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flexibilização do trabalho

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  • Um olhar crtico sobre a flexibilizao da legislao trabalhista no Brasil sob um duplo vis: a flexisegurana e a precarizao dos vnculos trabalhistas

    Cssia Cristina Moretto da SilvaProfessora do Instituto Federal do Paran - IFPR Mestranda do Programa de Mestrado Interdisciplinar em Cincias Humanas - Universidade Tuiuti do Paran

  • ResumoA flexibilizao das relaes, fenmeno tpico da ps-modernidade, profundamente ligado tanto globalizao e ao neoliberalismo, lana-se sob os diferentes setores da sociedade contempornea. O direito do trabalho, concebido inicialmente como apto a garantir aos trabalhadores direitos de ordem laboral, passa ento a ser questionado no que se refere a sua rigidez, momento em que se clama por uma normatizao mais malevel em sede trabalhista. Neste contexto, passa-se ento a argumentar sobre a flexibilizao das legislaes do trabalho. Assim, o presente artigo tem por objetivo analisar a insero do elemento flexvel das relaes no mbito do direito do trabalho no Brasil, bem como, abordar, criticamente, dois de seus principais pontos, sendo eles: a flexisegurana e a precarizao dos vnculos trabalhistas. Para tanto, o estudo proposto pautar-se- pela anlise da legislao brasileira produzida sobre este assunto e tambm das obras doutrinrias que abordam a temtica aqui evidenciada.

    Palavras-chave: Flexibilizao. Flexisegurana. Precarizao dos vnculos trabalhistas.

    AbstractThe flexibility of the relations, a typical phenomenon of postmodernity, is deeply attached both to globalization and neoliberalism and it can be found in different sectors of contemporary society. The labor law, initially conceived as being able to guarantee the workers rights, starts to be questioned in terms of its hardness. At the same time, a more malleable norm towards the labor law is clamed. In this context, the labor laws flexibility starts to be discussed. This article aims to analyze the insertion of the flexible element in the Brazilians Labor Law relations, as well as discuss, critically, two of its main point: flexicurity and the casualization of labor ties. Therefore, the proposed study will be guided by the analysis of the Brazilian legislation produced about this question and also the doctrinal works that address these topics.

    Keywords: Flexibility. Flexicurity. Casualization of labor ties.

  • Introduo

    O direito do trabalho, fruto de uma intensa disputa

    de classes, surge como o ramo do direito que tem por

    objeto tutelar as relaes de trabalho em suas diferentes

    vicissitudes. Nota-se, inclusive, que foi especialmente

    a partir do sculo XX que se teve sua ascenso e

    fortalecimento, quer seja no contexto mundial, quer

    seja no Brasil.

    No entanto, no foram poucos os fenmenos

    sociais, histricos, polticos e econmicos que vieram

    a repercutir fortemente nas relaes de trabalho

    propriamente ditas, e que de alguma forma, acabaram

    por refletir-se no direito do trabalho, como exemplo,

    pode-se citar a globalizao, o neoliberalismo e a

    prpria condio experimentada na ps-modernidade.

    Tais conjecturas, que assumem diferentes formas

    conforme o contexto social analisado, vieram a se

    projetar no direito do trabalho por uma tendncia

    crescente que se conhece como flexibilizao do direito

    do trabalho.

  • Um olhar crtico sobre a flexibilizao da legislao...

    Tuiuti: Cincia e Cultura, n. 46, p. 95-114, Curitiba, 2013.

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    Observa-se que o direito do trabalho concebido

    inicialmente com a misso de proteger as relaes de

    trabalho, sobretudo, no que se refere perspectiva

    do trabalhador, durante o sculo XX, passa ento a

    sofrer influncias de diversas ordens, fala-se, inclusive,

    na relativizao de alguns de seus princpios at ento

    considerados canonizados pelo sistema jurdico

    vigente.

    Assim, o presente artigo tem por objetivo trabalhar

    com esta nova condio experimentada pelo direito

    do trabalho no contexto ps-moderno, isto , a

    flexibilizao da regras trabalhistas. Logo, inicia-se

    a anlise aqui proposta pela noo da flexibilizao

    propriamente dita e, na sequncia, dedica-se especial

    ateno as suas especificidades no Brasil e, ainda sobre

    dois temas latentes quando se fala em flexibilizao,

    sendo eles: a flexisegurana e a precarizao dos

    vnculos trabalhistas.

    1 Noo de flexibil izao e sua conceituao perante o direito do trabalho

    A palavra flexibilizao traz em seu bojo a ideia de

    ruptura com a rigidez, a noo de uma capacidade de

    se moldar a diferentes conjunturas, e a facilidade em

    se adaptar a diferentes contextos.

    Na contemporaneidade, tal terminologia vem

    sendo utilizada em diversos setores da sociedade,

    manejada conforme o contexto histrico-social

    experimentado. Como exemplo pode-se citar: o

    mbito poltico, sindical, laboral, econmico e

    empresarial. Para Arion Sayo Romita, a utilizao

    deste termo pelos diversos setores sociais citados,

    acontece em razo de que Todos, de modo geral, o

    admitem, porque ningum deseja aparecer como o

    defensor do contrrio, ou seja, da inflexibilidade.

    (ROMITA, 2008, p. 25).

    A palavra flexibilizao no aspecto laboral

    abrange, fundamentalmente, o modo de contratao

    dos trabalhadores, a durao do trabalho, o

    estabelecimento de salrios, negociao coletiva

    e as formas de cessao do contrato de trabalho.

    Isso porque a sociedade do trabalho experimentou

    durante as ltimas dcadas do sculo XX um grande

    desenvolvimento econmico, que, por vezes, lidara

    com crises econmicas. Logo, a sociedade capitalista,

    em pleno desenvolvimento, clamava por menos

    ingerncias do Estado e das entidades sindicais nas

    formas de se organizar o trabalho.

