olavo de carvalho_artigos_2009_comentários da semana
DESCRIPTION
Coletânea de artigos de Olavo de CarvalhoTRANSCRIPT
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090101jb.html
Anúncio do fim
Olavo de CarvalhoJornal do Brasil , 1 de janeiro de 2009
Se fossem apenas previsões em sentido estrito, as especulações do
cientista político russo Igor Panarin quanto ao futuro dos EUA não
mereceriam mais atenção que um palpite de turfista. Mas, exatamente
como aquelas de Arnold Toynbee que comentei em outro lugar
(http://www.olavodecarvalho.org/semana/080512dc.html), elas não são
previsões: são o resumo de um plano já em avançada fase de execução.
Nenhum estudioso em seu juízo perfeito se arriscaria a fazer
prognósticos tão detalhados com base em puras tendências econômicas
gerais. Se Panarin é levado a sério pelo Kremlin, é porque o Kremlin
sabe do que ele está falando. Suas profecias só merecem respeito
porque preparam aquilo que anunciam. Discuti-las como teoria é
divertimento ocioso: ou a elite americana faz algo de prático para
frustrá-las, ou trata logo de inventar algum pretexto elegante para relax
and enjoy diante da ocupação estrangeira.
Panarin prevê a decomposição dos EUA a partir de 2010, com a
subseqüente divisão do território em seis regiões separadas, sob o
domínio da China, da Rússia, do México, da União Européia, do Canadá
e do Japão (v.
http://online.wsj.com/article/SB123051100709638419.html). Não há
espaço aqui para analisar cada um desses casos, mas, só para dar dois
exemplos, a China, pretendente à posse de toda a costa oeste segundo
Panarin, e o México, virtual herdeiro de nove Estados entre a Flórida e
o Novo México, já desfrutam, nos EUA, de uma liberdade de ação que
nenhuma potência concede usualmente a nações estrangeiras. Vinte e
tantos anos de demolição sistemática da indústria americana em favor
de seus concorrentes chineses – verdadeiro protecionismo às avessas –,
acabaram por fazer do consumidor americano o principal sustentáculo
da economia chinesa, transmutando investimentos em débitos e ajuda
econômica em ritual de auto-imolação. A política de favorecimento
unilateral inaugurada por Richard Nixon e levada à perfeição por Bill
Clinton deu enfim o resultado previsível: mais até do que a velha URSS,
que só cresceu às dimensões de potência ameaçadora graças ao auxílio
recebido dos EUA, a China tornou-se, para usar a expressão clássica de
Anthony Sutton, “o melhor inimigo que o dinheiro podia comprar”.
Somem-se a isso a tolerância suicida ante a espionagem chinesa, a
superioridade da China na produção de armas nanotecnológicas
capazes de paralisar a nação adversária em poucas horas (v. as colunas
de Lev Navrozov em www.newsmax.com) e, last not least, a hegemonia
cultural do anti-americanismo na Califórnia, e verão que Panarin não
está tão maluco quanto parece. Quanto ao México, tem o privilégio de
fomentar livremente movimentos de secessão em vários Estados do Sul,
sob o olhar complacente do governo americano, que, com toda a
certeza, se tornará ainda mais complacente na gestão Obama, de vez
que o novo presidente apóia e é apoiado por “La Raza”, organização
militante que advoga a expulsão dos “gringos” e a ocupação da área
pela autoridade mexicana.
Com cáustica ironia, Panarin lembra que em vão o povo americano
espera milagres de Barack Obama: os milagres não virão.
Obama é, na verdade, o presidente menos qualificado que já houve para
defender a integridade e a soberania dos EUA. Amplamente beneficiado
por ajudas estrangeiras ilegais, vulnerável a toda sorte de chantagens
pelo seu passado nebuloso, suas ligações comprometedoras e seus
documentos falsificados, Obama foi posto no poder por quem sabe que
pode destrui-lo com duas cuspidas. E foi posto lá precisamente por isso.
Ele está bem protegido de seus inimigos, mas totalmente à mercê de
seus protetores. Contra estes, ele não pode defender nem sequer a si
próprio, quanto mais ao país inteiro.
Quanto àqueles que festejam antecipadamente o fim dos EUA, talvez
não lhes ocorra, por falta de imaginação, a suspeita de que um mundo
dominado pela Rússia e pela China não conhecerá outro regime político
senão o russo e o chinês.
Não obstante, desejo a todos um Feliz Ano Novo, seja isto lá o que for.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090105dce.html
Novas obamices
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 5 de janeiro de 2009
Bill Muehlenberg, popular comentarista de mídia australiano,
considerou o meu artigo "O candidato do medo" (Diário do Comércio,
24 de outubro de 2008) uma das matérias mais importantes e
reveladoras publicadas sobre as eleições americanas. Seu site Culture
Watch (www.billmuehlenberg.com) recomendou ainda "Milagres da fé
obâmica", publicado no Mídia Sem Máscara em 1º de novembro. Este
foi discutido também no site de Melanie Phillips da revista inglesa
Spectator (http://www.spectator.co.uk/melaniephillips/2570751/join-up-
the-dots.thtml): atacado e defendido, acabou-se saindo muito bem. Até
agora, todas as reações adversas a esses dois artigos limitaram-se aos
xingamentos impotentes e a contestações de detalhe que não afetam no
mais mínimo que seja o seu argumento geral.
É absolutamente inevitável que, mais dia menos dia, todos os crimes de
fraude praticados por Barack Hussein Obama antes e durante as
eleições venham à tona. Os de revelação mais recente são os seguintes:
1. Ao preencher o formulário para inscrição na Ordem dos Advogados
(Bar Association) de Illinois, Obama declarou que nunca tinha usado
nenhum outro nome além de Barack Hussein Obama. É falso. Há
documentos dele com os nomes de Barry Soetoro, Barry Dunham e
outros, bem anteriores ao seu ingresso naquela entidade.
2. Durante a campanha, sob suspeita de ter adquirido sua mansão num
negócio ilegal com Tony Rezko, Obama declarou que nada tinha a ver
com o famoso vigarista, preso por uma dúzia de crimes. Agora
apareceram as cobranças de impostos daquele imóvel: não estão em
nome de Obama, mas do advogado de Tony Rezko...
3. Repetidas vezes, Obama afirmou que não tinha nada a ver com a
Acorn, a ONG que espalhou milhares de títulos de eleitor falsos. Agora
revela-se não só que a Acorn prestou serviços à campanha de Obama,
recebendo pagamentos de 80 mil dólares, mas que a firma de advocacia
onde trabalhou Michelle Obama está defendendo a diretoria da Acorn
num caso de desvio de verbas.
4. Com o apoio de toda a grande mídia, sem exceção, Barack Hussein
Obama jurou que eram puras difamações as notícias de que ele tinha
recebido educação islâmica. O vídeo reproduzido em
http://www.youtube.com/watch?v=HkjFc3S21nY não deixa margem a
dúvidas: Obama mentiu novamente.
Graças ao caso Blagojevitch, Obama tornou-se o primeiro presidente
eleito dos EUA a ser interrogado pela polícia já antes da cerimônia de
posse. E o promotor Patrick Fritzgerald – o mesmo do caso Valerie
Plame, donde se vê que o sujeito não age por preferência partidária – já
anunciou que pretende em breve espremer Obama quanto aos negócios
ilícitos com Tony Rezko.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090107dc.html
A ciência contra a razão
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 7 de janeiro de 2009
Aquilo que hoje se chama orgulhosamente de "ciência", pretendendo-se com isso designar a instância última e suprema no julgamento de todas as questões públicas e privadas, nem é uma entidade univocamente reconhecível, nem muito menos um conhecimento que tenha em si seu próprio fundamento.
A possibilidade da existência de algo como a "ciência" repousa numa variedade de pressupostos que nem podem ser eles próprios submetidos a teste "científico", nem muito menos fornecem qualquer base racional para dar à dita "ciência" a autoridade da última palavra não só nas questões gerais da existência humana, mas até no próprio domínio especializado de cada área científica em particular.
Só para dar um exemplo elementar, sem as palavras "sim" e "não" nenhum raciocínio lógico é possível. Nenhuma ciência pode nos dizer o que elas significam. Toda a lógica formal baseia-se nessas duas palavras, e a própria lógica formal não pode defini-las. Qualquer definição lógico-formal que se ofereça para elas será sempre puramente tautológica, nada dizendo em si mesma e baseando enfim toda a sua compreensão no apelo à experiência pessoal do ouvinte ou leitor. Se dizemos, por exemplo, que o sentido de "sim" é anuência, concordância, aceitação, etc, nada afirmamos exceto que dizer sim é dizer sim. Do mesmo modo, o "não" não pode ser definido como rejeição, impugnação, etc., pela simples razão de que o sentido dessas palavras consiste precisamente em dizer não. O único significado possível da palavra "sim" é o da responsabilidade moral integral que uma pessoa assume ao declarar alguma coisa. Essa responsabilidade, por sua vez, subdivide-se em graus que vão desde a disposição absoluta de morrer pelo que se diz até a mera aceitação provisória de uma hipótese para fins de argumentação, portanto também de refutação. O mesmo acontece com o "não". Não há como definir essas palavras senão mediante o apelo à responsabilidade pessoal tal como aparece no autoconhecimento subjetivo. Isso quer dizer, simplesmente, que todo emprego puramente lógico-formal desses termos, amputado da sua raiz na experiência moral humana, é apenas um uso convencional e hipotético que não permite distinguir se, no fim das contas, o "sim" quer dizer "sim" ou "não" e o "não" quer dizer "não" ou "sim".
Fenômeno idêntico acontece com inúmeros outros termos usados no raciocínio científico, como por exemplo “igualdade”, “diferença”, “causa”, “relação”, etc. Nenhuma ciência pode definir esses termos e também não o pode a metodologia científica se tomar como
pressuposto a validade do conhecimento científico em vez de fundamentá-lo desde suas raízes. Podemos, é claro, fixar significados lógico-formais para essas palavras, bem como para muitas outras, mas somente como um recorte convencional operado em cima daquilo que elas significam na experiência humana responsável.
Também não teria sentido imaginar que essa dificuldade afeta apenas a expressão do conhecimento científico em palavras e não a substância mesma desse conhecimento. Ou os termos usuais da linguagem científica expressam o conteúdo mesmo e a própria estrutura do conhecimento científico, ou este último é em si um conhecimento indizível e místico cuja tradução em palavras permanece sempre externa, aproximativa e imperfeita.
Em suma, o conhecimento científico – e mais ainda aquilo que hoje se entende popularmente como tal – é uma subdivisão especializada da capacidade racional geral e tem nela o seu fundamento, não podendo julgá-la por seus próprios critérios. O que aqui se entende como "razão" não se resume também às capacidades usuais da linguagem coerente e do cálculo, pois ambas essas capacidades também não passam de especializações de uma capacidade mais básica. A razão é, em primeiro lugar, a capacidade de abrir-se imaginativamente ao campo inteiro da experiência real e virtual como uma totalidade e de contrastar essa totalidade com a dimensão de infinitude que a transcende imensuravelmente. O finito e o infinito são as primeiras categorias da razão, e não me refiro aos equivalentes matemáticos desses termos, que são apenas as traduções deles para um domínio especializado. Dessa primeira distinção surgem inúmeras outras como inclusão e exclusão, limitado e ilimitado, permanência e mudança, substância e acidente e assim por diante. Sem essa imensa rede de distinções e inclusões que constitui a estrutura básica da razão, o método científico seria um nada. É ainda mais estúpido imaginar que, uma vez formado historicamente, o método científico se tornou independente da razão e pode prescindir dela ou julgá-la segundo seus próprios critérios. É a razão, e não o método científico, que confere sentido ao próprio discurso científico, o qual por sua vez não pode dar conta dela no mais mínimo que seja. A "ciência" não pode jamais ser a autoridade última em nenhum assunto exceto dentro dos limites que a razão lhe prescreva, limites estes que por sua vez continuam sujeitos à crítica racional a qualquer momento e em qualquer circunstância do processo científico.
O objeto da razão é a experiência humana tomada na sua totalidade indistinta, só limitada pelo senso da infinitude. O objeto da ciência é um recorte operado convencionalmente dentro dessa totalidade, recorte cuja validade não pode ser senão relativa e provisória, condicionada sempre à crítica segundo as categorias gerais da razão que transcende infinitamente não só o domínio de cada ciência em particular, mas o de todas elas em conjunto.
Afinal, como se constitui uma ciência? Supõe-se que determinado grupo de fenômenos obedece a certas constantes e em seguida se recortam amostras dentro desse mesmo grupo para averiguar, mediante observações, experiências e medições, se as coisas se passam como previsto na hipótese inicial. Repetida a operação um certo número de vezes, busca-se articular os seus resultados num discurso lógico-dedutivo, estruturando a realidade da experiência na forma de uma demonstração lógica, evidenciando, ao menos idealmente, a racionalidade do real. Tudo isso é impossível sem as categorias da razão, obtidas não desta
ou daquela experiência científica, nem de todas elas em conjunto, mas do próprio senso da experiência humana como totalidade ilimitada.
A experiência humana tomada como totalidade ilimitada é a mais básica das realidades, ao passo que o objeto de cada ciência é uma construção hipotética erigida dentro de um recorte mais ou menos convencional dessa totalidade. Essa construção nada vale se amputada do fundo desde o qual se constituiu. O apego à autoridade da "ciência", tal como hoje se vê na maior parte dos debates públicos, não é senão a busca de uma proteção fetichista, socialmente aprovada, contra as responsabilidades do uso da razão.
O mais evidente sintoma disso é a facilidade, a trêfega e saltitante mudança de canal com que os porta-vozes da “ciência” transitam das atenuações relativistas e desconstrucionistas, para as quais todos os discursos são válidos de algum modo, às proclamações absolutistas de “fatos científicos” imunes a toda discussão, tão sagrados que seus contestadores devem ser excluídos do meio universitário e expostos à execração pública. O culto da “ciência” começa na ignorância do que seja a razão e culmina no apelo explícito à autoridade do irracional.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090107adc.html
Credibilidade fingida
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 7 de janeiro de 2009
Antes de levar muito a sério o que o Washington Post diz de Barack
Obama e de seus críticos, é prudente levar em conta a seguinte
advertência publicada pela ombudsman (ou, se quiserem,
ombudswoman) do jornal, Deborah Howell, em 10 de novembro: “Os
leitores têm constantemente acusado a falta de matérias investigativas
(sobre Obama) e aquilo que enxergam como um viés em favor do
candidato democrata. Minhas pesquisas mostram que eles têm razão
nos dois pontos.”
Numa época em que a opinião pública americana em peso prefere antes
acreditar na internet do que nos jornais (v. pesquisa em
www.breitbart.com/article.php?
id=081224183017.jxmbrdyb&show_article=1), é ridícula a afetação de
auto-importância com que órgãos de mídia semifalidos, posando de
donos da credibilidade e blefando em cima de um prestígio extinto,
fingem desprezar os “blogueiros de direita”, acusando-os de inventar
“teorias conspiratórias”. Se a obsessão de apelar ad nauseam a esse
chavão infamante como pretexto para fugir a um confronto com a
realidade já não bastasse para mostrar quem está fazendo jornalismo e
quem está trapaceando, restaria o fato de que é vigarice pura e simples
depreciar como mero “blog” um site de jornalismo eletrônico poderoso
como o WorldNetDaily, que tem muito mais leitores do que o
Washington Post jamais teve. Nada predispõe mais à ostentação verbal
de supremacia do que um bom complexo de inferioridade.
Contra factum argumentum non est, “contra fatos não há argumentos”,
ensinava Sto. Tomás. O establishment jornalístico americano (nem falo
do brasileiro) não aprendeu até hoje essa lição. Tudo, absolutamente
tudo o que se escreveu e se falou a favor de Barack Obama é baseado
exclusivamente em dois argumentos: a importância simbólica da eleição
de um negro e as grandes esperanças que esse símbolo desperta nas
almas dos crentes. Todos os méritos de Obama, enfim, com exceção de
suas inegáveis habilidades cênicas, são futuros. Não se poderia
escrever e realmente não se escreveu uma só linha em louvor dele com
base no seu passado político, pela simples razão de que as únicas
realizações dele antes e durante a sua breve passagem pelo Senado
foram coletar dinheiro para ONGs esquerdistas, escrever cartas em
favor dos projetos imobiliários de seu parceiro Tony Rezko e ajudar o
genocida Raila Odinga, seu parente, a conquistar o poder no Quênia.
Podem procurar à vontade, não encontrarão mais nada. Esse é todo o
currículo do salvador. Nunca se apostou tanto em capacidades jamais
provadas.
Aquilo que se escreve contra é mais rico e variado. Noto aí pelo menos
três linhas de ataque.
Há em primeiro lugar os que sondam a biografia ideológica de Obama
em busca das constantes que formaram sua mentalidade. A
documentação a respeito é abundante, muito bem pesquisada –
principalmente nos livros de Jerome Corsi, David Freddoso e Steve
Sailer – e o perfil que dela transparece é nítido: os ingredientes que o
compõem são o comunismo, o terceiromundismo, o anti-americanismo e
o racismo negro mais exacerbado. Nada de cristianismo, nada de
Founding Fathers, nada de constitucionalismo americano. Filho de um
militante comunista, Obama é um afilhado mental de Frank Marshall
Davis, Saul Alinsky, Williams Ayers, Frantz Fanon, Malcolm X, James
Cohen e Jeremiah Wright. Todas as suas opiniões sempre foram
convergentes com as desses mentores, até que ele se lançou candidato
à presidência e subitamente mudou de identidade, tornando-se
moderado, patriota e apegado aos valores tradicionais da nação
americana, só raramente deixando à mostra, por engano, algo do velho
Obama enragé. Não há, em toda essa sondagem, nada que se
assemelhe nem de longe a uma “teoria da conspiração”, mas o rótulo é
invariavelmente usado para neutralizar qualquer veleidade de
contrastar a vida do personagem com o seu discurso de campanha. Este
tem de ser aceito como a última palavra, sem qualquer apelo indecente
à realidade dos fatos.
Uma segunda linha de ataque é ilustrada pelo livro de Brad O’Leary,
The Audacity of Deceit, e por uma infinidade de artigos na internet, que
dos elementos biográficos disponíveis procuram deduzir a orientação do
futuro governo Obama, concluindo que será uma catástrofe. Certo ou
errado nas suas conclusões, esse tipo de conjeturação é perfeitamente
legítimo, usual e até obrigatório em toda concorrência eleitoral.
Também não vejo aí nada de “teoria da conspiração”.
Por fim, há aqueles que, fazendo abstração das discussões ideológicas,
se atêm ao exame da carreira de Obama nos seus aspectos jurídicos e
possivelmente criminais. Nenhum candidato presidencial jamais
escapou de ser examinado sob esse ângulo, mas no caso de Obama a
colheita é inusitadamente rica, e por isso mesmo o silêncio total que a
grande mídia tem mantido a respeito, contrariando sua prática usual
em todas as eleições anteriores – e mesmo nesta com relação aos
adversários de Obama –, evidencia a ascensão generalizada de um
partidarismo anormal, manipulador e criminoso na classe jornalística
americana. É compreensível que os responsáveis por essa anomalia,
denunciados pelos próprios leitores de seus jornais, reajam com quatro
pedras na mão, apelando a estereótipos pejorativos para não ter de
justificar o injustificável.
Vou lhes dar um exemplo que, pela própria miudeza, se torna
significativo. Quando um eleitor comum, Samuel Wurzelbacher, mais
conhecido como Joe the Plumber, espremeu Obama na rua com umas
perguntas difíceis, a mídia americana inteira caiu de pau sobre o
coitado, tentando desmoralizá-lo por meio informações ilegalmente
colhidas pelo governo, que o pintavam como vagabundo e marginal com
base em picuinhas como duas multas de trânsito não pagas. As multas
de Joe the Plumber apareceram em todos os maiores jornais e
noticiários de TV. Ao mesmo tempo, praticamente nada se leu ou se
ouviu sobre o fato de que o próprio Obama deixara de pagar não duas,
mas quinze multas de trânsito – depois pagas com dezesseis anos de
atraso por um obamista anônimo (v.
http://campaignspot.nationalreview.com/post/?
q=M2ExMGI1YzRhZjg5NDcxYjY2Y2VhZGFiZmE1MDRlM2E=). Quando
a fiscalização da mídia é mais severa contra o zé-ninguém do que contra
um candidato presidencial, algo de muito errado está acontecendo. E,
quando esse algo se repete uniformemente em quase todos os jornais e
canais de TV, a única maneira de evitar a hipótese de uma conspiração
ou coisa assim é apostar na intercomunicação telepática simultânea
entre milhares de jornalistas.
Mas há ainda um quarto fator: as autênticas teorias da conspiração.
Dizem que Obama é filho secreto de Malcom X, que Obama é um agente
plantado pela KGB, que Obama é muçulmano em segredo etc. etc.
Essas teorias não surgem de nenhuma alucinação coletiva, mas de uma
causa bem razoável. Obama, como já lhes contei aqui, esconde por
todos os meios uma série de episódios importantes da sua carreira.
Esconde por meio da mentira direta (ao dizer, por exemplo, que nunca
foi membro de um partido socialista, que nunca recebeu educação
islâmica ou que nunca teve negócios com Tony Rezko), por meio da
supressão de dezenas de documentos essenciais (a famosa certidão
original de nascimento, as agendas do seu gabinete no Senado, etc.
etc.) e por meio da falsificação pura e simples. Isso não é teoria da
conspiração. São fatos. Mas esses fatos, por sua vez, são enigmas.
Obama é o presidente eleito mais secreto e incognoscível que os EUA já
tiveram – um caso único na história das eleições democráticas. Será de
estranhar que, diante de tanta obscuridade, algumas pessoas se
ponham a conjeturar hipóteses, e que essas hipóteses acabem sempre
sugerindo algo de perverso, até sinistro? Quem tem o direito de
espalhar mistérios e depois ficar indignado ante a proliferação de
suposições conspiratórias geradas pela sua própria conduta esquiva e
inexplicável?
Vejam com seus próprios olhos o alistamento militar da criatura,
reproduzido em
http://www.debbieschlussel.com/archives/2008/11/exclusive_did_n.html:
Notem a data da assinatura no canto inferior esquerdo (letra D em
azul), 30 de julho de 1980, e, no canto superior direito (letra A em azul),
o ano de impressão do papel: 08, isto é, 2008. O miraculoso Obama
assinou o formulário 28 anos antes de impresso. Mais ainda, notem a
data do carimbo no canto inferior direito (letra E em azul). É 29 de
julho de 1980: o documento foi autenticado 24 horas antes de assinado.
Para completar, a sigla no carimbo é USPO, United States Post Office.
Mas esse carimbo já não era válido na data de assinatura do
documento, muito menos 28 anos depois: a repartição mudou de nome
para USPS, United States Postal Service, em 12 de agosto de 1970. Em
suma: é olhar esse papel e cair na mais completa perplexidade. Quem,
diante de tamanho descalabro, pode ficar tranqüilo e confiante, seguro
de que o país está em boas mãos? Só mesmo os articulistas do
Washington Post.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090109dc.html
Construindo a ditadura americana
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 9 de janeiro de 2009
Não há “crise de crédito” nem recessão nenhuma, mas os gastos do
governo americano para remediar problemas inexistentes podem criar
um problema real: a hiperinflação. Os EUA ameaçam menos repetir a
sua crise de 1929 do que o destino da República de Weimar em 1922,
quando era preciso uma cesta de dinheiro para comprar um pãozinho.
Estas são as conclusões de um relatório publicado pela firma de
consultoria Celent. O autor do estudo, Octavio Marenzi, é
freqüentemente citado como fonte pelo Economist, pelo Financial Times
e pelo Wall Street Journal. Antes de fundar a Celent, ele foi chefe do
departamento de Tecnologia da Informação do Union Bank de Zurique
e consultor do Booz, Allen & Hamilton's Financial Services Group na
Europa e nos EUA.
Ele afirma que os diagnósticos apresentados ao público pelo secretário
do Tesouro, Henry Paulson, e pelo presidente do Federal Reserve, Ben
Bernanke, são integralmente desmentidos pelas estatísticas oficiais dos
órgãos que eles mesmos dirigem.
Em setembro, quando persuadiu o presidente Bush a liberar 700
bilhões de dólares em verbas de emergência, Paulson disse que o
sistema financeiro estava “paralisado”, que os mercados de crédito
haviam “congelado” e que os empréstimos entre bancos tinham se
“reduzido substancialmente”. Bernanke afirmou que os negócios
estavam enfrentando “reduzido acesso ao crédito”.
Tudo isso é cem por cento falso. As tabelas da Secretaria do Tesouro e
do Federal Reserve mostram que, em vez de diminuir, a oferta de
dinheiro aumentou – e aumentou numa velocidade jamais vista antes na
história americana: 74 por cento em apenas 84 dias (15 por cento só no
auge da “crise”). “Antes, observa Marenzi, esse salto aconteceria no
curso de uma década ou mais.”
“Sem dúvida – prossegue –, um certo número de importantes
instituições financeiras e de firmas industriais está em sérias
dificuldades. No entanto, dificuldades de crédito que afetem um
conjunto específico de firmas não é a mesma coisa que um problema no
mercado de crédito como conjunto.” No geral, afirma Marenzi, este
último estava funcionando muito bem. Se algum risco havia era o da
hiperinflação – e a maciça injeção de dinheiro do governo só pode
transformar esse risco numa realidade iminente.
O relatório está em
http://www.celent.com/PressReleases/20081210/WhatCreditCrisis.asp.
A conclusão de Marenzi é que Paulson e Bernanke deformaram os fatos
“para justificar um acréscimo sem precedentes da intervenção
governamental nos mercados”. Mas os dois não fizeram isso sozinhos: a
grande mídia inteira os ajudou, endossando suas palavras e abstendo-se
meticulosamente de conferi-los com os dados publicados pelas
instituições que eles chefiam. Foi justamente por ver que os jornalistas
não cumpriam sua função que a Celent decidiu cumpri-la em lugar
deles.
No entanto, é claro que os riscos não se limitam à hiperinflação. O
anúncio espalhafatoso de uma crise inexistente deslancha, por si
mesmo, uma crise real. O gráfico mostra claramente que a oferta de
crédito caiu significativamente depois da Lei de Estabilização
Econômica assinada em 3 de outubro (Emergency Economic
Stabilization Act). Mas, se o remédio foi tão manifestamente culpado
por reduzir ao estado de coma um paciente que estava são, não se pode
dizer que esse fenômeno não teve precedentes na história da economia
americana. Num discurso pronunciado em 8 de novembro de 2002 na
Universidade de Chicago, o próprio Bernanke confessou que a Grande
Depressão de 1929-1933 não foi causada pela ação espontânea dos
fatores econômicos, mas pelo intervencionismo nefasto do Federal
Reserve. O discurso foi feito na cerimônia de homenagem ao
nonagésimo aniversário de Milton Friedmann – o economista que ao
longo de décadas, contra tudo e contra todos, vinha responsabilizando o
Federal Reserve pela crise de 1929. Agora era um dos diretores do
próprio Federal Reserve que confessava publicamente as culpas da
instituição. Mas nem sempre a confissão é um ato sincero de repúdio ao
crime. Pode haver nela uma ponta de orgulho secreto, que prenuncia a
reincidência. Decorridos seis anos, com Bernanke na presidência, o
Federal Reserve está de novo criando uma crise do nada, e, como diz
Marenzi, novamente “para justificar um acréscimo de intervenção
governamental nos mercados”.
Mas, se é assim – e, depois de olhar a tabela anexa, não imagino como
possa ter sido outra coisa –, então resta a pergunta: foi George W. Bush
quem mandou Paulson e Bernanke fazerem isso? Por que um presidente
que está nos últimos dias do mandato buscaria aumentar dessa maneira
o poder do Executivo, se ele mesmo não poderá desfrutar dos novos
instrumentos de comando? Obviamente, Bernanke e Paulson não estão
entregando esses instrumentos nas mãos de George W. Bush, mas de
Barack Hussein Obama. Trata-se de fazer com que o próximo
presidente já assuma o cargo na condição de ditador financeiro.
Se a operação foi realizada na base do engodo e da ocultação
premeditada de informações, não há nisso nada de estranho, de vez que
a própria vitória eleitoral de Obama foi alcançada pelos mesmos meios:
não há a menor dúvida de que, se a mídia armasse em torno do sumiço
dos documentos de Obama um centésimo do escarcéu que fez quanto à
gravidez da filha de Sarah Palin ou das multas de trânsito de Joe the
Plumber, o candidato democrata não teria tantos votos. O eleitorado foi
totalmente ludibriado quanto à identidade do homem em quem votava,
substituída pelo símbolo “candidato negro”, como se tudo quanto os
votantes precisavam saber do futuro presidente fosse a cor da sua pele
– e qualquer curiosidade quanto aos capítulos incertos da sua biografia
fosse crime de racismo: duas premissas que a mídia inteira adotou
como cláusulas pétreas do seu manual de redação durante as eleições.
Se duas gigantescas operações de desinformação são empreendidas
simultaneamente, uma para forçar o povo a escolher um candidato sem
fazer perguntas, outra para ajudar esse candidato a subir ao cargo já
com poderes incalculavelmente aumentados, só um idiota completo
poderia supor que essas duas operações foram totalmente
independentes, só unidas pela mera coincidência de um sincronismo
junguiano ou de uma imponderável decisão divina.
Em compensação, é verdadeira a articulação das duas manobras com
uma terceira, uma quarta e uma quinta, todas convergentemente
destinadas a munir de poderes especiais o próximo presidente.
1) A mais óbvia de todas é invenção pessoal de Barack Hussein Obama:
a menina-dos-olhos do presidente-eleito é o seu projeto de uma “força
civil de segurança nacional”, militância estudantil armada, paga com o
dinheiro dos contribuintes para atemorizá-los e persegui-los ao menor
chamado do profeta ungido (v.
http://www.ibdeditorials.com/IBDArticles.aspx?id=305420655186700).
2) Enquanto o diretor do Fundo Monetário Internacional, Dominique
Strauss-Khan, advertia que as restrições de crédito para pessoas de
baixa renda podem provocar distúrbios sociais, o próprio Paulson
informava que o governo está preparado para enfrentar com a lei
marcial as eventuais agitações e protestos que a “crise” venha a
suscitar. Lei marcial significa suspensão dos direitos e garantias
individuais.
3) Discretamente, alguns expoentes do pensamento militar americano
preparam-se para jogar no lixo a lei Posse Comitatus, que desde 1878
proíbe o uso das Forças Armadas como instrumento de repressão
interna. Um relatório do Instituto de Estudos Estratégicos do U.S. Army
War College afirma explicitamente: “O Departamento de Defesa pode
ser forçado a conter e reverter ameaças violentas à tranqüilidade
interna. Sob as mais extremas circunstâncias, isso pode incluir o uso da
força militar contra grupos hostis dentro dos EUA.” (V.
http://www.newsmax.com/headlines/military_domestic_use/2008/12/23/
164765.html?s=al&promo_code=763E-1). Alguns conservadores, num
lance de humor negro, chamam isso de Posse Obamitatus.
Aqueles seres superiores que adquirem suas certezas da contemplação
diária de um aparelho de TV devem sentir-se livres, sem nenhum
ressentimento da minha parte, para desprezar a convergência lógica
desses fatos como pura “teoria da conspiração”. Mas não impedirão
que, ao 61 anos de idade, eu já tenha compreendido que a obsessão de
parecer normal, equilibrado e mainstream é um sintoma de insegurança
muito mal disfarçado.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090112dc.html
A paz como arma de guerra
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 12 de janeiro de 2009
Enquanto Hugo Chávez expulsa o embaixador de Israel e no Brasil o PT
compara os israelenses aos nazistas, na Flórida a militância esquerdista
sai às ruas e grita: “Judeus, voltem para o forno”.
Está aberta a temporada de caça.
Ninguém parece julgar isso de todo mau. Como é possível que,
decorrido pouco mais de meio século do Holocausto, o ódio aos judeus
vá aos poucos se incorporando novamente ao senso comum, como se
fosse coisa decente, obrigatória, e dele dependessem as melhores
esperanças de paz e liberdade para a espécie humana?
A resposta é simples: controle o fluxo de informações e terá o domínio
absoluto das conclusões que o público vai tirar delas. Uma das regras
mais elementares da ciência histórica é: a difusão dos fatos causa novos
fatos. O fato desconhecido não gera efeitos. Se a maioria das
distribuidoras de vídeos não tivesse bloqueado o acesso dos
espectadores ao documentário Obsession
(www.obsessionthemovie.com), se o vídeo
www.israelnationalnews.com/News/News.aspx/129264 fosse exibido às
massas, se no mínimo o direito de chorar seus mortos no horário nobre
da TV não fosse um monopólio dos esquerdistas e terroristas, ninguém
diria que a reação de Israel foi excessiva: todos entenderiam que foi
justa, racional e tardia.
Para que esse desastre não aconteça, é preciso garantir que cada judeu
explodido pelas bombas do Hamas seja enterrado duas vezes: uma no
solo, outra no desconhecimento geral. Assim todo mundo fica com a
impressão de que os judeus não estão defendendo a própria pele,
apenas arrancando a de seus inimigos.
Também seria ingenuidade acreditar que o abismo crescente entre
noticiário e realidade é o efeito espontâneo de um simples viés
ideológico, de preferências subjetivas da classe jornalística.
Só para fins de comparação: as Farc, segundo se descobriu no famoso
laptop de Raul Reyes, não são um bando de psicóticos enfurnados na
selva – são uma organização mundial, com uma rica e eficiente rede de
apoio em 29 países. Mutatis mutandis, quantos colaboradores têm o
Hamas e o Hezbollah no Brasil, nos demais países da América Latina,
nos EUA e na Europa? Quantos deles são agentes de influência
colocados em postos decisivos das empresas jornalísticas para dar a
impressão de que é normal chamar os judeus de nazistas e no mesmo
ato sugerir enviá-los de volta aos campos de concentração? Ninguém
vai jamais investigar isso em profundidade, dar nomes, responsabilizar
criminalmente os desgraçados? Até quando a mídia continuará sendo a
principal arma de guerra assimétrica e posando de observadora neutra,
no máximo um tanto preconceituosa?
Claro, existem sempre os idiotas úteis, que repetem o que ouvem dizer.
Mas a idiotice em estado bruto é inerme. Para tornar-se útil ela tem de
sofrer um upgrade. Não se pode explicar um preconceito geral pela
simples propagação automática, sem que alguém tenha deslanchado o
processo. E quem o deslanchou sabe exatamente aonde pretende
chegar com ele.
Lênin já explicava que o terrorismo não é jamais um objetivo em si
mesmo, que suas finalidades só se cumprem quando os ataques cessam
e as conquistas obtidas são sacramentadas na mesa das negociações. A
transição depende, na sua quase totalidade, das disposições da opinião
pública. Quando o povo está cansado de guerra, está na hora de o lado
militarmente mais fraco ofecerer a paz ao mais forte em troca de
vantagens políticas. A mídia é o instrumento-chave dessa mutação.
Respaldada por ela, a equipe de governo de Barack Hussein Obama já
oferece ao Hamas a oportunidade de transformar a derrota em vitória
por meio do “diálogo”. Nenhuma organização terrorista aspira senão a
isso: ser transmutada de bando de criminosos em organização política
decente, portadora dos méritos da “paz”. Por isso mesmo a guerra
assimétrica é chamada, tecnicamente, de “a derrota do vencedor”. Sob
a pressão da mídia mundial, Israel arrisca-se a cair nesse engodo pela
milésima vez.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090113dc.html
Normas de redação
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 13 de janeiro de 2009
Confissões de Luiz Garcia, um dos potentados da redação de O Globo, reveladas durante um simpósio da University of Tulane, em março de 2008, por Carolina Matos, em conferência intitulada (sem ironia aparente) Partisanship versus professionalism:
“Fizemos um enorme esforço para atrair o pensamento esquerdista para O Globo. E fizemos isso em tal extensão que depois tivemos de procurar um direitista que escrevesse bem, e escolhemos Olavo de Carvalho, o que hoje lamentamos um bocado. Toda a esquerda tem acesso ao Globo: Élio Gaspari, Zuenir Ventura, Veríssimo... E também os ativistas, as ONGs. Estamos fazendo uma coisa balanceada.”
Leram? Leiam de novo. Com o maior ar de inocência, com aquela consciência limpa de quem não quer sujá-la num confronto com os próprios atos, o criador da página de opinião de um grande diário brasileiro apresenta sua noção de jornalismo balanceado, isento, equilibrado: franquear as páginas do jornal para “toda a esquerda”, um exército inteiro de editorialistas, cronistas, analistas e ongueiros, depois camuflar o partidarismo concedendo um espacinho a um – isso mesmo: um, um único – articulista de direita, em seguida reduzir um pouco mais esse espacinho e no fim ainda reclamar que o convidado, um brutamontes sem educação, ultrapassou a quota de direitice admitida. Em matéria de disfarce, isso foi tão eficiente quanto limpar bumbum de elefante com um cotonete.
Mas disfarçar era totalmente desnecessário: quem, entre as multidões, reclamaria do viés esquerdista do Globo? Brasileiro não lê jornal. Num país de 180 milhões de habitantes, a tiragem dos maiores diários, somada, mal chega a dois milhões de exemplares. A imagem que o zé-povinho tem dos jornais é a de trinta anos atrás: o Estadão ainda é os Mesquita, O Globo ainda é Roberto Marinho. Diga ao cidadão comum que O Globo é de esquerda, e ele rirá na sua cara com aquele ar de infinita superioridade que é o privilégio sublime da completa ignorância. De outro lado, o esquerdismo da mídia nacional é mais que hegemônico: é uma instituição tão antiga, tão sólida, tão tradicional e intocável que acabou por se tornar um estado natural. O jornalismo de esquerda já nem pode ser reconhecido como tal, pois há três gerações não existe um de direita que lhe sirva de contraste. A firme obediência ao programa esquerdista passa hoje como a encarnação mesma do profissionalismo idôneo, mainstream. Fanatismo, propaganda, distorção ideológica, só na coluna do Olavo de Carvalho, é claro. Pois não é que o safado teve a ousadia de contar para todo mundo que o Foro de São Paulo existia, quando a massa de seus colegas de ofício se empenhava solicitamente em ajudar essa central da subversão a crescer em silêncio? Por que ele não se limitou ao direitismo cool, educado, àquele amável direitismo de centro que festeja a eleição de Barack Obama como uma glória da democracia americana e de vez em quando até verte umas lágrimas (de crocodilo ou não) pelos terroristas mortos nos “anos de chumbo”?
Se querem entender como essa mudança aconteceu, leiam o livro de Alzira Alves de Abreu, Eles Mudaram a Imprensa (FGV, 2003). São “depoimentos de seis jornalistas que, na qualidade de diretores de redação, tiveram uma participação fundamental na reformulação ou na criação de órgãos de imprensa brasileiros nas últimas três décadas do século XX”. Dos seis entrevistados, cinco são esquerdistas. Só faltou, dessa geração de reformadores célebres, o Cláudio Abramo, que já tinha morrido. E Cláudio era um devoto de Leon Trotski. Isso, meus amigos, é a mídia brasileira. Ser esquerdista, no ambiente que esses homens criaram, não requer nem mesmo uma tomada de posição pessoal: é só você não pensar no assunto, e a força da rotina geral o arrastará insensivelmente para a esquerda sem que você tenha de assumir a mínima responsabilidade por isso.
