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Nº 25 Setembro de 2013

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o Nº 25 da OLD apresenta os trabalhos de Enzo Dinolfo, Byron Prujanski, Rafael Azevedo e Simon Plestenjak, além de uma entrevista com Felipe Russo.

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Nº 25 Setembro de 2013

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Revista OLD Número 25Setembro de 2013

Felipe Abreu e Paula HayasakiFelipe AbreuCamila Martins, Felipe Abreu, Juliana Biscalquin, Luciana Dal Ri e Tito Ferradans

Enzo Dinolfo

Byron Prujanski, Enzo Dinolfo, Rafael Azevedo e Simon Plestenjak

Felipe Russo

[email protected]/revistaold@revista_oldwww.revistaold.tumblr.com

Equipe Editorial Direção de Arte

Texto e Entrevista

Capa

Fotografias

Entrevista

EmailFacebook

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Parceiros

Page 3: OLD Nº 25

Livros06Abismo da CarneExposição08

Enzo DinolfoPortfolio10Rafael AzevedoPortfolio26Felipe RussoEntrevista36Simon PlestenjakPortfolio44Byron PrujanskiPortfolio56UltrapassagemColuna70FissurasColuna72

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Os últimos três meses passaram voando por aqui. Parece que nem deu tempo de piscar e já estamos trazendo uma nova edição para vocês. A OLD está organizando diversas mudanças e novidades, que aos poucos vão chegando em você, assíduo leitor. A primeira delas você já pode saber: estamos produzindo uma série limitada de cartões postais com imagens de fotógrafos da OLD, que estarão à venda por encomenda no momento em que você estiver lendo esta revista. As outras, a gente vai contando aos poucos.A edição deste mês está super plural, apresentando uma série de trabalhos e pessoas dieferentes e interessantes. Começamos as atividades com o portfolio de nus do argentino Enzo Dinolfo, que constrói universos diferentes a cada modelo que fotografa. Nosso segundo fotógrafo é Rafael Azevedo que apresenta um portfolio de um PB denso, próximo das questões sociais das grandes cidades brasileiras.Simon Plestenjak apresenta um dos trabalhos mais impactantes visualmente que já publicamos por aqui: um passeio por um abatedouro esloveno, que provavelmente vai fazer você repensar algumas opções alimentares. São imagens muito fortes, mas que não estigmatizam o lugar ou a profissão e sim o apresentam através da sua crua realidade.Fechando nossa série de portfolios do mês de Setembro está o trabalho De Volta à 64, de Byron Prujanski, fotógrafo baseado no Rio de Janeiro, que registrou as manifestações contra as comemorações do Golpe de 64. Um ensaio bem estruturado, que traz a força do momento para as suas imagens.Neste mês nossa entrevista é com o fotógrafo paulistano Felipe Russo. Suas imagens conseguem através de detalhes e construções narrar a história da cidade, que muitas vezes é deixada para trás, quando nos concentramos demais nos seus habitantes e nos esquecemos da vida que os prédios, casas e ruas tem a nos apresentar.

Acabou sendo um papo rápido por email, que rendeu um belo conteúdo, mas deixou a vontade de quero mais.Com esse panorama complexo chegamos à nossa edição de quarto de centena ou 25 mesmo, pra ficar mais fácil. A cada mês mais animados com as possibilidades que a fotografia nos apresenta e com o retorno que recebemos dos leitores e dos fotógrafos que passam por aqui. E bora ler essa edição que do jeito que o tempo está passando rápido logo mais estamos na edição 100 sem nem ver o tempo passar!

Felipe Abreu

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Man with book sitting in chair

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Um hotel grandiosamente vazio. Uma imensa sala de jantar pronta para ninguém. Um pedalinho que há meses espera por um passeio. Os hotéis tradicionais de férias da classe média brasileira, os Grandes Hotéis, estão perdendo sua importância, mas não sua pompa. O novo trabalho de Bob Wolfenson, Belvedere, apresenta este estado de suspensão em que se encontraram a maioria destes hotéis, na maioria de seus dias.São imagens muito técnicas, de composição e iluminação muito bem trabalhadas, como de costume em todos os trabalhos de Bob Wolfenson. Além da sua mais que consagrada carreira na fotografia editorial, Bob constrói um caminho cada vez mais rico na sua produção autoral. Seus trabalhos em Cubatão, nas centrais de apreensões da PF e agora nos grandes hotéis traçam um caminho muito claro em sua produção, que em mim pelo menos, sempre criam a expectativa da chegada do próximo trabalho.Belvedere acabou de ser lançado pela Cosac Naify, com um preço bom em comparação a outros fotolivros lançados no Brasil e com um formato interessante. Uma capa roxa acolchoada, pouco texto e muito fotografia. Uma das boas novidades desse segundo semestre.

Disponível nas principais livrarias do paísValor médio: R$ 90,0096 páginas.