    David Harvey (2000), em clssica obra intitulada

    Condio Ps-Moderna, afirma que existe verdadeira dificuldade em se teorizar a transio do fordismo para

    acumulao do flexvel, no contexto ps-moderno.

  • Tuiuti: Cincia e Cultura, n. 46, p. 95-114, Curitiba, 2013.

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    Aponta que uma das primeiras dificuldades est em se

    captar a natureza da mudana.

    Nesse sentido, David Harvey destaca com muita

    propriedade, a correlao existente entre a sociedade

    capitalista e a acumulao do flexvel ao afirmar

    que:

    [...] todas as evidncia (incluindo-se a as explicitamente arroladas por Marx) apontam para o fato de ser o capitalismo uma fora constantemente revolucionria da histria mundial, uma fora que reformula o mundo, criando configuraes novas e, com frequncia, sobremodo inesperadas. A acumulao do flexvel mostra-se, no mnimo, como uma nova configurao, requerendo, nessa qualidade, que submetamos a escrutnio as suas manifestaes com o cuidado e a seriedade exigidos, empregando, no obstante os instrumentos tericos concebidos por Marx. (HARVEY, 2000, p. 176)

    Assim, a assimilao da noo de flexibilidade

    se reflete, fortemente, sob o cenrio jurdico das

    relaes trabalhistas, eis que, acabou por influenciar,

    profundamente, a prpria organizao das relaes

    laborais.

    Em sede juslaboral, Arion Sayo Romita afirma que

    [...] O Direito do Trabalho passou a ser questionado.

    O poder dos trabalhadores organizados em sindicatos

    passou a ser hostilizado: reclamava-se menor ingerncia

    dos sindicatos. (ROMITA, 2008, p.25).

    Arion Sayo Romita evidencia, inclusive, a

    priorizao de alguns aspectos neste sistema:

    [...] Horrios personalizados, acomodao do tempo de servio, salrios dependentes dos resultados e do interesse revelado pelos empregados, crculos de qualidade, equipes autnomas, transferncia da gesto, negociao mediante mtuas concesses, integrao do trabalhador na vida da empresa [...] (ROMITA, 2008, p.25).

    Tudo isso com o objetivo de se obter a melhor

    produtividade, com a maior lucratividade e a melhor

    relao custo X benefcio.

    Arion Sayo Romita descreve com propriedade, o

    contexto poltico e social que permeia a assimilao

    do elemento flexvel:

    [...] A nova poltica social, patronal, desenvolvida para enfrentar a crise, depende de uma melhor produtividade do trabalho e seu instrumento a flexibilidade, conceito amplo, que cobre vasto espectro, desde uma flexibilidade das relaes scias (eliminao da rigidez jurdica), passando pela flexibilidade do aparato produtivo (automatizao) e chegando flexibilidade na utilizao da fora de trabalho (emprego de tempo de trabalho). (ROMITA, 2008, p.26).

    Desta forma, veja-se que a flexibilizao do

    direito do trabalho apresenta-se como um fenmeno

    permeado por fatores de diversas ordens e isso

    implica em muitas configuraes deste fenmeno

  • Um olhar crtico sobre a flexibilizao da legislao...

    Tuiuti: Cincia e Cultura, n. 46, p. 95-114, Curitiba, 2013.

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    nas diferentes sociedades, cada qual, com suas

    caractersticas peculiares.

    A par desta realidade multifacetada que permeia a

    seara trabalhista, muitos autores em sede de direito do

    trabalho, dedicaram especial ateno conceituao

    do que se entende por flexibilizao. Por oportuno,

    cabe-se apresentar o que se entende por flexibilizao

    no mbito do direito do trabalho a partir dos conceitos

    apresentados por alguns dos principais estudiosos da

    matria no cenrio jurdico brasileiro atual.

    Inicialmente, Amauri Mascaro Nascimento,

    aps contextualizar o surgimento e o prprio

    desenvolvimento do direito do trabalho com os

    fenmenos scio-econmicos da sociedade, toma a

    palavra flexibilizao para identificar toda medida

    em direito do trabalho, destinada a reconhecer que

    a lei trabalhista e sua aplicao no podem ignorar

    os imperativos do desenvolvimento econmico.

    (NASCIMENTO, 2011,p. 117).

    Veja-se que Amauri Mascaro Nascimento

    identifica a flexibilizao como o momento em que

    o direito do trabalho internaliza reclames da ordem

    econmica.

    Arnaldo Sssekin (2005), em obra clssica que

    trata das instituies no mbito do direito do trabalho,

    explica o que se entende por flexibilizao no cenrio

    trabalhista ao escrever que:

    Com a flexibilizao, os sistemas legais preveem formas opcionais ou flexveis de estipulaes de condies de trabalho, seja pelos instrumentos da negociao coletiva, ou pelos contratos individuais de trabalho, seja pelos prprios empresrios. Por conseguinte: a) amplia o espao para a complementao ou suplementao do ordenamento legal; b) permite a adaptao de normas cogentes a peculiaridades regionais, empresariais ou profissionais; c) admite derrogaes de condies anteriormente ajustadas, para adapt-las a situaes conjunturais, mtodos de trabalho ou implementao de nova tecnologia. (SSSEKIND, 2005, p. 206).

    Ressalta Arnaldo Sssekin o carter malevel dado as

    normas trabalhistas pela adoo de medidas que tem por

    finalidade flexibilizar a legislao do trabalho no Brasil.