Se Luiz Garcia parece não ter a menor consciência de que confessou uma manipulação abjeta, delituosa até, não é porque seja cínico de propósito: é porque, no meio em que ele vive, a insensibilidade moral para com os abusos do esquerdismo se tornou uma espécie de norma de redação.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090114dc.html
Por que sou insuportável
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 14 de janeiro de 2009
Marx descrevia a socialização dos meios de produção como um processo longo e complexo, que poderia se arrastar por muitas gerações. Nenhum partido comunista em seu juízo perfeito deve subir ao poder e logo no dia seguinte baixar um decreto: “Agora é o comunismo, turma. Fica abolida a propriedade privada.” Ao contrário: seja operada por meios pacíficos ou com farto recurso à violência, a transição é sempre lenta, irregular, intercalada de mil e uma concessões ao capital privado até que a elite comunista tenha se assenhoreado de todos os instrumentos de controle político, social, educacional e cultural, sem chance para o ressurgimento das forças reacionárias e conservadoras. O ideal é deixar a economia capitalista intacta e funcionando a pleno vapor até que a tomada do poder em todas as áreas da vida seja completa e irreversível.
Como a elite empresarial e os políticos “de direita” ignoram isso por completo – a maioria não leu nem sequer o Manifesto Comunista –, todos já começam a celebrar o triunfo do capitalismo tão logo um governo ou partido comunista dê sinal de se acomodar ao livre mercado, ainda que parcialmente. Ficam tão felizes com esse arranjo que nem reparam que a concessão no campo econômico vem junto com o avanço do controle hegemônico em todas as demais áreas. Que lhes importa que a militância comunista domine as escolas ou as instituições de alta cultura, se eles continuam ganhando dinheiro e até recebem alguns favores do governo esquerdista? Foi tendo isso em vista que Lênin disse: “A burguesia tece a corda com que a enforcamos.” É claro que a posição privilegiada do empresariado na sociedade não consiste só no direito de encher os bolsos, mas na obrigação de garantir que as próximas gerações desfrutem da mesma liberdade que o capitalismo lhes assegurou. Mas poucos, se algum chega a tanto, entendem que, sem um conjunto de valores culturais socialmente favoráveis à liberdade econômica e, mais ainda, sem os canais e instrumentos para a defesa e preservação desses valores, o capitalismo vai-se reduzindo pouco a pouco a uma concessão estatal provisória, até que se torne tão fraco politicamente que possa ser destruído da noite para o dia sem que um só protesto se levante contra o advento do comunismo.
Se querem saber, portanto, a que distância estamos desse advento, não perguntem se as empresas capitalistas estão prosperando. Perguntem quantos partidos políticos, jornais e canais de TV são abertamente anticomunistas. Quantos discursam habitualmente contra o martírio pérpétuo de prisioneiros políticos na China, na Coréia do Norte ou em Cuba em vez de fazê-lo contra as meras incomodidades que os tagarelas da esquerda alardeiam como “tortura” em Guantanamo? Quantos defendem a instituição da família e a moral tradicional? Quantos denunciam a perseguição anticristã e antijudaica? Quantos protestam contra a doutrinação comunista nas escolas? Quantos se recusam a colaborar com a demagogia gayzista e abortista ou com a eterna promoção de semi-intelectuais de esquerda à condição de representantes máximos da alta cultura? Quantos, ao menos, recusam adaptar-se ao vocabulário “politicamente correto”?
Resposta: nenhum. No Brasil, nenhum. Em todos esses setores, a fase da conquista da hegemonia, tal como descrita por Antonio Gramsci, já passou. O que se observa aí é o domínio total e absoluto, o controle draconiano da formação de opiniões, a ditadura mental onipotente e incontestada.
Enquanto isso, é preciso dar à massa idiota a ilusão de que a liberdade ainda existe. Isso se obtém por dois meios:
1) Reservam-se, na mídia e nos partidos, dois ou três lugares para os discordes e resistentes, de modo que seu mero contraste com a maioria satisfeita lhes dê ares de excêntricos amalucados, fazendo deles, mais que a exceção a confirmar a regra, um instrumento de legitimação inversa do estado de coisas. A estratégia gramsciana previa isso, dando a essas raridades o nome de “aberrações” e agradecendo sua ajuda involuntária à imposição dos novos padrões de normalidade. A única saída decente, para os que foram colocados nesse papel, é denunciar insistentemente a própria situação que lhes foi imposta, até que se tornem ainda mais aberrantes do que convém aos autores da manobra. O preço disso, é claro, é a discriminação aberta, o boicote ostensivo.
2) Abre-se oportunidade para um número um pouco maior de falsos conservadores, incumbidos de ocupar o espaço com argumentos em favor do livre mercado, perfeitamente inofensivos na atual fase da estratégia comunista, e com generalidades insossas sobre democracia, constitucionalismo, ordem jurídica, etc., sem tocar jamais nas questões substantivas que mencionei acima.
Infelizmente, entre jovens que assistiram a meus cursos e conferências, sem se tornar por isso meus estudantes genuínos, abundam os que se dispõem a exercer esse papel abjeto, satisfeitos de ver-se bem recebidos onde fui rejeitado, e acreditando-se por isso uma “alternativa superior”, mais moderninha, serena e equilibrada, ao cada vez mais insuportável Olavo de Carvalho.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090115dc.html
Cortina de trevas
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 15 de janeiro de 2009
O que está acontecendo na grande mídia americana é aterrorizante,
para quem percebe. Exagero? Teoria da conspiração? Um exemplo
recente permitirá que você julgue e tire suas próprias conclusões.
Quando o governador de Illinois foi acusado de leiloar a vaga do
sucessor de Barack Obama no Senado, a primeira pergunta que veio à
mente das autoridades policiais foi se o presidente eleito havia
colaborado com o esquema, ou pelo menos sabia de alguma coisa. Não
houve como esconder a dúvida, não só porque ela vinha diretamente da
promotoria, mas também porque, semanas antes, um dos principais
assessores da campanha obamista, David Axelrod, havia mencionado
em entrevista um encontro recente entre Obama e o governador
Blagojevitch. Logo veio a resposta calmante do próprio Obama, obtida,
segundo ele, após uma rigorosa investigação interna, e alardeada por
toda a mídia como solução final do enigma: Não, nem ele próprio,
Obama, nem qualquer membro de sua equipe tivera qualquer contato
com Blagojevich. Axelrod apressou-se a confirmá-lo, jurando que sua
primeira declaração fora apenas um equívoco. Feito isso, a mídia inteira
anunciou, para alívio geral dos crentes, que a derrocada do governador
de Illinois não manchava em nada a honra do Messias ungido.
Insatisfeita com essa solução demasiado fácil, a ONG Judicial Watch
intimou o governo de Illinois, pelo Freedom of Information Act, a liberar
todos os registros oficiais de quaisquer contatos recentes do
governador com Barack Obama ou membros da sua equipe. O que veio
em resposta foi assombroso, para dizer o mínimo: uma carta em papel
timbrado da equipe de transição, assinada pessoalmente por Barack
Obama, na qual este agradecia a Blagojevich pelo encontro que haviam
mantido na Filadélfia em 2 de dezembro, apenas uma semana antes de
o governador de Illinois ser preso. Pior: da conversa não haviam
participado apenas Obama e Blagojevich, mas também o vice-
presidente eleito, Joe Biden. O documento pode ser lido em
http://www.judicialwatch.org/documents/2009/
BlagojevichFOIAresponse122408.pdf. É a prova oficial, cabal, de que
Obama mentiu.
Pois bem, sabem quantos jornais noticiaram isso até agora? Nenhum.
Quantos noticiários de TV? Nenhum. Silêncio completo, proteção total à
imagem do queridinho. Não importa quantos documentos venham à
tona, não importa quantos fatos sejam revelados e bem provados, não
importa quantos crimes e contravenções o sujeito tenha praticado, nem
uma palavra contra ele será lida ou ouvida na mídia chique. O abismo
entre noticiário e realidade tornou-se imensurável, intransponível. Com
uma unanimidade esmagadora, os repórteres, editores e comentaristas
mentem, sonegam, falsificam, desconversam e, com um cinismo
chocante, riem de quem tente praticar o jornalismo à moda antiga, o
jornalismo de fatos e documentos, que, com os dias contados, sobrevive
apenas na internet e nas estações de rádio. Nada do que se tenha
observado anteriormente nas democracias ocidentais em matéria de
falsificação e manipulação de notícias se compara a esse bloqueio
completo e implacável, só igualado pela censura totalitária nos países
comunistas, com a diferença de que esta era imposta pelo governo, ao
passo que aquele nasce de uma cumplicidade voluntária – de tipo
sistêmico, não conspiratório, exatamente como previsto por Antonio
Gramsci.
Mais do que a própria eleição de Obama, esse fenômeno assinala uma
mudança histórica, destinada a ter conseqüências devastadoras em
escala mundial. Décadas de doutrinação universitária fundada na
premissa de que não existe realidade, somente “imposição de
narrativas”, produziram o efeito a que aspiravam: chegou ao poder nas
redações uma nova geração de jornalistas profundamente imbuídos da
convicção de que seu dever não é retratar o mundo, mas transformá-lo.
Ao distinto público, correspondentemente, incumbe deixar-se arrastar
pela mudança sem saber de onde ela vem nem para onde vai. Se a
cortina de trevas vai permanecer cerrada por mil anos ou apenas por
uns dois ou três, não sei. O que é certo é que ela já baixou sobre a terra
que foi um dia a da liberdade de imprensa.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090115dc.html
Cortina de trevas
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 15 de janeiro de 2009
O que está acontecendo na grande mídia americana é aterrorizante,
para quem percebe. Exagero? Teoria da conspiração? Um exemplo
recente permitirá que você julgue e tire suas próprias conclusões.
Quando o governador de Illinois foi acusado de leiloar a vaga do
sucessor de Barack Obama no Senado, a primeira pergunta que veio à
mente das autoridades policiais foi se o presidente eleito havia
colaborado com o esquema, ou pelo menos sabia de alguma coisa. Não
houve como esconder a dúvida, não só porque ela vinha diretamente da
promotoria, mas também porque, semanas antes, um dos principais
assessores da campanha obamista, David Axelrod, havia mencionado
em entrevista um encontro recente entre Obama e o governador
Blagojevitch. Logo veio a resposta calmante do próprio Obama, obtida,
segundo ele, após uma rigorosa investigação interna, e alardeada por
toda a mídia como solução final do enigma: Não, nem ele próprio,
Obama, nem qualquer membro de sua equipe tivera qualquer contato
com Blagojevich. Axelrod apressou-se a confirmá-lo, jurando que sua
primeira declaração fora apenas um equívoco. Feito isso, a mídia inteira
anunciou, para alívio geral dos crentes, que a derrocada do governador
de Illinois não manchava em nada a honra do Messias ungido.
Insatisfeita com essa solução demasiado fácil, a ONG Judicial Watch
intimou o governo de Illinois, pelo Freedom of Information Act, a liberar
todos os registros oficiais de quaisquer contatos recentes do
governador com Barack Obama ou membros da sua equipe. O que veio
em resposta foi assombroso, para dizer o mínimo: uma carta em papel
timbrado da equipe de transição, assinada pessoalmente por Barack
Obama, na qual este agradecia a Blagojevich pelo encontro que haviam
mantido na Filadélfia em 2 de dezembro, apenas uma semana antes de
o governador de Illinois ser preso. Pior: da conversa não haviam
participado apenas Obama e Blagojevich, mas também o vice-
presidente eleito, Joe Biden. O documento pode ser lido em
http://www.judicialwatch.org/documents/2009/
BlagojevichFOIAresponse122408.pdf. É a prova oficial, cabal, de que
Obama mentiu.
Pois bem, sabem quantos jornais noticiaram isso até agora? Nenhum.
Quantos noticiários de TV? Nenhum. Silêncio completo, proteção total à
imagem do queridinho. Não importa quantos documentos venham à
tona, não importa quantos fatos sejam revelados e bem provados, não
importa quantos crimes e contravenções o sujeito tenha praticado, nem
uma palavra contra ele será lida ou ouvida na mídia chique. O abismo
entre noticiário e realidade tornou-se imensurável, intransponível. Com
uma unanimidade esmagadora, os repórteres, editores e comentaristas
mentem, sonegam, falsificam, desconversam e, com um cinismo
chocante, riem de quem tente praticar o jornalismo à moda antiga, o
jornalismo de fatos e documentos, que, com os dias contados, sobrevive
apenas na internet e nas estações de rádio. Nada do que se tenha
observado anteriormente nas democracias ocidentais em matéria de
falsificação e manipulação de notícias se compara a esse bloqueio
completo e implacável, só igualado pela censura totalitária nos países
comunistas, com a diferença de que esta era imposta pelo governo, ao
passo que aquele nasce de uma cumplicidade voluntária – de tipo
sistêmico, não conspiratório, exatamente como previsto por Antonio
Gramsci.
Mais do que a própria eleição de Obama, esse fenômeno assinala uma
mudança histórica, destinada a ter conseqüências devastadoras em
escala mundial. Décadas de doutrinação universitária fundada na
premissa de que não existe realidade, somente “imposição de
narrativas”, produziram o efeito a que aspiravam: chegou ao poder nas
redações uma nova geração de jornalistas profundamente imbuídos da
convicção de que seu dever não é retratar o mundo, mas transformá-lo.
Ao distinto público, correspondentemente, incumbe deixar-se arrastar
pela mudança sem saber de onde ela vem nem para onde vai. Se a
cortina de trevas vai permanecer cerrada por mil anos ou apenas por
uns dois ou três, não sei. O que é certo é que ela já baixou sobre a terra
que foi um dia a da liberdade de imprensa.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090116dc.html
Para além dos milagres
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 16 de janeiro de 2009
Eric Voegelin usava o termo "fé metastática" para designar a crença ou esperança numa repentina transfiguração da estrutura da realidade e na subseqüente emergência de uma ordem paradisíaca. A expectativa dessa transformação perpassa toda a literatura revolucionária desde o século XVI. Com o tempo, acabou por se tornar uma figura de pensamento incorporada de tal modo nos usos populares, que a ela se pode recorrer com relativa certeza do efeito psicológico, a despeito do fracasso de todas as transfigurações anteriores.
O pressuposto embutido na expectativa revolucionária é que as limitações e entraves à realização dos desejos humanos não vêm da ordem geral do universo nem muito menos da natureza humana, mas de algum fator específico, inessencial e removível, cuja destruição abrirá as portas para um novo reino de felicidade e realizações majestosas. O obstáculo pode ser uma classe social, uma raça, um país, uma religião ou uma instituição. Destruído o inimigo, "tudo será mais belo", como dizia Antonio Gramsci num arremedo de conto de fadas que escreveu para a doutrinação de sua própria filha. Trotski assegurava que, eliminada a exploração capitalista, o potencial de auto-realização humana seria liberado ao ponto de cada varredor de rua ser um novo Leonardo da Vinci. Marx sonhava com um reino de possibilidades ilimitadas no qual não haveria nem mesmo divisão de trabalho e a própria noção de "profissão" seria eliminada: cada cidadão seria operário, artista plástico, gênio das ciências naturais, esportista, militar e político, tudo isso no mesmo dia.
Voegelin enxergava a origem remota da fé metastática revolucionária no profetismo hebraico: "Na profecia de Isaías defrontamo-nos com a esquisitice de que Isaías aconselhasse ao rei de Judá não confiar nas fortificações de Jerusalém ou no fortalecimento do seu exército, mas na fé em Iavé. Se o rei tivesse verdadeira fé, Deus faria o resto, produzindo uma epidemia ou espalhando pânico entre os inimigos, de modo que o perigo para a cidade se dissolveria." Ele confessa que só não usou o termo "magia" para não ofender a memória do profeta, mas a fé metastática – a esperança numa metástase da realidade por efeito de um ato de fé – não passa, no fim das contas, da aposta num poder mágico.
Qual a diferença, então, entre a esperança metastática e a fé em milagres de modo geral? Afinal, uma súbita reversão no curso das batalhas, sem aparente iniciativa humana que a justifique, é algo de bem menos espantoso do que a "dança do sol" em Fátima, testemunhada por setenta mil pessoas. Por que a fé extremada do rei de Judá no auxílio divino seria mais insensata do que a confiança com que três crianças portuguesas, advertidas por Nossa Senhora, compareceram fielmente na data e local marcados para o
encontro com um sinal dos céus? Se o rei se abstivesse de construir as fortificações, confiando-se folgadamente à promessa de uma intervenção divina, ele teria rompido por sua própria iniciativa a lógica de causa e efeito, antecipando-se à ação de Deus e apostando em poder controlar a realidade por meio dela. Aí reside a diferença entre a magia e o milagre, ação divina transcendente ao controle humano. Mas o milagre, como se vê no exemplo de Fátima e como eu mesmo expliquei numa conferência recente (resumida por Jack Elliott na revista eletrônica The Voegelin View), não tem nada a ver com uma transfiguração da ordem da realidade: ele é apenas a abertura localizada e temporária do mundo humano para uma ordem de realidade maior e mais abrangente, onde o aparentemente impossível se revela possível, mas só em circunstâncias excepcionais que levam o nome de “milagres” justamente por serem raridades dignas de admiração (mirare, ad-mirare, miraculum). Em torno da área beneficiada pelo milagre, a ordem do universo permanece intacta. A fé metastática, ao contrário, aposta numa transfiguração radical da ordem geral: as possibilidades divinas seriam postas ao alcance humano de maneira universal e definitiva. A fé metastática não imita a estrutura do milagre, mas a do Apocalipse: não se trata de uma intervenção vinda dos céus para alívio e encorajamento dos homens neste vale de lágrimas, mas da transfiguração completa do vale de lágrimas em paraíso de liberdade, paz e abundância. Isso é infinitamente maior do que um simples milagre ou mesmo do que a coleção completa dos milagres registrados desde o início da história humana.
Mais ainda: na visão bíblica, o advento do novo céu e da nova terra só é possível com a extinção do presente universo e a conseqüente absorção da realidade finita na escala do infinito. A fé metastática, ao contrário, despreza essa exigência e se proclama capaz de espremer as possibilidades infinitas dentro das medidas finitas do universo físico presente. Eis por que ela não é fé religiosa: é loucura em sentido estrito. Graças à onipresença da fé metastática entre os componentes da moderna cultura revolucionária, a esperança nessa loucura é hoje em dia uma força latente no inconsciente das massas, podendo ser ativada a qualquer momento, seja para impeli-las à violência genocida ou para transformar um farsante medíocre, um Barack Hussein Obama qualquer, em nova encarnação do Messias.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090120dc.html
A cultura do genocídio
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 20 de janeiro de 2009
Desde que os exércitos aliados revelaram ao mundo os horrores dos
campos de concentração nazistas, as tentativas de explicação histórica,
sociológica e psicológica de um fenômeno tão inusitado e monstruoso
criaram um dos ramos mais prolíficos da bibliografia universal. A cada
ano que passa, centenas ou milhares de livros, teses acadêmicas e
artigos em publicações eruditas e populares buscam enfrentar a
questão angustiante: como e por que foi possível a uma parcela da
humanidade culta rebaixar-se ao ponto de fazer da prática de crimes
hediondos em massa uma obrigação legal e um mérito patriótico?
As respostas oferecidas podem ser divididas em três grupos:
(1) A corrente dominante segue uma linha inaugurada pelo Doktor
Faustus de Thomas Mann, que busca as origens do nazismo no subsolo
irracional e satanista da cultura alemã. A noção de que a história social
e cultural da Alemanha pudesse elucidar o totalitarismo e o holocausto
veio a se tornar um dogma do senso comum e a dominar, praticamente
sem contestações, toda essa imensa bibliografia. A aposta nessa tese é
compartilhada, em medidas diversas, pelos autores e obras mais
díspares, desde produções acadêmicas respeitáveis como os estudos de
Otto Friedrich, Siegfried Kracauer, Lotte Eisner, Peter Gay, Carl
Schorske e as grandes biografias de Hitler por Joachim C. Fest, Ian
Kershaw, Alan Bullock, até obras de cunho polêmico como The Pink
Swastika, de Scott Lively e Kevin Abrams ou The Occult Hitler, de
Lothar Machtan, e até mesmo especulações sobre a contribuição
ocultista à formação da ideologia nazi (Nigel Pennick, Hitler's Secret
Sciences; Peter Levenda, Unholy Alliance: History of the Nazi
Involvement with the Occult; Dusty Sklar, The Nazis and the Occult;
Wilhelm Wulff, Zodiac and Swastika, Nicholas Goodrick-Clarke, The
Occult Roots of Nazism: Secret Aryan Cults and Their Influence on Nazi
Ideology etc.). O sucesso dessa linha de investigações é facilmente
explicável: como o nazismo se definia a si próprio como um movimento
essencialmente nacionalista, nada mais natural do que buscar suas
raízes na cultura nacional que o produziu. Lendo esse material, os
alemães se convenceram de que são um povo de criminosos e até hoje
se desgastam em perpétuos rituais de autopurificação, que contrastam
de maneira patética com a orgulhosa recusa comunista de se entregar a
idêntico exame de consciência.
(2) Ao lado dessa tradição, desenvolveu-se outra que, ao contrário,
procura dissolver a peculiaridade nacional do nazismo no rótulo geral
de "fascismo" ou "nazifascismo", uma noção infinitamente elástica que
abarca de Hitler a George W. Bush, passando pelos líderes sionistas e
pelo general Augusto Pinochet, sem esquecer o senador Joe McCarthy,
a Igreja Católica, as milícias patrióticas americanas, os militares
brasileiros e, de modo geral, todos os adeptos da economia de mercado
(ouvi com os meus dois ouvidos um professor da USP, José Luís Fiore,
exclamar: "Liberalismo é fascismo!"). Explicando o fenômeno nazista
como imperialismo capitalista, esta segunda linha de investigações,
fortemente subsidiada pelos escritórios de propaganda do governo
soviético, é autocontraditória e desprovida do mínimo de substância
intellectual que justifique um debate sério, mas, graças à rede global de
organizações militantes, espalhou-se como uma peste nos meios
universitários do Terceiro Mundo, daí saltando para conquistar até
mesmo algum espaço na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil,
tornou-se um dogma estabelecido e um dado do senso comum.
Raciocinar fora dela é considerado um sintoma de doença mental ou
uma prova cabal de inclinações nazifascistas. Tsk, tsk.
(3) Uma terceira linha, que subordina o conceito de nazismo à noção
mais genérica das ideologias de massa, sublinhando suas semelhanças
com o comunismo soviético e chinês e sondando suas origens nas fontes
gerais do movimento revolucionário mundial, nunca alcançou a
popularidade das outras duas, mas teve boa aceitação em círculos de
estudiosos especializados graças às obras de Friedrich Hayek, Ludwig
von Mises, Hannah Arendt, Norman Cohn, Eric Voegelin, Ernest
Topitsch e, mais recentemente, Richard Overy.
O documentário de Edvin Snore, The Soviet Story, que já comentei aqui
e que vocês podem descarregar com legendas em português no site
www.endireitar.org, traz uma poderosa confirmação à tese número 3,
reduz a número 2 ao engodo publicitário que ela sempre foi e, se não
impugna totalmente a número 1, debilita consideravelmente as suas
pretensões a ser "a" explicação dos crimes nazistas. Ao mostrar que
toda a técnica dos campos de concentração e do extermínio em massa
foi inventada pelos comunistas e só tardiamente copiada pelos nazistas
mediante convênio com o governo soviético, Snore faz picadinho de
qualquer tentativa de atribuir a crueldade nazista a alguma causa
especificamente alemã. Os fatores culturais assinalados na tese número
1 explicam a emergência de um movimento nacionalista de tipo místico
e irracionalista, mas não a extensão e a brutalidade quase inimaginável
de seus crimes. Afinal, movimentos de inspiração idêntica surgiram em
muitas outras partes do mundo sem ter por isso recorrido
sistematicamente ao genocídio como técnica de governo. O próprio
fascismo italiano, com toda a rigidez fanática do seu autoritarismo,
nada fez de comparável ao Holocausto, e, segundo conhecedores
habilitados como Hannah Arendt e Miguel Reale, não pode nem mesmo
ser enquadrado legitimamente na categoria do "totalitarismo", de vez
que o governo de Mussolini jamais tentou sequer obter o controle total
da sociedade italiana e, bem ao contrário, tolerou a existência de dois
poderes concorrentes: a Igreja e a monarquia. O emprego sistemático
do genocídio como instrumento de governo foi invenção comunista. O
que aconteceu na Alemanha foi a fusão deliberada de um imaginário de
tipo nacionalista-místico com a técnica comunista de governo. Essa foi a
originalidade de Hitler, até na opinião dele próprio. Ao declarar que
toda a sua luta se inspirava diretamente em Karl Marx, ele não se
referia, naturalmente, à mitologia patriótica do nazismo, mas à
organização socialista da economia e sobretudo ao emprego sistemático
do terror genocida. Hitler fundiu Mussolini com Lênin, e a parte
genocida da mistura não veio do primeiro componente.
Um dos depoimentos mais importantes de The Soviet Story é o de
George Watson, um professor de literatura que se especializou na
pesquisa das fontes textuais do socialismo. Autor de um importante
estudo sobre The Lost Literature of Socialism, que infelizmente não é
citado no filme, Watson descobriu que, antes de Marx e Engels, nenhum
ideólogo de qualquer espécie havia jamais proposto a liquidação de
"povos inferiores" (expressão do próprio Marx) como prática deliberada
e condição indispensável para a instalação de um novo regime. Nem
mesmo Maquiavel havia pensado numa coisa dessas. O genocídio é
criação sui generis do movimento socialista, e sete décadas se
passaram antes que uma dissidência interna desse movimento desse
origem ao fascismo e depois ao nazismo, que tardiamente adotou a
fórmula do morticínio salvador então já posta em prática por Lênin na
URSS.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090122dc.html
Rombo de segurança
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 22 de janeiro de 2009
Alguém espalhou pela internet o boato de que a filha de Leon Panetta, o escolhido de Barack Hussein Obama para chefiar a CIA, era comunista e amiga de Hugo Chávez. Vários blogs conservadores morderam a isca e repassaram a história, amparada numa foto de Linda Panetta – este o nome da criatura – ao lado do caudilho venezuelano. O problema é que Leon Panetta só tem filhos homens, três ao todo, e nunca viu a mocinha até o dia em que a foto dela apareceu na internet.
O episódio e os comentários sarcásticos que suscitou na mídia iluminada só serviram para desviar as atenções populares de uma outra notícia que, totalmente omitida pelos jornais e TVs, circulava pela rede no mesmo instante. Escrita pelo repórter holandês Emerson Veermat – um profissional cuja seriedade na pesquisa jornalística já obteve elogios do governo do seu país –, ela informa que Leon Panetta não precisa de nenhuma filha para lhe arranjar ligações comprometedoras com o movimento comunista: ele tem as suas próprias, diretas e muito mais sérias do que a simples amizade com um pop star da esquerda. Como membro do Congresso, ele deu ostensivo apoio ao Institute for Policy Studies (IPS), um think tank esquerdista e raivosamente anti-CIA presidido por um cidadão de nome Richard Jackson Barnett, que segundo o FBI é mais que suspeito de ser um agente da KGB. A reportagem de Veermat está em http://www.pipelinenews.org/index.cfm?page=vermaatciaid=1.8.09.htm.
Sustentado pelo dinheiro do milionário pró-comunista Samuel Rubin (cuja Samuel Rubin Foundation também subsidia no Brasil o Instituto “Sou da Paz”), o IPS não se limitou a tomar partido dos comunistas na guerra do Vietnã e a armar várias campanhas de propaganda contra a CIA – atividades que, em si, não o distinguiriam de qualquer organização militante de esquerda. Ele foi muito além disso, organizando operações de inteligência, altamente sofisticadas, para dificultar o acesso da agência a informações que pudessem prejudicar o bloco comunista. O coordenador dessas operações foi o ex-funcionário da CIA Philip Agee, que mais tarde se confirmou ser um agente da inteligência cubana e da KGB. Entre outras realizações notáveis, o IPS, através da sua filial em
Amsterdã, ajudou na publicação da revista Counterspy, onde Agee revelou o nome de vários agentes secretos da CIA, um dos quais, Richard L. Welch, foi assassinado logo depois. Não espanta que o IPS fosse descrito por Brian Crozier, diretor do London Institute for the Study of Conflict, como “a fachada intelectual perfeita para as atividades soviéticas”.
Como congressista, Leon Panetta delegou trabalhos importantes ao IPS – inclusive um projeto para a redução do orçamento militar americano – e ainda promoveu, junto com outros treze deputados, uma coleta de fundos para a festa de gala do aniversário da fundação da entidade em 1985.
As atividades subversivas do IPS já não são um grande segredo. Veermat baseou parte da sua matéria no relato meticuloso escrito por um ex-funcionário da organização, S. Steven Powell, Covert Cadre: Inside the Institute for Policy Studies, publicado em 1987 em Ottawa, Illinois, por Green Hill Publishers, Inc.
Mas nem todos os serviços prestados por Panetta aos inimigos dos EUA têm ligação com o IPS. Em 1997 foi ele quem, indicado por Bill Clinton, negociou a proposta de ceder aos chineses o estaleiro da Marinha em Long Beach, o que na época foi denunciado como um evidente risco para a segurança nacional americana (v. Rowan Scarborough, “Solomon: Is Cosco strategic threat? Long Beach deal triggers concern”, no Washington Times de 20 de maio de 1997, reproduzido nos Anais da Câmara de Representantes, em http://thomas.loc.gov/cgi-bin/query/D?r105:1:./temp/~r105Cp2PD0::). Convém recordar que diretores da estatal chinesa interessada, a Chinese Ocean Shipping Co. (Cosco), haviam feito substanciais contribuições em dinheiro para a campanha presidencial de Clinton.
Por qualquer critério mínimo de segurança, um candidato com esse curriculum vitae jamais seria aceito como agente ou mesmo como estagiário da CIA ou de qualquer outro órgão de inteligência americano. Panetta na direção da CIA não é uma falha de segurança: é um rombo. Mas, se um cidadão de nome árabe pode ser presidente dos EUA sem ter de mostrar nenhuma prova genuína de nacionalidade – e se a simples sugestão de que ele deveria apresentar essa prova é violentamente reprimida como sinal de paranóia, racismo, “teoria da conspiração” ou no mínimo falta de polidez –, então certamente deve ser impolidez maior ainda, se não pecado mortal, pretender que o diretor da CIA, apontado por governante tão excelso e intocável, deva submeter-se a algum requisito de segurança.
Tão grande é o temor de ser acusado dessa impolidez, que o próprio Veermat se abstém de insinuar que Panetta seja um colaborador consciente dos serviços de inteligência russos ou chineses. Como já se tornou de praxe nessas situações, ele atribui inteiramente à ingenuidade e à incompetência as sujeiras comunistas em que o escolhido de Obama se meteu.
Mas, nessas horas, uma idéia não me sai da cabeça. Sei que é crime hediondo dar alguma razão ao falecido senador Joe McCarthy, mesmo em coisas mínimas, mas ele costumava dizer algo que, no caso Panetta, vem muito a calhar: “Pela lei das probabilidades, não é verossímil que erros cometidos por mera incompetência ou acidente favoreçam sempre o outro lado, jamais o nosso.”
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090123dc.html
O segredo de um terrorista
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 23 de janeiro de 2009
Muitos se escandalizam com o asilo político concedido ao assassino Cesare Battisti, mas poucos tentam averiguar o que o episódio significa realmente. A sucessão de casos similares, a proteção concedida pela esquerda brasileira a praticamente todos os terroristas internacionais que aqui aportam – Achille Lollo, Olivério Medina e sua esposa, os seqüestradores de Abílio Diniz e Washington Olivetto – e o contraste que esses casos formam com a recusa de asilo aos dois boxeadores cubanos deveriam alertar para a obviedade de que não se trata de episódios isolados, mas de uma atividade permanente, sistemática. Mas mesmo aqueles que o percebem hesitam em sondar a relação entre esses fatos e a estratégia geral petista.
Qual é exatamente a posição do Brasil no quadro da esquerda internacional em ascensão? A uma visão superficial, o Brasil é uma democracia de esquerda moderada, favorável ao livre mercado e respeitosa da ordem jurídica. Quase ninguém entende que o país precisa ser tudo isso precisamente para poder desempenhar a função nuclear que lhe cabe na estratégia esquerdista mundial. Também poucos querem enxergar que a democracia brasileira é hoje um puro formalismo jurídico a encobrir o poder monopolístico da esquerda e a total exclusão da simples possibilidade teórica de uma oposição conservadora, seja na política eleitoral, seja na mídia, seja até na pura esfera cultural.
O Brasil, democracia sui generis onde as liberdades legalmente constituídas coexistem pacificamente com a total impossibilidade de exercê-las, é a origem e o centro de comando da revolução comunista na América Latina. É da elite intelectual petista, fundadora do Foro de São Paulo, que emanam discretamente as instruções gerais destinadas a transformar-se em espetáculos de esquerdismo histriônico por meio dos Chávez, Morales e outros tantos que às vezes nem mesmo compreendem as sutilezas dialéticas do processo e por isto acabam, com freqüência, exagerando no desempenho de seus papéis. Se a Venezuela e a Bolívia parecem estar na vanguarda da revolução, e o Brasil muito na retaguarda, é porque o comando, por definição, fica na retaguarda.
Por isso mesmo é que o Brasil se torna também o abrigo ideal para os revolucionários caídos em desgraça nos seus respectivos países. Se eles fossem para Cuba ou para a Venezuela, teriam de conservar sua identidade exterior de revolucionários e se tornariam inúteis para funções mais discretas e relevantes. Aqui, podem adquirir uma fachada de cidadãos pacíficos, aposentados de toda violência, e integrar-se, sem risco nenhum, nos altos círculos intelectuais que comandam o processo. Só um idiota completo pode acreditar
que o governo brasileiro aceitaria o risco de uma crise diplomática só para agradar a uma socialite. Tal como Achille Lollo e Olivério Medina, Cesare Battisti não recebeu apenas um asilo político, mas uma promoção, subindo na hierarquia revolucionária, do posto de executor na linha de frente para o de analista e planejador nas altas esferas. Ele é protegido porque é útil, não porque Carla Bruni é bonitinha.
Nenhuma análise séria dos fatos políticos pode-se fazer desde o ponto de vista liberal e conservador se este não absorve, primeiro, a perspectiva do adversário. Se você não está capacitado para fazer uma análise marxista da situação exatamente como a fariam os teóricos e estrategistas do movimento revolucionário, suas opiniões a respeito da política de esquerda serão sempre meras tentativas de projetar sobre ela categorias que lhe são estranhas, ajudando, portanto, a encobrir seus verdadeiros intuitos e a conferir o privilégio da invisibilidade quase absoluta às estratégias e táticas do esquerdismo.
Afinal, o marxismo não é só uma “ideologia”: ele é uma estratégia da praxis revolucionária e, nesse sentido, é uma ciência – uma ciência extremamente sutil e complexa, da qual os formadores de opinião liberais e conservadores, no Brasil, não sabem praticamente nada. O deslocamento entre as categorias analíticas e a natureza do fenômeno estudado é garantia segura de incompreensão, e a incompreensão é por sua vez a origem dos erros estratégicos monstruosos que, ao longo dos últimos trinta anos, reduziram o liberalismo e o conservadorismo, de forças imperantes, a exceções doentias que só subsistem graças à tolerância provisória do sistema.
É fácil observar de fora os erros da economia marxista e pontificar que todo movimento baseado nela está condenado ao fracasso. Mas a estratégia do movimento comunista não é, de maneira alguma, uma decorrência direta e mecânica da sua economia. Principalmente não o é na esfera da luta cultural, onde as manobras e rodeios da intelectualidade ativista vão, com freqüência, no sentido contrário daquilo que se poderia deduzir do economicismo marxista vulgar. Trata-se de um ramo de conhecimento que tem sua própria autonomia e que não pode ser dominado senão mediante longos anos de estudo. É só aprendendo a pensar como os teóricos da revolução mundial que se pode, em seguida, transcender a sua visão das coisas e condená-la com fundamento. Atirar-lhe pedras desde fora é ficar abaixo dela e tornar-se vítima cega do processo revolucionário.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090127dc.html
Educação ao contrário
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 27 de janeiro de 2009
Clicando no Google a palavra “Educação” seguida da expressão “direito de todos”, encontrei 671 mil referências. Só de artigos acadêmicos a respeito, 5.120. “Educação inclusiva” dá 262 mil respostas. Experimente clicar agora “Educar-se é dever de cada um”: nenhum resultado. “Educar-se é dever de todos”: nenhum resultado. “Educar-se é dever do cidadão”: nenhum resultado.
Isso basta para explicar por que os estudantes brasileiros tiram sempre os últimos lugares nos testes internacionais. A idéia de que educar-se seja um dever jamais parece ter ocorrido às mentes iluminadas que orientam (ou desorientam) a formação (ou deformação) das mentes das nossas crianças.
Eis também a razão pela qual, quando meus filhos me perguntavam por que tinham de ir para a escola, eu só conseguia lhes responder que se não fizessem isso eu iria para a cadeia; que, portanto, deveriam submeter-se àquele ritual absurdo por amor ao seu velho pai. Jamais consegui encontrar outra justificativa. Também lhes recomendei que só se esforçassem o bastante para tirar as notas mínimas, sem perder mais tempo com aquela bobagem. Se quisessem adquirir cultura, que estudassem em casa, sob a minha orientação. Tenho oito filhos. Nenhum deles é inculto. Mas o mais erudito de todos, não por coincidência, é aquele que freqüentou escola por menos tempo.
A idéia de que a educação é um direito é uma das mais esquisitas que já passaram pela mente humana. É só a repetição obsessiva que lhe dá alguma credibilidade. Que é um direito, afinal? É uma obrigação que alguém tem para com você. Amputado da obrigação que impõe a um terceiro, o direito não tem substância nenhuma. É como dizer que as crianças têm direito à alimentação sem que ninguém tenha a obrigação de alimentá-las. A palavra “direito” é apenas um modo eufemístico de designar a obrigação dos outros.
Os outros, no caso, são as pessoas e instituições nominalmente incumbidas de “dar” educação aos brasileiros: professores, pedagogos, ministros, intelectuais e uma multidão de burocratas. Quando essas criaturas dizem que você tem direito à educação, estão apenas enunciando uma obrigação que incumbe a elas próprias. Por que, então, fazem disso uma campanha publicitária? Por que publicam anúncios que logicamente só devem ser lidos por elas mesmas? Será que até para se convencer das suas próprias obrigações elas têm de gastar dinheiro do governo? Ou são tão preguiçosas que precisam incitar a população para que as pressione a cumprir seu dever? Cada tostão gasto em campanhas desse tipo é um absurdo e um crime.
Mais ainda, a experiência universal dos educadores genuínos prova que o sujeito ativo do processo educacional é o estudante, não o professor, o diretor da escola ou toda a burocracia estatal reunida. Ninguém pode “dar” educação a ninguém. Educação é uma conquista pessoal, e só se obtém quando o impulso para ela é sincero, vem do fundo da alma e não de uma obrigação imposta de fora. Ninguém se educa contra a sua própria vontade, no mínimo porque estudar requer concentração, e pressão de fora é o contrário da concentração. O máximo que um estudante pode receber de fora são os meios e a oportunidade de educar-se. Mas isso não servirá para nada se ele não estiver motivado a buscar conhecimento. Gritar no ouvido dele que a educação é um direito seu só o impele a cobrar tudo dos outros – do Estado, da sociedade – e nada de si mesmo.
Se há uma coisa óbvia na cultura brasileira, é o desprezo pelo conhecimento e a concomitante veneração pelos títulos e diplomas que dão acesso aos bons empregos. Isso é uma constante que vem do tempo do Império e já foi abundantemente documentada na nossa literatura. Nessas condições, campanhas publicitárias que enfatizem a educação como um direito a ser cobrado e não como uma obrigação a ser cumprida pelo próprio destinatário da campanha têm um efeito corruptor quase tão grave quanto o do tráfico de drogas. Elas incitam as pessoas a esperar que o governo lhes dê a ferramenta mágica para subir na vida sem que isto implique, da parte delas, nenhum amor aos estudos, e sim apenas o desejo do diploma.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090129dc.html
Um gênio da inépcia
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 29 de janeiro de 2009
Em 14 de junho de 2008 escrevi no Diário do Comércio: “Barack Hussein Obama é, sob tantos aspectos, tão diferente daquilo que normalmente se entende como um candidato à presidência dos EUA, que só por uma distração formidável alguém pode achar que o detalhe mais significativo nele é a cor da sua pele.”
