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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ ÓRION GONÇALVES MACHADO ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E OS MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA NA LEI N° 12.850/13 CURITIBA 2016

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

ÓRION GONÇALVES MACHADO

ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E OS MEIOS DE OBTENÇÃO DE

PROVA NA LEI N° 12.850/13

CURITIBA

2016

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ÓRION GONÇALVES MACHADO

ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E OS MEIOS DE OBTENÇÃO DE

PROVA NA LEI N° 12.850/13

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Daniel Ribeiro Surdi Avelar

CURITIBA

2016

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TERMO DE APROVAÇÃO

ÓRION GONÇALVES MACHADO

ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E OS MEIOS DE OBTENÇÃO DE

PROVA NA LEI 12.850/13

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, novembro de 2015

___________________________________________________

Bacharelado em Ciências Jurídicas Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: _______________________________

Prof. Dr. Daniel Ribeiro Surdi Avelar

Universidade Tuiuti do Paraná

Curso de Direito

Supervisor: _______________________________

Prof.

Universidade Tuiuti do Paraná

Curso de Direito

Supervisor: _______________________________

Prof.

Universidade Tuiuti do Paraná

Curso de Direito

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AGRADECIMENTO

Agradeço primeiramente a Deus, por me dar força e ânimo necessário

para continuar sempre, sem desistir.

Agradeço a toda minha família,principalmente aos meus pais,

Wanderley e Rosinéia por serem meus fiéis companheiros nos momentos

difíceis ao longo da vida, apoiando e colaborando para o meu crescimento

profissional e pessoal, os tendo como modelo e inspiração de família.

Agradeço ao meu irmão Alex por me servir de referência, por me

aconselhar quando preciso e por me incentivar a crescer sempre.

Agradeço a todo o corpo docente da Universidade Tuiuti do Paraná,

aqui representado pelo meu professor orientador Daniel Ribeiro Surdi Avelar,

que compartilhou seus conhecimentos, que me instigou na busca pelo tema,

bem como pela atenção destinada e ao auxílio prestado na elaboração deste

trabalho.

Agradeço aos meus amigos e colegas de faculdade André, Eluisi,

Filipe, Fábio, Guilherme e Walter, que não só me acompanharam nessa

jornada, como auxiliaram na conclusão desta, compartilhando idéias,

conhecimento, objetivos a serem alcançados e, principalmente, o bom humor

que imperou nos dias difíceis.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais, irmão e demais familiares, bem

como aos amigos que sempre estiveram ao meu lado.

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“Só se pode alcançar um grande êxito

quando nos mantemos fiéis a nós

mesmos”.

Friedrich Nietzsche

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RESUMO

Trata-se da origem histórica na qual se encontram as organizações criminosas,

sejam elas atuantes no Brasil ou no mundo. O estudo surgiu pela não

observância legislativa ao tratar o tema, que só veio a ser devidamente

regulamentado no ano de 2013, com a Lei n° 12.850/13; diante desse

panorama, pretende-se mostrar as principais características das organizações

criminosas e o respectivo tratamento legislativo e sua evolução ao longo do

tempo. A pesquisa usou como método a Revisão Bibliográfica, consultando

obras doutrinárias, sites, artigos e demais fontes necessárias para o seu

desenvolvimento. O embasamento da pesquisa se deu em Cezar Roberto

Bitencourt, Rogério Greco, Alexandre Rorato Maciel e diversos outros

doutrinadores, de modo a alcançar o objetivo proposto pelo trabalho.

Palavras-chave: Criminalidade; Organização; Criminosa; Facção; Convenção;

Palermo; Tratados; Estado; Legislação; Provas; Colaboração; Infiltração;

Procedimento; Características;

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..................................................................................................8

2. ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS....................................................................9

2.1. ORIGEM E DESENVOLVIMENTO NO MUNDO..........................................9

2.2. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS.............................................................12

2.3. FACÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL.......................................................17

3. CRIME ORGANIZADO.................................................................................21

3.1. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA........................................................................21

3.2. A NOVA LEI N°. 12.850/13.........................................................................26

3.3. CONFLITO CONCEITUAL DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ENTRE A LEI

12.694/12 E A 12.850/13...................................................................................29

4. TRATADOS INTERNACIONAIS...................................................................33

4.1. CONVENÇÃO DE PALERMO....................................................................33

4.2. NECESSIDADE DOS GRUPOS TÁTICOS DA POLÍCIA NA REPRESSÃO

AO CRIME ORGANIZADO................................................................................35

5. MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA NA LEI 12.850/13..............................40

5.1. COLABORAÇÃO PREMIADA....................................................................42

5.2. AÇÃO CONTROLADA................................................................................47

5.3. INFILTRAÇÃO DE AGENTES....................................................................51

5.4. CAPTAÇÃO AMBIENTAL DE SINAIS ELETROMAGNÉTICOS, ÓPTICOS

OU ACÚSTICOS................................................................................................55

5.5. INTERCEPTAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS....................57

5.6. QUEBRA DO SIGILO FISCAL, BANCÁRIO E FINANCEIRO....................61

5.7. COOPERAÇÃO ENTRE ÓRGÃOS ESTATAIS NA BUSCA DE PROVAS E

INFORMAÇÕES DE INTERESSE DA INVESTIGAÇÃO OU PERSECUÇÃO

CRIMINAL..........................................................................................................63

CONCLUSÃO....................................................................................................65

REFERÊNCIAS.................................................................................................66

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1INTRODUÇÃO

Diariamente constatamos, mediante jornais televisivos, rádios ou na

internet, bem como nas redes sociais, notícias elencando as ações praticadas

por organizações criminosas, as quais assombram a sociedade e ensejam na

insegurança da população e, por sua vez, no descrédito destes para com o

Poder Público, que se mostra, muitas vezes, ineficiente no combate à

criminalidade organizada.

Dessa forma, o Estado vem não só adotando medidas para maior

eficácia na repressão ao crime organizado, como ratificou tratados

internacionais que regulam o tema, a exemplo, a Convenção das Nações

Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, e de tal forma adotou

medidas internas, mais precisamente previstas na nova Lei do Crime

Organizado (12.850/13), instrumentos estes que possibilitam maior amplitude

para que as forças de segurança pública atuem sobre tais organizações,

referimo-nos aos meios de obtenção de prova como a infiltração de agentes

policiais, a ação controlada e demais meios elencados no referido diploma

legal.

O trabalho será realizado com base em pesquisa bibliográfica, artigos

correlatos e legislação correspondente, usando como base teórica Rogério

Greco, Marcelo Batlouni Mendroni e Eduardo Araújo da Silva, bem como outros

doutrinadores que tratarão da origem, conceituação e tratamento legislativo do

tema, como Alexandre Rorato Maciel e Cezar Roberto Bitencourt.

No segundo capítulo nos ateremos ao contexto histórico das

organizações criminosas, como sua origem, suas características e as facções

mais atuantes no Brasil. No terceiro capítulo trataremos do aspecto legislativo,

evolução e a nova lei do crime organizado. No quarto capítulo versaremos

sobre tratados internacionais bem como na relevância dos grupos táticos da

polícia como repressão especializada ao crime. Por fim, no capítulo cinco

analisaremos os respectivos meios de obtenção de prova elencados na lei do

crime organizado.

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2. ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

2.1 ORIGEM E DESENVOLVIMENTO

Sabe-se que o crime organizado, na ótica de Marcos Rafael Faber

Galante Carneiro, não é um fenômeno recente da sociedade, porém, conforme

Renato Brasileiro de Lima “não é tarefa fácil precisar a origem das

organizações criminosas”, (BRASILEIRO, 2014), ou seja, é desconhecido o

período histórico no qual se deu inicio a estes grupos organizados, bem como

quais foram os respectivos grupos “precursores” dessas atividades ilícitas, às

quais conhecemos atualmente.

Levando em conta as peculiaridades de cada instituição criminosa,

bem como suas variações no decorrer dos séculos, com base nas lições de

ENDO e COIMBRA (2006), entende-se que a melhor conceituação para tais

grupos seria a união de pessoas, que de forma estruturada e organizada,

cometem reiterados ilícitos.

Inexiste um marco exato em que determina essa origem, visto que há

divergência entre diversos doutrinadores ao analisar o contexto histórico-

criminológico, como elencado por Caio Victor Lima de Oliveira (2015), pois o

crime organizado atua de diferentes maneiras em cada parte do globo, e no

decorrer dos séculos evoluíram, fazendo com que cada organização formasse

sua “peculiaridade”, seu modus operandi, até chegar a sua forma atual.

Segundo lições de ENDO e COIMBRA, em “Origens das Organizações

Criminosas: Aspectos Históricos e Criminológicos” lecionam que tais grupos se

originaram “há cerca de dois mil e trezentos anos atrás”, sendo que àquela

época “agiam secretamente e não eram em nada parecidas com a máfia atual,

seu escopo era opor-se à tirania do império”.(ENDO, 2006).

Outros doutrinadores, como Rafael Pacheco, também lecionam que as

primeiras instituições criminosas surgiram na Antiguidade, mais precisamente,

em território Chinês com asTríades, por volta do século XVI, as “quais figuram

entre as mais antigas organizações do mundo, tendo origem no ano de

1644”(PACHECO, 2011). Ou seja, o surgimento das Tríades chinesas

objetivava a luta contra a tirania do império, assim como a expulsão dos

invasores do império Ming. No entanto, sua proximidade com atividades ilícitas

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e atividades com finalidade lucrativa, acabaram por distorcer a ideia principal

daquele movimento social e político que incorreu, no ano de 1911, na fundação

da organização criminosa como a conhecemos, definindo, assim, normas a

serem seguidas pelos integrantes e seus associados, e por sua vez adquirir

uma estrutura empresarial complexa, com hierarquia e divisão de tarefas.

No mesmo sentido, Eduardo A. da Silva,

[...] a raiz histórica é traço comum de algumas organizações, em especial as Máfias² italianas, a Yakuza japonesa e as Tríades chinesas. Essas associações tiveram início a partir do século XVI como movimentos de proteção contra arbitrariedades praticadas pelos poderosos e pelo Estado, em relação a pessoas que geralmente residiam em localidades rurais, menos desenvolvidas e desamparadas de assistência dos serviços públicos. (SILVA, 2015, p. 03/04).

Ou seja, nem todas as instituições criminosas tiveram início com

finalidades/atividades ilícitas, muito menos visavam interesses econômicos ou

uma estruturação empresarial como buscam atualmente, e sim uma causa,

objetivando melhores condições para a população menos favorecida.

Conforme as lições de Rafael Pacheco acerca das organizações

criminosas:

[...] A maioria teve início como nascedouro movimentos populares, o que facilitou sobremaneira sua aceitação na comunidade local, assim como o recrutamento de voluntários para o exercício de suas posteriores atividades ilícitas. (PACHECO, 2011, p. 22)

No Japão, por sua vez, a Yakuza atua como principal organização

criminosa, que nas lições de Eduardo A. da Silva:

[...] remonta aos tempos do Japão feudal do século XVIII e se desenvolveu nas sombras do Estado para a exploração de diversas atividades ilícitas (cassinos, prostíbulos, turismo pornográfico, tráfico de mulheres, drogas e armas, lavagem de dinheiro e usura) e também legalizadas (casas noturnas, agências de teatros, cinemas e publicidade, eventos esportivos), com finalidade de dar publicidade a suas iniciativas. (SILVA, 2015, p. 04).

Todavia, membros da Yakuza, como os sokaiya, se destacam no

século XX, junto ao desenvolvimento industrial do país, onde se dedicavam a

“chantagens corporativas”, “que, após adquirirem ações de empresas, exigem

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lucros exorbitantes, sob pena de revelarem os segredos aos concorrentes”

(SILVA, 2015).

Por sua vez, na Itália surge a conhecida acepção de “Máfia”,

denominação na qual não se sabe de onde vem, visto que poucos tentam

identificá-la, porém, há quem diga que a palavra “Máfia” signifique algo como

“corajoso”, “seguro de si”, caracterizando-se como alguém honrável e nobre

(uomo d‟onore). Levando em conta as motivações históricas da Máfia italiana,

tais significados fazem sentido.

Segundo Marcelo B. Mendroni:

[...] Comportar-se de maneira “mafiosa” significa comportar-se de maneira “honorável”, conforme as regras de “coragem”, “astúcia”, “ferocidade”, e mesmo “prepotente”. Ser um mafioso é o mesmo que ser um uomo d‟onore. Na cultura siciliana, ninguém nasce como tal, mas torna-se homem honrado a partir da demonstração de suas atitudes ao longo de sua vida, e a melhor forma de fazê-lo é em momentos de grandes aglomerações [...]. O homem de honra, antes de mais nada deve proteger a imagem das mulheres da família, seja filha, irmã, ou parente próxima. (MENDRONI, 2015, p. 443).

Logo, o sujeito dito “mafioso” é tido como alguém de bem, e qualquer

sujeito que quebrar os preceitos zelados por estes, estará quebrando sua

honra e, por sua vez, deverá ser repelido da sociedade mediante outro homem

de honra, com sua própria morte.

Fernandes & Fernandes (2002) consideram que as organizações

criminosas surgiram na Itália, conforme sua análise, “sob a modalidade mafiosa

também conhecida como “La Cosa Nostra” na região da Sicília, por volta de

1860, onde a burguesia local passou a ser enfrentada por rurais e por grupos

de jovens que buscavam terras para si, formavam grupos de três ou quatro

pessoas e se denominavam “homens de honra”. Rodeados de soldados fiéis,

garantiam a justiça onde a lei não alcançava”.

Portanto, as Máfias italianas também se fundaram em causas nobres,

como movimentos sociais e políticos de resistência ao rei de Nápoles, o qual

“editou um decreto que visava atingir e liquidar „forças populares‟ surgidas em

regiões diversas do Sul” (MENDRONI, 2015). Ou seja, grupos formados no

intuito de proteger aqueles menos favorecidos, geralmente, os residentes de

áreas rurais. Vale dizer que na Itália o crime organizado se divide em diferentes

grupos, os quais são dirigidos por famílias diferentes, obviamente, sendo as

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principais: a “Cosa Nostra”, cuja atuação se dá na Sicília e a “Camorra”, que

atua em Nápoles. Para pesquisadores esse período ficou conhecido como pré-

mafioso, definindo-se, então, um marco inicial.

2.2 CARACTERÍSTICAS

Devido a tantos tipos e variações do crime organizado ao redor do

mundo, faz-se relevante elencarmos suas principais características, como

citado por Marcelo B. Mendroni:

[...] Cada uma assume características próprias e peculiares, amoldadas às próprias necessidades e facilidades que encontram no âmbito territorial em que atuam. Condições políticas, policiais, territoriais, econômicas, sociais etc. influem decisivamente para o delineamento destas características, com saliência para umas ou outras, sempre na conformidade das atuações que possam tornar mais viável a operacionalização dos crimes planejados e com objetivos de obter maiores fontes de renda. (MENDRONI, 2015, p. 28).

Não obstante, há certas características que são classificadas como

básicas no que tange a configuração de uma instituição criminosa, mesmo que

nem todas as possuam.

Segue Marcelo B. Mendroni:

[...] Organização criminosa tradicional, pode ser concebida como um organismo ou empresa, cujo objetivo seja a prática de crimes de qualquer natureza – ou seja, a sua existência sempre se justifica por que -, e enquanto estiver voltada para a prática de atividades ilegais. É portanto, empresa voltada à prática de crimes. (MENDRONI, 2015, p. 28).

