organização, formação e atuação policial durante a oligarquia accioly_artigo

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Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH • São Paulo, julho 2011 1 ORGANIZAÇÃO, FORMAÇÃO E ATUAÇÃO POLICIAL DURANTE A OLIGARQUIA ACCIOLYEM FORTALEZA-CE (1896-1912) Carlos Henrique Moura Barbosa Duas ou três palavras iniciais Os fortalezenses dos primeiros anos da República presenciaram a composição ou a formação de uma oligarquia encabeçada por um chefe político dos tempos do Império, o Sr. Antonio Pinto Nogueira Accioly. Os políticos estaduais, inclusive o Sr. Accioly, passaram a estreitar laços com o governo Federal, principalmente, a partir do Governo Campos Salles e a sua “Política dos Governadores”. As fraudes eleitorais, os votos de cabrestos, os currais de eleitores espraiavam-se por todo o estado cearense. A “violência política” não se dava apenas nas urnas ou nos períodos eleitorais. Vários foram os contratos dos serviços públicos realizados por familiares 1 e amigos, empréstimos realizados sem conhecimento da população fortalezense, o alto honorário do Governador, o monopólio de venda de carnes, peixes e outros produtos e, principalmente, a repressão e as perseguições policiais. O presente ensaio é constituído de algumas reflexões que estão sendo desenvolvidas na minha tese de doutorado 2 . Objetivar-se-á neste texto esboçar questões relacionadas à organização, a formação, a atuação e a função da polícia na capital cearense durante a “Oligarquia Accioly” que vigorou entre 1896 a 1912. A partir da leitura das fontes percebeu-se a existência de duas forças policiais: o “Batalhão de Segurança” e a “Guarda Cívica”. Estas duas forças tinham uma formação militar e a Universidade Federal de Santa Catarina, Doutorando em História Cultural, Bolsista CAPES. 1 “A família, entretanto, já estava toda muito bem colocada e todos, que eram paupérrimos antes do governo Accioly, estavam abastados, como provam os palacetes que edificaram (...). Todos os filhos do Sr. Accioly tinham empregos vitalícios e mais de um”. (TEÓPHILO, 1914, p. 39). 2 O presente ensaio faz parte de algumas reflexões da tese “Policiais e criminosos em Fortaleza durante a República Velha‟” que desenvolvo no doutorado do programa de pós-graduação em História Cultural da Universidade Federal de Santa Catarina, sob a orientação do Dr. Henrique Espada Lima na linha de pesquisa Trabalho, Sociedade, Cultura.

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  • Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho 2011 1

    ORGANIZAO, FORMAO E ATUAO POLICIAL DURANTE A

    OLIGARQUIA ACCIOLY EM FORTALEZA-CE (1896-1912)

    Carlos Henrique Moura Barbosa

    Duas ou trs palavras iniciais

    Os fortalezenses dos primeiros anos da Repblica presenciaram a composio ou

    a formao de uma oligarquia encabeada por um chefe poltico dos tempos do Imprio,

    o Sr. Antonio Pinto Nogueira Accioly. Os polticos estaduais, inclusive o Sr. Accioly,

    passaram a estreitar laos com o governo Federal, principalmente, a partir do Governo

    Campos Salles e a sua Poltica dos Governadores. As fraudes eleitorais, os votos de

    cabrestos, os currais de eleitores espraiavam-se por todo o estado cearense.

    A violncia poltica no se dava apenas nas urnas ou nos perodos eleitorais.

    Vrios foram os contratos dos servios pblicos realizados por familiares1 e amigos,

    emprstimos realizados sem conhecimento da populao fortalezense, o alto honorrio

    do Governador, o monoplio de venda de carnes, peixes e outros produtos e,

    principalmente, a represso e as perseguies policiais.

    O presente ensaio constitudo de algumas reflexes que esto sendo

    desenvolvidas na minha tese de doutorado2. Objetivar-se- neste texto esboar questes

    relacionadas organizao, a formao, a atuao e a funo da polcia na capital

    cearense durante a Oligarquia Accioly que vigorou entre 1896 a 1912. A partir da

    leitura das fontes percebeu-se a existncia de duas foras policiais: o Batalho de

    Segurana e a Guarda Cvica. Estas duas foras tinham uma formao militar e a

    Universidade Federal de Santa Catarina, Doutorando em Histria Cultural, Bolsista CAPES.

    1 A famlia, entretanto, j estava toda muito bem colocada e todos, que eram pauprrimos antes do governo Accioly, estavam abastados, como provam os palacetes que edificaram (...). Todos os filhos

    do Sr. Accioly tinham empregos vitalcios e mais de um. (TEPHILO, 1914, p. 39).

    2 O presente ensaio faz parte de algumas reflexes da tese Policiais e criminosos em Fortaleza durante a Repblica Velha que desenvolvo no doutorado do programa de ps-graduao em Histria Cultural da Universidade Federal de Santa Catarina, sob a orientao do Dr. Henrique Espada Lima na linha de

    pesquisa Trabalho, Sociedade, Cultura.

  • Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho 2011 2

    funo de manter a ordem na capital. O incio do perodo republicano um momento

    em que vrias polcias estaduais passaram por um processo de militarizao. Assim,

    percebeu-se que os homens responsveis pelo policiamento de Fortaleza estavam em

    constante dilogo com a organizao, a formao e a atuao de instituies policiais de

    outros estados que passavam pelo mesmo processo, especialmente, a polcia de So

    Paulo que teve a presena de representantes do Exrcito francs, entre 1906 a 1914, no

    treinamento de sua Fora Pblica, a chamada Misso Francesa. Destacar-se-,

    tambm, a ao de uma Polcia Secreta responsvel pela perseguio e represso dos

    adversrios polticos da oligarquia. Possivelmente, pode-se inferir que a polcia em

    Fortaleza neste perodo foi constituda a partir da interseco de uma doutrina militar

    policia, de interesses privados e da experincia dos policiais no cotidiano das ruas.

    Para a feitura do ensaio utilizar-se- uma massa documental composta por mensagens

    de presidentes do Estado, memorialistas, telegramas e jornais.

    Batalho de Segurana e Guarda Cvica: as foras policiais de Fortaleza

    No perodo estudado, o policiamento da rea central da cidade de Fortaleza era

    realizado, oficialmente, por duas foras policiais. A Guarda Cvica que tinha como

    funo principal auxiliar a autoridade policial na preveno e execuo das posturas

    municipais (FONTELES NETO, 2005; 37) e o Batalho de Segurana que auxiliava a

    Guarda Cvica. O Batalho de Segurana era constitudo por uma infantaria e um

    esquadro de cavalaria que ficou conhecida pelas aes repressivas contra a populao.

    No incio do Governo de Antonio Pinto Nogueira Accioly, em 1896, percebe-se

    um maior interesse na organizao do Batalho de Segurana para a manuteno da

    ordem pblica 3. A poca o Batalho estava sob o comando do Coronel Francisco

    Cabral da Silveira. J a Guarda Cvica fica subordinada as ordens do Major Menezes

    Lyra.

    Durante o Governo de Pedro Augusto Borges (1900-1904) a Guarda Cvica fora

    extinta e todos os seus oficiais e praas validas foram remanejadas para o Batalho de

    3 Mensagem apresentada a Assemblia Legislativa do Cear pelo presidente do Estado Antonio Pinto

    Nogueira Accioly, em 1 de julho de 1897.

  • Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho 2011 3

    Segurana. A justificativa do ento presidente foi a necessidade de cortar gastos dos

    cofres pblicos. O mesmo afirmava em 1901 que,

    (...) para o corrente ano, extinguiu, no artigo. 2, a Guarda Cvica, sendo

    seus oficiais e praas validas transferidos para o Batalho de Segurana,

    cujo efetivo, pela fuso operada, se elevou a 535 praas e 28 officiaes, com

    uma seco de cavalaria formada com as mesmas praas do corpo4.

    Com a extino da Guarda Cvica houve um aumento da corporao do Batalho

    de Segurana, o que, talvez, permita enxergar o interesse de fortalecer esta corporao.

    O policiamento de Fortaleza, no perodo em que Pedro Borges esteve frente do

    governo, ficou nica e exclusivamente ao encargo do Batalho de Segurana. Nas

    localidades do interior o policiamento ficou sob responsabilidade dos poderes locais.

    No entanto, ao voltar liderana do Estado, em 1904, Nogueira Accioly reitera

    diversas vezes a necessidade de se criar uma polcia civil para fazer o trabalho de

    policiamento da Capital. E no ano de 1905, asseverava atravs de mensagem que,

    Conviria modificar o regime a que est subordinado to importante servio,

    criando a policia civil com funes distintas das que por sua natureza

    incumbem a propriamente militar, destoando manuteno da ordem e

    defesa dos poderes constitudos.

    A partir de 1907, a cidade de Fortaleza passou a ser policiada pela Guarda

    Cvica criada pela lei n 884 do ms de agosto de 1906. Todo o corpo de policiais da

    Guarda Cvica foi escolhido entre os homens do Batalho de Segurana. Possivelmente,

    toda a formao da polcia civil, responsvel pelo trabalho de policiamento da

    Capital, tenha sido feita dentro da caserna.

    valido notar que Nogueira Accioly enfatiza em suas mensagens que o

    Batalho de Segurana possua uma Organizao modelar pelo seu esprito de

    disciplina e uma instruo militar que cuidadosamente lhe h sido ministrada.

    Interessante notar que nos autos escales das duas foras que policiavam a cidade

    encontravam-se homens com formao militar.

    A pesquisadora Regina Clia Pedroso, em Estado autoritrio e ideologia

    policial (PEDROSO, 2005), discutiu a trajetria da instituio policial no Brasil e

    acabou por observar a existncia de uma doutrina militar policial que fazia parte da

    4 Mensagem apresentada a Assemblia Legislativa do Cear pelo Presidente do Estado Dr. Pedro Augusto

    Borges, em 1 de julho de 1901, p. 09.

  • Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho 2011 4

    sistemtica da ideologia do Estado Republicano que comeou a ser implantado em 15

    de novembro de 1889.