Sete meses depois, o referido ainda não cessou de dar mostras da sua total originalidade. Após ter sido o primeiro presidente americano que esconde quase todos os seus documentos e ainda falsifica os poucos que exibe, tornou-se também o primeiro que pode fazer essas coisas sem que nem mesmo seus adversários eleitorais denunciem aí algo de estranho, o primeiro que subiu ao poder trazendo nas costas duas dúzias de processos judiciais, o primeiro que foi interrogado pela polícia antes mesmo de ser empossado e o primeiro que aos domingos vai à quadra de esportes em vez de ir à igreja.
Mas é no capítulo das gafes orais que o cidadão, enaltecido como um dominador absoluto dos meios de expressão verbal, se mostrou mais diferente de todos os seus antecessores. Embora a mídia faça questão cerrada de não notar isso de maneira alguma, nenhum outro presidente americano – nem mesmo George W. Bush – cometeu, em tão pouco tempo, erros tão múltiplos e tão colossais. Ele foi o primeiro que tropeçou ao declarar sua religião, dizendo-se islamita em vez de cristão; o primeiro que negou uma conversa comprometedora dias depois de ter assinado um documento oficial que a comprovava; o primeiro que gaguejou diante das câmeras ao negar envolvimento num caso de corrupção; o primeiro que teve de repetir o juramento de posse, por ter trocado as palavras; e o primeiro que, logo no discurso inaugural, errou desastrosamente numa citação bíblica, trocando um versículo destinado a mostrá-lo como alma cristianíssima por outro que o acusava de ser exatamente o contrário.
Diante de milhões de espectadores, ele declarou que seu trecho predileto do Novo Testamento é João 16:3. Queria dizer, é claro, João 3:16, o versículo central do cristianismo: “De tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho Unigênito, para que todo aquele que creia nele não pereça, mas tenha a vida eterna.” E João 16:3, o que diz? Bem, depois de Spike Lee ter afirmado que Deus enviou a crise econômica com a única finalidade de eleger Obama, não serei considerado mais louco do que o trêfego cineasta se enunciar uma hipótese teológica bem mais modesta, a de que o versículo intruso foi não apenas o objeto da gafe presidencial, mas também a sua explicação divina, didática e exemplar, soprada pelos anjos ao ouvido do orador para que se autodenunciasse. Nele Jesus diz: “Farão isso porque não conheceram ao Pai nem a Mim.”1
Gafes em série não são puras gafes: são sintomas de incompetência estrutural. Desenvolto e persuasivo ao ler mensagens no teleprompter, Obama revela um total desamparo ao lidar com as palavras sem ajuda. Com boas razões ele vetou a divulgação de seus artigos acadêmicos, mas alguns escaparam ao bloqueio e foram parar nas mãos do repórter Jack Cashill, que impiedosamente os exibiu. Em “Breaking the War Mentality”, publicado na revista da Universidade Columbia, Sundial, em março de 1983, Obama escreve: “The belief that moribund institutions, rather than individuals are at the root of the problem, keep SAM's energies alive.” O sujeito singular belief não concorda com o verbo keep no plural, e a virgulação não faz o menor sentido. Mais adiante, ele confunde o superlativo com o comparativo: “Our better instincts can at least match the bad ones” – better em vez de best. E ainda: “SAM casts a wider net than ARA, though for the purposes of effectiveness, they have tried to lock in on one issue at a time” – o sujeito singular da oração principal torna-se plural na oração subordinada. Há vários outros erros pueris nesse em outros artigos, só igualados, em matéria de inépcia gramatical, pela tese da Sra. Obama em Harvard. Tal como a digníssima, o homem é, com toda a evidência, precariamente alfabetizado. Ele não poderia jamais ter escrito Dreams of My Father, onde testes por computador revelam sinais do estilo de William Ayers, ghost writer experiente.
Desprovido de assessoria, o desempenho escrito ou oral de Obama é tão miserável e contrasta de tal maneira com a sua imagem de gênio alardeada por um coro universal de tagarelas, que esta não pode nem mesmo ser compreendida como mera louvação publicitária. O exagero adulatório puro e simples tem de se ater, afinal, a um mínimo de verossimilhança, que no caso falta por completo. A mentira propositadamente inverossímil, propositadamente contrária aos fatos visíveis, é coisa totalmente diversa. É uma técnica psicológica já bem testada em seitas pseudo-religiosas e em regimes totalitários. Theodore Dalrymple resume-a com precisão: “No meu estudo das sociedades comunistas, cheguei à conclusão de que o propósito da propaganda comunista não era persuadir, nem convencer, mas humilhar – e, para isso, quanto menos ela correspondesse à realidade, melhor. Quando as pessoas são forçadas a ficar em silêncio enquanto ouvem as mais óbvias mentiras, ou, pior ainda, quando elas próprias são forçadas a repetir as mentiras, elas perdem de uma vez para sempre todo o seu senso de probidade... Uma sociedade de mentirosos castrados é fácil de controlar.”
NOTAS:
1. Aviso já enviado ao Diário do Comércio:
Erro corrigido
No meio das várias gafes comprovadas que citei no artigo “Um gênio da inépcia” (DC, 29 de janeiro de 2009), passou uma falsa: a trapalhada bíblica ali atribuída a Barack Hussein Obama é apenas um boato, já usado contra outros políticos em eleições anteriores. Quatro leitores me informam isso, com boas fontes, e agradeço a eles a correção. Se a grande mídia tivesse tantos fiscais quanto eu, erraria menos, e não somente em detalhes como esse.
Olavo de Carvalho
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090202dc.html
Reféns de um blefe
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 2 de fevereiro de 2009
Segundo pesquisa publicada na Folha de S. Paulo do último dia 25, a
maioria dos brasileiros – até eventuais simpatizantes do PT – é contra
as intromissões do governo na mídia e nos sindicatos. Pesquisas
anteriores (http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?t=eleitor-
brasileiro-conservador&cod_Post=40197&a=111) mostraram que, dos
nossos conterrâneos, 79 por cento são contra a descriminalização da
maconha, 63 por cento contra a legalização do aborto, 84% defendem a
redução da maioridade penal de 18 para 16 anos e 51% querem a
instituição da pena de morte. Como se esses resultados já não falassem
por si, e como se o plebiscito das armas também não fosse eloqüente o
bastante, 47 por cento se definem explicitamente como “de direita”, 23
por cento “de centro” e apenas 30 por cento “de esquerda”.
Por que diabos, então, não há um partido que fale pela maioria, um
autêntico partido conservador neste país? Por que, entre os políticos,
até aqueles que em privado defendem idéias conservadoras fazem
questão de ostentar sempre algum esquerdismo em público, na ilusão
estúpida de que isso lhes dará votos?
A resposta é bem conhecida dos esquerdistas. Quatro décadas atrás, o
cientista político Michael Parenti (Inventing Reality: The Politics of the
Mass Media, New York, St. Martin's Press, 1968) já ensinava à sua
platéia de militantes que não deviam se deixar impressionar pela
opinião dominante da mídia, a qual em grande parte dos casos não era
dominante de maneira alguma, apenas fingia sê-lo: os mandarins do
jornalismo faziam-se de porta-vozes de uma maioria que, em geral, não
seguia as preferências deles no mais mínimo que fosse.
A esquerda absorveu essa lição e, logo na geração seguinte, já aplicava
o truque com uma destreza, com uma pertinácia, com um cinismo que
seus antecessores nas salas de redação não poderiam nem mesmo ter
imaginado.
Nossos conservadores e liberais não entenderam isso até hoje.
Acreditam piamente que se desagradarem aos articulistas da Folha e do
Globo estarão desagradando o eleitorado, quando na verdade quem o
desagrada é a Folha, é o Globo, é a elite midiática em geral.
A tiragem dos nossos “grandes jornais”, hoje substancialmente a
mesma dos anos 50, enquanto a população triplicou e o analfabetismo
praticamente desapareceu, já basta para mostrar que a influência dos
jornalistas sobre a opinião popular é mínima, é ridícula, é desprezível.
O que lhes sobra é pose, é encenação, é um talento extraordinário para
o blefe, para a chantagem psicológica. Justamente porque sabem que
não fazem a opinião pública, esmeram-se em fazer-se de donos dela, e
mediante esse truque bobo inibem os direitistas e conservadores,
tornando-os reféns de um perigo imaginário.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090204dc.html
Um guru da educação brasileira
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 4 de fevereiro de 2009
Uma das idéias mais influentes e respeitadas na educação brasileira é a
teoria da “violência simbólica”, criada por Pierre Bourdieu (v. Pierre
Bourdieu e Jacques Passeron, A Reprodução. Elementos para uma
Teoria do Sistema de Ensino, trad. Reynaldo Bayrão, 3ª. ed., Rio,
Francisco Alves, 1992). Por esse termo ele entende “a violência que
extorque submissão não percebida como tal, baseada em ‘expectativas
coletivas’ ou crenças socialmente inculcadas”. Violência simbólica é
toda forma de dominação mediante impregnação inconsciente de
hábitos, símbolos e valores que ao mesmo tempo impõem essa
dominação e a encobrem aos olhos dos dominados, de modo que a
violência é tanto mais efetiva quanto menos reconhecida.
Todo sistema educacional, desta ou de outras épocas, constitui-se,
segundo Bourdieu, de “atos pedagógicos” destinados a impor um
conjunto de valores culturais, sempre arbitrários e injustificáveis, por
meio de “violência simbólica”. As noções de “violência” e “arbitrário”
estão interligadas: “A seleção de significações que define objetivamente
a cultura de um grupo ou de uma classe como sistema simbólico é
arbitrária na medida em que a estrutura e as funções dessa cultura não
podem ser deduzidas de nenhum princípio universal, físico, biológico ou
espiritual, não estando unidas por nenhuma espécie de relação interna
à ‘natureza das coisas’ ou a uma ‘natureza humana’.”
A premissa aí oculta é que, se o sistema simbólico refletisse princípios
universais, a ação pedagógica não seria violência simbólica e sim
persuasão racional . Mas isso, segundo Bourdieu, jamais acontece:
“Toda ação pedagógica é objetivamente uma violência simbólica
enquanto imposição, por um poder arbitrário, de um arbitrário
cultural.”
Mas, se a cultura não tem fundamento, nem por isso deixa de ter
utilidade – para alguns, é claro: “A seleção de significações que
constitui objetivamente a cultura de um grupo ou classe como sistema
simbólico é sociologicamente necessária na medida em que essa cultura
deve sua existência às condições sociais das quais ela é o produto.” O
esquema dominante (as “condições sociais”) não se limita a “produzir”
o sistema simbólico – ele se serve dele para seus próprios fins: “...O
arbitrário cultural que as relações de força entre os grupos ou classes...
colocam em posição dominante... é aquele que exprime o mais
completamente, ainda que sempre de maneira mediata, os interesses
objetivos (materiais e simbólicos) dos grupos ou classes dominantes.”
Bourdieu apresenta esses parágrafos como uma lição de sociologia, isto
é, uma descrição de como as coisas funcionam nas sociedades
existentes, inclusive e primordialmente, é claro, a sociedade burguesa.
Ele pretende, portanto, que a classe burguesa, na busca de seus
próprios interesses, criou um sistema de significações a ser inculcado
por meio de atos pedagógicos de violência simbólica nas mentes dos
dominados, de tal modo que não só essas significações, mas também
aqueles interesses, e a relação de poder que os atende, permaneçam
invisíveis. É, convenhamos, uma operação de engenharia psicológica
das mais complexas. Para realizá-la, é preciso, primeiro, agentes
humanos qualificados. Uma “classe”, afinal, abrange milhões de
pessoas e não é possível que todas elas participem do empreendimento.
É preciso que, dentre elas, se destaquem uns quantos especialistas, os
“educadores”, que estes sejam aceitos como legítimos representantes
da classe, que entrem num consenso ao menos aproximado quanto aos
interesses da classe que representam; é preciso ainda que esse
consenso corresponda de fato aos tais interesses e obtenha, uma vez
formulado, a aprovação da classe que nomeou os educadores. Partindo,
pois, dessa representação meramente esquemática da situação social,
eles teriam de selecionar e organizar os símbolos, estratégias e
esquemas mentais mais propícios não só a produzir obediência nos
dominados, mas também a manipulá-los e ludibriá-los de tal modo que
não percebessem estar obedecendo a uma classe dominante, e nem
mesmo a seres humanos, mas acreditassem seguir espontaneamente a
natureza das coisas ou a vontade divina.
Vocês conseguem imaginar quantas assembléias, quantos grupos de
trabalho, quantas pesquisas científicas, quantos projetos técnicos,
quantas tentativas e erros seriam necessários para um plano dessa
envergadura? Já imaginaram a imensa capacidade organizativa, os
incalculáveis recursos orçamentários e, no topo da hierarquia, a mão de
ferro necessária para manter a ordem, controlar o fluxo de trabalho e
assegurar a produtividade num empreendimento todo feito de sutilezas
psicológicas infinitamente evanescentes? Se algo dessa natureza tivesse
um dia sido concebido, os trabalhos preparatórios deveriam ter deixado
uma multidão de rastros: monografias acadêmicas, atas, publicações
periódicas, regulamentos, ordens de serviço, etc, etc. O problema é o
seguinte: nada disso existe, nada disso existiu jamais.
Se vasculharmos todas as bibliotecas, todos os registros, todos os
arquivos sobre a história da educação burguesa, não encontraremos um
só documento, um só memorando, uma só ata onde apareça, mesmo
indiretamente, uma discussão nestes termos: “Os interesses objetivos
da nossa classe são tais e quais, os meios de forçar as pessoas a
trabalharem para nós são estes e aqueles, e os meios de camuflar toda
a operação são x e y.” Nenhum educador, ministro da educação,
professor ou inspetor do ensino primário, médio ou superior jamais
disse uma coisa dessas, ou pelo menos não há documento que o
registre.
Eles falam, sim, de valores, de fins da educação, de aprimoramento da
inteligência humana, de virtudes cívicas, etc., mas nunca, jamais, de
uma operação para forçar invisivelmente os dominados a uma conduta
que, alertados, eles poderiam não aprovar. Como é possível que uma
operação tão delicada não deixasse o menor rastro, senão numa
linguagem tão desligada, aparentemente, de qualquer intenção
manipulatória, de qualquer imposição camuflada, de qualquer
“violência simbólica”? Se admitimos que essa intenção existiu, então só
há, para explicar a inexistência de registros, as seguintes hipóteses:
Hipótese 1. Além de conceber um sistema de camuflagens para
ludibriar os dominados, os malditos educadores burgueses ainda
criaram, em cima dele, uma segunda rede de disfarces verbais para
enganar os observadores futuros, isto é, nós. Mas esta segunda
operação, sendo ainda mais complexa e trabalhosa do que a primeira, e
só podendo ser levada a cabo depois que esta estivesse pronta, pela
simples razão de que não se pode camuflar o que não existe, também
não deixou para os historiadores o menor registro, o que supõe que,
além da primeira camuflagem e da segunda, houve em seguida uma
operação-sumiço ainda mais gigantesca do que as outras duas.
Hipótese 2. Ao planejar a manipulação dos dominados, os educadores
burgueses não tinham conscientemente essa intenção, mas, enquanto
serviam aos interesses objetivos da burguesia, acreditavam piamente
trabalhar por valores culturais sublimes, pelo aprimoramento da
inteligência etc. Isolados da realidade pelo seu próprio véu ideológico
que encobria os verdadeiros interesses em jogo, planejaram
inconscientemente a manipulação do inconsciente alheio e, embora
trabalhassem totalmente às cegas, produziram um sistema tão
organizado, racional e eficiente que conseguiram realmente fazer-se
obedecer por milhões de paspalhos ainda mais inconscientes que eles –
a multidão dos “dominados”. Não me perguntem como é possível uma
operação tão vasta e complexa atingir miraculosamente os fins
desconhecidos que, por vias ignoradas e inapreensíveis, atendem aos
interesses de classe postulados, também inconscientemente, no início
do processo.
Quando vemos o gênero de tolice em que os responsáveis pelas nossas
escolas públicas devotamente acreditam, torna-se bem fácil explicar por
que os alunos dessas escolas tiram sempre os últimos lugares nos testes
internacionais.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090212dc.html
Paranóia sociológica
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 12 de fevereiro de 2009
Terminei o antigo anterior dizendo que a teoria da “violência simbólica”
pressupunha ou uma megaconspiração cujos traços documentais
desapareceram para sempre, ou o milagre de uma intenção
inconsciente ser capaz de manipular o inconsciente alheio com a
precisão de um cálculo matemático. Se as duas hipóteses são
francamente dadaístas, à segunda vem acrescentar-se ainda mais um
fator complicante. Para que os educadores fossem induzidos a trabalhar
inconscientemente para os interesses da burguesia, teria sido preciso
que a burguesia os manipulasse para esse fim, o que supõe que os
capitalistas fossem educadores ainda mais hábeis do que os educadores
profissionais, impondo a estes, por meio de “violência simbólica”, as
normas e padrões de uma violência simbólica de segundo grau que,
inconscientemente, eles deveriam repassar à multidão dos dominados.
Também não há registro histórico de que isso jamais tivesse acontecido,
é claro.
Ora, se a teoria da educação como “violência simbólica” não
corresponde a nenhum fato objetivo, a nada que tenha acontecido
historicamente, de onde é que ela extrai sua força de persuasão, a
aparência de verossimilhança que a torna aceita, de umas décadas para
cá, como uma grande verdade sociológica?
A resposta é escandalosamente simples. Toda a documentação que não
existe sobre o planejamento da manipulação psicológica burguesa
existe, em abundância, sobre a manipulação educacional revolucionária
e socialista. Milhares, centenas de milhares de livros, artigos
acadêmicos, atas de assembléias de professores e estudantes, revistas
educacionais, circulares de sindicatos, filmes, vídeos etc., sem contar as
obras completas de Antonio Gramsci e do próprio Pierre Bourdieu,
atestam a existência de enormes trabalhos empreendidos para
implantar na cabeça das crianças os valores e condutas que os
revolucionários julgam convenientes para transformar os estudantes em
massa de militantes ou simpatizantes da causa revolucionária, bem
como para fazer com que os agentes desse empreendimento passem
despercebidos e os efeitos de suas ações sejam vivenciados como
transformações espontâneas do processo histórico. E isto não é uma
interpretação que eu esteja fazendo. Os próprios revolucionários
declaram que esse trabalho tem de ser feito e explicam como ele deve
ser feito. A frase de Antônio Gramsci citada no artigo anterior é o
resumo da coisa toda. A “revolução cultural” opera-se por meio de
mudanças sutis e quase imperceptíveis do imaginário popular – do
“senso comum” como o chama Gramsci –, de tal modo que tudo pareça
espontâneo e que a vontade do Partido não se imponha como ditado
autoritário de uma organização política em particular, mas como
decorrência involuntária e anônima da natureza das coisas, como
“autoridade onipresente e invisível de um imperativo categórico, de um
mandamento divino”.
Mais do que pôr em prática a máxima leninista “acuse-os do que você
faz, xingue-os do que você é”, Bourdieu inventa seu inimigo à imagem e
semelhança do que ele próprio está fazendo. A famosa “violência
simbólica” da cultura burguesa, não existe senão como projeção
invertida da educação revolucionária. Ela é, em toda a linha, uma
criatura do imaginário militante. É precisamente por só existir como
fantasma na alma doente dos revolucionários que a pedagogia burguesa
não apenas deixa de oferecer qualquer resistência visível ao avanço da
educação revolucionária, mas ainda a protege e fomenta, oferecendo ao
educador antiburguês todos os meios de ação disponíveis,
acompanhados de honrarias e recompensas. Não há establishment
educacional no mundo burguês que não tenha em Pierre Bourdieu o seu
queridinho, o seu enfant gâté, infinitamente badalado e paparicado. Na
verdade, a maioria dos educadores de grande sucesso no mundo
burguês são todos revolucionários – John Dewey, Celestin Freinet,
Paulo Freire, Jean Piaget, Emilia Ferrero e tutti quanti –, e é
inconcebível que a astúcia maquiavélica dos burgueses que montaram a
operação de manipulação invisível descrita por Pierre Bourdieu não
tivesse percebido isso e, como uma sonsa, consentisse em promover
seus inimigos em vez de seus porta-vozes fiéis.
A “sociologia da educação” de Pierre Bourdieu é não somente uma
idiotice: é uma projeção psicótica das ações do próprio Bourdieu e de
seus correligionários sobre uma realidade inexistente. É uma doença
mental, e seu sucesso se deve precisamente a isso: é mais fácil
transmitir o vírus de uma moléstia incapacitante do que algum
conhecimento da realidade.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090213dc.html
Geração sanguessuga
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 13 de fevereiro de 2009
Quando François-Noël Babeuf (1760-1797) fundou a primeira
organização comunista de massas, ele fixou algumas regras para
identificar os militantes capacitados e distingui-los dos oportunistas e
aproveitadores. Essas regras foram absorvidas depois pela Primeira
Internacional de Karl Marx e se tornaram parte integrante da tradição
comunista. São até hoje um dos fatores essenciais que dão força e
consistência ao movimento revolucionário. Filippo Buonarrotti, no livro
que consagrou à epopéia babeufista, resume algumas delas:
* Devoção aos princípios da organização e disposição de sacrificar a
eles o interesse pessoal e os prazeres.
* Coragem, desprezo pelo perigo e pelas dificuldades.
* Paciência e perseverança.
* Respeito pela hierarquia.
* Inviolável respeito à palavra dada, à promessa e aos votos.
* Nenhum desejo de brilhar, de dar impressão ou de se impor.
São normas de senso comum, sem as quais nenhuma organização pode
prosperar, nenhum movimento político pode crescer, nenhum grupo
humano pode avançar um passo sem tropeçar em dificuldades
invencíveis e assistir, impotente, à vitória do inimigo perseverante,
devotado, disciplinado e organizado.
Se o PT chegou aonde chegou, não foi pelos ardis maquiavélicos dos
ladrões que o lideram. Foi graças ao esforço devotado de milhares de
militantes anônimos que durante décadas ofereceram generosamente
ao partido seu dinheiro e suas horas de trabalho, enfrentando toda
sorte de riscos e dificuldades sem outra esperança senão a de que o
socialismo petista pudesse dar a todos os brasileiros uma vida melhor.
Se querem saber por que a direita no Brasil é tão fraca, tão vacilante,
tão incapaz de erguer a cabeça e enfrentar o adversário com algum
sucesso, perguntem a si próprios quantos liberais e conservadores, no
seu círculo de conhecidos, têm alguma daquelas virtudes mínimas
requeridas de um militante comunista. Quantos aceitam sacrificar
mesmo um pouco de suas ambições capitalistas do presente para
assegurar que a democracia capitalista continue existindo no futuro?
Quantos não tremem de pavor ante a mera possibilidade de ser, não
digo assassinados, não digo surrados, não digo perseguidos, mas
simplesmente xingados ou desprezados pelos esquerdistas? Quantos
não evitam a companhia de seus correligionários mais corajosos, só
para não ser rotulados de extremistas junto com eles, mesmo sabendo
que o rótulo é injusto? Quantos entendem a diferença entre defender a
liberdade de mercado e beneficiar-se dela deixando a outros menos
beneficiados, ou não beneficiados de maneira alguma, o encargo de
defendê-la?
Minha experiência, nesse sentido, foi bem decepcionante. Durante
muitos anos fui praticamente o único, na grande mídia, a defender os
valores que a esquerda odeia – pelo menos o único a defendê-los com
alguma eficiência, erguendo a discussão para um plano de exigência
intelectual e de franqueza verbal em que meus adversários sentiam
falta de ar e preferiam abandonar a luta. Rompi a marteladas o manto
de chumbo com que a ideologia dominante esmagava, ora sob insultos
atemorizantes, ora sob afetações de desprezo olímpico, toda veleidade
de oposição. Contra tudo e contra todos, abri um espaço. Quem veio
ocupá-lo? Um exército de militantes, de combatentes, de homens
valentes dispostos a honrar o exemplo do antecessor? Sim, vieram
alguns com esse espírito, e muito me orgulho deles. Mas em geral o que
vi foi uma horda de oportunistas esfomeados, que na atmosfera mais
respirável que se abria não viam um horizonte de luta, mas um
mercado, uma promessa de lucros fáceis, uma oportunidade de subir na
vida sem fazer força. As palavras conservadorismo, liberalismo,
democracia, não atingiam os seus corações como um chamamento ao
dever: afagavam seus ouvidos como um sussurro sedutor, rebrilhavam
em seus olhos como cifrões esculpidos em ouro. Eles entravam, pois,
em campo, decididos não a continuar o que eu havia começado, mas a
explorá-lo em proveito próprio, vendendo logo a primeira colheita em
vez de replantar as sementes. Para isso, evidentemente, tinham de
transmutar o fruto do meu trabalho em um produto menos ácido, mais
palatável, próprio a ser consumido como divertimento intelectual em
vez servir de combustível e munição. Não vinham lutar ao meu lado,
mas tentar ocupar o meu lugar o mais rápido possível, chutando para
um canto o pioneiro incômodo e substituindo ao seu discurso exigente e
implacável o estilo castrado e acomodatício dos oportunistas e dos
sedutores.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090219dc.html
O tamanho do crime
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 19 de fevereiro de 2009
O estudo mais completo já empreendido sobre assassinatos em massa
no mundo é o do professor de Ciência Política da Universidade do
Havaí, Rudolph J. Rummel, que lhe rendeu o Lifetime Achievement
Award da American Political Science Association em 1999. O essencial
da pesquisa é resumido em Never Again: Ending War, Democide &
Famine Through Democratic Freedom (Coral Springs, FL, Lumina
Press, 2005), e os dados completos estão no site
http://www.hawaii.edu/powerkills. Rummel substituiu ao conceito de
“genocídio”, que lhe parece muito vago, o de “democídio”, com o qual
designa especificamente a matança de populações civis por iniciativa de
governos. Resenhando os episódios de democídio documentados desde
o século III a.C. até o fim do século XIX, ele chega a um total
aproximado de 133.147.000 vítimas, destacando-se aí, como supremos
assassinos em massa, os imperadores chineses (33.519.000 mortos em
23 séculos) e os invasores mongóis na Europa (29.927.000 mortos entre
os séculos XIV e XV).
Quando a pesquisa chega ao século XX e entram em cena os governos
revolucionários, as taxas de assassinato em massa sofrem um upgrade
formidável, subindo para 262 milhões de mortos entre 1900 e 1999 –
quase o dobro do que fôra registrado em toda a história universal até
então. Desses 262 milhões, nem tudo, é claro, foi obra de governos
revolucionários, mas a diferença entre eles e seus concorrentes é
significativa. Todos os colonialismos somados (Inglaterra, Portugal,
etc.) mataram 50 milhões de pessoas, das quais pelo menos 10 milhões
foram assassinadas por um só governo proverbialmente cruel, o do Rei
Leopoldo da Bélgica. O império japonês, por seu lado, matou
aproximadamente 5 milhões, quase todos na China.
Vejam agora o desempenho dos governos revolucionários: China,
76.702.000 mortos entre 1949 e 1987; URSS, 61.911.000 mortos entre
1917 e 1987; Alemanha nazista, 20.946.000 mortos entre 1933 e 1945;
China nacionalista (Kuomintang) 10.075.000 mortos entre 1928 e 1949
(o Kuomintang, embora inimigo dos comunistas, era também um
governo revolucionário, responsável pela destruição da mais antiga
monarquia do mundo). Às sete dezenas de milhões de vítimas do
governo comunista chinês devem se acrescentar 3.468.000 civis
assassinados pelo Partido Comunista de Mao Dzedong nas áreas sob o
seu controle antes da tomada do poder sobre toda a China, o que eleva
o desempenho do comunismo chinês a nada menos de 80 milhões de
mortos – equivalente à metade da população brasileira.
Governos revolucionários em áreas menores também não se saíram tão
mal, comparativamente à modéstia de seus territórios: Camboja,
2.035.000 mortos entre 1975 e 1979; Turquia, 1.883.000 mortos entre
1909 e 1918; Vietnam, 1.670.000 mortos entre 1945 e 1987 (quase o
dobro do total de vítimas da guerra, que renderam aos EUA tantas
críticas da mídia internacional); Polônia, 1.585.000 mortos entre 1945 e
1948; Paquistão, 1.503.000 mortos entre 1958 e 1987; Iugoslávia sob o
Marechal Tito (tão louvada como alternativa de “socialismo
democrático” à brutalidade soviética), 1.072.000 mortos entre 1944 e
1987; Coréia do Norte, 1.663.000 mortos entre 1948 e 1987; México,
1.417.000 mortos entre 1900 e 1920 (especialmente cristãos).
O total sobe a aproximadamente 205 milhões de mortos. Tudo ao longo
de um só século. As duas guerras mundiais somadas mataram 60
milhões de pessoas, entre combatentes e civis. A Peste Negra, de 541
até 1912, matou 102 milhões. Nada, absolutamente nada no mundo se
compara ao instinto mortífero dos governos revolucionários. A
promessa de um “outro mundo possível” transformou-se no mais letal
pesadelo que a humanidade já viveu ao longo de toda a sua história.
Aristóteles já dizia que a essência da tragédia política é quando o
perfeito se torna o inimigo do bom, mas ele se referia somente a casos
individuais. Ele não poderia prever que um dia sua definição teria uma
confirmação sangrenta em escala mundial, arrastando povos inteiros
para os pelotões de fuzilamento, as câmaras de gás e a vala comum.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090220dc.html
Por que não sou um fã de Charles Darwin
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 20 de fevereiro de 2009
As festividades bilionárias em comemoração aos duzentos anos de
nascimento de Charles Darwin tornam momentaneamente invisíveis
alguns fatos essenciais da vida e da obra desse homem de ciência.
Desde logo, Darwin não inventou a teoria da evolução: encontrou-a
pronta, sob a forma de doutrina esotérica, na obra do seu próprio avô,
Erasmus Darwin, e como hipótese científica em menções inumeráveis
espalhadas nos livros de Aristóteles, Sto. Agostinho, Sto. Tomás de
Aquino e Goethe, entre outros.
Tudo o que ele fez foi arriscar uma nova explicação para essa teoria – e
a explicação estava errada. Ninguém mais, entre os autoproclamados
discípulos de Darwin, acredita em “seleção natural”. A teoria da moda,
o chamado “neodarwinismo”, proclama que, em vez de uma seleção
misteriosamente orientada ao melhoramento das espécies, tudo o que
houve foram mudanças aleatórias. Que eu saiba, o mero acaso é
precisamente o contrário de uma regularidade fundada em lei natural,
racionalmente expressável. O darwinismo é uma idéia escorregadia e
proteiforme, com a qual não se pode discutir seriamente: tão logo
espremido contra a parede por uma nova objeção, ele não se defende –
muda de identidade e sai cantando vitória. Muitas teorias idolatradas
pelos modernos fazem isso, mas o darwinismo é a única que teve a cara
de pau de transformar-se na sua contrária e continuar proclamando que
ainda é a mesma.
Todos os celebrantes do ritual darwiniano, neodarwinistas inclusos,
rejeitam como pseudocientífica a teoria do “design inteligente”. Mas
quem inventou essa teoria foi o próprio Charles Darwin. Isso fica muito
claro nos parágrafos finais de A Origem das Espécies, que na minha
remota adolescência li de cabo a rabo com um enorme encantamento e
que fez de mim um darwinista, fanático ao ponto de colocar o retrato do
autor na parede do meu quarto, rodeado de dinossauros (só agora
compreendo que ele é um deles). Agora, graças à amabilidade de um
leitor, tomei conhecimento dos estudos desenvolvidos por John Angus
Campbell sobre a “retórica das ciências”. Ele estuda os livros científicos
sob o ponto de vista da sua estratégia de persuasão. Num vídeo
fascinante que vocês podem ver em http://www.youtube.com/watch?
v=_esXHcinOdA, ele demonstra que o “design inteligente” não é apenas
um complemento final da teoria darwinista, mas a sua premissa
fundamental, espalhada discretamente por todo edifício argumentativo
de A Origem das Espécies. O “design inteligente” é, portanto, a única
parcela da teoria darwiniana que ainda tem defensores: e estes são os
piores inimigos do darwinismo.
É certamente um paradoxo que o inventor de uma explicação falsa para
uma teoria preexistente seja celebrado como criador dessa teoria,
porém um paradoxo ainda maior é que a premissa fundante da
argumentação darwiniana seja repelida como a negação mesma do
darwinismo.
Puramente farsesco, no entanto, é o esforço geral para camuflar a
ideologia genocida que está embutida na própria lógica interna da
teoria da evolução. Quando os apologistas do cientista britânico
admitem a contragosto que a evolução “foi usada” para legitimar o
racismo e os assassinatos em massa, eles o fazem com monstruosa
hipocrisia. O darwinismo é genocida em si mesmo, desde a sua própria
raiz. Ele não teve de ser deformado por discípulos infiéis para tornar-se
algo que não era. Leiam estes parágrafos de Charles Darwin e digam
com honestidade se o racismo e a apologia do genocídio tiveram de ser
enxertados a posteriori numa teoria inocente:
“Em algum período futuro, não muito distante se medido em séculos, as
raças civilizadas do homem vão certamente exterminar e substituir as
raças selvagens em todo o mundo. Ao mesmo tempo, os macacos
antropomorfos... serão sem dúvida exterminados. A distância entre o
homem e seus parceiros inferiores será maior, pois mediará entre o
homem num estado ainda mais civilizado, esperamos, do que o
caucasiano, e algum macaco tão baixo quanto o babuíno, em vez de,
como agora, entre o negro ou o australiano e o gorila.”
Imaginem, durante as eleições americanas, a campanha de John
McCain proclamar que Barack Hussein Obama estava mais próximo do
gorila do que o candidato republicano!
Tem mais: “Olhando o mundo numa data não muito distante, que
incontável número de raças inferiores terá sido eliminado pelas raças
civilizadas mais altas!”
Para completar, um apelo explícito à liquidação dos indesejáveis:
“Entre os selvagens, os fracos de corpo ou mente são logo eliminados; e
os sobreviventes geralmente exibem um vigoroso estado de saúde. Nós,
civilizados, por nosso lado, fazemos o melhor que podemos para deter o
processo de eliminação: construímos asilos para os imbecis, os aleijados
e os doentes; instituímos leis para proteger os pobres; e nossos médicos
empenham o máximo da sua habilidade para salvar a vida de cada um
até o último momento... Assim os membros fracos da sociedade
civilizada propagam a sua espécie. Ninguém que tenha observado a
criação de animais domésticos porá em dúvida que isso deve ser
altamente prejudicial à raça humana. É surpreendente ver o quão
rapidamente a falta de cuidados, ou os cuidados erroneamente
conduzidos, levam à degenerescência de uma raça doméstica; mas,
exceto no caso do próprio ser humano, ninguém jamais foi ignorante ao
ponto de permitir que seus piores animais se reproduzissem.”
Notem bem: não sou contra a hipótese evolucionista. Do que tenho
observado até hoje, devo concluir que sou o único ser humano, no meu
círculo de relações próximas e distantes, que não tem a menor idéia de
se a evolução aconteceu ou não aconteceu. Todo mundo tem alguma
crença a respeito, e parece disposto a matar e morrer por ela. Eu não
tenho nenhuma.
No entanto, minha abstinência de opiniões a respeito de uma questão
que considero insolúvel não me proíbe de notar a absurdidade das
opiniões de quem tenha alguma. Há muito tempo já compreendi que os
cientistas são ainda menos dignos de confiança do que os políticos, e os
paradoxos da fama de Charles Darwin não fazem senão confirmá-lo.
Meus instintos malignos impelem-me a pegar os darwinistas pela goela
e perguntar-lhes:
– Por que tanta onda em torno de Charles Darwin? Ele inventou o
“design inteligente”, que vocês odeiam, e a seleção natural, que vocês
dizem que é falsa. Ele pregou abertamente o racismo e o genocídio, que
vocês dizem abominar. Para celebrá-lo, vocês têm de criar do nada um
personagem fictício que é o contrário do que ele foi historicamente.
Não vêem que tudo isso é uma palhaçada?
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090226dc.html
Cale a boca, farsante
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 26 de fevereiro de 2009
Em entrevista divulgada pela agência Carta Maior, José Luís Del Roio,
65, brasileiro transfigurado em senador na Itália pelo Partido da
Refundação Comunista entre 2006 e 2008, protesta contra a insistência
do governo italiano em obter a extradição de Cesare Battisti: “O Brasil
não pode entregar um homem inofensivo a um governo fascista”, diz
ele. Del Roio adverte que o governo Berlusconi está trazendo o fascismo
de volta à Itália e tentando criminalizar como terroristas os heróis da
luta revolucionária comunista.
A imaginação popular está tão bem adestrada na deformação
gramsciana do senso das proporções, que poucas pessoas notam o
grotesco da situação quando um comunista adverte contra os perigos
do fascismo italiano. Como o leitor pode observar no meu artigo
anterior, o regime de Mussolini nem mesmo entra na lista dos poderes
genocidas que marcaram o século XX como a etapa mais sangrenta da
história humana – lista na qual os governos comunistas da URSS e da
China são responsáveis por mais da metade do total dos assassinatos
em massa praticados por autoridades estatais contra suas próprias
populações civis.
Os comunistas são os mais freqüentes usuários do termo “fascista” para
queimar a reputação dos seus adversários, mas eles sabem
perfeitamente bem que lhes falta por completo a mais mínima
autoridade moral para isso, não só pelo fato de que o uso
monstruosamente elástico que dão ao termo acaba por esvaziá-lo de
qualquer sentido identificável, rebaixando-o a mera expressão subjetiva
de ódios irracionais, mas também porque, comparado aos feitos
homicidas do comunismo, o fascismo italiano, por mais repugnante que
seja em si mesmo, começa a parecer um hotel de cinco estrelas. A
desproporção entre as culpas do acusador e as do acusado é tamanha,
que a única resposta cabível ao sr. Del Roio é: Cale a boca, farsante.
Todo comunista, e o sr. Del Roio não constitui exceção, é cúmplice
moral dos crimes mais hediondos já praticados contra a espécie
humana, e está, por definição, excluído do rol das pessoas decentes cuja
opinião merece ser ouvida com atenção e respeito.
A distância entre o governo Berlusconi e o fascismo é uma coisa tão
óbvia que só uma mente deformada não consegue enxergá-la. Para o sr.
Del Roio, porém, o mero sentimento de incomodidade que afeta os
italianos quando vêem a imigração usada como instrumento de
ocupação cultural já é uma prova inequívoca de “fascismo”. Mas mesmo
que o gabinete Berlusconi estivesse repleto de camisas-negras e
cantasse “Facceta nera” no início de todas as suas sessões, sua
periculosidade seria quase nula em comparação com as tradições que o
próprio sr. Del Roio representa. Nessas condições, a simples disposição
de discutir as opiniões dessa criatura num jornal respeitável já é, de
certo modo, corromper a opinião pública, cegando-a para os
verdadeiros termos da equação em jogo. Nenhum comunista tem o
direito moral de falar em “liberdade”, “direitos humanos” e coisas dessa
ordem – nem mesmo quando, na falsidade geral do quadro que ele
impinge ao público, alguns fatos se destacam como verdades isoladas.
Mas na entrevista do sr. Del Roio não há nem mesmo verdades isoladas.
Ele considera um escândalo, por exemplo, que o governo italiano tente
neutralizar velhos conflitos históricos recusando-se a endossar a
distinção maniqueísta que transforma todos os fascistas em demônios e
todos os partiggiani comunistas em heróis angélicos. Como militantes
comunistas, os partiggiani carregavam nas costas mais crimes de
assassinatos em massa do que Mussolini ousaria sequer imaginar. Se,
no contexto local e momentâneo, lutavam ao lado de democratas
sinceros contra um regime autoritário, isto não faz deles “combatentes
pela liberdade”, mas apenas aproveitadores que tentaram se utilizar de
uma aliança com os democratas para substituir o mero autoritarismo de
Mussolini pelo totalitarismo de Stalin. Não há mérito nenhum nisso. Há
apenas hipocrisia e cinismo, exatamente como nos terroristas
brasileiros pagos e treinados por Fidel Castro para trocar o
autoritarismo brando e hesitante dos nossos militares por um regime de
feição cubana, com um agente da polícia secreta para cada 28
habitantes.
