para os seus

habitantes a população da ilha é de aproximadamente 260 pessoas e a

maioria dos pescadores é registrada na Colônia Z-9, em Itaporanga D’Ajuda.

Algumas casas da comunidade são de taipa, porém, muitas delas já são de

alvenaria. A comunidade possui uma escola (Escola Municipal Waldemar

Fontes Cardoso), uma nova casa de farinha, uma igreja católica, uma igreja

evangélica e os moradores estão organizados em uma Associação

comunitária. A localidade tem energia elétrica, mas a água não é suficiente

para o abastecimento permanente de todas as moradias. Houve a retomada

do Grupo de Samba de Coco e do Reisado, bem como, no mês de

dezembro ocorre à tradicional festa da padroeira do povoado, Santa Luzia,

que por sua vez, precede a Festa do Caranguejo, realizada na última década

pelos moradores da ilha (EMBRAPA, 2007).

2 Metodologias Participativas

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No âmbito da construção sistemática da pesquisa as metodologias

participativas começaram a ser desenvolvidas com a – Realização do

Diagnóstico Rápido Participativo4 – DRP – do entorno da Reserva Ambiental

do Caju, campo Experimental da Empresa Brasileira de Pesquisa

Agropecuária- (Embrapa) tabuleiros Costeiros, no período de 2006-2008. No

desenvolver das ações referentes ao DRP foi sendo construída uma relação

de proximidade com a comunidade supracitada, como também, foi se

estabelecendo um bom relacionamento com os comunitários que

trabalhavam na sede da Reserva.

O trabalho de campo foi realizado em um longo período (iniciou-se em

março de 2009 com término em novembro de 2010), por dois motivos

principais: devido à complexidade da temática abordada, como também,

pelo próprio contexto da investigação científica – uma comunidade de

pescadores artesanais – a qual tem um ritmo de vida diferente e requer

antes mesmo da entrada do pesquisador para coleta de dados, um tempo de

adaptação a realidade local.

Foi necessária a utilização de instrumentos de pesquisa como: a

observação direta livre, a observação direta elaborada, diário de campo e

roteiros de entrevista.

A observação direta tornou-se instrumento primordial em todo o

desenvolver do estudo. Contudo, a distinguimos em dois procedimentos, a

saber, livre e elaborada.

A observação direta livre, ou seja, aquela aleatória, sem preocupação

com fatos, situações e sujeitos específicos foi um procedimento utilizado em

visitas a comunidade, as quais não eram realizadas reuniões formais entre a

equipe de pesquisadores e a comunidade, como também, na observação

geral do cotidiano. Já a observação direta elaborada, ou seja, previamente

orientada por roteiro, basicamente foi utilizada em reuniões com grupos

específicos da comunidade.

Também foi adotado um diário de campo, pois foi um procedimento

valioso, presente em quase todas as visitas a comunidade, além disso, para

composição dos saberes etnoictiológicos e etnoecológicos esse

4Método originário do trabalho de técnicos das agências governamentais de desenvolvimento

europeias que atuam no setor agropecuário em países asiáticos e africanos.

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procedimento foi de fundamental importância, pois eram anotadas

geralmente as inúmeras dúvidas sobre o ambiente de pesca para posterior

verificação com os pescadores artesanais.

Foram realizados roteiros de entrevistas com diferentes segmentos da

comunidade, os quais os informantes escolhidos seguiram critérios

previamente estabelecidos:

Informantes sobre a pesca artesanal: 1º ser nativo; 2º longa

experiência na atividade de pesca; e, 3º ser adulto ou idoso.

Realizadas 4 entrevistas com 4 informantes.

É importante ressaltar que, os roteiros de entrevista nem sempre

esgotavam a temática em apenas um dia. Nesse sentido, a realização dos

mesmos por vezes, continuou por vários dias. Sendo alguns gravados em

material audiovisual.

Todas essas técnicas de investigação foram necessárias, pois o pescador

artesanal, tradicionalmente herdou e aprendeu a lidar com ambiente natural,

como também, possui um aguçado conhecimento do saber-fazer de seus

instrumentos de trabalho. Assim, a relação do homem com a natureza

mediada pelo trabalho requer especial atenção, pois, a construção do ser

social é esculpida no âmbito do trabalho, condição modeladora dos

ambientes naturais e construídos, além de condutor das práticas sociais e da

reprodução humana.

3 O Desvendar da Realidade-Imaginário

As relações cotidianas do trabalho na pesca artesanal são diretamente

relacionadas e ao saber-fazer dos instrumentos, elementos envoltos em uma

herança cultural tradicional que permeia a “arte da pesca”. Na concepção de

Ramalho (2006) é impossível discutir a realidade da produção e da

reprodução social dos pescadores, ao longo do tempo, sem valorizar a

questão pertinente ao universo do trabalho, de sua estrutura e

desenvolvimento.

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Há uma maneira singular de se trabalhar na pesca, de viver na pesca e

de construir as relações com as pessoas e com os ecossistemas. É uma

maneira de viver organizada por um sentido interno, profundo e

tradicionalmente esculpido.

Os procedimentos metodológicos utilizados permitiram desvendar os

engenhosos ciclos da reprodução natural, os pescadores artesanais

desenvolvem uma aguçada sensibilidade de perceber o funcionamento dos

ecossistemas, saberes imprescindíveis para o sucesso do trabalho.

A pesca em estuário é intimamente relacionada à dinâmica dos

manguezais, não obstante, na ilha Mem de Sá o manguezal tem grande

relevância no tocante a diversidade dos construtos sociais, como também,

para a manutenção da diversidade ecológica.

De acordo com Nascimento (2008), os manguezais, ecossistemas

costeiros, são importantes sistemas constituídos por comunidades altamente

diversificadas que ocupam uma porção substancial das costas tropicais do

planeta, devido a sua estrutura, criam numerosos nichos para vários grupos

de animais que utilizam os diversos habitats para alimentação, reprodução,

desova, crescimento e também proteção de predadores.

O conhecimento sobre a estrutura do manguezal, de seu papel na cadeia

produtiva dos ecossistemas e dos mitos que o envolvem são saberes

revelados cotidianamente pelos pescadores artesanais locais. Esses

saberes desvendam um conhecimento sensível, adquirido, adquirido e

herdado, mas reconhecido e transmitido dentro dos círculos da construção

da realidade.

Existem pescadores artesanais diferenciados, como Seu Bebe, os quais

são reconhecidos na comunidade como homens de conhecimento

inigualável, inspiram respeito, são portadores da chave mãe, da alma da

pesca, são pescadores muito experientes e muito sábios.

No estuário, a pesca também depende muito do ritmo das marés e dos

tipos dos bosques de mangue. Nascimento (2008) enfatiza que os bosques

de mangue apresentam variabilidade quanto ao seu desenvolvimento

estrutural decorrente da resposta da vegetação e vários fatores operam com

distintas intensidades sobre o ambiente, na ilha Mem de Sá, os pescadores

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artesanais reconhecem as diferentes peculiaridades dos bosques de

mangue.

O manguezal que margeia a ilha além de cenário da realidade concreta

evidenciada nos saberes sobre o ambiente físico, também é palco de

fenômenos sobrenaturais relacionados ao imaginário dos pescadores locais.

De acordo com Diegues (2004), o processo de produção na pesca artesanal

incorpora elementos simbólicos que atuam não sobre a natureza, mas sobre

as forças sobrenaturais que garantem uma pesca proveitosa, e por vezes,

castigam os pescadores demasiadamente ambiciosos.

A caipora é um personagem sobrenatural que habita os mangues que

margeiam a ilha Mem de Sá, segundo os pescadores artesanais locais ela

gosta de fumo. Alguns pescadores relatam que não chegaram a ver a

caipora5, mas já chegaram a ficar perdidos no mangue, rodando várias

vezes pelo mesmo lugar sem encontrar a saída por efeito de feitiço. A

caipora é um ser encantado que vive no mangue e gosta que os pescadores

levem fumo pra ela, assim, quando contrariada pode desnortear os

pescadores os fazendo ficar perdidos no mangue. O manguezal é

compreendido como lugar de profundo conhecimento dos pescadores sobre

o ecossistema, mas também esconde mistérios e seres sobrenaturais que

permeiam o imaginário local.

As tramas entre ambiente e cultura perfazem o seu trajeto imbuído em

vários saberes e campos científicos, que vão além da esfera do trabalho

desenvolvido na pesca artesanal, mas que estão interconectados nesta

categoria analítica. Assim, relaciona-se com o conhecimento etnoictiológico

e etnoecológico tecendo as reciprocidades entre o ambiente e a cultura.

De acordo com Marques (2001), a etnoecologia é um campo de pesquisa

(científica) transdisciplinar que estuda os pensamentos (conhecimentos e

crenças), sentimentos e comportamentos que intermedeiam as interações

entre as populações humanas que os possuem e os demais elementos dos

ecossistemas que as incluem, bem como os impactos ambientais daí

decorrentes.

5 De acordo com os depoimentos dos pescadores locais eles nunca chegaram a ver a caipora,

ou talvez não possam dizer que viram temendo punições da caipora quando retornarem ao mangue.

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O modo como o conhecimento, os usos e os significados dos peixes

ocorrem nos diferentes grupos humanos é tema da investigação da

etnoictiologia, inclusa no âmbito da etnozoologia (estudo científico das

relações homem/animal), que por sua vez faz parte de uma disciplina mais

abrangente a etnobiologia (COSTA NETO, 2001).

Referente à etnoictiologia, observa-se que os pescadores artesanais da

ilha Mem de Sá reconhecem e classificam o pescado de acordo com códigos

próprios daqueles que habitem o território da pesca, pois, identificam o fruto

de seu trabalho pela percepção morfológica, descrevendo e nomeando a

topografia corporal.

Segundo Begossi (2004), os pescadores artesanais, tanto de água doce

como marinhos, não procuram suas presas ao acaso, mas as buscam em

locais específicos do rio ou do mar. Na ilha Mem de Sá os pescadores

reconhecem o posicionamento dos peixes em três níveis da coluna d’água

que habitam o rio/estuário, quais sejam os peixes de “veia d’água”, “os

peixes de mei‘água” e os “peixes de fundo”, compreendendo ainda as

subcategorias dos “peixes que pulam” a dos “peixes que se enterram no

costeiro” e a dos peixes que “viajam no canal”.

Os peixes, geralmente capturados na veia d’água são tainha “peixe que

pula”, sardinha, parú e xaréu, no costeiro, subnível situado abaixo da veia

d’água propriamente entre as raízes do mangue é o local onde se enterram

algumas espécies de peixes como mututuca, corombo, camuru. O canal,

subnível visível na maré baixa, é o local próprio das tainhas que também

podem ser encontradas na meia d’água e por fim o fundo onde se pode

capturar robalo, carapeba, mero, bagre, arraia e vermelho.

É relevante destacar que, o “fundo” é percebido como uma área

pesqueira importante, pois a maioria das etnoespécies6 de maior retorno

econômico para o comércio local, frequentam este nível, como as carapebas

(gerreídeos) e os robalos (centropomídeos) (COSTA NETO, 2001).

Contudo, na ilha Mem de Sá os demais níveis da coluna d’água também

tem grande importância comercial, pois a tainha é a principal espécie

comercializada. Sendo possível encontrar quatro etnoespécies de tainha na

6Denominação para as espécies, geralmente de uma mesma família, com nomes diferenciados

de acordo com características reconhecidas pelos nativos.

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localidade, são elas: zeteira, tainha de olho preto, tainha de olho de fogo

(vermelha) e tainha meio-olho.

A classificação dos peixes é peculiar, pois também são identificados

segundo atributos e categorias relacionadas com a vida humana, animais

terrestres e aves, esses atributos referem-se tanto as características

externas como as personificações: os peixes são espertos ou lerdos, alguns

são mais sensíveis que outros (DIEGUES, 2004).

Os pescadores da ilha Mem de Sá, assim como, os descritos em Siribinha

no litoral baiano estudados por Costa Neto (2001), não apenas reconhecem

onde e quando pescar, mas sabem como determinado peixe se comporta.

Nesse sentido, o conhecimento tradicional da pesca é empírico e prático,

combinando informações sobre o comportamento dos peixes, taxonomias e

classificação de espécies e habitat, assegurando capturas regulares e,

muitas vezes, a sustentabilidade, em longo prazo da atividade pesqueira

(DIEGUES, 2004).

Os saberes etnoictiológicos são os teares para o trabalho na pesca

artesanal na ilha Mem de Sá, e os interligando aos saberes etnoecológicos

foi possível delinear um calendário que organiza a vida dos pescadores

artesanais.

A partir da combinação dos procedimentos metodológicos foi construído

um calendário etnoecológico com os principais fenômenos que influenciam e

orientam o trabalho pesqueiro, sendo notórias as conexões e a

interdependência entre os aspectos culturais e o ambiente, ou seja, o

calendário etnoecológico destaca a circularidade dos conhecimentos

compartilhados e transmitidos entre as gerações, os quais são de cunho

ecológico, mas configurados nas “redes” culturais das tramas

socioambientais ao longo do tempo (Tabela 1).

Desta maneira, é reconhecido que a reprodução do caranguejo é de

“andada”. Assim, no mês de janeiro os caranguejos estão “ovando” e em

março já estão produzindo, época da “1ª andada”, no envoltório desse ciclo,

culturalmente observa-se que na época do São João7 (junho) o caranguejo

7As chamadas festas juninas reúnem as homenagens aos principais santos reverenciados no

mês de junho: Santo Antônio, São João e São Pedro. As referidas festas têm no nordeste grande notoriedade e simbolismo.

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descasca, ou seja, troca de casco para dá continuidade ao crescimento. E

justamente, nos meses antecedentes e precedentes ao São João é que se

observa a maior produção do mangue.

Tabela 01: Calendário etnoecológico elaborado a partir dos saberes dos pescadores da Ilha

Mem de Sá, julho de 2010.

QUARESMA

Época do aratu

descascar. “sumiço do aratu”

ovando

1ª andada

Do

caranguejo

Época do

Caranguejo

descascar

Janeiro Fevereir

o

Março Abril Maio Junho

São João

Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro

Tainha

ovando

Tainha

ovando

Tainha

ovando

Produção

do

mangue

Produção

do

mangue

Produção

do

mangue

Desova

da

tainha

Desova

da

tainha

Robalo

ovando

Desova

da

Tainha

Robalo

Ovando

Época de

captura

da

carapeba

Época de

captura da

carapeba

Festa do

caranguejo

“Época que dá mais peixe

de fundo”

Época do caranguejo mole

Fonte: Marques (2001); Costa Neto (2001)

O conhecimento sobre os ciclos do aratu também é relevante ao contexto

da comunidade Mem de Sá, uma vez que, o catado do aratu é um dos

principais produtos comerciais da localidade. Nesse sentindo, nota-se que a

reprodução do aratu é por maré, ou seja, tem “tufa” de oito em oito. A “tufa”

dá em qualquer maré, “tufa” é a criação.

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O calendário etnoecológico também demonstra que as relações de

trabalho no ambiente pesqueiro, em especial com relação ao aratu,

evidenciam fenômenos inexplicáveis e reconhecidos coletivamente como

misteriosos e Divinos.

No período da quaresma8 o trabalho da cata ou pesca do aratu é

impraticável devido ser a época da troca de sua casca. O aspecto

interessante é que a quaresma não tem dias e meses fixos podendo

acontecer de março a abril de cada ano, no entanto, é reconhecido

culturalmente pelos pescadores da ilha Mem de Sá que o aratu só descasca

na data correspondente a da quaresma.

No ultimo mês do ano, em dezembro, foi evidenciado no calendário

etnoecológico a festa do caranguejo. Está festa, surgiu do anseio da

comunidade em ter uma ressaca para a festa da padroeira Santa Luzia,

assim, na segunda-feira posterior alguns moradores da ilha saiam para o

mangue para capturar caranguejo e em seguida festejar junto à comunidade.

Ao longo do tempo, a festividade cresceu e foram incorporadas comidas,

bebidas e bandas de música. No entanto, o aspecto relevante da festa é a

conexão entre cultura e ambiente, tendo o ambiente natural completamente

enraizado nas relações cotidianas a comunidade recria expressões culturais

baseadas nas relações de trabalho com o ambiente circundante.

São expressos no calendário etnoecológico os meses propícios a alguns

ciclos relacionados às principais espécies de peixes capturados pelos

pescadores artesanais locais, a saber, tainha, robalo e carapeba, uma vez

que, o trabalho de captura é orientado pelo conhecimento sobre os mesmos.

Considerações Finais

O calendário etnoecológico demonstra, assim como afirma Diegues,

(2004), que os pescadores artesanais vivem sob frequência os ciclos

naturais, que determinam os períodos de aparecimento de certas espécies

8A palavra Quaresma vem do latim quadragésima e é utilizada para designar o período de

quarenta dias que antecedem a festa ápice do cristianismo: a ressurreição de Jesus Cristo, comemorada no famoso Domingo de Páscoa.

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de pescado, bem como dependem muito fortemente das marés, destacando

como em todos os países do mundo que a pesca artesanal é uma atividade

cíclica com períodos de maior ou menor intensidade de trabalho, com horas

de espera e horas de extremo esforço físico. Como também, salienta-se o

caminho das relações culturais locais estabelecidas.

Portanto, os processos ecossistêmicos são revelados na lógica como a

comunidade organiza a sua vida evidenciada pelo trabalho e no

conhecimento tradicional que carrega. Melo e Souza (2007), destaca que

culturas e saberes desenvolvidos tradicionalmente podem contribuir para a

manutenção da biodiversidade dos ecossistemas, de modo a conciliar suas

práticas e seu conhecimento sobre os ambientes onde vivem para fins de

conservação do substrato mantenedor de sua cultura que tais ambientes

representam. Tendo nas metodologias participativas seu desvendamento.

Referências

BEGOSSI, A. Ecologia humana: ecologia de pescadores da Mata Atlântica e da Amazônia. São Paulo: Hucitec: NEPAM/UNICAMP: NAPAUB/ USP, 2004.

COSTA NETO, E. M. A cultura pesqueira do litoral norte da Bahia: etnoictiologia, desenvolvimento e sustentabilidade. Salvador: EDUFBA; Maceió: EDUFAL, 2001.

DIEGUES, A. C. As áreas naturais protegidas: o mito do paraíso desabitado. In: XVIII Encontro Anual da Associação Nacional Pós-Graduação em Ciências Sociais- ANPOCS. Anais impressos: Caxambú- MG. 1994

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RAMALHO, C. W. N. Ah, esse povo do mar! Um estudo sobre trabalho e pertencimento na pesca artesanal pernambucana. São Paulo: Polis, SP: CERES, 2006.

VALENCIO, N. F. L. da S.; MARTINS, R. C. Novas institucionalidades na gestão de águas e poder local: os limites territoriais da democracia decisória. Revista Internacional de Desenvolvimento Local, v. 5. n.º 8, mar., 2004.

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CAPÍTULO 6

MULHERES DAS MARÉS:

METODOLOGIA APLICADA NA ANÁLISE

GEOGRÁFICA DO TRABALHO FEMININO NA PESCA

Eline Almeida Santos1 Rosemeri Melo e Souza2

Resumo

O presente artigo tece uma discussão sobre os aspectos metodológicos utilizados para a análise geográfica do trabalho feminino no espaço da pesca artesanal. O recorte territorial do estudo foi o povoado Taiçoca de Fora, localizado no município de Nossa Senhora do Socorro, Sergipe. A análise esteve fundamentada no método fenomenológico e os procedimentos metodológicos utilizados englobaram levantamento bibliográfico e pesquisa de campo (observação, registro fotográfico e aplicação de entrevistas) sublinhando os processos inerentes aos saberes dos indivíduos envoltos na pesca. O manguezal representa a conexão entre os pescadores, principalmente as pescadoras e o ambiente. Na comunidade analisada a jornada de trabalho diária é delineada através do fluxo da maré cheia e seca que determina as estratégias utilizadas, as espécies extraídas, os petrechos e o trajeto a ser percorrido para o trabalho nos pontos de pesca. O trabalho das mulheres pescadoras (marisqueiras) ocorre principalmente no mangue. A relevância do estudo está calcada na possibilidade de pôr em evidência grupos e fenômenos que por muito tempo foram negados nas discussões acadêmicas e político-sociais, bem como confrontar a teoria à prática vivenciada.

Palavras-chave: Conhecimento científico. Fenomenologia. Pesca artesanal. Gênero.

1 Doutoranda em Geografia pelo PPGEO/UFS, Bolsista FAPITEC/SE, Estudante associada ao

GEOPLAN, [email protected]. 2 Pós-Doutora em Biogeografia pela The University of Queensland (Austrália), Professora

Associada do Núcleo de Engenharia Ambiental e da Pós-Graduação em Geografia e em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Líder do GEOPLAN/CNPq - UFS, [email protected].

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WOMEN OF TIDES:

METHODOLOGY APPLIED IN GEOGRAPHICAL

ANALYSIS OF FEMALE WORK ON FISHING

Abstract

This article presents a discussion on the methodological aspects used for the geographic analysis of women's work within the small-scale fishing. The territorial clipping of the study was the Taiçoca de Fora village, placed on the municipality of Nossa Senhora do Socorro, Sergipe. The analysis was based on the phenomenological method and the methodological procedures used encompasses literature and field research (observation, photographic documentation and application of interviews) underlining the processes inherent in knowledge of individuals involved in fishing. The mangrove represents the connection between fishermen, mainly fisherwomen and the environment. In the community analyzed the daily working hours is outlined through the flux of high tide and low tide, which determines the strategies used, the extracted species, equipment and the route to be followed to work in the fishing places. The work of the fisherwomen (marisqueiras) occurs mainly in the mangroves. The relevance of the study is based on the possibility to highlight groups and phenomena that have long been denied in the academic and socio-political discussions, and also confront theory and experienced practice. Keywords: Scientific knowledge. Phenomenology. Small-scale fishing. Gender.

1 Introdução

O conhecimento de hoje pode ser negado amanhã, o que faz da ciência um processo em constante criação e não uma verdade absoluta. A ciência dá soluções na medida em que levanta novos problemas. Assim, a ciência está muito mais próxima de nossa ignorância do que de nossas certezas.

(GOLDENBERG, 2004, p.103)

Toda pesquisa parte da motivação em desvendar a realidade. Porém, esta é

dinâmica e complexa, levando a uma busca instigante e contínua.

A pesquisa permite a obtenção de novos conhecimentos no campo da

realidade social e apresenta como objetivo fundamental descobrir respostas

para os problemas mediante procedimentos científicos (GIL, 1999). Estes

configuram o caminhar da investigação científica e conduzem o pesquisador no

descortinamento do objeto analisado. Esse caminhar corresponde ao método,

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processo pelo qual se busca explicações para os aspectos não revelados e que

engloba um conjunto de procedimentos técnicos e intelectuais sistematizados,

fundamental na construção do conhecimento científico.

Cabe ao pesquisador o entrelaçamento do teórico com os fenômenos

investigados, pois ele é quem acumula os dados mensurados e, sobretudo

quem nunca desiste de questionar a realidade, sabendo que qualquer

conhecimento é apenas recorte (DEMO, 2006).

As reflexões apresentadas neste texto resultaram da pesquisa desenvolvida

no mestrado intitulada (Re) produção social e dinâmica ambiental no

espaço da pesca: reconstruindo a territorialidade das marisqueiras em Taiçoca

de Fora–Nossa Senhora do Socorro /SE, cujo objetivo foi analisar o papel das

pescadoras na organização e manutenção da atividade pesqueira.

O estudo esteve pautado não apenas na relação trabalho feminino e espaço

pesqueiro, mas também nas transformações resultantes das inter-relações

entre homens e mulheres no espaço socialmente (re) produzido através do

trabalho, do modo de vida da comunidade e dos saberes que permitem fundar

o sentido do grupo.

Os estudos sobre a pesca no Brasil, sobretudo a artesanal, raramente são

difundidos. Alguns autores (SILVANO, 2004; VASCONCELLOS, DIEGUES e

SALES, 2004) apontam que grande parte dos dados disponíveis encontra-se

em fontes secundárias, como teses e relatórios não publicados.

A pesca artesanal é desenvolvida a partir da utilização de embarcações

rudimentares (canoa, por exemplo), instrumentos elaborados pelos

comunitários e auxílio da família. O manejo e a gestão das áreas naturais são

profundamente influenciados pela visão de mundo, práticas culturais e

simbólicas dessas comunidades.

A mulher atua na pesca artesanal, contribuindo para a conservação do meio

e o sustento da família. Porém, enfrenta muitos obstáculos, especialmente

quando o assunto é valorização e reconhecimento profissional, visto que há

diferenças em termos salariais e direitos sociais.

Rocha (2010) afirma que embora existam estudos sobre a produção da

mulher no setor pesqueiro, pouco ainda se sabe sobre a realidade dessa

produtora, e muito menos a dinâmica da sua atividade. Essa realidade ainda

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94

não é traduzida em números, uma vez que as mulheres não aparecem nas

estatísticas oficiais.

Diante desse quadro, torna-se relevante a discussão do caminho construído

para a análise geográfica do trabalho feminino na pesca, considerando as

relações que se estabelecem entre mulheres e homens nesse espaço.