    Para Pedroso a doutrina militar policial tivera seu incio em So Paulo no ano

    de 1906 com a implementao de tcnicas de treinamento pelo Exrcito francs na

    Fora Pblica. A Fora Pblica de So Paulo ficou conhecida como o pequeno exrcito

    paulista (DALLARI, 1977) a partir da Misso Francesa que durou de 1906-1914 5.

    Sobre a militarizao da polcia paulista Pedroso, ainda, afirma que,

    Com relao militarizao da polcia paulista, esta no s se restringia

    parte operacional de doutrinao da tropa. Em setembro de 1909, o coronel

    Paul Balagny apresentou a Washington Luis, Secretrio de Justia e da

    Segurana pblica do Estado de So Paulo, um projeto para a

    complementao do armamento e o equipamento da Fora Pblica, com o

    intuito de combate imediato, conforme o mtodo moderno de guerrear. Com

    um custo total de oitenta e oito mil ris, previa a compra de metralhadoras,

    sub-metralhadoras, barracas, ferramentas diversas, equipamento para

    arreio da cavalaria, entre outros (PEDROSO, 2005; 84).

    Por esta poca, observa-se uma preocupao de Nogueira Accioly em dotar o

    Batalho de Segurana dos mais modernos armamentos, de aumentar o seu contingente,

    de construir um quartel devidamente aparelhado, alm de criar espaos para a formao

    e instruo de praas e oficiais.

    Em mensagem, de julho de 1907, Assemblia Legislativa, o ento Presidente

    do estado, comunicava que parte do armamento Comblain do Batalho encontrava-se

    em pssimo estado e que havia adquirido para substitu-lo as modernas carabinas

    Mauser, cujas experincias evidenciaram desde logo sua superioridade.6

    A Fora Pblica do estado passou a ser constituda, principalmente, pelo

    Batalho de Segurana e pelo Esquadro de Cavalaria. Em 1909, em mensagem a

    Assemblia Legislativa o Presidente do estado enfatizava mais uma vez, que

    Tanto o quartel do Batalho de Segurana, como o do Esquadro de

    Cavalaria, se encontram nas melhores condies de asseio, higiene e

    segurana.

    5 Vale mencionar duas publicaes recentes que permitem alargar os estudos sobre a polcia paulista:

    SOUZA, Luiz Antonio Francisco de. Lei, cotidiano e cidade: polcia civil e prticas policiais na So

    Paulo republicana (1889-1939). So Paulo: IBCCRIM, 2009 e ROSEMBERG, Andr. De chumbo e

    festim: uma histria da polcia paulista no final do imprio. So Paulo: USP/FAPESP, 2010. As duas

    obras foram apresentadas primeiramente como tese de doutorado.

    6 Mensagem apresentada a Assemblia Legislativa do Cear pelo Presidente do Estado Dr. Antonio Pinto

    Nogueira Accioly, em 1 de julho de 1907, p. 25.

  • Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho 2011 5

    O armamento da infantaria, que era a carabina Comblain, est sendo

    substitudo pela Mauser, modelo alemo, cuja superioridade sobre aquela

    no pode mais ser objeto de duvida.

    A cavallaria est armada de lana Erhanlt e pistola Brownings, modelo

    belga7.

    Entre os anos de 1909 e 1911, o Governo adquiriu para o Batalho de Segurana

    e o Esquadro de Cavalaria carabinas Mauser, lanas Erhanlt, pistolas Brownings e

    mosquetes. Exatamente, em 24 de maio de 1911, foi inaugurado um belo e vasto

    quartel para o Batalho de Segurana, localizado na praa Bejamin Constant nos

    arrabaldes da Aldeota8.

    Foi neste momento que se organizou a Escola Regimental do Batalho que

    tinha uma mdia diria de 31 alunos constitudos de praas e filhos dos mesmos. Em

    1910, mirando-se no que tem feito outros Estados, o Dr. Nogueira Accioly informava

    que os mesmos ao lado da instruo tcnica da sua fora pblica, no descuram da

    intelectual e pedia que a Assemblia autorizasse o Governo a criar para os oficiais um

    curso composto das disciplinas mais necessrias prtica da vida. 9

    Haja vista que no ano de 1910, em So Paulo, estabeleceu-se uma reforma

    voltada formao dos soldados e oficiais e criou-se uma Companhia Escola (visando

    instruir recrutas e os candidatos a cabo), um Curso de Instruo Geral (para oficiais

    superiores e inferiores), um Curso Especial de Instruo Geral (obrigatrio para oficiais

    inferiores) e uma Seco de Esgrima (destinada aos oficiais inferiores e praas).

    (PEDROSO, 2005; 84-85).

    Possivelmente, os homens responsveis pelo policiamento de Fortaleza pareciam

    estar em constante contato com as aes do Governo paulista no que se refere

    militarizao da polcia. Tudo indica que durante a Primeira Repblica as polcias

    legitimaram-se como instituies mantenedoras da ordem social e poltica.