Quando a agência Carta Maior divulga a entrevista do sr. Del Roio sem
dar ao leitor a mínima idéia do contexto histórico em que se inserem as
suas palavras, ela faz propaganda comunista e desinformação. Não
discuto, por demasiado cínica, a tentativa que o entrevistado faz de
classificar o autor de quatro assassinatos como “homem inofensivo”.
Nem discuto a comparação que ele monta entre Cesare Battisti e os
governantes estrangeiros exilados no Brasil, Marcelo Caetano e Alfredo
Stroessner. No caso deste último, a comparação, embora juridicamente
despropositada, é quase justa do ponto de vista moral. No de Marcelo
Caetano, que jamais foi um ditador, mas apenas herdeiro acidental de
uma ditadura que ele tentou abrandar por todos os meios, é totalmente
absurda. Mas, nos dois casos, equalizar chefes de Estado com um
assassino já condenado pela justiça é obviamente capcioso. Nenhum
desses dois políticos estava condenado com sentença transitada em
julgado, que é precisamente o caso de Battisti – um homem que seus
próprios companheiros de militância repelem como assassino feroz
indigno de piedade.
No mesmo momento em que a Carta Maior espalha a mensagem do sr.
Del Roio como se fosse uma defesa sincera dos direitos humanos,
começa em Phnom Penh o primeiro julgamento de um genocida
comunista – um dos líderes do Khmer Vermelho –, com meio século de
atraso e sem a mais mínima repercussão na mídia internacional. O
esforço pertinaz da classe jornalística em toda a parte para ocultar os
crimes comunistas sob espantalhos de ocasião como o fascismo italiano
ou o ex-ditador chileno Augusto Pinochet é, em si mesma, um crime
contra a humanidade. Mas esse crime já se tornou tão rotineiro que já
ninguém mais o percebe como tal.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090304dc.html
A mão esquerda
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 4 de março de 2009
Quando o sr. Luís Inácio da Silva aceitou ser o chefe de um governo de
transição para o socialismo, teria ele plena consciência do que isso
significa? Governos de transição revolucionária são como preservativos:
começam encobrindo a arma do crime e terminam jogados na privada.
Lula representou a face sorridente e amável sob a qual a esquerda
ocultava a pesada máquina de guerra das militâncias enfurecidas, das
tropas de guerrilheiros, das quadrilhas de narcotraficantes e
seqüestradores, dos bandos de delinqüentes comuns adestrados e
equipados por técnicos em terrorismo para espalhar o caos nos
momentos estrategicamente convenientes. Durante anos, ele
administrou com habilidade e prudência uma complexa política de mão
dupla, agradando aos capitalistas pelo gerenciamento “ortodoxo” da
economia, aos comunistas pela subversão sistemática dos valores
morais e educacionais, pela distribuição perdulária de verbas até
mesmo a entidades criminosas, pela proteção dada a terroristas
estrangeiros em atividade no território nacional e pelo apoio paternal
concedido aos tiranetes de esquerda que, nas nações em torno, iam
brotando como fungos, fortalecidos pela unidade da estratégia
continental do Foro de São Paulo que ele próprio fundara e organizara.
Que, jogando com dois grupos de aliados incompatíveis entre si,
prometesse simultaneamente a vitória aos antigos e a prosperidade aos
novos, logrando persuadir a ambos de sua integral sinceridade, é prova
de uma duplicidade de caráter elevada ao estatuto de obra de arte, pela
qual, abstraída a imoralidade intrínseca da coisa, ninguém deve lhe
sonegar admiração. Ora acirrando as contradições, ora amortecendo-as
com um senso agudíssimo do timing e das conveniências, sua destreza
no manejo da ambigüidade chegou ao requinte quase inverossímil de
atrair sobre sua pessoa galardões contraditórios, fazendo com que, na
mesma semana, fosse homenageado no Fórum Econômico de Davos por
sua conversão ao capitalismo e no Fórum Social Mundial por sua
fidelidade ao comunismo.
Mas é da natureza do jogo duplo acabar por duplicar-se a si mesmo,
articulando à oposição entre os pólos em jogo a duplicidade de ritmos
necessária a administrá-los. O governante de transição quer, afinal,
chegar à meta, apressando sua própria remoção ao depósito de lixo do
passado, ou adiá-la indefinidamente, eternizando a promessa de
mudança radical e arriscando-se a ser odiado por seus antigos
admiradores como aborteiro da revolução? Nesse ponto, o controle do
tempo, que no começo era a arma do sucesso, torna-se ele próprio um
problema insolúvel. As forças opostas que o próprio governo pôs em
movimento já não obedecem ao seu comando: a organização militante
acostumada a roubar sob a proteção estatal reivindica o direito à
prática do homicídio político, o Poder Judiciário longamente aplacado
pelas homenagens verbais à sua independência começa a agir como se
de fato fosse independente. O presidente da República nem pode
amarrar as mãos assassinas de seus companheiros de ontem, nem tapar
a boca do magistrado inconveniente, cansado de ver a lei usada como
anestésico do crime.
Os otimistas de sempre podem achar que é uma crise passageira, que o
gênio da conciliação, tradição nacional da qual o presidente tem sabido
se aproveitar tão bem, acabará por encontrar um subterfúgio
inteligente e adiar, uma vez mais, o desenlace do insolúvel.
Talvez tenham razão. O tamanho do território, a consistência tênue e
esparramada da sociedade civil, a incultura geral que predispõe à
resignação apalermada foram até agora os fatores que permitiram ao sr
Lula prolongar no tempo, sem crises nem danos notáveis, a sua querida
engenharia da procrastinação. Mas a recusa de decidir é ela própria
uma decisão, e tomada repetidas vezes acaba por se consolidar num
“estado de coisas” aparentemente imutável, atraindo contra si as
mesmas forças de mudança que, no início do processo, aceitaram a
conciliação porque esperavam que fosse provisória.
Dizem que o ídolo e modelo do sr. Lula é Getúlio Vargas. Este era, de
fato, um artista da indecisão, tática que ele consagrou no lema “Deixa
como está para ver como é que fica”. Também é certo que por meio
desse artifício logrou articular os incompatíveis e, como disse dele o
filósofo José Ortega y Gasset, “fazer política de direita com a mão
esquerda”. Mas, quando sua mão direita se moveu, foi para empunhar o
revólver com que desferiu um balaço contra o próprio peito. Lula, ao
inverso dele, faz política de esquerda com a mão direita. Corre o risco
de enforcar-se com a mão esquerda.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090305dc.html
Os pais da crise americana
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 5 de março de 2009
Se a folha de realizações criminosas dos movimentos revolucionários
nas democracias não pode, por definição, concorrer com o desempenho
deles nas áreas que dominam, nem por isso ela deixa de ser a causa
principal de distúrbios e sofrimentos, seja no Terceiro Mundo, seja nas
nações desenvolvidas. Não há crise, não há fome, não há violência, não
há fracasso para o qual a proposta revolucionária, nua e crua ou numa
de suas inumeráveis versões camufladas, não tenha dado sua
contribuição essencial. Talvez o exemplo mais evidente esteja em nosso
próprio país, onde as gangues de criminosos jamais teriam chegado a
derramar o sangue de 40 mil brasileiros por ano se não fosse pela
ajuda, indireta e direta, que receberam dos revolucionários, primeiro
mediante a instrução em técnicas de organização e guerrilha, recebida
dos terroristas presos na Ilha Grande na década de 70, segundo pela
sucessão de leis que esses mesmos terroristas, anistiados e
transfigurados em políticos, criaram para proteger os criminosos e
dificultar a ação da polícia, terceiro pela assistência técnica e
treinamento militar que as Farc hoje dão às quadrilhas nacionais.
Mas outro exemplo, não menos significativo, é o da crise econômica
americana. Especulações quanto às causas desse fenômeno pululam por
toda a mídia internacional, mas é um erro metodológico monstruoso
buscar explicação em supostas tendências gerais da economia e da
sociedade quando se pode pôr à mostra a seqüência precisa e
determinada de ações individuais e grupais que produziram o efeito.
Muito da pretensa “ciência social” contemporânea consiste em
camuflar as causas concretas sob universais abstratos. Não espanta
que, na totalidade dos casos, os explicadores sejam ou os próprios
agentes posando de observadores externos, ou suas vítimas idiotizadas,
empenhadas em anestesiar-se mediante auto-injeções de pseudociência
para não ter de enxergar a verdadeira identidade de seus opressores.
Deixar-nos iludir por essa camuflagem é ainda mais inaceitável quando
os agentes do processo daninho não têm sequer de ser investigados a
posteriori porque eles mesmos legaram ao historiador a exposição
escrita de seus planos e métodos. No caso em questão, a derrubada da
previdência social americana e do sistema bancário que a sustenta não
foi o efeito de uma confluência involuntária de fatores anônimos, não foi
nem mesmo o resultado de uma longa colaboração de inépcias, mas foi
a simples realização de um plano traçado desde a década de 60 por
estrategistas de esquerda inspirados por Saul Alinksy, mais tarde o
mentor de um jovem estudante de Direito, Barack Hussein Obama.
O documento que o atesta acima de qualquer possibilidade de dúvida
nada tem de secreto. Foi publicado em 1966 na prestigiosa revista The
Nation e até hoje consta da lista dos dez artigos mais lidos da
publicação desde sua fundação em 1886 (v. Richard A. Cloward e
Frances Fox Piven, “The Weight of the Poor: A Strategy to End
Poverty”, The Nation, 2 de maio de 1966; uma cópia do artigo em PDF
pode ser obtida por três dólares na página de arquivos da revista; um
excelente resumo comentado encontra-se no artigo de James Simpson,
“Barack Obama e a estratégra da crise orquestrada”, traduzido para o
português em http://cavaleirodotemplo.blogspot.com/2009/01/barack-
obama-e-estratgia-da-crise.html).
Os autores, Cloward e Piven, buscavam aí colocar em ação a regra
ensinada por Saul Alinsky, que ele mais tarde enunciaria por escrito em
seu livro Rules for Radicals, de 1971 (Vintage Books): “Faça o inimigo
pôr em prática seu própria manual.” A regra antecipa uma das táticas
mais notórias da “guerra assimétrica”. David Horowitz assim a
interpreta:
“Quando pressionada a honrar cada palavra de cada lei e estatuto, cada princípio moral judaico-cristão e cada promessa implícita do contrato social liberal, a ação humana é inevitavelmente deficiente. O fracasso do sistema em ‘pôr em prática’ o seu manual de regras pode então ser usado para desacreditá-lo completamente e para substituir um manual capitalista por um socialista.” (V. http://www.discoverthenetworks.org.)
A estratégia proposta por Cloward e Piven consistia, segundo Horowitz,
em “forçar uma mudança política através da crise orquestrada, ...
procurava acelerar a queda do capitalismo ao sobrecarregar a
burocracia governamental com uma enchente de demandas
impossíveis, arrastando então a sociedade para uma crise e um colapso
econômico”. Mas não pensem que isso é interpretação proposta por
Horowitz. O texto original de Cloward e Piven é de uma clareza
absolutamente cínica:
“É nosso propósito pôr em ação uma estratégia que forneça a base para uma convergência de organizações... Se essa estratégia for implementada, o resultado será uma crise política que poderá levar a uma legislação que garanta uma renda anual e portanto acabe com a pobreza.”
Cloward e Piven prosseguiam explicando que havia “um abismo de
diferença entre os direitos nominais assegurados pela previdência
social e o número de pessoas que desfrutavam efetivamente desses
direitos. Se fosse possível localizar e organizar esses beneficiários
inatendidos e usá-los para pressionar os institutos de previdência, estes
não teriam dinheiro para atender à demanda e entrariam fatalmente em
colapso.” A proposta de uma legislação socialista surgiria então, com
aparente espontaneidade, como natural solução do problema. Nas
décadas que se seguiram, a estratégia foi aplicada à risca,
arregimentando milhões de beneficiários potenciais para que exigissem
seus direitos em massa e produzissem a crise. Na liderança desse
movimento estava o grupo de ativistas formado por Alinsky, entre os
quais Barack Hussein Obama. A pletora de créditos imobiliários
fornecidos pelos bancos, sob pressão dos ativistas, a solicitantes
desprovidos das mínimas condições de pagar os empréstimos, foi a
causa direta da crise bancária eclodida em setembro de 2008.
Dois pontos essenciais do plano Cloward-Piven chamam imediatamente
a atenção do observador externo. De uma lado, a diferença entre duas
concepções da previdência social. No sistema capitalista, a previdência
social é, por natureza, um último recurso a que os cidadãos só devem
recorrer em casos de extrema necessidade. A prosperidade geral do
sistema, esperava-se, deveria prover por si o sustento das famílias,
reduzindo a um mínimo as filas nos guichês da previdência. Cloward e
Piven reconhecem essa obviedade em teoria mas adotam como
estratégia ignorá-la na prática, forçando o direito virtual expresso em
lei a tornar-se uma garantia de atendimento imediato a todos os
pretendentes reais e potenciais, necessitados ou não. Entravam
instantaneamente na fila, portanto, desde os miseráveis genuínos (um
número insignificante) até pessoas de classe média baixa meramente
insatisfeitas com a sua situação modesta:
“Para cada pessoa nas listas da previdência, há pelo menos mais uma que preenche os critérios de legibilidade mas não está recebendo assistência. Essa discrepância não é um acidente que emerga da ineficiência burocrática. É um traço inerente do sistema previdenciário, o qual, se desafiado, precipitará uma profunda crise financeira e política. A força para esse desafio, e a estratégia que propomos, é um esforço maciço para recrutar os pobres e colocá-los nas listas da previdência.”
Sob esse aspecto, a mera entrada em ação da campanha Alinsky-
Cloward-Piven já modificava radicalmente a natureza do sistema,
transformando o Estado liberal-capitalista num Estado previdenciário
pré-socialista – e a falência deste último seria então denunciada como
crise do anterior.
De outro lado, o objetivo último proclamado – garantir uma renda anual
estatal a todos os pobres – se autodesmascarava imediatamente como
farsa, pelo enunciado mesmo do plano: se a previdência não tinha
dinheiro nem para atender os direitos já existentes no papel, como
poderia tê-lo para arcar com um gasto imensamente maior? “Acabar
com a pobreza” não era o objetivo do plano: era apenas o pretexto
moral para gerar a crise. Esta era o único objetivo real, e não resta a
menor dúvida de que foi alcançado. Neste caso, como em muitos outros,
o discurso revolucionário apela a um objetivo utópico inatingível para
viabilizar o esforço por um objetivo prático perfeitamente atingível, só
que propositadamente desastroso. Se olharmos para a situação atual da
economia americana, com o sistema bancário agonizante e o
desemprego crescendo dia após dia, e notarmos que tudo isto foi feito
sob a desculpa de “acabar com a pobreza”, é impossível deixar de
perceber que os autores da idéia jamais acreditaram nessa desculpa,
assim como os propugnadores de leis criminais mais brandas não
acreditavam em diminuir a criminalidade e os defensores da educação
sexual nas escolas não acreditavam em diminuir os casos de gravidez
adolescente. Todas essas medidas e muitas outras similares visam tão-
somente a destruir o sistema capitalista por meio de políticas
assistenciais socialistas, calculadamente formuladas sob a lógica do
prejuízo. Não há nenhum motivo razoável para supor que os danos
resultantes fossem o puro efeito da inépcia ou da má administração.
Foram resultados calculados, alcançados mediante uma engenharia
social notavelmente eficaz. Trata-se, sempre e invariavelmente, de fazer
o “sistema” pagar pelas culpas de seus agressores.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090309dc.html
Os insuspeitíssimos
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 9 de março de 2009
Se você se interessa pelos rumos da política mundial, chega um dia em
que tem de escolher entre compreender os fatos e continuar tentando
parecer um sujeito normal e equilibrado. Normalidade e equilíbrio são
coisas altamente desejáveis, mas um esforço exagerado para simular
calma e ponderação quando na verdade você está perplexo e
desorientado prova apenas que você é um neurótico incapaz de
suportar suas próprias emoções. Como o calmante artificial mais
popular consiste em negar as realidades perturbadoras, há muito tempo
os estrategistas revolucionários e os engenheiros sociais a seu serviço
já aprenderam a usá-lo como instrumento de controle da opinião
pública. O truque é de um esquematismo espantoso: eles simplesmente
adotam o curso de ação mais ousado, estranho, inesperado e
inverossímil, e ao mesmo tempo estigmatizam como louco paranóico
quem quer que diga que estão fazendo algo de anormal. De cada dez
cidadãos, nove caem no engodo. A insegurança mesma da situação faz a
maioria apegar-se a falsos símbolos convencionais de normalidade,
sufocando os fatos estranhos sob o peso dos lugares-comuns
consagrados e assim ajudando a tornar ilusoriamente secreto o que na
verdade está à vista de todos.
Os exemplos de aplicação dessa estratégia desde o início do século XX
são tantos, que seu estudo bastaria para constituir uma disciplina
científica independente. Vou aqui citar apenas um, cuja magnitude
contrasta com a escassez de interesse geral em conhecê-lo.
Desde a década de 20, enquanto os regimes comunistas promoviam a
mais brutal e ostensiva perseguição aos cristãos nos seus territórios, os
grandes estrategistas do comunismo – numa gama que vai de Stálin a
Antonio Gramsci – já haviam chegado à conclusão de que, nas nações
democráticas, o ataque frontal à Igreja não ia funcionar: o que era
preciso era infiltrar-se nela, corrompê-la e destruí-la por dentro,
esvaziá-la de todo conteúdo espiritual e usá-la como caixa de
ressonância para as palavras-de-ordem emanadas do comando
revolucionário.
Todo mundo já ouviu falar disso. Não há quem não saiba que há
comunistas na Igreja. Mas quantos são eles? Quem são? Quais as suas
formas de ação? Como identificá-los, denunciá-los e expulsá-los? Será
razoável imaginar que a substância letal injetada no corpo da Igreja se
reduza aos mais óbvios e barulhentos “padres de passeata”, como os
chamava Nelson Rodrigues, e que não haja por trás deles agentes de
nível incomparavelmente mais alto, agindo de maneiras mais discretas,
camufladas e decisivas? Aí, de súbito, cessa toda curiosidade. As
perguntas mais naturais – inevitáveis mesmo, para o fiel que se
preocupe com a integridade da Igreja – começam a parecer, de repente,
inconveniências de mau gosto, sinais de doença mental, manifestações
de desrespeito à hierarquia eclesiástica. A pretexto de evitar o
escândalo, reprime-se a investigação do crime, semeando escândalos
mil vezes maiores no futuro.
Recentemente, Bella Dodd, ex-agente soviética que já denunciara a
infiltração comunista na Igreja em seu livro “The School of Darkness”,
consentiu em dar ao público, pela primeira vez, uma idéia mais exata
das dimensões do fenômeno. Ela disse que havia milhares de agentes
encarregados da operação, cada um tratando de colocar em seminários
e outras instituições religiosas o maior número possível de
“adormecidos”, isto é, agentes sem nenhuma missão imediata,
encarregados de apenas permanecer dentro da Igreja, construindo
identidades aparentes de católicos fiéis, aguardando instruções que
poderiam vir dentro de uma, duas ou três décadas. Bella Dodd, sozinha,
colocou na Igreja mais de mil e duzentos “adormecidos”. O total dos
agentes infiltrados só nas décadas de 30 e 40 dificilmente estará abaixo
de cem mil, sem contar os que vieram depois, quase que certamente em
número maior. Muitos desses só entraram em ação na época do
Concílio Vaticano II. Outros continuam subindo discretamente na
hierarquia ou em organizações leigas, onde uma de suas mais óbvias
funções é apagar os sinais da sua própria presença e, sob os pretextos
mais santos, desestimular todo anticomunismo sistemático, boicotando
os grupos e organizações que insistam em continuar obedecendo à
ordem de Pio XII, transmitida a todos os católicos do mundo, para que
combatessem o comunismo até com risco de suas próprias vidas.
Mais nefasta do que a tagarelice dos notórios padres vermelhos é a
ação amortecedora, castradora, empreendida desde dentro e desde
cima por prelados e líderes leigos aparentemente respeitáveis, imunes
a qualquer suspeita, cuja função estratégica não é pregar o comunismo,
mas simplesmente secar as fontes do anticomunismo católico até que a
Igreja se resuma, como no Brasil de hoje se resume, à Igreja
esquerdista militante e agresssiva de um lado, e de outro a Igreja
apolítica, omissa, silenciosa, manietada, debilitada e doente.
Muitos, para justificar o injustificável, alegam o primado do espiritual.
Nossa missão, dizem, é orar e buscar a santidade, não sair em campo
de armas em punho. Mas a hipocrisia desses indivíduos revela-se da
maneira mais patente tão logo são testados: se permanecem silenciosos
e tímidos quando suas organizações e a Igreja como um conjunto são
difamadas e cobertas de injúrias pela esquerda, muito outra é sua
reação quando alguém os critica desde um ponto de vista cristão e
denuncia sua omissão e preguiça. Aí reagem com a fúria de mil
demônios, desancando o infeliz como se fosse um rebelde, um
heresiarca, um dinamitador de sacristias.
Muitos dos que fazem isso, é claro, não são agentes infiltrados. São
apenas covardes genuínos, afetados da síndrome de simulação de
normalidade que mencionei no início deste artigo. Mas é impossível que
estes, tímidos por natureza, entrem em combate com tanta presteza
sem ser incitados pelos primeiros. Simplesmente não é verossímil que
tanta omissão em face do comunismo, aliada a tanta virulência contra o
anticomunismo, não tenha nada de comunista nas fontes que a
inspiram.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090310dc.html
Truque besta
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 10 de março de 2009
O sr. presidente da República mostra-se escandalizado, chocado,
abalado até o fundo de seus sentimentos éticos mais nobres quando a
Igreja discorda de sua singela opinião de que para proteger uma
criança deve-se matar duas.
Se ele fosse ateu, budista ou membro da Seicho-no-Ie, tudo o que os
católicos poderiam fazer diante de seu discurso abortista seria
resmungar. Mas ao defender o aborto como dever moral ele insiste em
enfatizar que o faz “como cristão e católico”, o que o enquadra, sem a
mais mínima possibilidade de dúvida, na categoria dos heresiarcas.
Heresia, para quem não sabe, não é qualquer doutrina adversa à da
Igreja: é falsa doutrina católica vendida como católica – exatamente
como o discurso presidencial contra Dom José Cardoso Sobrinho.
Mas, no fundo, isso não faz a menor diferença. Por seu apoio
continuado e impenitente aos regimes e partidos comunistas, Lula já
está excomungado latae sententiae faz muito tempo e não precisa ser
excomungado de novo. A excomunhão latae sententiae, isto é, “em
sentido amplo” decorre automaticamente de ações ou palavras,
independentemente de sentença oficial e até mesmo de aviso ao
excomungado. Na mesma categoria encontra-se a sra. Dilma Roussef. A
presença de qualquer um desses dois num templo católico – quanto
mais junto ao altar, na condição de co-celebrantes – é uma ofensa
intolerável a todos os fiéis, e só o oportunismo de um clero corrupto até
à medula explica que ela seja tolerada e até festejada entre sorrisos de
subserviência abjeta. Neste caso, como em todos os similares, a
covardia e a omissão não explicam tudo. Alguém manda nos covardes e
omissos, e este alguém não é nada disso: é ousado e ativíssimo a
serviço do comunismo.
Quanto ao exército inteiro dos que se fingem de indignados junto com o
sr. presidente – e ainda o apóiam nesse paroxismo de hipocrisia que é o
“Dia Nacional de Luta contra a Hipocrisia” –, seu papel no caso é dos
mais evidentes. Os estupros de crianças, cujo número crescente
escandaliza e choca a população, são constantemente alegados por essa
gente como pretextos para debilitar a autoridade dos pais e submeter
as famílias a controles governamentais cada vez mais invasivos. A ONU,
os partidos de esquerda, a mídia iluminada, os educadores
progressistas e uma infinidade de ONGs – as mesmas entidades que
promoveram o feminismo, o divórcio, o gayzismo e todos os demais
movimentos que destruíram a integridade das famílias – posam hoje
como os heróicos defensores das crianças contra o risco permanente de
ser estupradas por seus próprios pais. Toda a credibilidade dessas
campanhas advém da ocultação sistemática de um dado estatístico
inúmeras vezes comprovado: a quase totalidade dos casos de abuso
sexual de crianças acontecem em casas de mães solteiras, cujo
namorado – ou namorada – é o autor preferencial desse tipo de delitos.
Na Inglaterra, os filhos de mães solteiras sofrem 73 vezes mais abusos
fatais – e 33 vezes mais abusos sérios sem morte – do que as crianças
criadas em famílias completas. Nos EUA, 55 por cento dos assassinatos
de menores de idade acontecem em casas de mães solteiras. Raríssimos
casos de abusos de menores acontecem em lares íntegros, com um pai
e uma mãe regularmente casados. A presença de um pai é, hoje como
sempre, a maior garantia de segurança física para as crianças. Aqueles
que removeram esse pai, entregando as crianças à mercê dos amantes
de suas mães, são diretamente culpados pela epidemia crescente de
violência contra crianças, e são eles mesmos que tiram proveito dela,
arrogando-se cada vez mais autoridade para solapar a da família
constituída e colocar um número cada vez maior de crianças sob a
guarda de assistentes sociais politicamente corretos.
A seqüência dialética é de uma nitidez impressionante. Tese: a pretexto
de proteger mulheres e crianças, procede-se à demolição da autoridade
paterna, bem como dos princípios morais que a sustentam; antítese: nas
famílias desfeitas – surpresa! –, proliferam os estupros e a gravidez
infantil; síntese: o aborto é elevado à categoria de obrigação moral, e
em seu nome o Estado condena a religião como imoral e desumana e se
autoconstitui em guia espiritual da sociedade.
Pensando bem, é um truque simples, até besta. Mas o tempo decorrido
entre a tese e a síntese torna invisível a continuidade do processo aos
olhos da multidão.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090313dc.html
A consciência sem consciência
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 13 de março de 2009
Todos nós, em momentos difíceis da vida, já tentamos nos explicar a
alguém que não quer ou não pode nos compreender. O olhar do sujeito
desliza de um lado para outro por trás de um véu opaco, sem atingir o
foco do que pretendemos lhe mostrar; e, como não tem foco, não
consegue articular num quadro coerente o que lhe dizemos. Ele
apreende as palavras e até frases inteiras, mas as esvazia de sentido ou
lhes atribui um sentido impróprio, deslocado da situação. É uma coisa
irritante, às vezes desesperadora.
Também todos já vimos pessoas que, envolvidas elas próprias em
dificuldades, não atinam com a encrenca em que se meteram. Ou
permanecem alienadas, numa despreocupação suicida, ou se enervam e
atemorizam, mas por motivos inventados que não têm nada a ver com o
problema real.
Esses dois tipos de pessoas estão “conscientes”, no sentido da
neurofisiologia e da ciência cognitiva, mas não no sentido que a palavra
“consciência” tem na vida real. A “consciência” que essas ciências
estudam é a simples capacidade de notar estímulos. Elas não podem ir
além desse ponto. Não podem distinguir entre o idiota que sente frio na
pele e o homem sensível a quem a visão da neve sugere, num relance, o
contraste entre a beleza da paisagem e o perigo a que o inverno expõe
os pobres desabrigados.
Essa diferença, guardadas as proporções, é a mesma que existe entre
os indivíduos dotados de sensibilidade musical e o doente de tune
deafness. Esta expressão, para a qual não achei uma tradução
unanimemente aceita em português (pode ser “privação melódica”),
designa a pessoa que, embora sem sofrer de nenhuma deficiência
auditiva, simplesmente não consegue captar uma melodia. Ouve as
notas separadas, mas não atina com a frase musical que compõem. Se o
cantor desafina, ou o pianista toca um ré onde deveria entrar um fá, ela
não nota a mínima diferença. Nos casos mais graves, o doente não
consegue nem mesmo entender o que é música: não nota a mínima
diferença entre os Concertos de Brandemburgo e o som das buzinas no
tráfego congestionado. A doença é esquisita, mas não rara: segundo
dados recentes, dois por cento das pessoas têm algum grau de tune
deafness.
Victor Zuckerkandl, em Sound and Symbol (1956) – um livro esplêndido
–, diz que essa diferença assinala a distinção específica da música,
separando-a de todos os demais fenômenos acústicos. A música, em
suma, tem não apenas ordem – o ruído de um motor também tem. Ela
tem significado: aponta para algo que vai além dos elementos sonoros
que a compõem. A distância entre ouvir sons e apreender uma melodia
é a mesma que há entre ouvir palavras e compreender o que dizem –
ou, pior ainda, entre compreender o mero sentido verbal das frases e
reconhecer a que elas se referem na vida real.
Para complicar ainda mais as coisas, um estudo recente, que pretendia
encontrar alguma explicação neurocerebral para a tune deafness,
descobriu, para grande espanto dos pesquisadores, que, embora as
pessoas afetadas por essa deficiência não percebam uma nota errada,
seus cérebros registram a diferença com a mesma acuidade com que o
faria o cérebro de Mozart. Elas ouvem a música perfeitamente bem,
mas a ouvem – dizem os autores da pesquisa – “inconscientemente”.
Seus cérebros percebem a melodia: quem não a percebe são elas (v.
Allen Braun et al., “Tune Deafness: Processing Melodic Errors Outside
of Conscious Awareness as Reflected by Components of the Auditory
ERP”, em
http://www.plosone.org/article/info:doi/10.1371/journal.pone.0002349).
Zuckerkandl, que morreu em 1965, não poderia esperar que sua teoria
recebesse, meio século depois de publicada, uma confirmação tão
eloqüente. O que não lhe escapou foi a importância filosófica da sua
descoberta, que, por ir na contramão das modas científicas,
permaneceu quase desconhecida das classes letradas por muitas
décadas (antes dos anos 90 só a vi citada em Henry Corbin, que a usava
para explicar os estados místicos no esoterismo iraniano do século XIII
– assunto que não é propriamente um sucesso de público).
A percepção da música, no fim das contas, requer o mesmo tipo de
compreensão necessário para você apreender uma situação dramática
complexa, seja a sua própria, a de um interlocutor ou a que você lê em
Hamlet, Crime e Castigo, A Montanha Mágica e assim por diante. Ora,
para explicar o fato de que o cérebro registre uma sensação de frio, os
cientistas são obrigados a decompor esse fenômeno banal numa série
de processos neurobiológicos incrivelmente complexos. Nem esses
processos estão ainda bem explicados, mas, como o sonho da ciência
materialista é poder reduzir a eles a consciência inteira, explicando-a
como “produto” do cérebro, muitos adeptos do materialismo agem
como se já tivessem operado a redução e fornecido para ela as provas
mais cabais e irretorquíveis, daí concluindo que a consciência, como tal,
nem mesmo existe: é apenas uma função cerebral entre outras. Isso é
charlatanismo, evidentemente, mas as fontes que o inspiram vem ainda
de mais baixo do que o charlatanismo puro e simples.
Notem bem: além daquela diferença assinalada pelo fato da tune
deafness, a consciência tem ainda um segundo traço distintivo, que a
separa de qualquer outro fenômeno conhecido no universo. Não
importa do que você esteja falando, o milagre da linguagem abstrata
permite que você se refira aos objetos não só sem necessidade de que
eles estejam presentes fisicamente, mas sem necessidade de que você
pense neles como coisas reais. Você pode até substituir o mero conceito
abstrato deles por um sinal algébrico e continuar raciocinando a
respeito sem nem se lembrar dos seus correspondentes reais, seguro de
que, no fim do raciocínio, se formalmente correto, você encontrará
conclusões que se aplicarão tim-tim-por-tim-tim a esses
correspondentes. Se não fosse isso, não poderiam existir computadores.
No entanto, nada de parecido se dá com a consciência. Você não pode
falar dela sem que ela esteja presente e em ação naquele mesmo
instante. O verdadeiro discurso sobre a consciência tem, ao contrário, o
dom de intensificar a consciência no instante mesmo em que você
raciocina a respeito dela, como uma luz que, tão logo acesa, acende
uma série de outras automaticamente e ilumina o recinto inteiro. Esse é
o sentido em que se fala de “consciência” na vida real. Esse discurso
exige a presença do falante consciente e responsável que se assume
como presente no ato mesmo em que discorre. Se, em contrapartida,
você reduz a consciência a um fenômeno genérico, do qual possa falar
como coisa externa, o objeto escapa instantaneamente do seu horizonte
de consciência, e eis que você já não está falando sobre a consciência
efetivamente existente, mas só sobre algum mecanismo ou aspecto dela
em particular, perfeitamente inexistente em si mesmo. Consciência, no
sentido forte da palavra, é autoconsciência atual, responsável – é algo
que só pode existir no indivíduo real, presente, atuante. Consciência
genérica, abstrata, é um puro fetiche lógico. Se algum dia descobrirem
como o cérebro produz esse fetiche, a consciência continuará
inexplicada. O esforço redutivista, no caso, não tem o mínimo alcance
científico real. É apenas um engodo hipnótico, um instrumento de
controle totalitário da sociedade. Num artigo vindouro explicarei
melhor a função política desse artifício.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090318dc.html
O deus dos palpiteiros
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 18 de março de 2009
Se há um Deus onipotente, onisciente e onipresente, é óbvio que não
podemos conhecê-Lo como objeto, ou mesmo como sujeito externo, mas
apenas como fundamento ativo da nossa própria autoconsciência,
maximamente presente como tal no instante mesmo em que esta,
tomando posse de si, se pergunta por Ele. Tal é o método de quem
entende do assunto, como Platão, Aristóteles, Sto. Agostinho, S.
Francisco de Sales, os místicos da Filocalia, Frei Lourenço da
Encarnação ou Louis Lavelle.
Quando um Richard Dawkins ou um Daniel Dennett examinam a
questão de um “Ser Supremo” que teria “criado o mundo” e chegam
naturalmente à conclusão de que esse Ser não existe, eles raciocinam
como se estivessem presentes à criação enquanto observadores
externos e, pior ainda, observadores externos de cuja constituição
íntima o Deus onipresente tivesse tido a amabilidade de ausentar-se por
instantes para que pudessem observá-Lo de fora e testemunhar Sua
existência ou inexistência. Esse Deus objetivado não existe nem pode
existir, pois é logicamente autocontraditório. Dawkins, Dennett e tutti
quanti têm toda a razão em declará-lo inexistente, pois foram eles
próprios que o inventaram. E ainda, por uma espécie de astúcia
inconsciente, tiveram o cuidado de concebê-lo de tal modo que as
provas empíricas da sua inexistência são, a rigor, infinitas, podendo
encontrar-se não somente neste universo mas em todos os universos
possíveis, de vez que a impossibilidade do autocontraditório é universal
em medida máxima e em sentido eminente, não dependendo da
constituição física deste ou de qualquer outro universo.
Se você não “acredita” no Deus da Bíblia, isso não faz a mínima
diferença lógica ou metodológica na sua tentativa de investigar a
existência ou inexistência d’Ele, quando essa tentativa é honesta.
Qualquer que seja o caso, você só pode discutir a existência de um
objeto previamente definido se o discute conforme a definição dada de
início e não mudando a definição no decorrer da conversa, o que
equivale a trocar de objeto e discutir outra coisa. Se Deus é definido
como onipotente, onisciente e onipresente, é desse Deus que você tem
de demonstrar a inexistência, e não de um outro deus qualquer que
você mesmo inventou conforme as conveniências do que pretende
provar.
O método dos Dawkins e Dennetts baseia-se num erro lógico tão
primário, tão grotesco, que basta não só para desqualificá-los
intelectualmente nesse domínio em particular, mas para lançar uma
sombra de suspeita sobre o conjunto do que escreveram sobre outros
assuntos quaisquer, embora seja possível que pessoas incompetentes
numa questão que julgam fundamental para toda a humanidade
revelem alguma capacidade no trato de problemas secundários, onde
sua sobrecarga emocional é menor.
Longe de poder ser investigado como objeto do mundo exterior, Deus
também é definido na Bíblia como uma pessoa, e como uma pessoa sui
generis que mantém um diálogo íntimo e secreto com cada ser humano
e lhe indica um caminho interior para conhecê-La. Só se você procurar
indícios dessa pessoa no íntimo da sua alma e não os encontrar de
maneira alguma, mesmo seguindo precisamente as indicações dadas na
definição, será lícito você declarar que Deus não existe. Caso contrário
você estará proclamando a inexistência de um outro deus, no que a
Bíblia concordará com você integralmente, com a única diferença de
que você imagina, ou finge imaginar, que esse deus é o da Bíblia.
Quando o inimigo da fé faz um esforço para ater-se à definição bíblica,
ele o faz sempre de maneira parcial e caricata, com resultados ainda
piores do que no argumento da “criação”. Dawkins argumenta contra a
onisciência, perguntando como Deus poderia estar consciente de todos
os pensamentos de todos os seres humanos o tempo todo. A pergunta é
aí formulada de maneira absurda, tomando as autoconsciências como
objetos que existissem de per si e questionando a possibilidade de
conhecer todos ao mesmo tempo ex post facto. Mas a autoconsciência
não é um objeto. É um poder vacilante, que se constitui e se conquista a
si mesmo na medida em que se pergunta pelo seu próprio fundamento
e, não o encontrando dentro de seus próprios limites, é levado a abrir-
se para mais e mais consciência, até desembocar numa fonte que
transcende o universo da sua experiência e notar que dessa fonte,
inatingível em si mesma, provém, de maneira repetidamente
comprovável, a sua força de intensificar-se a si próprio. Dez linhas de
Louis Lavelle sobre este assunto, ou o parágrafo em que Aristóteles
define Deus como noesis noeseos, a autoconsciência da
autoconsciência, valem mais do que todas as obras que Dawkins e
Dennett poderiam escrever ao longo de infinitas existências terrestres.
Um Deus que desde fora “observasse” todas as consciências é um
personagem de história da carochinha, especialmente inventado para
provar sua própria inexistência. Em vez de perguntar como esse deus
seria possível, sabendo de antemão que é impossível, o filósofo
habilitado parte da pergunta contrária: como é possível a
autoconsciência? Deus não conhece a autoconsciência como observador
externo, mas como fundamento transcendente da sua possibilidade de
existência. Mas você só percebe isso se, em vez de brincar de lógica
com conceitos inventados, investiga a coisa seriamente desde a sua
própria experiência interior, com a maturidade de um filósofo bem
formado e um extenso conhecimento do status quaestionis.
O que mata a filosofia no mundo de hoje é o amadorismo, a intromissão
de palpiteiros que, ignorando a formulação mesma das questões que
discutem, se deleitam num achismo inconseqüente e pueril, ainda mais
ridículo quando se adorna de um verniz de “ciência”.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090324dc.html
Orando com os avestruzes
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 24 de março de 2009
Muitos daqueles a quem faço alusão, de passagem, como amostras de
fenômenos de patologia social e cultural, ficam naturalmente enfezados,
esperneiam um pouco pela internet e então saem por aí alardeando que
tiveram um “debate” comigo. Como às vezes cito seus nomes para fins
de mera documentação, iludem-se pensando que são meus
interlocutores, que lhes dei alguma atenção individual, quando na
verdade só os mencionei pela tipicidade anônima, pela uniformidade
rasa e mecânica com que macaqueiam os cacoetes de seu grupo de
referência e assim forjam, para alívio de sua mal disfarçada
insegurança juvenil, uma espécie de identidade temporária, com prazo
de validade a expirar na próxima troca de amigos.