BELVEDERE,DE BOB WOLFENSON

LIVROS

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LIVROS

Na Bienal de 2010 Rosangela Rennó apresentou seu trabalho Menos Valia [Leilão]. Uma instalação grande, repleta de objetos relacionados à fotografia, recolhidos das mais diversas partes do mundo. Os objetos foram alterados pela artista, etiquetados e tiveram um novo valor atribuído, para ao final do evento encararem o leilão, proposta final do trabalho.Rennó tem em seu trabalho o desenvolvimento de novos significados à partir da fotografia. O resultado final de sua produção quase nunca é uma “simples” fotografia. São intervenções, objetos, estruturas ligadas à produção de imagens.Menos Valia não é diferente. Cada objeto ou estrutura fala sobre ou contém fotografia, mas seu significado final está envolto por um número muito maior de camadas.O leilão do trabalho, ao final da Bienal, discute sutilmente a forma como o valor é agregado a obras de arte. Muitos dos objetos vendidos tiveram uma valorização de mais de 1000% em relação ao lance inicial. Isso mostra como a relação entre custo e valor de venda muitas vezes não tem a menor relação no mundo da arte. O livro de Menos Valia [Leilão] foi lançado este ano pela Cosac Naify e conta com duas edições: uma edição “regular” com tiragem de 2700 exemplares e uma edição de colecionador com tiragem de 300. A segunda, com o preço mais de 20 vezes maior do que o da primeira. Novamente discutindo o valor que damos às obras de arte.

Disponível nas principais livrarias do paísValor Médio: R$ 75,00

336 páginas

MENOS VALIA [LEILÃO],DE ROSANGELA RENNÓ

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ABISMO DA CARNEDOC Galeria apresenta a primeira individual do fotógrafo Ricardo

Labastier em São Paulo

EXPOSIÇAO

Ricardo Labastier cria seu próprio mundo em suas fotografias. Um espaço quente, denso, povoado, com gosto de sangue, de carne. Suas imagens tem cores fortes, personagens recortados e muito vermelho. Abismo da Carne tem curadoria da pesquisadora e antropóloga Georgia Quintas e apresenta um recorte do trabalho desenvolvido por Labastier nos últimos dez anos. A exposição conta com imagens dos ensaios Lumaria, Aos olhos do pai e Oxalabá, produzidos entre os estados de Pernambuco, Bahia, Goiás, Alagoas e Distrito Federal.Das imagens produzidos por Labastier se pode sentir o calor de cada cena apresentada. Excluindo rostos e se concentrando em marcas e detalhes, o fotógrafo foge do registro documental de uma cena e a transforma no registro de uma sensação, de algo passageiro e marcante. “Em seu discurso visual, os códigos parecem aderir ao que representam. Contudo, Labastier transpõe essa possibilidade de significar o ordinário da vida para o patamar da memória “,diz a Georgia Quintas, curadora da exposição.O religioso e o profano convivem lado a lado em Abismo da Carne. A exposição busca a pluralidade da produção do fotógrafo e mostra sua visão apurada na busca de detalhes e da aura de um espaço. Tanto nas imagens de igrejas quanto de prostíbulos Labastier constróiperfeitamente a atmosfera dos locais sem correr para o óbvio, sempre construindo um fio condutor entre as diversas marcas

que encontra, sejam velas derretidas ou uma dança apertada. “Impregnado de perguntas, despudorou com seu olhar lampejos de gente, rastros, ruínas, falsos desejos ofertados. Andou e desandou pela carne. Foi um caminho, não fabular a realidade, mas projetar nela sentimentos reais.” Aponta a curadora no texto que abre a exposição.Labastier começou sua produção nos anos noventa, ainda com dezoito anos, fotografando cerimônias religiosas em Olinda, sua cidade natal. Foi aluno de Firmo Neto no Recife e em 1995 teve seu trabalho selecionado para o 1ª Salão Nacional de Fotografia da Paraíba Abismo da Carne ocorreu graças a uma parceria entre a DOC, Olhavê e ADI. Uma iniciativa muito bem vinda, já que Labastier, que tem imagens nas coleções do MAMAM e Pirelli/MASP, ainda não tinha apresentado uma exposição individual em toda sua carreira. Com isso a DOC apresenta mais uma vez seu potencial para ser um ponto de inovação dentro das galerias fotográficas de São Paulo, trazendo novos nomes de imensa qualidade para o cenário paulistano de fotografia.

A DOC Galeria fica na Rua Aspicuelta, 662, na Vila Madalena em São Paulo. A exposição Abismo da Carne ocupa as paredes do espaço até o dia 21 de Setembro, de segunda a sábado.

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Ricardo Labastier

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Enzo DinolfoPortfolio

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Enzo Dinolfo é um fotógrafo e designer argentino. Seu trabalho lida com a sensualidade, com o desejo e com a constante busca por algo de novo dentro de suas fotografias.

Enzo, como surgiu seu interesse pela fotografia?

Concretamente surgiu entre 2007 e 2008, logo que comecei a estudar Design no curso de comunicação visual, quando comecei a pensar na câmera fotográfica como uma ferramenta para gerar imagens para serem trabalhadas de diferentes maneiras em diferentes composições ou peças, e, claro, gerar fotografias.

E pelo nu? Como começou esse processo?

Em 2008, estudando fotografia, acabei estudando e produzindo alguns nus. Além disso também houve um processo mais intuitivo que tive como interesse pessoal pelo cru, o essencial, o sexual e também por essa limpeza, essa sintonia que o nu transmite, a pele,

minha facilidade de vê-la simples e complexa ao mesmo tempo e combinar todos esses atributos, exigi-los, questioná-los, os ler em sua polissemia.

É perceptível que cada modelo apresenta fotografias com uma narrativa diferente. Você tem objetivos diferente a cada ensaio? De que maneira você busca essas diferenciação?

Normalmente sim, me satisfaz muito gerar resultados e ideias diferentes em cada sessão, ideias e composições que nunca tenha feito antes.Cada diferenciação também está acompanhada de um processo intuitivo e improvisado, que tem a ver com o que me transmite cada modelo, tanto esteticamente como pessoalmente.Também muitos de meus processos criativos surgem do consumo constante de artes e de estudar design.