Os rebatimentos de gênero no espaço ocorrem a partir das relações

estabelecidas na organização da atividade, nas transformações provocadas no

espaço da pesca pelo trabalho feminino, levando em consideração a dinâmica

ambiental e as atividades desenvolvidas pelas marisqueiras. Atividades

consideradas de especial interesse para a Geografia e demais campos do

conhecimento (Sociologia, Antropologia, Educação etc.) por permitir a

investigação de novas problemáticas tais como: a análise de territórios do

cotidiano, as questões entre gênero, trabalho e meio ambiente, reflexão acerca

dos saberes tradicionais e sustentabilidade.

Nessa perspectiva, este artigo discorre sobre os aspectos metodológicos

utilizados para a análise geográfica do trabalho feminino no espaço da pesca

artesanal.

O artigo está dividido em duas seções, além desta introdução. A primeira

traz a discussão sobre o percurso metodológico utilizado, com a descrição das

etapas e técnicas empregadas, destacando o uso de instrumentos que

delinearam a pesquisa qualitativa. A segunda seção ressalta os principais

resultados obtidos no desenvolvimento do estudo, bem como a discussão das

variáveis elencadas no percurso. Por fim, têm-se as considerações sobre os

avanços e entraves vivenciados no desvelar do objeto analisado.

Destarte, a relevância em apresentar o desenho elaborado para a análise da

atuação da mulher na pesca artesanal está calcada na possibilidade de pôr em

evidência grupos e fenômenos que por muito tempo foram negados nas

discussões acadêmicas e político-sociais; salientar objetos que se encontram à

margem do interesse de pesquisadores; confrontar a teoria à prática

vivenciada; trazer à luz a organização da atividade extrativista, suas

potencialidades e deficiências a fim de caminhar para um planejamento do uso

dos recursos pesqueiros que leve em consideração a participação dos

comunitários.

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2 Trilhando o conhecimento: o desvelar da pesquisa sobre

mulheres na pesca artesanal

“Você se recorda do que disse Kant: o cientista não é um discípulo mudo perante os fatos. Os fatos não falam. Em si, nada significam. São mudos e cegos. O cientista é o juiz. Faz perguntas. E pergunta, porque a sua razão só se satisfaz ao compreender o complô, a trama, a teia de relações que torna os fatos inteligíveis”. (ALVES, 2002, p.108)

2.1 Fenomenologia e abordagem qualitativa na análise geográfica em

comunidades de pescadores artesanais

Demo (1996) enfatiza que a construção do novo conhecimento é efetivada

através dos passos metodológicos, delineados em várias partes, por meio das

técnicas e dos métodos implicados, das leituras e discussões enfrentadas,

sobretudo da pretensão de cientificidade.

A pesquisa sobre o trabalho das mulheres na pesca artesanal esteve foi

fundamentada no método fenomenológico que permitiu analisar “o mundo ou a

realidade como um conjunto de significações ou de sentidos que são

produzidos pela consciência ou pela razão” (CHAUI, 2000, p.102, grifos da

autora).

A fenomenologia de Edmund Husserl é uma importante corrente filosófica

iniciada no séc. XX. Ela “ressalta a ideia de que o mundo é criado pela

consciência, o que implica o reconhecimento da importância do sujeito no

processo de construção do conhecimento” (GIL, 1999, p. 33). Ela “se opõe à

separação entre o produtor do conhecimento e o conhecimento. Toda

consciência é intencional e o conhecimento é resultado da interação entre o

que o sujeito observa e o sentido que fornece a coisa conhecida” (CIRIBELLI,

2000, p. 21).

No método fenomenológico (NOGUEIRA, 2005), o espaço geográfico é

analisado enquanto espaço das experiências vividas, como fenômeno por

homens que nele vivem. Os sujeitos das pesquisas não são percebidos como

meros informantes, mas são reconhecidos como autores, pois a experiência

vivida por eles foi a principal fonte de interpretação para a reflexão.

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96

A abordagem metodológica que estruturou a pesquisa esteve norteada pelos

aspectos de pesquisa qualitativa. Para Goldenberg (2004, p.14), na pesquisa

qualitativa “a preocupação do pesquisador não é com a representatividade

numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da compreensão

de um grupo social [...]”. Esse princípio demarcou toda a pesquisa, pois a

análise da (re) produção social e da dinâmica ambiental na Taiçoca de Fora,

área de estudo, foi pautada na investigação das transformações ocorridas no

espaço pesqueiro a partir do trabalho de indivíduos envolvidos na atividade e

na relação entre estes e o ambiente, no qual desenvolvem as atividades de

pesca.

2.2 Recorte territorial e as técnicas implementadas no percurso

metodológico

2.2.1 Área de estudo

O recorte territorial utilizado para o desenvolvimento da pesquisa foi o

povoado Taiçoca de Fora, localizado no município Nossa Senhora do Socorro,

Grande Aracaju, Sergipe e que possui uma população residente de

aproximadamente 6000 habitantes (Cf. UBS3, 2011). Ele está dividido nas

localidades de Bolandeira, Barreira e Canabrava (Figura 1).

Existem suposições a respeito da origem do nome do povoado.

Moradores antigos afirmam que o nome é formado da junção das palavras

indígenas taóka (formiga pardo-avermelhada encontrada em área de

manguezal) e oca (habitação típica dos povos indígenas). Eles justificam tal

afirmativa pelo fato de ter existido há muito tempo uma tribo indígena na

localidade.

Estudioso da história de Nossa Senhora de Socorro, Manoel Messias

(secretário de meio ambiente do município) acredita que o nome pode ser

originado, além disso, de um tipo de capim que ali existia chamado taiçoca.

3 Unidade Básica de Saúde

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[...] taiçoca, dizem que existe um capim chamado taiçoca e que ali tinha... E taiçoca, também, vem dos antigos, dos índios. Uma palavra que vem de taioca [...] que é uma formiga grande. Diz que ali tinha muito também. Isso é história que contam os mais velhos. Como tinha essa taioca grande, que alguns indígenas chamavam de taiçoca [...] deu essa mistura de nome e deu taiçoca (Sr Manoel Messias).

Figura 1- Povoado Taiçoca de Fora e Localidades Fonte: Atlas Digital de Recursos Hídricos de Sergipe, SEMARH (2011); Banco de Dados dos Trabalhos de Campo (2012).

O ambiente natural do povoado é caracterizado principalmente pelo

manguezal e a pesca se constitui como principal fonte de renda, pois cerca de

90% da população residente desenvolve a atividade. Dentre os animais

capturados na localidade, destacam-se o sururu (Mytella guyanensis) e o

sutinga (Mytella charruana). Atravessadores e pequenas famílias geram renda

a partir do fornecimento dos moluscos que são capturados nos rios do Sal,

Cajaíba e Cotinguiba, à margem da localidade.

2.2.2 Etapas da pesquisa

Para confrontar a visão teórica com os dados da realidade, fez-se

necessário traçar um modelo conceitual e operativo do estudo. Com base nos

procedimentos técnicos utilizados, a pesquisa contemplou as seguintes etapas:

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a) Levantamento bibliográfico e documental dos dados secundários

Os fundamentos teóricos foram construídos a partir das leituras de gênero,

trabalho, territorialidade e representação social (categorias-mestras do estudo),

sendo extraídos de livros, periódicos, anais de eventos, dissertações de

mestrado e teses de doutorado.

O levantamento documental baseou-se na coleta de dados sobre a pesca,

aspectos socioeconômicos e atuação do Estado em sites da administração

pública, tais como a Prefeitura Municipal de Nossa Senhora do Socorro e IBGE

(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística); além da visita a órgãos

públicos, a exemplo do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e

Recursos Naturais Renováveis), SEMAIMAP (Secretaria Municipal de

Agricultura, Irrigação, Meio Ambiente e Pesca) e MPA (Ministério da Pesca e

Aquicultura).

b) Pesquisa de campo

No período de investigação, foram realizadas 13 visitas a comunidade (de

maio de 2011 a janeiro de 2012).

Nas visitas ocorreram observações por meio das jornadas de convívio,

momento em que a pesquisadora participou de reuniões com a comunidade, de

eventos que traduziram as manifestações religiosas presentes na localidade

(procissão de São Pedro Pescador) e de atividades no rio e manguezal.

Além do mais, houve a aplicação de 35 entrevistas, realizadas em dois

momentos: no primeiro, por meio de entrevista semiestruturada, foram

inquiridos indivíduos que possuíam relação com a pesca (pescadoras,

pescadores, representantes comunitários, representantes de colônia de

pescadores e gestores públicos). No segundo momento, foram inquiridas

apenas as marisqueiras (que tivessem a pesca como única fonte de renda, que

desenvolvessem a pesca a mais de dez anos, que possuíssem mais de vinte

anos de idade, que fossem residentes do povoado e que tivessem acesso

facilitado à entrevista), utilizando-se a técnica de entrevista em profundidade.

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99

A entrevista é uma técnica que permite a apreensão da realidade por meio

da percepção e da vivência dos indivíduos nela inseridos. A entrevista

semiestruturada utilizada na pesquisa em evidência corresponde à aplicação

de um roteiro com questões abertas acerca da temática analisada. É relevante

por almejar a compreensão de “uma realidade particular e assumir um forte

compromisso com a transformação social, por meio da auto-reflexão e da ação

emancipatória que pretende desencadear nos próprios participantes”

(FRASER; GONDIM, 2004, p.145). Enquanto a entrevista em profundidade,

outro instrumento empregado no estudo, permitiu a apreensão da realidade a

partir da análise profunda das questões apresentadas pelo entrevistado e da

descrição de processos complexos nos quais o entrevistado está ou esteve

envolvido.

De acordo com Richardson (2007), a entrevista em profundidade visa obter

informações detalhadas que possam ser utilizadas numa análise qualitativa.

A seleção da amostragem ocorreu a partir da aplicação da técnica “bola de

neve” (snowball), que consiste, na primeira etapa, na seleção de algumas

pessoas que atendem a pré-requisitos estabelecidos. Essas pessoas são

usadas como informantes para identificar outras pessoas que possam ser

incluídas na amostra.

O georreferenciamento foi outro procedimento utilizado no trabalho de

campo. Com a utilização de GPS (Global Positioning System) de navegação

Garmin Etrex, câmera fotográfica e gravador mp4 foram registrados os pontos

de pesca mais utilizados pelas pescadoras (marisqueiras) e pescadores da

Taiçoca de Fora.

O levantamento dos pontos de pesca foi realizado com auxilio de

informantes nativos (pescadores e marisqueiras) que possuíam um profundo

conhecimento da área de estudo. Eles conduziram e orientaram todo o trajeto,

percorrendo com um barco a motor os afluentes do rio Cotinguiba que banham

desde a Taiçoca de Fora até Pedra Branca (Laranjeiras). Além de

georreferenciar os pontos de pesca, foram levantadas as artes de pescas,

lendas folclóricas, tipo de pescado e marisco que são extraídos em cada

localidade.

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c) Tratamento dos dados

Os dados colhidos nas entrevistas foram sistematizados de maneira a

possibilitar a construção de gráficos, tabelas e quadros para uma melhor

compreensão do problema de pesquisa, a partir de uma análise crítica e

reflexiva na comunidade estudada.

O levantamento dos pontos de pesca possibilitou a elaboração de mapas

temáticos a respeito da área de atuação das pescadoras (marisqueiras) e

pescadores nas proximidades da foz do rio Cotinguiba. Para isso, foram

utilizadas técnicas de geoprocessamento em Sistemas de Informações

Geográficas (SIG), através do software ArcGIS 10 e a construção de bancos de

dados geográficos realizados em projeção cartográfica UTM, Datum SIRGAS

2000, zona 24 Sul.

3 Mapeamento do trabalho das pescadoras em Nossa Senhora

do Socorro/SE

Pescador é aquele que conhece os caminhos e segredos do mar e do estuário, o que produz um sentimento de pertença a um grupo e, consequentemente, a um território. O ordenamento e uso dos espaços naturais aquáticos são resultados da experiência e conhecimento de vida. (RAMALHO, 2006, p.56)

3.1 Perfil socioeconômico das pescadoras da Taiçoca de Fora/SE

O perfil socioeconômico foi traçado a partir de entrevistas realizadas a 14

mulheres que possuíam uma intrínseca relação com a pesca. Essas mulheres

tinham idade entre 31 e 58 anos, o que favoreceu o entendimento da atividade

pesqueira, devido ao conhecimento adquirido por elas ao longo dos anos.

A maior parte das mulheres pescadoras entrevistadas possuía união estável

(64,3%), elemento que traz uma relevância social para elas que atribuem ao

homem o direcionamento familiar, mesmo que na realidade seja realizado

pelas mesmas.

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As famílias eram compostas em grande parte por mais de cinco pessoas

(35,7%), tendo famílias que possuíam até onze integrantes. Tal número de

componentes justifica-se pelo fato de os filhos auxiliarem no desenvolvimento

da atividade e contribuírem para a complementação da renda familiar.

O grau de instrução foi considerado baixo, pois as mulheres em sua maioria

(64,3%) tinham o ensino fundamental incompleto. Havia aquelas que não

sabiam ler nem escrever (14,3%) e uma pequena porcentagem que se

encontrava no ensino médio. Muitas atribuem a baixa escolaridade ao trabalho

árduo na maré que impossibilitou a freqüência à unidade escolar. “Não

estudei, minha escola foi a maré” (Srª M. A., marisqueira da Canabrava).

A baixa escolaridade evidenciada em comunidades que desenvolvem a

pesca pode ser corroborada pelo distanciamento existente entre o currículo

escolar e o calendário pesqueiro. Como não há uma integração entre o

currículo e a realidade pesqueira, muitos pescadores são obrigados a

abandonar a escola, havendo assim um elevado índice de evasão escolar.

As mulheres pescadoras entrevistadas trabalhavam em média cinco dias,

sendo cinco horas no complexo estuário-manguezal (podendo variar a

depender da necessidade financeira): “Depende da fome quando bate” (Srª

D.J.S, marisqueira da Bolandeira). Complementavam sua carga horária com os

afazeres domésticos e no tratamento do marisco, atribuindo à pesca mais de

onze horas diárias. Financeiramente o esforço diário não era recompensado,

visto que a maioria (71,4%) vivia com até R$ 620,00 (seiscentos e vinte reais).

Das mulheres entrevistadas, a maioria (43%) era registrada na colônia Z-6

(sede no Conjunto João Alves, em Nossa Senhora do Socorro) devido à

proximidade ao povoado e por facilitar a resolução de problemas. Enquanto na

Z-14 (caracterizada por ser a primeira colônia de Sergipe, por englobar

pescadores de São Cristóvão, Nossa Senhora do Socorro, Aracaju, entre

outros) estavam registradas 28% das mulheres inquiridas. Porém, um número

significativo de mulheres não tinha registro (29%), em razão da idade

ultrapassada para o registro, não credibilidade da colônia, registro cancelado,

falta de informação e o distanciamento entre a colônia e os pescadores.

4De acordo com o MPA-SE no primeiro semestre de 2011 existiam 7000 registros. Desses,

apenas 2000 eram de pescadores de Aracaju.

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O distanciamento existente entre colônia e alguns pescadores colabora para

o enfraquecimento da luta da categoria pela visibilidade da pesca nas

discussões na esfera pública.

3.2 Uso e manejo do ambiente pelas pescadoras do Povoado Taiçoca de

Fora/SE

O manguezal representa a conexão entre os pescadores, sobretudo as

pescadoras, e o ambiente. A sua dinâmica é intensamente influenciada pelas

marés e isso reflete na dinâmica da atividade pesqueira que é configurada a

partir do ritmo da natureza. A jornada de trabalho diária é delineada através do

fluxo da maré cheia e seca que determina as estratégias utilizadas, as espécies

extraídas, os petrechos e o trajeto a ser percorrido para o trabalho nos pontos

de pesca.

É preciso saber da maré por causa dos horários. Não pesca qualquer dia. A cada dia ela muda uma hora. Quando ela “tá” cheia dá pra “pescá”. Quando enche de madrugada só dá pra “pescá” três ou quatro horas da tarde (Srª L.H., pescadeira da Canabrava).

No tocante ao trabalho na pesca, as mulheres pescadoras da Taiçoca de

Fora capturam com maior frequência mariscos como o sururu (Mytella

guyanensis) e a ostra (Crassostrea rhizophorae); os homens, por sua vez,

desenvolvem atividades no canal fluvial extraindo espécies de peixe, dentre

elas: robalo (Centropomus spp.), tainha (Mugil curema), bagre (Tachysurus

spp), carapeba (Diapterus rhombeus), curimã (Mugil spp.) etc.

Para a extração dos mariscos, as marisqueiras se deslocam em grupo para

os pontos de pesca por meio de canoa motorizada, quando distantes; utilizam

instrumentos simples para a sua coleta, confeccionados por elas, como o dedo

de pau5, utilizado para a retirada do sururu. Este molusco também pode ser

retirado com o dedo, técnica mais utilizada pelas mulheres da localidade e que

consiste na retirada do molusco ao inserir o dedo no solo lamoso (Figura 2). Já

a ostra é retirada das gaiteiras do mangue por meio de faca ou facão.

5 Arte de pesca confeccionada com madeira.

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O sutinga (Mytella charruana), um dos principais mariscos extraídos na

localidade, tem a sua coleta realizada predominantemente por homens,

cabendo à mulher a separação do molusco da concha e a sua venda. Para a

sua extração eles utilizam facão e é preciso que o pescador mergulhe para

cortar o “tapete" que o marisco forma no leito do rio. Contudo, o mergulho é

considerado perigoso por causa dos acidentes com águas-vivas que

contribuem para as constantes queimaduras.

Figura 2- Marisqueira extraindo sururu em Taiçoca de Fora-SE Fonte: SANTOS (2011).

Diante do que foi apresentado, é evidente a íntima relação que as

pescadoras possuem com o ambiente, relações estabelecidas a partir das

maneiras de fazer cotidianas, do convívio com os demais e do conhecimento

adquirido no manejo do ambiente estuarino.

3.3 Territorialidade do trabalho feminino na pesca artesanal em Taiçoca

de Fora

Na relação entre comunidade, seu patrimônio ecológico (MELO e SOUZA;

COSTA, 2011) e sua herança social é que são estabelecidas as

territorialidades. Assim, a territorialidade manifestada tanto na exposição dos

saberes locais quanto nas designações dos lugares possuídos podem revelar

peculiaridades sobre a relação de trabalho e gênero.

Os lugares possuídos correspondem aos pontos de pescas que se

caracterizam como locais nos quais se realizam as pescarias e que são

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demarcados a partir do conhecimento ecológico, das relações estabelecidas no

espaço pesqueiro e da territorialidade manifestada em locuções do tipo lugar

de, revelando a posse adquirida pelo uso consuetudinário do ambiente.

Na comunidade analisada os principais pontos de pesca foram

georreferenciados. Com base nisso, nos relatos dos pescadores e no estudo

de Khun (2009) sobre os territórios dos pescadores artesanais de São

Francisco do Paraguaçu-Bahia foi elaborado o mapa apresentando a

espacialização das atividades das pescadoras na foz do rio Cotinguiba.

Na análise foram elencados três territórios produtivos (Figura 3), isto é,

espaços apropriados para o desenvolvimento de atividades econômicas ligadas

a pesca: carcinicultura, mariscagem e pesca (atividades desenvolvidas no

estuário).

Figura 3- Territórios produtivos na foz do Rio Cotinguiba Fonte: Atlas Digital de Recursos Hídricos de Sergipe, SEMARH (2011); Banco de Dados dos Trabalhos de Campo (2012).

Khun (2009) salienta que é importante destacar que os limites dos territórios

produtivos nem sempre são claramente definidos e que eles obedecem a

lógicas distintas. As atividades de carcinicultura obedecem aos limites do

manguezal. A mariscagem obedece aos limites dos recursos naturais (fauna e

flora) e a pesca obedece aos limites do estuário, engloba os recursos naturais

provenientes do rio.

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O trabalho das mulheres pescadoras (marisqueiras) ocorre, em sua maioria,

no manguezal. Porém, sua territorialidade tem sido sufocada através das

atividades de carcinicultura e das poluições ocorridas no estuário, provenientes

do lançamento de dejetos industriais e domésticos.

As pressões externas têm levado as mulheres pescadoras (marisqueiras)

desse povoado a adentrar o estuário, espaço em que se destaca a presença

masculina. Neste território elas desenvolvem técnicas de coleta utilizando

redes, anzóis, arpões, entre outras. O fato de as mulheres se inserirem neste

território demonstra as estratégias elaboradas para a permanência na

atividade.

Nesse sentido, “a territorialidade constituída no tensionamento entre a

identidade de resistência e a alteridade [...], enquanto mulheres pertencentes a

um segmento cuja atividade encontra-se fortemente constrangida nos territórios

analisados, aponta para intrincada teia relacional e de significados que

enveredam entre o ethos discursivo das mesmas” (MELO e SOUZA; COSTA,

2011, p.15).

4 Considerações finais

O processo de pesquisa constitui-se na busca por decifrar a realidade que

nos cerca. Parte da premissa de que é preciso explicar os fenômenos e assim

construir um conhecimento novo. Esse processo é permeado por esquemas,

normas que tornam o caminhar científico; assim salientam os teóricos da

filosofia da ciência.

Contudo, não só de avanços é delineado o caminhar científico; existem os

percalços que em alguns casos travam o desenvolvimento da pesquisa.

O que se deseja destacar é que não existe um caminhar único, fechado. Ele

é transformado de acordo com as necessidades de entender a realidade

analisada. Assim ocorreu na investigação do trabalho feminino na pesca, visto

que no processo algumas etapas tiveram que ser modificadas, a exemplo da

substituição da técnica de grupo focal pela entrevista em profundidade. Isso

aconteceu devido à realização de reuniões dos comunitários com os

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advogados da Confederação de Pescadores por conta da poluição que havia

afetado os pescadores que desenvolviam atividades no rio Cotinguiba.

Outro ponto que pode ser levantado na discussão são os conflitos

identificados no campo, requerendo do pesquisador maior cautela ao lidar com

os envolvidos, uma vez que o objetivo era compreender a dinâmica local e não

acirrar os problemas.

No que tange aos aspectos positivos da temática apresentada, cabe aqui

destacar que ela contribuiu para que o pesquisador aprendesse sobre os

saberes dos pescadores a cada campo realizado. Cada visita à comunidade

era permeada de descobertas e confronto entre a teoria apreendida na

academia e a prática vivenciada. Além disso, foi muito importante evidenciar a

necessidade de estudos e projetos governamentais no tocante a pesca

artesanal, ressaltar o papel da mulher na socialização da atividade pesqueira e

nas estratégias elaboradas para a manutenção da reprodução social do grupo.

Portanto, pesquisar é condição essencial do descobrir e do criar; é também

dialogar, no sentido específico de produzir conhecimento do outro para si, e de

si para o outro; é demonstrar que não se perdeu o senso pela alternativa, que a

esperança é sempre maior que qualquer fracasso, que é sempre possível

reiniciar. No fundo, pesquisa passa a ser a maneira primeira de o ator político

se colocar, se lançar, seja no tatear cuidadoso em ambiente desconhecido ou

hostil, seja no medir as próprias forças diante de forças contrárias, seja na

instrumentação estratégica da ocupação de espaço (DEMO, 2006).

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SILVANO, R. A. M. Pesca artesanal e etnoictiologia. In: BEGOSSI, Alpina (Org.); LEME, Andrea [et al.]. Ecologia de Pescadores da Mata Atlântica e da Amazônia. São Paulo: Hucitec: NEPAM/UNICAMP: NAPAUB/ USP, 2004, p. 187-222.

VASCONCELLOS, M.; DIEGUES, A. C.; SALES, R. R. de. Alguns aspectos relevantes relacionados à pesca artesanal costeira nacional. São Paulo: NUPAUB, 2004. Disponível em:< http://www.usp.br/nupaub/ >. Acesso em: 02 jan. 2012

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CAPÍTULO 7

ETNOMAPEAMENTO DOS BANCOS NATURAIS DE

SUTINGA (MYTELLA CHARRUANA) NO ESTUÁRIO DO

RIO CAJAÍBA-SE

Analee Cruz Alves1

Felippe Pessoa de Melo2 Rosemeri Melo e Souza3

Resumo

A pesca artesanal do sutinga (Mytella charruana) apresenta grande importância para a comunidade da Taiçoca de Fora, situada no município de Nossa Senhora do Socorro-SE. Famílias inteiras sobrevivem deste nobre recurso, no entanto, os pescadores relatam a diminuição do sutinga ao longo dos anos. O presente trabalho objetivou identificar os bancos naturais do sutinga existentes ao longo do estuário do rio Cajaíba através da metodologia do etnomapeamento. A identificação cartográfica dos bancos naturais em atividade foi realizada unindo os saberes locais a ferramentas geotecnológicas e as cartas foram geradas através do software ArcGIS. Observou-se que os pescadores precisam percorrer longas distâncias até chegar aos poucos bancos de pesca ainda em atividade no rio Cajaíba. A partir deste trabalho foram produzidos dados sobre à distribuição dos pesqueiros ativos situados ao longo do manancial, conciliando subsídios geotecnológicos com os saberes da comunidade. O presente estudo contribuiu com a lacuna teórica e metodológica existente sob a temática, alertando a comunidade e aos órgãos competentes sobre a necessidade de um manejo sustentável para a gestão do recurso.

Palavras-chave: Sutinga. Pescadores. Etnomapeamento. Bancos naturais. Gestão.