Logo, conforme as instituições criminosas foram evoluindo, criou-se o

entendimento de que há formas diferentes de criminalidade organizada, sendo

equívoco pensar que há, apenas, uma única forma, àquela tida como mafiosa e

mais tradicional que se enquadra na forma “Clássica”. Portanto, atualmente

entende-se, conforme Marcelo Batlouni Mendroni, “há quatro formas basilares,

no que se refere o crime organizado. São estas” (MENDRONI, 2015):

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Tradicional (ou Clássicas): Como previamente exposto, aquelas tidas

como mafiosas ou clássicas, organizações criminosas que possuem

características próprias.

Rede (Network): Esta age por tempo relativamente curto, e em

determinado espaço territorial, assim como as demais. Porém, sua principal

diferença e característica é a globalização, sendo que sua forma de atuação se

dá por “experts”, sem base, ritos ou formulação hierárquica rígida como as

demais. Findo suas atividades, esta se “dilui” de modo que seus componentes

passam a integrar outros grupos, em locais diferentes.

Empresarial: Nesta categoria os empresários atuam no âmbito

daquelas Empresas Lícitas, os quais se “aproveitam da própria hierarquia”,

mantendo suas atividades principais, mas em segundo plano, fabricando ou

produzindo bens de consumo para, à posteriori, praticar crimes fiscais, crimes

ambientais, cartéis ou fraudes (a exemplo, licitações, lavagem de dinheiro,

documentação falsa ou estelionatos).

Endógena: Na doutrina alemã, esta forma de instituição criminosa é

conhecida por, na tradução livre, “criminalidade dos poderosos”, visto que esta

atua no Estado propriamente dito, cuja formação se dá por políticos e agentes

públicos, de quaisquer esferas, seja Federal, Estadual ou Municipal, bem como

o envolvimento dos três poderes (Legislativo, Executivo ou Judiciário), sendo,

portanto, os crimes praticados contra a administração pública, como a

corrupção ativa/passiva, prevaricação ou concussão, a exemplo.

Todavia, Marcelo B. Mendroni elenca, ainda, mais uma tipologia de

organização criminosa, a qual se dá pela união das características de duas

formas básicas, previamente expostas, criando a Rede-Endógena, que, em se

tratando de lavagem de dinheiro, é a mais utilizada hodiernamente:

[...] podem manter experts que reúnem habilidades incríveis em, de qualquer forma, esconder, dissimular e transferir fundos ou bens, criando métodos que os tornem aparentemente de origem lícita. Para tanto, se valem de agentes públicos de altos escalões, que realizam transações financeiras e comerciais que camuflam seu verdadeiro propósito, utilizando-se, muitas vezes, através de “laranjas” ou testas-de-ferro de empresas públicas. (MENDRONI, 2015, p. 32).

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Seguindo esta percepção, Alexandre R. Maciel,

[...] Após a percepção de lucro, as organizações criminosas utilizam os mais diversos expedientes para inserir no sistema econômico-financeiro o dinheiro auferido, dando-lhe a aparência de legalidade, através do processo de lavagem de dinheiro ou branqueamento de capitais. (MACIEL, 2015, p. 40).

Neste viés vale destacar as empresas fantasmas, a própria exploração

do mercado lícito, negócios simulados ou mesmo o envio da quantia auferida

para os paraísos fiscais.

Para Alexandre Rorato Maciel “são quinze características que podem

ser elencadas no que tange a criminalidade organizada” (MACIEL, 2015),

cabendo-nos abordar, apenas, as de maior necessidade. São estas:

Pluralidade de Agentes: Conforme aquela conceituação genérica que

citamos anteriormente, entende-se que para se reconheça uma organização

criminosa, devemos pressupor uma coletividade, “ou a união de esforços na

busca de objetivos”.

Finalidade de Obter uma Vantagem: Trata-se não só da intenção de

obter uma vantagem ilícita, mas sim de praticá-la reiteradamente, com

habitualidade, de modo a acumular riqueza indevida.

Ressalte-se que “numa organização criminosa de jogo ou tráfico, por

exemplo, existe uma rotina que permite prever o próximo mês tendo como base

os anteriores” (MINGARDI, 2007). Ou seja, devido sua regular atuação

criminosa, é possível presumir os lucros a serem arrecadados por aquela

instituição organizada, seja pelo dinheiro arrecadado pelo tráfico, jogo do bicho

ou a própria extorsão, sem contar os demais meios utilizados pelos mesmos.

Organização ou Estrutura ou Planejamento Empresarial: Nas

palavras de Alexandre R. Maciel:

[...] Com o objetivo de diminuir os riscos e prejuízos e aumentar a eficiência e o lucro, a organização criminosa passa a se estruturar nos moldes empresariais, com recrutamento, pagamento de pessoal,

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programação de fluxo de caixa e estrutura contábil (MACIEL, 2015, p. 41).

Ou seja, visam a maior efetividade e organização possível, em todos os

aspectos, passando a ter uma “profissionalização da atividade criminosa”:

Hierarquia: Refere-se a uma linha vertical indicando aos “cargos” de

cada membro daquela organização criminosa, passando dos

soldados/capangas até o mais alto grau do comando, de modo a estruturar

melhor o comando desta. Esta característica se encontra em maior evidência

com os modelos tradicionais/ clássicos, empresariais ou endógenos.

Jesús-Maria Sánchez preleciona que “no primeiro nível hierárquico,

estão os dirigentes, que tomam as decisões, mas não se envolvem,

diretamente, na prática de atos delituosos” (SÁNCHEZ, 2002). Portanto, estes

atuam dentro da “legalidade”, onde costumam ocupar cargos de relevância

frente à sociedade, como políticos ou mesmo empresários, os quais possuem

uma rede de técnicos que os auxiliam nestas práticas, como contadores ou

advogados.

Ao tratar do segundo nível o jurista nos mostra que:

[...] no segundo nível estão os guarda-costas, que cuidam das propriedades e supervisionam as atividades delituosas. Por fim, no último nível, estão os soldados, encarregados da perpetração dos delitos necessários às atividades do grupo. (SÁNCHEZ, 2002, p. 80).

Conexão Estrutural com o Poder Público:Ao momento em que as

instituições criminosas passam a atuar em determinado nível, cujo

desenvolvimento é demasiado grande, suas atividades ficam prejudicadas sem

que haja a conivência do Estado, mais precisamente, de agentes públicos, seja

por parte de policiais corruptos, auditores da receita federal, promotores e

juízes. O motivo das grandes organizações criminosas intentarem contra estes

agentes é a mera captação de informações, passando assim a jogar com os

mesmos, de forma que se não colaborarem com a criminalidade, de alguma

forma, serão prejudicados. Vale dizer que a corrupção não é o único meio para

se valer dos agentes públicos, sendo, também, o clientelismo ou mesmo a

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infiltração. Na seara do clientelismo “há uma troca de favores, em que ambas

as partes acabam se beneficiando, em prejuízo a uma divisão racional dos já

escassos recursos públicos” (MACIEL, 2015).

No âmbito da infiltração, Alexandre R. Maciel:

[...] ocorre o ingresso de membros ou colaboradores das organizações criminosas no serviço público, a exemplo do que ocorre em casos de financiamento de campanhas políticas feito por indivíduos que exploram o jogo ilegal (jogo do bicho, bingos etc.), tráfico de drogas, dentre outras atividades criminosas. Inclui-se ainda, a possibilidade de ingresso nas Polícias ou forças armadas para se buscar informações que possibilitem a subtração de armamento. (MACIEL, 2015, p. 47).

Não obstante, sendo menos usual, mas ainda possível, elenca-se a

possibilidade de haver infiltração em âmbito da Magistratura ou Ministério

Público, bem como no cargo de delegado de polícia, a fim de livrar de

quaisquer persecuções penais que possam afetar as atividades dessas

organizações criminosas:

Internacionalidade ou Transnacionalidade: Característica inerente a

facilitação da comunicação e do transporte, seja de bens ou pessoas,

fomentado pelo processo crescente da globalização e avanços tecnológicos,

intensificando o comércio internacional ilícito, por exemplo.

Em se tratando do tema, Francis Rafael Beck:

[...] a atuação das organizações criminosas enfraquece as concepções de validade e eficácia das normas, usualmente restritas ao princípio da territorialidade. Superadas as fronteiras nacionais, as ações estatais de controle ao crime organizado se deparam com inúmeras dificuldades jurídicas (além de fáticas), especialmente em virtude da divergência entre as legislações que regem a matérias (BECK, 2004, p. 86).

Destarte, conforme a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime

Organizado Transnacional, conhecida, também, por Convenção de Palermo,

em seu art. 3°, II e alíneas, a infração terá caráter transnacional se:

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[...] A) for cometida em mais de um Estado; B) For cometida num só Estado, mas uma parte substancial da sua preparação, planejamento, direção e controle tenha lugar em outro Estado; C) For cometida num só Estado, mas envolva a participação de um grupo criminoso organizado que pratique atividades criminosas em mais de um Estado; Ou D) For cometida num só Estado, mas produz efeitos substanciais noutro Estado.(DECRETO n° 5.015/04).

2.3 ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL

Como previamente tratado, em cada parte do globo em que há atuação

do crime organizado, esta é conhecida por uma determinada nomenclatura,

como na Itália, a exemplo, as instituições criminosas são popularmente

chamadas de Máfias. No Brasil não é diferente, no entanto, as organizações

que atuam em território nacional são conhecidas como facções criminosas.

Devido ao extenso território em que o Brasil possui, somado à má

administração por parte do Estado no que tange a urbanização das grandes

cidades – como as favelas e periferias, bem como a defasagem na segurança

pública e demais searas em que esta é responsável, conforme Francisco

Policarpo Rocha da Silva (2011) isso fez com que surgissem não apenas uma,

mas várias facções criminosas, as quais atuam na macro-criminalidade.

Ou seja, são extensas e complexas organizações criminosas que

possuem uma sistemática forma de atuação, se valendo, principalmente, do

narcotráfico, exploração de jogos ilícitos, assaltos a bancos ou carros fortes,

sequestros, contrabando ou mesmo roubo de cargas.

Contudo, a criação das grandes facções criminosas atuantes no Brasil

se deu nas cadeias e presídios do país, e o que fomentou, de fato, o

surgimento delas em nosso território foi um deslize, por assim dizer, por parte

dos militares durante o regime ditatorial de 1964 a 1985, como exposto por

Andreza Galiego (2013), “os presos políticos foram obrigados a cumprir pena

nas mesmas cadeias que os presos comuns. Esse “descuido” modificou o

crime em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo”. Significa dizer que ao

momento em que houve essa mistura, de forma em que os guerrilheiros

políticos passaram a convivercom os presos comuns, criou-se a concepção de

escola do crime.

Segue Andreza Galiego:

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[...] Todavia, a partir do momento em que os criminosos comuns passaram a conviver com guerrilheiros políticos, acabaram absorvendo de seus companheiros de cela a ideologia, a organização e o espírito de equipe. Com a junção de presos, os bandidos tiveram acesso a leituras (verdadeiros manuais de guerrilha) e a todo o conhecimento dos guerrilheiros, que lhes ensinaram além de ler e escrever, tudo o que sabiam sobre política e ações criminosas. (GALIEGO, 2013).

Logo os criminosos passaram a adquirir conhecimento e,

principalmente, uma ideologia a seguir, angariando, cada vez mais, membros

dispostos a lutar por um ideal. Neste cenário surge uma das principais facções

que conhecemos, a qual aterroriza a sociedade até os dias de hoje,

popularmente conhecida por CV – Comando Vermelho. Ao que consta, o

Comando Vermelho surge como facção de escopo ideológico, visando

melhores condições nos estabelecimentos prisionais, sendo a primeira a sair

dos presídios como conseqüência direta da união dos guerrilheiros e presos

comuns numa ala especial do presídio Cândido Lopes, em Ilha Grande - RJ,

ainda na década de 70.

A respeito da referida organização criminosa, informa Hermano Freitas

“É a primeira e maior organização criminosa a dominar territórios de

comunidades carentes e o pilar que originou todas as outras através de

dissidências” (TERRA, 2013). Portanto, os presos comuns supra citados eram

assaltantes de bancos, e foram postos junto aos presos políticos pela

justificativa de infringirem a lei de segurança nacional.

Não obstante, com a popularização da cocaína e o crescente comércio

do narcotráfico, somados à consolidação das favelas na década de 80, os

respectivos criminosos viram nesse meio que o lucro era não só mais fácil,

mas, também, mais rápido e seguro.

Segue Hermano Freitas:

[...] O Comando Vermelho nasceu com nome de Falange Vermelha, uma mescla de ideologia de esquerda com o objetivo de se capitalizar através do crime. Da mesma forma como hoje, quando as ordens para ações criminosas partem de presídios, antigos presos políticos elaboravam planos que eram executados por criminosos comuns fora dos presídios. Com a consolidação das favelas, nos anos de 1980, criminosos ligados ao grupo da Ilha Grande viram no tráfico de cocaína a chance de um lucro fácil e mais rápido que os assaltos. Era o fim da Falange e o início do Comando. (TERRA, 2013).

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Como bem visto, o Comando Vermelho ensejou dissidências, dentre as

quais podemos elencar o Primeiro Comando da Capital (PCC), o Terceiro

Comando e Amigos dos Amigos (ADA) como algumas das principais

organizações criminosas do Brasil. Obviamente o escopo final de todas elas já

não era mais de cunho ideológico, pois esta foi desvirtuada há tempos, mas

sim a mera lucratividade com atividades ilícitas.

O Primeiro Comando da Capital, por sua vez, originado como um time

de futebol entre detentos aparentou ser apenas mais uma dissidência do

Comando Vermelho, mas que, com o tempo, tornou-se muito mais que isso,

passou a ocupar a posição de facção criminosa mais complexa e organizada

atuante no Brasil, desbancando a facção carioca. Em matéria publicada pelo

ESTADÃO, vislumbra-se que o Primeiro Comando da Capital se fortaleceu

dentro dos estabelecimentos prisionais de São Paulo, na década de 90 e

alcançou tamanha estruturação, que, hoje, chega a movimentar cerca de 40

toneladas de cocaína por ano, tendo como lucro algo em torno dos R$ 200

milhões. (ESTADÃO, 2016).

Logicamente, a respectiva organização não se limita ao narcotráfico, se

valendo, também, desde assaltos a banco até sequestros. E como não

bastasse a alta lucratividade decorrente destas ações criminosas, seus

integrantes devem, à „instituição‟, pagar mensalidade. Nessa linha, em matéria

do ESTADÃO, segue “mensalidade de R$ 600 ao mês, de seus 10 mil

integrantes, dos quais 7 mil estão presos. E ainda dá sinais de que está

expandindo seu campo de atuação para a Bolívia e o Paraguai”. (ESTADÃO,

30 de Maio, 2016).

Segundo o procurador de Justiça Sérgio Christino:

[...] O PCC tinha um perfil inicial mais politizado, como um discurso em defesa dos direitos da população carcerária. Com o tempo, o „partido‟ sofre mutações até chegar a uma dinâmica de uma grande empresa, mas com foco no tráfico, que permite uma arrecadação contínua”. (ESTADÃO, 2016).

Vale dizer que tanto o Comando Vermelho quanto o Primeiro Comando

da Capital possuem um código de honra e conduta baseado nos “falsos ideais

de paz, justiça e liberdade”, como aduz Andreza Galiego, assim como qualquer

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organização criminosa estruturada e definida, bem como um estatuto a ser, em

tese, seguido por seus integrantes.