    A militarizao das polcias estaduais, provavelmente, instituiu-se em

    consonncia com a ordem constitucional vigente. Talvez, este dilogo entre as polcias

    7 Mensagem apresentada a Assemblia Legislativa do Cear pelo Presidente do Estado Dr. Antonio Pinto

    Nogueira Accioly, em 1 de julho de 1909, p. 11.

    8 Mensagem apresentada a Assemblia Legislativa do Cear pelo Presidente do Estado Dr. Antonio Pinto

    Nogueira Accioly, em 1 de julho de 1911, pp. 34-37.

    9 Mensagem apresentada a Assemblia Legislativa do Cear pelo Presidente do Estado Dr. Antonio Pinto

    Nogueira Accioly, em 1 de julho de 1910, p. 10.

  • Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho 2011 6

    estaduais permita enxergar um projeto republicano de manuteno da ordem poltica e

    social.

    O novo regime tendo como lastro justificador a manuteno da ordem poltica e

    social possibilitou que a atuao policial nas ruas de Fortaleza fosse marcada, em

    muitos momentos, por perseguies e represses contra adversrios polticos e at

    mesmo contra as manifestaes realizadas pela populao fortalezense.

    Perseguies policiais: os secretas

    Alguns memorialistas, que sofreram com as perseguies da polcia, recordam-

    se da existncia de policiais que atuavam disfarados, conhecidos como secretas. Estes

    agentes que no usavam farda, conhecidos como secretas, tiveram uma forte

    participao no espao urbano de So Paulo no incio do perodo Republicano,

    principalmente, na perseguio e na represso aos militantes anarquistas. Segundo Leal,

    estes policiais que agiam a paisana eram conhecidos em So Paulo como agentes de

    segurana, agentes secretos ou simplesmente como secretas. (LEAL, 2006).

    O segundo mandato do Sr. Accioly (1904-1908) teve incio com derramamento

    de sangue. O Capito Antonio Clementino de Oliveira diretor do Jornal do Cear,

    folha que fazia oposio a administrao aciolina, foi vitimado por uma emboscada

    planejada por policiais. Ao sair de sua residncia rumo redao, do jornal, foi agredido

    at ficar sem sentidos, dentro de um lago de sangue (TEPHILO, 1914, p. 21). O

    Coronel Agapito Jorge dos Santos, redator do Jornal do Cear, era constantemente

    perseguido por soldados da polcia disfarados e escapou trs vezes milagrosamente de

    ser assassinado em plena rua e de dia claro (TEPHILO, 1914, p. 55). Outro homem

    de jornal a ser agredido pelos chamados secretas foi o jornalista Amrico Fac que:

    Uma noite Fac entrava na praa do Marquez do Herval, em companhia de

    seu amigo Junqueira Guarany. Inesperadamente foi agredido pelas costas,

    recebendo uma cacetada na cabea que derribou. Os agressores eram

    quatro e s no o mataram por que Guarany, moo de grande coragem,

    sacou o estoque da bengala e se ps na defensiva do amigo. Ao mesmo tempo

    as famlias que estavam nas janelas, gritavam pedindo socorro.

    (TEPHILO, 1914, p. 56).

    poca, o estudante da Faculdade de Direito do Cear Joaquim Pimenta sofreu

    perseguies da polcia por publicar no Jornal do Cear crticas ao Conselheiro

  • Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho 2011 7

    Afonso Pena e escrever algumas linhas lamentando os rumos da Repblica. Puxando

    pela sua retentiva Pimenta recorda-se que,

    Eram mais ou menos trs horas da tarde; estava s, na repblica, com uma

    erisipela e febre alta, lendo o lys Rouge de Anatole France, quando ouvi

    bater na porta. Chegando janela, verifiquei que era um soldado com um

    convite do Delegado de Polcia, para que eu fosse sua presena. Disse-lhe

    que estava doente, que quase no podia andar, que iria quando melhorasse.

    Minutos aps, rumor de vozes na calada, e em seguida um empurro na

    porta, que cedeu entrada em tropel de seis policiais armados de sabre.

    Pensei no revlver metido na gaveta da escrivaninha, mas o instinto de

    conservao deteve-me diante do nmero de invasores. Dentre eles destacou-

    se um que deveria ser cabo ou sargento:

    - O recado no do Delegado, mas do Dr. Chefe de Polcia; e temos ordem

    de lev-lo vivo ou morto! (PIMENTA, 2009; 170). (Grifos do autor)

    Pimenta rememora que pelas ruas de Fortaleza era seguido por secretas vindos

    do serto, para servirem especialmente na Fora Pblica (PIMENTA, 2009; 178).

    Estes homens rondavam pelas caladas a paisana de cacete, chapu de palha de abas

    largas cadas sobre os olhos (PIMENTA, 2009; 177). Lembra-se que os soldados da

    polcia usavam carabinas e cartucheiras.

    Havia a preocupao por parte do governo com os homens de imprensa que

    escreviam nas folhas oposicionistas. Na madrugada do dia vinte e oito de janeiro de

    1906, alguns indivduos penetraram no edifcio do Unitrio, rua Formosa n 33,

    empastelaram os tipos e destroem alguns utenslios (STUART, 2001, p.179). Segundo

    Rodolpho Tephilo, o fiscal do Batalho de Segurana, Carneiro da Cunha, juntamente

    com o Imediato da Companhia de Aprendizes Marinheiro, Severino Maia, encabearam

    a destruio da tipografia do jornal Unitrio. Os dois responsveis eram amigos do Sr.