1 Engenheira de Pesca; Mestranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente-Universidade

Federal de Sergipe. Estudante associada ao Grupo de Pesquisa em Geoecologia e Planejamento Territorial-GEOPLAN/UFS; [email protected]. 2 Geógrafo; Mestre em Geociências e Análise de Bacias Sedimentares e Doutorando em

Geografia-Universidade Federal de Sergipe; Estudante associado ao Grupo de Pesquisa em Geoecologia e Planejamento Territorial- GEOPLAN/UFS; [email protected]. 3

Pós-Doutora em Geografia Física - GPEM/The University of Queensland; Drª em Desenvolvimento Sustentável/Gestão Ambiental – UnB; Professora associada do Núcleo de Engenharia Ambiental - Universidade Federal de Sergipe; Líder do Grupo de Pesquisa Geoecologia e Planejamento Territorial - GEOPLAN/UFS; [email protected].

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109

ETHNOMAPPINGOF NATURAL BANKS SUTINGA

(MYTELLA CHARRUANA) IN THE RIVER ESTUARY

CAJAÍBA-SE

Abstract

The ‘sutinga’ (Mytella charruana) artisanal fisheries has a great importance for the Taiçoca de Fora community, located in the municipality of Nossa Senhora do Socorro-SE. This resource plays an important role for its families, however fishermen report that the sutinga decreased over the years. This aim of this study was to identify the natural stocksof sutinga along the estuary of the river Cajaíba by ethno-mapping methodology. The cartographic identification of the natural stocks in operation was carried out joining local knowledge along with geotecnologic tools and the maps were generated through the ArcGIS software. It was observed that fishermen have to travel long distances to reach only a few fishing stocks that remains in operation in Cajaíba river. From this work were produced data on the distribution of fishing assets located throughout the estuary, combining geotecnologic subsides to community knowledge. This study contributed to the existing theoretical and methodological gap under the theme, warning the community and the competent bodies about the need for sustainable management for the management of this resource.

Keywords: Sutinga. Fishermen. Ethnomapping. Natural stocks. Management.

1 Introdução

A pesca é uma das atividades mais antigas realizada pelo homem,

inicialmente era realizada para fins de subsistência, com o passar dos anos a

atividade ganhou evidência devido a sua grande relevância econômica e social

(ARAGÃO; DIAS NETO, 1988). Dentre os grupos que praticam essa atividade

estão os pescadores artesanais, integrantes de comunidades tradicionais que

possuem seu estilo de vida e atividades ligados quase que de forma simbiótica

a natureza e ao meio que vivem.

Diegues et al. (2000), descreve o pescador artesanal como o trabalhador

que tem a atividade voltada tanto para a subsistência como para a

comercialização. O sistema de produção é basicamente familiar, na tripulação

podem estar presentes parentes, amigos e conhecidos da família, grande parte

desses pescadores reside em espaços urbanos ou periurbanos. A pesca

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artesanal é caracterizada pela simplicidade de seus petrechos e por ser de

pequena escala3. Como principais características estão:

A fragmentação das capturas por espécie e locais de desembarques, tornando bem difícil a conservação, distribuição e comercialização do pescado (...) predominância do baixo desenvolvimento tecnológico em todas as fases do processo produtivo, causa e efeito da insuficiente geração de capital para custeio e reinvestimento; acentuada distorção na distribuição dos benefícios, em virtude das relações de produção e número excessivo de intermediários, sempre desfavorecendo os pescadores; clara predominância do trabalho sobre o capital, em todo o setor produtivo (PAIVA, 1986, p.86).

Estima-se que hoje no país, existem aproximadamente 1 milhão de

pescadores artesanais e que cerca de 45% da produção de pescado

desembarcada nos portos nacionais é oriunda desta modalidade de pesca. As

regiões que apresentam maior representatividade são a Norte e Nordeste,

tendo como principais recursos capturados peixes ósseos, elasmobrânquios,

crustáceos e moluscos (BRASIL, 2015). Os esforços da pesca artesanal estão

concentrados em espécies que exigem menores custos de transporte, modo de

armazenamento ou prestação de serviço.

Em Sergipe, o município de Nossa Senhora do Socorro destaca-se pela

larga pesca artesanal do sutinga (Mytella charruana) (Figuras 1A e 1B). Esta é

tida como garantia de renda para a os moradores do povoado Taiçoca de Fora,

que além da pesca vivem do beneficiamento do produto (Figuras 1C e 1D).

Cerca de 90%4 dos moradores do povoado tem o marisco como principal fonte

de renda.

Os dados estimados para a extração de Mitilídeos segundo Thomé de Souza

et al. (2011) foram de 44.939,6 kg para os municípios de Aracaju, Barra dos

Coqueiros, Brejo Grande, Estância, Indiaroba, Pacatuba, Pirambu, Santa Luzia

e São Cristóvão em 2011. Vale ressaltar que ainda não há estimativa

específica para a produção do sutinga em Nossa Senhora do Socorro.

3Pesca de pequena escala: As capturas são realizadas dentro do estuário, com petrechos

simples e em curto período de tempo. 4 De acordo com matéria do Jornal da Cidade intitulada Sururu e sutinga dão bons lucros em

Socorro, publicada em 11/01/2009, disponível em http://2008.jornaldacidade.net/2008/noticia. php?id=23375t>. Acesso em: 14 de jun. de 2015.

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Carriço et al. (2011) afirmam que a pesca do sutinga configura grande

importância socioeconômica para a comunidade tradicionais local, no entanto,

pescadores e marisqueiras da região relatam que nos últimos anos houve uma

diminuição significativa na quantidade do sutinga capturado no estuário do rio

Cajaíba.

Figura 1- A) Retorno da pesca do sutinga; B) Mytella charruana (sutinga); C) e D) beneficiamento primário do sutinga. Fonte: ALVES, A. C.; MELO, F. P. (2015).

Atualmente a pesca do sutinga na Taiçoca de Fora, está se tornando cada

vez mais escassa, esta é realizada de forma desordenada, não existe no

estado regulamentação que determina períodos propícios para essa atividade

ou tamanho mínimo para sua captura do organismo, assim é comum que a

pesca seja realizada durante todo ano, em alguns casos até o esgotamento do

recurso em seu banco natural.

O presente estudo tem como objetivo mapear os bancos de pesca ainda

produtivos ao longo do rio Cajaíba, sendo os pesquisadores orientados pelo

conhecimento da comunidade extratora local, técnica conhecida como

etnomapeamento. De acordo com Acselrad:

B

C

A

D

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112

É a partir do diálogo de saberes que o conhecimento local pode se expressar. A interação entre sujeitos com conhecimento técnico e sujeitos com conhecimento tradicional deve ser objeto de reflexão por parte dos pesquisadores do processo cartográfico e seus métodos, de modo a se alcançar o diálogo entre técnicas e saberes e evitar a imposição de um sobre o outro, ou ainda que se excluam mutuamente. Isso implica na necessidade de que os sujeitos do conhecimento técnico construam junto com as comunidades e autoridades étnicas as estratégias do processo cartográfico (2013, p. 21).

Os etnomapas são importantes instrumentos de pesquisa pois possibilitam a

identificação de territórios, o reconhecimento de pontos vulneráveis e a

localização de recursos naturais (BARROS et al. 2013).

2 Percurso metodológico: da percepção ao mapeamento

temático

2.1 Caracterização de área

As águas do litoral brasileiro apresentam grande biodiversidade e por

consequência servem de incentivo à exploração comercial da pesca ao longo

das 12 bacias hidrográficas existentes, tais áreas são consideradas patrimônio

comum entre as comunidades que usufruem dos recursos pesqueiros.

Apesar de deter apenas 18% do território nacional, a região Nordeste ocupa

41% da faixa de litorânea do país, com cerca de 3.300 km de extensão

territorial, estando inseridos nesse espaço habitats variados; tais como

mangues, baías, recifes, zonas estuarinas (VIDAL; GONÇALVES, 2010).

O recorte espacial deste trabalho está inserido no município de Nossa

Senhora do Socorro-SE, com coordenadas geográficas -10o 51’ 13” e -37o 07’

30”, localizado ao leste do estado, distando aproximadamente 13 km da capital.

O município de Nossa Senhora do Socorro possui 156.770 km² de extensão

territorial, população total de 160.827 habitantes, estando 5.004 na zona rural.

Como municípios limítrofes estão Laranjeiras ao Norte, separado pelo rio

Cotinguiba; São Cristóvão ao Sul e Oeste, separado pelo rio Poxim Mirim;

Aracaju e Santo Amaro das Brotas ao Leste, separado pelo rio Sergipe. O

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clima local é do tipo mega-térmico seco e subúmido, e os períodos de maior

ocorrência chuvosa são entre março e agosto (SERGIPE, 2014).

O presente estudo foi desenvolvido no estuário do rio Cajaíba, tributário do

rio Cotinguiba. Este afluente foi escolhido por ser alvo da larga pesca do

sutinga pela comunidade local, a seguir o mosaico da área de estudo (Figura

2).

Figura 2- Mosaico da área de estudo. Fonte: ALVES, A. C.; MELO, F. P. (2015).

2.2 Instrumentos de pesquisa

A metodologia utilizada foi o etnomapeamento, gravações e registros

fotográficos também foram feitos, a fim de compreender qual a técnica de

pesca utilizada na captura do sutinga e a percepção dos extratores sobre o

meio. Durante a saída de campo os pontos foram registrados com o auxílio do

GPS (Global Positioning System).

Para o mapeamento dos bancos do marisco, os pontos de pesca foram

visitados de acordo com sua intensidade de pesca, divididas como baixa,

média e elevada.

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O etnomapeamento foi realizado com a cooperação dos pescadores do

povoado Taiçoca de Fora (Figura 3A), que indicavam ao longo da travessia no

rio Cajaíba os pesqueiros com elevada e baixa produtividade (Figura 3B).

Figura 3 - A) Pescadores no estuário do rio Cajaíba. B) Etnomapeamento. Fonte: ALVES, A. C.; MELO, F. P. (2015).

A estimativa da intensidade de pesca foi realizada levando-se em

consideração a quantidade (kg) do sutinga capturado. A lata é o instrumento de

mensuração da pesca do molusco (Figura 4).

Figura 4- Latas utilizadas para quantificar a produção. Fonte: ALVES, A. C.; MELO, F. P. (2015).

B A

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115

3 Cenário geoambiental e economia local

Durante o mapeamento verificou-se que a técnica utilizada para a pesca do

sutinga é o mergulho, segundo o pescador mergulhador os pontos de coleta

podem apresentar profundidades que variam entre 7 a 10 metros em maré

cheia (Figura 5A), para estimar a profundidade do mergulho eles utilizam o

remo como parâmetro (conhecido popularmente como vara), normalmente este

mede 2 metros de comprimento.

“A pesca do sutinga, ela é no fundo do rio. Tem ocasião que ele tá muito fundo, quatro, cinco varas, eles mergulham e vão buscar. E pra mergulhar minha fia, só quando a maré seca” (Sr. L. Pescador Artesanal).

O pescador mergulhador considera a maré-baixa a melhor ocasião para

pescar, pois estando em seu menor nível a localização do “tapete”5 ocorre em

menor tempo.

Os pesqueiros são guardados através da memorização de acidentes

geográficos como rochas, tipo do mangue, pequenos portos (Figura 5B),

corroborando com as ideias de Diegues et al. (2000) ao afirmar que os

pescadores artesanais guardam cuidadosamente os pesqueiros produtivos

através marcas do meio.

Em seguida o pescador/mergulhador localiza o banco com o auxílio do remo,

sentindo a presença do sutinga ao substrato, ele se lança do barco e retira o

molusco do banco natural com uma faca (Figura 5C), no ato do desembarque o

excesso de substrato é removido com o auxílio de uma cesta de fibra vegetal,

conhecido como caçuá (Figura 5D).

No decorrer da identificação dos pontos de pesca foi relatado pelos

pescadores que à medida que o estoque cessa é necessário navegar por horas

até se encontrar um novo banco natural em atividade, elevando o custo da

pescaria devido ao maior uso de combustível fóssil.

Em entrevistas realizadas na comunidade, foi relatado que atualmente novos

pesqueiros são procurados nos municípios de Aracaju (Cajueiro) e Laranjeiras

5Tapete: Definição dada pelos pescadores aos bancos naturais do sutinga.

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(Pedra Branca). Sendo evitadas as regiões de banzeiros6 e os pontos próximos

ao rio do Sal, pois segundo os entrevistados sempre voltam doentes da região.

Épocas chuvosas não são consideradas propícias para a pesca, ocorrendo o

emagrecimento do molusco por conta da baixa salinidade.

Figura 5- A) Pesca através da técnica de mergulho; B) Etnomapeamento de pesqueiro; C) Sutinga retirado do banco natural; D) Limpeza do sutinga com o auxílio dos caçuás. Fonte: ALVES, A. C.; MELO, F. P. (2015).

Ainda com base nos relatos e nas visitas de campo, foi determinado o que

seria uma pesca de baixa, média e elevada intensidade. A tabela 1 demonstra

a produção média em estados físicos distintos do organismo (magro ou gordo).

Durante o etnomapeamento foi percorrida uma área total de 60,47 km² a fim

de se estimar a intensidade de pesca do sutinga ao longo do rio Cajaíba,

verificou-se que da extensão percorrida somente 8,66 km² ainda apresentava

elevada intensidade de pesca; 9,08 km² apresentou média intensidade e 42,73

km² baixa intensidade.

6 Banzeiros: Perturbação nas águas do rio, sucessão de ondas.

A

C D

B

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117

Tabela 1- Produção (kg) de acordo com a intensidade de pesca e condição física do sutinga.

Condição Magro (kg) Gordo (kg)

Baixa 1-2 2-4

Média 3-5 5-9

Elevada 6-8 10-16 Fonte: ALVES, A. C.; MELO, F. P. (2015).

O etnomapa foi construído através da identificação dos pontos de pesca

utilizados pelos pescadores, em seguida os dados coletados foram

processados através do software ArcGIS, gerando o etnomapa a seguir (Figura

6).

Figura 6- Etnomapa da estimativa do sutinga ao longo do braço do rio Cajaíba. Fonte- ALVES, A. C.; MELO, F. P. (2015).

Através da imagem gerada pode-se perceber que atualmente existem

poucos bancos naturais em plena atividade. Os pescadores/mergulhadores da

região atribuem a diminuição do recurso à pesca excessiva, assim como ao

derramamento de amônia no rio Sergipe ocorrido em 2008, na época o

desastre ambiental provocou grande mortandade de peixes e outros

organismos aquáticos.

“Depois desse desastre as coisas pioraram, o sutinga, até a ostra não quer cresce mais, não tem mais quase nada. A maré grande, quando tá de vazante é mesmo que uma cachoeira

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quando cai, detona, traz a droga toda” (Sr. J. Pescador Artesanal).

Em período de elevada intensidade de pesca podem ser pescadas até 8

latas por dia, equivalente a dezesseis quilos do produto, enquanto que no

período de baixa intensidade essa quantidade pode cair até uma lata,

equivalente a 1 ou 2 kg, a depender do estado físico do sutinga. O quilo do

sutinga beneficiado é vendido a R$ 6,00 (seis reais) ao cambista7, já nas feiras

livres o preço pode chegar a R$ 10,00 (dez reais) o quilo.

Considerações finais

Os saberes das comunidades tradicionais são importantes ferramentas para

promover à gestão dos recursos naturais, assim como meio básico para se

alcançar a sustentabilidade. Conhecimentos, costumes, valores e visões

desses povos podem nos guiar pelos caminhos do desenvolvimento

(VERDEJO, 2006).

O presente trabalho teve como finalidade aplicar uma metodologia

cartográfica de mapeamento temático, o etnomapeamento, objetivando

conciliar a percepção do pescador artesanal em relação ao potencial do

recurso extraído aos pontos específicos de localização do mesmo. Dessa

forma, os subsídios geotecnológicos foram unidos aos saberes da comunidade,

de forma que a tecnologia veio a contribuir com a comunidade, indo de

encontro a visão de que a mesma está a quem.

Vale ressaltar que caso a dinâmica da paisagem estivesse em equilíbrio à

pesca do sutinga representaria um baixo impacto sob o recurso hídrico, tendo

em vista que a mesma é feita de forma artesanal, até mesmo o corte do

mangue sapateiro (Rhizophora mangle) para a atividade de cocção do molusco

ocorre de forma que o mangue possa se reestabelecer.

Os dados produzidos no presente estudo contribuem com a lacuna teórica e

metodológica existente sob a temática, principalmente em escala local. É

latente a necessidade de um manejo sustentável, para a gestão do recurso,

7 Cambista: Pessoa que compra do pescador e revende o produto aos feirantes, conhecidos

também como atravessador.

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mas para que isso venha a ocorrer deve-se levar em primeiro plano as

necessidades local e ambiental.

Referências

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BARROS, L. P.; MAZUREK, R. R. S.; BALIEIRO, C. B. P.; AMORA, P. B.; SZTUTUT, M. Etnomapeamento como instrumento de apoio à classificação da tipologia florestal nas terras indígenas Uaçá, Galibi e Juminã, no estado do Amapá. In: XVI Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto-SBSR, Foz do Iguaçu. Anais... Foz do Iguaçu/PR, 2013. p.3191-3198.

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VIDAL, M. F.; GONÇALVES, M.F. O segmento da pesca marinha na costa nordestina: caracterização e mercado- Banco do Nordeste. Fortaleza, Brasil, 2010. p.154.

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CAPÍTULO 8

UMA ANÁLISE FENOMENOLÓGICA DAS

COMUNIDADES TRADICIONAIS NO LITORAL SUL DE

SERGIPE

Maria do Socorro Ferreira da Silva1 Gênisson Lima de Almeida2 Priscila de Oliveira Rocha3

Resumo

Este trabalho tem como objetivo analisar o modo de vida das comunidades tradicionais nos povoados da APA do Litoral Sul de Sergipe a partir da fenomenologia-hermenêutica. A pesquisa foi realizada a partir levantamento bibliográfico e documental; entrevista com roteiro semiestruturado realizadas com representantes e membros das comunidades tradicionais; diálogos informais e observação sistematizada nos povoados pesquisados. As comunidades tradicionais, representadas pelas catadoras de mangaba, marisqueiras e pescadores artesanais que realizam práticas extrativistas passadas de geração para geração, têm sua base de sustento e seu modo de vida ameaçados devido aos impactos socioambientais provocados pelos usos atribuídos ao território, tais como: agropecuária e do turismo sem planejamento. Dentre os impactos pode-se citar a contaminação dos recursos hídricos, o desmatamento das restingas, vegetação de dunas, manguezais e campos de várzeas. No contexto local, faz-se necessário pensar em estratégias para reduzir os impactos provocados, conectar os fragmentos florestais, além de alternativas para possibilitar a conservação da biosociodiversidade de modo que possa reduzir os efeitos maléficos da injustiça ambiental. Palavras-chave: Atividade extrativista. Conservação. Biosociodiversidade. Modo de vida.

1 Doutora em Geografia. Profª Adjunta dos cursos de Graduação em Geografia e Pós-

Graduação (PRODEMA) da UFS e Pesquisadora do GEOPLAN/UFS/CNPq. [email protected] 2 Graduando em Geografia pela UFS e Pesquisador do GEOPLAN/UFS/CNPq

[email protected] 3 Graduada em Geografia pela UFS e Pesquisadora do GEOPLAN/UFS/CNPq.

[email protected]

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122

A PHENOMENOLOGICAL OF TRADITIONAL COMMUNITIES

ANALYSIS IN COASTAL SOUTH SERGIPE

Abstract

This study aims to analyze the way of life of traditional communities in the villages of the Environmental Protection Area of the South Coast of Sergipe from the phenomenology-hermeneutics. The survey was conducted from bibliographic and documentary survey; with semi-structured interview conducted with representatives and members of traditional communities; informal dialogues and systematic observation in the surveyed villages. Traditional communities represented for the pickers mangaba, shellfish gatherers and fisherfolk who perform past extractive practices from generation to generation have their basic sustenance and their way of life threatened by the social and environmental impacts caused by uses assigned to the territory such as: agriculture and unplanned tourism. Among effects can be cited water contamination, deforestation restinga, dune vegetation, mangroves, and wetlands fields. In the local context makes it necessary to consider strategies for reducing the induced impacts, connecting forest fragments plus options to allow conserving biosociodiversidade so that would reduce the ill effects the environmental unfairness. Keywords: Extractive activity. Conservation. Biosociodiversidade. Lifestyle.

1 Introdução

As comunidades tradicionais são consideradas grupos humanos

culturalmente distintos que reproduzem de maneira histórica seu modo de vida,

com limitado grau de isolamento, tendo por base a cooperação social,

mantendo determinadas relações equilibradas com o meio ambiente e seus

recursos naturais, com o uso de técnicas de manejo tradicionais e sustentáveis

(DIEGUES, 2000).

A Lei 11.428/2006 define populações tradicionais como aquelas que vivem

em estreita relação com o ambiente natural, dependendo de seus recursos

naturais para a sua reprodução sociocultural, por meio de atividades de baixo

impacto ambiental (BRASIL, 2006).

No Brasil são consideradas comunidades tradicionais os povos indígenas, as

quebradeiras de coco babaçu, quilombolas, caiçaras, sitiantes, roceiros

tradicionais, ribeirinhas, pescadores artesanais e outros grupos extrativistas

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que apresentam as características mencionadas na referida lei. Essas

comunidades ajudam na conservação dos recursos naturais em função de suas

práticas extrativistas e de seus saberes ambientais passados de geração para

geração. Entretanto, enfrentam dificuldades para manter seu modo de vida,

pois os territórios utilizados têm recebido outras atividades e/ou são reservados

para fins turísticos, especialmente aqueles que dispõem de beleza cênica.

Os avanços na legislação ambiental não foram acompanhados de medidas

efetivas que na prática se traduz na conservação ambiental. No recorte

empírico a apropriação, controle e uso dos territórios detentores de recursos

naturais refletem a falta da criação e implementação de mecanismos de gestão

ambiental para ordenar o uso do território, o que tem contribuído para a

construção de empreendimentos, resultando na perda da biosociodiversidade

(SILVA, 2012).

A biosociodiversidade envolve o conhecimento cultural da biodiversidade

(LEONEL, 2000), onde se pode ressaltar a importância da conservação da

biodiversidade aliada à sociodiversidade (SANTOS; MENEZES; NUNES,

2005). O conceito de sociodiversidade defende a ideia de que a diversidade

cultural é considerada componente significativo da biodiversidade (ALBAGLI,

1998).

No litoral sul de Sergipe existem comunidades tradicionais - as marisqueiras,

os pescadores artesanais, as comunidades quilombolas e as catadoras de

mangaba - que resguardam saberes ambientais perspectiveis no seu modo de

vida e na relação que tem com os recursos naturais ainda existentes. E, dispõe

de recursos naturais usados pelas comunidades tradicionais. São os territórios

da pesca artesanal, da mariscagem e da coleta da mangaba, os quais também

estão ameaçados face às demandas do turismo, da monocultura, da

carcinicultura e da pesca predatória.

Nesse contexto, esse trabalho tem como objetivo analisar o modo de vida

das comunidades tradicionais da APA do Litoral Sul de Sergipe a partir da

fenomenologia. A APA, localizada na zona rural dos Municípios de Itaporanga

D’Ajuda, Estância, Santa Luzia do Itanhy e Indiaroba, foi criada para conservar

os remanescentes de Mata Atlântica associados com vegetação de mangue,

de restinga, de dunas e associação secundária, e para e melhorar a qualidade

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de vida das populações que vivem nesse território (SERGIPE, 1993).

Entretanto, na prática as comunidades nem sempre tem acesso às áreas de

manguezais e de restinga de onde retiram o sustento da família através de

práticas extrativistas.

Boa parte da vegetação foi substituída pelas construções, cultivos de coco e

pastagem e o que restou vem sendo fortemente ameaçado pelos atrativos

turísticos, principalmente as praias de Caueira, em Itaporanga D’Ajuda, do

Saco, da Ponta do Saco, do Abaís e das Dunas em Estância, as lagoas,

ambientes com vegetação de dunas, de restingas, os manguezais e os campos

de várzeas. Tais atividades têm colocado em risco a biosociodiversidade.

2 A fenomenologia-hermenêutica na análise das comunidades

tradicionais litorâneas

No que concerne à abordagem metodológica, esta pesquisa apoiou-se nas

bases de Edimund Husserl, filósofo fundador da fenomenologia, onde o mundo

vivido e a realidade se sobrepõem, e de Martin Heidegger a partir da

hermenêutica4-fenomenológica no sentido de conhecer o modo de vida das

comunidades tradicionais que habitam o litoral sul de Sergipe.

A fenomenologia tem sua base calcada na experiência vivida e adquirida

pelo indivíduo, cuja preocupação volta-se para verificação da apreensão das

essências, via percepção e intuição das pessoas. Portanto, a fenomenologia

não é nem uma ciência de objetos, nem uma ciência do sujeito, é a doutrina

universal das essências, em que se integra a ciência da essência do

conhecimento (HUSSERL, 1989).

As ideias advogadas por Heidegger enfocam que tanto a compreensão

como a interpretação necessita do entendimento do funcionamento da

totalidade da estrutura existencial, mesmo que a intenção do conhecedor seja

apenas a de ler “o que está ai”, e de extrair fontes como realmente foi

(GADAMER, 1999:396-397).

4 Etimologicamente, o termo hermenêutica deriva do verbo grego ερμηνεύειν, [herminévin -

hermeneuein] e da forma substantivada hermeneia, o que, segundo Emerich Coreth (1973 apud ARAÚJO, 2007:137) em sua extensão semântica, equivale a declarar, anunciar, esclarecer, traduzir e interpretar.