Trata-se em geral de garotos de vinte e poucos anos, com idade para
ser meus netos, mas afeiçoados desde o bercinho à arte genuinamente
brasileira de simular autoridade intelectual – às vezes até mesmo
eclesiástica – e uma longa experiência da vida.
O pior é que outros, vendo-me gastar tempo com opiniões de indivíduos
que lhes parecem insignificantes, exigem que eu pare de fazer isso e me
dedique a mais dignos afazeres, como se os grandes erros coletivos,
geradores de tragédias mundiais, consistissem apenas em crenças
gremiais de uma elite de homens ilustres, e não, justamente, na
somatória das ilusões de incontáveis criaturas diminutas e anônimas.
Uma dessas criaturas, indignada de que eu cobrasse dos católicos
alguma ação contra o avanço do comunismo no mundo e especialmente
na América Latina, despejou na rede, desde o alto do seu púlpito
imaginário, as seguintes palavras:
“Quem entende o remédio da crise de fé como uma postura
anticomunista realmente desconhece a verdadeira missão da Igreja.
Ensinar e pregar o anticomunismo é um ponto meramente terceiro ao
lado de outras importâncias. Aquele que vive piedosamente os
ensinamentos de Cristo, seguindo com um doce ar filial o Magistério, se
aproximando da Eucaristia com devoção e contrição, se torna
anticomunista em espírito sem nunca ter ouvido uma crítica direta ao
socialismo – enquanto ferrenhos anticomunistas que não entendem a
grandeza de Deus e seguem trilhas desconhecidas se aproximam da
condenação. Assim a Igreja deve caminhar, sem se reduzir aos
problemas do mundo, esquecendo as coisas do alto. Clamar a Verdade é
clamar a conversão e a adesão a Cristo e Seus ensinamentos. A
condenação ao marxismo, feita pela Igreja, é apenas a conseqüência
imediata da vivência da Fé com oração e fidelidade, sem isso, ou seja,
sem o caráter místico e transcendental, a Igreja perde o sentido. Por
isso que digo que tanto as olavetes quanto os adeptos da Teologia da
Libertação erram no mesmo ponto; ambos simplificam a Mater Ecclesia,
a esvaziam do seu sentido mais profundo.”
Neste mesmo momento, milhares de jovens católicos como esse estão
sendo induzidos, por sacerdotes estúpidos ou maliciosos, a contentar-se
com “ser anticomunistas em espírito”, na segurança dos seus lares e no
doce ambiente da fraternidade cristã, sem arriscar o conforto de suas
almas e o bem-estar de seus corpos no enfrentamento real com o
inimigo, na agitação sangrenta do mundo.
Para dissuadi-los de tomar qualquer atitude objetiva contra o maior
perigo que já ameaçou a Igreja desde fora e desde dentro, esses
professores de um pietismo kitsch infundem nas mentes de seus
discípulos uma falsa dicotomia entre a vida interior e a guerra santa e,
corrompendo-os até à medula, cultivam neles a vaidade demoníaca de
sentir-se superiores por abster-se da segunda para dedicar-se à
primeira, como se o sangue dos mártires e dos heróis pouco ou nada
valesse perto das orações dos monges, e aliás como se não houvesse
monges entre os mártires e heróis. Os papas da era das Cruzadas, em
contrapartida, prometiam a indulgência plenária àqueles que
arriscassem sua vida no campo de batalha, jamais àqueles que fugissem
ao combate sob a desculpa de que estavam muito ocupados com sua
“vida interior”.
Lembro-me de que na igreja de padres italianos em que me criei na
infância, e onde decorei a missa em latim aos oito anos para realizar o
sonho de ser coroinha (donde se vê minha total inexperiência da vida
católica), havia dois altares votivos, em mármore, permanentemente
acesos, com as inscrições: “Ai martiri” e “Agli eroi” (“Aos mártires” e
“aos heróis”). Não havia nenhum para as pessoas ocupadas em coisas
importantes.
O pior é que o menino que escreveu aquelas palavras desastradas está
seguro de jamais ter-me ofendido (muito menos de haver ofendido ao
próprio Cristo), e até garante: “Não pretendo ser presunçoso nem
soberbo.” Haverá maior presunção e soberba do que, em nome de uma
pretensa experiência mística, fazer pouco daqueles que, atendendo ao
chamamento de Pio XII, professaram combater o comunismo “com a
maior energia, dentro e fora da Igreja” e “até mesmo com o sacrifício
de suas próprias vidas”? Haverá maior soberba do que ignorar que esse
chamamento, na verdade, não veio de Pio XII, mas da própria Virgem
de Fátima? Haverá maior presunção e soberba do que imaginar que a
luta contra o inimigo que mais odiou e matou cristãos ao longo de toda
a história humana, e que superou nisso infinitamente todas as heresias
e todas as invasões de bárbaros, “é um ponto meramente terceiro ao
lado de outras importâncias”? Como pode a vida religiosa ter-se
prostituído a tal ponto que um fiel católico já não enxerga nada de
ofensivo em acreditar que os mais de trinta milhões de mártires e
combatentes cristãos sacrificados pela sanha comunista na Rússia, na
Polônia, na Hungria, na China, em Cuba e um pouco por toda parte
merecem apenas as nossas orações, se tanto, em vez da nossa firme
disposição de correr o mesmo risco que eles correram?
Faço a pergunta e já tenho a resposta, que recebi pronta de mentes
mais sábias.
O cardeal Pallavicini ensinava que “convocar um concílio geral, exceto
quando exigido pela mais absoluta necessidade, é tentar Deus”. Desde a
fundação da Igreja até a década de 60 do século findo, realizaram-se
vinte concílios. Nenhum deles incorreu nesse pecado. Cada um,
segundo enfatizava o cardeal Manning, “foi convocado para extinguir a
heresia principal ou para corrigir o mal maior da respectiva época”. O
primeiro a desprezar essa exigência, e a desprezá-la não por descuido,
não por um lapso, não por negligência, mas por vontade expressa e por
firme decisão de seus convocantes, foi o Concílio Vaticano II. Depois de
Nossa Senhora de Fátima ter advertido, logo antes da Revolução Russa,
que os erros e desvarios vindos de Moscou seriam o flagelo mais cruel
que já se abatera sobre a humanidade, depois de vários papas
proclamarem da maneira mais inequívoca que o comunismo era não só
o maior mal da nossa época mas um perigo praticamente ilimitado,
ameaçando, segundo Pio XII, invadir, corromper e destruir “tudo o que
é espiritual – filosofia, ciência, lei, educação, as artes, os meios de
comunicação, a literatura, o teatro e a religião em geral”, o Concílio
Vaticano II comprometeu-se oficialmente, em troca de amabilidades
irrelevantes do governo soviético, a não condenar esse mal, a não dizer
uma só palavra que fosse contra o comunismo. Podem procurar em
todos os documentos oficiais do Concílio: não encontrarão essa palavra.
Bem, se o próprio Concílio tinha mais o que fazer em vez de prestar
atenção à advertência de Nossa Senhora e combater o maior dos males
presentes, por que haveria um jovem católico brasileiro de perceber o
quanto é ofensivo e presunçoso achar que sua suposta “vida mística”
vale mais do que tentar parar a matança de cristãos (e aliás também de
não-cristãos)? O Concílio, sem dúvida, inaugurou uma nova
espiritualidade: a espiritualidade dos avestruzes.
O jovem a que me referi não é exceção. Suas idéias valem muito como
indícios de um estado de coisas. Elas mostram, como única alternativa
aparente à falsa igreja ativíssima e entusiasta dos padres e bispos
comunistas, a Igreja omissa, entorpecida, hipnotizada na contemplação
vaidosa de sua própria alienação.
Que eficácia têm, nessas condições, a “devoção e contrição” de que se
gaba o nosso personagem, e as de tantos outros como ele? Mateus,
5:23-24, ensina: “Se trouxeres a tua oferta ao altar, e aí te lembrares de
que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante do altar a tua
oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão e, depois, vem e
apresenta a tua oferta.” Será que trinta e tantos milhões de mártires
não têm queixa nenhuma contra os irmãos que os ignoram em favor de
“coisas mais importantes”, como os ignorou solenemente o Concílio?
P. S. – Quem quiser detalhes sobre o pacto hediondo que impôs à Igreja
o silêncio quanto ao comunismo, leia Pope John’s Council, de Michael
Davies (2nd. ed., Kansas City, Missouri, Angelus Press, 2008), e Las
Puertas del Infierno, de Ricardo de la Cierva (Barcelona, Editorial
Fénix, 1995).
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090326dc.html
Da mentira à impostura
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 26 de março de 2009
Mentiroso compulsivo é aquele que, desmascarado, não dá o braço a
torcer: persiste na mentira, adorna-a de novos floreios, jura, esbraveja,
argumenta, e tanto insiste que acaba deixando o interlocutor em
dúvida. Porém mais perverso ainda, um sociopata em toda a linha, é
aquele que, em tal situação, se faz de desentendido e continua falando
no tom da maior normalidade e segurança, como se nada tivesse
acontecido. Aí a mentira singular se transmuta em impostura
permanente, estrutural, alterando de uma vez o quadro das relações
humanas e quebrando, na alma do ouvinte, não a confiança nesta ou
naquela verdade em particular que ele julgava conhecer, mas no
próprio valor da verdade em geral. No primeiro caso, a mentira buscava
imitar a verdade, parasitando o seu prestígio; agora ela se impõe por
seus próprios méritos, como um valor em si, independente e superior à
verdade. Perplexo e atordoado pelo fascínio da insanidade, o ouvinte se
vê atraído para dentro de uma espécie de teatro mágico, onde o preço
do ingresso é a abdicação não só do poder, mas do simples desejo de
conhecer a verdade.
Pois bem, esse é o jogo criminoso, sórdido e indesculpável, que a
“grande mídia” brasileira inteira, sem exceção, tem jogado com seus
leitores desde que se tornou impossível continuar negando e ocultando,
como o fizera ao longo de dezesseis anos, a existência e o poder
descomunal do Foro de São Paulo.
Agora, quando tocam no assunto que antes evitavam como à peste,
nossos jornais o fazem no estilo distraído e anestésico de quem falasse
de coisa banal e rotineira, que tivesse estado presente nas suas páginas
desde sempre, com a regularidade das colunas de turfe e das histórias
em quadrinhos.
Seriam mais decentes e toleráveis se persistissem na mentira, negando
o óbvio com aquela intensidade louca do fingidor histérico, que grita e
gesticula para se persuadir a si mesmo daquilo em que, no fundo, não
pode acreditar. Entre o histérico e o sociopata vai toda a distância que
medeia entre a paixão e o cálculo, entre a doença e a maldade, entre a
explosão de um sintoma neurótico e o planejamento frio de um crime.
Relatando a vida de Vanda Pignato, a militante comunista brasileira que
acaba de se tornar a primeira-dama de El Salvador, a Folha de S. Paulo
do dia 23 informa, de passagem, meramente de passagem, que a
referida “participava das reuniões do Foro de São Paulo, articulado pelo
petismo e controvertido por já ter permitido a participação das Farc
(Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), convertida em
narcoguerrilha”.
Não é uma belezinha? A mais poderosa organização política da América
Latina, financiada por fontes misteriosas jamais investigadas, autora
suprema da articulação clandestina que ludibriou povos inteiros
durante uma década e meia e salvou o comunismo da extinção mediante
o ardil de fazer-se de morto para assaltar o coveiro, de repente aparece
como uma entidade normal, legítima como qualquer partido político, só
vagamente “controvertida” por ter “permitido a participação” da
narcoguerrilha colombiana! Como se o Foro tivesse se limitado a isso,
em vez de prestar apoio unânime e incondicional às Farc, acusando o
governo colombiano de “terrorismo de Estado”! Como se entre as
fontes de sustentação financeira de um movimento tão vasto e
dispendioso fosse dispensável, pela origem espúria, o dinheiro do
narcotráfico! Como se do Foro não participassem também outras
organizações criminosas, por exemplo o MIR chileno, seqüestrador de
brasileiros, com direito a manifestações de solidariedade continental
cada vez que um de seus agentes armados é preso e enviado à Justiça!
Como se a mera existência de um poder invisível e onipresente, capaz
de mudar a história de um continente sem que o público tenha a menor
notícia do que está acontecendo, já não fosse em si mesma um
formidável concurso de crimes, a anomalia das anomalias, a aberração
das aberrações!
Nunca, fora dos países comunistas onde a mídia é oficialmente órgão de
propaganda e desinformação, os jornalistas jogaram tão sujo quanto na
ocultação pertinaz do Foro de São Paulo e na operação-desconversa
que se seguiu à queda do muro de silêncio.
Mentir, eles mentiam antes. Agora partiram para o fingimento de
segundo grau, a consolidação da impostura como um direito sagrado e
um dever moral soberano, nada mais cabendo ao povo, diante desse
ritual diabólico, senão curvar-se em respeitoso silêncio, prostituindo e
sacrificando ante um ídolo de papel os últimos vestígios de dignidade
que possam restar na sua alma exausta e entorpecida.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090403dc.html
Ignorando o essencial
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 3 de abril de 2009
Há alguns dados históricos elementares sobre o movimento comunista,
ignorados pela maioria e mal conhecidos ou bem esquecidos pelas
minorias letradas e dirigentes, sem os quais é impossível, literalmente
impossível entender o que quer que seja da história recente. Se você
procurar se informar a respeito e começar a levar esses dados em
conta, verá quanta coisa obscura se esclarece automaticamente, sem
necessidade de grande esforço interpretativo.
1. O comunismo foi e é, ao longo da história humana, o único – repito: o
único – movimento político organizado em escala mundial, com
ramificações e agentes nos lugares mais remotos do planeta,
disciplinados e capacitados para entrar em ação de maneira imediata,
coordenada e simultânea ao primeiro chamado de seus centros de
comando.
2. Embora tendo a seu serviço uma quantidade enorme de organizações
e partidos de massa, o comunismo é substancialmente um movimento
clandestino, cujo comando e cujos planos de ação devem permanecer
invisíveis aos profanos, mesmo nas épocas de legalidade em que várias
organizações comunistas atuam publicamente sem sofrer a menor
perseguição. O primado da elite clandestina sobre a liderança visível é,
pelo menos desde Lênin, uma cláusula pétrea da estratégia comunista.
É impossível compreender essa estratégia e as táticas que a
implementam levando em conta somente a atuação ostensiva dos
líderes comunistas mais visíveis em cada país, sem acesso às discussões
internas e às conexões internacionais de cada organização.
3. O comunismo foi e é, em todo o mundo e em todas as épocas, o único
movimento político que teve e tem a seu dispor recursos financeiros
ilimitados, superiores às maiores fortunas conhecidas no Ocidente e aos
orçamentos de muitos governos somados. Suas possibilidades de ação
devem ser medidas na escala dos seus recursos.
4. Só uma parcela ínfima da atividade comunista consiste em
propaganda doutrinária reconhecível direta ou indiretamente. A parte
maior e mais significativa consiste em infiltrar-se e mesclar-se em toda
sorte de organizações – partidos políticos (inclusive liberais e
conservadores), mídia, sindicatos, empresas estatais e privadas,
instituições culturais, educacionais, religiosas e de caridade, Forças
Armadas, Maçonaria, a lista não tem fim – de modo a torná-las
instrumentos da estratégia comunista e a controlar por meio delas toda
a sociedade, fazendo do Partido “um poder onipresente e invisível” (a
expressão é de Antonio Gramsci, mas a técnica existia desde muito
antes dele). É pueril imaginar que, uma vez inseridos nessas entidades,
os comunistas aí se dediquem a doutrinação ou proselitismo, como se
fossem pastores protestantes espalhando o Evangelho entre infiéis. A
arregimentação de todas as forças para que sirvam à estratégia
comunista é um mecanismo tremendamente sutil e complexo, que
envolve doses maciças de camuflagem e despistamento, com muitos
lances paradoxais pelo caminho.
5. É tolice imaginar o comunismo como uma “doutrina” ou “ideal”,
sobretudo quando se entende por isso a pregação aberta da abolição da
propriedade privada. O movimento comunista nunca teve nem precisou
ter qualquer unidade doutrinária, e já provou mil vezes sua capacidade
de adaptar-se taticamente às fórmulas ideológicas mais díspares, de
maneira sucessiva ou simultânea, desnorteando por completo o
observador leigo (incluo nisto os políticos em geral e a quase totalidade
dos intelectuais liberais e conservadores). Campanhas ateísticas as
mais truculentas, por exemplo, coexistem pacificamente, no seio do
movimento comunista, com o aproveitamento do discurso religioso
como meio de atingir o coração das massas. Mutatis mutandis, a
exploração dos sentimentos nacionalistas extremados vem lado a lado
com o esforço de diluir as soberanias nacionais em unidades maiores,
regionais ou mundiais, de modo que, por trás da cena, o movimento
comunista se beneficia tanto das resistências patrióticas quanto do
poder global em ascensão. A unidade do movimento comunista é de tipo
estratégico e organizacional, não ideológico. O comunismo não é um
conjunto de teses: é um esquema de poder, o mais vasto, fexível,
integrado e eficiente que já existiu. Mesmo o radicalismo islâmico, hoje
em rápida expansão, nada poderia sem o apoio da rede mundial de
organizações comunistas.
6. Tolice maior ainda é imaginar que a oposição lógico-formal entre os
conceitos abstratos de capitalismo e comunismo se traduza, na prática,
em conflito mortal entre capitalistas e comunistas. À variedade de
diferentes situações locais e temporais corresponde uma infinidade de
nuances e transições, com um vasto espaço para os arranjos e
cumplicidades mais estranhos em aparência (só em aparência).
Ninguém entenderá nada do mundo histórico em que vive hoje se não
tiver em conta a longa colaboração entre o movimento comunista e
algumas das maiores fortunas do Ocidente, por exemplo Morgan,
Rockefeller e Rothschild. Os livros clássicos a respeito são os do
economista inglês Anthony Sutton, mas já em 1956 o Comitê Reece da
Câmara de Representantes dos EUA levantou provas substanciais de
que algumas fundações bilionárias estavam usando seus recursos
formidáveis “para destruir ou desacreditar o sistema de livre empresa
que lhes deu nascimento”. Essas fundações estão hoje entre os mais
robustos pilares de suporte do governo socialista de Barack Hussein
Obama.
O desconhecimento ou incompreensão desses fatos entre liberais e
conservadores está na raiz de sua incapacidade de opor uma resistência
séria à marcha triunfante do comunismo na América Latina. Muitos
ainda acreditam, por exemplo, que será uma grande vitória da
democracia obrigar as Farc a abandonar a luta armada para
transformar-se em partido legal. Não entendem que criar uma força
política reconhecida é, no fim das contas, o único objetivo da luta
armada – na Colômbia ou em qualquer outro lugar. Guerrilhas não
vencem guerras: tudo o que desejam é uma derrota politicamente
vantajosa. Por isso, ao mesmo tempo que trocam tiros com as forças do
governo, na selva e nas cidades, colocam seus agentes em postos-chave
dos partidos esquerdistas legais, de onde clamam contra o
derramamento de sangue e apelam dramaticamente ao retorno da
legalidade. Fizeram isso no Brasil, fazem agora na Colômbia.
Enquanto os liberais e conservadores não obtiverem uma clara visão de
conjunto do fenômeno enormemente complexo do comunismo,
enquanto insistirem em se opor somente às facetas mais imediatas e
repugnantes desse movimento, se não apenas às doutrinas comunistas
consideradas abstratamente, estarão condenados à derrota mesmo
quando se julgam vencedores.
O fato de que jamais tenha havido uma internacional anticomunista
torna difícil para muitas pessoas obter essa visão de conjunto, que os
próprios comunistas obtêm tão facilmente. Mas a ausência de suporte
social não pode servir de desculpa para a preguiça intelectual. Há
sempre algumas inteligências individuais capazes de raciocinar acima
das perspectivas grupais, quando existem, ou sem elas, quando não
existem. Nada justifica que essas inteligências permaneçam à margem
das discussões públicas, deixando aos ignorantes o monopólio dos
microfones. Neste como em todos os demais assuntos humanos, quem
não estudou nada está cheio de certezas simplórias e as proclama com
um ar de tremenda superioridade, sem perceber o papel ridículo que
faz. Quem estudou fica às vezes parecendo maluco ou excêntrico, mas,
afinal, para que é que alguém estuda, se não é para ficar sabendo de
algo que a maioria não sabe?
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090407dc.html
Articulação mundial contra o Papa
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 7 de abril de 2009
Tão logo o Papa Bento XVI anunciou a reintegração da Igreja
tradicionalista na ordem pós-conciliar – o que de si já é uma ironia, pois
a novidade não pode reintegrar em si a tradição, e sim ao contrário –,
desencadeou-se contra ele uma das mais maliciosas campanhas de ódio
já vistas na mídia mundial.
Três episódios marcaram os seus pontos altos.
Primeiro veio o bispo Williamson – um factóide na mais plena acepção
do termo. Até a véspera, ninguém o conhecia. Quando o descobriram
entre os milhares de sacerdotes e fiéis beneficiados pela suspensão de
uma pena eclesiástica coletiva, saiu do anonimato e tornou-se
repentinamente um perigo para a espécie humana, por ter emitido
numa igreja de bairro, ante umas poucas dezenas de fiéis se tanto, uma
opinião antijudaica. Por toda parte ergueram-se gritos de escândalo,
significativamente voltados não contra o bispo, mas contra o Papa.
Como se a revogação do castigo não viesse do simples reconhecimento
de um erro judicial velho de quatro décadas, e sim do endosso papal às
convicções pessoais do bispo – até então ignoradas não só do Vaticano,
mas do mundo – sobre matéria alheia ao seu sacerdócio, à fé católica,
às razões da penalidade e às da respectiva suspensão. Forçando a
inculpação por osmose até o último limite do artificialismo, lançava-se
sobre toda a Igreja tradicionalista e, de quebra, sobre o Papa que a
acolhera de volta, a vaga mas por isso mesmo envolvente suspeita de
anti-semitismo. Não por coincidência, entre os mais inflamados
denunciantes encontravam-se aqueles que tanto mais se esforçam para
proteger os judeus contra perigos inexistentes quanto mais se devotam
a entregá-los, inermes, nas mãos de seus inimigos armados.
Depois, veio o episódio das camisinhas. Não há como medir os gritos de
horror, as lágrimas de escândalo, as gesticulações frenéticas de abalo
moral com que a grande mídia reagiu à declaração blasfema de que
esses sacrossantos dispositivos não protegem eficazmente contra a
Aids. Na verdade, não protegem nada. Edward C. Green, diretor do
Projeto de Pesquisas sobre Prevenção da Aids no Harvard Center for
Population and Development Studies, informa que a revisão mundial
dos resultados obtidos nos últimos 25 não mostra o menor sinal de que
as camisinhas impeçam a contaminação. O único método que funciona,
diz Green, é a redução drástica do número de parceiros sexuais.
Uganda, que por esse método e com forte base religiosa reduziu os
casos de Aids em 70 por cento, é o único – repito: o único – caso de
sucesso espetacular já obtido contra essa doença. Mas que importam
esses dados? A camisinha não vale pela eficácia, ó materialistas
prosaicos. Ela é um símbolo, a condensação elástica dos mais belos
sonhos da utopia pansexualista, onde as criancinhas praticarão sexo
grupal nas escolas, sob a orientação de professores carinhosos até
demais (sem pedofilia, é claro), e nas praças os casais gays darão lições
de sodomia teórica e prática, para encanto geral do público civil, militar
e eclesiástico. De que vale a verdade, de que valem as estatísticas, de
que valem as vidas dos ugandenses, diante de imagens tão radiosas da
civilização pós-cristã que a ONU, o Lucis Trust, a mídia bilionária e
todos os pseudo-intelectuais do mundo almejam para a humanidade? É
em defesa desses altos valores que se ergueram gritos de revolta contra
o Papa, esse estraga-prazeres, esse iconoclasta sacrílego.
Por fim, veio o documentário da BBC, onde o ex-cardeal Ratzinger é
acusado de proteger padres pedófilos, determinando que fossem
removidos de paróquia em vez de punidos. É claro que a coisa já estava
pronta fazia tempo, aguardando a oportunidade política, que veio com
os esforços de Bento XVI para restaurar a unidade da Igreja, algo que
os apóstolos da nova civilização temem como à peste. A BBC, outrora
uma estação respeitável, tornou-se uma central de propaganda
esquerdista tão fanática e desavergonhada que o que quer que venha
dela deve ser recebido a cusparadas, mas em todo caso vale lembrar
que um padre formalmente condenado na justiça por pedofilia não tem
como ser removido de paróquia, pois já está removido para a cadeia.
Restam os padres meramente acusados, sem provas judiciais válidas. A
mídia quer que a Igreja os castigue assim mesmo, a priori, à primeira
palavra que se publique contra os desgraçados. O cardeal Ratzinger é
acusado, no fim das contas, de não ter feito isso. É preciso toda a
técnica cinematográfica da BBC para dar a impressão de que se trata
de coisa imoral, até mesmo vagamente criminosa. Mas, nesses casos, a
realidade não importa nada. A impressão é tudo.
Destaco esses três episódios só como amostras, no meio de um
bombardeio multilateral, incessante e crescente, no qual só a estupidez
voluntária pode enxergar uma simples confluência de casualidades, sem
nenhuma coordenação ou planejamento.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090409dc.html
Falso amor à justiça: Brasil-Mentira I
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 9 de abril de 2009
Este é o primeiro de uma série de cinco artigos com o tema Brasil-
Mentira.
Nação nenhuma tem o monopólio da imoralidade, mas algumas foram
dotadas com uma quota extra que as torna exemplos de escolha numa
investigação de filosofia moral. Ao incluir o Brasil entre elas, não tenho
em vista as famosas taxas nominais de corrupção, onde, ao contrário, as
comparações com outros países têm até um efeito consolador sobre as
almas dos nossos compatriotas. Refiro-me a fenômenos de outra ordem,
mais difíceis embora não impossíveis de quantificar. Já observei mais de
uma vez que a nossa literatura de ficção, escassa em personagens de
grandeza excepcional, santos, heróis ou monstros, é rica em figuras de
minúsculos farsantes, mentirosos, fingidores compulsivos e semiloucos
de vários matizes, que se abrigam numa esfera de irrealidade, fugindo
da própria consciência. Com uma ou duas exceções, os personagens do
maior e mais significativo dos nossos romancistas são todos assim.
Também o são os de Lima Barreto, Raul Pompéia, Marques Rebelo,
Annibal M. Machado e tantos outros, sendo até covardia lembrar a
figura de Macunaíma, na qual os brasileiros se reconhecem tão
facilmente, e cuja veracidade sociológica é atestada por um milhão de
piadas populares que mostram os nossos conterrâneos em traços bem
parecidos com os dele.
Uma vaga consciência de que há algo de errado com os padrões de
moralidade da nossa gente perpassa as conversas familiares, as
crônicas de jornal, os espetáculos de cinema e teatro, as novelas de TV,
etc., e alimenta algumas discussões de mais alto nível, como aquelas
que aparecem em livros de Paulo Prado, Mário Vieira de Melo, J. O. de
Meira Penna, Roberto da Matta, Ângelo Monteiro. O que aí se destaca
não é a propensão à criminalidade propriamente dita, mas uma
tendência quase incoercível a preferir antes o fingimento do que a
sinceridade, antes a aparência artificialmente construída do que a
realidade conhecida. É como se o brasileiro não acertasse jamais falar
com a sua própria voz, sentindo-se antes compelido, por um intenso
desejo de aprovação – também ele camuflado –, a imitar o tom das
conveniências momentâneas.
Desde os tempos de Lima Barreto, não se atenuou nem um pouco o
vício nacional de sacrificar a ambições mesquinhas, se não à busca
obsessiva de segurança contra perigos imaginários, os impulsos mais
altos do espírito humano, condenando-os, não raro, como tentações
pecaminosas, provas de vaidade, cobiça, pedantismo ou desprezo pelos
semelhantes. As vocações intelectuais e artísticas são aí especialmente
sacrificadas, não só quando se vêem esmagadas pela pressão e pela
chacota do ambiente, mas até mesmo quando se realizam, porque o
fazem num sentido oportunístico e farsesco, o único possível nessas
condições, que as transforma em caricaturas de si mesmas.
Nas últimas décadas, porém, essa deformidade moral crônica foi se
acentuando de tal modo que começa a assumir as feições de uma
sociopatia alarmante, disseminada sobretudo entre as classes cultas
com mais acesso aos meios de difusão. As opiniões dessa gente vão se
afastando dia a dia de todo padrão universal de veracidade e
moralidade, ao ponto de constituirem já um sistema ético peculiar,
válido só no território nacional, fechado e hostil às exigências da
consciência humana em geral, inacessível a toda cobrança superior de
idoneidade e racionalidade.
O mais característico desse novo sistema é que seus criadores e
representantes não têm a mais mínima idéia de quanto suas falas,
atitudes e julgamentos são imorais, maliciosos e alheios àquele mínimo
de franqueza que uma alma deve ter ao falar consigo mesma para que,
quando fala com os outros, se reconheça nela a voz de uma
“consciência”, um espírito alerta, uma presença viva. Falar numa
linguagem de estereótipos, com um automatismo sufocante, parece que
se tornou obrigatório.
O fator que mais contribuiu para isso foi decerto a tomada dos meios de
comunicação, do sistema educacional, das instituições de cultura e dos
altos postos da política por uma geração marcada pelo sentimento de
vitimização, acompanhado, inevitavelmente, da crença na sua bondade
intrínseca e na recusa completa, radical, absoluta, de encarar seus
supostos inimigos como sujeitos humanos portadores de uma
consciência moral, capazes de dar razão de seus atos e merecedores de
um confronto justo. O sentimento de impecância essencial, que está
hoje disseminado em todas as classes falantes deste país, predispõe a
um discurso de acusação indignada que encobre os mais óbvios
pecados próprios sob a impressão – artificiosamente reiterada ao ponto
de tornar-se uma carapaça invulnerável – de estar sempre discursando
em nome de valores sublimes sufocados pelo mundo mau, quando, na
verdade, o que torna o mundo mau é acima de tudo o número excessivo
de pessoas imbuídas desse mesmo sentimento.
Um dos sintomas mais alarmantes dessa patologia é a fúria justiceira
com que as autoridades e seus acólitos, os “formadores de opinião”,
investem contra delitos menores, sobretudo de ordem financeira, ao
mesmo tempo que toleram, como detalhe irrisório, a taxa anual de 50
mil homicídios que faz do Brasil a nação mais cruel e assassina do
mundo. Quando um magistrado exclama que 94 anos de cadeia são
punição branda para a sonegação fiscal e delitos correlatos, ao mesmo
tempo que assassinos em série, seqüestradores e traficantes de drogas
são protegidos pela leniência das leis e ainda celebrados como vítimas
da sociedade má, está claro que uma nova classe falante subiu ao
primeiro plano da cena pública, intoxicada de uma tal dose de rancor
invejoso contra a “burguesia”, que não hesita em conceber traficantes
multibilionários como pobres vítimas do capitalismo, fazendo deles
aliados na epopéia revolucionária da “justiça social” que pretende
implantar.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090415dc.html
Inversão retórica e realidade invertida: Brasil-Mentira II
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 15 de abril de 2009
Enxergar nos criminosos a sombra da sociedade, portanto a projeção
ampliada dos males latentes no próprio coração da maioria honesta, é
tendência bem antiga da cultura ocidental. Quando François Villon, o
poeta-assassino, vislumbra o seu próprio corpo de enforcado
balançando no ar, não como testemunho de seus crimes, mas como um
apelo à bondade das gerações futuras, sem lembrar-se de dizer uma
palavra sequer em favor de suas vítimas, ele inaugura uma das
inversões retóricas mais poderosas da modernidade: a relação de
caridade estabelece-se agora como um vínculo direto entre a
comunidade e o criminoso, fazendo-se abstração das vítimas. Estas não
têm direito à caridade, nem do seu algoz, nem do futuro. Passando por
cima dos assassinados, a Deusa História absolve os assassinos.
As Confissões de Jean-Jacques Rousseau, um dos livros mais populares
de todos os tempos, consolidam a inversão, quando, da revelação de
seus defeitos e pecados, o autor, em vez de inferir que não presta, tira a
conclusão de que ninguém é melhor que ele. Pais e mães que
sacrificaram vida e saúde por seus filhos são rebaixados ante a vaidade
do ambicioso carreirista que preferiu remeter os seus cinco a um
orfanato, para ter tempo de brilhar nos salões e ser paparicado por
todos aqueles que depois ele acusaria de oprimi-lo. Rousseau gaba-se
mesmo de ser o melhor homem da Europa, o mais humano, o mais
bondoso, o mais sensível, incompreendido pela multidão de filisteus.
A literatura dos séculos XIX e XX esforçou-se tanto para humanizar a
imagem do criminoso, que acabou por desumanizar o restante da
espécie humana. A partir dos anos 60 do século XX, a superioridade
ontológica dos criminosos sobre a sociedade normal havia se
consolidado tão profundamente na imaginação das classes falantes, que
foi possível fazer, daquilo que nascera como um mito literário, uma
estratégia de ação política e o princípio de uma reforma cultural e
moral de dimensões universais. A geração de universitários que hoje
ocupa todas as posições de poder e influência no Brasil foi inteiramente
formada nessa mentalidade, e já não pode distinguir entre uma figura
de linguagem e a realidade da vida social. O que essa figura de
linguagem expressa não é de todo irreal. Cada delinqüente, por
definição, dá expressão física e manifesta às tendências malignas
latentes na alma dos seres humanos em geral, inclusive os melhores
deles. Nenhuma vítima de homicídio pode proclamar que o desejo de
matar está totalmente ausente no seu coração. A diferença entre ela e o
assassino não é de natureza, mas de proporção. É por isso que o
assassino pode simbolizar o pecado oculto na alma do assassinado.
Basta, porém, uma pequena ênfase retórica para que a diferença de
proporções desapareça sob uma impressão contundente de que todos
são culpados pelo homicídio, exceto o homicida. As figuras de
linguagem servem precisamente para realçar certos aspectos da
realidade, que o senso de proporcionalidade da experiência comum
encobre. Mas quando o poder sugestivo de uma figura de linguagem
começa, retroativamente, a encobrir a experiência comum, ela deixa de
ser uma figura de linguagem, passa a ser uma afirmação literal, uma fé
e até um dogma. Já não é nem mesmo uma ideologia política. É um
valor pessoal, uma crença espontânea: não é que o sujeito “ache” que
os criminosos são superiores, ele age como se eles o fossem, porque
jamais lhe ocorreu que pudessem ser outra coisa. A ideologia, aí,
incorporou-se à psique e já não é reconhecida como tal: é um
sentimento pessoal e mesmo um reflexo incoercível. Quando na era
Brizola as damas da sociedade começaram a achar lindo namorar com
traficantes do morro, já não se podia dizer que faziam isso por
ideologia: a ideologia se transformara em compulsão emotiva. Foi isso o
que aconteceu na linguagem das classes falantes do Brasil nos últimos
quarenta anos. Elas já não acreditam somente que o assassino “pode”,
imaginariamente, refletir o mal latente no coração do inocente, mas
enxergam realmente, literalmente, os inocentes como culpados. Fazer
justiça, no seu entender, é libertar da prisão todos os assassinos,
estupradores, seqüestradores e narcotraficantes, colocando em seu
lugar aqueles que até ontem personificavam a sociedade “normal”. A
busca de pretextos para justificar essa inversão consolida, por sua vez,
uma lógica jurídica invertida. Ao mais mínimo sinal de que um cidadão
conceituado não tenha uma conduta irrepreensível, santa, impecável,
isto surge aos olhos desse novo modelo de justiceiro como a prova cabal
de que tinha razão: os bons, se não são perfeitos, são maus; os maus,
sendo um reflexo da maldade deles, são bons no fundo. Daí a inversão
da pena: para os crimes de morte, mesmo em série, mesmo cometidos
por motivos torpes, brandura e leniência. Para os delitos financeiros e
administrativos das pessoas famosas, vingança implacável – exceto, é
claro, se essas pessoas famosas forem por sua vez adeptas da nova
justiça: aí seus crimes se tornam sacrifícios meritórios pelo bem da
sociedade futura.
Até um certo ponto, a inversão retórica é tolerável. Ela serve como um
atenuante relativista da confiança que toda sociedade tem na sua
própria bondade. Quando, porém, o atenuante da norma se transforma
ele próprio em norma, é evidente que todo o senso das proporções se
perdeu por completo, sendo substituído pela proclamação despótica da
inocência dos culpados e da culpabilidade de todos os demais (exceto,
naturalmente, o próprio autor da inversão e seus similares). Que isso se
faça em nome da “justiça” é claramente uma ironia macabra, de vez
que a justiça humana, não podendo jamais alcançar a perfeição
absoluta do seu modelo divino (real ou imaginário), consiste
precisamente, e exclusivamente, no senso das proporções. Suum cuique
tribuere, “atribuir a cada um o que lhe cabe”, é a definição mesma da
justiça. Daí deriva o princípio essencial do Direito moderno, que é a
proporcionalidade dos delitos e das penas. Um código penal – qualquer
código penal – não é outra coisa se não um sistema de
proporcionalidades. Quando esta noção desaparece do horizonte de
consciência não só dos fazedores de justiça, mas também daqueles que
lhes dão suporte cultural na mídia e no sistema educacional, toda
possibilidade de discussão racional da gravidade relativa dos crimes, e
portanto das penas que lhes competem, está eliminada do panorama
social. Em lugar dela, entra a vontade arbitrária dos novos agentes,
inteiramente fundada no ódio e na inveja, disposta a aplicar, conforme
suas conveniências grupais, a uns os rigores de um purismo inflexível, a
outros os mais confortáveis atenuantes do relativismo cultural.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090417dc.html
A proibição de comparar:
Brasil-Mentira III
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 17 de abril de 2009
Exemplos recentes da radical abolição do senso das proporções nas
discussões públicas neste país, e da sua substituição por proclamações
absolutistas rancorosas e pueris até à demência, aparecem em dois
artigos do Observatório da Imprensa, publicação que, sublinhando o
grotesco da situação, se autodefine não como um agente entre outros
no jornalismo brasileiro, mas como um tribunal para o julgamento da
idoneidade dos demais agentes.
Discutindo a celeuma causada pelo uso do termo “ditabranda” na Folha
de S. Paulo para qualificar o regime militar brasileiro, o Sr. Alberto
Dines, fundador, diretor, e guru máximo do Observatório, proclama:
“O debate sobre a ‘ditabranda’ estava errado desde o início porque
fixou-se numa classificação de ditaduras, quando o certo seria discutir a
inflexibilidade do processo democrático. Há um certo momento pareceu
que as partes estavam querendo inventar um medidor de ditaduras, ou
ditadurômetro, por meio do qual as diferentes relativizações,
devidamente equacionadas, estabeleceriam um kafkiano ranking de
autoritarismo, do suportável ao insuportável... A ‘Guerra Suja’
argentina matou 30 mil, a nossa matou 300 ou 3 mil. A quantificação é
desumana, armadilha brutalizante...”
Vamos por partes. O Sr. Dines afirma que toda comparação de
autoritarismos é indecente. Só vale a democracia absoluta. “O
pacifismo é ncondicional ou é hipócrita. A democracia é integral ou é
uma farsa.” Não vou apelar ao expediente, até covarde nas presentes
circunstâncias, de mostrar que nenhuma democracia no mundo jamais
foi integral. Os meros fatos não alcançam as alturas do rigorismo
platônico exigido pelo Sr. Dines. Em compensação, conceitos puros são
o domínio da lógica e não podem furtar-se ao dever de definir-se a si
mesmos. Ora, a “democracia integral” é indefinível, porque é
autocontraditória.