Percebe-se que a globalização proporcionou a facilitação na

comunicação entre as principais facções criminosas do Brasil, assim como as

demais ao redor do planeta, atingindo níveis de organizações transnacionais,

visto que movimentam diversos tipos de produtos de ordem ilícita não só em

território nacional, mas em âmbito internacional. A extensão territorial do Brasil,

e a mera divisa territorial com Colômbia, Bolívia e Peru, que são grandes

produtores de tóxicos, somado a comunicação e uso de transportes

ultramodernos pela criminalidade organizada,faz com que o Brasil seja não só

um “importador” de materiais ilícitos, mas “exportador” também. (ESTADÃO,

2016).

Todavia, o surgimento e desenvolvimento, bem como a atuação das

instituições organizadas em território nacional se pautam na ineficiência do

Estado na repressão da macro-criminalidade, seja pela má administração ou

mesmo a conivência do poder público para com as instituições organizadas,

ensejando no fomento dessas atividades.

.

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3CRIME ORGANIZADO

3.1. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA

A primeira tentativa legislativa a tratar das Organizações Criminosas

veio mediante a Lei 9.034, aprovada e sancionada em 03 de Maio de 1995. A

referida lei trazia certa incoerência em relação ao seu enunciado para com sua

redação legal, visto que ela traz, previamente, a disposição “sobre a utilização

de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por

organizações criminosas”.

De tal forma, seu art. 1° diz “Esta lei define e regula meios de prova e

procedimentos investigatórios que versarem sobre crime resultante de ações

de quadrilha ou bando”.

Nesta perspectiva, a lei 9.034/95 traz consigo os procedimentos

investigatórios inerentes aos crimes praticados por quadrilhas ou bandos,

porém não traz a necessária conceituação do que seria uma organização

criminosa, muito menos tratou da temática nos artigos subsequentes,

ensejando assim em largos debates doutrinários e jurisprudenciais do que seria

em face da inobservância legal.

Na ótica de José Eduardo Figueiredo de Andrade Martins a “referida

situação trouxe perplexidade tanto na doutrina quanto na jurisprudência,

suscitando o surgimento de duas correntes de pensamento acerca do que se

tratava a expressão ‟organizações criminosas‟”, (MARTINS, 2014).

Na ausência da matéria em lei, a primeira corrente baseia-se em tornar

a tipologia “organização criminosa” em sinônimo de quadrilha ou bando, de

forma que não haja diferenças entre as três. Assim, a referida lei alcançaria a

redação do art. 288, Código Penal, prevendo o seguinte “Associarem-se 3

(três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes”. (Lei N°

2.848/40 - Código Penal).

No tocante asegunda corrente, percebendo a necessidade de uma

melhor conceituação do que seria uma organização criminosa, devido a sua

estruturação e complexidade, concluem que não há que se comparar esta

modalidade de crime organizado para com a modalidade de quadrilha ou

bando.

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Como elencado por Martins, “falhou a lei ao não dizer o que é

(organização criminosa), ou seja, qual é o elemento adicional que faz com que

se diferencie do antigo tipo previsto no art. 288, CP” (MARTINS, 2014).

O legislador, nas lições de Eduardo Araújo da Silva:

[...] não seguiu nenhuma das correntes conceituais anteriormente anotadas e tampouco buscou uma posição híbrida. Assim, não partiu de uma noção de organização criminosa, não definiu o crime organizado através de seus elementos essenciais, não arrolou as condutas que constituiriam a criminalidade organizada e nem procurou aglutinar essas orientações para delimitar a matéria. (SILVA, 2015, p. 20).

Como tratado previamente, o referido doutrinador apenas reforça a

ideia de que o legislador, à época da vigência da Lei n° 9.034/95, apenas

equiparou a concepção de organização juntamente com a de quadrilha e

bando, conjugado no artigo 1° desta lei.

À posteriori, ocorre o advento da Lei n° 10.217, sancionada em 11 de

Abril de 2001, a qual dispôs “sobre a utilização de meios operacionais para a

prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas”, mas

o seu principal objetivo era alterar a redação constante nos arts. 1° e 2° da Lei

9.034/95, passando a ser da seguinte forma:

[...] Art. 1° - Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo”. Art. 2° - Em qualquer fase da persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: I – Vetado; II – a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações; III – o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais. (Lei n° 10.217/01).

A Lei 10.217/01 inseriu, ainda, o inciso IV e V:

[...] IV – a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial;

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V - infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial; Parágrafo Único. A autorização judicial será estritamente sigilosa e permanecerá nesta condição enquanto perdurar a infiltração. (Lei 10.217/01).

Acerca da nova redação dada ao art. 1°, preleciona José Eduardo

Figueiredo Martins:

[...] as normas ali dispostas se aplicassem aos ilícitos – e não mais somente crimes – perpetrados por quadrilhas ou bandos, associações criminosas e organizações criminosas. A lei, portanto, diferenciou o crime do art. 288 do Código Penal das associações e organizações criminosas.(MARTINS, 2014)

Por sua vez, perdura a dúvida do que seria, exatamente, a definição

legal de “organização criminosa”, pois a Lei N° 9.034/95 não a previu,

tampouco o advento da lei n° 10.217/01 a trouxe, ensejando, assim, numa

expressão vazia de conteúdo e inaplicável em razão do princípio da reserva

legal.

José Eduardo Figueiredo Martins segue:

[...] A referida omissão acabou contaminando demais dispositivos da Lei n° 9.034/95. O artigo 2°, inciso II, que disciplinava a ação controlada, era aplicável apenas às investigações acerca de organizações criminosas. O artigo 4°, que tratava da estruturação da polícia judiciária, dispunha que a especialização se daria em razão das organizações criminosas. O artigo 5° determinava somente a identificação dos integrantes de organizações criminosas independentemente da identificação civil. O artigo 6° só disciplinava a delação premiada quando se estava diante de uma organização criminosa. O artigo 7°, de duvidosa constitucionalidade já que afastava o princípio da não culpabilidade, vedada a liberdade provisória no caso de participação em organização criminosa. Por fim, o artigo 10° disciplinava o início do cumprimento de pena em regime fechado para os condenados por crimes decorrentes de organização criminosa. (MARTINS, 2014).

Em razão do princípio da reserva legal, na falta de definição e de

tipificação legal, tornou os referidos dispositivos ineficazes, pois não há como

aplicá-los sem os respectivos preceitos citados à priori. Permanecendo, assim,

a carência jurídica no tema, no que tange a conceituação legal das

organizações criminosas, o que só veio a ser “resolvido” com o advento da Lei

n° 12.694.

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Eduardo Araújo da Silva preleciona:

[...] Mais uma vez o legislador deixou de expressar o que vem a ser organização criminosa, avançando timidamente apenas para esclarecer aos operadores do direito que tal fenômeno não se confunde com quadrilha ou bando. (SILVA, 2015, p. 22).

Sendo assim, em 24 de Julho de 2012 passa a viger a Lei n° 12.694,

que finalmente passou a conceituar, em seu artigo 2°, o tema organização

criminosa, encerrando, por hora, os debates inerentes ao tema.

Esta dispunha “sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro

grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas”.

O texto legal do artigo 2° se dá na seguinte forma:

[...] Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional. (Lei 12.694).

Portanto, o instituto das organizações criminosas passou a ser

reconhecido juridicamente devido a essa conceituação, de modo a trazer

validade àqueles dispositivos ineficazes anteriormente. O problema é que as

organizações criminosas não vieram como delito/crime na referida lei, mas,

apenas, como uma definição conceitual, sendo que, “não surgiu como um

delito, mas apenas uma definição conceitual para aplicação dos demais

institutos. Assim, o crime de organização criminosa ainda é inexistente na

legislação brasileira” (MARTINS, 2016).

Nas lições de Cezar Roberto Bitencourt, “Essa definição, contudo, não

chegou a consolidar-se no âmbito do direito interno, pois o legislador pátrio

editou nova lei redefinindo organização criminosa com outros contornos e outra

abrangência” (BITENCOURT, 2014). O referido doutrinador trata da Lei

12.850/13.

Na prática, ensejou na seguinte jurisprudência:

[...] TIPO PENAL – NORMATIZAÇÃO. A existência de tipo penal pressupõe lei em sentido formal e material. LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI Nº 9.613/98 – CRIME ANTECEDENTE. A teor do disposto na Lei

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nº 9.613/98, há a necessidade de o valor em pecúnia envolvido na lavagem de dinheiro ter decorrido de uma das práticas delituosas nela referidas de modo exaustivo. LAVAGEM DE DINHEIRO – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E QUADRILHA. O crime de quadrilha não se confunde com o de organização criminosa, até hoje sem definição na legislação pátria. (STF - HC: 96007 SP , Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 12/06/2012, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-027 DIVULG 07-02-2013 PUBLIC 08-02-2013)

A referida ementa elucida bem que a carência de uma definição legal

ensejou na impunidade in casu, incorrendo na absolvição dos acusados.

(STF - HC: 96007 SP, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 07/10/2008,Data de Publicação: DJe-195 DIVULG 14/10/2008 PUBLIC 15/10/2008)

QUADRO COMPARATIVO

Convençãode Palermo

Lei n° 12.694/12

Lei n° 12.850/13

Grupo estruturado de três ou

mais pessoas (3+).

Associação de três ou mais

pessoas (3+).

Associação de quatro ou

mais pessoas (4+).

Existente há algum tempo e

atuando concertadamente.

Estruturalmente ordenada e

caracterizada pela divisão de

tarefas.

Estruturalmente ordenada e

caracterizada pela divisão de

tarefas.

Intenção de obter, direta ou

indiretamente, um benefício

econômico ou outro

benefício material.

Objetivo de obter, direta ou

indiretamente, vantagem de

qualquer natureza.

Objetivo de obter, direta ou

indiretamente, vantagem de

qualquer natureza.

Propósito de cometer uma

ou mais infrações graves

(4+) ou enunciados na

presente convenção.

Prática de crimes com pena

máxima igual ou superior a 4

anos ou de caráter

transnacional (4+).

Prática de infrações penais

com pena máxima superior a

4 anos (5+) ou de caráter

transnacional.

Infrações previstas em

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tratado ou convenção

(internacionalidade) ou por

organizações terroristas

internacionais.

De 2003/2004

De 2012

De 2013

(JUS NAVIGANDI,2014)

3.2. A NOVA LEI N° 12.850/13

Na ausência de melhor conceituação e falta de tipificação legal acerca

do tema, em 02 de Agosto de 2013 ocorre o advento da Lei n° 12.850, que

dispõe sobre vários aspectos, definindo o que é organização criminosa,

dispondo sobre a investigação criminal respectiva, bem como os meios de

obtenção de prova, infrações correlatas e o procedimento criminal. Não

obstante, altera o Código Penal e, também, revoga a antiga Lei 9.034/95.

Conforme aduz Rogério Greco, “até o advento da Lei n° 12.694/12, não

tínhamos um conceito legal de organização criminosa. Por essa razão, a

doutrina criticava a ausência normativa, indispensável à segurança

jurídica”(GRECO, 2016).

Todavia, a conceituação previamente tratada na lei n° 12.694/12 não

se fez suficiente, pois Rogério Greco, diz que “mesmo que houvesse um

conceito sobre organização criminosa, ainda não havia sido criado um tipo

penal incriminador que acolhesse essa definição”(GRECO, 2016). Carecendo

de alguns preceitos, a Lei n° 12.850/13 veio para supri-los e emplacar uma

nova, e acertada, definição legal constante em seu §1°, do Art. 1°:

[...] Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. (Lei n° 12.850/13),

Nas lições de Cezar Roberto Bitencourt:

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[...] Nessa conceituação são trazidos novos elementos estruturais tipológicos definindo, com precisão, o número mínimo de integrantes de uma organização criminosa, qual seja, quatro ou mais pessoas (o texto revogado tacitamente falava em “três ou mais”), a abrangência das ações ilícitas praticadas no âmbito ou por meio de uma organização criminosa, que antes se restringia à prática de crimes. (BITENCOURT, 2014, p. 25).

Ou seja, a lei anterior foi alterada em três aspectos, mais precisamente,

o número mínimo de integrantes, passando a ser quatro, prevendo, também,

infrações penais além dos crimes previstos anteriormente e a pena legal

imposta, passando a ser superior a quatro anos de prisão, sendo que antes a

pena era igual ou superior a quatro anos.

Em relação ao inciso III, a pena igual ou superior a quatro anos tem

consequências relevantes para o condenado, de modo a atingir não só o

regime de pena, que seria aberto, mas também a não possibilidade de pena

alternativa e, ainda, subindo para 12 anos o tempo da prescrição.

Vale ressaltar que o “nascimento” desta lei decorreu de diversas

discussões de uma Comissão Mista Especial do Congresso Nacional, cujo

objetivo era de levantar e diagnosticar causas e efeitos da violência na

sociedade, em função de inúmeros projetos de lei inerentes ao tema que

estavam em tramitação na Casa. A comissão, por sua vez, composta por 20

deputados, e senadores de igual número, subdividiu-se em matérias,

incorrendo em sete subcomissões:

[...] I– sequestro, roubo e crimes contra a vida e patrimônio;II – execução penal, sistema penitenciário e crime organizado interno; III – crime organizado, narcotráfico e lavagem de dinheiro; IV – estrutura de segurança; V – ações preventivas; VI – programas, planos e recomendações para o Poder Executivo; VII –agilização do processo penal.(SILVA, 2015, p. 23)

Como bem explica Eduardo Araújo da Silva:

[...] Para a discussão desse tema, foi organizado junto ao Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça, presidido à época pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Cláudio Barros Silva, um grupo de trabalho formado por membros do Ministério Público e outros profissionais, os quais analisaram os diversos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, referentes ao crime organizado e matérias afins. (SILVA, 2015, p. 24).

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Ou seja, diante de equivocadas legislações anteriores, e carência

urgente do tema em nossa legislação, o referido grupo constatou mediante a

verificação de vários projetos, a necessidade de um anteprojeto de lei, regendo

as organizações criminosas, meios de obtenção de prova, procedimento

criminal e regime especial de cumprimento de pena para os líderes dessas

instituições criminosas. Assim, objetivando considerar não somente as

propostas em tramitação no Congresso Nacional, mas também uma tendência

internacional em relação à matéria.

O respectivo anteprojeto passou por algumas alterações, e veio a ser

aprovado pela Comissão Mista Especial, dando origem ao Projeto de Lei n°

150/06, do Senado Federal que, também aprovado, remeteu-se à Câmara

Federal em Dezembro de 2009, transformando-se no Projeto de Lei n°

6.578/09, que enfim culminou na Lei n° 12.850/13, aprovada em 2 de Agosto

de 2013.

Em se tratando dos demais elementos das duas definições, a

precedente e atual, de organizações criminosas (Lei n° 12.694/12 e 12.850/13)

são os mesmos, mudando apenas as elementares normativas constitutivas da

nova conceituação de organizações criminosas, que compreende, segundo as

lições de Cezar Roberto Bitencourt, são estes:

[...] I Org. criminosa estruturalmente organizada ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas; II - com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza; III - mediante a prática de infrações penais com penas superiores a quatro anos; IV - mediante a prática de infrações penais de caráter transnacional. (BITENCOURT, 2014, p. 26/35).