    Nesse sentido tambm escreve Jlio Assuno

    Malhadas (1991), em obra dedicada ao estudo do

    direito do trabalho, em especial sob o ponto de vista

    constitucional, uma vez que explica sob qual situao

    se enseja a flexibilizao:

    [...] a possibilidade de as partes trabalhador e empresa estabelecerem, diretamente ou atravs de suas entidades sindicais, a regulamentao de suas relaes sem total subordinao ao Estado, procurando regul-las na forma que melhor atenda aos interesses de cada um, trocando recprocas concesses. (MALHADAS, 1991, p. 143 apud MARTINS, 2009, p. 12).

    Da lio de Jlio Assuno Malhadas evidencia-

    se o eminentemente carter de acordo de vontades

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    presente nas relaes de trabalho quando o assunto

    flexibilizao.

    J Luiz Carlos Amorim Robortella (1994), em obra

    que estuda e analisa o moderno direito do trabalho,

    conceitua a flexibilizao do Direito do trabalho como

    sendo:

    [...] o instrumento de poltica social caracterizado pela adaptao constante das normas jurdicas realidade econmica, social e institucional, mediante intensa participao de trabalhadores e empresrios, para eficaz regulamentao do mercado de trabalho, tendo como objetivos o desenvolvimento econmico e o progresso social. (ROBORTELLA, 1994, p.27 apud MARTINS, 2009, p. 12)

    Nota-se que o conceito apresentado tem na

    articulao conjunta da classe operria e da classe

    empregadora o mecanismo legitimador para a

    negociao de alguns caracteres da relao de

    trabalho.

    Tambm Srgio Pinto Martins (2009), em obra que

    trata da temtica em foco, conceitua a flexibilizao das

    condies de trabalho como sendo [...] o conjunto

    de regras que tem por objetivo instituir mecanismos

    tendentes a compatibilizar as mudanas de ordem

    econmica, tecnolgica, poltica ou social existente

    na relao entre o capital e o trabalho. (MARTINS,

    2009, p. 13).

    Observa-se que para Srgio Pinto Martins a

    flexibilizao no alcana o direito do trabalho em si,

    mas sim as condies segundo as quais o labor acontece

    na sociedade contempornea.

    Nota-se das definies aqui colocadas que a

    flexibilizao surge com o objetivo de dar maior

    maleabilidade s regras trabalhistas, de modo a permitir,

    em certa medida, a adaptao das mesmas as diferentes

    situaes concretas.

    No entanto, importante que se destaque:

    a flexibilizao no pode ser confundida com

    desregulamentao, pois se tratam de duas situaes

    jurdicas distintas.

    1.1 A flexibilizao e a desregulamentao

    Conforme se pode observar do tpico antecessor

    inmeras so as definies que buscam delinear a

    flexibilizao da legislao trabalhista. Ponto comum

    entre as vrias definies existentes associao deste

    neologismo, flexibilizao, de modo a tornar o direito

    do trabalho mais elstico e malevel, diante da realidade

    complexa que se experimenta na ps-modernidade.

    Assim, apresenta-se como fundamental a distino

    entre flexibilizao e desregulamentao. Isso porque,

    enquanto que, de um lado, a flexibilizao das leis

    do trabalho surge com o objetivo de permitir que

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    instrumentos legtimos possam acordar determinadas

    condies de trabalho em uma dada situao ftica,

    de outro lado, a desregulamentao, consiste na

    situao de total retirada do aparato normativo legal

    obrigatrio, norteador das relaes de trabalho.

    Srgio Pinto Martins cuidou em diferenciar estes

    dois institutos ao separ-los, conceitualmente, da

    seguinte maneira, primeiro apresentando o conceito

    de desregulamentao:

    [...] Desregulamentao significa desprover de normas heternomas as relaes de trabalho. Na desregulamentao, o Estado deixa de intervir na rea trabalhista, no havendo limites na lei para questes trabalhistas, que ficam a cargo da negociao individual ou coletiva. Na desregulamentao, a lei simplesmente deixa de existir, pois retirada a proteo do Estado em relao ao trabalhador. [...] (MARTINS, 2009, p. 14).

    Na sequncia, explica em paralelo, o segundo

    instituto, isto , a flexibilizao, ao escrever que:

    [...] Na flexibilizao so alteradas as regras existentes, diminuindo a interveno do Estado, porm garantindo um mnimo indispensvel de proteo ao empregado, para que este possa sobreviver, sendo a proteo mnima necessria. A flexibilizao feita com a participao do sindicato. Em certos casos, porm, permitida a negociao coletiva para modificar alguns direitos, como reduzir salrios, reduzir e compensar jornada de trabalho, como ocorre nas crises econmicas. (MARTINS, 2009, p. 14)

    Nota-se das definies de Srgio Pinto Martins que

    o trao distintivo desses conceitos a quantidade de

    autonomia presente, quer seja na desregulamentao, ou

    na flexibilizao. Isso porque enquanto na flexibilizao

    a autonomia mitigada pela interferncia do Estado e

    da entidade sindical, na desregulamentao a autonomia

    plena.

    Tambm Vilma Maria Inocncio Carli categrica

    ao explicar a diferena destes dois institutos ao afirmar

    que:

    [...] a desregulamentao do direito do trabalho seria uma forma mais radical de flexibilizao, na medida em que o Estado retiraria a proteo normativa conferida ao trabalhador, inclusive as garantias mnimas, permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva, regulasse as condies de trabalho e os direitos e obrigaes advindas da relao de emprego. Nota-se que a flexibilizao pressupe a interveno estatal, ainda que para assegurar garantias mnimas ao trabalhador, ou sociedade [...] (CARLI, 2005, p.86).