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125

A hermenêutica heideggeriana tem como propósito compreender o ser a

partir dos sentidos e das condições do ser humano como ser-no-mundo.

Todavia, vale realçar que a questão fundamental da filosofia heideggeriana não

é o homem, mas sim o ser, o sentido do ser. Seguindo a regra hermenêutica é

necessário compreender o todo a partir do individual e o individual a partir do

todo. Assim, a arte de falar, na hermenêutica moderna, foi transferida para a

arte de compreender. Dessa maneira, o movimento da compreensão vai

constantemente do todo para as partes e vice e versa formando o circulo

hermenêutico (GADAMER, 1999).

O método fenomenológico-hermenêutico é, antes de tudo, uma conversação

dialógica crítica para a construção do projeto que revela, em si mesmo, a luz da

possibilidade para se estabelecer, na pergunta e na resposta, uma vivacidade

dialética do conhecimento científico no mundo onde a vida se dá (ARAÚJO,

2007).

Á fenomenologia em Heidegger se define como uma hermenêutica para

então constituir-se em pensamento hermenêutico sob a possibilidade que

transparece no encontro e interseção entre o fenômeno e o sujeito

(HEIDEGGER, 1999). Nesse contexto, a hermenêutica assume (ARAÚJO,

2007, p. 117) “uma dimensão afirmativa do estatuto da compreensão-

interpretação e sua inter-relação com o indivíduo-sujeito dos saberes”.

É somente no diálogo que se encontra o lugar da experiência hermenêutica,

ou seja, é através do diálogo que se chega às coisas, onde o logos não é

monólogo, e o todo pensar é um diálogo consigo mesmo e com o outro

(GADAMER, 1999).

No tocante a ciência e a pesquisa, Merleau-Ponty, que dá continuidade as

ideias de Husserl, considera a experiência de mundo, pois é preciso entender o

fato, as relações ser e mundo. Para Meleau-Ponty

“Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer nada. Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido, e se queremos pensar a própria ciência com rigor, apreciar exatamente seu sentido e seu alcance, precisamos primeiramente despertar essa experiência do mundo da qual ela é a expressão segunda” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 3).

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126

Nesse arcabouço, esse método possibilitou a construção do conhecimento

na área pesquisada a partir do contato direto com as comunidades tradicionais

na perspectiva de compreender seu modo de vida a partir do sentimento de

pertencimento do território onde construíram sua identidade cujos “saberes

ambientais” norteiam as relações estabelecidas com o ambiente e ajudam na

permanência das práticas extrativistas e no fortalecimento da identidade

cultural.

Por esse fio condutor, o caminho a ser percorrido, a luz do discurso sob

mediação da linguagem, forneceu bases teórico-metodológicas para

interpretação tanto dos documentos legais que regulamentam as Unidades de

Conservação (UCs) como a compreensão e interpretação do modo de vida das

comunidades tradicionais, do seu espaço vivido, bem como de outros atores

sociais que controlam, se apropriam, usam os recursos naturais na APA do

Litoral Sul de Sergipe.

Assim, buscou-se compreender e interpretar as ações e intenções dos

atores sociais envolvidos (atores sociais) desvelando os sentidos do mundo

vivido dessas comunidades, no recorte empírico, que se constituem

simultaneamente na dialética da compreensão/interpretação na relação

sociedade-natureza.

3 Procedimentos metodológicos: o caminho percorrido na

pesquisa

O desenvolvimento dessa pesquisa ocorreu mediante levantamento

bibliográfico e documental; levantamento de dados secundário e primário;

ordenamento e tabulação dos dados; e, análise e interpretação das

informações.

3.1 Levantamento bibliográfico e documental

O levantamento bibliográfico e documental foi realizado nas literaturas que

tratam do método de abordagem, da categoria de análise o território usado; da

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política de conservação ambiental; das UCs; das comunidades tradicionais e

de instrumentos legais que norteiam a política de conservação ambiental.

A categoria de análise, território usado, permite uma leitura do território em

sua totalidade, espaço banal, configurando-se enquanto recurso analítico,

permeado de caráter político, econômico e socioambiental (SANTOS e

SILVEIRA, 2001; SANTOS, 1994) possibilitando uma análise dos interesses

envolvendo os atores pela apropriação, controle e uso dos recursos naturais,

em especial daqueles que têm seu espaço vivido, sua base de sustento

ameaçados, como é o caso das comunidades tradicionais pesquisadas.

3.2 Levantamento de dados secundário e primário

O levantamento de dados teve início a partir da busca de dados secundários

pré-liminares junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Hídricos Renováveis (IBAMA) e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da

Biodiversidade (ICMBio) em Sergipe com a finalidade de obter informações

sobre a criação e implementação da RESEX do Litoral Sul; ao Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) no tocante a

regulamentação fundiária dos territórios que envolvem as comunidades

tradicionais; e as Associações das Comunidades Tradicionais dos Municípios

de Itaporanga D’Ajuda, Estância, Santa Luzia do Itanhy e Indiaroba, e ao

Movimento das Catadoras de Mangaba para obtenção de informações sobre as

comunidades. Essas informações foram fundamentais para organização da

pesquisa empírica.

A pesquisa empírica ocorreu por meio de instrumentos de coleta de dados, a

saber: entrevistas semiestruturadas, diálogos informais e observações

sistematizadas in loco com roteiro previamente elaborado.

As entrevistas foram realizadas com representante do Movimento das

Catadoras de Mangaba, da Colônia de Pescadores, e entrevistas com as

comunidades tradicionais, cujas questões objetivaram conhecer a estrutura

organizacional, política, histórica, econômica, social, cultural dessas

comunidades; os impactos socioambientais que dificultam seu modo de vida,

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bem como seus anseios na luta pelo direito de continuar usando os recursos

naturais como base de sustento.

Foram realizados diálogos informais com os pescadores artesanais, as

catadoras de mangaba e as marisqueiras. Vale ressaltar que houve

necessidade de realizar diálogos informais, pois alguns membros das

comunidades optaram por uma conversa informal. Para facilitar os diálogos e

entrevistas foi necessário entrar em contato com representantes das

comunidades tradicionais com a finalidade de identificar datas e horários de

reuniões realizadas. Vale reforçar que essa estratégia contribuiu para o

desenvolvimento dessa etapa, pois se trata de zona rural cujos acessos para

alguns povoados ainda se faz por estrada desprovida de asfalto e a distância

variava entre 70 e 100km de Aracaju.

Para os membros das comunidades as entrevistas, realizadas nos povoados

onde residem, as visitas foram feitas nos domicílios e em áreas onde

desenvolvem suas atividades (Indiaroba e Estância). Outra estratégia adotada

foi à visita a sede da Colônia de Pescadores Z4 em Estância, especialmente

nos dias que os pescadores frequentavam essa instituição; e no Ministério do

Trabalho localizado em Estância, onde pescadores estavam concentrados para

assinar o benefício do Seguro Defeso. Essa estratégia permitiu dialogar com

pescadores, catadoras de mangaba e marisqueiras bem como coletar

depoimentos, a partir da transcrição na íntegra quando possível, que ajudaram

a conhecer o modo de vida dessas comunidades.

No total foram realizadas 40 entrevistas semiestruturadas, onde 18 foram

destinadas para as comunidades tradicionais que residem em Indiaroba, sendo

11 membros entrevistados do povoado Pontal e sete de Terra Caída, e 22 em

Estância, somando quatro no Povoado Rio Fundo, sete em Farnaval, sete em

Porto do Mato e quatro em Reboleirinha. Nos outros povoados, ocorreram

vários diálogos informais, cujas informações relatadas foram descritas no texto.

Os roteiros para as comunidades tradicionais enfatizaram questões sobre suas

condições históricas, culturais, simbólicas, socioeconômicas e ambientais, as

atividades desenvolvidas e suas perspectivas face à criação da RESEX do

Litoral Sul.

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A visita in locu foi feita nos povoados que fazem parte da APA do Litoral Sul

de Sergipe (Figura 1), onde os territórios são usados para a prática extrativista

e cultivos (macaxeira, milho e feijão), cujas informações observadas foram

registradas por meio de diário de campo, fotografias. Essa pesquisa também

permitiu conhecer as relações estabelecidas com a natureza e o modo de vida

dessas comunidades.

Para realização da pesquisa contou-se com a equipe de pesquisa formada

por dois alunos bolsistas de Iniciação Científica do curso de Bacharelado e

Licenciatura em Geografia da Universidade Federal de Sergipe. Esses alunos

realizaram leituras, auxiliaram na elaboração dos instrumentos de pesquisa e

foram capacitados para a pesquisa de campo.

3.3 Ordenamento, tabulação, análise e interpretação das informações

Quanto ao ordenamento e tabulação dos dados, ao término da pesquisa as

entrevistas, os diálogos e as observações sistematizadas foram organizados

para análise, descritas, transcritas no texto e outras receberam tratamento

Figura 01: Povoados pesquisados na APA do Litoral Sul de Sergipe

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estatístico. Nesse sentido, as informações foram analisadas na perspectiva de

facilitar a compreensão e visualização dos fenômenos estudados.

A análise e interpretação das informações adquiridas ao longo da pesquisa,

ancorada no método de abordagem, suscitaram a compreensão, o

desvelamento e a análise crítica dos usos atribuídos na APA do Litoral Sul de

Sergipe que ameaçam e/ou impedem o modo de vida das comunidades

tradicionais. Tais análises evidenciaram que as relações de poder

estabelecidas nesses territórios são desiguais e contraditórias, resultado na

injustiça ambiental contra os atores sociais menos privilegiados, as

comunidades tradicionais. Diante dos resultados alcançados e das análises foi

possível tecer considerações finais enriquecidas com sugestões apontando

caminhos na perspectiva de amenizar a injustiça ambiental que tem repercutido

na perda da biosociodiversidade.

4 Comunidades tradicionais no litoral sul de Sergipe

A APA do Litoral Sul de Sergipe caracteriza-se por apresentar uma dinâmica

de atividades desenvolvidas pelos fazendeiros, empresários ligados ao turismo

e pelas comunidades tradicionais as quais tem forte relação com o lugar, cujas

práticas predominantes são as práticas extrativistas: a coleta da mangaba

(Hancornia speciosa Gomes), a pesca artesanal e a mariscagem.

As comunidades tradicionais são caracterizadas como grupos que residem e

usam o território como condição de subsistência, para sua reprodução cultural,

social, religiosa, ancestral e econômica. Seus conhecimentos, saberes

ambientais e práticas são transmitidos de geração para geração.

Em Sergipe as catadoras de mangaba foram reconhecidas enquanto

comunidades tradicionais pela Lei nº 7.082/2010, cujo Art. 1º aborda que

“O Estado de Sergipe reconhece as catadoras de mangaba como grupo culturalmente diferenciado, que devem ser protegidas segundo as suas formas próprias de organização social, seus territórios e recursos naturais, indispensáveis para a garantia de sua reprodução física, cultural social, religiosa e econômica” (SERGIPE, 2010).

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As comunidades tradicionais envolvidas na pesquisa evidenciaram ao longo

dos diálogos e entrevistas que possuem saberes ambientais os quais foram

passados de geração para geração. Era comum expressão como “aprendi a

pescar com meu pai que me levava para o rio”, “aprendi a catar mangaba com

minha mãe que me levava quando eu ainda era criança”. Além das falas de

membros das comunidades, o conhecimento tradicional foi percebido quando

pais e filhos juntos numa tarde consertavam as redes utilizadas na pesca

artesanal manualmente. Entretanto, quando foram questionadas se faziam

parte de alguma comunidade tradicional, todos os entrevistados afirmaram que

não faziam parte de nenhuma comunidade.

As catadoras de mangaba são mulheres, extrativistas, defensoras das

mangabeiras, e desenvolvem a atividade como forma de subsistência. Essa

atividade era realizada pelas mulheres que cuidavam da conservação da

espécie, desenvolviam práticas e aplicavam seus saberes ambientais no

tocante ao manejo, zelando por um patrimônio cultural (i)material.

Durante as entrevistas realizadas, no sentido de conhecer as práticas

extrativistas desenvolvidas, contatou-se que no passado havia uma divisão do

trabalho, onde a coleta da mangaba era realizada, principalmente pelas

mulheres; a pesca artesanal e a mariscagem pelos homens. Entretanto, a

partir dos diálogos, observou-se na contemporaneidade, a pesca artesanal e a

mariscagem são realizadas tanto por homens como pelas mulheres,

especialmente no período da entressafra. Ademais, há relatos que os homens

também ajudam na coleta da mangaba quando a maré está baixa, embora não

participem da comercialização.

No tocante as atividades extrativistas constatou-se que 94% dos

entrevistados realizam a coleta da mangaba, mariscos e do pescado. Esse

percentual é alto, pois as catadoras de mangaba também coletam mariscos e

pescam, o mesmo acontece com os pescadores, que além de pescarem

também fazem plantação para subsistência (milho, macaxeira e feijão) e catam

mangaba.

Dentre os principais produtos da pesca destacam-se: os peixes com nome

popular niquim, lambreta, tainha, sardinha, robalo, bagre, pescada, xareu,

carapeba e arraia. E na mariscagem pode-se citar: camarão, ostra, sururu,

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aratu, siri, caranguejo, massunim e guaiamu os quais são coletados no rio e na

maré. Já as frutas (murici e mangaba) em sítios próprios e dos vizinhos, sítios

livres (terras da união) e privados.

Todavia, a quantidade de peixes e mariscos encontra-se bastante reduzida

se comparada ao passado, em função da contaminação dos recursos hídricos

face à disposição inadequada de resíduos sólidos e efluentes domésticos; da

instalação de viveiros de camarão em áreas de manguezais cujos dejetos são

depositados nos cursos d’água; da pesca predatória onde pecadores de outros

municípios sergipanos e do Estado da Bahia utilizam equipamentos como a

rede de camboa a qual captura peixes menores; o aumento do número

pescadores de outros municípios nos últimos anos. Nesse aspecto, o ator 1

reconhece essa redução quando ressalta que

“Infelizmente a pesca, encontra-se em um estado lamentável, pelas diversas irregularidades que surgem a cada dia, há ainda uma atividade predatória e clandestina exercida por diversos pescadores” (Ator 1, 2014).

Outros problemas também têm dificultado a realização da pesca artesanal,

tais como: galhos de árvores deixados no leito do rio pelos pescadores;

ataques das abelhas e cobras como consequência do desequilíbrio ecológico

nesses ambientes devido ao desmatamento das margens dos rios; além do

acesso proibido em áreas de manguezais. Essas áreas têm sido substituídas

por cultivos, viveiros de camarão, residências de veraneio e empreendimentos

ligados ao turismo.

Embora reconheçam que o pescado vem diminuindo ao longo do tempo, é

nítida a relação harmônica e, especialmente à gratidão dos pescadores no

tocante aos recursos naturais que ainda garantem sua subsistência. Essa

assertiva está evidente no depoimento do ator 2

“Graças a Deus que temos o rio e a maré pra obter os peixes pra comer e vender” (Ator 2, 2014).

Dos produtos coletados uma parte é destinada para consumo e a outra para

venda realizada em sua porta (turistas), no local onde coleta, em feiras livres e

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para atravessadores (cambistas). O valor mensal oriundo dessa

comercialização variava em 2014 entre R$ 200.00 e R$ 500.00. Apesar do

baixo valor, inferior a um salário mínimo, o ator 3 ressalta

“Quando a maré ta boa e não tem tanto pescador na área, pescamos muitos peixes que da pra vender e pro nosso consumo, ao contrario pescamos quase nada, às vezes só dá pra tirar a comida do dia” (Ator 3, 2014).

Já a coleta da mangaba vem sendo dificultada e/ou impedida em função do

desmatamento das áreas de restinga para construção de empreendimentos

turísticos e de casas de veraneio; cultivos; proibição por parte dos fazendeiros

que constroem cercas para impedir o acesso das catadoras de mangaba para

coletar a fruta. Há relatos que as espécies de mangabeiras são retiradas das

fazendas para evitar que as catadoras não retornem às propriedades. Essa e

outras práticas elencadas contribuem para a perda da biodiversidade e tende a

contribuir para que essas comunidades sejam espoliadas e/ou expulsas dessas

áreas. Os diálogos e entrevista apontam para a insatisfação, pois no passado,

quando ainda havia muitas espécies, realizavam suas práticas e na

contemporaneidade são proibidas de realizar a atividade em algumas áreas.

Para o ator 4

“Foi Deus que plantou a mangaba pra nós” (Ator 4, 2014).

Dentre as dificuldades enfrentadas pelas catadoras de mangaba encontra-se

a falta de propriedade da terra, onde 77,5% não possuem posse de terras que

possam utilizar para a coleta da fruta. Desse modo, essas comunidades

acabam realizando a atividades em sítios de vizinhos e/ou parentes; terras da

união “terras livres”; fazendas quando há permissão por parte do proprietário;

ou buscando outras localidades, como por exemplo, no estado da Bahia.

Essa assertiva reforça as análises de Diegues e Nogara (1999) quando

elencam que o território dessas populações é diferente das sociedades

urbanas, pois é descontínuo, marcado por vazios aparentes, o que sem dúvida

os torna mais frágeis, no sentido mais restrito, no processo de espoliação

dessas comunidades. Para Diegues (2008) o território é apenas um meio de

subsistência, de trabalho e de produção para essas populações.

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No tocante ao turismo que vem crescendo no litoral sul, todos os

entrevistados não percebem que os impactos socioambientais, como resultado

dessa atividade, interferem em suas práticas extrativistas. Na visão dos

entrevistados, o turismo melhorou a comercialização dos pescados, marisco e

mangaba. Essa afirmativa pode ser observada na fala do ator 5, o qual ressalta

“Principalmente quando chega na estação do verão, aparecem muitos turistas e a venda dos peixes, mariscos e mangaba aumenta, conseguimos vender bastante esses produtos” (Ator 5, 2014).

Apesar dos problemas mencionados são evidentes os laços afetivos com o

lugar, pois mesmo com tantas dificuldades para a permanência do modo de

vida, 36 (91%) entrevistados não têm interesse em sair de seus povoados em

função das relações harmônicas com a natureza, com a comunidade e com os

vizinhos. Ademais, 90% dos entrevistados moram nos povoado desde que

nasceram e/ou quando ainda eram crianças. O ator 6 ressalta,

“Moro aqui nesse povoado desde que nasci e não tenho vontade nenhuma de morar em outro local, nem na cidade” (Ator 6, 2014).

É comum a preocupação ambiental percebida através da descrição de

ações feitas pelos entrevistados para ajudar a conservar o ambiente de coleta,

como por exemplo, não dispõem resíduos sólidos na área utilizada para prática

extrativista, não desmatam as áreas que possuem goiabeiras, mangabeiras e

manguezais.

No contexto da conservação ambiental há mais de dez anos vem sendo

discutida a proposta de criação e implementação da Reserva Extrativista

(RESEX) do Litoral Sul de Sergipe (SILVA, 2012). Entretanto, apesar das

dificuldades para realizar as práticas extrativistas, apenas um entrevistado

reconheceu a importância da criação da RESEX. Isso ocorre, principalmente

pela falta de esclarecimento do que venha ser uma UC dessa categoria, por

parte dos gestores aliado ao medo de perder suas casas. Essa preocupação

pode ser percebida na fala do ator 7

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“Se a RESEX viesse pra cá o povoado iria acabar” (Ator 7,

2014).

Vale ressaltar que essa preocupação foi unânime em apenas um dos

povoados pesquisados. Nesse processo de criação da RESEX, a arena de

disputa envolve interesses diversos e atores sociais vinculados ao poder

Público Federal e Estadual, via órgãos gestores; aos proprietários de terras que

tendem a dificultar a negociação no processo de desapropriação fundiária em

função da existência de grandes latifundiários, onde a questão política é muito

presente; atores ligados ao setor turístico; e as comunidades tradicionais que

lutam pelo direito em continuar usando os territórios da pesca, da mangaba, da

moradia.

Contudo, pelo direito expressado no Art. 225 da Constituição Federal, e

vários outros estabelecidos pelo SNUC, espera-se que a RESEX, caso seja

efetivada, não seja mais uma faceta da “conservação ambiental” usada para

fortalecer e defender os interesses econômicos de uma minoria de atores que

tem poder de barganha e implique na perda da biosociodiversidade do Litoral

Sul sergipano.

5 Considerações finais

O método de abordagem fenomenologia-hermenêutica, a luz dos

procedimentos metodológicos concebidos para a pesquisa, permitiu aprofundar

o conhecimento do modo de vida das comunidades tradicionais que vivem no

litoral sul de Sergipe. Essas comunidades que têm a pesca, a mariscagem, a

coleta de mangaba, há muito tempo realizam essas atividades como forma de

subsistência e têm seus espaços vividos ameaçados em função do avanço de

outras atividades. Essas comunidades mantêm técnicas de manejo ancestrais,

mantendo uma forma de organização onde os valores tradicionais são

transmitidos de pai para filho, de geração para geração, mantendo durante

séculos práticas associadas a esses conhecimentos.

Entretanto, são perceptíveis as ameaças que tendem impedir sua

reprodução cultural, política, social, econômica e ambiental. A atividade

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turística e a agropecuária vêm contribuindo para a perda da

biosociodiversidade em função dos impactos socioambientais provocados.

Esses territórios possuem outras potencialidades além da turística capazes

de efetivar a (re)produção dessas comunidades que durante muito tempo

ajudaram na conservação ambiental. É preciso priorizar estratégias capazes de

diminuir o desmatamento da Mata Atlântica; conectar os fragmentos florestais

que correm o risco de serem extintos da paisagem; além de medidas efetivas

para evitar e/ou reduzir a contaminação dos recursos hídricos.

Quanto ao regime de propriedade para reduzir os efeitos da injustiça

ambiental, é importante estabelecer áreas de livre acesso; parcerias com

proprietários particulares, - via órgãos oficiais gestores; propriedade

comunitária; e propriedade estatal visando fortalecer as atividades extrativistas

das comunidades face a sua relevância para ajudar na recuperação e

manutenção dos fragmentos florestais, podendo, assim, ser preparadas para a

gestão dos bens comuns. No tocante aos equipamentos necessários para a

realização das atividades extrativistas é relevante estabelecer estratégias via

parcerias para facilitar a aquisição e/ou doação de kit para os pescadores

artesanais: colete salva vidas, extintores, barco, rede.

Há necessidade de outras alternativas para melhorar as condições de vida

nos povoados: criação de postos de saúde; melhoria de infraestrutura básica,

como coleta regular de resíduos sólidos domiciliares, ampliação da rede de

abastecimento de água tratada, tratamento de efluentes domésticos,

pavimentação de estradas de acesso aos povoados; campanhas educativas

para incentivar e/ou ensinar a comunidade realizar o prévio tratamento de

água.

Na educação, é preciso ampliar e melhorar a qualidade das escolas para

evitar que os alunos da zona rural se desloquem até a cidade, além da criação

de biblioteca e sala de informática.

Como se trata de uma UC é fundamental ouvir essas comunidades no

momento da criação e implementação dos mecanismos de gestão ambiental.

As campanhas de sensibilização e conscientização ambiental, envolvendo os

líderes das associações e as comunidades tradicionais, também são de

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singular relevância para que essas comunidades possam ter o direito de

continuar usando os recursos naturais.

Referências

ALBAGLI, S. Geopolítica da biodiversidade. Brasília: Edições IBAMA, 1998. 273p.

ARAÚJO, M. L. G. Ciência, fenomenologia e hermenêutica: diálogos da geografia para os saberes emancipatórios. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais - Instituto de Geociências da UFMG. Belo Horizonte: MG, 2007. 226f.

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DIEGUES, A. C.; NOGARA, P. J. O nosso lugar virou parque: Estudo sócio-ambiental do Saco de Mamanguá-Parati-Rio de Janeiro. 2 Ed. São Paulo: NAPAUB/USP, 1999. p. 165.

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138

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CAPÍTULO 9

O PAPEL DOS DISCURSOS NA DISPUTA PELO

LITORAL SUL DE SERGIPE

Thiago Valença e Silva1 Rosemeri Melo e Souza2

Resumo:

Este trabalho aborda a importância das práticas discursivas nos conflitos territoriais em áreas de relevância ambiental e a perspectiva de estudo desses fenômenos pelos métodos da Análise do Discurso (AD) e da Hermenêutica, bem como a experiência de sua aplicação a partir de metodologia elaborada na pesquisa sobre os conflitos territoriais que permeiam a proposta de criação da Reserva Extrativista (RESEX) do Litoral Sul de Sergipe. Os conflitos territoriais se dão pela divergência de interesses quanto aos os usos e intenções que os diferentes atores sociais desenvolvem no espaço geográfico, o que significa disputas de poder. O território não se resume à delimitação espacial, mas espaços vividos, representados, seus usos; o que coloca as comunidades tradicionais – que há muito se estabeleceram e desenvolveram seu modo de vida, sua cultura – como um ator antagônico aos interesses do capital no território. A metodologia elaborada permitiu analisar as intenções, estratégias e posicionamento dos atores envolvidos na disputa registrada no processo judicial de criação da RESEX iniciado em 2005, e entrevistas realizadas no decorrer do trabalho. Palavras-Chave: Análise do discurso. Hermenêutica. Atores sociais. Conflitos territoriais. Unidades de conservação.