Todo principiante no estudo da teoria política tem de saber, desde logo,
que a democracia não é uma substância, uma coisa, mas uma qualidade
que se tenta impor a uma substância preexistente, isto é, à sociedade
tal como estava antes do advento da democracia. Tem de saber
também, em conseqüência, que a democracia não é uma quantidade
fixa, mas uma proporção – e que, por isso mesmo, não pode ser
“integral”. A democracia constitui-se essencialmente de uma limitação
mútua entre os poderes, o que subentende que esses poderes existam e
que cada um deles não seja integralmente capaz de limitar-se a si
mesmo. Todos os teóricos da democracia, mesmo os mais entusiastas,
sempre ressaltaram que ela é um estado de equilíbrio instável, incapaz
de fixar-se na perfeição do equilíbrio puro subentendido na palavra
“integral”. A democracia não é um princípio universal, mas um arranjo
pragmático. Princípios universais podem ser aplicados ad infinitum sem
levar jamais a contradições. Por exemplo, o próprio suum cuique
tribuere, ou a noção de que a responsabilidade de um ato incumbe a
quem o cometeu e não a outra pessoa. Você pode aplicar
indefinidamente esses princípios a todos os casos possíveis e
imagináveis, nunca eles levarão a situações paradoxais e sem saída.
Bem diferentes são os arranjos pragmáticos, cuja aplicação é limitada
por definição e que, estendidos para além do seu campo próprio de
aplicação, se autodestroem ou se convertem nos seus contrários. A
democracia é um dos exemplos mais óbvios dessa distinção, e isso é
mesmo uma das primeiras coisas que o estudante de teoria política tem
de aprender. Em toda democracia há, por definição, uma infinidade de
abusos antidemocráticos. Suprimi-los por completo, como subentendido
na noção de “democracia integral”, exigiria a instalação do controle
social perfeito, portanto a eliminação da própria democracia. A
democracia reside precisamente na busca permanente da compensação
mútua entre fatores que, em si, não são democráticos. Isso quer dizer
que enormes coeficientes de autoritarismo subsistem necessariamente
dentro de qualquer democracia e que sem eles o próprio conceito de
democracia não faria sentido. A “democracia integral” coincidiria em
gênero, número e grau com a ditadura.
Em segundo lugar, democracias não existem no ar, mas em unidades
políticas soberanas que coexistem com outras unidades políticas
soberanas. Um regime de um país só pode ser democrático para dentro.
Não pode conceder aos cidadãos e governos de outros países os
mesmos direitos e garantias que dá aos nacionais. Isso implicaria a sua
dissolução imediata. Uma “democracia integral” pressuporia a
inexistência de fronteiras, mas parece difícil explicar isso a uma mente
como a do Sr. Dines. Tratados internacionais podem, por sua vez,
retroagir sobre as leis internas, diminuindo o coeficiente de direitos
desfrutados pelo cidadão da democracia. Por outro lado, o governo
mundial, necessário à implantação da “democracia integral”, seria
também contraditório com a noção de democracia, por ser inatingível à
fiscalização direta de todos os eleitorados locais – a não ser na hipótese
de uma humanidade ilimitadamente poliglótica. Uma expressão como
“democracia integral” só pode ser usada por um leviano opinador que
não examinou o problema por um só minuto e que se limita a
manifestar desejos arbitrários como uma criancinha que esbraveja e
chora quando contrariada.
A existência mesma de um poder legislativo, que é um componente
essencial da democracia, prova que ela não pode ser integral. Se você
tem de estar continuamente produzindo novas leis, é porque as
anteriores não produziram a “democracia integral”. Se a produzirem, a
subseqüente supressão do legislativo a transformaria ipso facto em
ditadura. Basta isso para mostrar como as idéias de pureza e
democracia são radicalmente incompatíveis, não apenas no baixo
mundo dos fatos, mas na própria esfera dos conceitos absolutos. Como
é possível que um sujeito que ignora uma coisa tão elementar da teoria
política tenha os meios de sair por aí dando lições de democracia?
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090427dc.html
Umas ditaduras são mais iguais que as
outras: Brasil-Mentira IV
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 27 de abril de 2009
O Sr. Dines não é burro, pessoalmente. Já provou isso em escritos
excelentes. Ele encontra-se emburrecido e cego pelo apoio dos seus
pares, que, quando o que ele diz coincide com os desejos deles, tratam
de aceitá-lo imediatamente, reprimindo em si próprios e nos outros a
mais elementar exigência analítica. Confirmado retroativamente pelo
apoio deles, o Sr. Dines está autorizado a jamais perceber a enormidade
do que disse. Ser “formador de opinião”, no Brasil de hoje, é isso. É
expressar amores e repulsas com a irracionalidade de um cão que late,
reforçado pelos ecos inumeráveis de uma orquestra canina.
A idéia de que não haja comparação possível entre autoritarismos
iguala, na base, os campos para prisioneiros japoneses nos Estados
Unidos durante a II Guerra e os campos de concentração nazistas.
Iguala as medidas defensivas, tomadas por uma nação em perigo, à
construção da máquina totalitária que cresce justamente na medida em
que as oposições desaparecem e em que se torna necessário inventar
mais e mais oposições imaginárias para justificá-la. O Brasil teve, ao
longo de vinte anos, aproximadamente dois mil prisioneiros políticos,
nenhum deles totalmente isento de ligações diretas ou indiretas com a
guerrilha e com a ditadura cubana. Cuba, com uma população doze
vezes menor, chegou a ter cem mil ao mesmo tempo – a quase
totalidade sem processo legal, e levada ao cárcere por crimes
hediondos como fazer uma piada, recusar-se a usar um crachá
patriótico ou, nos casos mais graves, possuir uma casa. Se não há
nenhuma diferença entre uma coisa e outra, também não há diferença
entre matar seis milhões de judeus e dar um discreto pontapé no
traseiro do sr. Alberto Dines, ou entre jogar milhões de padres no
Gulag, por serem padres, e, como se fez na Grã-Bretanha durante a II
Guerra, prender sem processo uns quantos colaboradores do inimigo.
Abolir as diferenças equivale a neutralizar o próprio conceito de
democracia, que só é democracia, precisamente por basear-se no senso
das proporções, que essa abolição impugna.
A prova de que proibir toda gradação entre autoritarismos é inviável na
teoria e na prática nos é dada pelo próprio Sr. Dines quando, ao referir-
se a Fulgêncio Batista, o rotula de “tirano” e, no mesmo parágrafo,
falando de Cuba, atenua a linguagem dizendo apenas que “está longe
de ser uma democracia”, como se Cuba não tivesse feito outra coisa ao
longo destes últimos quarenta anos senão esforçar-se para ser uma
democracia. Se isso não é uma gradação, eu sou o Alberto Dines em
pessoa.
Graduando mais ainda, ele faz questão de frisar que, se Cuba “ainda”
(depois de breves quatro décadas) não se transformou em democracia,
isso ocorreu ‘a despeito das magníficas intenções dos rebeldes”. Ora, os
militares brasileiros, em 1964, derrubaram o governo que acobertava
uma guerrilha financiada por Cuba, e prometeram em lugar dele, o
quê? Uma democracia, ora bolas! Uma democracia com eleições plenas
em seis meses. Não seriam, essas também, “magníficas intenções”,
embora falhadas? Falar em “magníficas intenções”, neste caso, não
seria ainda mais legítimo do que no tocante aos guerrilheiros cubanos
que instantaneamente implantaram um regime de terror da ilha e não
cederam um milímetro até hoje, enquanto os nossos militares acabaram
se afastando do poder por obediência à pressão popular? Em vão o Sr.
Dines afirma que todas as ditaduras são iguais, pouco importando as
intenções. O que ele acaba dizendo, no fim das contas, é que todas são
iguais, mas algumas são mais iguais que as outras. Ele jura “abominar
as gradações”, mas ele próprio gradua, só que em sentido inverso:
odeia o mal menor e ama decididamente o pior dos piores.
Na edição subseqüente do seu Observatório, ele mesmo deu a maior
prova disso, ao falar da rebelião chefiada em 1936 por Francisco
Franco contra a república pró-comunista espanhola. Ele rotula as forças
rebeldes como “ditatoriais” e “fascistas” e o outro lado como “forças
legalistas”. Tentando camuflar a escolha, ele apela ao seu usual artifício
de fingir equanimidade, nivelando “as violências contra sacerdotes e
freiras” e “a participação do clero na repressão fascista”, como se
fossem ambas episódios da guerra civil, quando de fato as primeiras
antecederam a guerra e foram a causa direta da rebelião franquista.
Matanças em tempo de guerra podem ser debitadas na conta da
violência geral, mas matanças em tempo de paz, promovidas por forças
governistas contra a própria população local, caracterizam não somente
uma ditadura, mas uma ditadura totalitária e genocida. É
absolutamente imoral chamar de “legalista” ou “democrático” um
regime que promoveu a matança sistemática de padres e freiras
simplesmente por serem padres e freiras e que incendiou centenas de
igrejas católicas nos territórios sob o seu domínio, fechando todas as
restantes e tornando virtualmente ilegal a religião majoritária do país.
A república espanhola foi obviamente uma ditadura, e entre ela e a
ditadura franquista que a sucedeu Alberto Dines, desmentindo seu
fingido horror a comparações dessa ordem, não hesita em estabelecer
uma gradação de preferências, com o agravante de que, nessa
gradação, não se limita a cotejar a extensão de dois males, mas eleva
um deles ao estatuto de um bem, ao afirmar que os “libertários do
mundo inteiro” – assim ele qualifica os membros das Brigadas
Internacionais – lutavam pelos “conceitos de República, democracia e
solidariedade”. Ora, as Brigadas Internacionais foram à Espanha
obedecendo a uma convocação de Stálin, e, se delas participou a
inevitável quota de idiotas úteis que não sabiam estar servindo à
ditadura soviética – os depoimentos de John dos Passos e de George
Orwell a respeito são bastante significativos –, o fato é que as Brigadas
foram sempre um instrumento a serviço do comunismo, e não da
liberdade. Chamar comunistas de “libertários” é mais do que mera
impropriedade vocabular, é trapaça pura e simples, de vez que o
segundo termo designa um movimento político existente, notoriamente
hostil ao comunismo e atuante na política até hoje, inclusive no Brasil.
Para piorar as coisas, Dines nivela dois fenômenos radicalmente
diferentes: a participação soviética ao lado dos republicanos e a ajuda
nazifascista às tropas de Franco. É notório que o general rebelde
obteve ajuda técnica e militar da Itália e da Alemanha, mas sem nada
ceder a esses incômodos fornecedores (os únicos de que dispunha),
defendendo a soberania do seu país com obstinada teimosia, timbrando
em manter a neutralidade espanhola durante a II Guerra contra todas
as pressões de Hitler e Mussolini e ainda concedendo abrigo a judeus
foragidos, no mínimo como agradecimento à comunidade judaica de
Valencia que ajudara a financiar sua rebelião. Em contrapartida, o
governo dito “republicano” colocou-se sob as ordens de Stalin da
maneira mais servil, chegando a ser controlado diretamente pelos
russos nas etapas finais da guerra e a transferir para Moscou, sob a
grotesca desculpa de “segurança”, todas as reservas estatais de ouro
espanhol, um óbvio crime de alta traição que os russos festejaram com
risos de escárnio, sabendo que os espanhóis jamais veriam aquele
tesouro de volta, como de fato não viram.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/0903digestoeconomico.html
Um novo modelo de transparência
Olavo de CarvalhoDigesto Econômico, março de 2009
Compreender os objetivos gerais da administração Obama com base
nas suas primeiras medidas de governo não requer o mais mínimo
esforço diagnóstico. Essas medidas falam por si mesmas de uma
maneira tão clara que algum esforço seria necessário, isto sim, para
não enxergar o que pretendem e aonde vão levar.
Desde logo, Obama tratou de acenar com um gesto de simpatia para os
inimigos do país, escolhendo, para conceder sua primeira entrevista
como presidente, a rede de TV Al-Arabiya. Chamá-la de canal terrorista
não é nenhum exagero, não só pelo conteúdo editorial dos seus
programas, mas pelo fato singelo de que o edifício-sede da emissora é
usado como base para o lançamento de foguetes contra Israel.
Mais entusiasmo ainda entre as hostes anti-americanas ele despertou
com o anúncio do fechamento da prisão de Guantanamo. Não há um só
comunista ou radical islâmico no mundo que não considere isso uma
vitória espetacular. A gritaria universal contra a "tortura" ali praticada
conseguiu obscurecer por completo a diferença do tratamento
concedido a prisioneiros de guerra nos EUA e entre os terroristas.
Quem quer que tenha visto seres humanos implorando por suas vidas
segundos antes de ter suas cabeças cortadas entende que a afetação de
piedade pelos terroristas submetidos ao waterboarding (prática usada
no treinamento dos próprios soldados americanos) é uma deformação
monstruosa do senso moral. Impor essa deformação à mente das
multidões tornou-se um objetivo sistemático da grande mídia e da
intelectualidade esquerdista por toda parte. Obama julgou prioritário
agradar a essa gente logo na sua primeira semana de governo, mesmo
ao custo de endossar a difamação do seu país.
Uma onda de alívio percorreu as almas dos produtores de petróleo
árabes, bem como de Hugo Chávez, quando Obama vetou a perfuração
de novos poços em alto-mar, que o Congresso havia aprovado em
obediência a pressões populares.
Nada, porém, pode ter ressoado mais docemente aos ouvidos do anti-
americanismo do que o anúncio presidencial de que pretende cortar o
estoque de armas nucleares dos EUA em nada menos de oitenta por
cento. Os EUA têm atualmente 2.300 ogivas. A opinião geral dos
especialistas militares é que abaixo de duas mil, a superioridade bélica
dos EUA terá sido eliminada e o país estará exposto à derrota ao
primeiro ataque. É universalmente reconhecido que a Rússia jamais
cumpriu a sua parte em acordos de redução. Obama sabe perfeitamente
bem que não há o mais mínimo motivo para esperar que o homem da
KGB atualmente no poder vá agir de maneira diferente. A redução será
unilateral, e Obama encara essa perspectiva sem pestanejar.
Já a simples composição de sua equipe de governo mostra da maneira
mais patente o estofo moral e patriótico da nova administração. Leon
Panetta, indicado para diretor da CIA, é um homem que não passaria
em nenhum teste de segurança para ser um simples empregado
burocrático nessa ou em qualquer outra agência de inteligência dos
EUA, por suas ligações estreitas com o Institute for Policy Studies,
reconhecidamente um braço da KGB. Nenhum outro governo americano
jamais nomeou tanta gente errada logo nos primeiros dias. Após ter
prometido que seu governo se pautaria pelo mais rígido controle ético
jamais visto na história americana, Obama convocou para os altos
postos os seguintes tipos inesquecíveis:
· O governador do Novo México, Bill Richardson, teve de renunciar à
nomeação para secretário do Comércio, porque está sob investigação
num grande júri por favorecimento ilícito aos seus colaboradores de
campanha.
· Timothy Geithner, nomeado secretário do Tesouro, chegou lá com uma
dívida jamais paga de 34 mil dólares em impostos.
· Thomas Daschle, nomeado para chefiar o Departamento de Saúde,
renunciou à nomeação quando se soube que havia deixado de pagar
impostos no valor de 146 mil dólares.
· O mesmo aconteceu com Nancy Killefer, nomeada chief performance
officer (encarregada de enxugar o orçamento, atividade que de algum
modo ela já vinha desempenhando ao abster-se de pagar seus
impostos).
· A deputada Hilda Solis, nomeada secretária do Trabalho considera-se
uma vítima inocente de perseguição porque há pessoas que a julgam
incapacitada para o cargo só porque – vejam vocês – seu marido esteve
envolvido em fraudes de imposto por dezesseis anos.
· Por fim, David Ogden, nomeado para segundo no comando da
Procuradoria Federal, é conhecido como advogado de firmas de
pornografia. Há mesmo quem o considere – quanta injustiça! – um hired
gun (pistoleiro de aluguel) a serviço da indústria da obscenidade.
Por enquanto é só. Ninguém mais foi acusado de nada. No entanto,
entre os demais nomeados, há pelo menos onze que pertencem à
Comissão Trilateral, órgão fundado por David Rockefeller em 1973 com
o propósito de dissolver a soberania americana e instalar um governo
mundial. São eles:
· Timothy Geithner, já citado como secretário do Tesouro;
· Susan Rice, embaixadora nas Nações Unidas;
· Thomas Donilon, conselheiro de Segurança Nacional;
· Paul Volker, diretor da Comissão de Recuperação Econômica;
· General James L. Jones, conselheiro de Segurança Nacional;
· Almirante Denis C. Blair, diretor de Inteligência Nacional;
· Kurt M. Campbell, secretário-assistente de Estado para a Ásia e o
Pacífico;
· James Steinberg, secretário-assistente de Estado;
· Richard Haass, Dennis Ross, Richard Holbrooke, enviados especiais do
Departamento de Estado.
Muitos outros membros do gabinete têm ligação com a Trilateral: a
secretária de Estado Hilary Clinton é casada com um membro da
comissão; o grupo de conselheiros de Tim Geithner inclui quatro
membros da comissão; e assim por diante: o governo Obama é uma
fortaleza do globalismo.
Não espanta, portanto, que em suas políticas sociais o novo presidente
venha tratando de implementar o mais rapidamente possível os
programas mais apreciados pela elite globalista, como por exemplo o
abortismo. Uma das primeiras medidas de Obama foi liberar algumas
centenas de milhões de dólares para disseminar a prática do aborto não
só nos EUA, mas no mundo todo. Numa significativa demonstração de
elasticidade moral, o presidente declarou que "Deus jamais perdoará a
matança de bebês inocentes", no instante mesmo em que liberava o
dinheiro do contribuinte americano para financiar essa matança. Mais
abortos ainda serão provocados pela liberação das pesquisas com
células-tronco embrionárias, que o presidente já anunciou: as
esperanças mais estapafúrdias de cura para todas as doenças possíveis
e imagináveis embelezam e legitimam essas pesquisas, que até agora
não deram o mais mínimo sinal de poder alcançar algum resultado, ao
contrário do que acontece com as investigações de células-tronco
adultas.
Complementarmente, o novo governo já demonstra da maneira mais
inequívoca sua intenção de reprimir e boicotar as comunidades
religiosas que se oponham aos novos modelos de "moralidade"
propugnados pelo globalismo: no seu rol de "estímulos" à economia,
toda ajuda é ostensivamente negada a qualquer organização escolar ou
assistencial que dê abrigo, direta ou indiretamente, a empreendimentos
religiosos. Se uma escola, por exemplo, permite que um grupo de
católicos ou evangélicos crie dentro da sua sede um grêmio religioso,
estará excluída de toda ajuda oficial. Para grupos de gays e abortistas,
não há nenhuma limitação nesse sentido.
O "estímulo", por fim, apresentado como socorro de emergência a uma
economia em perigo, é nada mais que um pretexto para alimentar de
dinheiro as organizações que apoiaram Obama durante a campanha: a
Acorn, por exemplo, que caprichou no obamismo ao ponto de espalhar
milhares de títulos de eleitor falsos para aumentar a votação do seu
queridinho, recebeu nada menos de quatro bilhões de dólares, o que
prova que ao novo presidente não falta a virtude da gratidão, embora
posta em prática com o dinheiro alheio – um óbvio favorecimento
eleitoral que, em circunstâncias normais, seria motivo cabal de
impeachment. Mas nada no governo Obama é normal.
O estímulo, em todo caso, se não trouxe nem pode trazer maiores
benefícios, já que apenas cinco por cento do total da verba se destinam
aos setores afetados pela crise, pelo menos serviu para demonstrar que
a mágica de Obama não é infalível. Ao convocar as organizações
populares para um vasto movimento de apoio ao seu plano econômico,
ele só obteve um comparecimento irrisório. Na própria capital do país,
só quinhentas pessoas se inscreveram; em Sacramento, Califórnia, 78;
em Fort Worth, Texas, 54; em Tacoma, Estado de Washington, 34: é a
"mobilização de massas” mais micha que já se viu desde que Fernando
Collor de Mello apelou ao povo para que saísse às ruas vestido de verde
e amarelo.
Segundo uma pesquisa da Zogby, 53 por cento dos americanos acham
que o plano de Obama vai atrasar a recuperação econômica; só 31 por
cento acham que não. Cinqüenta e sete por cento das pessoas sem
partido acham que a coisa gasta dinheiro demais, concordando nisso
com 89 por cento dos republicanos. O mercado parece dar razão a eles:
a Media Dow-Jones caiu 400 pontos tão logo o governo anunciou o
gasto de 838 bilhões de dólares. A estupidez suicida do plano é ainda
sublinhada pelo fato de que ele busca atrair para si o prestígio histórico
do New Deal, na mesma semana em que um estudo empreendido por
economistas da Universidade da Califórnia (insuspeita de quaisquer
inclinações conservadoras) revela que o ambicioso projeto econômico
de Franklin D. Roosevelt atrasou em pelo menos sete anos a
recuperação econômica do país. Roosevelt, como Obama, jogava todas
as culpas nas costas da competição capitalista, encobrindo os
resultados desastrosos do intervencionismo praticado por seus
antecessores e apostando tudo em doses ainda maiores de
intervencionismo. O plano de Obama é ainda mais intervencionista e
socialista. Nesse ponto parece haver acordo entre a direita e a
esquerda. Rush Limbaugh, o mais ouvido comentarista de rádio
conservador nos EUA, diz que Obama está implantando o socialismo
nos EUA. Sam Webb, líder do Partido Comunista americano, concorda
inteiramente. O primeiro joga pedras, o segundo aplaude – mas, no que
diz respeito aos fatos, não têm a mínima divergência.
Se a carreira pregressa de Barack Hussein Obama é uma trama
indeslindável de obscuridades e mistérios, seu governo vem sendo de
uma transparência admirável – não no sentido ético, é claro, mas no
sentido lógico: ninguém com QI médio, conhecendo as primeiras
decisões do novo presidente, pode ter a menor dificuldade em
compreender o enredo da novela e adivinhar quem morre no fim.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090430dc.html
Inventando certezas: Brasil-Mentira V
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 30 de abril de 2009
No mesmo Observatório, Luciano Martins Costa pontifica: “Ditaduras
são ditaduras... Fazer a conta da ditadura pelo número de mortos nas
masmorras oficiais é vilipendiar a história. É coisa de alienados.”
Contestando as comparações usuais que contrastam as trezentas e
poucas vítimas da polícia política brasileira com as cem mil da ditadura
cubana, o Sr. Costa lança à conta do nosso regime militar dois delitos
extras que, segundo ele, deveriam entrar no cálculo. De um lado, “a
corrupção que se consolidou durante os vinte e poucos anos da ditadura
militar”. De outro, “a violência policial não diretamente política”
porque, diz ele, “a polícia brasileira, em todos os estados, foi
transformada durante a ditadura militar num perverso e incontrolável
instrumento de controle social, que foi treinado para ‘identificar’ e
punir preventivamente os supostos objetores do regime e acabou
produzindo uma lógica toda especial segundo a qual todo jovem de pele
relativamente escura é um inimigo potencial da ordem pública”.
Textos como esse ou os dois de Alberto Dines já citados são até difíceis
de analisar, tal a mixórdia psicótica de erros, confusões e
impropriedades lógicas que neles se compacta. Normalmente serviriam
apenas de amostras de como o fanatismo enlouquece. O significativo é
que nenhum de seus autores é conhecido publicamente como um
fanático. Ambos passam como profissionais equilibrados, idôneos,
capacitados a julgar a qualidade do jornalismo alheio. E é justamente
isso a prova de que não se trata de distúrbios pessoais, mas de um mal
endêmico nas classes falantes do Brasil: a absoluta incapacidade ou
recusa de julgar as coisas com um mínimo de equanimidade, o
radicalismo cego de um parti pris que ao inflamar-se
masturbatoriamente e apelar aos subterfúgios mais unilaterais e
artificiosos, acredita piamente, tranquilamente, fazer justiça.
O Sr. Costa, indignado de que a truculência das ditaduras só se calcule
pela violência política direta, pergunta: “Quem estabeleceu os critérios
desse ranking? O departamento de infográficos da Folha?” Ele não
pergunta se quem estabeleceu a diferença entre a proporção de negros
e mulatos mortos antes e durante a ditadura foi o seu próprio
departamento de infográficos mentais. Nenhuma pesquisa histórica ou
estatística prova que antes de 1964 a polícia, composta ela própria de
maciços contingentes de negros e mulatos, fosse mais bondosa para
com os chamados afrodescendentes. Louco de ódio, ele inventa sem a
mais mínima prova um racismo crescente, e julga baseado nisso.
Quanto à alegada corrupção da ditadura, é falso, em primeiro lugar,
que ela não fosse denunciada na época. Na mesma medida em que
reprimiam certo tipo de notícias políticas, os militares aceitavam e
apreciavam denúncias de corrupção, que os ajudavam, segundo eles, a
manter sob controle uma classe política viciada. Eu mesmo trabalhava
num dos jornais mais visados pela censura – o Jornal da Tarde – e posso
garantir que, se várias matérias minhas viraram receitas de bolo, o
mesmo não aconteceu com nenhuma acusação feita a políticos
corruptos. Que os próprios militares no alto comando da nação fossem
ladrões, é algo de que o Sr. Costa não cita nem poderia citar um único
exemplo, visto que nenhum desses homens, na presidência ou em
ministérios, prosperou tanto quanto o Sr. Lula ou o Sr. José Dirceu, nem
muito menos – para dar um exemplo característico do regime deposto
em 1964 – tanto quanto o Sr. Tião Maia, o amigo do presidente Goulart,
que saiu do Brasil com dinheiro suficiente para comprar a vigésima
parte do território australiano e, interrogado sobre como conseguiu
isso, respondeu singelamente: “O Banco do Brasil foi uma mãe para
mim”.
Houve sim, casos de corrupção no governo militar. Nenhum deles maior
que o das “polonetas”, o empréstimo ilícito feito ao governo comunista
da Polônia pelos esquerdistas que então infestavam o Ministério de
Relações Exteriores de Geisel, contra os quais nem o Sr. Costa nem
qualquer de seus congêneres diz a mais mínima palavra. E, entre os
feitos de violência do regime, nenhum se compara à ajuda fornecida
pelo mesmo governo Geisel para a ditadura cubana invadir Angola e aí
matar, em poucos meses, pelo menos quinze mil pessoas. Também disso
o Sr. Costa não diz nada.
Não há sinal de que, na ditadura Vargas, a violência social da polícia
fosse menor do que se tornou depois ou de que fosse menos
racialmente orientada. Simplesmente não é possível estudar o fator
racial na conduta da polícia sem estudá-lo simultaneamente no próprio
fenômeno da criminalidade. Até hoje ninguém provou que o número de
“afrodescendentes” oprimidos ou assassinados pela polícia seja maior,
proporcionalmente, do que o número deles no contingente de
criminosos ou, mais ainda, na própria composição racial das tropas
policiais. Sem essa prova, falar em racismo policial é calúnia pura e
simples. Abolir metade do fenômeno para usar a outra metade como
prova de racismo e, sem o mais mínimo fundamento comparativo,
proclamar que esse racismo aumentou durante a ditadura militar (como
se a própria noção de “aumentar” não fosse comparativa) é
simplesmente expelir ódio por meio de mentiras.
Mas o Sr. Costa, repito, não tem fama de fanático odiento. Se tivesse,
estaria tudo normal. Ninguém diz que o Sr. Costa é um agitador de
extrema-esquerda. Ao contrário, a linguagem dos agitadores de
extrema-esquerda tornou-se normativa, obrigatória e mainstream na
mídia brasileira e nas classes falantes em geral – de tal modo que basta
você resmungar um pouquinho contra ela e você é que é
instantaneamente apontado como um perigoso extremista de direita,
sem precisar para isso ter advogado jamais qualquer medida extrema
contra quem quer que fosse.
Mais ainda, o Sr. Costa, na mesma medida em que abomina
comparações e as faz no mesmo instante, ressaltando unilateralmente o
horror da ditadura brasileira para fazê-la parecer ainda pior do que a
argentina ou a cubana, nos sonega, novamente, um dos termos da
comparação. Quantos entre os prisioneiros políticos de Cuba eram e são
negros e mulatos? Quantos no Brasil? Quantos o eram entre os 17 mil
fuzilados do regime cubano? Quantos entre os trezentos terroristas
mortos pela nossa ditadura? Condenar comparações e em seguida fazê-
las da maneira mais parcial, sectária e deformada é coisa de uma
vigarice tão flagrante que em outras épocas qualquer esquerdista
normal se recusaria a uma trapaça desse calibre. Mas o Sr. Costa não é
um esquerdista normal. Ele é um esquerdista do ano 2009 no Brasil. E
isso é muito diferente de sê-lo em qualquer outra parte do mundo e em
qualquer outra época. No mínimo, essa condição basta para apagar, na
mente do sujeito, esta obviedade gritante: se não é lícito dizer que uma
ditadura foi pior que outra, também não pode sê-lo dizer que ela foi pior
que ela mesma.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090505dc.html
A esquerda inventada
Diário do Comércio, 5 de maio de 2009
Entre liberais e conservadores, no Brasil e no resto do mundo, só uns
poucos têm uma noção clara de quem é seu inimigo e de como enfrentá-
lo. A maioria luta apenas contra uma esquerda idealizada, um trompe
l’oeil fabricado pela própria esquerda para ser consumido por seus
adversários como uma droga estupefaciente, paralisante e
incapacitante. O modelo do artifício é copiado de algo que já existiu
historicamente: uma esquerda humanitária, democrática,
anticomunista, só separada da direita pela diferente concepção dos
meios, mais estatistas do que capitalistas, a ser usados para realizar
valores que no fundo eram os mesmos de parte a parte – liberdade,
direitos humanos e uma vida decente para todos.
Embora vagamente herdeira do reformismo de Eduard Bernstein e de
Karl Kautsky – o “renegado”, como o chamava Lênin –, essa esquerda só
se tornou um ator de destaque na mídia ocidental por ocasião da
Guerra Civil Espanhola, quando a violência assassina desencadeada
pelo comando estalinista contra seus próprios companheiros de
trincheira agiu como um toque de alerta sobre muitos esquerdistas,
levando-os a compreender que o comunismo era pelo menos tão
destrutivo quanto o nazismo. O pacto Ribbentropp-Molotov de agosto
de 1939 completou a decepção. Alguns mudaram de lado
completamente, tornando-se conservadores. Outros, renegando toda
fidelidade ao governo soviético, embora não à idéia socialista, acabaram
se integrando nos partidos trabalhistas e socialdemocratas e tornando-
se bons aliados dos conservadores na luta contra o comunismo,
continuando a combatê-los no plano das políticas sociais. George Orwell
e o filósofo Sidney Hook são exemplos famosos. O primeiro tornou-se
mesmo, com os livros Animal Farm e 1984, um dos grandes criadores
da linguagem anticomunista, calculada para parodiar e implodir o
jargão comunista. O segundo foi o principal organizador do Congresso
pela Liberdade da Cultura, o único empreendimento sério já tentado –
em 1949-50, com a ajuda da CIA – para reunir intelectuais
anticomunistas e opor alguma resistência à avassaladora ofensiva
cultural soviética iniciada trinta anos antes.
Não é preciso dizer o quanto a existência de uma prestigiosa esquerda
anticomunista incomodava o establishment soviético. A política de
“coexistência pacífica” inaugurada por Nikita Kruschev teve como uma
de suas principais finalidades reintegrar na estratégia comunista o
exército de desgarrados. O sucesso da operação foi completo. Já nos
anos 70, conforme o escritor Vladimir Bukovski viria a descobrir nos
Arquivos de Moscou, praticamente toda a mídia socialdemocrata da
Europa era subsidiada e controlada pela KGB (v. Jugement à Moscou.
Un Dissident dans les Archives du Kremlin, Paris, Robert Laffont,
1995). Nos EUA, infiltrado e dominado por agentes camuflados ou
declarados da esquerda revolucionária, o Partido Democrata, que até a
década de 60 funcionara como o abrigo ideal dos esquerdistas anti-
soviéticos, foi indo cada vez mais para a esquerda, até assumir a
bandeira do anti-americanismo mais radical e intolerante. A bibliografia
que documenta essa transformação é abundante, não havendo desculpa
decente para os autoproclamados especialistas em política
internacional ignorarem o fenômeno, como os nossos o ignoram em
massa. Vejam, por exemplo, David Horowitz and Richard Poe, The
Shadow Party, How George Soros, Hillary Clinton and the Sixties
Radicals Seized Control of the Democratic Party, Nashville, TN, Nelson
Current, 2006; James Piereson, Camelot and the Cultural Revolution:
How the Assassination of John F. Kennedy Shattered American
Liberalism, New York, Encounter Books, 2007; Phil Kent, Foundations
of Betrayal. How the Liberal Super-Rich Undermine America, Johnson
City, TN, Zoe Publications, 2007.
A transfiguração da esquerda moderada americana em agente da
esquerda radical culmina na presidência Obama, que protege
ostensivamente organizações terroristas e criminaliza qualquer
resistência conservadora, ao mesmo tempo que continua a ostentar os
sinais convencionais do progressismo democrático (v.
http://truth11.wordpress.com/2009/04/22/former-presidential-
candidate-alan-keyes-has-given-perhaps-his-most-dire-warning-yet-
saying-that-the-obama-administration-is-preparing-to-stage-terror-
attacks-declare-martial-law-and-cancel-the-2012/,
http://www.onenewsnow.com/Politics/Default.aspx?id=494798,
http://www.onenewsnow.com/Politics/Default.aspx?id=490720 e
http://www.worldnetdaily.com/index.php?pageId=).
Na América Latina, a encarnação mesma da “esquerda moderada”, o
Partido dos Trabalhadores, é discretamente o coordenador do Foro de
São Paulo, isto é, o estrategista máximo da violência revolucionária no
continente.
Em suma, a esquerda democrática, civilizada, concorrente leal dos
conservadores, já não existe mais como força política independente.
Financiando e acobertando movimentos terroristas e subversivos por
toda parte, e impondo sob outros nomes as mesmas políticas que
seriam rejeitadas pela população se apresentadas com o rótulo de
comunistas, a “esquerda moderada” é um inimigo ainda mais perigoso
dos conservadores do que poderiam sê-lo os próprios comunistas de
carteirinha, os quais sem ela não teriam poder nenhum.
A diferença entre as duas esquerdas é que uma quer alternar-se no
poder com os conservadores, segundo o rodízio democrático normal,
enquanto a outra não se contenta em vencer esses adversários nas
eleições, mas busca destrui-los completamente, marginalizá-los,
criminalizá-los, expeli-los para sempre não só da política mas da vida
social, quando não da existência física. Outra diferença é que a segunda
é a única que existe na realidade; a outra, só na imaginação residual da
direita.
Se a esquerda ainda se prevalece da bela imagem de moderação
democrática criada nos campos de batalha da Espanha, é somente para
ludibriar seus inimigos. Mas que estes continuem acreditando na
existência dela, e imaginem combater adversários leais quando na
verdade se defrontam com revolucionários e assassinos, é algo que
decorre de uma imperdoável covardia intelectual e moral, suicida como
todas as covardias.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090507dc.html
Quem é filósofo e quem não é
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 7 de maio de 2009
À medida que se espalha a consciência da debacle total das nossas
universidades públicas e privadas, cresce o número de brasileiros que,
valentemente, buscam estudar em casa e adquirir por esforço próprio
aquilo que já compraram de um governo ladrão – ou de ladrões
empresários de ensino – e jamais receberam.
Quase dez anos atrás a Fundação Odebrecht – no mais, uma instituição
admirável – me perguntou o que eu achava de uma campanha para
cobrar do governo um ensino de melhor qualidade. Respondi que era
inútil. De vigaristas nada se pede nem se exige. O melhor a fazer com o
sistema de ensino era ignorá-lo. Se queriam prestar ao público um bom
serviço, acrescentei, que tratassem de ajudar os autodidatas, aquela
parcela heróica da nossa população que, de Machado de Assis a Mário
Ferreira dos Santos, criou o melhor da nossa cultura superior. O meio
de ajudá-los era colocar ao seu alcance os recursos essenciais para a
auto-educação, que é, no fim das contas, a única educação que existe.
Cheguei a conceber, para isso, uma coleção de livros e DVDs que
davam, para cada domínio especializado do conhecimento, não só os
elementos introdutórios indispensáveis, mas as fontes para o
prosseguimento dos estudos até um nível que superava de muito o que
qualquer universidade brasileira poderia não só oferecer, mas até
mesmo imaginar.
Minha sugestão foi gentilmente engavetada, e, com ou sem campanha
de cobrança, o ensino nacional continuou declinando até tornar-se
aquilo que é hoje: abuso intelectual de menores, exploração da boa-fé
popular, crime organizado ou desorganizado.
Na mesma medida, o número de cartas desesperadas que me chegam
pedindo ajuda pedagógica multiplicou-se por dez, por cem e por mil,
transcendendo minha capacidade de resposta, forçando-me a inventar
coisas como o programa True Outspeak, o Seminário de Filosofia Online
e outros projetos em andamento. E ainda não dou conta da demanda. As
cartas continuam vindo, e o pedido que mais se repete é o de uma
bibliografia filosófica essencial. É pedido impossível. O primeiro passo
nessa ordem de estudos não é receber uma lista de livros, mas formá-la
por iniciativa própria, na base de tentativa e erro, até que o estudante
desenvolva uma espécie de instinto seletivo capaz de orientá-lo no
labirinto das bibliotecas filosóficas. O que posso fazer, isto sim, é
fornecer um critério básico para você aprender a discernir à primeira
vista, entre os autores que falam em nome da filosofia, quais merecem
atenção e quais seria melhor esquecer.
Tive a sorte de adquirir esse critério pelo exemplo vivo do meu
professor, Pe. Stanislavs Ladusãns. Quando ele atacava um novo
problema filosófico – novo para os alunos, não para ele –, a primeira
coisa que fazia era analisá-lo segundo os métodos e pontos de vista dos
filósofos que tinham tratado do assunto, em ordem cronológica,
incorporando o espírito de cada um e falando como se fosse um
discípulo fiel, sem contestar ou criticar nada. Feito isso com duas
dúzias de filósofos, as contradições e dificuldades apareciam por si
mesmas, sem a menor intenção polêmica. Em seguida ele colocava em
ordem essas dificuldades, analisando cada uma e por fim articulando,
com os elementos mais sólidos fornecidos pelos vários pensadores
estudados, a solução que lhe parecia a melhor.
A coisa era uma delícia, para dizer o mínimo. Num relance,
compreendíamos o sentido vivo daquilo que Aristóteles pretendera ao
afirmar que o exame dialético tem de começar pelo recenseamento das
“opiniões dos sábios” e tentar articular esse material como se fosse
uma teoria única. Cada filósofo tem de pensar com as cabeças de seus
antecessores, para poder compreender o status quaestionis – o estado
em que a questão chegou a ele. Fora disso, toda discussão é puro
abstratismo bocó, opinionismo gratuito, amadorismo presunçoso.
A conclusão imediata era a seguinte: a filosofia é uma tradição e a
filosofia é uma técnica. Chega-se ao domíno da técnica pela absorção
ativa da tradição e absorve-se a tradição praticando a técnica segundo
as várias etapas do seu desenvolvimento histórico.
Note-se a imensa diferença que existe entre adquirir pura informação,
por mais erudita que seja, sobre as idéias de um filósofo, e levá-las à
prática fielmente, como se fossem nossas, no exame de problemas pelos
quais sentimos um interesse genuíno e urgente. A primeira alternativa
mata os filósofos e os enterra num sepulcro elegante. A segunda os
revive e os incorpora à nossa consciência como se fossem papéis que
representamos pessoalmente no grande teatro do conhecimento. É a
diferença entre museologia e tradição. Num museu pode-se conservar
muitas peças estranhas, relíquias de um passado incompreensível.
Tradição vem do latim traditio, que significa “trazer”, “entregar”.
Tradição significa tornar o passado presente através da revivescência
das experiências interiores que lhe deram sentido. A tradição filosófica
é a história das lutas pela claridade do conhecimento, mas como o
conhecimento é intrinsecamente temporal e histórico, não se pode
avançar nessa luta senão revivenciando as batalhas anteriores e
trazendo-as para os conflitos da atualidade.