    Das palavras de Vilma Maria Inocncio Carli

    pode-se perceber que a desregulamentao prestigia

    a autonomia da vontade dos particulares quando da

    celebrao de um contrato de trabalho, na medida

    em que permite que estas mesmas partes escolham as

    regras que vo incidir sobre referido pacto, ao passo

    que a flexibilizao importa no exerccio restrito

  • Tuiuti: Cincia e Cultura, n. 46, p. 95-114, Curitiba, 2013.

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    desta autonomia, pois, por este prisma, cabe as partes

    acordarem somente sobre algumas das condies de

    trabalho eis que a maioria dos institutos trabalhistas

    continua regulada pelo Estado, dotados assim de fora

    obrigatria.

    Renata Nbrega Figueiredo Moraes cuidou em

    evidenciar a escopo da desregulamentao, qual seja:

    [...] uma reduo de normas coletivas, em benefcio da negociao individual e selvagem do contrato de trabalho, numa perspectiva do neoliberalismo. O referido discurso submete o direito do trabalho unicamente aos imperativos da administrao empresarial. Noutro sentido, trata-se de reduzir o legislado, ou o regulamentado, preponderando um direito negociado coletivamente pelos parceiros sociais, que tambm pode ser flexvel. Autonomia individual de um lado, e autonomia coletiva de outro. (MORAES, 2007, p. 124).

    Logo, possvel notar-se que a desregulamentao

    trata-se de um processo muito mais amplo que a

    mera flexibilizao das legislaes, pois d verdadeira

    liberdade na estipulao das diversas condies que

    possam reger um contrato de trabalho.

    Lygia Maria de Godoy Batista Cavalcanti utilizando-

    se dos ensinamentos de Siqueira Neto acaba por

    concluir, que a relao que envolve estes dois institutos,

    flexibilizao e a desregulamentao, se d nos dois

    termos seguintes:

    Flexibilizar no desregulamentar, mas regular de modo diverso do que est regulado. Todavia, vale lembrar que, de acordo com o grau dessa flexibilizao, pode-se chegar perto da fratura da norma existente, o que resulta em desregulamentao, com ou sem regulamentao substitutiva. O outro lado dessa flexibilizao e que constitui fator de risco a flexibilizao total da norma, que faz emergir uma norma mais rgida em sentido contrrio [...]. (CAVALCANTI, 2008, pp. 131-132).

    Esclarece a referida autora, de forma muito incisiva

    que a flexibilizao e a desregulamentao, em suas

    essencialidades so completamente diversas, mas admite

    que uma flexibilizao desenfreada possa conduzir a

    configurao de uma verdadeira desregulamentao.

    2 A flexibilizao e o direito do trabalho brasileiro

    Conforme se pode observar at aqui a flexibilizao

    apresenta-se como um fenmeno, caractersticos

    das ltimas dcadas e que, aqui no Brasil, ganhou

    amplitude principalmente pela insero do elemento

    flexibilizador de alguns aspectos do direito do trabalho

    na Constituio Federal de 1988.

    Isso porque a Constituio permitiu a reduo do

    salrio, a modificao da jornada de trabalho padro,

    bem como a desenvolvida em turnos de revezamento,

    a compensao das horas de trabalho extraordinrio

  • Um olhar crtico sobre a flexibilizao da legislao...

    Tuiuti: Cincia e Cultura, n. 46, p. 95-114, Curitiba, 2013.

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    da relao de emprego, impondo como nica restrio

    a interveno do rgo sindical representante dos

    empregados, sob pena, inclusive, de ajustes desta

    natureza se apresentarem como invlidos perante o

    ordenamento jurdico ptrio.

    o que se depreende da leitura das regras

    laborais constitucionais postas nos artigos 7 at

    11 dentro do Ttulo II Dos Direitos e Garantias

    Fundamentais da Constituio Federal de 1988.

    Veja-se o contedo dos incisos VI, XIII e XIV do

    artigo 7, nos quais encontram-se os permissivos

    constitucionais f lexibilizao da legislao

    trabalhista:

    Art. 7 So direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alm de outros que visem melhoria de sua condio social:(...)VI - irredutibilidade do salrio, salvo o disposto em conveno ou acordo coletivo;XIII - durao do trabalho normal no superior a oito horas dirias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensao de horrios e a reduo da jornada, mediante acordo ou conveno coletiva de trabalho;XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociao coletiva;

    justamente do contedo das normas apontadas

    que se pode observar a possibilidade da reduo dos

    salrios, a alterao da durao da jornada de trabalho

    diria regular e a desenvolvida em turnos, mediante

    negociao coletiva.

    Com tal postura legislativa, pretende-se atribuir

    s leis do trabalho dinamicidade, momento em que

    o Estado passa a entender como vlido o fato de que

    alguns aspectos da relao de trabalho sejam acordados

    entre trabalhadores e empregadores, porm, coloca

    como condio imprescindvel a interveno do rgo

    classista que representa os trabalhadores.

    Igualmente a edio da smula 453 do Tribunal

    Superior do Trabalho caminha nesse sentido quando

    prev que: Estabelecida jornada superior a seis

    horas e limitada a oito horas por meio de regular

    negociao coletiva, os empregados submetidos a

    turnos ininterruptos de revezamento no tem direito ao

    pagamento da stima e oitava horas como extras..

    Tambm a Smula 364, em seu inciso II, do

    Tribunal Superior do Trabalho, mais um exemplo

    desta tendncia, nos seguintes termos: A fixao do

    adicional de periculosidade, em percentual inferior ao

    legal e proporcional ao tempo de exposio ao risco,

    deve ser respeitada, desde que pactuada em acordos ou

    convenes coletivas.

    No entanto, podem-se citar algumas leis advindas

    a partir da dcada de 1960 que j demonstravam

    inclinao do legislador trabalhista em estabelecer

    regras trabalhistas mais maleveis. Como exemplo,

  • Tuiuti: Cincia e Cultura, n. 46, p. 95-114, Curitiba, 2013.