Na jurisprudência:

[...] STJ: “Apresentada fundamentação concreta, evidenciada na natureza, quantidade e variedade da droga apreendida (Durante a investigação foram realizados 12 (doze) flagrantes, que resultaram na apreensão de aproximadamente 1,1 toneladas de cocaína e 3 toneladas de maconha, e na prisão de 21 (vinte e uma) pessoas), bem como no fato de o paciente integrar organização criminosa internacional com diversos membros e frentes de atuação (trata-se de organização criminosa que estaria adquirindo grandes carregamentos de cocaína no Paraguai e Bolívia para distribuição no Rio Grande do Sul, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro), não há que se falar em ilegalidade do decreto de prisão preventiva. 2. A via estreita do habeas corpus não se presta ao revolvimento da matéria fático-probatória, como ocorre na impugnação aos indícios probatórios

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admitidos de autoria. 3. Não se evidencia como desnecessária a gravosa cautelar de prisão a agente que, mesmo bem inserido socialmente, tem indicada atuação relevante e duradoura em organização criminosa de tráfico internacional de grandes quantidades de entorpecente. 4. Recurso ordinário improvido” (RHC 52.107-RS, 2014/0251964-6, 6.ª T., Rel. Nefi Cordeiro, DJ 11.11.2014).

2.3. CONFLITO NA CONCEITUAL DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ENTRE A

LEI N° 12.694/12 E A 12.850/13

Conforme as lições de Rômulo de Andrade Moreira:

[...] Perceba-se que esta nova definição de organização criminosa difere, ainda que sutilmente, da primeira (prevista na Lei n°. 12.694/12) em três aspectos, [...] o que nos leva a afirmar que hoje temos duas definições para organização criminosa: a primeira que permite ao juiz decidir pela formação um órgão colegiado de primeiro grau e a segunda (Lei n°. 12.850/13) que exige uma decisão monocrática. Ademais, o primeiro conceito contenta-se com a associação de três ou mais pessoas, aplicando-se apenas aos crimes (e não às contravenções penais), além de abranger os delitos com pena máxima igual ou superior a quatro anos. A segunda exige a associação de quatro ou mais pessoas (e não três) e a pena deve ser superior a quatro anos (não igual). Ademais, a nova lei é bem mais gravosa para o agente. (MOREIRA, 2013, p. 30/31).

Não obstante, nas lições de Cezar Roberto Bitencourt (2014), acolher a

ideia de que há dois tipos de organização criminosa configura certo perigo em

relação à segurança jurídica, de forma que enseja tratamento diferenciado

incompatível para com o Estado Democrático de Direito. Portanto, não há como

deixar de observar, como elencado pelo referido autor, o texto legal contido no

parágrafo 1° do art. 2° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

(Decreto-Lei n°. 4.657/42). Em ipsis litteris, “A lei posterior revoga a anterior

quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou

quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.

Dando seguimento ao presente raciocínio, Cezar Roberto Bitencourt

(2015) aduz que “nestes termos, pode-se afirmar, com absoluta segurança, que

o §1° do art 1° da Lei n° 12. 850/13 revogou, a partir de sua vigência, o art. 2°

da Lei n°. 12.694/12”, visto que a última regula, inteiramente e sem ressalvas, a

conceituação do que seria organização criminosa, “ao passo que a lei anterior

o definia tão somente para os seus efeitos, ou seja, “para efeitos desta lei”,

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qual seja, criar um colegiado em primeiro grau”. Em suma, como previamente

elencado, a última lei regula o instituto da organização criminosa de forma mais

ampla, completa e para todos os efeitos, e não somente aos efeitos desta lei.

Ressalte-se que Rômulo Moreira ainda reconhece, em se tratando da

matéria, que:

[...] A “grande” novidade trazida pela nova lei (que não revogava a Lei n°. 9.034/95, muito pelo contrário, reafirmava-a) consiste na faculdade do juiz decidir pela formação de um órgão colegiado de primeiro grau (como o conselho de sentença – no Júri, ou o Conselho de Justiça – na Justiça Militar) para a prática de qualquer ato processual em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas. (Moreira, 2013, p. 20).

Portanto, relembra Cezar Roberto Bitencourt, “essa grande novidade

continua vigente e válida, para os efeitos daquela lei (12.694/12), sem qualquer

prejuízo para os „efeitos a que se propõe‟” (BITENCOURT, 2014).

Não obstante, na perspectiva de Rômulo de Andrade Moreira (2013),

da mesma forma em que há uma nova lei definindo qual é a conceituação

válida (e usada atualmente – da Lei n° 12.850/13) e a persecução processual

devida, não se exclui a possibilidade da criação de um órgão colegiado em

primeiro grau, como previsto em lei anterior (12.694/12), tida como uma

„grande‟ novidade para o ordenamento jurídico pátrio.

Vale ressaltar que a conceituação legal de organização criminosa

prevista na Lei n°. 12.850/13, conforme trata Cezar Roberto Bitencourt (2014),

não se confunde com o conceito de quadrilha ou bando, ambas tipificadas no

art. 288 do Código Penal, pois, embora considerados como sinônimos de

organização criminosa, em outros tempos (como à época da Lei n° 9.034/95),

já não mais existe tal entendimento, visto que a referida lei 12.850 difere e

encerra qualquer discussão no que se refere à semelhança entre uma e outra.

Nas palavras de Cezar R. Bitencourt:

[...] claro que organização criminosa definida no §1° do art. 1° da Lei n° 12.850 não se confunde com quadrilha ou bando (art. 288) tipificada no Código Penal brasileiro, aliás, que acaba de receber, deste mesmo diploma legal, a denominação, a nosso juízo, mais adequada, de “associação criminosa”. (BITENCOURT, 2014, p. 40).

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Portanto, antes da referida Lei n° 12.850, o artigo 288, CP continha a

seguinte disposição “Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou

bando, para o fim de cometer crimes: Pena – Reclusão, de 1 a 3 anos.§ Único:

A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armada”.

Com o advento da Lei n° 12.850, em 2013, alterou-se o respectivo

dispositivo legal, passando-o a ser da seguinte forma,

[...] Associarem-se três ou mais pessoas, para o específico de cometer crimes: Pena – Reclusão, de 1 a 3 anos.§ Único: A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente”.(Lei n°. 12.850/13)

A distinção entre organização criminosa e associação criminosa, nas

lições de Cezar R. Bitencourt:

[...] decorre da clareza dos termos de cada instituto, bem como nos requisitos legais exigidos para suas composições típicas, além do mínimo de integrantes em cada espécie de “associação” (quatro na organização, e três na associação). (BITENCOURT, 2014, p. 40).

Dessa forma, Cezar Roberto Bitencourt (2014) preleciona que ao

adotar nomenclatura diferenciada para com o de organização criminosa,

diferiu-se, também, de mesmo modo, o respectivo número mínimo de

integrantes, de forma a reduzi-los para três (em associação criminosa) e, ainda,

as causas de aumento de pena elencadas no § único do artigo correspondente

ao mesmo.

Em se tratando de majoração penal, segue Cezar Roberto. Bitencourt:

[...] essa majoração, que antes dobrava a pena, agora determina a elevação somente de metade. E, como lei mais benéfica, no particular, retroage, sendo aplicável a casos anteriores à sua vigência, menos no aspecto relativo à participação de criança ou adolescente, que é novidade mais grave. (BITENCOURT, 2014, p. 40).

Não obstante, no que se refere à aplicação da Lei n°. 12.850/13, bem

como a tipificação de organização criminosa, há de se atentar para com

algumas exigências para que haja sua caracterização, por assim dizer, as

quais são elencadas por Bitencourt como:

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[...] a) formação de grupo de, no mínimo, quatro pessoas; b) prática, por esse grupo, de infração penal cuja pena máxima seja superior a quatro anos de prisão; c) comprovação da existência de organização estruturalmente ordenada; d) comprovação da existência de divisão de tarefas entre os seus integrantes. e) finalidade da organização de obter vantagem de qualquer natureza, mediante prática de crimes. (BITENCOURT, 2014, p.41).

Bem como vale salientar as condições negativas para sua

configuração, quais são:a) não atuar com característica paramilitar; e b) não

atuar como milícia, isto é, com controle de território ou de pessoas em um

território, mediante coação.

Diante do exposto, percebemos que houve uma lacuna muito grande

na legislação brasileira acerca da matéria referente às organizações

criminosas, visto que inexistia legislação específica, bem como uma

conceituação legal adequada, o que ensejou numa certa “bagunça” jurídica

acerca do tema, acarretando na edição de diversas leis, como a lei n°.

9.034/95, a lei n°. 10.217/01, a lei n°. 12.694/12 até, enfim, chegar à lei n°.

12.850/13, que finalmente trouxe uma legislação adequada e findou quaisquer

polêmicas acerca do assunto.

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4. TRATADOS INTERNACIONAIS

4.1. CONVENÇÃO DE PALERMO

No ano de 1994, em Nápoles – Itália, realizou-se, mediante a ONU,

uma Conferência Ministerial Mundial relativo ao Crime Organizado, o qual aduz

Alexandre Rorato Maciel:

[...] foi dado início aos trabalhos de elaboração de uma Convenção sobre Crime Organizado Transnacional, a qual veio a ser firmada em Palermo, também na Itália, no ano de 2000, sendo conhecida por isso como Convenção de Palermo. (MACIEL, 2015, p. 52/53).

A presente Convenção foi adotada pela Resolução 55/25 da

Assembleia-Geral da Organização, com o devido texto aprovado em Seção

Plenária de 15 de novembro de 2000, em Nova Iorque. No Brasil, por sua vez,

segue Maciel, “referida Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo 231

de 29.05.03 e promulgada pelo Decreto 5.015 de 12.03.04”(MACIEL, 2015).

O artigo 1° do Decreto 5.015/04 traz consigo o objetivo do referido

tratado, onde consta, em ipsis litteris,“O objetivo da presente Convenção

consiste em promover a cooperação para prevenir e combater mais

eficazmente a criminalidade organizada transnacional”.

Nas lições de Cezar Roberto Bitencourt:

[...] A concepção teórica do que vem a ser uma organização criminosa é objeto de grande desinteligência na doutrina especializada [...]. A essa dificuldade somava-se o fato de que a nossa legislação não definia o que podia ser concebido como uma organização criminosa, a despeito de todas as infrações penais que envolviam mais de três pessoas serem atribuídas, pelas autoridades repressoras, a uma organização criminosa. (BITENCOURT, 2014, p. 24).

Dessa forma, a lei vigente à época, no qual deveria definir o que seria

organização criminosa, não o fez, e assim sendo, carecendo a lei pátria de um

tratamento normativo adequado ao tema, se valeu da definição legal trazida no

respectivo tratado internacional, leciona Cezar Roberto Bitencourt:

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[...] Nosso referencial normativo anterior, para a delimitação dos casos que envolvessem uma suposta organização criminosa, era a Convenção das Nações Unidas sobre o Crime Organizado, também conhecida como Protocolo de Palermo. (BITENCOURT, 2014, p. 24).

Por sua vez, a definição conceitual trazida no Decreto 5.015 de 2004

está prevista em seu artigo 2°, nos seguintes termos:

[...] Grupo Criminoso Organizado” – grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material. (Decreto Lei n°. 5.015/04).

Segue Alexandre R. Maciel:

[...] A tentativa de adoção do referido conceito de organização criminosa também tinha por objetivo a busca da uniformização conceitual entre os diversos países, o que inclusive consta nas Normas e Princípios das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal, a qual dispõe que: „A comunidade internacional de adotar um conceito de crime organizado aceito por todos como base para uma maior compatibilidade das respostas nacionais e uma maior efetividade da cooperação transnacional”. (MACIEL, 2015, p. 56).

Na doutrina de Alexandre R. Maciel (2015), conforme a Lei n°.

9.034/95, vigente à época, não trazia uma conceituação, houve a pretensão de

“suprir” essa lacuna com a definição de “grupo criminoso organizado”, prevista

na respectiva Convenção. Porém, essa tentativa, por assim dizer, ensejou

embates doutrinários e jurisprudenciais, onde, a exemplo, diversamente ao que

o STJ julgou em determinados casos, o STF não acolheu tal tentativa.

Alexandre R. Maciel ainda segue jurisprudência do STJ:

[...] no julgamento do Habeas Corpus 138.058/RJ, realizado pelo Superior Tribunal de Justiça em 22.03.2011, relator Ministro Haroldo Rodrigues, entendeu-se pela adoção do conceito previsto no art. 2, “a”, da Convenção de Palermo, sob a justificativa de que “a definição de uma organização criminosa não se submete ao princípio da taxatividade, pois o núcleo do tipo penal previsto na norma é „ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime‟, sendo a expressão „organização criminosa‟ um complemento normativo do tipo, tratando-se, no caso, de uma norma penal em branco heteróloga ou em sentido estrito, que independe de complementação por meio de lei forma. (MACIEL, 2015, p. 56).

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Não obstante, o STF não acolheu a referida tese, prevalecendo o

seguinte entendimento jurisprudencial:

[...] A 1° Turma do Supremo Tribunal Federal, em julgamento unânime realizado em 12.06.2012 do Habeas Corpus 96.007/SP, relator Ministro Marco Aurélio, concedeu ordem de habeas corpus a pastores de Igreja Evangélica, determinando o trancamento de ação penal por lavagem de dinheiro proveniente de organização criminosa, sob o argumento de que não havia a definição do crime de organização criminosa através de lei em sentido estrito, o que impossibilitava a imputação. (MACIEL, 2015, p. 56).

No segundo caso, como aduz Alexandre R. Maciel (2015) os

“pacientes” foram denunciados pelo art. 1°, VII da Lei n°. 9.613/98, onde

estipulava-se “como crime antecedente da lavagem de dinheiro aquele que

fosse praticado por organização criminosa”, definida na então Convenção das

Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional. Houve a

prevalência no entendimento de que a respectiva denúncia ia contra o princípio

da legalidade, previsto no inc. XXXIX do art. 5° da Carta Magna, “o qual

estipula que a definição dos crimes e respectivas penas seja feita

exclusivamente por meio de lei oriunda do Congresso Nacional”.

Por fim, ressalta Alexandre R. Maciel (2015) que “a Convenção de

Palermo não é lei em sentido estrito”, carecendo assim de preceitos basilares

para eficácia de “norma penal incriminadora válida”, quais são a conduta

vedada e a pena prevista a ser aplicada. Logo, em não havendo os preceitos

primários e secundários no ordenamento jurídico pátrio, não há como se valer

da utilização do referido dispositivo constante da Convenção.

4.2. NECESSIDADE DOS GRUPOS TÁTICOS DA POLÍCIA NA REPRESSÃO

AO CRIME ORGANIZADO

Aduz Rogério Greco, que “os denominados grupos táticos devem ser

criados no âmbito das Polícias por intermédio de mandamento governamental”

(GRECO, 2016), onde faz-se relevante a participação do Chefe do Poder

Executivo, uma vez que as respectivas forças táticas policiais forem usadas,

estas deverão ter respaldo da administração.

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Ressalte-se que:

[...] A atuação dos grupos táticos, necessariamente, acarreta três níveis de decisão, que envolve a habilidade do grupo, a oportunidade do momento e o perigo real que existe para os reféns, policiais e criminosos, sendo certo que a polícia responde pelos três itens, notadamente a habilidade do grupo, e, os políticos, apenas pelos dois últimos, sendo necessário que o grupo especial seja criado, reconhecido e mantido pelo Governo, através dos órgãos policiais. (GRECO, 2016, p. 350).

No que se refere à organização, bem como a montagem, de um Grupo

Tático, conforme lições de Rogério Greco (2016), faz-se necessário que o

criador tenha grande responsabilidade, visto que tal força policial será

considerada de elite, cujas atribuições serão diferenciadas, onde, em suas

palavras, “por si só poderá acarretar sentimentos aversivos por parte das

demais unidades policiais”, sentimento este que deverá ser superado por

todos, pois, se não superado, faltará um elemento tido como essencial na

atividade policial, a cooperação entre seus membros.