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Como você constrói a relação com as suas modelos? De que maneira o que aparece nas fotografias é fruto dessa relação?

Dou prioridade à sua comodidade. O propósito que nos une é primeiramente a produção do material e deste objetivo as vezes se criam relações (profissionais ou pessoais), e outras vezes não. Mas é importante não perder de vista o propósito e que para o tipo de fotografias que eu produzo renda boas fotos é preciso que tanto o fotógrafo quanto a modelo estejam confortáveis.É interessante ver como ocorre o processo de produção ao dividir um ambiente mais ou menos íntimo tão rapidamente com pessoas não se conhecem. Não é uma maneira normal de se conhecer pessoas e é interessante e divertido ver como uma tão incomum de conhecer pessoas acaba se tornando normal com o tempo.Também é interessante que quanto menos conheço a modelo, mais me sinto inspirado, assim como me inspiram as pessoas para as quais posso me perder olhando-as, me motiva conhecê-las contemplando a captura permanente de seus detalhes, sendo que momentos antes não as conhecia de maneira alguma.Algumas vezes o resultado da relação criado ente a modelo e eu não condiciona o resultado das fotografias e outras vezes sim. Quando não acontece, geralmente estou buscando resultado estéticos que não tem relação com a personalidade da modelo ou com a relação que poderíamos ter. Quando o resultado é determinado por essa relação com as modelos é interessante que muitas vezes isso é perceptível pela própria fotografia.

Seus nus fogem do que seria o óbvio dentro deste campo da fotografia. De que maneira você busca isso? Como você busca construir uma estética própria?

Busco construir mais de um nível de leitura muitas vezes, de maneira que se possam encontrar diferente mensagens, conceitos, formas de ler a imagem ou simplesmente sensações. Dessa forma se cria um convite para o espectador conversar com a imagem. É muito bom quando isto acontece sem precisar de uma linguagem estética complexa, às vezes pelo contrário, quando se consegue construir essa pluralidade de sentidos e mensagens através de uma simplicidade estética e conceitual.Na fotografia de nus é importante não se esquecer do tabu que envolve o tema e o utilizar como uma ferramenta para compor, mostrar, ocultar, sugerir, explicitar. Claramente há um envolvimento necessário da minha maneira de ser, de ver e de pensar em cada produção. Acredito que o que decido mostrar também é uma maneira de falar, ou em termos mais abstratos, acredito que as minas fotos são pedaços de um grande todo.Fico feliz quando a mensagem não está apresentada em uma primeira leitura da imagem, gosto que o espectador tenha que buscá-la e que a imagem posso sugerir esta busca.Na minha estética fica claro o vínculo destas preferências, buscas e noções com meu gosto pessoal pelo diferente, sexual, mórbido, desconhecido, pelo suspense, cru, exótico, onírico, fantástico, impossível, confuso, incrível.

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Rafael AzevedoPortfolio

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Rafael Azevedo apresenta na OLD seu portfolio de imagens PB que passam por diversos temas caros à fotografia. São paisagens marcantes e imagens fortes do cotidiano urbano, com uma preocupação especial no registro de seus personagens.

Suas fotografias tem um preto e branco muito marcante. Você costuma fotografar em PB ou foi uma opção específica para este ensaio?

A opção pelo PB é para a maioria do meu trabalho, gosto de ver os detalhes das coisas e o PB possibilita fazer isso com mais clareza.O processo passa por tirar a foto colorida e fazer uma pós-produção trabalhando o preto e branco.

Suas imagens são bastante calcadas na proximidade e nas expressões de seus personagens. Qual sua relação com eles? Como você construiu essas imagens?

As imagens são de observação, não gosto das coisas montadas, gosto do real, do momento, são personagens que não são próximas em maioria, achados nas ruas, bares e praças, gosto do movimento para fotografar algum sentimento. Teve uma vez que joguei truco por 3 dias com mendigos na frente da UFPR de Curitiba na praça, para observar, pegar confiança e entender como eles viviam, suas dificuldades e seus medos.

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Algumas de suas imagens tem uma carga social forte. Você acredita que essas imagens podem transformar a realidade das pessoas que você está fotografando?

Não acredito que vá mudar a realidade das pessoas que fotografo, porém acredito que toque as pessoas que estão na sua zona de conforto, deixar essas pessoas desconfortáveis que me interessa, pois no desconforto eles podem ver que o mundo não é um mar de rosas e que precisamos ajudar os que estão na dificuldade, dai assim posso de certa forma, ajudar o tipo de pessoa que fotografo mas não a determinada pessoa fotografada, pois não quero que uma pessoa apenas seja ajudada.

Você acredita que o retrato é a melhor maneira de contar uma história através da fotografia?

Acredito que não o retrato em si mas os olhos, eles nos contam os opostos, felicidade e tristeza, que a pessoa vive. Não acredito que o retrato conte uma história, de começo meio e fim, mas sim um momento, sentimento, algo eternizado, um milésimo de tempo que estamos pensando em apenas uma coisa ou nenhuma até. Gosto do retrato contando surpresa, alegria, tristeza, amor e ódio. Gosto pelo simples fato de o retrato ser o tipo mais humano de fotografia.