    Cssia Cristina Moretto da Silva 105

    pode-se citar a edio da Lei 4.923/65 que veio a

    tratar de uma possibilidade de reduo de salrios,

    reduo esta limitada a 25% e mediante a interveno

    do sindicato da categoria. Tambm a Lei 5.107/66

    que instituiu o Fundo de Garantia por Tempo de

    Servio (FGTS) caminhou neste sentido, sendo que,

    os trabalhadores admitidos por este regime, poderiam

    ser despedidos sem que houvesse uma justa causa,

    rompendo-se, portanto, com o instituto da estabilidade

    empregatcia. E a Lei n 6.019/74 que veio a regular

    as formas de contratao temporria.

    Porm, a partir de 1990 que se pode observar, em

    terras brasileiras, um sinal de mudana na legislao do

    trabalhista mais evidente, motivado, em grande parte,

    segundo, Lygia Maria de Godoy Batista Cavalcanti pelo

    fato de que:

    [...] a reestruturao produtiva do capital passou-se a desenvolver intensamente no Brasil com a adoo do receiturio da acumulao do flexvel, a intensificao de lean production e a disseminao das formas de subcontrataes e terceirizaes da fora de trabalho. [...] (CAVALCANTI, 2008, p. 171).

    Nota-se, inclusive, segundo tal autora, que, a

    prpria situao poltica do Brasil passa ento por

    mudanas significativas, pois h uma tendncia de se

    enxugar a fora de trabalho de forma conjunta com

    a implementao de uma reorganizao do processo

    produtivo e uma estruturao do trabalho, pautado em

    parmetro sociais.

    contemporneo ao momento histrico brasileiro

    citado, a privatizao de vrias empresas pblicas, a

    crescente poltica empresarial de reduo do quadro de

    empregados nas organizaes, o incentivo adeso a

    planos de aposentadoria e de demisso voluntria em

    diversos setores econmicos, e o aumento expressivo

    da contratao de empregados terceirizados.

    Conforme bem destaca Lygia Maria de Godoy

    Batista Cavalcanti, [...] esses novos ditames supem

    uma ordem fundamental de estrutura organizacional

    flexvel que rompe com a lgica do emprego

    tradicional. [...] (CAVALCANTI, 2008, p. 173). Tudo

    isso, repercutiu de forma muito forte no contexto

    jurdico brasileiro.

    Passa-se, pois, a admitir a figura do banco de

    horas (situao em que o trabalhador que trabalha

    para alm de sua jornada de trabalho realizada

    horas-extras tem, mediante um acordo coletivo,

    estas horas compensadas em folga em outros dias,

    ao invs de receb-las em dinheiro acrescidas de

    adicional, conforme preconizava a legislao at ento).

    Tal possibilidade surgiu em razo da modificao

    do art. 59, 2 da CLT, por intermdio da medida

    provisria n 10709-3/98. Outro fato importante foi

    a publicao da Lei n 9.601/98 que veio a instituir

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    uma modalidade diferente de contrato de trabalho

    por prazo determinado, momento em que acabava

    por consolidar a adoo da tese flexibilizadora no

    direito do trabalho brasileiro, para alm da prtica

    de negociaes coletivas, conforme havia sinalizado

    a Carta Magna de 1988.

    Isso porque a lei em comento traz j em seu artigo

    primeiro a faculdade de toda e qualquer empresa,

    em toda e qualquer situao, desde que previsto nas

    convenes e acordos coletivos, contratar empregados a

    tempo determinado, sendo que a nica restrio imposta

    foi a de que, tais contrataes, implicassem aumento

    do quantitativo de empregados na organizao. E mais,

    tal legislao previa que empresas que contratassem

    por este regime gozariam de incentivos fiscais, porm

    estes vlidos at 2003, sendo que na atualidade, embora

    tal lei esteja ainda vigente perdeu-se um pouco de sua

    presteza, por ser na poca o ponto atrativo. Por isso,

    na opinio de Srgio Pinto Martins, A Lei n 9.601/98

    deveria ser revogada, pois a partir do momento em que

    no h incentivos fiscais para a contratao por prazo

    determinado, ela perdeu totalmente sua utilidade. [...].

    (MARTINS, 2009, p. 76).

    H que se mencionar tambm a instituio do

    trabalho a tempo parcial, entendido este como o que

    no exceda 25 horas semanais com o acrscimo do art.

    58-A na CLT por intermdio da Lei n 10.243/2001.

    Cabe destacar que neste regime, o salrio igualmente

    proporcional a jornada de trabalho desenvolvida.

    Tambm a Medida Provisria nmero 1.779-11/99

    surgiu trazendo alteraes no cenrio trabalhista eis

    que veio a inserir o art. 476 na CLT, momento em que

    se tem a instituio de um novo tipo de suspenso

    do contrato de trabalho destinada a atender os casos

    em que o empregado submete-se a qualificao

    profissional. Tal suspenso compreende um perodo

    de 2 (dois) a 5 (cinco) meses, momento em que o

    empregado percebe uma bolsa paga pelo FAT (Fundo

    de Amparo ao Trabalhador), sempre com a previso

    prvia em negociao coletiva da categoria.

    Assim, pode-se perceber que a flexibilizao da

    legislao trabalhista no Brasil, no pode alcanar

    os direitos mnimos assegurados pelo legislador

    constituinte de 1988, e ainda, quando se tratar de alterar

    os assuntos em que o legislador previu o permissivo

    da flexibilizao, h a restrio de tal negociao

    interveno dos sindicatos.