    Accioly.

    A polcia diante do ocorrido com a tipografia do jornal Unitrio procedeu a

    rigoroso inqurito (TEPHILO, 1914, p. 59), mas no chegou a nenhuma concluso,

    pois os dois suspeitos eram protegidos do governador. interessante notar que o

    Comandante do Batalho de Segurana, o Capito Raimundo Borges, era genro de

    Nogueira Accioly. Provavelmente, o Batalho de Segurana, a Guarda Cvica e a

    Polcia Secreta atuavam conjuntamente nas ruas da cidade.

    Os comerciantes que trabalhavam com a venda de carne no mercado pblico

    sofreram diversas violncias por parte da polcia. Criou-se um monoplio, por parte de

    alguns membros da oligarquia, da venda de carne e peixes. Aos soldados da Guarda

  • Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho 2011 8

    Cvica cabia tomar a carne e prender os vendedores. Vrias eram as incurses feitas por

    policiais disfarados pelos subrbios com o objetivo de caar os comerciantes de

    carne.

    Em 1908, um grupo de acadmicos da Faculdade de Direito do Cear

    organizaram protestos contra a reeleio de Nogueira Accioly. A sanha do governo

    concentrou-se em apenas dois estudantes Joaquim Pimenta e Florncio Alencar,

    considerados lderes e por isso foram presos, passando uma srie de vexames

    (ANDRADE, 1986, p. 92). A partir do incidente com os Acadmicos de Direito, o

    jornalista Frota Pessoa fez publicar nas folhas do Unitrio uma carta em apoio s

    aes dos estudantes:

    Mas, si vossa nsia e angstia so tais que tudo preferis a ignomnia da

    servido, ento tirai toda a peia ao vosso desespero e transformai-vos de

    caa em caadores (...) se vossa virtude cvica vos ordena a reagir, ento,

    decididos peremptoriamente pela ao fecunda, pela atitude violenta da

    insubmisso da represlia, da luta, em suma, decidi-vos pela revoluo10.

    Mesmo depois de sair da priso Joaquim Pimenta sofrera perseguies da

    polcia. Pimenta afirma que ao sair noite disfarava-se com cala de algodo, largo

    chapu de palha, desabado, quase tapando o rosto ou sem disfarce, porm sempre

    precavido at com os varredores de rua, que bem poderiam ser assalariados,

    dissimuladamente de tocaia (PIMENTA, 2009; 178). Lembra-se, ainda, que,

    Em uma dessas noites, entre nove e dez horas, estava em um dos quiosques

    da Praa do Ferreira, quando vi que em derredor estacionavam cerca de

    oito indivduos suspeitos. Outras pessoas que tambm os viram, foram

    cautelosamente saindo. Senti-me perdido, sem meios de defesa, ser ter para

    quem apelar. Por felicidade, do lado de fora, achava-se, sentado a uma

    mesinha de caf, o professor Raimundo Ribeiro, em companhia do major

    Batista, oficial reformado do Exrcito, tido por homem disposto. Avisado do

    que ocorria, levantou-se bruscamente e, vermelho de indignao, intimou-os

    a se retirarem, ao mesmo tempo que o Major me tomava, com a mo

    esquerda, pelo brao, enquanto com a direita, metia no bolso do palet,

    segurava o cabo do revlver. E assim me foi levar em casa, so e salvo.

    (PIMENTA, 2009; 178).

    Os indcios expostos neste item deixam entrever a presena nas ruas de Fortaleza

    de uma Polcia Secreta responsvel, principalmente, por perseguies polticas.

    Evidentemente, que o dilogo com outras fontes podem trazer mais vestgios sobre a

    10 Unitrio, 05/09/1908.

  • Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho 2011 9

    atuao dos chamados secretas durante a oligarquia encabeada por Nogueira

    Accioly. No mais, percebe-se que a ateno dos policiais que agiam disfarados

    voltava-se, principalmente, para os adversrios polticos da oligarquia.

    L vem a cavalaria!: represso policial nos conflitos de 1912

    As ruas, as praas, os cafs, as confeitarias eram veculos de informao.

    Espaos onde se discutiam as eleies de 1912 que estavam aproximando-se. As

    manifestaes por parte da oposio intensificavam-se como passeatas, reunies nas

    praas e em recintos fechados, distribuies de panfletos, discusses acaloradas nos

    cafs da praa do Ferreira. As criticas a oligarquia advinha de diversas direes,

    principalmente, de dois jornais o Unitrio e o Jornal do Cear, nestas duas folhas

    dirias concentravam-se crticos ferrenhos das aes polticas de Nogueira Accioly.