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OLD ENTREVISTA

FELIPE RUSSO

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OLD ENTREVISTA

FELIPE RUSSO

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Felipe Russo é um fotógrafo paulistano que consegue contar a história da cidade através de seus pequenos detalhes. Imagens técnicas, bem resolvidas e sensíveis, que mesmo com a pouca presença humana constroem narrativas complexas e tocantes, envolvendo o espectador. Para conhecer mais sobre Felipe e seu trabalho conversamos com ele por e-mail.

Você começou sua formação pela biologia, no Mackenzie. Como você foi parar na fotografia? Sua formação universitária influencia sua produção de alguma maneira?

Durante a faculdade fiz o curso de fotografia básica no próprio Mackenzie, na faculdade de Jornalismo. Nessa época trabalhava em projetos de pesquisa no Laboratório de Ecologia da Paisagem e Conservação da USP, fotografava os projetos, as saídas de campo, os materiais de coleta. Produzia imagens técnicas para ilustrar relatórios de pesquisa. Com o tempo fui fotografando outras coisas. Tudo aconteceu de forma natural, fui sendo levado e acabei fotógrafo. A Ciência e a fotografia sempre se deram bem, é importante lembrar que a fotografia tem sua origem na necessidade de reproduzir, documentar e comprovar. Mesmo hoje, muito mais madura, a fotografia ainda vive em um espaço entre ficção e documento, é uma forma de expressão que tem a capacidade de criar mundos duvidosos e ao mesmo tempo possíveis. Aprendi muito como biólogo e pesquisador. Sou muito grato ao processo e a metodologia envolvidos na pesquisa. Em Ciência o conhecimento caminha por duas vias a primeira é pessoal e nasce de um fascínio e interesse genuíno de compreender a fundo determinado assunto e quem sabe abrir novas fronteiras de conhecimento. A segunda via nasce do diálogo com outros indivíduos ou grupos de pesquisa. Tudo que se produz em ciência inevitavelmente estabelece diálogo com o que veio antes e principalmente com o que se produz agora. Na arte ou na fotografia o processo é o mesmo.

Você sempre viveu e fotografou na cidade de São Paulo. Qual é sua relação com a cidade? Como ela te inspira a produzir?

São Paulo é minha casa, tenho uma relação de amor profundo e de ódio por ela. É uma cidade difícil, mas ao mesmo tempo gentil. Minha família já há quatro gerações vive por aqui. Quando caminho pelo centro, por exemplo, consigo personificar os espaços. Tenho a sensação de que a cidade é um pouco minha, de que sou responsável por ela também. A cidade é única, tem uma história muito particular, essa história é essencialmente a história de quem viveu e vive por aqui. Em São Paulo sinto que isso está impregnado nos espaços, no ar, na arquitetura, nos objetos e no mobiliário. São Paulo guarda a sua memória de uma maneira muito particular. É essencialmente na esperança de conseguir tornar isso palpável que acordo às cinco da manhã e percorro repetitivamente os mesmos espaços fotografando. Pesquisar a história e tentar perceber o papel da subjetividade dos indivíduos na construção da cidade me ajuda a manter viva a relação de afeto que tenho por ela e me permite tolerar suas pressões e maus tratos.

Seu trabalho tem um foco especial em objetos e construções. Como você busca construir uma narrativa através desse registro?

Tenho um interesse especial pela visualidade das coisas, principalmente coisas construídas e utilizadas por nós. Objetos representam muito de quem os possui, mas também do tempo em que foram criados. O mesmo é verdadeiro quando pensamos em construções ou na arquitetura. Os espaços habitados são impregnados de marcas e a fotografia lida muito bem com a superfície das coisas, por isso é natural que a fotografia tenha me ensinado a olhar mais perto, olhar com cuidado e desenvolver um interesse por objetos. Quando fotografo esses objetos tenho também um interesse em transformá-los, a fotografia faz isso. Essas

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estruturas quando fotografadas adquirem outro valor. São representações de espaço e forma, mas tem a capacidade de provocar, de incitar narrativas e memórias. Tenho pensado em objetos como monumentos e construções como objetos, busco alterar a escala de importância das coisas e dividir isso com quem vê meu trabalho. Quando penso em um grupo de imagens atualmente não busco a criação de narrativas lineares ou nem mesmo vislumbro a ideia de contar uma história. Na maioria das vezes brinco com ideias e, ao sequenciar imagens, quero reforçá-las ou simplesmente criar conexões que atuem como desencadeadoras e que a narrativa se forme no encontro com quem vê.

Um de seus trabalhos de destaque é Recreio da Borda do Campo. Como começou o processo de registro do bairro? Como foi estar imerso nesta realidade para produzir este projeto?

Cheguei no Recreio da Borda do Campo a trabalho, fui com um grupo de outros educadores realizar uma atividade na escola municipal do bairro. Já no primeiro contato fiquei fascinado pelo lugar. A neblina, a proximidade com a Represa, o labirinto de ruas e a presença ainda muito forte da mata me pegaram. O espaço lembrava muito a Serra da Cantareira que tanto frequentei na infância. Ao mesmo tempo existia ali algo muito atual, a construção do trecho Sul do Rodoanel de São Paulo cortava o bairro. Acabei voltando no outro domingo e assim foi por quase 3 anos. O trabalho, como tudo que faço, nasceu do tempo e de uma conversa aberta com as imagens que produzia. Acredito que todo trabalho tem fases muito distintas de desenvolvimento. Minha produção depende muito de tempo e do acúmulo de imagens, é olhando pra elas que descubro o que estou fazendo e o que o trabalho pode ser.