    Para Srgio Pinto Martins, a flexibilizao tem

    como causas vrios fatores: o desenvolvimento

    econmico, a globalizao, as crises econmicas, as

    mudanas tecnolgicas, os encargos sociais, o aumento

    do desemprego, os aspectos culturais, a economia

    informal, os aspectos sociolgicos (MARTINS, 2009,

    p. 34).

  • Tuiuti: Cincia e Cultura, n. 46, p. 95-114, Curitiba, 2013.

    Cssia Cristina Moretto da Silva 107

    Logo se atribui a esta flexibilizao das condies laborais, o meio de se garantir uma relao equilibrada no mbito do direito do trabalho, conforme argumenta Srgio Pinto Martins:

    A flexibilizao das normas do Direito do Trabalho visa assegurar um conjunto de regras mnimas ao trabalhador e em, contrapartida, a sobrevivncia da empresa por meio da modificao de comandos legais, procurando outorgar aos trabalhadores certos direitos mnimos e ao empregador a possibilidade de adaptao de seu negcio, mormente em pocas de crise econmicas. [...] (MARTINS, 2009, p. 39)

    Assim, apresentam-se, segundo mesmo autor, como tendncias do processo flexibilizador, o aumento da utilizao dos contratos atpicos, a instituio de outras formas de contratos por tempo determinado e a tempo parcial, a contratao de trabalhadores em domiclio e de estagirios, a modificao do mdulo semanal de trabalho para anual, a subcontratao e o trabalho informal. (MARTINS, 2009, p. 40)

    Neste contexto, o papel das organizaes sindicais se mostra como sendo muito importante, eis que se reservou a este tipo de organizao a misso de fiscalizar e deliberar, em mbito coletivo, acerca dos direitos dos trabalhadores.

    Tambm convm ressaltar a grande importncia da atuao dos tribunais trabalhistas no campo da flexibilizao, eis que foram esses, em ltima instncia,

    a quem foi dada a tarefa de verificar se as negociaes

    coletivas acontecem de forma vlida, segundo os

    preceitos vigentes no ordenamento jurdico ptrio.

    3 A flexisegurana

    Para os defensores da flexibilizao da legislao

    do trabalho, uma das justificativas mais fortes deste

    fenmeno a criao e a prpria manuteno de postos

    de trabalho.

    Porm, cabe destacar que no atribuio do

    direito do trabalho ser a fora motriz que impulsiona

    a economia a gerar novos empregos, logo no se pode

    afirmar, igualmente, que um ordenamento jurdico

    flexvel assegure o aumento da empregabilidade ou

    at mesmo contribua para a manuteno dos postos

    de trabalho existentes.

    Pois, conforme explica Arion Sayo Romita o

    mecanismo que alimenta tanto as contrataes como

    as despedidas trabalhistas esto sujeitas s regras do

    capital, e a efetivao do lucro, pois:

    No h empresrio que, por mais flexvel que seja a regulao do trabalho, contrate empregados se considerar que sua presena na empresa intil; da mesma forma, no h empresrio que, a despeito de toda a rigidez da lei, deixe de admitir um empregado se este for imprescindvel ao sistema produtivo. (ROMITA, 2008, p. 79).

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    Tuiuti: Cincia e Cultura, n. 46, p. 95-114, Curitiba, 2013.

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    o crescimento econmico somado as polticas pblicas de fomento ao desenvolvimento do capital que, em ltima anlise, so os responsveis pelo aumento dos nveis de empregabilidade.

    Logo, neste contexto apresenta-se o conceito de flexisegurana, como um neologismo, apto a designar a combinao de flexibilizao e segurana, no contexto econmico e social ps-moderno.

    Arion Sayo Romita, define com maestria o que se entende por flexisegurana:

    [...] A flexicurity (ou flexicurit, em francs) uma nova forma de equilibrar a flexibilidade e a segurana no mercado de trabalho ( no propriamente na empresa nem no emprego), baseada na observao de que a globalizao e o processo tecnolgico acarretam uma rpida evoluo das necessidades dos trabalhadores e das empresas. (ROMITA, 2008, pp. 80-81).

    No dinmico mercado global, para que as empresas possam permanecer de forma estvel e lucrativa, precisam estar constantemente se adaptando ao mercado e as novas condies impostas pelo regime capitalista neoliberal. Os empregados, por sua vez, esto conscientes de que para se manter em seu posto de trabalho e at mesmo conseguir alguma ascenso profissional precisam estar aptos a se adaptarem a novas condies de trabalho, reagindo com dinamismo, eficincia e criatividade s instabilidades tpicas da realidade ps-moderna.

    Quando a relao de emprego no se apresenta

    protegida tem-se um agravamento deste quadro,

    pois se dificulta o planejamento pelos trabalhadores

    da vida pessoal e tambm do lado profissional. A

    classe trabalhadora necessita de alguma garantia

    de estabilidade que tenha por finalidade assegurar

    um posto no mercado de trabalho, assim como, a

    possibilidade de dar-lhe capacidade de adaptaes

    s constantes mudanas e alteraes scio-

    econmicas, contemporneas a realidade vivenciada

    na atualidade.

    Logo, Arion Sayo Romita categrico ao afirmar o

    carter preponderantemente poltico da flexisegurana

    ao escrever que:

    Por isso, define-se a flexisegurana como estratgia poltica que tem por objetivo melhorar ao mesmo tempo a flexibilidade do mercado de trabalho e os novos mtodos de produo por um lado, e a segurana do empregado e dos rendimentos, por outro lado. (ROMITA, 2008, p. 81).

    Por este conceito, passa-se da preconizada segurana

    no emprego para a segurana da empregabilidade

    propriamente dita. H o privilgio da proteo da

    pessoa em detrimento da proteo do emprego.

    Valoriza-se a qualidade e a especializao.