Muitas pessoas, levadas por um amor exagerado à sua independência
de opiniões (como se qualquer porcaria saída das suas cabeças fosse
um tesouro), têm medo de deixar-se influenciar pelos filósofos, e
começam a discutir com eles desde a primeira linha, isto quando já não
entram na leitura armadas de uma impenetrável carapaça de
prevenções.
Com o Pe. Ladusãns aprendíamos que, no conjunto, as influências se
melhoram umas às outras e até as más se tornam boas. Incorporadas à
rede dialética, mesmo as cretinices filosóficas mais imperdoáveis em
aparência acabam se revelando úteis, como erros naturais que a
inteligência tem de percorrer se quer chegar a uma verdade densa,
viva, e não apenas acertar a esmo generalidades vazias.
Algumas regras práticas decorrem dessas observações:
1. Quando você se defrontar com um filósofo, em pessoa ou por escrito,
verifique se ele se sente à vontade para raciocinar junto com os
filósofos do passado, mesmo aqueles dos quais “discorda”. A
flexibilidade para incorporar mentalmente os capítulos anteriores da
evolução filosófica é a marca do filósofo genuíno, herdeiro de Sócrates,
Platão e Aristóteles. Quem não tem isso, mesmo que emita aqui e ali
uma opinião valiosa, não é um membro do grêmio: é um amador, na
melhor das hipóteses um palpiteiro de talento. Muitos se deixam
aprisionar nesse estado atrofiado da inteligência por preguiça de
estudar. Outros, porque na juventude aderiram a tal ou qual corrente
de pensamento e se tornaram incapazes de absorver em profundidade
todas as outras, até o ponto em que já nada podem compreender nem
mesmo da sua própria. Uma dessas doenças, ou ambas, eis tudo o que
você pode adquirir numa universidade brasileira.
2. Não estude filosofia por autores, mas por problemas. Escolha os
problemas que verdadeiramente lhe interessam, que lhe parecem vitais
para a sua orientação na vida, e vasculhe os dicionários e guias
bibliográficos de filosofia em busca dos textos clássicos que trataram do
assunto. A formulação do problema vai mudar muitas vezes no curso da
pesquisa, mas isso é bom. Quando tiver selecionado uma quantidade
razoável de textos pertinentes, leia-os em ordem cronológica, buscando
reconstituir mentalmente a história das discussões a respeito. Se
houver lacunas, volte à pesquisa e acrescente novos títulos à sua lista,
até compor um desenvolvimento histórico suficientemente contínuo.
Depois classifique as várias opiniões segundo seus pontos de
concordância e discordância, procurando sempre averiguar onde uma
discordância aparente esconde um acordo profundo quanto às
categorias essenciais em discussão. Feito isso, monte tudo de novo, já
não em ordem histórica, mas lógica, como se fosse uma hipótese
filosófica única, ainda que insatisfatória e repleta de contradições
internas. Então você estará equipado para examinar o problema tal
como ele aparece na sua experiência pessoal e, confrontando-o com o
legado da tradição, dar, se possível, sua própria contribuição original
ao debate.
É assim que se faz, é assim que se estuda filosofia. O mais é
amadorismo, beletrismo, propaganda política, vaidade organizada,
exploração do consumidor ou gasto ilícito de verbas públicas.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090513dc.html
O capitalismo anticapitalista
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 13 de maio de 2009
Quando digo que a democracia capitalista dificilmente pode sobreviver
sem uma cultura de valores tradicionais, muitos liberais brasileiros,
loucos por economia e devotos da onipotência mágica do mercado,
fazem aquela expressão de horror, de escândalo, como se estivessem
diante de uma heresia, de uma aberração intolerável, de um
pensamento iníquo e mórbido que jamais deveria ocorrer a um membro
normal da espécie humana.
Com isso, só demonstram que ignoram tudo e mais alguma coisa do
pensamento econômico capitalista. Aquela minha modesta opinião, na
verdade, não é minha. Apenas reflete e atualiza preocupações que já
atormentam os grandes teóricos do capitalismo desde o começo do
século XX.
Um dos primeiros a enunciá-la foi Hillaire Belloc, no seu livro
memorável de 1913, The Servile State, reeditado em 1992 pelo Liberty
Fund. A tese de Belloc é simples e os fatos não cessam de comprová-la:
destravada de controles morais, culturais e religiosos, erigida em
dimensão autônoma e suprema da existência, a economia de mercado
se destrói a si mesma, entrando em simbiose com o poder político e
acabando por transformar o trabalho livre em trabalho servil, a
propriedade privada em concessão provisória de um Estado voraz e
controlador.
Rastreando as origens do processo, Belloc notava que, desde o assalto
dos Tudors aos bens da Igreja, cada novo ataque à religião vinha
acompanhado de mais uma onda de atentados estatais contra a
propriedade privada e o trabalho livre.
Na época em que ele escrevia The Servile State, as duas fórmulas
econômicas de maior sucesso encarnavam essa evolução temível cujo
passo seguinte viria a ser a I Guerra Mundial. Quem mais
compactamente exprimiu a raiz do conflito foi Henri Massis (que parece
jamais ter lido Belloc). Em Défense de l’Occident (1926), ele observava
que, numa Europa desespiritualizada, todo o espaço mental disponível
fôra ocupado pelo conflito “entre o estatismo ou socialismo prussiano e
o anti-estatismo ou capitalismo inglês”. O capitalismo venceu a
Alemanha no campo militar, mas a longo prazo foi derrotado pelas
idéias alemãs, curvando-se cada vez mais às exigências do estatismo,
principalmente na guerra seguinte, quando, para enfrentar o socialismo
nacional de Hitler, teve de ceder tudo ao socialismo internacional de
Stálin.
Défense de l’Occident é hoje um livro esquecido, coberto de calúnias
por charlatães como Arnold Hauser – que chega ao absurdo de
catalogar o autor entre os protofascistas –, mas seu diagnóstico das
origens da I Guerra continua imbatível, tendo recebido ampla
confirmação pelo mais brilhante historiador vivo dos dias atuais, Modris
Eksteins, em Rites of Spring: The Great War and the Birth of the
Modern Age, publicado em 1990 pela Doubleday (nem comento o acerto
profético das advertências de Massis quanto à invasão oriental da
Europa, do qual tratarei num artigo próximo). Segundo Eksteins, a
Alemanha do Kaiser, fundada numa economia altamente estatizada e
burocrática, encarnava a rebelião modernista contra a estabilidade da
democracia parlamentar anglo-francesa baseada no livre mercado. Esta
só saiu vitoriosa em aparência: a guerra em si, por cima dos vencedores
e perdedores, fez em cacos a ordem européia e varreu do mapa os
últimos vestígios da cultura tradicional que subsistiam no quadro
liberal-capitalista.
Outro que entendeu perfeitamente o conflito entre a economia de
mercado e a cultura sem espírito que ela mesma acabou por fomentar
cada vez mais depois da I Guerra foi Joseph Schumpeter. O capitalismo,
dizia ele em Capitalism, Socialism and Democracy (1942), seria
destruído, mas não pelos proletários, como profetizara Marx, e sim
pelos próprios capitalistas: insensibilizados para os valores tradicionais,
eles acabariam se deixando seduzir pelos encantos do estatismo
protetor, irmão siamês da nova mentalidade modernista e materialista.
Que na era Roosevelt e na década de 50 a proposta estatista fosse
personificada por John Maynard Keynes, um requintado bon vivant
homossexual e protetor de espiões comunistas, não deixa de ser um
símbolo eloqüente da união indissolúvel entre o antiliberalismo em
economia e o antitradicionalismo em tudo o mais.
Nos EUA dos anos 60, essa união tornou-se patente na “contracultura”
das massas juvenis que substituíram a velha ética protestante de
trabalho, moderação e poupança pelo culto dos prazeres –
pomposamente camuflado sob o pretexto de libertação espiritual –,
investindo ao mesmo tempo, com violência inaudita, contra o
capitalismo que lhes fornecia esses prazeres e contra a democracia
americana que lhes assegurava o direito de desfrutá-los como jamais
poderiam fazer na sua querida Cuba, no seu idolatrado Vietnã do Norte.
Mas o reino do mercado é o reino da moda: quando a moda se torna
anticapitalista, a única idéia que ocorre aos capitalistas é ganhar
dinheiro vendendo anticapitalismo. A indústria cultural americana, que
no último meio século cresceu provavelmente mais que qualquer outro
ramo da economia, é hoje uma central de propaganda comunista mais
virulenta que a KGB dos tempos da Guerra Fria. A desculpa moral, aí, é
que a força do progresso econômico acabará por absorver os enragés,
esvaziando-os pouco a pouco de toda presunção ideológica e
transfigurando-os em pacatos burgueses. O hedonismo individualista e
consumista que veio a dominar a cultura americana a partir dos anos 70
é o resultado dessa alquimia desastrada; tanto mais desastrada porque
o próprio consumismo, em vez de produzir burgueses acomodados, é
uma potente alavanca da mudança revolucionária, visceralmente
estatista e anticapitalista: uma geração de individualistas vorazes, de
sanguessugas carregadinhos de direitos e insensíveis ao apelo de
qualquer dever moral não é uma garantia de paz e ordem, mas um
barril de pólvora pronto a explodir numa irrupção caótica de exigências
impossíveis. Em 1976 o sociólogo Daniel Bell já se perguntava, em The
Cultural Contradictions of Capitalism, quanto tempo poderia sobreviver
uma economia capitalista fundada numa cultura louca que odiava o
capitalismo ao ponto de cobrar dele a realização de todos os desejos, de
todos os sonhos, de todos os caprichos, e, ao mesmo tempo, acusá-lo de
todos os crimes e iniqüidades. A resposta veio em 2008 com a crise
bancária, resultado do cinismo organizado dos Alinskys e Obamas que
conscientemente, friamente, se propunham drenar até ao esgotamento
os recursos do sistema, fomentando sob a proteção do Estado-babá as
ambições mais impossíveis, as promessas mais irrealizáveis, os gastos
mais estapafúrdios, para depois lançar a culpa do desastre sobre o
próprio sistema e propor como remédio mais gastos, mais proteção
estatal, mais anticapitalismo e mais ódio à nação americana.
Em 1913, as previsões de Hillaire Belloc ainda poderiam parecer
prematuras. Era lícito duvidar delas, porque se baseavam em
tendências virtuais e nebulosas. Diante do fato consumado em escala
mundial, a recusa de enxergar a fraqueza de um capitalismo deixado a
si mesmo, sem as defesas da cultura tradicional, torna-se uma
obstinação criminosa.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090518dc.html
O governo invisível
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 17 e 18 de maio de 2009
Um dia, discutindo com oficiais de alta patente no Clube Militar do Rio
de Janeiro, perguntei a um deles, homem com experiência em serviços
de inteligência, se havia lido algum documento de fonte primária sobre
o tópico em discussão. Não, não havia. Livros especializados? Também
não. Estudos publicados em revistas acadêmicas? Também não.
Relatórios de serviços de inteligência? Também não. “Então, de onde
raios você tira as suas informações?”, perguntei. E ele, com a cara mais
bisonha do mundo: "Dos jornais."
Foi nesse instante que, com um arrepio na espinha, senti a catástrofe
mental brasileira em toda a sua extensão. Quando comecei a trabalhar
no jornalismo, todos ali sabíamos que o produto do nosso trabalho eram
superficialidades para consumo popular. Quando entrevistávamos um
estudioso, esperávamos sempre que ele tivesse fontes de informação
melhores que as nossas. De repente, eu me via na situação
terrivelmente incongruente de conversar com um especialista que só
tinha a dizer aos repórteres aquilo que eles mesmos lhe haviam
contado. O país dirigido por uma classe pensante nutrida tão somente
dessa ração intelectual só podia mesmo ir para o buraco.
O pior era que, no vácuo de fontes mais substanciosas, a mídia crescera
em prestígio na razão inversa da sua audiência: jornais que no último
dia do milênio vendiam menos que na década de 50 haviam se tornado,
no ambiente de ignorância geral, os proprietários quase monopolísticos
do dom da credibilidade, incumbidos de separar realidade e fantasia
ante os olhos de um cândido mundo.
Sei que esse processo, nos EUA, está longe de ter alcançado a
compacta densidade das trevas brasileiras. No entanto, a velocidade
que ele ganhou na última eleição justifica o temor de que, em breve, as
classes falantes americanas também estarão tateando no escuro, sem
exigir claridade por já não imaginarem que raio de coisa é isso.
Durante a campanha, a ocupação mais intensa da mídia americana foi
uma sucessão de acrobacias admiráveis destinadas a fazer de Barack
Obama o homem mais visível do mundo e proibir, ao mesmo tempo,
qualquer investigação séria de sua biografia. Toda tentativa, por mais
tímida e modesta, de desencavar dos arquivos a certidão de
nascimento, os registros médicos, o histórico escolar e quaisquer
daqueles documentos que todo candidato em campanha exibe
normalmente, foi unanimemente condenada pelos maiores jornais e
noticiários de TV como um delituoso extremismo de direita.
Transcendendo a mera autocensura, a classe jornalística em peso impôs
a mordaça ao resto da sociedade.
Mas isso não é nada em comparação com o que vem acontecendo desde
que a misteriosa criatura foi juramentada como presidente de
superpotência. Tendo prometido uma era de transparência e
sinceridade jamais vista na história, o que Obama inaugurou foi um
governo secreto, não no sentido usual das ocultações conspiratórias,
mas num sentido absolutamente novo e inédito: o que se oculta do
público não são ações ilícitas cometidas na calada da noite – são os
próprios atos oficiais do governo. Se não houvesse internet, nem
agências independentes, nem fontes primárias, nem o Freedom of
Information Act, as decisões mais importantes da administração Obama
nos últimos três meses teriam permanecido absolutamente
confidenciais, invisíveis como um conluio de anarquistas famintos num
porão miserável. Quando não foram totalmente omitidas pela grande
mídia, foram noticiadas com discrição anestésica própria a torná-las
ainda mais insensíveis do que poderia fazê-lo o silêncio total. Ou então
foram relatadas sem o mínimo quadro comparativo capaz de elucidar
seu alcance e seu significado. Como aquilo que chega aos jornais
brasileiros é um recorte diminutivo do que sai na mídia americana, a
ignorância dos nossos compatriotas quanto ao que se passa nos EUA só
encontra comparação nas concepções astronômicas das minhocas e
protozoários. Dizer que os brasileiros estão por fora é eufemismo.
Graças aos bons préstimos da Folha, do Estadão, do Globo e outras
entidades sublimes, os EUA que existem na imaginação dos nossos
patrícios se parecem tanto com a realidade quanto um picolé de limão
se parece com uma equação de segundo grau. Estamos no reino da
heterogeneidade absoluta, irredutível à linguagem humana.
Os fatos que vou resumir neste artigo e em artigos subseqüentes não só
estão fora da nossa mídia – pelo menos se considerados na sua devida
perspectiva –, mas estão fora da imaginação da nossa classe
jornalística. Ao publicá-los, o Diário do Comércio cumpre sozinho a
tarefa da mídia inteira:
1. Tão logo soube da morte de civis afegãos em bombardeio ocorrido
em Farah em 3 de maio, a Secretária de Estado Hillary Clinton
apressou-se em pedir desculpas, puxando portanto a responsabilidade
do crime sobre o seu próprio país. No dia seguinte, revelou-se que o
Taliban havia lançado granadas contra a população, de modo a culpar
os americanos pelas mortes que ele mesmo provocara. O segundo fato
foi noticiado sem nenhuma referência ao primeiro, e os repórteres
abstiveram-se gentilmente de perguntar à secretária de Estado se
mantinha o seu despropositado pedido de desculpas. Foi como se estas
se referissem a um episódio totalmente diferente.
2. Em 5 de abril, em visita a Praga, horas depois do lançamento do
míssil Taepodong-2 pela Coréia do Norte, Obama, diante de uma platéia
de 20 mil tchecos, fez a promessa mais absurda, irrealizável e suicida
que um presidente americano já fez: anunciou que vai acabar com o
arsenal nuclear dos Estados Unidos unilateralmente. Qualquer de seus
antecessores que dissesse isso seria imediatamente torrado e moído
pela mídia inteira e acusado de crime de traição. A enormidade
obâmica foi noticiada com discrição blasée pelo Washington Post de 6
de abril.
3. Nenhum jornal ou noticiário de TV deu o menor sinal de perceber
alguma coisa de ofensivo quando Hugo Chávez, na Cúpula das Américas
em Trinidad-Tobago, deu a Obama um exemplar de "As veias abertas da
América Latina", de Eduardo Galeano, um dos livros mais
virulentamente antiamericanos já publicados no planeta. Como a
maioria do eleitorado americano não tem a menor idéia de quem é
Eduardo Galeano, tudo se passou como se o presente fosse uma
amabilidade e não um tapa na cara como efetivamente foi. Obama
engoliu o sapo com a gentileza sorridente de quem acreditasse, como
de fato ele acredita, que ofensas ao seu país não o atingem. No mesmo
evento e com o mesmo cavalheirismo, ouviu cinqüenta minutos de
pregação antiamericana do nicaragüense Daniel Ortega e voltou para
casa seguro de que ninguém na mídia lhe faria nenhuma cobrança por
isso, como de fato ninguém fez.
4. Pela primeira vez na história americana, um presidente promete
ajuda a todos os regimes totalitários e genocidas do mundo sem lhes
fazer a mais mínima exigência no que diz respeito a direitos humanos.
O resultado é que, em países como o Irã ou a Coréia do Norte, Obama é
amado enquanto seu país é odiado. Embora isso fosse demonstrado por
conclusivas pesquisas de opinião, ninguém na grande mídia deu sinal
de perceber que o presidente está se promovendo entre povos inimigos
às custas do prestígio nacional.
5. Ao revelar os memorandos secretos da CIA sobre o uso de técnicas
drásticas de interrogatório, ameaçando processar o governo anterior
por crimes contra os direitos humanos, a Casa Branca omitiu-se de
informar que essas técnicas tinham sido adotadas com pleno
conhecimento e apoio das lideranças do próprio partido governante. Se
Dick Cheney, retirado da política, não tivesse ido à televisão por sua
própria conta para contar isso, ninguém saberia de nada até agora,
porque o "jornalismo investigativo" da grande mídia realmente não se
interessa por essas coisas.
6. Após anunciar gastos públicos da ordem de 3,4 trilhões de dólares,
que o próprio Federal Reserve confessa não saber nem como
contabilizar, Obama teve a indescritível cara de pau de ordenar um
corte de 17 bilhões de dólares, meio por cento do total, e ainda
alardear, com a aparente anuência da classe jornalística, que isso
inaugurava "uma nova era de austeridade" nos gastos públicos. A
desproporção passaria despercebida se não existisse mídia alternativa
para mostrá-la.
7. Os cortes foram, na sua quase totalidade, efetuados sobre o
orçamento da defesa – acontecimento inédito num país em guerra –,
desfalcando as Forças Armadas e debilitando a polícia de fronteira num
momento em que reconhecidamente a invasão de ilegais é o maior
problema de segurança dos Estados Unidos. Em compensação, verbas
faraônicas têm chovido sobre as entidades que apoiaram Obama
durante a campanha, especialmente a Acorn, premiada com 4 bilhões
de dólares por seus serviços eleitorais, inclusive a distribuição de
títulos de eleitor falsos (a liderança democrata já anunciou que não tem
nenhuma vontade de investigar o assunto). O caso – o mais óbvio
exemplo de medida antipatriótica aliada a favorecimento ilícito que já
se viu nas últimas décadas – foi noticiado pela grande mídia com tal
comedimento que, até agora, nem mesmo as lideranças republicanas
deram sinal de perceber aí algo de errado.
8. Na reestruturação da Chrysler e da GM, segundo os planos
anunciados por Obama, o sindicato United Auto Workers assumirá o
controle acionário da primeira e terá 39% das ações da segunda. Além
de ter sido o principal responsável pela falência das duas empresas, o
sindicato é um dos grandes contribuintes de fundos de campanha para
o Partido Democrata. Como esses três fatos só aparecem
separadamente – quando aparecem –, ninguém se dá conta do crime.
9. Tendo prometido acabar com a "cultura dos earmarks" (verbas
politiqueiras destinadas a agradar eleitorados locais), Obama sancionou
uma lei de orçamento que tinha mais de 9 mil earmarks – um recorde
que a imprensa, gentilmente, se omitiu de assinalar. Tendo prometido,
ademais, que nenhuma lei seria aprovada pelo seu governo sem ficar
disponível para consulta pública no site da Casa Branca por pelo menos
cinco dias, Obama assinou as leis de orçamento e "estímulo" sem que o
respectivo calhamaço de mais de mil páginas tivesse sido exposto
naquele site nem mesmo por um segundo. A mídia não reparou no
detalhe.
10. Terça-feira passada, Obama nomeou Arturo Valenzuela chefe do
setor latino-americano do Departamento de Estado. Valenzuela é
diretor da ONG La Raza. Seguindo o estilo entorpecente de seus
modelos jornalísticos americanos, o UOL informa o distinto público que
La Raza é "a principal organização de defesa de hispânicos nos Estados
Unidos". La Raza não é nada disso: é uma organização separatista,
empenhada em transferir para a soberania mexicana os estados da
Flórida, do Texas e da Califórnia.
Em artigos vindouros, darei mais exemplos de medidas drásticas, de
conseqüências incalculáveis, que estão sendo adotadas pelo governo
Obama com velocidade alucinante, todas elas obviamente prejudiciais à
nação americana, e noticiadas de tal modo que nenhuma discussão
suscitem, isto quando não passam totalmente despercebidas,
soterradas sob páginas e páginas de futilidades sobre os vestidos da
sra. Obama, o cãozinho da família ou o tempero do sanduíche comido
pelo presidente numa loja de fast-food, coisas que antigamente ficavam
para os tablóides de fofocas vendidos nos supermercados, e que agora
são matéria de amorosa atenção pelo Washington Post e pelo New York
Times.
A América, sem sombra de dúvida, brasilianiza-se.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090525dc.html
A liberdade como serva da tirania
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 25 de maio de 2009
Há pelo menos quarenta anos o debate político neste país gira em torno
da escolha entre livre mercado e intervencionismo estatal, identificados
respectivamente com a “direita” e a “esquerda” e incumbidos de definir
automaticamente, a partir dessa base econômica, as demais
alternativas humanas em todos os campos da cultura, da legislação, da
moralidade, etc. Quando alguém se define como “liberal”, é portanto
automaticamente classificado entre os direitistas, conservadores e
reacionários, tornando-se, em contrapartida, socialista, progressista e
revolucionário tão logo mude para o campo do intervencionismo estatal.
Os ícones das facções respectivas são Roberto Campos e Celso Furtado.
Quando outros fatores – de ordem moral, cultural, geopolítica ou militar
– intervêm na disputa, complicando o quadro e privando o distinto
público dos confortos do esquematismo primário, a única reação do
cérebro nacional é tentar recuperar às pressas seu estado de equilíbrio
homeostático mediante a proclamação de que a esquerda e a direita
não existem mais, de que o mundo entrou numa fase de unanimismo
paradisíaco e de que, em suma, não há mais nada a discutir, exceto os
nomes destinados a preencher os cargos na hierarquia da paz universal.
Passando, assim, de um esquematismo bocó a outro mais bocó ainda,
acreditam ter superado todo conflito ideológico e ascendido às alturas
de um pragmatismo sublime, onde, extintas as paixões baixas, reina
soberana a razão tecnocientífica, nada mais importando senão o cálculo
objetivo de custos e benefícios.
Infelizmente, tudo isso são ilusões autolisonjeiras, destinadas a
resguardar a mente humana de um confronto com as dolorosas
complexidades do mundo real.
Desde logo, a escolha entre livre mercado e intervencionismo é uma
coisa quando encarada como alternativa teórica, como modelo abstrato
de sociedade ideal, e outra coisa completamente diversa quando
inserida no quadro histórico e geopolítico concreto. A bandeira da
liberdade econômica foi erguida, primeiro, contra os despotismos
monárquicos. Naquela época ela se identificava com as forças da
revolução. Um liberal estava mais próximo de um socialista que de um
monarquista ultramontano. Mais tarde, com a ascensão dos
totalitarismos estatistas russo e alemão, a liberdade de mercado tornou-
se “reacionária”. Contra a ameaça socialista, os liberais davam agora a
mão a seus inimigos de outrora, monarquistas e conservadores cristãos.
Esta segunda forma adquirida pelo debate ideológico, que é aquela na
qual ainda se baseia a distinção usual brasileira entre direita e
esquerda, já foi de há muito absorvida e transcendida por uma terceira
equação. O livre mercado tornou-se o pretexto com que as forças
globalistas interessadas na construção de um governo mundial
controlador e despótico vão minando as soberanias nacionais e
induzindo povos inteiros a abdicar de todas as demais liberdades em
troca do simples poder de comprar e vender. O argumento de que a
liberdade econômica traz consigo todas as demais liberdades é aí usado
como pretexto para produzir o resultado oposto: suprimir todas as
liberdades exceto uma. Concomitantemente, essas mesmas forças
globalistas dão apoio bilionário a todas as organizações esquerdistas e
revolucionárias do mundo, para jogá-las contra os Estados nacionais,
daí resultando que muitos adeptos do livre mercado, imaginando-se
embora homens da “direita”, acabem se juntando à rebelião esquerdista
contra os tradicionalismos morais e culturais, que para uns são
obstáculos à revolução, para outros, entraves ao livre mercado. Unidos
pelo apego a velhos estereótipos deslocados da situação presente,
ambos não percebem que, em sua luta contra o Estado nacional, que
uns odeiam como reacionário e os outros como intervencionista, só
contribuem para que, sobre as ruínas de tantos Leviatãs menores, se
erga o Grande Leviatã do Estado mundial.
O conflito ideológico não terminou. Apenas complicou-se
formidavelmente. A luta entre a liberdade e a tirania assumiu novo
formato, no qual os engenheiros da tirania, jogando com os símbolos
convencionais do debate político, conseguiram colocar a seu serviço até
mesmo os adeptos da liberdade.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090527dc.html
Ainda os filósofos
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 27 de maio de 2009
Expressar a experiência real em palavras é um desafio temível até para
grandes escritores. Tão séria é essa dificuldade que para vencê-la foi
preciso inventar toda uma gama de gêneros literários, dos quais cada
um suprime partes da experiência para realçar as partes restantes. Se,
por exemplo, você é Balzac ou Dostoiévski, você encadeia os fatos em
ordem narrativa, mas, para que a narrativa seja legível, tem de abdicar
dos recursos poéticos que permitiriam expressar toda a riqueza e
confusão dos sentimentos envolvidos. Se, em contrapartida, você é
Arthur Rimbaud ou Giuseppe Ungaretti, pode comprimir essa riqueza
nuns poucos versos, mas eles não terão a inteligibilidade imediata da
narrativa.
Essas observações bastam para mostrar que as idéias e crenças
surgidas nas discussões públicas e privadas raramente se formam da
experiência, pelo menos da experiência pessoal direta. Elas vêm de
esquemas verbais prontos, recebidos do ambiente cultural, e formam,
em cima da experiência pessoal, um condensado de frases feitas
bastante desligado da vida. Se vocês lerem com atenção os diálogos
socráticos, verão que a principal ocupação do fundador da tradição
filosófica ocidental era dissolver esses compactados verbais, forçando
seus interlocutores a raciocinar desde a experiência real, isto é, a falar
daquilo que conheciam em vez de repetir o que tinham ouvido dizer. O
problema é que, se você repete uma ou duas vezes aquilo que ouviu
dizer, não apenas você passa a considerá-lo seu, mas se identifica e se
apega àquele fetiche verbal como se fosse um tesouro, uma tábua de
salvação ou o símbolo sacrossanto de uma verdade divina.
Para piorar as coisas, as frases feitas vêm muito bem feitas, em
linguagem culta e prestigiosa, ao passo que a experiência pessoal, pelas
dificuldades acima apontadas, mal consegue se expressar num
tatibitate grosseiro e pueril. Há nisso um motivo dos mais sérios para
que as pessoas prefiram antes falar elegantemente do que ignoram do
que expor-se ao vexame de dizer com palavras ingênuas aquilo que
sabem. Um dos resultados dessa hipocrisia quase obrigatória é que, de
tanto alimentar-se de símbolos verbais sem substância de vida, a
inteligência acaba por descrer de si mesma em segredo ou mesmo por
proclamar abertamente a impossibilidade de conhecer a verdade. Como
essa impossibilidade, por sua vez, é também um símbolo prestigioso nos
dias que correm, ela serve de último e invencível pretexto para a fuga à
única atividade mental frutífera, que é a busca da verdade na
experiência real.
A própria palavra “experiência” já costuma vir carregada de uma
nuance enganosa, pois se refere em geral a “fatos científicos”
recortados a partir de métodos convencionais, que encobrem e acabam
por substituir a experiência pessoal direta. Nessas condições, a
discussão pública ou privada torna-se uma troca de estereótipos nos
quais, no fundo, nenhum dos participantes acredita. É esse o sentido da
expressão popular “conversa fiada”: o falante compra fiado a atenção
dos outros – ou a sua própria – e não paga com palavras substantivas o
tempo despendido. (Sempre achei uma injustiça que as leis punissem os
delitos pecuniários, mas não o roubo de tempo. O dinheiro perdido
pode-se ganhar de novo – o tempo, jamais.)
De Sócrates até hoje, a filosofia desenvolveu uma infinidade de técnicas
para furar o balão da conversa estereotipada e trazer os dialogantes de
volta à realidade. Zu den Sachen selbst – “ir às coisas mesmas” –, a
divisa do grande Edmund Husserl, permanece a mensagem mais
urgente da filosofia depois de vinte e quatro séculos. Ninguém mais que
o próprio Husserl esteve consciente dos obstáculos lingüísticos e
psicológicos que se opunham à realização do seu apelo. Todo o
vocabulário técnico da filosofia – e o de Husserl é dos mais pesados –
não se destina senão a abrir um caminho de volta desde as ilusões da
classe letrada até à experiência efetiva. A conquista desse vocabulário
pode ser ela própria uma dificuldade temível, mas decerto não tão
temível quanto os riscos de ficar discutindo palavras vazias enquanto o
mundo desaba à nossa volta. Ao incorporar-se à cultura ambiente como
atividade academicamente respeitável, a própria filosofia tende a
perder sua força originária de atividade esclarecedora e a tornar-se
mais uma pedra no muro de artificialismos que se ergue entre
pensamento e realidade.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090601dc.html
A direita que a esquerda quer
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 1 de junho de 2009
Entre outros resultados interessantes que deixarei para comentar outro
dia, o estudo dos cientistas políticos Timothy Power e César Zucco,
publicado na Latin American Research Review sob o título "Estimating
Ideology of Brazilian Legislative Parties, 1990-2005" (v.
http://www.iuperj.br/site/czucco/czucco_files/paperlarr.pdf), mostra
que, enquanto os parlamentares tidos por seus adversários como “de
direita” evitam colocar-se sob esse rótulo, os de esquerda, centro-
esquerda e centro se autodefinem até como mais esquerdistas do que a
posição nominal dos seus partidos deixaria suspeitar.
Esse fato não era desconhecido antes da pesquisa, mas adquire com ela
uma certa visibilidade cientifica que tornará mais difícil, doravante,
menosprezar-lhe a importância.
As conclusões óbvias que ele impõe, e que os autores do estudo evitam
declarar, já que elas transcendem os limites imediatos do que se
propuseram investigar, são as seguintes:
1. A esquerda tem o domínio quase absoluto dos mecanismos culturais
de estímulo e inibição vigentes nas altas esferas, demarcando a seu
belprazer a fronteira entre a decência e a indecência, o orgulho e a
vergonha, o mérito e a culpa. Os direitistas apressam-se em submeter-
se a essa autoridade moral monopolística, não com passividade e
indiferença, mas com uma verdadeira ânsia de ser aprovados por seus
adversários.
2. Abdicando de todo critério moral próprio, a direita exclui-se,
automaticamente, de qualquer possibilidade de combate na esfera
cultural e psicológica, deixando o país à mercê da hegemonia
gramsciana e limitando-se à disputa de cargos (o que implica ainda
mais subserviência à facção dominante), ou então à discussão de
miudezas econômico-administrativas sem nenhum alcance estratégico.
O presidente da República disse uma verdade flagrante ao afirmar que
os partidos de oposição não têm perspectiva de poder. Eu diria até que
ele foi caridoso nesse julgamento: aos partidos de direita não falta só a
perspectiva de poder, falta até mesmo a compreensão elementar do que
seja o poder, que eles confundem com “cargos”. Imaginar que, com
cargos ou sem cargos, seja possível conquistar o poder abdicando da
hegemonia, é coisa de uma ignorância tão patética que, mesmo entre os
esquerdistas mais empedernidos, deve arrancar lágrimas de
comiseração ante adversário tão despreparado e inerme.
3. Mais que definir as regras do jogo, a esquerda cria até mesmo a
identidade do adversário, colocando na “direita” quem assim lhe
interesse catalogar no momento, passando por cima dos protestos
subjetivos do catalogado e ignorando com frieza de femme fatale os
afagos e juras de amor com que ele tenta cavar um lugarzinho no
grêmio das pessoas decentes, isto é, esquerdistas.
4. O rigor do critério de seleção para o ingresso no círculo dos bons é
tão implacável, tão inflexível, que a honra suprema do esquerdismo é
negada até a velhos, tarimbados e fiéis militantes de esquerda, tão logo
eles cometam a imprudência de entrar num partido que a esquerda,
conforme seus interesses do momento, tenha rotulado como de direita.
Pela milésima ou enésima vez, a realidade dos fatos confirma a
obviedade proibida: não há política de direita sem uma moral de direita,
sem uma filosofia de direita, sem uma cultura de direita, isto é, sem
tudo aquilo de que a nossa direita foge esbaforida, como se foge da
peste.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090605dc.html
Jornalistas contra a aritmética
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 5 de junho de 2009
Não há mentira completa. Até o mais ingênuo e instintivo dos
mentirosos, ao compor suas invencionices, usa retalhos da realidade,
mudando apenas as proporções e relações. Quanto mais não fará uso
desse procedimento o fingidor tarimbado, técnico, profissional, como
aqueles que superlotam as redações de jornais, canais de TV e agências
de notícias. Mais ainda – é claro – os militantes e ongueiros a serviço de
causas soi disant idealistas e humanitárias que legitimam a mentira
como instrumento normal e meritório de luta política.
Na maior parte dos casos, os elementos de comparação que permitiriam
restituir aos fatos sua verdadeira medida são totalmente suprimidos,
tornando impossível o exercício do juízo crítico e limitando a reação do
leitor, na melhor das hipóteses, a uma dúvida genérica e abstrata, que,
como todas as dúvidas, não destrói a mentira de todo mas deixa uma
porta aberta para que ela passe como verdade.
Um exemplo característico são as notícias sobre a tortura nas prisões
de Guantánamo e Abu-Ghraib. Como em geral nada se noticia na
“grande mídia” sobre as crueldades físicas monstruosas praticadas
diariamente contra meros prisioneiros de consciência nos cárceres da
China, da Coréia do Norte, de Cuba e dos países islâmicos, a impressão
que resta na mente do público é que o afogamento simulado de
terroristas é um caso máximo de crime hediondo. Mesmo quando não
são totalmente ignorados, os fatos principais recuam para um fundo
mais ou menos inconsciente, tornando-se nebulosos e irrelevantes em
comparação com as picuinhas às quais se deseja dar ares de tragédia
mundial. Só o que resta a fazer, nesses casos, é usar a internet e toda
outra forma de mídia alternativa para realçar aquilo que a classe
jornalística, empenhada em transformar o mundo em vez de retratá-lo,
preferiu amortecer.
Às vezes, porém, o profissional da mentira se trai, deixando à mostra os
dados comparativos, apenas oferecidos sem ordem nem conexão, de tal
modo que o público passe sobre eles sem perceber que dizem o
contrário do que parecem dizer. Isso acontece sobretudo em notícias
que envolvem números. Com freqüência, aí o texto já traz em si seu
próprio desmentido, bastando que o leitor se lembre de fazer as contas.
Colho no Globo Online o exemplo mais lindo da semana (v.
http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2009/05/20/relatorio-confirma-
abuso-de-milhares-de-criancas-por-parte-da-igreja-catolica-da-irlanda-
755949622.asp, http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1161142-
5602,00-
INQUERITO+DENUNCIA+ABUSO+SEXUAL+ENDEMICO+DE+MENI
NOS+NA+IRLANDA.html e
http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1161468-5602,00.html).
Não digo que o Globo seja o único autor da façanha. Teve a colaboração
de agências internacionais, de organizações militantes e de toda a
indústria mundial dos bons sentimentos. Naquelas três notas,
publicadas com o destaque esperado em tais circunstâncias, somos
informados de que uma comissão de alto nível, presidida por um juiz da
Suprema Corte da Irlanda, investigando exaustivamente os fatos,
concluiu ser a Igreja Católica daquele país a culpada de nada menos de
doze mil – sim, doze mil – casos de abusos cometidos contra crianças
em instituições religiosas. A denúncia saiu num relatório de 2600
páginas. Legitimando com pressa obscena a veracidade das acusações
em vez de assumir a defesa da acusada, que oficialmente ele
representa, o cardeal-arcebispo da Irlanda, Sean Brady, já saiu pedindo
desculpas e jurando que o relatório "documenta um catálogo
vergonhoso de crueldade, abandono, abusos físicos, sexuais e
emocionais". Depois dessa admissão de culpa, parece nada mais haver a
discutir.
Nada, exceto os números. O Globo fornece os seguintes:
1) A comissão disse ter obtido os dados entrevistando 1.090 homens e
mulheres, já em idade avançada, que na infância teriam sofrido aqueles
horrores.
2) Os casos ocorreram em aproximadamente 250 instituições católicas,
do começo dos anos 30 até o final da década de 90.
Se o leitor tiver a prudência de fazer os cálculos, concluirá
imediatamente, da primeira informação, que cada vítima denunciou,
além do seu próprio caso, outros onze, cujas vítimas não foram
interrogadas, nem citadas nominalmente, e dos quais ninguém mais
relatou coisíssima nenhuma. Do total de doze mil crimes, temos
portanto onze mil crimes sem vítimas, conhecidos só por alusões de
terceiros. Mesmo supondo-se que as 1.090 testemunhas dissessem a
verdade quanto à sua própria experiência, teríamos no máximo um total
de exatamente 1.090 crimes comprovados, ampliados para doze mil por
extrapolação imaginativa, para mero efeito publicitário. O cardeal Sean
Brady poderia ter ao menos alegado isso em defesa da sua Igreja, mas,
alma cristianíssima, decerto não quis incorrer em semelhante
extremismo de direita.
Da segunda informação, decorre, pela aritmética elementar, que 1.090
casos ocorridos em 250 instituições correspondem a 4,36 casos por
instituição. Distribuídos ao longo de sete décadas, são 0,06 casos por
ano para cada instituição, isto é, um caso a cada dezesseis anos
aproximadamente. Mesmo que todos esses casos fossem de pura
pedofilia, nada aí se parece nem de longe com o “abuso sexual
endêmico” denunciado pelo Globo. Porém a maior parte dos episódios
relatados não tem nada a ver com abusos sexuais, limitando-se a
castigos corporais que, mesmo na hipótese de severidade extrema, não
constituem motivo de grave escândalo quando se sabe – e o próprio
Globo o reconhece – que grande parte das crianças recolhidas àquelas
instituições era constituída de delinqüentes. Se você comprime
bandidos menores de idade num internato e a cada dezesseis anos um
deles aparece surrado ou estuprado, a coisa é evidentemente
deplorável, mas não há nela nada que se compare ao que aconteceu no
Sudão, onde, no curso de um só ano, vinte crianças, não criminosas,
mas inocentes, refugiadas de guerra, afirmaram ter sofrido abuso
sexual nas mãos de funcionários da santíssima ONU, contra a qual o
Globo jamais disse uma só palavra.