Você é professor em algumas escolas de fotografia de São Paulo, como o MCEI. Quando surgiu esse interesse? O que você

QUANDO CAMINHO PELO CENTRO, POR EXEMPLO, CONSIGO PERSONIFICAR OS ESPAÇOS. TENHO A SENSAÇÃO DE QUE A CIDADE É UM POUCO MINHA, DE QUE SOU RESPONSÁVEL POR ELA TAMBÉM.

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acha que há de mais interessante nesta troca com os alunos?

Ser professor é um grande prazer e um aprendizado constante. Quem ensina precisa desenvolver maneiras de transmitir conhecimento e é esse processo que mais me fascina. Na busca por tentar ensinar estabeleço ligações entre ideias, e o conhecimento ganha vida e sentido. Os alunos também transformam ativamente esse conhecimento apontando caminhos que eu não tinha enxergado. Dar aula também tem uma importância fundamental na minha produção, através das aulas tenho independência, consigo pagar as contas e isso é essencial quando se precisa de tempo. Acredito que como professor posso ativamente ajudar na criação de uma massa crítica de produtores e apreciadores da fotografia, gerando um espaço mais diverso e rico e, quem sabe, ajudando a criar novos caminhos de discussão e desenvolvimento da fotografia no Brasil.

Muitos dos fotógrafos que entrevistamos ou que apresentam seus trabalhos na OLD não tem uma formação acadêmica em fotografia. Você acredita que ainda não temos opções suficientes para formação na área no Brasil?

Na arte temos essa liberdade, somos na verdade grandes agregadores de ideias, inventores de sentido e isso possibilita a diversidade de formações. É importante dizer que isso não exclui a necessidade de formação acadêmica, mesmo que essa busca seja individual longe da estrutura tradicional de ensino acabamos sempre alimentados pela academia. É nela que a síntese de conhecimento ocorre, que as coisas são ordenadas e sempre recorremos a ela na busca por conhecimento. Acabei de realizar um mestrado específico em fotografia e essa formação foi transformadora. Com certeza ainda temos muito espaço para a criação de programas de formação em arte e fotografia no Brasil. Mas temos sim uma tradição muito forte do estudo da imagem no país e a sorte de ter grandes cabeças

escrevendo e pensando sobre fotografia por aqui. É possível buscar essa aprofundamento dentro da estrutura já existente.

Seu trabalho já foi apresentado e faz parte de coleção nos Estados Unidos e na Europa. Você acha que a fotografia brasileira tem destaque nestes circuitos? Como ocorreu sua inserção neste espaço?

Acredito que quando se produz com empenho, estudo, dedicação e interesse genuíno o trabalho acaba encontrando seu espaço. Tento sempre manter minha energia na produção, o resto vem com o tempo. Mas é fundamental colocar o trabalho para fora, participar de editais, exposições e manter contato com quem produz e pensa a fotografia. A maioria dos caminhos que meu trabalho percorreu nasceram do contato direto com fotógrafos, professores, críticos e curadores. Acredito em boa fotografia, seja brasileira ou não, na verdade as identidades nacionais tem se diluído como resultado de uma permeabilidade mais intensa do circuito das artes recentemente. Hoje não só os trabalhos, mas os artistas estão em contato com uma esfera muito mais global de troca e diálogo. A fotografia no Brasil tem uma história muito rica e vive hoje um momento bem especial de produção. Acho natural que essa produção consiga espaço em outros países. É bom produzir por aqui e cada vez temos mais plataformas de financiamento e divulgação, tenho certeza que nossa fotografia ainda vai crescer muito mais.

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Simon PlestenjakSlaughterhouse

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Simon Plestenjak é um fotógrafo esloveno, que vive e trabalha em São Paulo. Na OLD, Simon apresenta seu trabalho Slaughterhouse, uma série forte e visceral sobre um abatedouro.

Simon, conte um pouco sobre seu background na fotografia.

Estudei fotografia no curso de pos-graduação no SENAC, em São Paulo. Depois trabalhei seis anos como fotógrafo e fotojornalista na Eslovênia, meu pais. Trabalhava como freela fixo no jornal, e publicava reportagens em diferentes revistas. Entre elas, duas reportagens pra National Geographic eslovena.No ano passado voltei pro Brasil e trabalhei como freela fixo na Folha de São Paulo durante 5 meses, publiquei meus trabalhos em várias revistas, como Gol, Época SP, Living Alone, Marie Claire … e fiz uma reportagem para a National Geographic brasileira no final do ano passado.

Como surgiu o ensaio Slaughterhouse? Como foi o processo de trabalho dessa produção?

Slaughterhouse ja era uma ideia faz tempo. Estava esperando um interesse de alguém para publicá-lo. No jornal onde trabalhava na Eslovênia, abrimos uma nova sessão, que falava sobre trabalhos interessantes. Então fui fazer esta reportagem apresentando o trabalho dos caras. Esta reportagem abriu a sessão e imediatamente gerou muito interesse, porque estava bem polêmica.Sempre soube que teria acesso no matadouro, porque meu pai é veterinário e trabalhou lá por um tempo. Sem esta conexão, seria muito difícil conseguir entrar. Não é uma empresa que queria muito aparecer na mídia, porque tem pessoas que não gostam e isto pode atrapalhar trabalho deles.O produto final era uma reportagem multimídia, com entrevistas filmadas, com fotos do processo inteiro e trabalhadores explicando como fazem e sentem seu trabalho. Eu levei um dia pra fotografar e filmar, um dia pra editar, e dois dias pra montar apresentação multimídia. Hoje em dia tem mais de 500.000 clicks no YouTube.