    Por seu turno, como estratgia do governo tanta a Guarda Cvica como a

    infantaria e a cavalaria do Batalho de Segurana participavam das represses as

    manifestaes de ruas em Fortaleza. Segundo relata Hermenegildo Firmeza,

    Havia, ento, um esquadro de cavalaria capaz de todas as arbitrariedades

    e cuja aproximao todos tremiam. Ficou mesmo clssica a ameaa L vem a cavalaria!, que era suficiente para estabelecer o pnico na multido (FIRMEZA, 1963; 28). (Grifos do autor)

    Exemplo do pnico causado pelo Esquadro da Cavalaria foi a noite de 29 de

    dezembro de 1911 onde ocorreu um intenso confronto em um dos cafs da praa do

    Ferreira. No Caf do Commercio encontravam-se alguns senhores conversando sobre

    a sucesso do Sr. Accioly. Encontravam-se nas imediaes da praa homens da Guarda

    Cvica e um piquete de cavalaria do Batalho de Segurana fazendo o policiamento e

    observando o falatrio no Caf do Commercio. Por volta das 7 horas e 30 minutos

    algumas crianas comearam a distribuir panfletos polticos. Imediatamente os policiais

    investiram contra quem estava no Caf do Commercio. A troca de tiros foi intensa

    entre policiais e os que estavam armados de revlveres. No dia 30 de dezembro foi

    profusamente distribudo um boletim narrando o fato da agresso da fora pblica,

    atacando em linguagem virulenta o governo do Estado e convidando o povo para a

    revoluo (TEPHILO, 1914, p. 91).

  • Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho 2011 10

    O ano de 1912 comeou bastante conturbado. Todos os dias fundavam-se

    associaes para apoiar o Coronel Marcos Franco Rabelo que era o candidato da

    oposio. Os meetings continuavam a acontecer e a represso policial a cada dia se

    intensificava. Os partidrios do governo, por meio do seu rgo oficial Repblica,

    intensificavam as crticas sobre os manifestantes afirmando que no passavam de

    arruaceiros, garotos e engraxates.

    Formou-se a Liga Feminista Franco Rabelo encabeada pelas senhoras D. Elvira

    Pinho, D. Maroca Sombra e D. Adelaide Amaral. Por meio de panfletos convidaram a

    populao fortalezense para um prstito no domingo, 14 de janeiro de 1912.

    Realizou-se efetivamente, na tarde do dia 14, o grande prstito da Liga

    Feminista Franco Rabelo, em homenagem ao seu candidato a presidncia do

    Cear no futuro quadrinio.

    Abria marcha bandeira brasileira, conduzida pelo Sr. Manoel Franco;

    seguia-se belssimo estandarte auriverde da sociedade Liga Feminista

    (...).(TEPHILO, 1914, p. 103).

    No domingo, logo aps a passeata da Liga Feminista, ocorreu uma passeata da

    Liga Infantil.

    A passeata saiu as quatro e meia horas da tarde da praa Marques de

    Herval e subiu pela rua General Sampaio.

    As crianas iam todas vestidas de branco, com laos de fita auriverde no

    peito sob uma pequena medalha com retrato de Franco Rabelo. Todas as

    Ligas Rabelistas se faziam representar com seus estandartes.

    Uma multido de mais de oito mil pessoas acompanhava o prstito

    aclamando em delrio o futuro presidente do Cear (TEPHILO, 1914, p.

    103).

    Ao chegar praa do Ferreira deparam-se com dois piquetes de cavalaria do

    Batalho de Segurana (um na face sudoeste com vinte policiais e outro na face

    nordeste). Muitas pessoas encontravam-se nas caladas e nos cafs nas imediaes da

    praa. Assustadas com a cavalaria da polcia puseram-se a ir para casa. Em um

    determinado momento ouviram-se tiros em uma das extremidades da praa, justamente

    onde se situava uma das cavalarias. Os homens da cavalaria empunhavam mosquetes

    (FIRMEZA, 1963; 30). Os soldados investiram sobre a massa popular, atirando sobre

    ela e esmagando os que caia pata de cavalo. (TEPHILO, 1914, p. 112). No caf

    Art-Nouveau, apinhado de crianas e senhoras, achavam-se homens armados que

    fizeram frente aos policiais a tiros de revlveres.

  • Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho 2011 11

    Um grupo de homens compostos pelos senhores, Jos Carvalho, industrial, Jos

    Colares, negociante, Raimundo Assuno, empregado da Estrada de Ferro de Baturit,

    Octvio de Souza, empregado do comrcio, Manoel Caminha, empregado do comrcio,

    Carlos Rocha e Vicente Antunes da Paz, todos armados de rifles percorreram na cala da

    noite alguns bairros da cidade (TEPHILO, 1914).

    No bairro Jacarecanga11

    , em frente casa do Sr. Alfredo Salgado12

    , encontrava-

    se um bonde que no pode mais sair, pois uma parte do grupo supracitado fez-no de

    barricada. Entrincheirados, os senhores Jos Carvalho, Otvio de Souza e Manoel

    Caminha, fizeram fogo cerrado sobre a casa do Sr. Jos Accioly (filho do Sr. Nogueira

    Accioly) e em contrapartida os policiais que faziam a guarda da residncia atiravam em

    direo ao bonde. Importante notar que nestes confrontos havia uma forte participao

    dos empregados do comrcio, como Otvio de Souza e Manoel Caminha que se

    armaram de rifles, na noite de 21 de janeiro de 1912. Muitos estavam no movimento

    para a deposio de Nogueira Accioly ao lado dos empregadores.