Todavia, o ingresso de seus membros, como elencado por Rogério

Greco, deve ser por “candidato voluntário, possuir excelente preparo físico e

técnico, ser dotado de inteligência, de estabilidade emocional, de iniciativa e de

tirocínio, qualidade que os tornam, pelo menos em tese, apto a compor a

equipe” (GRECO, 2016).

Segundo Rogério Greco, a necessidade dos Grupos Táticos da polícia

se dá:

[...] Ante a violência que vem assolando o Brasil nos últimos tempos, a sociedade clama por uma resposta imediata e eficaz por parte do Estado, mediante a implementação de ações proficientes no combate à criminalidade – cada vez mais organizada e bem armada, sustentando constantemente as mais diversas práticas ilícitas e uma avassaladora expansão da violência em todo o país. O Estado por sua vez conta sempre com seu aparato policial para fazer frente a tais situações – na maioria das vezes sem propiciar meios para tanto – exigindo da Polícia Civil, instituição responsável constitucionalmente pelas funções de polícia judiciária e apuração das infrações penais, uma solução eficiente e, acima de tudo, legal e moralmente aceitável; (GRECO, 2016, p. 351).

Eis a relevância destes grupos de policiais “criteriosamente

selecionados, capacitados no emprego de técnicas, táticas, equipamentos e

armamentos especiais”, os quais objetivam a atuação imediata e eficaz,

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principalmente em situações tidas como críticas, em destaque “onde haja uma

possível tomada de reféns ou a restrição de liberdade de pessoas por parte dos

perpetradores, além da real possibilidade de confronto armado”.

Rogério Greco segue:

[...] fatores estes que tornam a ação da Polícia muito mais complexa e delicada, em razão da presença de pessoas inocentes no cenário da crise, exigindo dos operadores habilidades específicas adquiridas por intermédio de treinamento constante, sempre norteando a ação policial pelo escalonamento do uso deliberado da força legal e legítima, se necessário for, priorizando-se a solução negociada, que tem como principal objetivo a preservação da vida, seja ela do policial, da vítima/refém, do criminoso ou de quaisquer outros presentes à cena. (GRECO, 2016, p. 351).

O Manual Operacional do Policial Civil de São Paulo (p. 233) prevê

que, segundo o Ministério da Justiça, o gerenciamento de crise é definido como

“um evento ou situação crucial que exige uma resposta especial da Polícia a

fim de assegurar uma solução aceitável”. No presente manual há quem se

refira em “Administração de impasse de Perigo”, nomenclatura usada por Luiz

Carlos Rocha, onde “é o conjunto de medidas policiais para identificar, obter e

aplicar os recursos necessários ao atendimento de uma situação de perigo

atual ou iminente”; Contudo, ainda no referido manual, para Rodrigo Victor da

Paixão (oficial da PM, Goiás) crise seria “o evento ou situação crucial que exige

uma resposta especial dos órgãos da segurança pública a fim de assegurar

uma solução aceitável”.

A definição do próprio Manual Operacional do Policial Civil de São

Paulo se dá nos seguintestermos:

[...] O gerenciamento de crise pode ser entendido, enfim, como a gestão intelectual, tática e técnico-investigativa de um determinado evento crucial, onde esteja se desenvolvendo um impasse entre um ou mais perpetradores e o Estado, e que, através de agentes públicos previamente treinados, tencionará emprestar-lhe um termo pacífico ou razoável. (Manual Operacional do Policial Civil/SP).

Ainda nas lições de Rogério Greco, acerca da criação e objetivos dos

diversos Grupos Táticos nas polícias de todo o país:

[...] Tal objetivo consiste em atuação e intervenção nas situações consideradas de alto risco atribuídas legalmente à polícia repressiva,

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tais como o cumprimento de mandados de prisão de criminosos de alta periculosidade, de mandados de busca e apreensão em locais de alto risco, a realização de operações de repressão à criminalidade em locais onde a incidência de crimes esteja exorbitante, bem como em todas as demais situações policiais que, devido à complexidade dos acontecimentos e da ação delituosa perpetrada, sejam consideradas críticas, exigindo uma resposta especial por parte do órgão responsável. (GRECO, 2016, p. 352).

Vale salientar que a “resposta especial por parte do órgão responsável”

supracitada, deverá levar em consideração o art. 144, § 4° da Constituição

Federal, onde é “ressalvada a competência da União, funções de polícia

judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.

Em ipsis litteris, o art. 144, § 4° da CF:

[...] A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: §4° Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (144, § 4° da CF)

Por fim, Rogério Greco leciona:

[...] A atuação dos Grupos Táticos nas denominadas situações policiais críticas, em especial naquelas em que haja a tomada de reféns ou a restrição de liberdade, é pautada em fundamentação doutrinária que estabelece o escalonamento do uso da força, priorizando-se o emprego da tática da negociação, por intermédio de um negociador policial habilitado, o qual se utiliza de técnicas de persuasão visando dissuadir o(s) perpetrador (es); caso a negociação se mostre ineficiente para a situação, seguindo o escalonamento de uso da força, será priorizado em seguida o emprego de agentes químicos não letais, e, em último caso o tiro de incapacitação (sniper policial) em concomitância com a atuação da equipe de intervenção. (GRECO, 2016, p. 352).

Em suma, no tocante aos tratados internacionais, a Convenção das

Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional foi de extrema

importância para o direito brasileiro, visto que, à época, inexistia uma definição

apropriada no âmbito das organizações criminosas, passando assim, de certo

modo, a preencher uma lacuna que há muito ficou carente de tratamento legal.

No que se refere à necessidade dos Grupos Táticos da Polícia, estes

se fazem necessários, principalmente nos dias de hoje, em virtude de uma

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crescente atuação e organização da criminalidade, seja de atuação “nacional”

ou “transnacional”, que junto com a intimidação destes para com a sociedade,

merecem uma resposta imediata, adequada e até, em certos casos, na mesma

medida por parte do Estado, objetivando a ordem e segurança pública.

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5MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA NA LEI N° 12.850/13

Nas lições de Guilherme de S. Nucci (2015), a persecução penal inicia-

se, como regra, mediante instauração do respectivo inquérito policial, o qual é

procedimento administrativo, bem como será presidido pela autoridade policial

responsável, onde objetiva-se a “colheita de provas suficientes a demonstrar a

materialidade e a autoria do delito, cuja meta é permitir a formação do

convencimento do órgão acusatório”, sendo que, ainda, em sequência,

ocorrerá a instauração do processo criminal que será instaurado em virtude do

recebimento da devida denúncia (ou queixa), de modo a assegurar ao acusado

seus direitos constitucionais – ampla defesa e contraditório.

Ressalta-se Guilherme de Souza Nucci:

[...] Nota-se, pois, a relevância da prova, significando o ato de provar (demonstrar ao juiz a veracidade de um fato alegado), o meio de prova (instrumento pelo qual se leva ao magistrado o conhecimento do fato) e o resultado da atividade probatória (fez-se a imputação). [...] o seu fim é garantir o convencimento do juiz. Diante disso, as partes valem-se dos meios de prova para atingir suas finalidades: a acusação, carregando o ônus da prova, visa a demonstrar a culpa do acusado; a defesa, beneficiando-se da presunção de inocência, tem por finalidade manter o status quo de não culpabilidade. (NUCCI, 2015, p. 4)

Conforme aduzido por Alexandre Rorato Maciel (2015), em face do

crescimento demasiado da criminalidade organizada, juntamente com suas

particularidades, estes acabam por dificultar eventuais investigações nos

moldes clássicos de meio de obtenção da prova, incorrendo na relevância de

“aparelhar” o Estado com “meios de apuração e coleta de provas

diferenciadas”.

Levando em conta a complexidade estrutural, bem como a variedade

de atos praticados, nas lições de Alexandre R. Maciel:

[...] as organizações criminosas costumam tomar algumas cautelas para dificultar a obtenção da prova de seus delitos. Os membros de algumas organizações passaram a utilizar equipamentos que identificam microfones e micro câmeras ocultos, utilizam vários códigos ou idiomas estrangeiros para se comunicarem, destroem os instrumentos do crime (armas, veículos etc.), os executores dos crimes vêm de outras cidades especialmente para praticá-los e assim passam despercebidos no lugar em que vão cometer suas ações, obrigam todos os integrantes a respeitarem uma espécie de “código do silêncio” com ameaças de morte a eles e respectivos familiares em

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caso de revelação de dados sobre a organização, além de também ameaçarem de morte qualquer pessoa que pretenda testemunhar contra seus atos. (MACIEL, 2015, p. 120).

Na doutrina de Alexandre Rorato Maciel (2015), no que se refere aos

crimes perpetrados por organizações criminosas, sejam elas de cunho

“violento” ou econômico-empresarial, “possuem mais dificuldades para serem

provados do que a criminalidade tradicional”, visto que as possíveis provas

decorrentes da macro-criminalidade tendem a ser “fragmentária, dispersa”, em

função de suas principais características, como a estrutura empresarial,

hierarquia e pluralidade de agentes, servindo como escudo para a perpetração

de seus mais diversos delitos.

Desta feita, conforme o Ministério da Justiça, as Normas e Princípios

das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminaldispõe:

[...] 8. Nós devemos assegurar que para qualquer aumento na capacidade na habilidade dos perpetradores do crime também haja aumentos similares na capacidade e na habilidade das autoridades de aplicação da lei e da justiça criminal. Juntando nossos conhecimentos e desenvolvendo contramedidas adequadas, o sucesso na prevenção ao crime e na redução do número de vítimas pode ser maximizado. 17. A fim de combater efetivamente o crime organizado, os Estados devem superar seu código de silêncio e intimidação. Técnicas confiáveis de coleta de provas, tais como: vigilância eletrônica, operações secretas e entrega controlada devem ser consideradas quando forem contempladas na lei nacional e quando administradas respeitando os direitos humanos reconhecidos internacionalmente e as liberdades fundamentais, em particular o direito de privacidade, e sujeito a aprovação ou supervisão judicial conforme apropriado. Medidas que encorajam a cooperação e o testemunho dos membros do crime organizado devem ser consideradas, incluindo programas de proteção adequados às testemunhas e suas famílias e – dentro dos limites da lei nacional – a concessão de tratamento reconhecendo a colaboração proporcionada por eles durante o processo de acusação (BRASIL, Ministério da Justiça. 2009, p. 214 – 217).

Eduardo Araújo da Silva entende que “o caráter multiforme do crime

organizado não repercutiu apenas no plano material, pois também no processo

penal” (SILVA, 2015), visto uma tendência voltada ao desenvolvimento de

estratégias diferenciadas por parte do Estado na objetivação de uma

regulamentação mais eficaz à obtenção da prova, e, também, “tratamento

dispensado aos investigados e acusados pela prática de infrações relacionadas

à criminalidade organizada” (SILVA, 2015). Ou seja, a eficiência penal.

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Da mesma forma, segue Alexandre Rorato Maciel, lecionando que

“além dos já tradicionais métodos de investigação, outros estão sendo

paulatinamente disciplinados em lei” (MACIEL, 2015), mas, contudo, para que

haja maior eficiência na repressão ao crime organizado, faz-se necessário que

haja uma balança, ou “um ponto de equilíbrio” como o referido autor elenca

entre um eficiente combate à criminalidade organizada frente o respeito aos

direitos fundamentais assegurados em lei e diversos tratados de direitos

humanos.

5.1. COLABORAÇÃO PREMIADA

Instrumento disciplinado do artigo 4° ao 7° da Lei n° 12.850/13 e,

conforme trazido por Alexandre R. Maciel (2015), é uma das maneiras de se

obter provas de infrações praticadas por entidades criminosas, se dá mediante

a colaboração dos seus próprios integrantes, pois estes possuem maior

conhecimento do modus operandi, mais conhecimento que as próprias

investigações que, em muitas vezes, se veem prejudicadas pela dificuldade

imposta ao Estado de colher informações internas somente com seu trabalho,

sem um “informante”. Informações e detalhes estas de como aquela

organização criminosa atua, e, por melhor que sejam as investigações, muitas

vezes elas não conseguem alcançar, e descobrir, os detalhes que podem ser

trazidos por algum membro.

Nas palavras de Alexandre Rorato Maciel:

[...] A colaboração ou delação premiada ajuda a romper a „lei do silêncio‟ imposta aos membros das organizações criminosas e é estimulada através da oferta de benefícios ao correu, como o perdão judicial, a redução da pena privativa de liberdade ou a substituição dela por restritiva de direitos, desde que preenchidos os requisitos legais para sua concessão. (MACIEL, 2015, p. 187).

Embora mais usual ao corréu durante a investigação criminal, como

bem elenca Alexandre R. Maciel (2015), de nada impede a possibilidade desta

colaboração ocorrer dentro da instrução processual, bem como a posterióri da

sentença ou na fase de sua execução.

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No que se refere à conceituação dessa ferramenta, Eduardo A. da

Silva leciona:

[...] também denominada de cooperação processual (processo cooperativo), ocorre quando o acusado, ainda na fase de investigação criminal, além de confessar seus crimes para as autoridades, evita que outras infrações venham a se consumar (colaboração preventiva), assim como auxilia concretamente a polícia na sua atividade de recolher provas contra os demais coautores, possibilitando suas prisões (colaboração repressiva). Incide, portanto, sobre o desenvolvimento das investigações e o resultado do processo. É, assim, um instituto bem mais amplo que a delação premiada até então consagrada em várias leis brasileiras, a qual se restringe a um instituto de direito material, de iniciativa exclusiva do juiz, com reflexos penais (diminuição da pena ou concessão do perdão judicial). (SILVA, 2015, p. 54).

No que tange sua „origem‟ na legislação brasileira, nas lições de

Alexandre R. Maciel (2015), esta surgiu como previsão do artigo 7° da lei dos

crimes hediondos (Lei n° 8.072/90), que inseriu, por sua vez, o §4° no artigo

159 do Código Penal, de modo a permitir a “redução de um a dois terços da

pena ao correu do crime de extorsão mediante sequestro”, perpetrado em

quadrilha, que, ao delatar os fatos à autoridade, facilitaria a libertação do

sequestrado. Todavia, com a Lei n° 9.269/96, tal hipótese de colaboração

deixou de se exigir o elemento „quadrilha‟, o que viabilizou sua aplicação sob o

mero concurso de pessoas. Contudo, a delação premiada passou a estar

prevista em diversas leis, seja na lei de crimes contra a ordem tributária,

econômica e relações de consumo (8.137/90), seja na lei de crimes contra o

sistema financeiro nacional (9.080/95) ou na já revogada lei do crime

organizado (9.034/95), bem como na lei de proteção a vítimas e testemunhas

ameaçadas e de proteção de acusados ou condenados que tenham

voluntariamente prestado efetiva colaboração, ou, ainda, na lei de drogas

(11.343/06 – art. 41).

Nas palavras de Alexandre R. Maciel:

[...] Todos os diplomas legais retro citados, com exceção da revogada Lei 9.034/95, continuam em vigor, sendo que eles foram generosos em utilizar expressões sinônimas para se reportar à colaboração premiada, porém o certo é que a sua finalidade é premiar o autor, co-autor ou partícipe de delito que colaborou com a autoridade policial ou judicial ou com o órgão do Ministério Público e permitiu que fossem apuradas eficazmente a infração penal e sua autoria. (MACIEL, 2015, p. 189).