11

Graduando em Geografia Licenciatura – UFS, pesquisador do Grupo de Pesquisa em

Geoecologia e Planejamento Territorial – Geoplan Prodema/UFS e professor de geografia nos níveis fundamental e médio. [email protected] 2 Pós-doutora em Biogeografia e Profª Associada da UFS do Curso de Graduação em

Engenharia Ambiental e Pós-Graduação em Geografia/NPGEO/UFS e do Curso de Mestrado e Doutorado do PRODEMA, Coordenadora do GEOPLAN/UFS/CNPq, e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. [email protected]

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140

THE IMPORTANCE OF SPEECHS IN

TERRITORIAL DISPUTES ON THE SERGIPE SOUTH

COAST

Abstract:

This paper discusses the importance of discursive practices in territorial disputes in the areas of environmental relevance and perspective study of these phenomena by the methods of discourse analysis (AD) and Hermeneutics, as well as the experience of their application from methodology developed in research on the territorial conflicts that permeate the proposal to create the Extractive Reserve (RESEX) of the South Coast of Sergipe. Land disputes are given the divergence of interests as to the uses and intentions that different social actors develop in geographic space, which means power struggles. The territory is not limited to spatial delimitation, but spaces lived, represented their uses; which puts the traditional communities - who have long settled and developed their way of life, their culture - as an actor antagonistic to the interests of capital in the territory. The methodology developed allowed us to analyze the intentions, strategies and positioning of the actors involved in conflicts registered in the judicial process of creating RESEX started in 2005, and interviews conducted in the course of work. Keywords: Discourse Analysis. Hermeneutics. Social Actors. Territorial Conflict. Conservation Units

1 Introdução

A expansão das atividades econômicas possibilitada pelo avanço

tecnológico significa a imposição da racionalidade econômica por meio de

discursos sustentados por instituições seculares poderosas, sintetizados no

conceito de desenvolvimento. No entanto, a contradição inerente a esta

racionalidade é manifestada na forma de esgotamento dos recursos naturais,

na exploração acentuada da força de trabalho, no aumento da desigualdade

entre as classes sociais e na sobreposição cultural do global ao local, de modo

que essa expansão também produziu a crítica a esta proposta de relação entre

sociedade e natureza, o que trouxe à tona a necessidade de preservação dos

espaços naturais e dos modos de vida alternativos à racionalidade econômica.

As Instituições públicas e privadas são pressionadas para uma maior

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141

participação da sociedade civil na tomada de decisões sobre a exploração dos

recursos naturais (FERNANDES, 2009)

Nessa perspectiva, os conflitos territoriais são cada vez mais mediados pela

esfera jurídica, em alguns casos com relativa visibilidade dada pela mídia e

maior acompanhamento da sociedade em geral. Isto revela a importância das

práticas discursivas no desempenho dos atores que representam os diferentes

interesses e perspectivas de ocupação e produção do espaço (BOURDIEU,

1989 apud PEREIRA, 2008, p.175). O âmbito das discursividades é elemento

central nesta modalidade de conflito, o que torna a Análise do Discurso (AD) e

a Hermenêutica3 ferramentas fundamentais para compreensão dos processos

de (des)territorializacão em áreas de relevância ambiental. As intervenções

humanas no espaço exigem cada vez mais uma legitimação, um sentido, nesta

complexidade de relações sociais que a sociedade pós-moderna apresenta. Os

atores sociais apropriam-se de discursos, configuram enunciados que

produzem sentidos, resultando em ações e acontecimentos em campos

estratégicos, o que Foucault (2000) chama de “práticas discursivas”.

Nesse contexto, as comunidades tradicionais têm exercido um papel de

destaque nos conflitos territoriais envolvendo áreas propostas para a criação

de unidades de conservação. Dotadas de uma identidade forjada por técnicas

de subsistência e conhecimentos seculares do ambiente em que vivem, sofrem

diretamente com as transformações nas relações produtivas do espaço

provocados pela racionalidade econômica, mas também apresentam-se como

atores sociais de resistência a esta lógica, desempenhando em muitos casos

um papel decisivo na desterritorialização de atores representantes do capital

hegemônico, valendo-se, nestes casos, de sua coesão social, de sua

organização política e do seu modo de vida sustentável, proporcionados pela

identidade formada e formadora de territorialidade, manifestadas em discursos

que tem apresentado cada vez mais legitimação da sociedade civil

(FERNANDES, 2009;ELIAS, 2000) .

3 “Dois campos do saber que implicam em posturas e recursos metodológicos para análise de

formações discursivas, textos e experiências sociais” (CARVALHO, 2005 p.201).

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142

No litoral sul de Sergipe famílias desenvolvem secularmente atividades

extrativistas como a pesca artesanal, a catação de mangaba, do côco – da –

baía, de mariscos, do caranguejo-uçá, em uma paisagem com variedade de

formações vegetais – restinga arbórea, campos de várzeas, vegetação de

duna, manguezais, e floresta ombrófila densa – que compõem formações

geomorfológicas de planíces litorânes, flúviomarinhas e tabuleiros costeiros,

bem como as planícies fluviais dos rios Vaza-Barris e Real, resultando em

estuários, campos de dunas, lagunas e pântanos (SILVA; SOUZA, 2010) de

grande relevância ecológica. O estuário do Rio Piauí, por exemplo, é

classificado pelo Ministério do Meio Ambiente como Área Prioritária para

Conservação da Biodiversidade, denominada Complexo Estuarino Piauí –

Fundo Real (MMA,2002 apud KILKA et al.,2010, p.3) e as áreas

remanescentes de Mata Atlântica compõem uma das maiores em todo o

estado de Sergipe

A partir da última década do século XX, o incremento de redes possibilitou a

integração da região ao contexto global e a entrada de novos atores e novas

expectativas de uso, o que culminou na criação, pelo governo estadual, da

Área de Proteção Ambiental (APA) do Litoral Sul de Sergipe em 1993, na

justificativa de garantir a sustentabilidade da região com o advento da rodovia

SE/100-Sul (SERGIPE,1995).

Contraditoriamente, os anos seguintes à criação da APA apresentaram uma

ampliação e diversificação das atividades econômicas e de ocupação do solo,

constatado facilmente pela intensificação da especulação imobiliária,

monoculturas, indústrias e urbanização. Dentre estas, a carcinicultura

proliferou-se na região, ocupando diversas Áreas de Preservação Permante

(APP), os manguezais das bacias hidrográficas dos rios Piauí e Real, por

exemplo. Devido as características técnicas de produção em larga escala

utilizados pelos empreendimentos instalados na região, a atividade afetou

diretamente as condições ambientais dos rios, provocando mortandade de

peixes e crustáceos, a degradação da vegetação e consequentemente a

cadeia produtiva das atividades econômicas associadas a extração desses

recursos, e ainda, pelo fechamento dos acessos às áreas de catação de

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143

mangaba e das margens dos rios, os “portos” que são pontos estratégicos para

o escoamento da sua produção.

A análise dos conflitos territoriais em torno da proposta de criação da

Reserva Extrativista (RESEX)4 do litoral Sul de Sergipe em 2005 (solicitada

pelas colônias de pescadores, catadoras de mangaba, e Organização Não

Governamental Água é Vida) sob o foco nas discursividades permitiu a

construção de uma metodologia que visa a observação dos posicionamentos

dos atores, suas intenções e suas performances no universo dos textos que

compõem o processo judicial, e nas falas extraídas em entrevistas realizadas

ao longo da pesquisa.

Desta forma este artigo tem o objetivo de demostrar a importância do papel

dos discursos nas disputas territoriais e a elaboração da metodologia aplicada

no caso do conflito envolvendo a área proposta para a referida unidade de

conservação.

Para tanto, empregou-se o método hermenêutico, que consiste no conjunto

de técnicas para observação e interpretação dos sentidos e intenções

embutidas nos textos (RICOUER,1990). Foi utilizado os critérios de análise e a

observação das estratégias do ator social ao proferir discursos proposto por

Foucault (2000). Sua interpretação surgirá pela classificação nas unidades de

sentido identificadas por Cruz (2011) que revelará os desejos que projetam a

intencionalidade; neste caso, o discurso dos atores envolvidos na disputa

territorial e suas expectativas de uso do território.

2 Atores e discursos no jogo do poder

A divisão do trabalho estabelece as relações de poder entre os atores

sociais que constituem o território. O poder do ator e consequentemente os

limites da tessitura que compõe seu território é a combinação de um tripé

composto de trabalho, instrumentos e projeção. Como fruto do trabalho (e das

relações de poder intrínsecas a este), o território não é mais o espaço, mas

uma imagem do espaço vivido e/ou produzido, sustentado por uma

4 Uma das sete categorias de unidades de conservação que compõem o grupo das Unidades

de Conservação de Uso Sustentável, previstas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, conforme Lei Federal 9.985 de 18/07/2000.

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144

intersubjetividade e ideologia (RAFFESTIN, 2011, p.131). A conversão dos

símbolos em trabalho, cria um valor ou sentimento com o espaço, o que pode-

se chamar de identidade.

Nessa lógica o discurso torna-se elemento central na manifestação da

concepção de realidade e das intenções do ator social quanto à produção do

espaço, pois essas podem ser ignorados pelos sentidos ou pela observação de

dados quantitativos, pois o campo dos sentidos absorve apenas uma parte da

realidade e muitos pontos de vista escapam. Porém, pela linguagem, fala-se de

elementos não percebidos nas coisas, transcendendo todos os pontos de vista.

O sentido e o dito são sintetizados no discurso, ou seja, o discurso revela uma

projeção de mundo e mais ainda, a vontade que acaba por transmitir uma

intenção (RICOUER,1990).

Dessa forma, cabe destacar as considerações de Foucault a respeito das

estruturas de poder e dos discursos que influenciam as práticas não-

discursivas (decisões políticas e econômicas dos governos, práticas cotidianas,

das lutas sociais e políticas) ao justificar decisões referentes à apropriação da

natureza, onde a linguagem não é apenas um instrumento humano para

descrever as coisas e os pensamentos, mas sobretudo uma prática social, e

como toda prática, provoca efeitos, servindo para empreender e executar

ações (IÑIGUEZ, 2001, apud MÉLLO et al, 2007, p.27 ).

A linguagem, pela sua prática cotidiana, torna-se elemento fundamental na

produção da realidade, segundo a intencionalidade e dentro do âmbito de

poder que possui um ator, em determinada sociedade e tempo histórico, na

forma de apropriação de discursos, configurações de enunciados, que

produzem sentidos, resultando em ações e acontecimentos em campos

estratégicos, o que Foucalt vai chamar de “práticas discursivas” (FOUCAULT,

2000).

Assim, esta perspectiva a respeito da linguagem como “práticas discursivas”

possibilita a identificação e análise dos posicionamentos e interesses dos

atores, bem como as operações de sentido. Para isto, Foucault estabelece

critérios, que são os elementos recorrentes nos enunciados dos diferentes

atores (diante da base polissêmica da linguagem em que são empregados,

bem como a forma como estão organizados), o reconhecimento da origem ou o

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145

lugar institucional do discurso dos atores, e as estratégias do discurso proferido

pelo autor.

Os elementos recorrentes, ou unidades de sentido, fornecem os enunciados

que tornam a aparecer no discurso dos diferentes atores por uma série de

reformulações, apropriados sob perspectivas diferentes e que revelam

posicionamentos e intencionalidades. Diante da formulação elaborada por Cruz

(2011), temos três elementos recorrentes que prevalecem nas discursividades

em disputa no contexto ambiental: desenvolvimento, ecodesenvolvimento e

desenvolvimento sustentável (sendo este subdividido em econômico-liberal,

ecológico e de participação democrática). O posicionamento que cada

elemento recorrente indica é detalhado a seguir, segundo as considerações de

Cruz (2011).

O sentido dado à expressão desenvolvimento é, tradicionalmente, a crença

na expansão econômica como eixo central para o bem-estar da sociedade, o

caminho para a civilidade e prosperidade. Significa também a confiança nos

avanços tecnológicos para a solução da crise ambiental. (CAMARGO, 2005

apud CRUZ, 2011, p.36) A concepção de ecodesenvolvimento defende o

avanço tecnológico aplicado para viabilizar uma produção voltada para as

necessidades das comunidades locais, valorizando sua cultura e seu potencial

ecológico (LEFF, 2006 apud CRUZ, 2001, p.38)

Dentre os elementos recorrentes nos discursos ambientais, o do

desenvolvimento sustentável tem sido o mais difundido pelos atores sociais

sobretudo a partir dos anos 1990: “é aquele que atende as necessidades do

presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem as

suas próprias necessidades”. (CAMARGO, 2005 apud CRUZ, 2011, p.40).

Tendo uma ampla disseminação este foi apropriado por diferentes atores que o

reformularam a ponto deste ser subdivido em três posicionamentos: a

abordagem econômica, a abordagem ecológica e a abordagem política de

participação democrática. A abordagem econômica coloca a crise ambiental

não como efeito da acumulação de capital, mas do fato de não haver outorgado

direitos de propriedade (privada) e atribuído valores (de mercado) aos bens

comuns (LEFF, 2006 apud CRUZ, p. 42). Na abordagem ecológica, a solução

dos problemas ambientais é vista através de meios gerenciais, dentro de uma

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146

perspectiva reformista e tecnocentrista, por isso encontra-se muitas vezes

próxima da racionalidade econômica da abordagem neo-liberal (FREY,2001

apud CRUZ, 2011, p.42). A abordagem política de participação democrática

defende a apropriação social da natureza, que significa uma participação

popular na tomada de decisões e com uma produção voltada para atender as

comunidades de cada lugar; ao invés da racionalidade econômica a

autogestão. (SACHS, 2002 apud CRUZ, 2011, p. 43).

Para compreender as diferentes configurações dos mesmos enunciados

deve-se identificar a origem que legitima o discurso do ator perante a

sociedade e qual o nível ou esfera social que este alcança (nas relações de

poder), o que é chamado por Foucault de “lugar institucional”; e ainda, observar

a condição existencial do ator ao proferir um discurso: sua identidade (sua

classe social, sua religião, seu gênero, sua idade etc) (FOUCAULT, 2004).

Na questão ambiental, esses são conceitos que sustentam as diferentes

perspectivas da relação sociedade-natureza, e que constroem as justificativas

do ator social. Dentro da discursividade ambiental três concepções prevalecem

– o Biocentrismo, o Tecnocentrismo/Antropocentrismo e a Vertente

Emancipatória- conforme Cruz (2011 p. 31). O Biocentrismo corresponde a

uma concepção de preservação pela demarcação de áreas que ficariam livres

de qualquer interferência humana. A natureza ao invés de ser vista como

recurso, é colocada em igualdade de valor em relação à sociedade. (DIEGUES,

1996 apud CRUZ), O Tecnocentrismo/Antropocentrismo coloca a satisfação

das necessidades humanas como legitimador máximo das ações. Nada possui

maior valor do que a sobrevivência do homem. Acredita que a engenhosidade

humana é capaz de contornar os problemas ambientais provenientes da

produção capitalista. Finalmente, a Vertente Emancipatória busca atender às

aspirações sociais e garantir a manutenção da diversidade de ambientes e

culturas, dos valores e práticas que conferem identidade aos grupos sociais

(MELO; SOUZA, 2007 apud CRUZ, 2011, p.33).

Outra questão relacionada à análise do discurso é a estratégia empregada

pelo ator ao proferi-lo, no intuito de cativar a atenção e a reflexão do

interlocutor sobre suas próprias “verdades”; a saber, a legitimação, a

credibilidade, e a captação; mediante a razão, (logos), a imagem social do

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agente do discurso (ethos), e o efeito emotivo que provoca a reflexão ou a ação

(pathos) (CRUZ, 2011, p. 35, 36). A legitimação significa a autoridade

institucional ou pessoal do ator no contexto social. A credibilidade é a posição

de verdade do sujeito do discurso, fundada na sua capacidade de dizer ou de

fazer, produzindo um discurso de convicção, ou ainda, pelo distanciamento em

relação ao discurso e a captação corresponde ao momento que o interlocutor

entra no quadro de pensamento do sujeito do discurso, provocando um efeito

emocional que acaba por desencadear uma ação. (Ibid. p. 35).

Estes conceitos servem para construir a análise dos discursos diante das

circunstâncias e das configurações diversas em que os enunciados são

organizados para produzir as falas, os discursos e as ações que envolvem os

conflitos territoriais. Cabe destacar que os lugares institucionais da

discursividade ambiental podem ser apropriados por segmentos da sociedade

com interesses distintos, por isso devem ser considerados em conjunto com os

demais aspectos da análise dos enunciados.

3 Análise da disputa

Diante do exposto, a metodologia empregada na análise da disputa

considera os atores sociais (pela identificação, caracterização e as estratégias

empregadas por cada um), os discursos (pela classificação dos elementos

recorrentes e do lugares institucionais presentes nos enunciados), e as ações

dos envolvidos na disputa. Estas informações são confrontadas e combinadas

para revelar as performances dos mesmos.

De modo resumido5, a aplicação desta metodologia pode ser demonstrada

pelo quadro 1 que apresenta quatro dos dezesseis atores identificados na

disputa pelo território proposto para criação da RESEX do litoral sul de Sergipe,

as estratégias empregadas por cada um desses, e alguns discursos expressos

nos textos do processo judicial ou em entrevistas realizadas. Em seguida

ícones coropléticos (Figura 1) apresentam o lugar institucional nos quais os

5 Esse artigo é uma versão concisa e modificada da pesquisa de iniciação científica (PIBIC)

intitulada “Conflitos territoriais em unidades de conservação: discursividades em disputa no processo de implantação da RESEX do Litoral Sul de Sergipe” concluída em 2014 sob orientação da Prof. Drª. Rosimeri Melo e Souza na Universidade Federal de Sergipe - UFS.

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discursos buscam legitimação, a unidade de sentido assumida, e o

posicionamento diante da proposição da Unidade de conservação.

QUADRO 1: Identificação dos atores sociais ATOR ESTRATÉGIAS DO DISCURSO DISCURSOS

ICMBIO

Legitimação: Autarquia federal

Credibilidade: responsável pela

criação, gestão e implantação da

RESEX, a partir de normas

científicas e segundo as políticas

públicas vigentes.

Captação: Diante da relevância

ambiental da região e da

emergência de conflitos sociais,

coloca como fundamental a

interferência do Estado como

gestor da área por meio da

RESEX

“[...] a efetivação de uma reserva

extrativista possibilitará uma

melhoria das condições ambientais

regionais, uma vez que terá por

objetivo disciplinar o uso e

ocupação do solo, a exploração

dos recursos naturais,

preservando a integridade

biológica das espécies e os

padrões de qualidade ambiental

[...]”

“[...] vimos que o movimento das

catadoras está bem reconhecido, o

que proporcionou melhores preços

para mangaba, mas falta um

fortalecimento local para que

cheguem mais políticas públicas e

resolva o conflito por território[...]”.

Proprietários

de latifundios

Legitimação: Líderes políticos

(prefeitos, vereadores e

deputados), títulos de

propriedade das terras.

Credibilidade: Poder político e

econômico

Captação: Manifesta-se

contrário à implantação

Argumenta que a população

beneficiada com a RESEX será

insignificante, que a mesma trará

engessamento ao

“[...]A RESEX pode engessar a

cidade, todos os pés de mangaba

tem dono[...]”.

“[...]É preciso que se saibam que

se for criada a reserva a

propriedade da terra deixa de ser

de vocês, onde vocês perdem esta

área e esta passa a ser controlada

por um conselho gestor e vocês

ficarão com uma situação muito

difícil quanto a este aspecto [...]”.

“[...] Quem é funcionário tem seu

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149

desenvolvimento do município, a

carcinicultura como atividade

geradora de emprego e renda e

as atividades extrativista um

regresso econômico e social

dinheiro. Na sarjeta estão vocês.

Indiaroba foi local de colonização

antiga. Coqueiros não são

extrativismo. Antes da abolição da

escravatura tínhamos engenhos,

não é extrativismo. Vamos

transformar laranjal em

extrativismo? senão vou exigir que

as super quadras de Brasília, que

era cerrado sejam uma RESEX

[...]”.

“As comunidade só querem a

RESEX por conta dos recursos

prometidos, como no caso dos

créditos rurais”.

SEMARH/SE

Legitimação: Secretaria

estadual responsável pela gestão

da APA do Litoral Sul de Sergipe;

Credibilidade: Conhecimento

técnico, respaldo legal e social

Captação: Questiona a

necessidade de uma reserva

federal tendo em vista a

capacidade técnica do governo

estadual de exercer o controle

das ações de uma área em pleno

desenvolvimento para estado de

Sergipe.

“Qual é o sentimento do governo

do estado? Favorável à criação da

Resex, nunca discutimos não

sermos favoráveis, discutimos a

amplitude, o tamanho, e o nível de

controle”.

“[...] o Estado apóia a RESEX, mas

temos que levar em conta algumas

questões como: o estado é

pequeno para uma unidade de

conservação considerada tão

grande; que uma UC atrapalha o

agronegócio e o turismo no

estado[...]”.

COL.ÔNIA

DE

PESCADO-

RES Z-4;

Legitimação: Comunidade

Tradicional

Credibilidade: Engajamento

político, Atitude de denúncia,

(deu início ao processo judicial)

Captação: sustenta-se na

legislação que rege o SNUC, na

“O fechamento dos portos da

região, quando de 22 existentes,

restam dois em condições de uso,

está se tornando um tormento para

os pescadores artesanais,

marisqueiras, catadoras de frutas

nativas, catadores de caranguejo e

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150

Fonte: SILVA (2014)

Figura 1: Ícones coropléticos de posicionamento dos atores Fonte: SILVA, 2014

acusação de que os

empreendimentos recentes

(carcinicultura e industriais) têm

comprometido o meio ambiente e

ameaçado seu modo de vida.

outros que precisam usá-los, fazer

verdadeiras excursões ou

maratonas para chegarem aonde

chegavam facilmente, quando não

havia cercas”.

“[...]Citaram aqui nesse instante o

porto do maçadiço, que lá já houve

até morte por causa da passagem

de pescadores naquela estrada.

No município de Indiaroba, morte

já existe, já desapareceu, já

levaram barco e um pescador que

foi enterrado na propriedade de

seu Mar [...]”.

GESTORES PÚBLICOS AMBIENTAIS

COMUNIDADES TRADICIONAIS

ÓRGÃOS CONSULTIVOS

EPREENDIMENTOS PRIVADOS

TECNOCÊNTRICO/ANTROPOCÊNTRICO

VERTENTE EMANCIPATÓRIA

DES. SUSTENTÁVEL DE PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA

DESENVOLVIMENTO

SIM

NÃO

CATEGORIA DO ATOR

LUGAR INSTITUCIONAL

UNIDADE DE SENTIDO

FAVORÁVEL À RESEX?

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151

Os ícones coropléticos sintetizam as análises pela interpretação dos

discursos e ações. Cada ícone representa uma categoria de ator envolvido. Na

categoria “gestores públicos ambientais” são encontradas autarquias federais e

estaduais, órgãos públicos e empresas estatais. Dentre as “comunidades

tradicionais” estão agrupados os pescadores artesanais, as catadoras de

mangaba, marisqueiras e catadores de caranguejo, bem como associações e

representantes da sociedade civil vinculadas a estes grupos, como as Colônias

de Pescadores, o movimento Catadoras de Mangaba, Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST e Organizações Não –

Governamentais - ONGS. Na categoria “Órgãos Consultivos estão o Ministério

Público Federal e o Ministério Público de Sergipe. Dentre os “empreendimentos

privados” são encontrados empresas de diversos setores como o turismo,

agronegócio e aquicultura, bem como proprietários de terras.

Estas informações devem ser consideradas em conjunto, combinadas e

confrontadas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise, foi possível perceber como as novas

modalidades de exploração do espaço que compõe o litoral sul de Sergipe são

legitimadas por discursos que trazem o elemento recorrente do

desenvolvimento, como algo que trará prosperidade da região, pela geração de

emprego e renda, melhoria ou criação de infraestrutura nas comunidades

locais, ao mesmo tempo em que as atividades extrativistas (como a catação de

frutas nativas e mariscos), e o modo de vida tradicional são citadas como

miseráveis e retrógradas. Estes discursos são empregados por

empreendimentos privados e por proprietários de terra. Dentre esses últimos,

muitos também possuem poder político, já que alguns exercem, ou exerceram,

cargos do poder executivo e legislativo (prefeitos, deputados e vereadores).

As comunidades tradicionais, por sua vez, fazem uso do respaldo social que

existe na atualidade pela preservação dos recursos naturais e dos modos de

vida sustentáveis, manifestados nos princípios que regem o Sistema Nacional

de Unidades de Conservação – SNUC, neste caso cabe destacar a

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152

organização política de algumas comunidades como as colônias de pescadores

que, devido a sua experiência de associação, conseguem enxergar esta

possibilidade de resistência a ponto de mobilizar, juntamente com outros

setores da sociedade civil como as ongs, por meio de instrumentos sociais e

políticos de garantia de direitos junto a instituições públicas como o Minstério

Público, o ICMBio, o INCRA e o IBAMA. Foram assíduas nas audiências

públicas realizadas em torno da proposta de criação da resex, e muitas vezes

denunciaram crimes ambientais e atos de violência contra pescadores e

catadoras de frutas nativas, praticados por empreendimentos privados e

proprietários de terra.