    Voltando para os tumultos urbanos, no dia 22 de janeiro logo aps os conflitos a

    praa do Ferreira estava ocupada tanto pela cavalaria do Batalho de Segurana como

    pela Guarda Cvica. A fora policial no Palcio do Governo foi reforada por mais de

    duzentos policiais e a Secretaria de Justia foi transformada em quartel com a presena

    de muitos policiais. A polcia ainda concentrou-se na Intendncia Municipal e no

    edifcio da Assemblia.

    Diante da situao um grupo de negociantes reuniu-se, logo no dia 22 de janeiro,

    em assemblia geral no edifcio da Associao Comercial. Puseram-se logo a levantar

    barricadas. A principal barricada era a da Travessa 24 de janeiro (hoje rua Guilherme

    Rocha), pois se situava defronte ao Palcio do Governo do Estado. De toda forma,

    muitos eram os grupos armados de rifles e revlveres tanto no centro da cidade como

    nos subrbios. Estes grupos que rondavam a cidade destruram a Avenida Nogueira

    Accioly, tirando as placas, quebrando esttuas, jarros e bancos. Incendiaram um caf

    que se situava na praa Marquez de Herval. Nestas revoltas urbanas percebe-se

    momentos de inverso, nos quais emergem significados ocultos, ou melhor, a leitura

    que feita por uma maioria marginalizada. Quebrar, destruir a Avenida Nogueira

    11 poca configurava-se como um bairro nobre da cidade.

    12 Comerciante que mantinha relaes comerciais com a Inglaterra.

  • Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho 2011 12

    Accioly era uma forma de instituir um contra-teatro no qual se teatralizava a deposio

    da oligarquia accioly. Talvez, os smbolos da oligarquia incomodassem

    cotidianamente os fortalezenses excludos. A revolta urbana configurava-se como um

    momento atpico no qual as insatisfaes e as regras do jogo eram postas as vistas.13

    Durante tarde do dia 22 de janeiro homens armados de rifles, em sua maioria

    empregados do comrcio e artistas (operrios), viraram alguns bondes no bairro

    Benfica (TEPHILO, 1914, p. 124) e depois arrancaram os trilhos fazendo com que o

    trfego fosse interrompido. Neste mesmo bairro o negociante Sr. Jos Vale (dono de

    uma mercearia) entrincheirou-se em uma das frentes do seu estabelecimento. O

    negociante fazia o policiamento contando com alguns de seus empregados armados14.

    O objetivo era interceptar o acessa a Fortaleza, pois o seu estabelecimento comercial

    ficava em um ponto estratgico da cidade que interrompia a entrada de mantimentos

    para as tropas da polcia.

    No centro de Fortaleza as tenses aumentavam a passos largos, em telegrama de

    22 de janeiro o Sr. Nogueira Accioly implorava ajuda ao inspetor militar Coronel Jos

    Faustino da Silva, pedia-lhe: mais o relevante servio de fazer verificar se exato que

    os arruaceiros desalojaram a guarda da Cadeia Pblica e tomaram conta desta, e neste

    caso, de mandar uma fora Federal guarnecer aquele edifcio. 15 No dia 23 de janeiro,

    outro telegrama do Sr. Accioly, direto do Palcio do Governo enviado para o inspetor

    militar Coronel Jos Faustino, dizendo que: Aqui tambm tem cado muitas balas,

    sendo que uma delas matou um soldado no vestbulo 16.

    O palcio do Governo estava totalmente cercado de barricadas e os telhados das

    casas que circundavam o edifcio estavam ocupados por revoltosos armados. Alm do

    cerco cortaram os encanamentos de gua e gs de iluminao do palcio. O inspetor

    Coronel Jos Faustino, em telegrama datado de 24 de janeiro, comunicava que: cidade

    13 Sobre teatro, contra-teatro, teatralizao ver: (THOMPSON, 2001, pp. 227-263);

    (DARNTON,1986, pp. 103-139).

    14 Fabiane Popinigis lembrou no que concerne ao Rio de Janeiro, (...) que as relaes de proximidade entre empregado e empregador que o pequeno comrcio proporcionava obedeciam ao acordo mtuo

    que se firmava nesse tipo de relao: recebia-o em sua casa (o que no era necessariamente uma

    vantagem!), ensinava-lhe o ofcio e protegia o empregado. Mas em troca exigia fidelidade incondicional o que significava explorao contnua e sem limites do trabalhador. (POPINIGIS, 2007, p. 174).