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A Convenção de Palermo aduz, também, medidas de cooperação com

as autoridades, as quais estão previstas no artigo 26, dispondo:

[...] 1. Cada Estado Parte tomará as medidas adequadas para encorajar as pessoas que participem ou tenham participado em grupos criminosos organizados: a) A fornecerem informações úteis às autoridades competentes para efeitos de investigação e produção de provas, nomeadamente: I) A identidade, natureza, composição, estrutura, localização ou atividades dos grupos criminosos organizados; II) As conexões, inclusive conexões internacionais, com outros grupos organizados; III) As infrações que os grupos organizados praticaram ou poderão vir a praticar;b) A prestarem ajuda efetiva e concreta às autoridades competentes, susceptível de contribuir para privar grupos criminosos organizados dos seus recursos ou do produto do crime. (Decreto n° 5.015/04)

A respectiva Convenção também sugere as consequências de tal

colaboração:

[...] 2. Cada Estado Parte poderá considerar a possibilidade, nos casos pertinentes, de reduzir a pena de que é passível um argüido que coopere de forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores de uma infração prevista na presente Convenção. 3. Cada Estado Parte poderá considerar a possibilidade, em conformidade com os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico interno, de conceder imunidade a uma pessoa que coopere de forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores de uma infração prevista na presente Convenção. (Decreto n° 5.015/04).

Em se tratando da natureza jurídica da colaboração premiada, o

legislador, mediante a Lei n° 12.850/13, leciona Eduardo Araújo da Silva (2015,

p. 57) que a referida lei disciplina três momentos para sua realização: na fase

pré-processual (§ 2° do art. 4°, o qual poderá implicar na discricionariedade

contida no § 4° do art. 2° para a propositura da ação penal); na fase judicial

(caput do art. 2°) à „requerimento das partes‟; e, também, no § 5° do mesmo

artigo, aduz a possibilidade de houver um acordo na fase pós-processual,

quando da execução da pena.

Segue o art. 4°, da Lei n° 12.850/13:

[...] O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

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§2° Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão do perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei 3.689/41 (CPP) O § 4° do art. 2° da Lei 12.850/13 prevê, como já exposto, a possível discricionariedade na propositura da ação penal, nas hipóteses elencadas, que diz: A pena será aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços): I) se há participação de criança ou adolescente; II) se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal; III) se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior; IV) se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes; V) se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização. (Lei 12.850/13).

Na fase judicial, consta do art. 2° da mesma lei. “Promover, constituir,

financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização

criminosa”. (Lei 12.850/13).

Por fim, o § 5° do art. 4° rege a possibilidade de uso da colaboração

premiada após a sentença, onde diz: “Se a colaboração for posterior à

sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a

progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos”(

Lei12.850/13).

Não obstante, para que haja o uso do referido instrumento probatório

deve atentar-se aos pressupostos de validez, os quais compreendem a

efetividade da colaboração e a voluntariedade do colaborador (caput, art. 4° -

Lei 12.850/13), sendo previsto, ainda, outros requisitos elencados no § 1°,

como a personalidade, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a

repercussão social do fato criminoso e a eficácia a recomendarem. Tais

pressupostos também são aplicáveis às demais fases processuais

(investigação e execução penal).

Salienta-se, de igual modo, os direitos do colaborador (art. 5° da lei),

onde leciona Eduardo A. da Silva:

[...] O colaborador terá direito, pois, às medidas protetivas previstas na Lei n° 9.807/99, inclusive à alteração de sua identidade, quando necessário; a ter suas informações pessoais preservadas, com eventual aplicação analógica do Estado de São Paulo, das

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disposições constantes do Provimento CG 32/00; a ser conduzido em veículo próprio ou prestar seus depoimentos ou ser interrogado à distância, via emprego de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de som e imagem em tempo real, por analogia do disposto no inciso I, § 2°, do art. 255 do Código de Processo Penal; a participar de audiências em separado ou através de meios tecnológicos referidos; a ter sua identidade e imagem preservadas pelos meios de comunicação, sob pena de eventual infração aos termos do art. 18 da lei; a cumprir pena em estabelecimento no qual seja preservada a sua segurança. (SILVA, 2015, p. 78).

Nos processos inerentes à apuração das organizações criminosas é

um tanto „usual‟ que ocorra uma tentativa de destruição de quaisquer meios de

prova, objetivando a impunidade de seus integrantes, como já visto

anteriormente, e aduzido por Eduardo Araújo da Silva (2015, p. 78), assim

sendo, faz-se necessário que ocorra uma efetiva proteção as vítimas,

testemunhas e correus colaboradores, de modo a garantir “a inteireza da prova

oral a ser produzida em juízo”, e por sua vez, quebrar a conhecida “lei do

silêncio” imposta pelos criminosos.

Constata-se que a Convenção das Nações Unidas contra o Crime

Organizado Transnacional também disciplina medidas de proteção às

testemunhas, em seu art. 24, item I, onde dispõe:

[...] Cada Estado Parte, dentro de suas possibilidades, adotará medidas apropriadas para assegurar uma proteção eficaz contra eventuais atos de represália ou de intimidação das testemunhas que, no âmbito de processos penais, deponham sobre infrações previstas na Convenção e, quando necessário, aos seus familiares ou outras pessoas que lhes sejam próximas. (Decreto Lei 5.015/04).

Na prática, segue jurisprudência:

[...] TJMG: “O perdão judicial deve ser reservado para situações de especial colaboração do réu, para o desmantelamento de grupos ou organizações criminosas, com fornecimento de informações consistentes e extensas sobre as ações delituosas, desde que a personalidade do beneficiado, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato o permitam, não sendo este, em definitivo, o caso retratado nos autos” (RVCR 10000121273825000/MG, 1.º Grupo de Câmaras Criminais, Rel. Márcia Milanez, DJ 08.07.2013).

Na revisão criminal n° 10000121273825000, datada de 08/07/2013

Julgado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, decidiu-se a necessidade de

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que, para que haja o perdão judicial previsto em lei, a colaboração do réu seja

essencial a ponto de ensejar na possibilidade de “desmantelamento” dos

eventuais grupos ou organizações criminosas.

5.2. AÇÃO CONTROLADA

Em conceituação dada por Guilherme de S. Nucci:

[...] Trata-se do retardamento legal da intervenção policial ou administrativa, basicamente a realização da prisão em flagrante, mesmo estando a autoridade policial diante da concretização do crime praticado por organização criminosa, sob o fundamento de se aguardar o momento oportuno para tanto, colhendo-se mais provas e informações. Assim, quando, futuramente, a prisão se efetivar, será possível atingir um maior número de envolvidos, especialmente, se viável, a liderança do crime organizado. (NUCCI, 2015, p. 6)

Nos termos do art. 8°, da Lei n° 12.850/13:

[...] Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.(Lei 12.850/13)

Em função da desenvoltura em que as organizações criminosas se

encontram, houve a necessidade de uma melhor especialização da Polícia,

bem como a cautela na obtenção das provas. Desta forma, conforme aduz

Alexandre Rorato Maciel (2015), a ação controlada tornou-se um meio de

investigação, mediante o retardo das ações policiais em face aos crimes

praticados por organizações criminosas, de modo a visar o monitoramento de

seus integrantes até a hora mais propícia para se colher provas e realizar as

prisões.

Nas palavras de Alexandre R. Maciel, “A ação controlada mitiga o

poder estatal de agir imediatamente após a prática de um crime. Em relação às

prisões, a doutrina tem denominado essas hipóteses de flagrante prorrogado,

retardado ou diferido” (MACIEL, 2015).

Como elencado por Guilherme de Souza Nucci:

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[...] Na nova redação dada à Lei do Crime Organizado incluiu-se a intervenção administrativa, voltada aos órgãos de controle interno das instituições, particularmente a policial (Corregedoria da Polícia). Desse modo, não somente o delegado está autorizado a retardar o flagrante, como também a Corregedoria não precisa intervir, de pronto, caso existam agentes policiais na organização criminosa. Outra alteração da lei diz respeito a permitir a ação controlada no tocante a delitos cometidos também por outras pessoas, que não pertencem à organização criminosa investigada, mas estão a ela ligadas. (NUCCI, 2015, p. 6).

A natureza jurídica da ação controlada, conforme explica Guilherme de

Souza Nucci (2015), refere-se a “um meio de prova caracterizado pela busca e,

eventualmente, pela apreensão”.

Salienta-se que a ação controlada também se encontra em outros

diplomas jurídicos, a exemplo, previsão contida na Lei n° 11.343/06, no art. 53,

II, como prevê:

[...] A não atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível. (Lei 11.343/06).

Embora inexista na lei requisitos expressamente previstos a serem

cumpridos, se faz relevante observar os seguintes, na visão de Guilherme de

Souza Nucci:

[...] a)trata-se de infração penal praticada por organização criminosa ou pessoa a ela ligada: A ação controlada não é autorizada para toda e qualquer infração penal, por mais grave que seja. Trata-se de mecanismo criado para o combate ao crime organizado, voltando-se, portanto, aos delitos praticados neste cenário; b)existir investigação forma instaurada para averiguar as condutas delituosas da organização criminosa: A ação controlada não pode ser medida informal de investigação; há que se instaurar o procedimento adequado para acompanhar a conduta da polícia; c) encontra-se a organização criminosa em permanente e atual observação e vigilância, inclusive pelo mecanismo de infiltração de agentes: A ação controlada não pode nascer por mero acaso, mas precisa ser fruto da observação e do acompanhamento das atividades da organização criminosa; um dos mecanismos usados para essa vigilância é a infiltração de agentes. d) ter o objetivo de amealhar provas para a prisão e/ou indiciamento do maior número de pessoas; Retardar a intervenção policial ou administrativa deve ter propósitos específicos e relevantes, consistente em conseguir o mais amplo espectro de provas com o objetivo de desbaratar a organização, identificar seus integrantes,

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reaver o produto ou proveito dos delitos, enfim, ter inconteste ganho pela ação retardada do Estado. e) comunicação prévia ao juiz competente: Como se mencionou, a ação controlada deve ser formalizada, e nada mais correto do que se submeter ao crivo judicial, afinal, direitos e garantias individuais estão em jogo, assim como a própria legalidade da atuação estatal. f) respeitar os eventuais limites fixados pelo magistrado: Não deve ser a regra, mas a exceção, pois não cabe ao juiz fixar os parâmetros de ação controlada, uma atividade típica de investigação. Quem mais pode saber até onde ir é o delegado – e também o Ministério Público -, menos o magistrado, que não deve buscar provas nessa fase investigatória. Entretanto, em casos excepcionais, é preciso a intervenção judicial impondo alguns limites, em especial quando envolver intervenções mais contundentes, como quebra de sigilo bancário ou fiscal, interceptação telefônica etc.(NUCCI, 2015, 6).

Destarte, o art. 9° da referida lei trata da hipótese em que no decorrer

da ação controlada haja transposição de fronteira, dispondo nos seguintes

termos:

[...] Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime. (Lei 12.850/13).

Conforme Alexandre R. Maciel:

[...] Verifica-se que o sucesso da ação controlada entre países que fazem fronteira depende do efetivo respeito às normas de cooperação internacional, pois ela exigirá, no mínimo, a participação de dois Estados, os quais deverão ter em suas legislações a previsão da técnica de investigação da ação controlada ou entrega vigiada. Caso não exista tratado de cooperação entre os países envolvidos, as autoridades brasileiras deverão contar com a autorização e o monitoramento daquelas do país vizinho. (MACIEL, 2015, p. 129).

Observa-se Alexandre Rorato Maciel: “que a ação controlada pode

ocorrer com a infiltração de agentes policiais ou sem ela” (MACIEL, 2015). A

infiltração de agentes compreendida dentre os arts. 10 e 14 da Lei de

Organizações Criminosas (12.850/13) exige, expressamente, para sua

manutenção, autorização judicial, de tal modo que “na hipótese da ação

controlada ocorrer com a infiltração de agentes, deverão ocorrer „mediante

circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial“, conforme previsão do

art. 10.

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Segue Alexandre R. Maciel (2015) apregoando que as ações

controladas perpetradas sem a infiltração de agentes devem “desenvolver as

diligências investigatórias a distância”, ou seja, sem que sejam percebidos

pelos integrantes daquela instituição organizada, valendo-se, como

instrumentos investigatórios, a “utilização de binóculos, filmadoras, máquinas

fotográficas, equipamentos de escuta telefônica e ambiental, dentre outros”.

Ressaltar-se, ainda, conforme as lições de Alexandre Rorato Maciel,

“que há discussão quanto à legalidade da ação controlada diante do princípio

da obrigatoriedade insculpido no art. 301 do Código de Processo Penal”

(MACIEL, 2015).Ou seja, dispõe que “as autoridades policiais e seus agentes

deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”.

Alexandre R. Maciel aduz::

[...] Um posicionamento entende que a ação controlada não pode subsistir, pois vai de encontro ao citado princípio, enquanto a outra posição, que parece ser a correta, apregoa que os artigos 8° e 9° da Lei 12.850/13 seriam regras especiais a prevalecer sobre a regra geral do artigo 301 do Código de Processo Penal. (MACIEL, 2015, p. 133).

Salienta Guilherme de Souza Nucci que a “finalização da ação

controlada deve levar a resultados, na maior parte das vezes, positivos. De

todo modo, houve um retardamento na conduta policial normal, implicando a

elaboração de auto circunstanciado” (NUCCI, 2015), o qual deverá, por sua

vez, conter minuciosa descrição dos fatos ocorridos, assim expresso no §4° do

artigo 8° da mesma lei.

Como forma de melhor demonstração fática, segue a jurisprudência:

[...] STJ: “Inexiste ilegalidade na prova indiciária quando constatado que as informações foram adquiridas por meio de registros anteriores da Polícia Militar (boletins de ocorrência e prisões envolvendo outros agentes do tráfico de drogas), ao passo que as novas informações colhidas, com a coleta de fotografias e acompanhamento do paciente, não extrapolaram o limite de atuação da Polícia Militar, que tem por objetivo precípuo o zelo pela segurança e a ordem pública. 2. Nesse contexto, vê-se que a atuação aos milicianos não ultrapassou a mera coleta de dados e o compêndio de informações já existentes em seu sistema, não caracterizando propriamente a chamada "ação controlada" prevista no art. 53 da Lei n. 11.343/06” (RHC 60251/SC 2015/0130035-0, Rel: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, DJ 10/06/2015)

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No presente caso arguiu-se o fato de que a investigação policial não

tinha a finalidade de obter informações concretas sobre outros traficantes, de

modo a necessitar a prolongação de tal investigação, e de tal forma, inexistia a

ação controlada prevista no art. 53, II da Lei 11.343/06.

Assim a jurisprudência: “Não constitui crime de prevaricação o simples

retardamento do ato de oficio. Para a sua configuração é necessário que o

móvel da ação seja a satisfação de interesse ou sentimento pessoal” (RT

489/308).

5.3. INFILTRAÇÃO DE AGENTES

Na ótica de Eduardo Araújo da Silva:

[...] Consiste numa técnica de investigação criminal ou de obtenção de prova, através da qual um agente do Estado, mediante prévia autorização judicial, se infiltra numa organização criminosa, simulando a condição de integrante, para obter informações a respeito de seu funcionamento. Apresenta-se, segunda a doutrina, três características básicas: a dissimulação, ou seja, a ocultação da condição de agente oficial e de suas verdadeiras intenções; o engano, posto que toda a operação de infiltração se apóia numa encenação que permite ao agente obter a confiança do suspeito; e, finalmente, a interação, isto é, uma relação direta e pessoal entre o agente e o autor potencial. (SILVA, 2015, p. 93).