Nesse contexto, as instituições públicas atuam, por um lado, no sentido de

garantir o gerenciamento de políticas ambientais, utilizando-se de instrumentos

e conhecimentos técnicos, os quais – dentro do que Foucault chama de

“constelações discursivas” – assumem o poder central no estabelecimento de

“verdades”, a ponto de serem o critério empregado para avaliar a viabilidade de

implantação da reserva, ou ainda, de analisar a legalidade jurídica das relações

sociedade – natureza, como no caso dos inquéritos civis públicos. Por outro

lado, estão sob a administração política, e por isso apresenta suas

contradições inerentes à disputa de interesses tanto no âmbito estadual como

federal.

Desta foma, o fato é que, até o presente momento, as comunidades

tradicionais tem sido as mais prejudicadas, ja que têm sofrido cada vez mais os

processos comuns à logica territorial capitalista de segregação, expropriação,

que promove o êxodo rural, desemprego, desestruturação familiar, que afligem

as regiões em processo de reestruturação produtiva associadas à

racionalidade econômica empregada pela lógica do mercado global, e vêem no

cumprimento da legislação contida no SNUC, a esperança da garantia do uso

sustentável dos recursos naturais para a sua reprodução social.

Referências

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CAPÍTULO 10

COMUNIDADES TRADICIONAIS E

TERRITORIALIZAÇÃO: METODOLOGIA APLICADA À

ANALISE DE CONFLITOS TERRITORIAIS

Luís Ricardo Rodrigues de Araújo1 Rosemeri Melo e Souza2

Resumo

Contrapondo-se ao crescimento urbano desenfreado, as comunidades tradicionais vivenciam uma tentativa constante de aliar a conservação de sua essência clássica ao desenvolvimento social necessário aos seus componentes. Porém, esse fato descrito aqui é potencial gerador de conflitos territoriais que devem ser analisados a partir de metodologias que procurem entender as especificidades que são peculiares a tais situações conflituosas. Inicialmente é necessário verificar os atores sociais em questões (potenciais ou não) geradoras de conflitos territoriais e estabelecer as suas territorializações e seus interesses no processo conflituoso. Para tal, sugere-se, e aqui objetiva-se expor, metodologia aplicada durante pesquisa de mestrado de Araújo (2014), onde conflitos territoriais no processo de implantação da Reserva Extrativista (RESEX) do litoral sul de Sergipe foram analisados. Dados iniciais foram coletados, a área envolvida foi mapeada, as comunidades tradicionais e outros atores foram identificados para análise e posterior aplicação em fórmula proposta por RAFFESTIN (2008) e em unidades de paisagem pré-definidas. Os resultados produzidos e tratados em trabalhos que sigam os procedimentos aqui descritos, podem servir para os próprios agentes envolvidos nos conflitos como um material de sensibilização e autocrítica, auxiliando na busca por formas para mediação dos conflitos onde comunidades tradicionais sejam o foco.

Palavras-chave: Comunidades Tradicionais. Conflitos Territoriais. Territorialização.

1 Mestre em Geografia – PPGEO/UFS Especialista em Gestão Ambiental - Faculdade Pio X.

Graduado em Gestão de Turismo – IFS. [email protected] 2 Pós-doutora em Biogeografia, Pesquisadora do CNPq e Professora Associada do

Departamento de Engenharia Ambiental da UFS. Coordenadora do GEOPLAN/UFS/CNPq e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. [email protected]

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TRADITIONAL COMMUNITIES AND TERRITORIALIZATION: METHODOLOGY APPLIED TO

ANALYSIS OF TERRITORIAL DISPUTES

Abstract

In contrast to the rampant urban growth, traditional communities experience a constant attempt to combine the preservation of its classic essence to the social development necessary to its components. However, this fact described here is potential generator of territorial conflicts that must be analyzed from methodologies that seek to understand the specificities that are peculiar to such conflict situations. Initially it's need to check the social actors in issues (potential or otherwise) territorial conflicts generating and establish their territorializations and their interests in the conflictual process. To this end, it is suggested, and here the objective is to expose, methodology for Araújo master's research (2014), where territorial disputes in the implementation process of the Extractive Reserve on the south coast of Sergipe were analyzed. Initial data were collected, the area involved was mapped, traditional communities and other stakeholders have been identified for examination and application in formula proposed by Raffestin (2008) and pre-defined landscape units. The results produced and maintained on jobs that follow the procedures described herein, can be used to the agents themselves involved in conflicts as a material of self-awareness, helping in the search for ways to mediate the conflicts where traditional communities are the focus.

Keywords: Traditional Communities, Territorial disputes. Territorialization.

1 Introdução

Contrapondo-se ao crescimento urbano desenfreado, as comunidades

tradicionais vivenciam uma tentativa constante de aliar a conservação de sua

essência clássica ao desenvolvimento social necessário aos seus

componentes. Porém, esse fato descrito aqui é potencial gerador de conflitos

territoriais que devem ser analisados a partir de metodologias que procurem

entender as especificidades que são peculiares a tais situações conflituosas.

As comunidades tradicionais possuem preocupações pertinentes à

manutenção de suas práticas históricas e às modificações em seu ambiente, e

são exatamente nesses pontos que residem os conflitos territoriais, visto que o

processo de construção territorial possui papel de extrema relevância no

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processo de formação e desenvolvimento dos mais diversos grupos de atores

sociais.

Para que os conflitos supracitados sejam identificados e analisados no

contexto dos atores sociais que residem no cerne da discussão desse texto,

são necessárias discussões que envolvam as territorialidades (aqui entendidas

como relações de poder) geradas em um determinado território e aplicadas

posteriormente em uma metodologia tal como a aqui apresentada.

Inicialmente é necessário verificar os atores sociais em questões (potenciais

ou não) geradoras de conflitos territoriais e estabelecer as suas

territorializações e seus interesses no processo conflituoso. Para tal, sugere-se,

e aqui objetiva-se expor metodologia aplicada durante pesquisa de mestrado

de Araújo (2014).

Na pesquisa do referido mestrado, conflitos territoriais no processo de

implantação da Reserva Extrativista (RESEX) do litoral sul de Sergipe foram

analisados. Dados iniciais foram coletados, a área envolvida foi mapeada, as

comunidades tradicionais e outros atores foram identificados para análise e

posterior aplicação em fórmula proposta por Raffestin (2008) e em unidades de

paisagem pré-definidas.

A metodologia aqui apresentada pode proporcionar resultados factuais

acerca de conflitos territoriais relacionados à apropriação social do espaço

envolvendo comunidades tradicionais.

2 Territórios e conflitos e paisagem: delimitando conceitos

Território é entendido como um dos temas mais complexos na análise dos

conceitos-chave da geografia. Por ser construído e desconstruído nas

diferentes escalas temporais, os territórios podem ter o caráter permanente,

mas também podem ter existência periódica ou cíclica, transformando-se assim

em elemento da natureza espacial criado pela sociedade, cujo objetivo é lutar

para conquistá-lo ou protegê-lo (HAESBAERT, 2006).

A partir de Valverde (2004, p. 2) temos uma noção sobre o recente histórico

de discussões sobre território:

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[...] a geopolítica dos anos 50 seguiu os mesmos princípios de território encontrados na teoria ratzeliana, estendendo a sua influência até os anos 80. Alimentadas pelas disputas geopolíticas por zonas de exclusividade de fluxos militares e econômicos de um dos pólos ideológicos, capitalista ou comunista, as áreas periféricas de desenvolvi-mento serviram como palcos da tensão e da disputa por territórios. [...] Porém, nos últimos 20 anos, o território ganhou um sentido diferente, mais amplo, para abordar uma infinidade de questões pertinentes ao controle físico ou simbólico de determinada área. Hoje um olhar geográfico sobre as fronteiras que separam os homens do século XXI irá necessariamente revelar a pluralidade das suas diferenças e a diversidade de suas formas de associação entre pessoas e espaços.

A mudança trazida por Valverde (2004) é baseada nas recentes alterações

na ordem mundial, a partir do fim da guerra fria e de processos de

territorialização e desterritorialização que se estabeleceram a partir do

surgimento desta nova e atual ordem.

O conceito de território, historicamente, é alvo de diversas discussões e

divergências dentro da geografia. A partir desse cenário, Eduardo (2010)

destaca as três vertentes básicas, defendida por Sposito (2005), da discussão

acerca de território na Geografia:

“São essas vertentes divididas em: a) naturalista: “segundo a qual o território aparece como imperativo funcional como elemento da natureza inerente a um povo ou uma nação e pelo qual se deve lutar para proteger ou conquistar”; b) uma abordagem “mais voltada para o indivíduo [que] diz respeito à territorialidade e sua apreensão [...]. Aí temos o território do indivíduo, seu ‘espaço’ de relações, seu horizonte geográfico, seus limites de deslocamento e de apreensão da realidade”; e c) quando sua utilização se faz confundir com a noção de espaço. (p. 17)

A tradição naturalista segue a ideia de território pela ótica das relações

instintivas entre animais, sendo que aos teóricos naturalistas, segundo Eduardo

(2010), “devemos o mérito de serem os primeiros a sistematizar e difundir o

conceito de território e de territorialidade”, enquanto a segunda vertente segue

a ótica das relações de poder entre indivíduos em um determinado espaço. Já

a terceira vertente, talvez a mais comum no cenário acadêmico, abarca

definições baseadas em conceitos vagos sobre territórios e territorialidades,

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causando assim confusões com outros temas geográficos, como o espaço

(SPOSITO, 2005).

Sabendo-se da complexa relação entre conflitos, territórios, territorialidades

e unidades de conservação, optou-se nesta pesquisa pela segunda vertente

tratada por Sposito (2004), que segundo Eduardo (2010, p. 5):

Nesse caso, os sentimentos de pertencimento, de identidade, os espaços de representação, o enraizamento, entre outros elementos, interagidos com as demais dimensões do território, efetivam formas particulares de apropriação e de produção do espaço via a territorialidade.

Saquet (2003, p.4), teórico contemporâneo que tem realizado trabalho em

busca de uma uniformização dos argumentos acerca do conceito de territórios

e territorialidades na geografia, baseando-se em conceitos de dimensões

sociais, espaciais e econômicas, afirma que:

O território se dá quando se manifesta e exerce-se qualquer tipo de poder, de relações sociais. São as relações que dão o concreto ao abstrato, são as relações que consubstanciam o poder. Toda relação social, econômica, política e cultural é marcada pelo poder, porque são relações que os homens mantêm entre si nos diferentes conflitos diários.

Seguindo a mesma linha, Raffestin (1993, p. 143) explica que “território se

forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator

sintagmático (ator que realiza determinadas ações) em qualquer nível. Ao se

apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente [...], o ator “territorializa” o

espaço”.

Continuando mesma linha de raciocínio, Raffestin (1993, p.144) traz que:

O espaço é, de certa forma, “dado” como se fosse uma matéria-prima. Preexiste a qualquer ação. “Local” de possibilidades, é a realidade material preexistente a qualquer conhecimento e a qualquer prática dos quais será o objeto a partir do momento em que um ator manifeste a intenção de dele se apoderar. Evidentemente o território se apóia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção, a partir do espaço.

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O território, como afirma Saquet (2003, p. 24), “é um lugar de relações e

este, um território, a partir da apropriação e produção do espaço.” Tais relações

podem gerar conflitos de uso/apropriação de território.

A partir das características sobre território, trazida por Raffestin (2003) e

Saquet (2003) e, principalmente pela ideia de território como apropriação

social, Araújo (2014, p. 40) propõe o seguinte esquema (Figura 1):

FIGURA 1 - CONFIGURAÇÃO DE DISPUTAS TERRITORIAIS. FONTE: ARAÚJO (2014).

O esquema proposto traz, primeiramente, de forma linear e simplificada, o

“caminho” traçado pelas relações sociais, desde a ocupação do território até o

surgimento de uma das principais consequências das territorialidades: os

conflitos. Dentro desse esquema, destaca-se a fuga da linearidade, quando

relações de poder e choque de forças antagônicas (conflito) podem gerar a

apropriação social de novos espaços (ARAÚJO, 2014).

Conflito pode ser interpretado como qualquer forma de oposição de forças

antagônicas. Significa diferenças de valores, “escassez de poder, recursos ou

posições, divergências de percepções ou ideias, dizendo respeito, então, à

tensão e à luta entre as partes” (BREITMAN; PORTO, 2001, p.93).

Para Warat (1999) são justamente os desejos, as intenções e os quereres

que são evocados quando se desvela o material latente dos conflitos.

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Conforme Moore (1998, apud Ernandorena, 2008, p.120) existe uma outra

espécie de conflitos, os emergentes, ou seja, ambas as partes reconhecem que

existe uma disputa surgindo e ensejando uma troca de tons severos entre elas,

que não sabem como resolver o problema. Leciona Moré (2003) apud

Ernandorena (2008, p.120) que:

Em nossa sociedade o conflito se associa à rivalidade, a oposição, e à diferença, e esta é mal vista em nosso sistema de crenças. Muitas vezes se vive as diferenças como uma agressão. Mas o antagonismo não é destrutivo em si, nem bom em si, mas pode ser entendido como um elemento da evolução, e mais, um dos elementos da própria vida. Portanto, os antagonismos são parte integral do meio onde nascemos, nos criamos e morremos; de forma que não podem ser extirpados, já que fazem parte de nossos sistemas de interação.

Contextualizando de forma geral, conflitos ambientais podem ser definidos

como conflitos sociais que expressam lutas entre interesses divergentes que

disputam o controle dos recursos naturais e o uso do meio ambiente comum

(ALEXANDRE, 1999-a, p. 23)

Seguindo esta linha, Little (2001) define conflitos socioambientais,

pertencentes a esta temática, como “disputas entre grupos sociais derivadas

dos distintos tipos de relação que eles mantêm com seu meio natural”. Dentro

deste conceito, a paisagem é importante item para ser destacado nesse

contexto.

Buscando esclarecer o conceito de paisagem, captando os diversos

elementos das relações que a compõem, Kelting e Lopes (2011), de forma

detalhada, destacam:

A paisagem é resultante da interação direta entre os quatro elementos da natureza – energia, ar, água e terra – e os seres bióticos, inclusive o homem. É formada pelas ações e relações constantes do homem, desde o seu nascimento até a morte, com o espaço natural. A paisagem, portanto, diz respeito à concretude da vida privada e coletiva, pois com ela o ser humano mantêm relação de pertence, de valorização, de afetividade, de simbologia e de sentimento estético, dependendo dela para viver e sobreviver.

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Paisagem, dentro do contexto geográfico, é componente que sucede o

Território e, contextualizada em uma pesquisa geográfica, deve ser relatada e

registrada de forma fracionada, analisando-se seus componentes

detalhadamente. A paisagem pode ainda ser dividida em unidades que

segundo Fávero (et al, 2004apud BELEM,2013) “pode ser definida como uma

síntese de inúmeros aspectos da paisagem que se repetem justificando a

classificação como unidade.”

Buscando entender o envolvimento entre Geografia e Paisagem, Kelting e

Lopes (2011) elucidam:

A Geografia, em um de seus campos de investigação, trabalha na detecção de rupturas pontuais da paisagem, delimitando as fronteiras territoriais dos fenômenos, identificando seus atores, analisando o que levou ao corte e aos conflitos. Desse modo, diferentes paisagens sociais subsistem em uma mesma paisagem natural, em que a apropriação se processa de modo diferente.

A polissemia presente na conceituação de paisagem demonstra a

importância de sua análise estrutural, sendo seus elementos investigados um a

um de forma detalhada e relatados como elementos conjunturais que formam o

elemento geográfico citado.

3 Procedimentos aplicados aos estudos científicos acerca dos

conflitos territoriais

Para que se construa uma análise ampla de situações conflituosas, deve-se

esclarecer territorializações geradas a partir da interação de atores sociais

pertinentes à pesquisa, valendo-se do levantamento de dados para compor a

análise textual, mapas de uso/ocupação do solo, além da elaboração de um

transecto que permita a contextualização do local analisado. No estudo da

caracterização ambiental pode-se utilizar documentação oficial, além de fontes

bibliográficas, sendo que estas últimas podem ser obtidas em trabalhos

publicados por autoridades públicas e pesquisadores, privilegiando-se estudos

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mais localizados sobre a área envolvida em possíveis pesquisas. Com tais

elementos, é cabível direcionar o trabalho de observação.

Ao longo de uma pesquisa que objetive a análise de conflitos territoriais,

sugere-se a realização de observações diretas, mediante a observação in loco

da paisagem em estudo, assim como as indiretas através de materiais

fotográficos e cartográficos obtidos em prévio levantamento, não sendo exigido,

neste caso, o deslocamento até o local a ser observado.

Através da coleta de dados é importante realizar o levantamento da

localização e limites da área de pesquisa e das condições ambientais da região

em estudo. Essa identificação contribui para a identificação de comunidades

tradicionais e para visualização de possíveis áreas de conflito. Os dados

coletados podem ser anotados em uma caderneta de campo e os mesmos

descritos para posterior tabulação.

Após a assimilação da realidade das comunidades tradicionais deve-se

avaliar o conjunto de relações e de interações entre os atores envolvidos,

estudando assim o processo de relações de poder entre eles. Em seguida,

entrevistas semiestruturadas, com perguntas voltadas para exploração de

valores e vivências, podem ser importantes ferramentas para otimizar a

possibilidade de exatidão da análise, sendo que devem ser baseadas nas

informações coletadas a partir dos procedimentos de pesquisas bibliográfica e

de campo.

Ao fim da coleta de dados sobre os atores sociais, sugere-se aplicação à

fórmula proposta por Raffestin (2008), A(L-M-P)----R----S(Sn/So)=T/Ta, onde:

A: ator (individual ou coletivo, homem ou coletividade) que combina diversos meios para realizar uma ação no ambiente inorgânico e/ou orgânico e/ou social. Nesse nível de generalização não é necessário distinguir precisamente os diversos tipos de atores. É fundamental precisar que esta categoria deverá ser identificada com maior detalhe em um processo de produção territorial peculiar. L‡: trabalho à disposição do ator. O trabalho humano pode ser definido como uma combinação de energia e informação. A quantidade variável de energia e informação determina os tipos de trabalho (de produção ou invenção). No decorrer da história, a segunda sempre foi mais significativa que a primeira.

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M: mediadores materiais, instrumentos diversos e/ou imateriais, conhecimento e/ou algoritmos à disposição do ator. São todos os instrumentos de trabalho que estão à disposição em um lugar e em um momento especifico. Podem existir mediadores que não são contemporâneos uns dos outros. P: programa do ator. O programa é o conjunto das intenções realizáveis e dos objetivos ou metas. Por exemplo, produzir um ecossistema rural ou urbano constitui um programa geral. R: relação efetivada pelo ator com o ambiente geral A relação é composta por uma grande variedade de ações particulares realizadas com o objetivo de atingir uma meta precisa. Sn: ambiente orgânico e/ou inorgânico. De acordo com a visão ecológica, o orgânico é assimilável ao conceito de biocenose e o inorgânico ao de abiótico; a noção de escala deve ser explicitada em cada contexto. So: Ambiente social. Todos os subsistemas sociais, da economia à politica e à cultura estão entre os elementos do ambiente social. S: ambiente geral (Sn + So) T: território produzido pelo ator no ambiente. Ta: conjunto das relações desenvolvidas pelo ator no território e territorialidade.

4 Entrevistas

A entrevista é uma importante aliada desde que elaborada de modo flexível,

contando com roteiro semiestruturado, com horários e datas agendadas junto

aos moradores e autoridades selecionados, com um esquema básico que

permitia as adaptações necessárias. A escolha de um roteiro semiestruturado

ocorreu no sentido de proporcionar maior número de dados coletados nas

respostas e pontuar os eventos mais significativos.

Para aplicação das entrevistas (o número irá variar de acordo com o

levantamento prévio de atores), aspectos como antiguidade na comunidade,

nível de conhecimento acerca do tema abordado e disponibilidade devem ser

levados em conta. Com relação às entrevistas a ser realizadas com

autoridades do poder público, critérios como relevância, conhecimento e

disponibilidade serão decisivos.

Através da metodologia em destaque pode-se analisar os atores envolvidos

e identificar seus interesses e manifestações acerca da área de estudo. Sendo

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levadas em conta também as suas interações, para que, a partir de uma

tabulação comparativa de resultados, os conflitos possam ser indicados.

Os dados devem ser reunidos e tabulados em planilhas ou tabelas para que

seja procedida à análise das relações de poder dos atores envolvidos que

resultam ou possam resultar em conflitos, durante a qual eles serão

identificados, caracterizados e relacionados às políticas ambientais pertinentes

ao tema desta pesquisa.

5 Procedimentos metodológicos aplicados às unidades da

paisagem

O cenário ambiental da área trabalhada precisa ser relacionado às

implicações possivelmente ocasionadas por conflitos territoriais. Os resultados

necessitam de análise sistêmica, apresentando uma integridade definida,

gerando unidades de paisagem, elaboradas a partir de considerações sobre os

conflitos territoriais evidenciados, em decorrência do controle sobre a área em

análise. É com base neste procedimento descrito acima que deve ser

construída toda a caracterização da área.

A área de estudo foi identificada pelo aspecto da paisagem. Dias (2006)

infere que “a ação do que o homem imprime nas paisagens é o resultado de

sucessivas combinações de sociedades sobre o espaço e a relação

estabelecida entre ambos”. Dessa forma, neste trabalho, a análise da

paisagem foi feita ao longo das etapas definidas nas análises de Geossistema

e territorializações, de forma multidirecional e interativa.

Segundo Bertrand (1972) apud Dias e Leonardo (2007, p. 10), “a paisagem

seria a exteriorização morfológica do momentum dos processos interativos que

compõem o meio ambiente, independentemente dos limites entre as diversas

feições e sua natureza”.

Quando analisada no viés de conflitos territoriais, a paisagem merece uma

investigação com enfoque socioeconômico, seguindo um perfil cultural, em que

a origem das alterações da paisagem seja discutida, inclusive com cruzamento

de informações de mapas relacionados a área onde foram detectados conflitos.

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166

Para uma análise mais profunda da paisagem, pode-se compartimentalizar a

área de estudo em unidades de paisagem e, posteriormente, inseri-las nas

discussões.

Na definição das Unidades de paisagem deve-se contemplar a interação de

fatores como a geomorfologia, o uso do solo e a cobertura vegetal. Interagindo

de forma variada, esses elementos geram combinações específicas,

representando o aspecto visível e homogêneo da paisagem.

6 Análise final da pesquisa: gerando produtos para

enriquecimento da pesquisa

Ao final dos procedimentos tratados nesta metodologia proposta, os dados

devem ser tabulados e apresentados considerando a construção da análise

das unidades de paisagem. Esta integração deve ser reforçada com uma

análise discursiva e elaboração de mapas que representam a realidade da área

em análise, partindo-se dos dados coletados.

Os atores e territorialidades podem ser expostos em mapas (como

exemplificado na Figura 2) e esquemas que facilitam o entendimento da

situação dos atores sociais e dos fluxos de relações de poder (fluxogramas).

Tais materiais cartográficos devem demonstrar visualmente a distribuição

geográfica dos conflitos (potenciais ou vigentes), sendo que cada um deles é

discutido individualmente em campo teórico. Esse processo enseja a

interpretação do material gráfico levantado e definição de elementos de

paisagens a serem considerados.

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167

Araújo (2014) definiu os atores pelos trabalhos e as intenções realizáveis na

Unidade de Conservação em questão (L-M-P). Seus interesses expõem a

relação afetiva entre atores e o ambiente geral (S), que é consequência de um

ambiente conflitante entre o ambiente orgânico (Sn) e o social (So). Toda essa

relação resulta em territorialidade(s) e o novo território (T/Ta) (Figura 3).

Os atores formam uma linha de existência que interage com relação de

interesses em comum ou não, tornando o cenário conflituoso. Os conflitos

acontecem entrelaçados nas relações de interesses dos atores sociais que por

sua vez resultam em novas territorialidades que permearão a implantação da

Reserva Extrativista analisada por Araújo (2014).

Figura 2 – Exemplo de material cartográfico que pode ser elaborado a partir da metodologia apresentada. Fonte: Araújo (2014).

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168

FIGURA 3 – EXEMPLO DE APLICAÇÃO DE FÓRMULA DE ANÁLISE TERRITORIAL. FONTE: ARAÚJO (2014).

Os interesses comerciais, extrativistas e conservacionistas interagem com

os atores sociais envolvidos, sendo que estes estão dentro de um mesmo

contexto espacial. Essa relação evidencia conflitos territoriais identificados no

momento em que um interesse tenta sobrepor outro. Sendo assim, a Reserva

Extrativista do Litoral Sul de Sergipe será reflexo de territorialidades (relações

de poder), resultantes de todo um processo alimentado de interesses múltiplos.

Através do cumprimento dos procedimentos metodológicos, os dados devem

ser discutidos ponto a ponto. Quando houver, durante qualquer etapa da

pesquisa, ausência de dados relevantes para a conclusão da pesquisa, deve-

se proceder a mitigação ou supressão dessas lacunas.

7 Considerações finais

Neste artigo foram apresentados procedimentos metodológicos para

consecução da análise de territórios que são definidos pela delimitação e as

territorialidades pelo controle, estas últimas, a partir do exposto no presente

trabalho, pode evidenciar a partir de modelo equacional proposto por Raffestin,

que considera os conflitos socioambientais face a relação de interesses

expostos pelos atores sociais envolvidos em processos conflituosos

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169

A metodologia aqui exposta pode alimentar discussões sobre consolidação

de novas relações de poder, podendo gerar análises sobre a formação de

ainda mais territorialidades, com relações que deverão ser aperfeiçoadas

durante o trato de conflitos territoriais identificados.