    Por isso, diante da flexisegurana, impe-se o desafio

    [...] em se encontrar um ponto de equilbrio entre

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    Cssia Cristina Moretto da Silva 109

    a estabilidade e a flexibilidade, a fim de satisfazer as

    necessidades dos trabalhadores e de suas famlias quanto

    s necessidades das empresas. (ROMITA, 2008, p. 82).

    Este desafio apresenta-se como de difcil resoluo, dada

    a diversidade de fatores que o permeiam.

    Arion Sayo Romita oferece, ainda, uma possvel

    soluo ao desafio posto ao escrever que:

    [...] A soluo consiste na permanente participao dos interlocutores sociais e no dilogo autntico, desembaraado de ideologias, de preconceitos, de busca de resultados polticos a curto prazo. Tambm necessria a interveno do Estado, ditada por polticas de governos que no se limitem a ditar as regras do jogo, mas que tambm assumam um papel ativo. (ROMITA, 2008, pp. 82-83).

    Assim, por este vis, funo das leis trabalhistas e

    dos atores sociais (Estado, organizaes empresariais,

    sindicatos, e organismos sociais) buscarem a melhoria

    da vida do trabalho, tanto temporalmente como

    produtivamente e qualitativamente.

    4 A precar izao dos v nculos trabalhistas

    Conforme se pode observar, so muitos os fatores

    que durante os sculos XX e XXI, que influenciaram as

    relaes de trabalho e repercutiram fortemente sobre

    os vnculos trabalhistas. Dentre estes fatores, pode-se

    destacar: o fenmeno da globalizao, o neoliberalismo

    e o prprio contexto ps-moderno.

    Muitos autores apontam a crescente tendncia

    precarizao dos vnculos trabalhistas, tendncia esta

    que pode ser visualizada de forma mais clara quando

    se observam os ndices de desemprego das ltimas

    dcadas.

    Nesse sentido, Ricardo Antunes (2000) em clssica

    obra intitulada Os Sentidos do Trabalho destaca que a classe trabalhadora atual, classe essa identificada por

    ele como a classe que vive do trabalho, passa por um

    momento histrico no qual [...] pode-se constatar

    de um lado a intelectualizao do trabalho manual;

    de outro, e em sentido inverso, uma desqualificao

    e mesmo subproletarizao, expressa no trabalho

    precrio, informal, etc. [...] (ANTUNES, 2000,

    p. 214). H a existncia concomitante ao avano

    tecnolgico de uma necessidade de readequao da

    classe trabalhadora.

    Tambm Pierre Bourdieu (1998) escreveu sob este

    assunto e destaca que a precariedade das relaes pode

    ser observada nos mais diversos setores da sociedade

    contempornea, seja no mbito privado ou na esfera

    pblica, e destaca ainda que:

    [...] A precarizao afeta profundamente qualquer homem ou mulher exposto a seus efeitos; tornando o futuro incerto, ela impede qualquer antecipao racional e, especialmente, esse mnimo de

  • Um olhar crtico sobre a flexibilizao da legislao...

    Tuiuti: Cincia e Cultura, n. 46, p. 95-114, Curitiba, 2013.

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    crena e de esperana no futuro que preciso ter para se revoltar, sobretudo coletivamente, contra o presente, mesmo o intolervel. (BOURDIEU, 1998, p. 120).

    A precariedade apontada por Pierre Bourdieu

    projeta seus efeitos sobre todos os cidados causando

    instabilidades e inseguranas classe trabalhadora,

    sobretudo, quanto empregabilidade neste cenrio.

    Para Francisco Quintanilha Vras Neto pode o

    processo de precarizao apresentar o seu plano mais

    nefasto no seguinte aspecto:

    [...] pelo aumento do exrcito de reserva ampliado pela banalizao de competncias tcnicas e pela terceira revoluo microeletrnica iniciada nos anos 70 e 80, que permitiram ao longo dos anos 90, uma intensiva substituio tecnolgica do trabalho vivo, sendo que essas mudanas conferem ao trabalhador a impresso de que ele no insubstituvel e que o seu trabalho um privilgio quando comparado a situao de penria dos trabalhadores desempregados. [...] (VRAS NETO, 2008, pp. 392-393).

    Por este vis, estar inserido no mercado de trabalho,

    de forma pura e simples, passa a ser um privilgio.

    Aumenta-se, inclusive, a insegurana no mundo

    empregatcio, em face da volatilidade das relaes,

    o que, consequentemente, acaba por conduzir a

    um quadro de insegurana pessoal e existencial,

    comumente experimentado pelo trabalhador.

    Nesse contexto, a flexibilidade laboral, que difere

    da flexibilizao numrica (salrios e emprego)

    e da flexibilizao do capital (leasing, finalizao

    e terceirizao), pode apresentar-se como uma

    ferramenta que vem a contribuir com este processo de

    precarizao dos vnculos trabalhistas, na medida em

    que a incerteza e a explorao da produo acarretam

    a perda de postos de trabalho em diferentes setores

    da economia, de modo que [...] amplia-se a excluso

    social e a pobreza incluindo tambm, o aumento da

    economia informal, que sofre os efeitos e os impactos

    de uma maior precarizao, das relaes de trabalho

    [...] (VRAS NETO, 2008, p. 395).

    Assim, de acordo com esta linha de raciocnio,

    a flexibilizao um mecanismo que contribui

    para a precarizao, uma vez que se retira da classe

    trabalhadora garantias postas na legislao de outrora,

    sob o argumento de que um ordenamento jurdico

    rgido aumenta os custos de produo e onera de forma

    substanciosa o capital.