    15 Telegrama do Sr. Nogueira Accioly ao Coronel Jos Faustino da Silva, 22/01/1912.

    16 Telegrama do S. Nogueira Accioly ao Coronel Jos Faustino da Silva, 23/01/1912.

  • Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho 2011 13

    desde dia 22 em plena anarquia, bandos de populares armados atacando guardas

    policiais, edifcios pblicos, pondo-se em debandada, outros entrincheirados em pontos

    estratgicos oferecendo tenaz resistncia; polcia sempre posta em fuga, seu efetivo j

    muito reduzido por baixa e desero (...) 17. No dia 25 de janeiro, o Sr. Nogueira

    Accioly devido aos protestos urbanos iniciados na noite de 21 de janeiro renunciou e

    embarcou para o sul no vapor Par com alguns familiares e amigos prximos.

    Logo aps a deposio do Sr. Nogueira Accioly assumiu a presidncia do estado

    o interventor Coronel Antonio Frederico de Carvalho Motta que efetuou algumas

    mudanas nas foras policiais. Foi dissolvida a Guarda Cvica e organizado outro corpo

    policial que segundo o Coronel Antonio Motta foi composto de cidados escolhidos,

    que compenetrados da lei oferecesse melhor garantia manuteno da ordem

    pblica18. Devido s muitas deseres no Batalho de Segurana o ento presidente em

    exerccio dissolveu, tambm, o Batalho e o Esquadro de Cavalaria. A organizao da

    nova Fora Pblica, denominada Batalho Militar, ficou ao encargo do 1 tenente do

    Exrcito Joo Pinheiro da Costa. A nova polcia civil e o Batalho Militar ficariam

    responsveis pelo policiamento da Capital, j as localidades do interior ficariam ao

    encargo de uma Companhia Volante composta por 190 praas.

    Para finalizar, importante destacar que depois de 1912 muitas reformas na

    polcia aconteceram, principalmente, na gesto do Chefe de Polcia Dr. Jos Eduardo

    Torres Cmara entre 1916 a 1919. Neste perodo, pelo que se est percebendo, ocorreu

    uma srie de transformaes na concepo de polcia a nvel

    local/nacional/internacional19

    . No caso particular de Fortaleza entre 1896 a 1912 a

    organizao policial parece ter sido pautada em interesses privados e a partir de 1916

    ocorreu uma espcie de reforma policial moralizadora com a tentativa de implantao

    das novas tcnicas de investigao policial que chegavam da Europa20

    .

    17 Telegrama do Coronel Jos Faustino da Silva ao Ministro da Guerra, 24/01/1912.

    18 Mensagem apresentada a Assemblia Legislativa do Cear pelo presidente do Estado Coronel Antonio

    Frederico de Carvalho Motta, em 1 de julho de 1912.

    19 Para algumas reformas policiais que ocorreram na Frana, Inglaterra e Estados Unidos na passagem do

    sculo XIX para o XX, ver: LPEZ, Laurent. Les gendarmes et la cration ds brigades du Tigre la

    Belle poque. Criminocorpus, revue hypermdia [En ligne] Histoire de la Police, Articles. Mis em

    ligne Le 01 janvier 2009. URL: http://criminocorpus.revues.org/267. SOUZA, Lus Antonio Francisco

    de. Autoridade, violncia e reforma policial. A polcia preventiva atravs da historiografia de lngua

    inglesa. Estudos Histricos, Rio de Janeiro, vol. 12, n 22, 1998, p. 265-293.

    20 Ver: FONTELES NETO, Francisco Linhares. O Bobby nos trpicos? Consideraes sobre a

  • Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho 2011 14

    Repblica, instituio policial e oligarquia: algumas consideraes finais

    Mediante o que foi exposto durante o ensaio, percebe-se, por enquanto, que a

    formao da polcia durante a Oligarquia Accioly teve como uma de suas marcas os

    interesses particulares. Possivelmente, a instituio policial tornou-se na Repblica

    Velha objeto de manipulao poltica usada como mecanismo de gesto privada de

    conflitos (SOUZA, 2010; 84).

    No mais, deve-se ter o cuidado em alargar a leitura sobre a polcia e perceb-la

    como uma instituio que, tambm, estabelece suas prprias relaes de conflito e

    acordo com as elites, o Estado e os grupos populares (MAUCH, 2004; 36). No se

    deve cair no reducionismo de enxergar a polcia apenas como um instrumento de

    manipulao de um poder externo.

    Provavelmente, para se entender a instituio policial em Fortaleza no perodo

    entre 1896 e 1912 haja a necessidade de relacionar trs elementos: Repblica,

    Instituio Policial e Oligarquia. Este trinmio permite vislumbrar como os aparatos

    policiais foram constituindo-se na capital cearense no incio do perodo republicano.

    Enfim, h possibilidades que a polcia no final do sculo XIX e incio do sculo

    XX em Fortaleza tenha se organizado, no atravs de um projeto burgus de construo

    do Estado Nacional, mas da interseco de uma doutrina militar policial, de interesses

    polticos particulares (famlias, grupos polticos) e da realidade das ruas experienciada

    pelos policiais21

    .

    Bibliografia:

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    21 Marcos Bretas, sobre a polcia do Rio de Janeiro, afirma que a mesma no foi o resultado da aplicao de um projeto burgus, mas a construo resultante de respostas dadas a necessidade reais e imediatas,

    transformadas em saber institucional. (BRETAS, 1997).

  • Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho 2011 15

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