A análise da territorialidade proporciona uma demonstração prática da nova

configuração da Dinâmica Ambiental na região em que se demonstra situações

conflituosas. Tal fato pode representar uma oportunidade de quebra de

paradigmas exploratórios arraigados e de construção de novos baseados no

desenvolvimento sustentável.

Analisar conflitos territoriais que assolam comunidades tradicionais sob a

perspectiva de territorializações inseridas em unidades de paisagem, pode

proporcionar a descoberta de dados consolidados sobre a realidade de tais

comunidades. Podem ser expostas múltiplas territorialidades que atingem os

atores sociais envolvidos no processo a partir da apropriação social de um

espaço, assim como também o processo de reapropriação social do espaço

pelas comunidades tradicionais.

Diante de tudo aqui exposto, resultados produzidos e tratados em trabalhos

que sigam os procedimentos aqui descritos, podem servir para os próprios

agentes envolvidos nos conflitos como um material de sensibilização e

autocrítica, auxiliando na busca por formas para mediação dos conflitos onde

comunidades tradicionais sejam o foco.

Referências

ALEXANDRE. Gestão de conflitos sócio-ambientais no litoral sul do Brasil: estudo de representações sociais dos riscos envolvidos no projeto de construção do Porto da Barra, na Ilha de Santa Catarina, no período de 1995-1999. 1999. [200]f. Dissertação (Mestrado) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

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BERTRAND, G. Paysage et Géograsique? Globale. Esquisse méthodologique. Révue Géographique des Pyrenées et du Sud-Ouest,Toulouse, 39(3), 1968.

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170

BREITMAN, S.; PORTO, A. C. Mediação familiar: uma intervenção em busca da paz. Porto Alegre: Criação humana, 2001.

DIAS, J. B. A dimensão dos sistemas naturais na (re) produção dos sistemas agrícolas da agricultura familiar: análise da paisagem de três comunidades rurais na Região Metropolitana de Curitiba (em São José dos Pinhais, Mandirituba e Tijucas do Sul). Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2006.

EDUARDO, M. F. TERRITÓRIO, TRABALHO E PODER: por uma geografia relacional. CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 1, n. 2, ago. 2006.

KELTING, F. M. S; LOPES, J. L. S. Vislumbrando Paisagens - Fortaleza: Autoria do autor, 120 p.

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RAFFESTIN, C. A produção das estruturas territoriais e sua representação. IN: SAQUET, M. S. e SPOSITO, E. S. (organizadores) --1.ed.-- São Paulo : Expressão Popular : UNESP. Programa de Pós-Graduação em Geografia, 2008.

RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. Tradução de Maria Cecília França. São Paulo: Ática, 1993.

SAQUET, Marcos Aurélio. Os tempos e os territórios da colonização italiana: o desenvolvimento econômico na Colônia Silveira Martins (RS). Porto Alegre: Edições EST, 2003. VALVERDE, R.R.H. Transformações no conceito de território: competição e mobilidade na cidade. GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 15, 2004

WARAT, L.A.. Em nome do acordo: a mediação no direito. Buenos Aires: Almed, 1999.

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CAPÍTULO 11

MODELAGEM GEOFÍSICA: SUBSÍDIOS PARA GESTÃO

AMBIENTAL EM GARANHUNS-PE

Felippe Pessoa de Melo1

Rosemeri Melo e Souza2

Resumo

O presente trabalho objetivou explicitar a viabilidade da modelagem geofísica, como subsídio para gestão ambiental. Para tanto, utilizou-se o programa Surfer, tendo como base de dados as informações analógicas referentes a precipitação e temperatura, disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Meteorologia e a cena 08S375ZN, fornecida pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. O método de interpolação das variáveis escolhido foi a krigagem, por não produzir resultados determinísticos. Analisando os resultados, observou-se que as informações oriundas dos processos de interpolação deram origem a produtos cartográficos compatíveis do ponto de vista estrutural, mas, com pequenas disparidades nas cotas máximas e mínimas (temperatura e precipitação), entre as informações introduzidas no banco de dados (BD) e os resultantes. O que não comprometeu a integridade dos dados, mas, reforçou a questão que a modelagem por si só não dá conta de explicar um cenário ou fenômeno, por mais simples que aparentem ser. Palavras-chave: Modelagem. Banco de dados. Krigagem. Interpolação. Gestão ambiental.

1Geógrafo, Mestre em Geociências e Análise de Bacias Sedimentares e Doutorando em

Geografia - PPGEO/UFS, Estudante Associado ao Grupo de Pesquisa em Geoecologia e Planejamento Territorial - GEOPLAN/UFS, [email protected] 2Pós-Doutora em Geografia Física - GPEM/The University of Queensland, Drª em

Desenvolvimento Sustentável/Gestão Ambiental - UnB, Professora Associada do Departamento de Engenharia Ambiental - Universidade Federal de Sergipe, Líder do Grupo de Pesquisas Geoecologia e Planejamento Territorial - GEOPLAN/UFS, [email protected]

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172

GEOPHYSICAL MODELING, GRANTS FOR

ENVIRONMENTAL MANAGEMENT IN GARANHUNS-PE

Abstract

This study aimed to explain the feasibility of geophysical modeling, as support for environmental management. For this, it used the Surfer program, with the database: the analog information related to precipitation and temperature, provided by the National Institute of Meteorology and 08S375ZN scene, provided by the National Institute for Space Research. The interpolation method of variables selected was kriging, for not produce deterministic results. Analyzing the results, it was observed that the information from the interpolation processes, give source the cartographic products compatible from a structural point of view, but with small disparities in the maximum and minimum quotas (temperature and precipitation) between the information introduced into the database (BD) and the resulting. This did not compromise the data integrity, but reinforced the point that the modeling by itself does not account for explain a scenario or phenomenon, for more simple it appears to be. Keywords: Modeling. Database. Kriging. Interpolation. Environmental management.

1 Introdução

Desde os primórdios o homem realiza alterações na paisagem para que ela

venha a suprir suas necessidades de forma menos dispendiosa e mais rápida.

Com o transcorrer do tempo, sua capacidade de modificação da paisagem

aumentou de forma exponencial em intervalos temporais cada vez menores.

Sendo assim, o processo de análise e interpretação dos resultantes das

interferências antrópicas no meio, passaram a sentir a necessidade de

informações síncronas e fugazes, por parte daqueles que estão envolvidos no

contexto.

Para Resende; Souza (2009), as transformações da paisagem natural em

cultural, para suprir as necessidades do modelo econômico vigente têm

desencadeado impactos ambientais que carecem de estudos. Dentre eles, a

degradação da beleza cênica das paisagens e a redução das áreas verdes.

Nesse contexto, as geotecnologias do Sensoriamento Remoto e Sistemas

de Informações Geográficas (SIGs), são subsídios tecnológicos de suma

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173

importância para acompanhamento multitemporal dos fenômenos passivos de

serem captados por sensores orbitais e manuseados em ambiente virtual,

através dos SIGs. O recurso da modelagem de dados geográficos nas

plataformas desses programas permite que o pesquisador interpole inúmeras

camadas de informações matriciais e vetoriais, oriundas dos mais distintos

intervalos cronológicos sem comprometer a integridade das informações. Isto

é, desde que, o usuário realize os referidos procedimentos embasados por

teorias e concepções científicas, e tenham a plena consciência de que a

modelagem é capaz de realizar apenas um vislumbre de uma possível

realidade.

Fato esse, que não desmerece o referido procedimento. Mas, indica/alerta

que a modelagem quando utilizada como um recurso dinamiza e facilita a

compreensão de possíveis cenários ou fenômenos. Porém, se seus produtos

forem usados como verdades absolutas, os resultantes induzirão análises e

tomadas de decisões equivocadas. Logo, a introdução de informações em um

banco de dados, fica atrelada a percepção do pesquisador sobre quais

variáveis são pertinentes para mensuração do fenômeno ou cenário em

questão, já que, o homem não é capaz de ponderar esses elementos e suas

inter-relações de maneira fidedigna, torna-se impossível a realização de

modelos fieis a realidade pretendida.

A modelagem de sistemas ambientais está embasada no método hipotético-

dedutivo, pois expressa configurações elaboradas em decorrência de hipóteses

ou explicações. Os modelos são direcionados mais para a categoria e a

introdução de valores específicos sobre as variáveis dos elementos, e suas

relações descrevem as características e comportamento de um caso particular

e sua ajustagem na classe referida ao modelo (CHRISTOFOLETTI, 1999).

O presente trabalho teve como objetivo realizar a modelagem de dados

geofísicos na poligonal urbana de Garanhuns subsidiado pelo método

geoestatístico da Krigagem ou Kriging e utilizando como parâmetros geofísicos:

relevo, precipitação e temperatura. O uso dos referidos dados ocorreu devido

ao fato de que são variáveis que interferem diretamente na dinâmica

socioespacial e ambiental.

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174

O Kriging é um método de regressão usado em geoestatística para

aproximar ou interpolar dados. É compreendido como uma predição linear ou

uma forma da Inferência bayesiana (incertezas sobre as quantidades

estimadas). Parte do princípio que pontos próximos no espaço tendem a ter

valores mais parecidos do que pontos mais afastados. Assume que os dados

recolhidos de variável se encontram correlacionados no espaço (SILVA, 2014).

2 Percurso Metodológico

2.1 Localização da área

O município de Garanhuns está inserido na região Nordeste, em

Pernambuco, sendo delimitado pelas coordenadas geográficas de: -8° 51’ 37” /

-8° 55’ 40” e -36° 26’ 06” / -36° 30’ 52” (Figura 1). Faz divisa com 11

municípios, ao norte com Capoeiras, Jucati; ao sul Correntes, Lagoa do Ouro,

Brejão, Terezinha; a leste São João, Palmeirina; a oeste Saloá, Paranatama,

Caetés.

Figura 1. Localização da área de estudo. Fonte: MELO, F. P. (2015).

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175

Garanhuns possui duas rotas principais para capital (PE). A primeira pela BR

101, percorrendo um trecho de 242 km; e a segunda, passando por duas BRs

423/232, transcorrendo 80,6 km pela 423 até São Caetano, mais 151,4 km na

232 até Recife, totalizando uma rota de 232 km. Optar pela primeira rota

implica em uma redução de 10 km no percurso, passando por uma paisagem

marcada por vegetação de ambientes quentes e úmidos; já o segundo roteiro,

possibilita o contato com Caruaru, importante polo comercial regional, e

apreciação de paisagens distintas, desde as hiperxerófilas as perenifólias.

2.2 Principais características fisiográficas

O município de Garanhuns possui um relevo ondulado em forma de colinas,

com cotas topográficas que chegam a ultrapassar 1.000 m de altitude, como no

caso da superfície de cimeira do morro do Magano (772937,56 m / 9017673,73

m) que tem uma média altimétrica de 850 m, apresenta vales abertos com

encostas abruptas, as quais suavizam-se ao passo que se afastam dos

domínios urbanos formando superfícies aplainadas. Apesar de estar situado

nos domínios do clima semiárido é uma área de exceção com o clima

Mesotérmico Tropical de Altitude.

Conforme o Instituto Nacional de Meteorologia-INMET (2015), sua

precipitação média anual é superior a 80 mm, tendo o mês de julho com as

maiores médias pluviométricas 155,8 mm. Apresenta temperaturas amenas,

média anual de 21,6°c uma vez que o período mais frio vai de junho a

setembro (19,6°c) e as temperaturas mais elevadas estão no quadrimestre

dezembro/março (23,3°c).

Originalmente possuía duas vegetações predominantes, sendo elas:

caatinga hipoxerófila a sotavento e mata atlântica a barlavento. Esse fenômeno

fisiográfico ocorre porque o município é um ecótono, estando inserido na zona

de transição entre o Agreste e o Sertão.

2.3 Confecção dos modelos

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176

Utilizou-se os dados meteorológicos do INMET (2015), correspondentes as

médias das precipitações e temperaturas de 29 de junho de 2015, das

estações convencionais situadas em: Garanhuns-PE (9014058, 43309 /

775663, 936793), Arcoverde-PE (9067239,70626 / 714091,976245) e Palmeira

dos Índios-AL (8957787,75009 / 761317,180696), com distâncias máximas

entre os pontos de 120,67 e mínima de 57,79 km (Tabela 1).

A matriz referente ao Modelo Numérico do Terreno (MDE) é proveniente do

Banco de Dados Geomorfométricos do Brasil (INPE), cena 08S375ZN, com

resolução espacial de 30 m, formato GeoTiff (8 bits). De posse dessas

informações confeccionou-se uma tabela (Excel) com as colunas A - X

(longitude), B - Y (latitude), C (precipitação), D (altitude) e E (temperatura).

Tabela 1. Matriz de espacialização das estações climáticas, distância em Km.

Estações Meteorológicas Convencionais

---------- Garanhuns Arcoverde Palmeira dos Índios

Garanhuns 0 81,18 57,79

Arcoverde 81,18 0 120,67

Palmeira dos Índios 57,79 120,67 0 Fonte: MELO, F. P. (2015).

Em seguida, no ambiente do Surfer v. 12, gerou-se duas grades de

informações (Grid/Data) referentes à precipitação e temperatura; devido o

formato dos dados topográficos foi necessário processá-los no software Global

Mapper v. 16, para posterior exportação para o ambiente do Surfer, sendo

assim ocorreu a importação (File/Oppen Data File), correção do datum de

WGS84 para SIRGAS 2000 - ficando em conformidade com os padrões

cartográficos brasileiros, exportação dos dados no formato Grid

(File/Export/Export Elevation Grid Format/XYZ-GRID).

No Excel o referido arquivo foi aberto, tendo a remoção dos pontos em

excesso para não super amostrar o MDE e posterior exportação das

informações no formato de planilha. Realizados esses procedimentos, gerou-se

um novo Grid (topografia) no Surfer e confecção dos produtos cartográficos.

3. Análise dos modelos geofísicos

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177

A interpolação das informações topográficas resultou em isolinhas com

bastante similaridade com as formas do modelado (Figura 2), tornando o

produto satisfatório. Em relação às cotas altimétricas ocorreram disparidades

significativas. Podendo vir a comprometer análises de variáveis que envolvam

em suas equações elementos como amplitude topográfica e declividade.

No banco de dados (BD), a maior cota altimétrica introduzida foi de 1.030 m

e a menor de 693 m. As isolinhas indicam que as cotas máximas podem

chegar a 1.040 m e as mínimas a 680 m. Processo que gera uma diferença de

10 m na cota mais elevada e de 13 m na mais baixa. Isso ocorre, porque o

método geoestatístico usado é o possibilíssimo, não existindo o critério de que

os valores máximos e mínimos do BD não podem ser ultrapassados.

Além de interpolar grandes quantidades de informações, a modelagem pode

fornecer produtos temáticos em 3D (Figura 3), dinamizando e facilitando as

análises, principalmente para os indivíduos que não retém os domínios

técnicos operacionais necessários para realização da leitura de produtos

cartográficos.

Figura 2. Classes altimétricas. Fonte: MELO, F. P. (2015).

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Figura 3. Classes altimétricas em 3D. Fonte: MELO, F. P. (2015).

No caso da pluviometria, formaram-se 4 (quatro) isoietas mestras, com

valores entre 27,5 e 29 mm, espacializadas de SE para NO (Figura 4).

Observa-se que os dados referentes as precipitações seguiram o mesmo

padrão dos topográficos, no que diz respeito às dissimilaridades entre os

valores máximos (29,3 mm) e mínimos (10,1 mm) fornecidos ao BD. Faltando

0,3 mm, para alcançar a cota superior e excedendo a inferior em 17,4 mm.

Essa maior discrepância entre os resultados em si comparando com a

topografia deve-se a razão de que as informações pluviométricas foram

oriundas da interpolação de informações de 3 (três) estações climáticas. Ao

passo que, para topografia utilizou-se uma gama maior de pontos (pixels de 30

m). Uma matriz de espacialização mais robusta implica em dados mais

concisos e com maior grau de fidedignidade.

As razões das distâncias das superfícies constituídas em SIG se

estabelecem, em médias de distanciamento entre pontos. Quanto mais elevado

o valor desta média, maiores serão os espaços não preenchidos (FERREIRA,

2015).

A disparidade geoestatística entre as informações não impossibilita a

realização de novas interpolações (Figura 5). Entretanto, quanto mais

secundários são os dados menor é o grau de confiabilidade do resultante.

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179

Ficando procedimentos como esses atrelados a necessidade do fenômeno ou

ambiente que o pesquisador deseja representar e até que ponto as

informações podem ser deturpadas sem comprometer a pesquisa.

Modelar é antes de tudo ter plena convicção que as certezas não existem.

Ficando a cargo da estatística espacial o preenchimento das lacunas existentes

entre os pontos de controles através de regressão. Sendo assim, expressões

como erro, probabilidade, média, incerteza e disparidade, sempre estarão

presentes em procedimentos que envolvam interpolação. Caso contrário, o

modelador das informações dará a entender para o leitor que o produto é

totalmente fidedigno ao fenômeno ou cenário que se propôs representar.

Em relação às isotermas, o padrão seguido foi semelhante o das isoietas,

tanto em relação a espacialização como nas disparidades entre os valores

introduzidos (mínimo 19,9 - máximo de 22,7°c) no BD e os resultados obtidos

(Figura 6), com isso gera uma disparidade de 6,3°c na maior cota termal e de

7,6°c na menor. Conforme já foi mencionado, discrepâncias como essas

podem vir a comprometer as análises dos cenários e de seus respectivos

fenômenos. Isso ocorreu, porque as informações termais são oriundas das

mesmas estações climatológicas, usadas para interpolação dos dados

pluviométricos.

Figura 4. Classes pluviométricas. Fonte: MELO, F. P. (2015).

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Figura 5. Sobreposição da precipitação no modelado. Fonte: MELO, F. P. (2015).

Dessa forma, as variáveis se comportaram conforme o esperado. O que

levanta mais uma questão nos processos de interpolação, que é a similaridade

do padrão de dispersão dos resultados, caso os pontos de controles para

fenômenos distintos sejam os mesmos (Figura 7).

Figura 6. Classes termais. Fonte: MELO, F. P. (2015).

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Figura 7. Sobreposição das isotermas no modelado. Fonte: MELO, F. P. (2015).

4. Deturpação da modelagem

Com a difusão das geotecnologias no âmbito das ciências que necessitam

de análises geoespaciais dos mais distintos fenômenos e cenários, os SIGs

estão se tornando ferramentas cada vez mais imprescindíveis. Entretanto, suas

aplicações não estão seguindo critérios e procedimentos científicos rigorosos.

É cada vez mais comum a utilização de rotinas automáticas por parte dos

usuários, sem levar em consideração a lógica empregada pelo SIG para

confecção de um determinado produto.

Segundo Ferreira (2014), uma parcela expressiva dos novos profissionais

que atualmente utilizam um SIG para a solução de problemas de natureza

espacial supostamente desconhece o significado de análise geoespacial.

Talvez, porque tenham descoberto essa tecnologia por vias rápidas e menos

consistentes, tais como: lendo e acessando manuais pela internet, por chats e

tutoriais. Os quais estão mais concentrados em realizar o procedimento do que

explicar/contextualizar as concepções teóricas implícitas nessas rotinas.

Os procedimentos acima realizados, demonstram que a mera introdução de

informações em um BD juntamente com a extração de dados secundários a

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182

partir de um SIG, geram mais incertezas do que possíveis soluções. Problema

esse, que não é levado em consideração por uma grande gama de usuários de

SIG. Tornando-se cada vez mais comum a auto intitulação por parte daqueles

que usam esses programas em especialistas em SIG. Consequentemente,

disseminando procedimentos e produtos de origem duvidosa/questionável.

A introdução de informações em um BD, e manipulação das mesmas em um

SIG não faz do indivíduo um especialista nem tão pouco o produto resultante

pode ser adjetivado de modelagem.

O material oriundo de interpolações geoespaciais só pode ser considerado

modelagem se estiver explicitado/explanado de forma bem objetiva e detalhada

o conjunto de informações utilizadas, suas especificidades, que dentre elas

sobressaem-se as escalas (temporal, radiométrica, métrica...), a geocronologia

e o conhecimento teórico e operacional da parte de quem utiliza o SIG, dos

princípios norteadores das operações que estão sendo realizadas.

Haja vista que esses programas executam operações em planos

euclidianos, ou seja, partem do princípio que a menor distância entre os pontos

neles contidos são linhas retas, desconsiderando fenômenos como as

superfícies de impedância existentes entre os pontos. Trabalhar com

probabilidade não significa equacionar incertezas, muito pelo contrário, elas

devem ser explicitadas e controladas através de parâmetros geoestatísticos.

5. Mapeamento temático controverso

A cartografia tem como princípio chave a confecção de produtos

cartográficos temáticos que sejam capazes de transmitir informações da

maneira mais simples e precisa que for possível. No entanto, a simplicidade

com que esses dados são transmitidos não implica dizer que não existe uma

série de procedimentos complexos por traz. Sendo o mapa, a carta ou a planta,

o produto final de uma gama de ações e procedimentos realizados em campo e

gabinete. Etapas essas que são tão bem executadas, que ao analisar o produto

cartográfico o usuário em muitos casos não se dá conta da complexidade das

informações contidas nesse produto.

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183

Para Menezes; Fernandes (2013), os documentos produzidos pela

cartografia temática tratam, muitas vezes, de fenômenos físicos ou humanos.

Não tendo limitação, pois pode representar qualquer fenômeno que tenha

distribuição espacial. Assim, tanto de ordem física como antrópica, que estejam

distribuídos sobre a superfície terrestre, são passiveis de serem visualizados.

Para tanto, um item proveniente de um mapeamento temático deve passar

uma mensagem clara e objetiva, sendo assim, a beleza do produto cartográfico

encontra-se em sua simplicidade de como passa as informações desejadas. O

leitor desse artefato ao visualizá-lo de imediato tem que saber do que se trata.

Excesso de dados em um item cartográfico provoca poluição visual,

confundindo o leitor e o direcionando para análises e interpretações errôneas,

indo de encontro aos princípios primordiais da cartografia.

Conforme Castro et al. (2004) e Martinelli (2013), independente de qual seja

o produto cartográfico/temático ele deve conter e responder no mínimo:

Legenda - Traduzindo de maneira clara e objetiva os símbolos

existentes. Mas, o referido termo deve ser adjetivado para não ficar

redundante;

Símbolos da Legenda - Seguir a ordem: pontos cheios e logo após os

vazados do menor para o maior, linhas contínuas e posteriormente as

descontínuas - das de menor comprimento para as de maior;

Norte Cartográfico - Preferencialmente no meio do canto direito ou

esquerdo, desde que não comprometa a estética;

Fonte(s) - Origem dos dados utilizados e especificidades primordiais;

Escala - Preferencialmente gráfica, pois possibilita calcular o coeficiente

de distorção, caso o produto seja alterado por terceiros;

Sistema de Coordenadas - Ficando a critério;

Título - Respondendo os questionamentos: O quê? Onde? Quando?

A cada dia tem se tornado mais comum a confecção de produtos

cartográficos temáticos sem rigor técnico, operacional e científico. Dando a

falsa impressão que cada indivíduo pode confeccionar/organizar os elementos

cartográficos conforme seu critério. Dificultando a leitura das informações e

indo de encontro aos princípios cartográficos.

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184

Outro problema que deve ser mencionado é em relação a autoria do produto

cartográfico. Se o operador manuseou uma base de dados pré-existente

(primária) e através dela obteve produtos secundários, isso não o torna

elaborador do item cartográfico e sim organizador dos dados cartográficos que

deram origem a um produto. Desse modo, o referido usuário é a fonte de

organização e não de confecção da base cartográfica.

6. Perspectivas da modelagem para a gestão ambiental

A possibilidade de introduzir inúmeras variáveis em um BD equaciona a

tomada de decisões, haja vista que, o referido recurso possibilita desde, a

reconstituição de possíveis cenários pretéritos até a estimativa de ambientes

futuros, desde que existam informações suficientes para tanto.

A humanidade atingiu um estágio tecnológico que permite transformar os

cenários naturais de maneira tão rápida e voraz que a natureza não consegue

se recuperar, causando assim, danos irreversíveis a curto ou médio prazo, em

muitos casos colocando em risco tanto a seguridade ambiental como a

antrópica. Sendo cada vez mais comum notícias referentes à: deslizamentos,

soterramentos, contaminação hídrica, formação de ilhas de calor nos centros

urbanos e esgotamento de jazidas.

Visto que a modelagem permite estimar os resultantes das ações antrópicas

nos mais variados cenários e em escalas geocronológicas síncronas e

assíncronas. Caracteriza-se não como uma solução, mas, como um importante

recurso teórico e metodológico para essa problemática.

Nesse contexto, a preocupação com a capacidade de suporte frente a níveis

de modificações dos elementos biofísicos do ambiente, pelos impactos das

ações dos fatores externos define-se como o objetivo do planejamento

territorial, ou seja, de sua gestão eficaz (OLIVEIRA; SOUZA, 2009).

7. Considerações

A modelagem demonstrou-se eficaz tanto no processo de interpolação das

variáveis geofísicas como na confecção de produtos cartográficos temáticos. O

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que não quer dizer que não ocorreram deturpações das informações

introduzias no BD. Logo, para modelar é necessário ter a consciência de que

sempre trabalhará preenchendo lacunas entre os dados. Haja visto que, um BD

é composto de uma nuvem de pontos, os quais além de terem distintos valores

atrelados a eles, possuem diferentes medidas de afastamento que são

ponderadas no ambiente do SIG conforme o modelo euclidiano.