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As imagens deste trabalho são muito fortes. Você buscou denunciar uma situação ou queria contar a história deste local e deste trabalho?

Queria apenas contar sobre o trabalho. O foco está nas pessoas, e carne e sangue e conteúdo. Nem tinha muita opinião sobre o assunto antes, fui lá sem preconceito, não sabia exatamente o que esperar. Contei do jeito que achei honesto, cada pessoa pode ter uma opinião diferente sobre o assunto. As imagens são fortes sim, como não, tem morte.

Você acredita que o fotojornalismo, que a fotografia documental, tem que chocar o espectador, tirá-lo de sua zona de conforto?

Não precisa necessariamente chocar, mas tem que tocar! Pode ser bem sutil e leve, ou de uma forma brutal – mas a fotografia tem que te fazer sentir algo, igual música. Te tirar de zona de conforto, ou colocar nela. No caso desta reportagem, ela deve tirar qualquer pessoa do zona de conforto, é chocante e isto é bom, porque demanda a formação de uma opinião.

Como foi seu contato com os personagens dessa série? Que histórias saíram dessa relação?

A série tem duas personagens, dois trabalhadores. Com o cara mais jovem eu já tinha conversado por telefone e ele já havia concordado. O outro encontrei lá e convenci ele a participar. Entrevistei os dois, perguntando como eles pegaram este trabalho, como começaram, o que sentiam no começo e como eles enxergam seu trabalho hoje. Basicamente isto. É muito interessante ouvir estas histórias. Eu não mantive contato com eles depois, apenas mandei pra eles retratos que eu fiz deles, como havia prometido durante o trabalho.

Simon você é vegetariano? Pensou nisso depois de fazer essa série?

Não sou vegetariano, ao contrario, adoro carne. Fotografar lá realmente foi meio difícil e realmente me tirou a vontade de comer carne por alguns dias. Em alguns momentos, bem na parte de matar e tirar sangue, foi difícil aguentar, fiquei meio mal por uns momentos. Porque é assim: a linha de produção de carne tem um limite, onde animal vira carne. Este limite é interpretação de cada pessoa. Para os caras lá, uma vez que o animal esteja morto, já é um objeto. Um vegetariano talvez veja animal até na bisteca no supermercado, não sei. Pra mim, o limite era quando tiravam pele do corpo. Antes deste limite era difícil ver o animal morrer, depois foi bastante fácil fotografar um produto alimentar. Eu vejo assim: matadouro não é pra matar animais, é pra fazer carne. Como diz um dos personagens: “Tem demanda, alguém tem que fazer. É triste, as vacas morrem, mas assim é nosso trabalho.”

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Byron PrujanskiDe volta à 64

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Byron Prujanski é um fotógrafo baseado no Rio de Janeiro e apresenta na OLD seu ensaio sobre as manifestações contra a comemoração do Golpe de 64, que ocorreram na capital carioca.

Byron, qual sua relação com o fotojornalismo político?

Tenho grande respeito pela história do fotojornalismo, principalmente quando lembramos de nomes como Evandro Teixeira, José Medeiros, Pierre Verger e Luciano Carneiro, fotógrafos da primeira geração brasileira.Meu interesse por política vem dos tempos de faculdade. Cursei Jornalismo na Facha do Rio de Janeiro e tomei gosto pelo assunto, mas o meu ideal na verdade é documentar os problemas sócio-políticos no Brasil, meu trabalho autoral, um projeto que pretendo estender por mais alguns anos a fim de juntar um bom material e quem sabe lançar um livro.

Sinceramente não gosto do rótulo de fotojornalista, o jornalismo tem uma dinâmica diferente, o imediatismo impera.O que realmente me atrai são os ensaios etnográficos. Na fotografia documental você observa o cotidiano em questão, vive a foto e isso te permite ousar, por que você obrigatoriamente se aproxima das pessoas que vai fotografar, se envolve, pra que elas te respeitem e cooperem com o ensaio. Meu último trabalho foi realizado em parceria com o fotógrafo e amigo Marcelo Santos Braga, documentamos os dois últimos meses de atividades do maior lixão da América Latina, o aterro sanitário de Jardim Gramacho, que foi interditado no ano passado. Mostramos a visão do catador, pessoas simples e de grande valor pra sociedade. Era o fim de uma história pra cada um deles.Atualmente sou freelancer e há pouco tempo fechei contrato com a Getty Images, agência de notícias que mantém ativo o maior banco de imagens do mundo. Trabalhando pra uma agência tenho liberdade de pauta, e posso dar a minha cara à foto com mais facilidade. Eu amo o que faço, me sinto útil e isso me motiva a continuar.

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Você vê a fotografia como um instrumento de denúncia, de transformação social?

As palavras são traidoras, a fotografia é fiel. Olavo Bilac disse isso uma vez e acredito que ele tinha razão. A fotografia social, ou fotografia humanitária é um exemplo disso. Quando a câmera conseguiu sair de dentro dos estúdios, muitos fotógrafos viram a possibilidade de dar uma nova utilidade à fotografia. Dar voz aos setores menos favorecidos da sociedade, mostrar os problemas sociais vivenciados pelo homem, tudo isso tem sua importância.Gosto muito do trabalho do fotógrafo Lewis Hine. Ele documentou a exploração do trabalho infantil nos Estados Unidos. No Brasil temos nomes reconhecidos mundialmente como Sebastião Salgado e João Roberto Ripper. Valorizo fotógrafos que através de suas fotografias procuram registrar uma realidade, levantando questões e estimulando discussões. A fotografia deve sensibilizar e impulsionar algum tipo de afeto no observador, seja a alegria, a tristeza ou simplesmente um estranhamento, nunca a indiferença. Isso faz da fotografia uma ferramenta de grande utilidade para transformar do pensamento político.