No que tange a origem desse instrumento, entende Eduardo Araújo da

Silva que “pode ser buscada no período do absolutismo francês, sobretudo nos

tempos de Luís XIV, no qual para reforçar o regime foi criada a figura do

„delator‟, composta por cidadãos” (SILVA, 2015), os quais “descobriam na

sociedade os inimigos políticos em troca de favores do príncipe”. Nesse

contexto, a respectiva prática limitava-se a espionar e levar os fatos ao

conhecimento das autoridades, sem qualquer atividade de provocação.

Alexandre Rorato Maciel segue:

[...] A infiltração de agentes policiais é um meio de obtenção da prova em que o policial, com o objetivo de desbaratar a atividade de organizações criminosas, ingressa na organização e participa de suas atividades até conseguir provas suficientes para o desenvolvimento da persecução penal. (MACIEL, 2015, p. 134).

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A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado

Transnacional, que veio a ser ratificada no Brasil mediante o Decreto n°

5.015/04, prevê em seu art. 20, item 1:

[...] se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o permitirem, cada Estado Parte, tendo em conta as suas possibilidades e em conformidade com as condições prescritas no seu direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir [...] “as operações de infiltração, por parte das autoridades competentes no seu território, a fim de combater eficazmente a criminalidade organizada. (Decreto nº 5.015/04).

Após ocorrer o veto pelo Presidente da República, quando da edição

da Lei n° 9.034/95 (art. 2°, inc. I), a infiltração de agentes veio a ser disciplinada

pela então Lei n° 10.217/01, que inseriu o inc. V ao art. 2° da Lei n° 9.034/95:

[...] Art. 2° Em qualquer fase da persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação das provas: V – infiltração por agente da polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituídas pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial. (Lei nº 10.217/01).

A Lei de Drogas (N° 11.343/06) disciplina, também, a infiltração de

agentes:

[...] Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios: I – a infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes. (Lei 11.343/06).

Nas lições de Alexandre R. Maciel:

[...] Na época em que vigorou a Lei 9.034/95, não havia previsão de regras quanto aos requisitos para o deferimento da infiltração policial, procedimento para seu processamento, qual o tempo de duração e se era possível sua prorrogação, quem tinha legitimidade para solicitá-la e se o juiz podia autorizá-la de ofício, fazendo com que existisse discussão quanto à possibilidade de ela ser utilizada, havendo uma corrente que defendia que fosse usado, por analogia, o procedimento previsto na Lei 9.296/96, que disciplina a interceptação telefônica, enquanto outra corrente entendia que enquanto ela não fosse regulamentada não seria possível sua execução no Brasil. Exatamente com o objetivo de regulamentar minuciosamente a infiltração de agentes é que foram inseridos os artigos 10 a 14 na Lei 12.850/13. (MACIEL, 2015, p. 134).

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Alexandre R. Maciel (2015) ainda preconiza que o art. 10 da Lei de

Organizações Criminosas (n° 12.850/13) exige que a respectiva infiltração seja

feita, apenas, por agentes de polícia, o oposto à já revogada Lei n° 9.034/95

(antiga lei do crime organizado), onde era permitida a atuação de agentes de

inteligência, provenientes de outros órgãos.

No que se refere aos pressupostos de validade, aduz Eduardo Araújo

da Silva que sem “prévia autorização judicial circunstanciada, motivada e

sigilosa, estabelecendo os seus limites (art. 10, parte final, da lei), o resultado

da infiltração de agente não terá validade processual” (SILVA, 2015).

Destaca-se, com base nas lições de Alexandre Rorato Maciel:

[...] que a infiltração policial, tal como a interceptação telefônica (art. 2°, II da Lei 9.296/96), possui caráter subsidiário, já que só será admitida quando a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis (2° parte do § 2°). [...] assim não se pode recorrer à infiltração policial por mera comodidade ou quando existam outros meios igualmente eficazes de se obter a prova pretendida. (MACIEL, 2015, p. 138).

Os requisitos para que se faça uso de referido instrumento, como

salienta Eduardo Araújo da Silva estão contidos no § 2° do art. 10 da Lei

12.850/13, onde seu uso somente será admitido quando “houver indícios de

infração penal de que trata o art. 1° e se a prova não puder ser produzida por

outros meios disponíveis” (SILVA, 2015). Todavia, seguindo as linhas do § 11°

do mesmo instrumento legal, “conterão a demonstração da necessidade da

medida, o alcance das tarefas dos agentes e, quando possível, os nomes ou

apelidos das pessoas investigadas e o local da infiltração”.

No tocante ao procedimento, Alexandre Rorato Maciel:

[...] a infiltração acabará ocorrendo durante o inquérito policial, porém ela também poderá se dar durante a instrução criminal. O delegado de polícia pode representar pela medida apenas durante o inquérito policial, enquanto o Ministério Público poderá requerê-la inclusive durante a instrução criminal. (MACIEL, 2015, p. 139).

Nas palavras de Eduardo A. da Silva:

[...] a infiltração de agentes pode ser iniciado por representação do delegado de polícia, quando então o juiz deverá colher o parecer do Ministério Público (§1° do art. 10 da lei), ou a requerimento do próprio

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representante do Ministério Público, “após manifestação técnica do delegado de polícia” (art. 10, caput), ou seja, quanto à viabilidade da diligência requerida, ante os riscos que poderão advir para o policial que atuar de forma infiltrada. [...] No pedido, deverá o representante ou requerente demonstrar a presença dos requisitos autorizados da medida, devendo o juiz decidir, de forma fundamentada, sobre os seus limites, notadamente quanto à prática de eventuais condutas ilícitas pelo agente, sem perder de vista o disposto no art. 13 da lei, ou de condutas que podem implicar a violação do direito à intimidade das pessoas investigadas. (SILVA, 2015, p. 96).

Por fim, aduz Alexandre Rorato Maciel (2015) que a infiltração será de

até 6 meses, sendo viável o deferimento por menor tempo, bem como de sua

renovação, desde que comprovada sua necessidade. De tal forma, o respectivo

relatório circunstanciado que se apresentará, ao final do período da infiltração,

será de extrema relevância como subsídio de eventual autorização e

prorrogação da medida. Salienta-se que não há limite legal para tais

prorrogações, no entanto, não é aceitável uma infiltração cujo caráter é

permanente e indefinido.

Importante elencar o art. 13:

[...] O agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados.§Único – Não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa. (Lei 12.850/13).

Seguindo uma tendência internacional, Eduardo Araújo da Silva,

preleciona que a Lei 12. 850/13 “buscou tutelar a questão à luz do princípio da

proporcionalidade, que deverá ser analisado” (SILVA, 2015), de acordo com o

caso. O texto constante no §Único trata de exclusão de culpabilidade,

objetivando a proteção do agente, que, também, deverá ser analisada

conforme o caso em questão.

O legislador, se preocupando, também, para com a segurança do

agente infiltrado, elenca no § 3° do art. 12 a seguinte disposição:

[...] 3°. Havendo indícios seguros de que o agente infiltrado sofre risco iminente, a operação será sustada mediante requisição do Ministério Público ou pelo delegado de polícia, dando-se imediata ciência ao Ministério Público e à autoridade judicial. (da Lei 12.850/13).

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Conforme Alexandre Rorato. Maciel (2015) o juiz poderá sustar a

operação de ofício, sendo que o termo indícios seguros e risco iminente

“devem ser interpretados de forma a que não sejam necessários indícios

seguros, mas apenas indícios suficientes ou fundada suspeita”. Ou seja, uma

vez que haja leitura literal da lei, quando houver a sustação da operação, já

poderá ser tarde demais.

Na prática, segue a jurisprudência:

[...] TJRS: “1. Paciente preso pela prática, em tese, dos delitos de tráfico de drogas, associação para o tráfico e corrupção de menores. O impetrante sustenta a nulidade da decisão que autorizou a infiltração de agentes policiais, o que culminou na prisão do paciente, sendo igualmente nulo o decreto preventivo. Alega que o decreto preventivo não apresenta fundamentação idônea, pois não aponta elementos concretos que demonstrem a necessidade da prisão cautelar, estando amparado apenas na gravidade do delito imputado. Alega não estarem preenchidos os requisitos da prisão preventiva e aponta a possibilidade de aplicação de medida cautelar diversa da prisão. 2. Inexiste ilegalidade na infiltração policial e na prova dela obtida. O tráfico de drogas estava consumado desde a realização dos verbos nucleares „trazer consigo‟ e „ter em depósito‟. Precedentes do STJ. 3. Decisão que atende aos comandos constitucionais e legais, porquanto refere concretamente as circunstâncias fáticas que evidenciam a necessidade da custódia processual como garantia da ordem pública. Materialidade e indícios de autoria demonstrados. Precedentes. 4. A existência de condições pessoais favoráveis não se constitui em óbice para a decretação da prisão preventiva. 5. Inexistência de constrangimento ilegal. Ordem denegada. (Habeas Corpus n.º 70059115725, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Julio Cesar Finger, Julgado em 11.06.2014)” (TJRS, HC 70059115725/RS, 1.ª Câmara Criminal, Rel. Julio Cesar Finger, DJ 11.06.2014, grifamos).

5.4 CAPTAÇÃO AMBIENTAL DE SINAIS ELETROMAGNÉTICOS, ÓPTICOS

OU ACÚSTICOS

Denominada, também, como vigilância eletrônica, conforme Eduardo

Araújo da Silva, “trata-se de um meio de obtenção da prova previsto em leis de

diversos países que tem possibilitado uma atuação mais eficiente dos agentes

estatais na apuração do crime organizado” (SILVA, 2015).

Alexandre Rorato Maciel, para que não haja confusão no que seria

uma e outra, deve-se fazer a diferenciação:

[...] a) Interceptação ambiental: ocorre a captação da “conversa e dos atos praticados”, “sem” o conhecimento dos indivíduos que estão no

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ambiente alvo e é indispensável que exista prévia “autorização judicial”; b) Escuta ambiental: há a interceptação de “conversa” entre o emissor e o receptor feita por um terceiro “com” o conhecimento de um ou outro participante da conversa, “sem” que seja necessária ordem judicial para a execução dela, pois não há lesão à intimidade, a qual está sendo compartilhada; c) Gravação clandestina ambiental: o “próprio indivíduo” grava sua “conversa e ações” que esteja mantendo com terceiro em um determinado ambiente alvo, sem que precise de autorização judicial. (MACIEL, 2015, p.167).

Nas lições de Eduardo Araújo da Silva (2015) num quadro fático, o

referido instrumento possibilita aos agentes policiais, eventualmente os do

Ministério Público, a instalação de aparelhamento com o intuito de gravar sons

e imagens, tanto em ambientes abertos, quanto fechados, objetivando não

somente a gravação dos “diálogos travados entre os investigados (sinais

acústicos)”, como também filmagens de condutas desenvolvidas por estes

(sinais óticos). Contudo, ainda admite-se a possibilidade de os policiais

registrarem “sinais emitidos através de aparelhos de comunicação”, a exemplo,

rádios transmissores (sinais eletromagnéticos), os quais “tecnicamente não se

enquadram no conceito de comunicação telefônica, informática ou telemática.

No tocante a imagens, Alexandre Rorato Maciel, entende que “não há

necessidade de autorização judicial para a gravação de filmagens quando em

local público” (MACIEL, 2015), sendo possível, com finalidade de constituir

provas, a título de exemplo, a captação de imagens de eventual tráfico de

drogas em vias públicas, teatros etc. No entanto, em se tratando de locais

privados como os de exercício de profissão, ofício ou trabalho, “haverá a prévia

necessidade de ordem judicial ou a concordância das pessoas gravadas”

(MACIEL, 2015), o que, se não observadas, podem constituir prova ilícita, visto

que, por analogia, o art. 246 do Código de Processo Penal requer autorização

judicial para busca e apreensão nos locais supracitados, os quais, embasados

no art. 150, §4° do Código Penal, consideram-se como “casa” daquele

investigado.

Na jurisprudência:

[...] STF: 4. É lícita a interceptação telefônica, determinada em decisão judicial fundamentada, quando necessária, como único meio de prova, à apuração de fato delituoso. 5. É lícita a prorrogação do prazo legal de autorização para interceptação telefônica, ainda que

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de modo sucessivo, quando o fato seja complexo e, como tal, exija investigação diferenciada e contínua. 6. O Ministro Relator de inquérito policial, objeto de supervisão do Supremo Tribunal Federal, tem competência para determinar, durante as férias e recesso forenses, realização de diligências e provas que dependam de decisão judicial, inclusive interceptação de conversação telefônica. 7.A. Criminal. Escuta ambiental. Captação e interceptação de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos. Meio probatório legalmente admitido. Fatos que configurariam crimes praticados por quadrilha ou bando ou organização criminosa. Autorização judicial circunstanciada. Previsão normativa expressa do procedimento. Preliminar repelida. Inteligência dos arts. 1º e 2º, IV, da Lei nº 9.034/95, com a redação da Lei nº 10.217/95. Para fins de persecução criminal de ilícitos praticados por quadrilha, bando, organização ou associação criminosa de qualquer tipo, são permitidos a captação e a interceptação de sinais eletromagnéticos, óticos e acústicos, bem como seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial. 8. Não opera a inviolabilidade do escritório de advocacia, quando o próprio advogado seja suspeito da prática de crime, sobretudo concebido e consumado no âmbito desse local de trabalho, sob pretexto de exercício da profissão. 9 O disposto no art. 6º, § 1º, da Lei federal nº 9.296, de 24 de julho de 1996, só comporta a interpretação sensata de que, salvo para fim ulterior, só é exigível, na formalização da prova de interceptação telefônica, a transcrição integral de tudo aquilo que seja relevante para esclarecer sobre os fatos da causa sub iudice.(Inq: 2424 RJRelator: Min. CEZAR PELUSO, Data de Julgamento: 26/11/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-055 DIVULG 25-03-2010 PUBLIC 26-03-2010 EMENT VOL-02395-02<span id="jusCitacao"> PP-00341</span>)

O Supremo Tribunal adota o entendimento de que não há

inconstitucionalidade ou qualquer irregularidade no tocante a interceptação

ambiental, desde que haja prévia autorização judicial e seja com objetivo de

produção de prova em investigação criminal, bem como instrução processual

penal, podendo, também, se valer em procedimento administrativo disciplinar

“contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos

os elementos probatórios”, ou, ainda, contra outros servidores “cujos supostos

ilícitos” surgiram mediante essa prova.

5.5 INTERCEPTAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS

Com previsão legal no art. 3°, V da Lei n° 12.850/13, interceptação em

conceituação dada por Guilherme de Souza Nucci (2015), significam ato de

imiscuir-se em conversa alheia, seja por meio telefônico ou computadorizado,

seja por outras formas abertas ou ambientais.

Em vários países há, como aduz Alexandre Rorato Maciel, “previsão da

interceptação telefônica como instrumento para a investigação criminal”

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(MACIEL, 2015), situa-se, a exemplo, Argentina, Colômbia, Inglaterra, Itália e

Portugal.

No Brasil, a Carta Magna de 88 dispõe sobre a possibilidade de

eventual violação das comunicações telefônicas, conforme o texto legal

constante do art. 5°, Inc. XII, desde que seu deferimento seja decorrente de

ordem judicial enquadrada nas “hipóteses e na forma que a lei estabelecer”

visando à investigação criminal, bem como a respectiva instrução processual

penal. Como tratado por Alexandre R. Maciel, segue:

[...] Este dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei 9.296/96, que no artigo 2° exige que haja indícios razoáveis da autoria ou participação (fumus boni iuris) em infração penal punida com reclusão (requisito da proporcionalidade em sentido estrito) e que a prova não possa ser feita por outros meios disponíveis (requisito da necessidade, da alternativa menos gravosa ou da subsidiariedade), além de que deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada. Evidentemente que, por se tratar de medida cautelar, cujo objetivo é analisar a conversação entre investigados, o periculum in mora também deverá ser avaliado pelo juiz. (MACIEL, 2015, p. 177).