A consistência ou maior grau de confiabilidade do produto resultante de uma

modelagem seja ela qual for não estar apenas atrelada na quantidade de

pontos de controle. Posto que a metodologia de como as variáveis foram

utilizadas deve estar explicitada, de maneira que, outros usuários possam

refazer os procedimentos e assim validar ou negar ou resultados obtidos.

Porém, para tanto é imprescindível que os usuários dos SIGs estejam

familiarizados com as concepções teóricas implícitas nas plataformas dos

programas. Caso contrário, os resultantes não terão valor, pois são frutos de

procedimentos desprovidos de domínio teórico. Em suma, não se modela sem

conhecimento das teorias que fundamentam as rotinas dos SIGs.

Agradecimentos

Ao Grupo de Pesquisa em Geoecologia e Planejamento Territorial

(GEOPLAN), ao Professor José Antônio Pacheco de Almeida e em especial à

Professora Rosemeri Melo e Souza.

Referências

CASTRO, F. V. F. (org.); FILHO, B. S. S.; VOLL, E. Cartografia Temática. [S.l.]: Virtual Book, 2004. Disponível em: <http://www.csr.ufmg.br/geoprocessamento/publicacoes/apostilacartografiatematicafredericovalle.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2011.

CHRISTOFOLETTI, A. Modelagem de Sistemas Ambientais. ed. 7. São Paulo: Blucher, 1999. 233 p. ISBN 978-85-212-0177-9.

COSTA, J. J.; FONTES, A. L.; GIUDICE, D. S.; LIMA, A. S.; NETO, E. M. L.; OLIVEIRA, A. C. A.; REZENDE, W. X.; SANTOS, E. C. B.; SANTOS, M. M.; SANTOS, S. S. C.; SOUZA, H. T. R.; SOUZA, R. M. (org.); SOUZA, R. R. Território Planejamento e Sustentabilidade: conceitos e práticas. São Cristóvão: UFS, 2009. 234 p. ISBN 978-85-7822-105-8.

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186

FERREIRA, C. Iniciação à análise geoespacial: teoria, técnicas e exemplos para o geoprocessamento. São Paulo: Unesp, 2014. 343 p. ISBN 978-85-393-0537-7.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Geociências. Disponível em: < http://downloads.ibge.gov.br/downloads_geociencias.htm>. Acesso em: 10 jul. 2015.

INMET - Instituto Nacional de Meteorologia. Estação Meteorológica de Observação de Superfície Convencional. Disponível em: < http://www.inmet.gov.br/portal/index.php?r=estacoes/estacoesConvencionais>. Acesso em: 10 jul. 2015.

INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Banco de Dados Geomorfométricos do Brasil. Disponível em: <http://www.webmapit.com.br/inpe/topodata/>. Acesso em 22 de jan. de 2014.

MARTINELLI, M. Mapas da Geografia e Cartografia Temática. ed. 6. São Paulo: Contexto, 2013. 142 p. ISBN 978-85-7244-218-3.

MENEZES, P. M. L.; FERNANDES, M. C. Roteiro de Cartografia. São Paulo: Oficina de Textos, 2012. 288 p. ISBN 978-85-7975-084-7.

SILVA, J. R. S. Avaliação de Autocorrelações e Complexidade e Séries Climáticas no Brasil. Recife: UFPE, 2014. 100 f.

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CAPÍTULO 12

COMUNIDADE ESCOLAR E GEOTECNOLOGIAS:

METODOLOGIA INTERDISCIPLINAR EM PRÁTICAS

SOCIOAMBIENTAIS

Judson Augusto Oliveira Malta1.

Resumo

As Geotecnologias são ferramentas provenientes do avanço da globalização e potentes recursos para o ensino interdisciplinar, para auxiliar numa abordagem integrada do espaço. A partir da união das geotecnologias com a internet e os dispositivos móveis pôde-se criar o geocaching. Essa atividade é um jogo esportivo de “caça ao tesouro”, praticado ao ar-livre ao redor do mundo com receptores de GPS dentro de uma rede social que é também uma WebGIS. A ideia base do jogo é dirigir-se até umas coordenadas geográficas e encontrar a geocache (recipiente do tesouro) escondida nesse local. O presente estudo busca refletir sobre a utilização das geotecnologias e suas características como ferramentas no processo de ensino-aprendizagem, apresentando uma proposta de utilização do geocaching como ferramenta pedagógica aplicada ao ensino interdisciplinar em práticas socioambientais. Esse artigo é fruto do Projeto Geocaçadores do Conhecimento que é uma proposta pedagógica para a utilização das geotecnologias de informação e comunicação(GeoTICs) no ensino. Nesse sentido foi utilizada a metodologia da pesquisa-ação na execução de práticas pedagógicas a fim de trabalhar conteúdos e competências dentro e fora da sala de aula no Colégio de Aplicação da UFS. A partir dos resultados pode ser observado que as GeoTICs são excelentes ferramentas de ensino que potencializam o processo de aprendizagem para além da sala de aula, estimulando a competitividade, criatividade e o contato com a natureza. Palavras-chave: Geotecnologias. Práticas pedagógicas. Interdisciplinaridade. Geocaching. Educação ambiental.

1 Professor da Rede Estadual de Ensino. Licenciado e doutorando em Geografia/UFS,

estudante associado ao Grupo de Pesquisa em Geoecologia e Planejamento Territorial GEOPLAN/UFS. Projeto Financiado pela FAPITEC/SE e CNPq, [email protected]

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SCHOOL COMMUNITY AND GEOTECHNOLOGIES:

INTERDISCIPLINARY METHODOLOGY IN

SOCIAL AND ENVIRONMENTAL PRACTICES

Abstract

The Communication and Information geotechnologies (geoTICs) are tools developed by the advance of globalization and are also a powerful resource for interdisciplinary education that support new integrated approach for space. From the union of geotechnology with the internet and mobile devices could be created geocaching. This activity is a sports game "treasure hunt", practiced open-air around the world with GPS devices within a social network that is also a WebGIS. The game's basic idea is to go to a geographic coordinates and find the geocache (treasure container) hidden at that location. This study aimed to reflect about using geotechnologies as tools in the teaching-learning process, presenting a proposal that use geocaching as a pedagogical tool applied to interdisciplinary teaching in social and environmental practices. This article is a result of the “Knowledge Geohunters Project” which is a pedagogical proposal for the use of GeoTICs in teaching. The methodology used was action-research in the implementation of practices to improve content and skills inside and outside the classroom. The geoTICs are excellent teaching tools, potentializes the learning experience for beyond the classroom, stimulating competitiveness, creativity and contact with nature. Keywords: Geotechnologies. Pedagogical practices. Interdisciplinarity. Geocaching. Environmental education.

1 Introdução

Os processos contemporâneos da globalização trouxeram às tecnologias da

informação e comunicação (TIC) características como: interoperabilidade,

velocidade, proximidade, conectividade, virtualidade etc. Esses efeitos supõem

uma visão ampla e dinâmica da comunicação, pois incluem interfaces

interativas propiciando novas competências necessárias às dinâmicas

socioespaciais, ao exercício da inventividade, das demandas socioculturais e

educacionais

Neste cenário de possibilidades e de controvérsias, destacamos os

processos educativos, os quais necessitam entrelaces teóricas e práticas com

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as novas técnicas e linguagens para que estas sejam aparelhadas no

desenvolvimento psicossocial das novas gerações.

Hoje, através da Geotecnologia temos potentes recursos para o ensino de

geografia, para auxiliar numa abordagem integrada do espaço. São

ferramentas como: as fotografias aéreas, imagens de satélite, Sistemas de

Posicionamento Global (GPS) e de informação Geográfica (SIG) e mais

recentemente as ferramentas da WebGIS. A utilização destes recursos em sala

de aula muda, consideravelmente, a forma como os alunos concebem,

representam e aprendem o espaço geográfico.

A partir da união das geotecnologias com a internet e os dispositivos móveis

pôde-se criar um esporte que surge a partir do início século XXI, o geocaching.

Essa atividade, um jogo de “caça ao tesouro”, é praticada ao ar-livre no mundo

inteiro com receptores de GPS dentro de uma rede social e de uma WebGIS. A

ideia base do jogo é dirigir-se até umas coordenadas geográficas e encontrar a

geocache (recipiente do tesouro) escondida nesse local.

O presente estudo busca refletir sobre a utilização das geotecnologias e

suas características como ferramentas no processo de ensino-aprendizagem,

elaborando uma proposta de utilização do geocaching como ferramenta

pedagógica aplicada ao ensino interdisciplinar em práticas socioambientais na

comunidade escolar.

2 As geotecnologias, o geoprocessamento e os SIGs: suas características

e potencialidades

A Informação geográfica é um determinado conjunto de dados que contém

associações de natureza espacial e podem ser apresentados de diversas

formas (gráfica, numérica ou alfanumérica).

As geotecnologias utilizam o processamento de dados geográficos, ou seja,

o geoprocessamento. Essas ferramentas se expandem a partir da década de

70, com o avanço da informatização computacional e o interesse comercial. O

geoprocessamento abrange ferramentas desde a captura, armazenamento,

processamento e apresentação das informações geográficas.

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A definição que nos serve melhor é a de Rocha, que afirma que o

Geoprocessamento é:

Uma tecnologia transdisciplinar, que, através da axiomática da localização e do processamento de dados geográficos, integra várias disciplinas, equipamentos, programas, processos, entidades, dados, metodologias e pessoas para: coleta, tratamento, análise e apresentação de informações associadas a mapas digitais georreferenciados (ROCHA, 2002, p.17).

Além de explorar a definição de geoprocessamento ressaltando as

informações geográficas e seu caráter transdisciplinar, SEABRA aponta a

relação entre SIG e geoprocessamento no fragmento abaixo:

Os SIGs incluem-se no setor tecnológico conhecido como geoprocessamento, cuja área de atuação envolve a coleta e tratamento de informações espacializadas, envolvendo equipamentos (hardware) e programas (software), com diversos níveis de sofisticação destinados a aplicações profissionais nos diversos ramos das ciências (SEABRA, 1999, p.32).

O Geoprocessamento é uma geotecnologia, ou seja, um conjunto complexo

de técnicas formado por diversas ferramentas que muitas vezes são utilizadas

de múltiplas maneiras. Sendo o principal elo a referência espacial, ou seja, as

coordenadas geográficas que nos permitem sobrepor diversas camadas de

informação atribuídas a uma localidade (Figura 1) e observar esses dados “in

situ”.

Figura 1- Sobreposição Temática em geotecnologias. Fonte: ROCHA (2002).

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O caráter de multiplicidade analítica em ambiente digital, vinculada a uma

precisa localização espacial é o que torna esta tecnologia extremamente

prática e maleável. É ainda, este caráter, a coluna angular que une diversas

disciplinas e sustenta a sua aplicabilidade tanto na análise como na gestão da

localidade.

Ao analisar as representações computacionais do espaço em busca de uma

fundamentação teórica para a ciência da geoinformação CÂMARA et. all (2001)

apontam conceitos de espaço geográfico como noção-chave para a construção

do conjunto conceitual sólido para esta nova ciência.

A principal característica no que se refere à estrutura de organização de

dados em SIG é a capacidade de estruturação topológica que não somente

descreve a localização e a geometria das entidades de um mapa, mas também

os relacionamentos entre as suas entidades como: conectividade, contiguidade

e pertinência.

Além de dados geométricos e espaciais, os SIGs possuem suporte a

atributos alfanuméricos e quando associados com elementos gráficos, lhes

atribuem informações descritivas.

3 As geotecnologias como instrumentos pedagógicos

As geotecnologias têm começado a ser difundidas e utilizadas como

ferramentas pedagógicas nos últimos anos. Pode-se observar aqui no Brasil

alguns relatos dessa prática.

A maioria destes se encontram no âmbito de graduação, pois o aporte

teórico metodológico da geografia exige o conhecimento mínimo destas

ferramentas. O conhecimento básico dos Sistemas de Informações

Geográficas é algo que todos os departamentos entendem como essencial às

bases curriculares dos cursos, mesmo que na prática seja necessário um

laboratório com computadores por aluno.

Apesar de, na maioria das vezes, os cursos de graduação de Geografia

utilizar as geotecnologias, há também alguns relatos dessa utilização no ensino

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fundamental e no médio (TERRA et al, 2011; PEIXOTO et al, 2011;

NASCIMENTO e HETKOWSKI, 2011; CORREA et al, 2010).

A maioria destes estudos são propostas metodológicas disciplinares que

buscam trabalhar o conteúdo da disciplina geográfica, como: localização e

representação da terra; iniciação cartográfica das novas gerações; novas

tecnologias aplicadas à sala de aula; introdução a SIG, GPS e Imagens

orbitais.

4 O geocaching: uma georede social interativa e dinâmica2.

O Geocaching é um esporte baseado no jogo “caça ao tesouro” com a

inclusão das geotecnologias, o esporte é praticado ao ar-livre no mundo inteiro

com receptores de GPS. A ideia base do jogo é dirigir-se até coordenadas

geográficas específicas e encontrar a geocache (recipiente que contem os

tesouros) escondida nesse local por outro membro da comunidade geocaching.

Os praticantes do esporte são chamados de geocachers.

Todas as informações estão num Sistema de Informação Geográfica na web

que funciona também como uma rede social geográfica, criada a partir do ano

2000. No site www.geocaching.com, o geocaching pode ser jogado seguindo

as seguintes oito etapas:

1. Registre-se gratuitamente e obtenha uma Adesão Básica.

2. Visite a página "Esconder e Procurar".

3. Introduza o seu código postal e clique em "pesquisar".

4. Escolha qualquer uma geocache da lista e clique no nome.

5. Introduza as coordenadas da cache no seu dispositivo GPS.

6. Use o seu equipamento GPS para ajudá-lo a encontrar a

geocache escondida.

7. Assine o livro de registos e coloque a geocache na sua

localização original.

8. Partilhe as suas aventuras e fotografias de geocaching online.

2 A maioria das informações aqui presentes foram baseadas nos sites Geocaching.com e

Opencaching.com

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Para fazer geocaching é preciso apenas de um equipamento GPS ou de um

smartphone equipado com GPS para chegar até a uma geocache e de ser

membro do Geocaching.com.

As geocaches já estão por todo o mundo e até viraram um esporte muito

praticado em países desenvolvidos como Portugal e Estados Unidos. É comum

os geocachers esconderem caches em locais que lhes são relevantes, ou que

mostram um determinado interesse ou capacidade do seu proprietário. Estes

locais podem ser muito diferentes. Pode encontrá-las num parque natural perto

de sua casa, no culminar de uma longa caminhada, debaixo de água ou numa

rua de uma cidade.

As regras do geocaching são simples, ao encontrar a geocache se tirar algo

do recipiente, deixe outro item de valor igual ou superior. Escreva um pouco

sobre a sua aventura no bloco de notas da geocache. Registe a sua

experiência em www.geocaching.com.

Os dois maiores sites do para a prática deste esporte são o

Opencaching.com e o Geocaching.com sendo que o escolhido para o presente

estudo foi o segundo por ser mais antigo e por ter maior número de membros e

de geocaches.

Há indícios de projetos utilizando o geocaching no ensino nos Estados

Unidos, Austrália e em Portugal principalmente em âmbito universitário, mas

ainda não haviam sido encontrados registros da utilização do geocaching como

ferramenta pedagógica no Brasil na graduação ou no ensino médio quando o

projeto geocaçadores foi criado em 2013.

Nas pesquisas realizadas observou-se que a proposta mais completa da

utilização do geocaching como ferramenta pedagógica foi elaborada por uma

Organização Não Governamental da Austrália chamada “Nature Play” que

busca realizar atividades de educação ambiental com crianças tendo contato

com a natureza. O “Nature Play” disponibiliza três planos de aula exclusivos

para atividades educativas com o Geocaching. Outra proposta que virou

publicação foi elaborada pela Universidade de Turku na Finlândia, mas trabalha

o uso do geocaching como ferramenta no ensino médio (IHAMÄKI, 2007).

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5 O geocaching como ferramenta pedagógica: a metodologia

do projeto geocaçadores do conhecimento CODAP/UFS

O geocaching foi a fonte de inspiração para o projeto geocaçadores do

conhecimento que utiliza as geotecnologias no ensino e começou suas

atividades em junho de 2013, em Aracaju\SE (MALTA, 2013). Esse projeto se

expandiu formando uma rede no Colégio de Aplicação da UFS e na UFPA em

Belém\PA, também nas escolas estaduais, Camélio Costa, Acrísio Cruz e

General Siqueira (BRITO et al., 2014; PEREIRA et al., 2014; CAMPOS et al.,

2014). As fotos e práticas do projeto são divulgadas pelo site

https://www.facebook.com/geocacadoresnordeste. O presente artigo aborda os

resultados de uma das práticas no Colégio de Aplicação da UFS de junho a

novembro de 2013.

O Geocaching é um esporte que criado desde 2000 e está consolidado no

mundo todo, a questão do atual projeto foi trazer a sua utilização para a prática

de ensino interdisciplinar em práticas educativas para a comunidade escolar.

Os alunos do primeiro ano do ensino médio foram contemplados formaram o

nosso grupo focal, foram trabalhadas questões socioambientais e também as

disciplinas curriculares: Geografia, Biologia, História e Educação Física. Os

conteúdos e competências trabalhados foram:

Utilização de novas tecnologias e redes sociais

Manipulação de sistemas de informação geográfica

Localização com GPS e orientação no espaço geográfico

Educação ambiental e ecoturismo

Leituras de cartas temáticas

Atividades de Esporte de Aventura

Cuidado com o ambiente e criatividade

A Metodologia utilizada pelo projeto geocaçadores foi a pesquisa-ação

pedagógica, foram realizadas oficinas e práticas de ensino em campo, para

demonstrar os procedimentos do Geocaching. Houve também o levantamento

de dados por questionário, descrição e registro das atividades.

Os alunos dos primeiros anos do colégio de aplicação foram divididos em

grupos de 5 a 7 alunos. Em cada grupo haverá ao menos dois alunos com um

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smartphone androide GPS e os aplicativos “C:geo” e “Status GPS” que podem

ser baixados diretamente da playstore do googleplay e são gratuitos. Algum

aluno precisa fazer um cadastro no geocaching.com em nome de sua equipe.

A partir deste momento o grupo escondeu dois tesouros, anotou as

coordenadas do ponto com o GPS e realizou o cadastro na internet. Esses

tesouros foram escondidos em lugares públicos amplos, mas com certa

segurança na cidade de Aracaju.

Em seguida os alunos foram procurar tesouros uns dos outros e ao mesmo

tempo avaliar também a qualidade dos tesouros. Eles foram instruídos com

relação a orientação no espaço geográfico e sensibilização socioambiental.

Cada tesouro possuía um código único associado a questões sobre os

conteúdos ministrados pelas disciplinas do projeto. Essas questões precisavam

ser respondidas através de pesquisa, por isso os alunos necessitavam caçar os

tesouros assim como o conhecimento para cumprir as tarefas.

O projeto Geocaçadores foi realizado de julho a novembro de 2013. Os

alunos tiveram aulas teóricas e práticas a fim de explorar a ferramenta e

aprender a utilizar os aplicativos, assim como as regras do geocaginhig.com.

Em resumo, as etapas do piloto foram:

Projeto Piloto (UFS e Parque da Sementeira):

1. Ensino dos métodos e geotecnologias

2. Prática tutoreada de Esconder e Procurar na UFS

3. Cuidados Ambientais: Respeito e segurança

4. Escondendo Tesouros em equipes

5. Caçando e Avaliando tesouros das equipes

6. Compartilhando a experiência no CODAP e nas Redes Sociais

7. Pesquisa de avaliação do projeto de ensino.

6 Resultados e discussões

Durante as práticas, os alunos estavam realmente empolgados e entraram

no ritmo de aventura. Eles se mostraram interessados e interagiram

demonstrando desejo de explorar mais o esporte.

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196

“Gostei muito do dinamismo do projeto, foi muito bom trabalhar em equipe. A ideia dos caches e seus tesouros foi bem criativo e divertido. Eu adorei o contato com o meio-ambiente e os possíveis lugares para se esconder os caches” Aluna C do 1°B.

Os alunos e o professor saíram com o GPS para esconder e buscar o

geocache, eles conseguiram encontrar a maior parte dos tesouros, mas alguns

foram removidos no processo por transeuntes. Quando se aproximaram de um

tesouro com distancia menor que 10 metros, os alunos desligaram o GPS e

começaram a procurar com entusiasmo muitas vezes chamando a atenção de

passantes e interagindo sempre em equipe.

O aprendizado e as habilidades desenvolvidas pelos alunos foram tabulados

e quantificados numa ordem de um a cinco, sendo um, muito pouco, e cinco,

muito bom. No processo de ensino-aprendizagem foi avaliado: trabalho em

equipe, entendimento sobre cartografia, mapas e localização; respeitar o meio

ambiente; utilizar o GPS; e noção de espaço (Figura 2).

“O contato com as geotecnologias e com o geocaching instigou um maior envolvimento para desenvolver de forma ampla a criatividade quanto aos enigmas, nomes e locais para esconder o cache, possibilitando de certa forma dinamismo, e enxergar a necessidade de trabalho e diálogo em grupo como fundamental para um bom convívio, associando estas as práticas ligadas ao meio ambiente e a sua conservação”. Aluno B do 1°A.

Figura 2- Gráfico de avaliação do processo ensino-aprendizagem. Fonte e Elaboração: trabalho de campo; MALTA (2014).

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Os dados presentes na figura demonstram que o maior destaque dos alunos

foi na sociabilização do projeto, no qual eles precisaram trabalhar em grupo

para conquistar os seus objetivos. De modo geral, todos os itens avaliados

foram considerados pelos alunos como muito bons no processo de

aprendizagem, resultado que se repetiu na avaliação sobre o desenvolvimento

de habilidades e competências.

“Aprendi a utilizar coordenadas geográficas e o gps, de modo que em uma situação de necessidade eu saiba como me dar bem, por exemplo: se eu estiver perdida no meio da floresta amazônica e tiver um gps, eu poderei chegar à alguma cidade próxima e me salvar...... Enfim. Mais ou menos isso.” Aluna E do 1°B.

As habilidades e competências desenvolvidas e avaliadas pelos alunos

foram: pesquisa e leitura; capacidade de utilizar diversas tecnologias; ser

dinâmicos; trabalho em equipe; conhecer e aprender a utilizar novas

tecnologias; executar tarefas utilizando a criatividade (Figura 3).

Figura 3- Gráfico de avaliação do desenvolvimento de habilidades. Fonte e Elaboração: trabalho de campo; MALTA, 2014.

“Aprendi a utilizar as geotecnologias e ter noção da importância das mesmas, bem como a utilização do gps e mapas, implicando a aprendizagem em me situar no meio em que vivo através das coordenadas geográficas (latitude, longitude, etc). Conheci mais os locais onde as atividades foram desenvolvidas, além de conhecer aplicativos que podem me ajudar em outros aspectos da minha vida”. Aluno C do 1°A.

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Os destaques para as habilidades desenvolvidas foram a criatividade, usar

as novas tecnologias, o trabalho em equipe e dinamismo. Nos resultados do

desenvolvimento de habilidades, acompanhamos a tendência do anterior com

cerca de 90% das respostas de avaliação positiva, ou seja, como bom ou muito

bom.

7 Considerações finais

A partir dos resultados apresentados observa-se que a utilização das

GeoTICs nas práticas da comunidade escolar são excelentes ferramentas

pedagógicas, pois estimulam a competitividade e a criatividade além da

capacidade de incluir os trabalhos manuais e o contato com a natureza. A

interação entre as novas geotecnologias, o esporte e o ensino são meios de

potencializar o aprendizado para uma experiência além da sala de aula que

estimule todos os sentidos dos alunos nas suas percepções e estímulos para a

sensibilização socioambiental.

Dessa maneira, cabe ao professor, em sua prática pedagógica, o desafio de

ensinar a ciência geográfica de forma a estimular a curiosidade, fazendo com

que o aluno seja um agente de seu processo de aprendizagem. O professor

precisa desafiar seu aluno de modo que este se torne leitor crítico da sua

realidade, um cidadão integrado ao mundo. Para isso, deverá promover o

diálogo entre o conteúdo curricular (formal) e a vivência, a história e

individualidade deste.

Democratizar o acesso à tecnologia e auxiliar o nosso aluno na alfabetização

digital é dever da comunidade escolar, mas focos de resistência ainda podem

ser encontrados na maioria das escolas brasileiras, nas quais existem uma

série de empecilhos estruturais e conflitos socioculturais que se configuram

barreiras para a difusão dessas práticas, todavia, avançar no debate faz-se

necessário.

A comunidade escolar precisa incluir no processo pedagógico abordagens

que sejam voltadas ao nosso tempo, dentro da integração espaço-tempo-

técnica do capitalismo informacional. A globalização trouxe em si a grande

capacidade de manipulação e geração de dados, o caráter pragmático das

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análises e a flexibilidade do ambiente digital na produção de representações

espaciais. Essas são as principais características das geotecnologias

responsáveis pela sua popularização em todo mundo e nas salas de aula nos

países desenvolvidos, sendo ainda um grande desafio na realidade brasileira a

incorporação das geotecnologias no processo educativo.

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Grupo de Pesquisa em Geoecologia e Planejamento Territorial