Você já tinha feito outras pautas de conflito? Como você planeja seu posicionamento e a busca por imagens fortes dentro deste espaço?

Sim, a maior parte dos trabalhos que faço tem como assunto principal dois ideais que se opõem e buscam fins diferentes. O Ensaio do Ato contra a comemoração do Golpe de 64 faz parte deste projeto que estou realizando. Em alguns casos, como neste ensaio, a situação faz o conflito, basta que apenas uma pessoa perca a razão pra que a confusão comece. Muitos dos manifestantes eram ex-torturados ou parentes de desaparecidos, a indignação dos manifestantes era contagiante, emocionante, principalmente por que se tratava de algo que ainda permanecia acesso no pensamento dessas pessoas mesmo depois de 49 anos. Fotografar era preciso, principalmente pelo fato de acreditar que aquela história teria inúmeras versões, mas as fotos não mentem. É muito importante que você esteja atento a tudo o que está acontecendo ao seu redor e saber se antecipar ao fato em todos os sentidos. A repressão da tropa de choque é muito forte, eles contam com equipamentos especificamente elaborados pra situações como as do Ato. Usam bombas de efeito moral, armas de choque, gás de pimenta, fazem uso de seus cacetetes e de balas de borracha. Dentro de um conflito tento manter a calma e entender que preciso correr o risco pra poder capturar as melhores fotos. Se trabalho de longe, perco em conteúdo. É preciso entrar na cena. Tenho que estar constantemente em movimento, circulando pelo local, procurando a foto. Se ferir é algo que pode acontecer, estando atento se corre menos risco, é uma escolha que você precisa fazer. A foto está sempre lá, fotografar é preciso.

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Ultrapassagempor Tito Ferradans

Quando eu era pequeno, morávamos num apartamento em Salvador. Ocasionalmente, recebíamos visitas, e meus pais logo me ensinaram que antes de abrir a porta, era muito importante ver quem estava lá fora. Para isso, instalaram um olho mágico bem baixinho, quase no meio da porta, de forma que eu minha irmã pudéssemos alcançá-lo. Desde sempre eu achei esse aparato muito curioso, porque quando olhava por ali, via todo o hall do elevador, e a pessoa que estava ali fora, dos pés à cabeça. Quando abria a porta, sem mexer a cabeça mal conseguia ver metade da pessoa, quanto mais o hall e os sapatos de quem tava ali, tudo de uma vez! Como então, com aquele vidrinho mixuruca, minha visão era tão ampliada?Só foi muitos anos depois, quando comecei a me interessar pela fotografia, que essa questão voltou à tona com as famigeradas lentes Olho de Peixe. Pouca gente já usou de fato uma dessas, mas todo mundo, sem exceções, sabe o que elas fazem. Essas lentes imitam o que seria o campo de visão dos olhos de um peixe embaixo d’água, com aproximadamente 180 graus, obtidos através de intensas

Tito Ferradans

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distorções. O termo foi cunhado por Robert W. Wood, seu inventor, em 1906, e apesar do nome relacionado a água, sua primeira utilização foi para o estudo meteorológico de formações de nuvens.Existem dois tipos de Olho de Peixe, a primeira produz uma imagem perfeitamente redonda, com bordas pretas. A segunda, é capaz de cobrir todo o sensor/filme. Vamos falar mais do segundo tipo, porque seu uso é mais comum e variado. O ponto em comum entre as duas, além do enorme ângulo de visão, é que ambas atingem esses resultados dobrando as linhas de perspectiva e produzindo imagens não-retilíneas. Essas imagens tem uma enorme carga dramática quando bem executadas, e permitem fotografias incríveis dentro de espaços minúsculos como armários, elevadores ou eletrodomésticos (!), passando a sensação de que o espaço é bem maior do que na realidade.A Olho de Peixe cai na categoria de super grande-angular e funciona de forma semelhante ao conjunto dos nossos olhos. Quanto mais próximo um objeto se encontra da lente, maior ele parece em relação ao ambiente, exatamente como acontece na nossa visão, sem falar no ângulo, que é tão parecido que, quando um filme (ou jogo) tem como objetivo provocar a imersão em primeira pessoa, colocando o espectador no lugar do personagem, é a Olho de Peixe que é utilizada, e vemos braços, mãos e pernas do personagem como se fossem nossos. É por essa imersão que atualmente as Olho de Peixe têm sido tão empregadas em câmeras de esportes radicais e aventura, como a famosíssima GoPro. Ao assistir um desses vídeos, você sente a adrenalina bombando nas veias porque a lente te transporta para dentro daquilo que está acontecendo na tela.Utilizar essas lentes também envolve alguns cuidados especiais, principalmente no que diz respeito ao que está em quadro como: pés, tripés e dedos. Estes três são particularmente propensos a aparecerem como convidados indesejados nas fotos. Uma vez que a perspectiva é tão diferente de uma lente normal, acabamos não prestando atenção nesses detalhes até a hora de tratar as imagens. É preciso atenção com a mão que faz foco, porque é bem fácil de