Destaca-se Alexandre Rorato Maciel (2015), que até o advento da Lei

n° 9.296/96, o Supremo Tribunal Federal adotava o entendimento de que a

aplicação da interceptação telefônica era impossível, mesmo com autorização

judicial decorrente de investigação criminal ou instrução processual penal “em

face da não recepção do art. 57, II, da Lei 4.117/62 – Código Brasileiro de

Telecomunicações – e a ausência de lei regulamentadora do artigo 5°, XII”, o

qual originou, como consequência, produção de prova inválida (STF, HC

73351/SP).

Aduz Eduardo Araújo da Silva:

[...] Embora não se trate no Brasil de meio de busca da prova voltado exclusivamente para a apuração da criminalidade organizada, a utilização da interceptação telefônica tem-se mostrado eficiente para a apuração dessa modalidade de crime, razão pela qual foi mencionada no inciso V do art. 3° da Lei 12.850/13 como um dos meios de obtenção da prova. Como ressaltam Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho, “a inadmissibilidade e ineficácia processuais das provas obtidas por meios ilícitos, de um lado, e a necessidade, de outro, de não privar o Estado dos instrumentos necessários à luta contra a criminalidade organizada, ocasionaram, no mundo todo, legislações

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que disciplinam rigorosamente a utilização de meios eletrônicos de captação de prova”. (SILVA, 2015, p. 112).

O legislador teve cautela em acrescer o § Único do art. 2° da Lei

9.296/96, o qual Eduardo Araújo da Silva,leciona que tal dispositivo delimita

ainda mais a aplicação da interceptação, prevendo que para seu deferimento

“deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com

a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta,

devidamente justificada” (SILVA, 2015). Ou seja, a decisão judicial que deferi-la

deverá esclarecer seus limites, de modo a evitar eventuais abusos na apuração

dos fatos, bem como sua admissão será viável, apenas, para as persecuções

de crimes em andamento, não se valendo de tal medida para aquelas infrações

que sequer iniciaram sua execução, sob a pena de o direito à intimidade se

prestar demasiadamente vulnerável.

O artigo 1° da Lei 9.296/99 aduz:

[...] Art. 1°. A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.§ Único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. § Único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. (Lei nº 9.296/99).

Todavia, o § Único do art. 1° da Lei n° 9.296/99 tornou-se objeto de

críticas que, conforme Alexandre R. Maciel:

[...] estendeu a aplicação da lei [...], o que, segundo boa parte da doutrina, teria ampliado demasiadamente o alcance da norma constitucional prevista no art. 5°, XII, comprometendo sua validade. Por um lado, argumenta-se que a interceptação de e-mail é inconstitucional, vez que o art. 5°, XII da Constituição Federal só previu a interceptação das comunicações telefônicas, não fazendo qualquer menção à interceptação de endereço eletrônico ou similar, por se tratar de hipótese restritiva de direito, deve merecer interpretação restritiva. (MACIEL, 2015, p. 178).

Não obstante, entende Alexandre Rorato Maciel que “é possível alegar

que, quando da edição da Carta Magna de 88, a informática estava dando os

primeiros passos” (MACIEL, 2015), principalmente em países como o Brasil,

juntamente com o fato de que não se imaginava que a internet tomaria as

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proporções na qual possui hoje e, se valendo de uma interpretação

“progressiva e histórica” do legislador, acompanhando o crescimento da

tecnologia, colocou-se assim o § único do art. 1° em conformidade com as

“transformações ocorridas ao longo do tempo”. Embasado no segundo

posicionamento, o Marco Civil da Internet (Lei n° 12.965/14) prevê que “ao

usuário da internet são assegurados, dentre outros, o direito à inviolabilidade e

sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na

forma da lei (art. 7°, II)”.

Em se tratando do procedimento previsto na Lei n° 9.296/96, Eduardo

Araújo da Silva ressalta:

[...] possibilidade de o juiz determiná-la de ofício, no curso da investigação criminal ou do processo penal, que sua autorização poderá decorrer de requerimento de autoridade policial ou do Ministério Público (arts. 3° e 4° da lei) [...]. Encerradas as diligências, a autoridade policial deverá encaminhar ao juiz o resultado da interceptação (fonte da prova) – que posteriormente será transcrita (meio de prova) –, acompanhado de relatório das operações realizadas. (SILVA, 2015, p. 116).

No tocante a renovação do período da interceptação, conforme o art. 5°

da Lei 9.296/99 “não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por

igual tempo, uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”, o

que, nas lições de Alexandre Rorato Maciel:

[...] levou à discussão se a lei possibilitaria apenas uma renovação do prazo. Se fosse prevalecer essa posição, a interceptação telefônica seria na grande maioria dos casos ineficaz para a apuração dos crimes praticados por organização criminosa, que em razão de sua complexidade exige longos períodos de investigação. Felizmente, tem prevalecido o entendimento que o juiz pode autorizar tantas prorrogações quantas forem necessárias para a investigação. (MACIEL, 2015, p. 181).

Ressalta-se, também, se a degravação (transcrição) será realizada por

perito oficial ou se há a possibilidade desta ser realizada pelos próprios

policiais e, portanto, Alexandre Rorato Maciel leciona no sentido de que tem

“prevalecido o entendimento que não há necessidade de ela ser feita por perito

oficial, pois o §1° do art. 6° da Lei 9.296/96 não exige” (MACIEL, 2015):

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Segue jurisprudência:

[...] •STJ: “No caso concreto, a interceptação telefônica foi autorizada pela autoridade judiciária com observância das exigências previstas na Lei n.º 9.296/1996. A interceptação telefônica é perfeitamente viável sempre que somente por meio dela se puder investigar determinados fatos ou circunstâncias que envolverem os denunciados. Na espécie, justifica-se a interceptação como o „único meio viável‟ à investigação dos crimes levados ao conhecimento da Polícia Federal, mormente a) se se levar em consideração que os contatos e as negociações das atividades delituosas supostamente cometidas pela organização criminosa e, em especial, pela paciente Claudine se davam, em elevado grau, por telefone; b) pela natureza dos delitos investigados, ou seja, crimes praticados por quadrilha em possível modalidade de organização criminosa, não sendo possível, sem a interceptação telefônica, realizar uma eficaz coleta de provas, suficientes para conhecer e revelar com profundidade as atividades criminosas dos investigados, através dos tradicionais métodos investigativos, sem expor a investigação às ações obstrutivas dos investigados e ao fracasso; c) porque à defesa cabe demonstrar que existiam, de fato, meios investigativos alternativos às autoridades para a elucidação dos fatos à época na qual a medida foi requerida, sob pena de a utilização da escuta telefônica se tornar absolutamente inviável, já que o órgão responsável pelas investigações apresentou justificativas plausíveis para a excepcional utilização da interceptação telefônica. O prazo de duração da interceptação telefônica pode ser seguidamente prorrogado, quando a complexidade da investigação assim o exigir, desde que em decisão devidamente fundamentada, como in casu, em se considerando a ausência de comprovação da ilicitude das renovações. Ausência de ilegalidade flagrante apta a fazer relevar a impropriedade da via eleita” (HC 148.413/SP, 6.ª T., Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. em 21.08.2014, v.u.).

5.6 QUEBRA DO SIGILO FISCAL, BANCÁRIO E FINANCEIRO

A Lei das Organizações Criminosas, mais precisamente no inc. VI do

art. 3° elenca a tal medida como meio de obtenção de prova, como apregoa

Eduardo Araújo da Silva, “em relação às atividades desenvolvidas pelas

organizações criminosas o acesso a informações fiscais, bancárias e

financeiras” (SILVA, 2015).

A referida medida não é de aplicação exclusiva como meio de

apuração na investigação de eventuais crimes perpetrados por organizações

criminosas. Segue Eduardo Araújo da Silva:

[...] essa medida não goza de exclusividade para a apuração da criminalidade organizada, estendendo-se sua aplicação à apuração de outras infrações penais. Todavia, em razão de sua relevância para

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a apuração do crime organizado, cujos vultosos ganhos ilícitos acabam por desaguar em diversas contas bancárias e aplicações financeiras, geralmente localizadas em “paraísos fiscais” (SILVA, 2015, p. 118).

O sigilo bancário, como bem definido por Sérgio Carlos Covello, é “a

obrigação que tem os bancos de não revelar, salvo justa causa, as informações

que venham a obter em virtude de sua atividade profissional” (SILVA, 2015).

De tal forma, para Alexandre Rorato Maciel (2015, p. 160) leciona que

o sigilo fiscal “refere-se ao sigilo em relação à situação tributária dos

contribuintes, sejam estes pessoas físicas ou jurídicas”.

Segue:

[...] Os sigilos fiscal, bancário e financeiro são decorrências do direito à intimidade previsto no art. 5°, inc. X da Constituição Federal, uma vez que os dados a eles concernentes referem-se a particularidades sobre a intimidade e a vida privada do investigado, porém, não se trata de direito absoluto, devendo ceder frente ao interesse público na apuração criminal. (MACIEL, 2015, p. 160).

A Lei Complementar 105/01 dispõe que serão “prestadas pelo Banco

Central do Brasil, pela Comissão de Valores Mobiliários e pelas instituições

financeiras as informações ordenadas pelo Poder Judiciário”, e desta forma,

resta o caráter sigiloso preservado, conforme aduz Alexandre Rorato Maciel:

[...] O acesso restrito as partes, que delas não poderão servir-se para fins estranhos à lide, sendo que a quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração da prática de qualquer crime praticado por organização criminosa. (MACIEL, 2015, p. 162).

O Superior Tribunal de Justiça, ainda quando da Lei 4.595/64, segue o

entendimento firmado no art. 38 da referida lei:

[...] Assegurado no art. 38 da Lei n° 4.595/64, o sigilo bancário, as requisições feitas pelo Ministério Público que impliquem violação ao referido sigilo, devem submeter-se, primeiramente, a apreciação do Judiciário, que poderá, de acordo com a conveniência, deferir ou não, sob pena de incorrer em abuso de autoridade. (Lei nº 4.595/64).

No entanto, a Lei Complementar n° 105/01 não previu quais seriam os

procedimentos, requisitos ou legitimidade para se requerer a medida, e dessa

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forma prevalece o entendimento de que se use por analogia a Lei n° 9.296/96,

no que couber.

5.7 COOPERAÇÃO ENTRE ÓRGÃOS ESTATAIS NA BUSCA DE PROVAS E

INFORMAÇÕES DE INTERESSE DA INVESTIGAÇÃO OU PERSECUÇÃO

CRIMINAL

Não se refere bem como um meio de prova, mas sim de uma

estratégia, como apresenta Eduardo Araújo da Silva (2015) “que pode

possibilitar a obtenção de provas”, as quais constam nos arquivos dos entes

estatais previamente elencados no art. 3°, VIII da Lei n° 12.850/13, onde prevê

a “Cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais e municipais na

busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução

criminal”.

Em lições de Eduardo Araújo da Silva (2015), em face da característica

multiforme da macro-criminalidade perante a configuração de conexões

nacionais e internacionais, “tal medida é sempre recomendável”.

Em suas palavras:

[...] A criação de um banco de dados nacional e de organismos estaduais e nacional congregando as instituições responsáveis pela persecução penal, para intercâmbio de informações, também seriam medidas bem-vindas para a melhor compreensão do desenvolvimento e das mutações da criminalidade organizada, a fim de que sejam adotadas políticas mais eficazes na apuração do fenômeno. (SILVA, 2015, p. 124).

O art. 28 da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado

Transnacional, conhecida por Convenção de Palermo, disciplina o tema nos

seguintes termos:

[...] 1. Cada Estado Parte considerará a possibilidade de analisar, em consulta com os meios científicos e universitários, as tendências da criminalidade organizada no seu território, as circunstâncias em que opera e os grupos profissionais e tecnologias envolvidas. 2. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de se desenvolver as suas capacidades de análise das atividades criminosas organizadas e de as partilhar diretamente entre si e por intermédio das organizações internacionais e regionais. Para este efeito deverão ser elaboradas e aplicadas, quando for o caso, definições, normas e metodologias comuns.

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3. Cada Estado Parte considerará o estabelecimento de meios de acompanhamento das suas políticas e das medidas tomadas para combater o crime organizado, avaliando a sua aplicação e eficácia. (CONVENÇÃO DE PALERMO, art. 28).

Por fim, Alexandre Rorato. Maciel (2015) aduz que a macro-

criminalidade vislumbra, no fenômeno da globalização, grande oportunidade de

ampliar seus negócios ilícitos, objetivando maiores lucros. Diante dessa

situação peculiar e menos usual, o ESTADO “não pode dar a mesma solução

que quando está tratando de um delito intrafronteiras”. Ou seja, deve aplicar

uma resposta diferenciada e especial, a exemplo, sobre o tráfico de drogas ou

lavagem de dinheiro em paraísos fiscais, encontrar meios específicos

diferenciados aos demais. “E este tratamento diferente do crime organizado

além-fronteiras só será bem sucedido com a cooperação jurídica penal entre os

diversos países”.

Vale ressaltar, com a base de Alexandre Rorato Maciel (2015) que

apesar de houver existência de acordos de cooperação penal internacional,

esta deverá resguardar, sempre, o devido processo legal bem como as

garantias mínimas do investigado ou acusado, provenientes de declarações de

direitos humanos, a exemplo, a Convenção Americana de Direitos Humanos ea

Convenção Europeia de Direitos Humanos.

Em suma, percebe-se a necessidade, bem como a relevância e

tratamento do direito contemporâneo ao disciplinar, de forma diferenciada, os

meios de obtenção de prova elencados na referida Lei de Organizações

Criminosas (N° 12.850/13) e demais leis com matérias correlatas, visto que a

macro-criminalidade organizada possuem uma série de medidas que dificultam,

e muito, a função do Estado ao angariar elementos suficientes para que se

obtenha sucesso no alcance dos responsáveis pelo comando das mais

diversas organizações criminosas e, assim, desmantelar as mesmas.

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6CONCLUSÃO

A falta de políticas públicas adequadas por parte do Estado,

conjuntamente com a falta de melhor estruturação dos órgãos responsáveis na

repressão da criminalidade e manutenção da segurança pública incorre num

crescimento exacerbado por parte dos criminosos atuantes em nosso país.

Entendo que, embora saibamos que o Estado nem sempre atue de

forma “satisfatória” contra a criminalidade organizada, este vem tutelando

matérias em leis específicas e tratados correspondentes, bem como

fomentando jurisprudências mais favoráveis ao Estado, visando o interesse

público e objetivando a viabilização de melhores condições de trabalho aos

magistrados, promotores, delegados e demais policiais no tocante a

investigação e persecução processual criminal, buscando, assim, a devida

eficiência na repressão ao crime organizado.

De tal forma, acredito que o Estado encontra-se no caminho certo,

pois, como muitos doutrinadores lecionam, não há como enfrentar as

instituições criminosas como às conhecemos, com base nos procedimentos

usuais, aqueles aplicados aos demais perpetradores de crimes, sendo que tais

organizações atuantes na macro-criminalidade tem poderio suficiente para

suprimir eventuais provas que os prejudiquem. Seguindo esta concepção, não

há como enfrentá-las, de igual modo, sem instrumentos legais e

jurisprudenciais específicos e especiais que fomentem formas de combatê-las

de maneira diferenciada, principalmente no tocante àquelas organizações

criminosas que atuam além das fronteiras, sob a transnacionalidade.

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