    Ainda, segundo Francisco Quintanilha Vras Neto,

    A lgica da precarizao flexibilizadora se manifesta

    por meio de tcnicas de terceirizao, que contribuem

    para uma maior fragmentao e precarizao dentro da

    situao de trabalho e das ocupaes jurdicas, e isso

    amplia os ganhos do capital, [...] (VERS NETO,

    2008, p. 428).

  • Tuiuti: Cincia e Cultura, n. 46, p. 95-114, Curitiba, 2013.

    Cssia Cristina Moretto da Silva 111

    Por esta linha de pensamento, quanto mais

    fragmentado o contexto jus-laboral, menos segurana se

    oferece ao trabalhador. Logo, a realidade flexibilizadora

    pode-se mostrar como um instrumento que mitiga

    direitos trabalhistas na medida em que pode oferecer

    um risco s garantias postas em lei.

    Na sequncia, referido autor apresenta como estas

    recentes modificaes no contexto do trabalho se

    apresentam de forma predominante na atualidade ao

    concluir que:

    No que concerne codificao dos novos horizontes metamorfoseados do mundo do trabalho, tambm, devem ser feitas consideraes sobre as novas tendncias, que reconfiguram dialeticamente o seu panorama, com a sua consequente, resignificao acelerada por mudanas, que designam novos projetos de mutao do mercado mundializado atingindo a estrutura do Estado e da Sociedade Civil, reconfigurados pelo movimento do capital processo largamente expresso por nomenclaturas socialmente reconhecveis como: a terceira via, o terceiro setor, a economia solidria e o cooperativismo, que expressam tendncias no neutras, e que podem estar interligadas a formas de gesto neoconservadoras ou a novos projetos parcialmente emancipatrios que descortinam respectivamente, novos horizontes e universos de regulamentao e de gesto neoliberais da crise ou de emancipao se instrumentalizados em novas dinmicas trascendedoras do atual modo de produo capitalista. (VRAS NETO, 2008, p. 447).

    Por fim, cabe-se salientar que a atual mudana paradigmtica que permeia a sociedade contempornea,

    sobretudo em seu vis laboral, pode ser enfrentada de

    forma pragmtica por meio da soma de esforos entre

    o capital (empresas), o Estado e organismos sociais,

    com vistas a diminuir os efeitos nocivos que possam

    pesar sobre a classe trabalhadora.

    Concluso

    Muitos acontecimentos histricos, polticos

    e econmicos repercutiram de forma profunda

    na organizao do trabalho e de seu regramento

    propriamente dito.

    H a evidente necessidade de um ordenamento

    jurdico que supere a simples proteo ao trabalho e

    a figura do trabalhador em especial, em prol de um

    ordenamento jurdico dotado de maior funcionalidade,

    tambm gerencial, que possa se adaptar a flexibilidade

    das relaes vivenciadas neste momento histrico.

    justamente neste contexto que surge ento, em

    sede trabalhista, o fenmeno da flexibilizao. Calcada

    na admisso pelos diferentes ordenamentos jurdicos

    de mecanismos capazes de romper com uma pretensa

    rigidez das regras trabalhistas, de modo a torn-las

    mais maleveis diante da realidade experimentada na

    sociedade.

    No Brasil, esta tendncia se manifestou de forma

    mais declarada, no momento em que o legislador

  • Um olhar crtico sobre a flexibilizao da legislao...

    Tuiuti: Cincia e Cultura, n. 46, p. 95-114, Curitiba, 2013.

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    constituinte de 1988 admitiu que determinadas

    condies de trabalho fossem objeto de negociao

    coletiva, isto , a partir do momento em que

    empregados e empregadores, por intermdio do

    rgo classista representante dos obreiros, puderam

    acertar algumas situaes do contrato de trabalho

    que at ento, somente pudera acontecer pela ao

    legislativa do Estado.

    Esta nova postura repercutiu de forma muito

    profunda no s entre as partes envolvidas em uma

    determinada relao de trabalho, empregados e

    empregadores, como tambm em toda a sociedade.

    Nota-se, pois, a formao de um novo binmio

    composto por um vis da flexisegurana, e por outro

    atravs da precarizao das condies de trabalho. Por

    um a admisso de mecanismos permitida, em certa

    medida, a negociao de determinadas condies de

    trabalho, ainda que por intermdio dos sindicatos,

    d a empregados e empregadores ferramentas

    capazes de se equilibrarem diante das intempries

    econmicas da sociedade contempornea. Por outro

    lado, a adoo de condies de trabalho relacionadas

    aos instrumentos flexibilizadores vem a colocar os

    empregados em situao de desvantagem dentro

    das relaes contratuais de trabalho, uma vez que

    suprime garantias mnimas ao trabalhador, que foram

    conquistas a duras penas durante a histria.

    Por isso, fala-se que, para alguns autores, a

    flexibilizao mostra-se como algo repugnante, face

    ao seu carter negativo para o trabalhador e para

    outros autores, como uma ferramenta sem igual,

    capaz de equalizar os interesses envolvidos em uma

    determinada relao de trabalho, acabando por

    equiparar trabalhadores e empregadores.

    Assim, configura-se pois a flexibilizao da

    legislao trabalhista como tema latente no direito

    do trabalho brasileiro, seja pela sua repercusso

    no mbito da relao empregatcia, ou pelos seus

    reflexos no contexto poltico, social e econmico

    do Brasil.

    Apresenta-se como prtica recorrente no cenrio

    laboral contemporneo, cujo alcance e controle

    esto a encargo das cortes da justia especializada

    em matria trabalhista, portanto, estas se constituem

    na instncia legalmente institucionalizada e apta a

    dirimir as controvrsias advindas quando os limites

    da flexibilizao apresentam-se, em certa medida,

    controversos.

  • Tuiuti: Cincia e Cultura, n. 46, p. 95-114, Curitiba, 2013.

    Cssia Cristina Moretto da Silva 113

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