algum dedo acabar aparecendo, sem falar nas pernas do tripé que sustentam a câmera, ou as suas próprias pernas. Já fui vítima de todos esses indesejados e, acreditem, é muito chato tentar resolver isso na pós-produção.Outra coisa bem diferente é a profundidade de campo, que é enorme, e temos foco desde coisas muito próximas da câmera até onde a vista alcança. Isso pode ser um tanto incômodo a princípio, mas depois que nos acostumamos à estética da lente, é uma excelente ferramenta para acrescentar informação e narrativa às imagens.Uma das mais famosas Olho de Peixe foi fabricada pela Nikon, na década de 1970, para uma expedição à Antártida. A lente pesa mais de cinco quilos e tem vinte e três centímetros de diâmetro. Sua distância focal é de 6mm e tem um ângulo de visão de 220 graus. Dessa forma, era possível fazer uma foto apontando diretamente para cima, e ao mesmo tempo capturar um grande panorama do chão ao redor da câmera até o horizonte em todas as direções. A título de curiosidade: essa lente foi recentemente vendida por mais de 150 mil dólares!

Tito é fotógrafo de vídeo e vive a testar todas as (im)possibilidades que câmeras e lentes lhe oferecem. Você pode saber um pouco mais de suas peripécias em tferradans.com/blog

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Fissuraspor Ágata

Em obras

De despretensiosos encontros que tinham como o mote a fotografia e o fazer artístico, nasceu o Ágata. Do aprofundamento da pesquisa sobre o processo criativo de fotógrafos contemporâneos, a “Fissuras”. Agora, momento em que parece que o texto não basta, partimos para um novo desafio: a construção de um site. É um universo novo que se abre. Uma casa que estamos construindo. Como um tijolo que se sobrepõe ao outro, escolhemos editorias, desenhamos layout, aprovamos identidade visual. O acabamento veio com a generosidade dos artistas que dividem seus processos com a gente, abrindo suas gavetas e despindo-se diante dos nossos questionamentos.A plataforma ainda não está pronta. Falta trocar uma janela, fazer o gesso e passar o rejunte. Mesmo assim, o espaço começa a ser habitado. Convidamos a jovem fotógrafa e amiga Raquel Santos para dividir este momento inicial com a gente. Afinal, uma casa não se define pelas paredes levantadas, mesmo que virtualmente, mas sim pelas trocas afetivas que acontecem dentro dela. Raquel está em pleno processo criativo de uma série de imagens, na

Raquel Santos

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qual trabalha desde 2011. Já definiu o caminho estético, optando pelo preto e branco contrastado, e o tom das imagens que se desdobram entre auto-retratos e metáforas que a fotógrafa pinça da natureza para tratar de um tema delicado: a violência sexual. Entretanto, sente que algumas imagens seguem lhe faltando, e é essa busca que passamos a acompanhar. No início do projeto, a fotógrafa conta que conheceu o trabalho “Retrato Íntimo”, de Cris Bierrenbah, fotógrafa paulistana, que traz imagens de raio x da região abdominal de corpos humanos, onde ferramentas estão introduzidas nas genitálias femininas. Mesmo sem saber ao certo se o trabalho de Bierrenbah tratava do mesmo assunto, Raquel se sentiu estimulada a produzir seu próprio trabalho.O embate com essas imagens lhe trouxe, a princípio, a concepção dos auto-retratos. Ao ficar sozinha em seu quarto, na luz que conhece tão bem, usou seu corpo como documento, pensou em criar performances, mas resolveu buscar nos momentos em que as sensações eram mais sinceras, o que queria mostrar. Testou algumas possibilidades, se despiu, encontrou força nos fragmentos da carne e percebeu, aos poucos, que teria que sair de si (e do quarto) para ganhar outra visualidade, mais próxima da metáfora e mais distante do documento. Um caminho foi afastar-se das motivações iniciais de seu trabalho e procurar fazer da sua história uma narrativa universal, com que todos pudessem se relacionar. Essa foi uma virada nas imagens que ela continua buscando ainda hoje. Se antes suas fotografias refletiam apenas a reação do encontro com simbolismos que elucidavam o tema, agora são esboços em sua mente que esperam o momento de se tornarem forma. Não mais a imagem encontrada, pescada pela rede de borboletas, mas a que se faz existir pela construção e ímpeto criativo. Ao fazer o movimento de dar as costas para a história e voltar-se só para as imagens, a artista levou com ela sua carga poética e suas referências. Milan Kundera, Orhan Pamuk e Lars

Von Trier foram alguns dos que ajudaram a pulsar as metáforas que permeiam sua narrativa, ainda em construção, na busca de ícones do masculino e do feminino, da ingenuidade e da perda da inocência, da dor e do renascimento, que nos fazem sentir reconhecidas. Na busca dela, encontramos a nossa. E seguimos juntas no acompanhamento desse trabalho em plena gestação.

Ágata é um coletivo multidisciplinar, um encontro de afinidades que tem na fotografia um campo fértil para a investigação do processo criativo e da expressão artística.

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Mande seu portfolio para [email protected]

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Catharina Suleiman

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Fine Art: Pós-Produção e Mercado

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INSTITUTO INTERNACIONAL DE FOTOGRAFIAFINE ART: PÓS-PRODUÇÃO E MERCADO DEPOIMENTOs DE QUEM FEZ in

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Gilberto Grosso -Fine Art: pós-produção e mercado

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Gilberto Grosso -Fine Art: pós-produção e mercado

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Woman in cell, playing solitaire/Nickolas Muray