Só o ódio cego à Igreja Católica explica que o sentido geral dado a uma
notícia seja o contrário daquilo que afirmam os próprios dados
numéricos nela publicados.
Por isso, saiba o prezado leitor que só leio a “grande mídia” por
obrigação profissional de analisá-la, como se analisam fezes num
laboratório, e que jamais o faria se estivesse em busca de informação.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/0905digestoeconomico.html
Obama: a revolução desde cima
Olavo de CarvalhoDigesto Econômico, maio/junho de 2009
O jornalismo, na sua acepção mais elevada, é uma variante menor da
ciência histórica. Os instrumentos de pesquisa, verificação e expressão
de que o jornalista se serve são em essência os mesmos do historiador,
apenas reduzidos a uma escala de precisão mais modesta, em razão do
tempo mais curto. Porém, tal como acontece na própria História, a
busca do conhecimento aí não é tudo. Tanto o historiador como o
jornalista podem se colocar – e este último quase invariavelmente se
coloca – a serviço da luta política e de poderes que não raro estão mais
interessados na difusão da ignorância que do conhecimento. Daí a
necessidade de uma espécie de jornalismo de segundo grau que
observe e analise o desempenho do primeiro, separando, nele, o que é
investigação da verdade e o que é puro discurso de agente político, na
sua tripla acepção de propagandista, de ocultador e de agente de
influência. Para desgraça geral, os “observatórios de mídia” que alegam
cumprir essa função não passam, na maior parte dos casos, de agentes
políticos eles próprios, bem ou mal camuflados sob a capa de analistas
críticos. O “Observatório da Imprensa” do Sr. Alberto Dines não passa,
em última instância, de um comissariado político devotado a preservar
a ortodoxia esquerdista hegemônica. O “Observatório de Mídia” da
USP, conforme já demonstrei com documentação mais que suficiente, é
apenas um braço da política globalista. Nos EUA, uma certa variedade
de perspectivas ainda assegura algum confronto genuíno, mas o
alcance popular dos sites de media watch é mínimo em comparação
com o dos grandes jornais e noticiários de TV, que a “revolução
cultural” das últimas décadas transformou, decididamente, em agentes
políticos, isentos do mais mínimo compromisso com as funções que
outrora garantiram ao jornalismo uma parcela da dignidade da ciência
histórica.
Nesse panorama, os fatos mais óbvios podem se tornar invisíveis e suas
relações mais patentes um mistério insondável para a quase totalidade
da população, aí incluída a elite falante, não digo pensante.
Para quem estuda os fatos da atualidade com critérios de historiador,
nada mais fácil do que compreender os objetivos da administração
Obama, bem como as estratégias e táticas usadas para sua
implementação. Esses objetivos são apenas dois: (a) debilitar o poderio
americano na esfera internacional, tornando os EUA praticamente
inermes ante qualquer iniciativa militar ou qualquer campanha
diplomática mais agressiva da parte de seus inimigos; (b) no plano
interno, inversa e complementarmente, aumentar o poder de controle
do governo sobre a massa dos cidadãos, desarticulando e desarmando
antecipadamente qualquer veleidade de oposição popular, seja ao
primeiro objetivo, seja a este mesmo.
Isto não é uma “interpretação”. Os fatos falam por si mesmos, mas não
podem ser ouvidos pela maioria, seja porque são diretamente
sonegados, seja porque vêm diluídos numa maçaroca alucinante de
factóides, detalhes irrisórios, desconversas e desinformação pura e
simples, tornando a substância dos acontecimentos dificilmente
apreensível até mesmo por pessoas letradas que, inconscientes da
mudança radical das funções do jornalismo desde a década de 60,
continuem tomando a “grande mídia” como fonte primordial de
informações.
No plano internacional, com exceção das gestões para deter a corrida
armamentista da Coréia do Norte, que já vinham da presidência
anterior e não têm como ser desviadas muito rapidamente do seu curso
pré-escolhido, as iniciativas principais do governo Obama foram
sucessivas manifestações de simpatia para com governos islâmicos
profundamente comprometidos em campanhas anti-ocidentais e anti-
americanas. A quase genuflexão ante o rei da Arábia Saudita é apenas
um símbolo, mas ele diz muito porque vem acompanhado não só de
acenos amigáveis para o governo do Irã, mas também de esforços
manifestos para induzir a classe política americana a aceitar
passivamente a transformação do Irã em potência nuclear (esta notícia
não pôde ser ocultada nem mesmo dos brasileiros: v.
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/fintimes/2009/04/04/ult579u2764.
jhtm).
Ao mesmo tempo que despende trilhões num “plano de recuperação
econômica”, que beneficia acima de tudo as organizações que o
apoiaram na campanha eleitoral, como por exemplo a Acorn, que
caprichou no obamismo ao ponto de distribuir milhares de títulos de
eleitor falsos para aumentar o eleitorado do candidato democrata,
Obama anuncia um corte de 8 bilhões de dólares no orçamento das
Forças Armadas. E faz isso no preciso momento em que a China
completa a fabricação de um novo míssil balístico capacitado a destruir
porta-aviões americanos num raio de dois mil quilômetros com um só
disparo para cada um. A zona de cobertura da nova arma, versão
modificada do míssil Dong Feng 21, abrange precisamente as áreas que
os estrategistas americanos consideram vitais para um eventual
confronto de superfície entre forças americanas e chinesas.
É ainda impossível avaliar em que medida a nova arma de Beijing é
devedora do ex-presidente Clinton, que após ter feito vista grossa à
profusão de espiões tecnológicos chineses nos EUA, aproveitou sua
última semana na Casa Branca para libertar os poucos deles que
estavam na cadeia. O que é absolutamente certo é que a liberação das
viagens a Cuba, planejada pelo governo Obama, vai fortalecer um
bocado o regime comunista da ilha, não só “enchendo de dinheiro os
irmãos Castro”, como disse Otto Reich, mas facilitando o trânsito de
espiões cubanos num país que já está repleto deles.
Por fim, é notório que os círculos obamistas vêem com agrado as
gestões cada vez menos discretas do G-20 para adotar uma moeda
mundial, desbancando o dólar e submetendo a economia americana
ainda mais ao controle internacional.
Embora o sentido de todas essas atitudes do governo Obama seja claro
e insofismável, até mesmo os comentaristas mais abertamente
conservadores têm extrema dificuldade em percebê-lo. Seus cérebros,
entupidos de inibições, preconceitos e escrúpulos patéticos que a
cultura esquerdista ambiente injetou neles desde a década de 60,
funcionam com tal lentidão que só ouvem o cão latir depois de várias
mordidas. Uma conversa recente na Fox News entre Sean Hannity,
comentarista político da estação, e Dick Morris, ex-conselheiro dos
Clintons convertido à causa conservadora, ilustra o que estou dizendo:
Morris: -- Há uma coisa importante que vai acontecer em Londres neste
G-20, e que eles estão camuflando, escondendo: a coordenação dos
regulamentos internacionais. O que eles vão fazer é colocar o nosso
FED (Federal Reserve) e a nossa SEC (Comissão de Títulos e Câmbio),
sob o controle do Fundo Monetário Internacional... O que isso
realmente é, é colocar a economia americana sob controle
internacional.
Hannity: -- É mesmo.
Morris: -- E aquelas pessoas que viviam gritando “A ONU vai tomar o
poder!”, “É o governo global!”...
Hannity: -- Teóricos da conspiração…
Morris: -- Eles eram malucos. Mas agora vemos que estavam com a
razão. Está acontecendo.
Hannity: -- Quando o Geithner (presidente do FED) disse na semana
passada que está aberto à idéia de moeda global, essa turma da teoria
da conspiração já tinha anunciado durante anos que isso ia acontecer.
Você não está errado, você não está errado…
Concomitantemente – e coerentemente – com a debilitação do poderio
americano no exterior, as medidas do governo Obama para aumentar o
controle estatal sobre a sociedade e os cidadãos são tão vistosas que o
simples fato de não provocarem escândalo geral já é por si mesmo um
escândalo. Desde logo, Obama exigiu que o escritório do Censo, até
então sob responsabilidade parlamentar e portanto bipartidária, fosse
instalado na Casa Branca, sob sua fiscalização direta. Como o Censo
determina o zoneamento eleitoral, quem controla o Censo controla as
eleições americanas. Em tempos normais, esta simples decisão seria
motivo de impeachment, mas tanto o Congresso quanto a mídia estão
mais empenhados em preservar a imagem de Obama do que a
segurança do país e o bom funcionamento da democracia. Até o
momento, ninguém estrilou contra a usurpação do Censo, noticiada
com discrição entre páginas e páginas consagradas aos novos modelos
de vestido da Sra. Michele Obama.
Não podendo implantar diretamente o controle de armas, que a
população rejeita maciçamente, o governo Obama apelou ao expediente
de diminuir o estoque de munições à disposição do consumidor,
dificultando a compra ou importação dos materiais necessários à
fabricação de balas. Os efeitos da medida apareceram com velocidade
impressionante. Qualquer coisa mais requintada do que cartuchos para
espingardas de caça é muito difícil de encontrar hoje em dia nas lojas
de armas. Ao mesmo tempo, os deputados e senadores governistas já
distribuem entre si uma lista de mais de setenta modelos de armas que
o Procurador Geral Eric Holder – tradicional adepto da proibição total –
planeja banir na primeira oportunidade.
Não satisfeito com o tremendo acréscimo de poder que essas medidas
lhe dão, o governo Obama, através da FDA (Food and Drug
Administration), vem ajudando a promover o Codex Alimentarius –
plano da ONU para colocar a produção mundial de alimentos sob
controle direto e estrito da burocracia internacional e de meia dúzia de
macro-empresas globais. Os projetos de lei HR875, HR759 e S425
proíbem até mesmo a livre produção de alimentos para consumo
doméstico ou comunitário, e tornam crime a chamada “alimentação
natural” – plantar cenouras, beterrabas, batatas, etc. sem fertilizantes,
antibióticos e o que mais as autoridades determinem. Pelo Codex
Alimentarius, cada galinha criada em fundo de quintal terá de ser
registrada em órgãos do governo e alimentada com aquilo que o
governo escolha. As penalidades incluem prisão do culpado, apreensão
dos produtos considerados ilegais e desapropriação da terra onde seja
cometido o “crime”.
Uma das empresas mais empenhadas na aprovação do projeto é a
Monsanto. Quando o ativista de esquerda José Bové, participante do
Forum Social Mundial de 2001 em Porto Alegre, promoveu a destruição
de mil acres de transgênicos dessa empresa no Rio Grande, todos os
nossos liberais e conservadores protestaram, em nome da liberdade de
mercado. Lamento informar: descontados os meios ilegais com que fez
o seu protesto, Bové estava certo, mesmo sem saber por que. A
Monsanto não tem nada a ver com liberdade de mercado. Tem a ver
com o socialismo burocrático mundial.
Para completar, o senador democrata Jay Rockefeller, membro da
família que controla o CFR (Council on Foreign Relations) e por meio
dele a política americana, após ter feito a espantosa declaração de que
o maior risco para a segurança dos EUA não é o terrorismo, nem a
China, nem o tráfico de drogas, nem a imigração ilegal, e sim a internet
– declaração que num primeiro momento pareceu apenas um abuso de
excentricidade –, passou das palavras à ação, apresentando, na semana
seguinte, um projeto de lei que coloca a rede inteira sob controle direto
de órgãos da presidência americana.
Tecnicamente – e creio ter demonstrado isso em sucessivos escritos e
conferências –, uma revolução define-se como um projeto abrangente
de mudança social e política a ser realizado mediante uma
concentração anormal de poder. Uma revolução nesse sentido estrito –
uma revolução de dimensões mundiais – já está em avançado estado de
realização nos EUA. O fato de que a maior parte da população e até
mesmo das classes letradas nem mesmo perceba isso enquadra
nitidamente o fenômeno na categoria das “revoluções desde cima”, tal
como descrito no livro clássico de Hermann Rauschning, The
Revolution of Nihilism: a Warning to the West. Publicado em 1938 e
referindo-se especialmente ao caso alemão, o alerta de Rauschning não
foi ouvido. O meu também não será.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/0906dicta.html
Mário Ferreira dos Santos e o nosso futuro
Olavo de CarvalhoDicta & Contradicta, junho de 2009
Quando a obra de um único autor é mais rica e poderosa que a cultura
inteira do seu país, das duas uma: ou o país consente em aprender com
ele ou recusa o presente dos céus e inflige a si próprio o merecido
castigo pelo pecado da soberba, condenando-se ao definhamento
intelectual e a todo o cortejo de misérias morais que necessariamente o
acompanham.
Mário Ferreira ocupa no Brasil uma posição similar à de Giambattista
Vico na cultura napolitana do século XVIII ou de Gottfried von Leibniz
na Alemanha da mesma época: um gênio universal perdido num
ambiente provinciano incapaz não só de compreendê-lo, mas de
enxergá-lo. Leibniz ainda teve o recurso de escrever em francês e latim,
abrindo assim algum diálogo com interlocutores estrangeiros. Mário
está mais próximo de Vico no seu isolamento absoluto, que faz dele uma
espécie de monstro. Quem, num ambiente intelectual prisioneiro do
imediatismo mais mesquinho e do materialismo mais deprimente –
materialismo compreendido nem mesmo como postura filosófica, mas
como vício de só crer no que tem impacto corporal –, poderia suspeitar
que, num escritório modesto da Vila Olimpia, na verdade uma
passagem repleta de livros entre a cozinha e a sala de visitas, um
desconhecido discutia em pé de igualdade com os grandes filósofos de
todas as épocas, demolia com meticulosidade cruel as escolas de
pensamento mais em moda e sobre seus escombros erigia um novo
padrão de inteligibilidade universal?
Os problemas que Mário enfrentou foram os mais altos e complexos da
filosofia, mas, por isso mesmo, estão tão acima das cogitações banais da
nossa intelectualidade, que esta não poderia defrontar-se com ele sem
passar por uma metanóia, uma conversão do espírito, a descoberta de
uma dimensão ignorada e infinita. Foi talvez a premonição inconsciente
do terror e do espanto – do thambos aristotélico – que a impeliu a fugir
dessa experiência, buscando abrigo nas suas miudezas usuais e
definhando pouco a pouco, até chegar à nulidade completa; decerto o
maior fenômeno de auto-aniquilação intelectual já transcorrido em
tempo tão breve em qualquer época ou país. A desproporção entre o
nosso filósofo e os seus contemporâneos – muito superiores, no entanto,
à atual geração – mede-se por um episódio transcorrido num centro
anarquista, em data que agora me escapa, quando se defrontaram, num
debate, Mário e o então mais eminente intelectual oficial do Partido
Comunista Brasileiro, Caio Prado Júnior. Caio falou primeiro,
respondendo desde o ponto de vista marxista à questão proposta como
Leitmotiv do debate. Quando ele terminou, Mário se ergueu e disse
mais ou menos o seguinte:
– Lamento informar, mas o ponto de vista marxista sobre os tópicos
escolhidos não é o que você expôs. Vou portanto refazer a sua
conferência antes de fazer a minha.
E assim fez. Muito apreciado no grupo anarquista, não por ser
integralmente um anarquista ele próprio, mas por defender as idéias
econômicas de Pierre-Joseph Proudhon, Mário jamais foi perdoado
pelos comunistas por esse vexame imposto a uma vaca sagrada do
Partidão. O fato pode ter contribuído em algo para o muro de silêncio
que cercou a obra do filósofo desde a sua morte. O Partido Comunista
sempre se arrogou a autoridade de tirar de circulação os autores que o
incomodavam, usando para isso a rede de seus agentes colocados em
altos postos na mídia, no mundo editorial e no sistema de ensino. A lista
dos condenados ao ostracismo é grande e notável. Mas, no caso de
Mário, não creio que tenha sido esse o fator decisivo. O Brasil preferiu
ignorar o filósofo simplesmente porque não sabia do que ele estava
falando. Essa confissão coletiva de inépcia tem, decerto, o atenuante de
que as obras do filósofo, publicadas por ele mesmo e vendidas de porta
em porta com um sucesso que contrastava pateticamente com a
ausência completa de menções a respeito na mídia cultural, vinham
impressas com tantas omissões, frases truncadas e erros gerais de
revisão, que sua leitura se tornava um verdadeiro suplício até para os
estudiosos mais interessados – o que, decerto, explica mas não justifica.
A desproporção evidenciada naquele episódio torna-se ainda mais
eloqüente porque o marxismo era o centro dominante ou único dos
interesses intelectuais de Caio Prado Júnior, ao passo que, no horizonte
infinitamente mais vasto dos campos de estudo de Mário Ferreira, era
apenas um detalhe ao qual ele não poderia ter dedicado senão alguns
meses de atenção: nesses meses, aprendera mais do que o especialista
que dedicara ao assunto uma vida inteira.
A mente de Mário Ferreira era tão formidavelmente organizada que
para ele era a coisa mais fácil localizar imediatamente no conjunto da
ordem intelectual qualquer conhecimento novo que lhe chegasse desde
área estranha e desconhecida. Numa outra conferência, interrogado
por um mineralogista de profissão que desejava saber como aplicar ao
seu campo especializado as técnicas lógicas que Mário desenvolvera, o
filósofo respondeu que nada sabia de mineralogia mas que, por dedução
desde os fundamentos gerais da ciência, os princípios da mineralogia só
poderiam ser tais e quais – e enunciou quatorze. O profissional
reconheceu que, desses, só conhecia oito.
A biografia do filósofo é repleta dessas demonstrações de força, que
assustavam a platéia, mas que para ele não significavam nada. Quem
ouve as gravações das suas aulas, registradas já na voz cambaleante do
homem afetado pela grave doença cardíaca que haveria de matá-lo aos
65 anos, não pode deixar de reparar na modéstia tocante com que o
maior sábio já havido em terras lusófonas se dirigia, com educação e
paciência mais que paternais, mesmo às platéias mais despreparadas e
toscas. Nessas gravações, pouco se nota dos hiatos e incongruências
gramaticais próprios da expressão oral, quase inevitáveis num país
onde a distância entre a fala e a escrita se amplia dia após dia. As
frases vêm completas, acabadas, numa seqüência hierárquica
admirável, pronunciadas em recto tono, como num ditado.
Quando me refiro à organização mental, não estou falando só de uma
habilidade pessoal do filósofo, mas da marca mais característica de sua
obra escrita. Se, num primeiro momento, essa obra dá a impressão de
um caos inabarcável, de um desastre editorial completo, o exame mais
demorado acaba revelando nela, como demonstrei na introdução à
Sabedoria das Leis Eternas[1], um plano de excepcional clareza e
integridade, realizado quase sem falhas ao longo dos 52 volumes da sua
construção monumental, a Enciclopédia das Ciências Filosóficas.
Além dos maus cuidados editoriais – um pecado que o próprio autor
reconhecia e que explicava, com justeza, pela falta de tempo –, outro
fator que torna difícil ao leitor perceber a ordem por trás do caos
aparente provém de uma causa biográfica. A obra escrita de Mário
reflete três etapas distintas no seu desenvolvimento intelectual, das
quais a primeira não deixa prever em nada as duas subseqüentes, e a
terceira, comparada à segunda, é um salto tão formidável na escala dos
graus de abstração que aí parecemos nos defrontar já não com um
filósofo em luta com suas incertezas e sim com um profeta-legislador a
enunciar leis reveladas ante as quais a capacidade humana de discutir
tem de ceder à autoridade da evidência universal.
A biografia interior de Mário Ferreira é realmente um mistério, tão
grandes foram os dois milagres intelectuais que a moldaram. O
primeiro transformou um mero ensaísta e divulgador cultural em
filósofo na acepção mais técnica e rigorosa do termo, um dominador
completo das questões debatidas ao longo de dois milênios,
especialmente nos campos da lógica e da dialética. O segundo fez dele
o único – repito, o único – filósofo moderno que suporta uma
comparação direta com Platão e Aristóteles. Este segundo milagre
anuncia-se ao longo de toda a segunda fase da obra, numa seqüência de
enigmas e tensões que exigiam, de certo modo, explodir numa
tempestade de evidências e, escapando ao jogo dialético, convidar a
inteligência a uma atitude de êxtase contemplativo. Mas o primeiro
milagre, sobrevindo ao filósofo no seu quadragésimo-terceiro ano de
idade, não tem nada, absolutamente nada, que o deixe prever na obra
publicada até então. A família do filósofo foi testemunha do inesperado.
Mário fazia uma conferência, no tom meio literário, meio filosófico dos
seus escritos usuais, quando de repente pediu desculpas ao auditório e
se retirou, alegando que “tivera uma idéia” e precisava anotá-la
urgentemente. A idéia era nada mais, nada menos que as teses
numeradas destinadas a constituir o núcleo da Filosofia Concreta, por
sua vez coroamento dos dez volumes iniciais da Enciclopédia, que
viriam a ser escritos uns ao mesmo tempo, outros em seguida, mas que
ali já estavam embutidos de algum modo. A Filosofia Concreta é
construída geometricamente como uma seqüência de afirmações auto-
evidentes e de conclusões exaustivamente fundadas nelas – uma
ambiciosa e bem sucedida tentativa de descrever a estrutura geral da
realidade tal como tem de ser concebida necessariamente para que as
afirmações da ciência façam sentido.
Mário denomina a sua filosofia “positiva”, mas não no sentido
comteano. Positividade (do verbo “pôr”) significa aí apenas “afirmação”.
O objetivo da filosofia positiva de Mário Ferreira é buscar aquilo que
legitimamente se pode afirmar sobre o conjunto da realidade à luz do
que foi investigado pelos filósofos ao longo de vinte e quatro séculos.
Por baixo das diferenças entre escolas e correntes de pensamento,
Mário discerne uma infinidade de pontos de convergência onde todos
estiveram de acordo, mesmo sem declará-lo, e ao mesmo tempo vai
construindo e sintetizando os métodos de demonstração necessários a
fundamentá-los sob todos os ângulos concebíveis.
Daí que a filosofia positiva seja também “concreta”. Um conhecimento
concreto, enfatiza ele, é um conhecimento circular, que conexiona tudo
quanto pertence ao objeto estudado, desde a sua definição geral até os
fatores que determinam a sua entrada e saída da existência, a sua
inserção em totalidades maiores, o seu posto na ordem dos
conhecimentos, etc. Por isso é que à seqüência de demonstrações
geométricas se articula um conjunto de investigações dialéticas, de
modo que aquilo que foi obtido na esfera da alta abstração seja
reencontrado no âmbito da experiência mais singular e imediata. A
subida e descida entre os dois planos opera-se por meio da
decadialética, que enfoca o seu objeto sob dez aspectos:
1. Campo sujeito-objeto. Todo e qualquer ser, seja físico, espiritual,
existente, inexistente, hipotético, individual, universal, etc. é
simultaneamente objeto e sujeito, o que é o mesmo que dizer – em
termos que não são os usados pelo autor – receptor e emissor de
informações. Se tomarmos o objeto mais alto e universal – Deus –, Ele é
evidentemente sujeito, e só sujeito, ontologicamente: gerando todos os
processos, não é objeto de nenhum. No entanto, para nós, é objeto dos
nossos pensamentos. Deus, que ontologicamente é puro sujeito, pode
ser objeto do ponto de vista cognitivo. No outro extremo, um objeto
inerte, como uma pedra, parece ser puro objeto, sem nada de sujeito.
No entanto, é óbvio que ela está em algum lugar e emite aos objetos
circundantes alguma informação sobre a sua presença, por exemplo, o
peso com que ela repousa sobre outra pedra. Com uma imensa
gradação de diferenciações, cada ente pode ser precisamente descrito
nas suas respectivas funções de sujeito e objeto. Conhecer um ente é,
em primeiro lugar, saber a diferenciação e a articulação dessas
funções. Alguns exercícios para o leitor se aquecer antes de entrar no
estudo da obra de Mário Ferreira: (1) Diferencie os aspectos e ocasiões
em que um fantasma é sujeito e objeto. (2) E uma idéia abstrata,
quando é sujeito, quando é objeto? (3) E um personagem de ficção,
como Dom Quixote?
2. Campo da atualidade e virtualidade. Dado um ente qualquer, pode-se
distinguir entre o que ele é efetivamente num certo momento e aquilo
em que ele pode (ou não) se transformar no instante seguinte. Alguns
entes abstratos, como por exemplo a liberdade ou a justiça, podem se
transformar nos seus contrários. Mas um gato não pode se transformar
num antigato.
3. Distinção entre as virtualidades (possibilidades reais) e as
possibilidades não-reais, ou meramente hipotéticas. Toda possibilidade,
uma vez logicamente enunciada, pode ser concebida como real ou
irreal. Só podemos obter essa gradação pelo conhecimento dialético
que temos das potências do objeto.
4. Intensidade e extensidade. Mário toma esses termos emprestados do
físico alemão Wilhelm Ostwald (1853-1932), separando aquilo que só
pode variar em diferença de estados, como por exemplo o sentimento
de temor ou a plenitude de significados de uma palavra, e aquilo que se
pode medir por meio de unidades homogêneas, como por exemplo
linhas e volumes.
5. Intensidade e extensidade nas atualizações. Quando os entes passam
por mudanças, elas podem ser tanto de natureza intensiva quanto
extensiva. A descrição precisa das mudanças exige a articulação dos
dois pontos de vista.
6. Campo das oposições no sujeito: razão e intuição. O estudo de
qualquer ente sob os cinco primeiros aspectos não pode ser feito só
com base no que se sabe deles, mas tem de levar em conta a
modalidade do seu conhecimento, especialmente a distinção entre os
elementos racionais e intuitivos que entram em jogo.
7. Campo das oposições da razão: conhecimento e desconhecimento. Se
a razão fornece o conhecimento do geral e a intuição o do particular,
em ambos os casos há uma seleção: conhecer é também desconhecer.
Todos os dualismos da razão – concreto-abstrato, objetividade-
subjetividade, finito-infinito, etc. – procedem da articulação entre
conhecer e desconhecer. Não se conhece um objeto enquanto não se
sabe o que tem de ser desconhecido para que ele se torne conhecido.
8. Campo das atualizações e virtualizações racionais. A razão opera
sobre o trabalho da intuição, atualizando ou virtualizando, isto é,
trazendo para o primeiro plano ou relegando para um plano de fundo os
vários aspectos do objeto percebido. Toda análise crítica de conceitos
abstratos supõe uma clara consciência do que aí foi atualizado e
virtualizado.
9. Campo das oposições da intuição. A mesma separação do atual e do
virtual já acontece no nível da intuição, que é espontaneamente
seletiva. Se, por exemplo, olhamos esta revista como uma
singularidade, fazemos abstração dos demais exemplares da mesma
tiragem. Tal como a razão, a intuição conhece e desconhece.
10. Campo do variante e do invariante. Não há fato absolutamente novo
nem absolutamente idêntico a seus antecessores. Distinguir os vários
graus de novidade e repetição é o décimo e último procedimento da
decadialética.
Mário complementa o método com a pentadialética, uma distinção de
cinco planos diferentes nos quais um ente ou fato pode ser examinado:
como unidade, como parte de um todo do qual é elemento, como
capítulo de uma série, como peça de um sistema (ou estrutura de
tensões) e como parte do universo.
Nos dez primeiros volumes da Enciclopédia, Mário aplica esses
métodos à resolução de vários problemas filosóficos divididos segundo a
distinção tradicional entre as disciplinas que compõem a filosofia –
lógica, ontologia, teoria do conhecimento, etc. –, compondo assim a
armadura geral com que, na segunda série, se aprofundará no estudo
pormenorizado de determinados temas singulares.
Aconteceu que, na elaboração dessa segunda série, ele se deteve mais
demoradamente no estudo dos números em Platão e Pitágoras, o que
acabou por determinar o upgrade espetacular que marca a segunda
metanóia do filósofo e os dez volumes finais da Enciclopédia, tal como
expliquei na introdução à Sabedoria das Leis Eternas. O livro Pitágoras
e o Tema do Número, um dos mais importantes do autor, dá
testemunho da mutação. O que chamou a atenção de Mário foi que, na
tradição pitagórico-platônica, os números não eram encarados como
meras quantidades, no sentido em que são usados nas medições, mas
sim como formas, isto é, articulações lógicas de relações possíveis. O
que Pitágoras queria dizer com sua famosa afirmação de que “tudo são
números” não é que todas as qualidades diferenciadoras podiam se
reduzir a quantidades, mas que as quantidades mesmas eram por assim
dizer qualitativas: cada uma delas expressava um certo tipo de
articulação de tensões cujo conjunto formava um objeto. Mas, se de fato
é assim, conclui Mário, a seqüência dos números inteiros não é apenas
uma contagem, mas uma série ordenada de categorias lógicas. Contar
é, mesmo inconscientemente, galgar os degraus de uma compreensão
progressiva da estrutura do real. Vejamos, só para exemplificar, o que
acontece no trânsito do número um ao número cinco. Todo e qualquer
objeto é necessariamente uma unidade. Ens et unum convertuntur, “o
ser e a unidade são a mesma coisa”, dirá Duns Scot. Ao mesmo tempo,
porém, esse objeto conterá em si alguma dualidade essencial. Mesmo a
unidade simples, ou Deus, não escapa ao dualismo gnoseológico do
conhecido e do desconhecido, já que aquilo que Ele conhece de si
mesmo é desconhecido por nós. Ao mesmo tempo, os dois aspectos da
dualidade têm de estar ligados entre si, o que exige a presença de um
terceiro elemento, a relação. Mas a relação, ao articular os dois
aspectos anteriores, estabelece entre eles uma proporção, ou
quaternidade. A quaternidade, considerada como forma diferenciada do
ente cuja unidade abstrata captamos no princípio, é por sua vez uma
quinta forma. E assim por diante.
A mera contagem exprime, sinteticamente, o conjunto das
determinações internas e externas que compõem qualquer objeto
material ou espiritual, atual ou possível, real ou irreal. Os números são
portanto “leis” que expressam a estrutura da realidade. O próprio
Mário confessa não saber se essa sua versão muito pessoal do
pitagorismo coincide materialmente com a filosofia do Pitágoras
histórico. Seja uma descoberta ou uma redescoberta, a filosofia de
Mário descerra diante dos nossos olhos, de maneira diferenciada e
meticulosamente acabada, um edifício doutrinal inteiro que, em
Pitágoras – e mesmo em Platão – estava apenas embutido de maneira
compacta e obscura. Ao mesmo tempo, em A Sabedoria dos Princípios e
demais volumes finais da Enciclopédia, ele dá ao seu próprio projeto
filosófico um alcance incomparavelmente maior do que se poderia
prever até mesmo pela magistral Filosofia Concreta. A esta altura,
aquilo que começara como conjunto de regras metodológicas se
transmuta num sistema completo de metafísica, a mathesis megiste ou
“ensinamento supremo”, ultrapassando de muito a ambição originária
da Enciclopédia e elevando a obra de Mário Ferreira ao estatuto de
uma das mais altas realizações do gênio filosófico de todos os tempos.
Não tenho a menor dúvida de que, quando passar a atual fase de
degradação intelectual e moral do país e for possível pensar numa
reconstrução, essa obra, mais que qualquer outra, deve tornar-se o
alicerce de uma nova cultura brasileira. A obra, em si, não precisa
disso: ela sobreviverá muito bem quando a mera recordação da
existência de algo chamado “Brasil” tiver desaparecido. O que está em
jogo não é o futuro de Mário Ferreira dos Santos: é o futuro de um país
que a ele não deu nada, nem mesmo um reconhecimento da boca para
fora, mas ao qual ele pode dar uma nova vida no espírito.
Notas:
[1] São Paulo, É-Realizações, 2001.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090608dc.html
Um Founding Father
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 8 junho de 2009
“O desastre econômico que estamos vivendo é conseqüência da
hegemonia, nos últimos trinta anos, do neoliberalismo – uma ideologia
de direita que desregulou os mercados financeiros.” Assim diz, em
artigo publicado na Folha do dia 1º. de junho, o ex-ministro da
Economia Luiz Carlos Bresser-Pereira (v.
http://www.bresserpereira.org.br/view.asp?cod=3393). Sem o mínimo
esforço de provar essa afirmativa, ele salta direto dela para a conclusão
automática de que, se a esquerda não está se saindo tão bem como
deveria nas eleições européias, é “porque nos momentos em que esteve
no poder nestes últimos trinta anos ela fez tantas concessões ao
fundamentalismo de mercado neoliberal que, afinal, sua política muitas
vezes se aproximava daquelas propostas pela direita”.
Ou seja: partindo da premissa de que a direita é sempre culpada de
tudo, fica demonstrado que a ela cabem também as culpas da esquerda
quando esta está no governo. Nem mesmo uma explicação de como
simples “concessões” de um lado provam a “hegemonia” do outro o sr.
Bresser-Pereira nos fornece, tão longe está da sua imaginação a
hipótese hedionda de que alguém possa duvidar das suas palavras. Com
o mesmo ar de certeza devota que não tem satisfações a dar aos fatos
ou à lógica elementar, ele assegura que, embora contaminando-se
pecaminosamente de direitismo na área econômica, no plano social os
partidos de esquerda permaneceram limpos e santos, porque,
recusando a tentação satânica de uma política baseada na meritocracia
egoísta, “mantiveram-se fiéis à idéia de que cabe ao Estado aumentar a
despesa social em educação, cuidados de saúde, previdência e
assistência social e, dessa forma, diminuir a desigualdade”.
Excetuado o interregno George W. Bush – tão apegado a estatismos e
intervencionismos que sua base conservadora acabou por chamá-lo de
socialista e traidor –, o fato é que, no período mencionado pelo ex-
ministro, quem esteve no poder não só na Europa, mas no mundo, foi a
esquerda. Como é possível que uma época de tantos avanços do Estado
no controle da sociedade fosse também uma de “hegemonia de direita”
na esfera econômica? Seria a política – e especialmente a política social
– uma esfera tão separada da economia ao ponto da independência
absoluta? O Sr. Bresser-Pereira sabe que não é assim. Quando lhe
interessa, ele consegue explicar os fracassos da economia pelos fatores
políticos. Justificando seu pífio desempenho como ministro da
Economia, ele afirma que, em 1987, renunciou ao ministério “por falta
de condições políticas para o necessário ajuste fiscal” (v.
http://www.bresserpereira.org.br/view.asp?cod=1279). Já quando se
trata de achar um culpado para a crise americana e mundial, ele
repentinamente faz abstração das “condições políticas” e proclama,
contra toda evidência, que o mal veio tão-somente da
desregulamentação do mercado e não da proliferação monstruosa das
despesas estatais. Quando um governo acumula um déficit de três
trilhões de dólares, só um raciocínio morbidamente artificioso e esquivo
pode fugir ao óbvio e declarar que esse governo não acumulou dívidas
porque gastou demais e sim porque “desregulamentou os mercados”.
Aliás, se a desregulamentação foi tanta como diz o sr. Bresser-Pereira,
como foi possível extrair da economia as quantias necessárias para
cobrir as “despesas sociais” cada vez maiores? Como pode a
“hegemonia neoliberal” coexistir com tal pletora de impostos e gastos
públicos?
Se o ex-ministro esconde por trás de uma verbiagem insensata o papel
dos fatores políticos na produção da crise, é porque esses fatores,
inteiramente criados pela esquerda, forçaram propositadamente o
aumento dos gastos estatais e a implosão do sistema bancário, visando
a gerar artificialmente a crise de modo a poder lançar as culpas de tudo
no espantalho do “neoliberalismo” e, com a cara mais cínica do mundo,
propor como remédio ao desastre causado pelo excesso de gastos uma
dose centuplicada de novos gastos miraculosamente investidos de não
se sabe quais virtudes salvadoras (v.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090305dc.html).
O próprio estilo com que esse homem escreve é o de um demagogo de
palanque, não o de um cientista como ele se pavoneia de ser. Todo o
seu arremedo de argumento baseia-se em estereótipos lisonjeiros para
um lado, depreciativos para o outro, e no apelo às certezas da mitologia
esquerdista, tomadas como premissas desnecessitadas da mais mínima
prova ou discussão. Na prática do charlatanismo intelectual, esse
indivíduo iguala-se a qualquer Emir Sader ou Frei Betto, compondo,
com eles e outros tantos, o panteão dos Founding Fathers da miséria
cultural e moral brasileira.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090612dc.html
Obra-prima de vigarice
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 12 junho de 2009
“Queimada”, dirigido em 1969 por Gillo Pontecorvo e estrelado por
Marlon Brando, Evaristo Marquez e Renato Salvatori, é um dos pontos
altos do cinema comunista italiano – uma espécie de segundo neo-
realismo, nascido nos anos 60 sob a inspiração de uma década e meia
de leitura das obras de Antonio Gramsci pelos intelectuais militantes,
tanto do PCI quanto das organizações maoístas e trotsquistas. A escola,
intelectualmente sofisticada, de uma coerência ideológica e estratégica
notável, foi inaugurada por “O Bandido Giuliano”, de Francesco Rosi, e
“O Assassino”, de Elio Petri (ambos de 1961), e, com a ajuda do
esquema de propaganda de Hollywood, veio a alcançar sucesso
internacional ainda maior que o do que seu antecessor do imediato pós-
guerra, muito menos uniforme ideologicamente.
Outros marcos na história desse movimento foram “Accatone”, de Pier
Paolo Pasolini (1962), “A China Está Próxima”, de Marco Bellocchio
(1967), “Investigação sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita”,
de Elio Petri (1969), “O Conformista”, de Bernardo Bertolucci (1970),
“A Classe Operária Vai ao Paraíso”, de Elio Petri (1971) e “O Caso
Mattei”, de Francesco Rosi (1972).
A tônica desses filmes é mostrar a sociedade capitalista como uma
infernal engenhoca protofascista de dominação, fundada na alienação
das consciências, na prática endêmica da violência real e simbólica e na
desinformação sistemática das multidões. Não há mal, desde a
criminalidade até os amores fracassados e as doenças mentais, que aí
não seja atribuído à ação maligna e camuflada da elite capitalista. Com
um estilo narrativo frio e impessoal, evitando com cuidado o tom
abertamente propagandístico e simulando investigação documentária
dos acontecimentos (recurso usado com outros fins pelo primeiro neo-
realismo), a escola consegue dar ares de pura realidade às mais
prodigiosas falsificações históricas e sociológicas, ludibriando as
multidões de patetas que guincham e se retorcem de prazer diante
dessas coisas nos festivais de cinema como macaquinhos eletrizados
por uma máquina de orgasmos.
“Queimada” é uma verdadeira aula de interpretação marxista da
História, tanto mais persuasiva porque compõe com detalhes históricos
bastante exatos um conjunto perfeitamente ilógico, cuja absurdidade só
aparece quando o espectador, se advertido – o que raramente acontece
–, se dá conta dos pontos essenciais astutamente omitidos.
A história é a seguinte. Em 1815, Sir William Walker (Marlon Brando),
guerreiro e agente secreto mercenário, é contratado para armar um
golpe de Estado na ilha de Queimada, colônia portuguesa, e, sob o
pretexto de republicanismo e abolição da escravatura, transferir da
monarquia portuguesa para uma companhia privada britânica o
monopólio da produção local de açúcar. Ele realiza seus objetivos por
meio de três operações sucessivas e articuladas: primeiro, uma rebelião
de escravos, artificialmente fomentada para desestabilizar o governo
local, encenada sob a liderança do negro José Dolores, que o próprio Sir
Walker adestra para isso; segundo, a tomada do poder por um grupo de
intelectuais e políticos ambiciosos, insatisfeitos com o regime colonial e
chefiados por um idealista bocó, Teddy Sanchez; terceiro, a instalação
de um regime republicano liberal e corrupto sob a presidência de Teddy
Sanchez, com a conseqüente assinatura de uma cessão de direitos para
a exploração da cana-de-açúcar e a contratação dos antigos escravos
como assalariados da companhia inglesa. Sir William volta para a
Inglaterra, onde leva uma vida de bebedeiras e arruaças (dando-se a
entender que a sórdida operação antiportuguesa arruinara o seu
caráter). Passados dez anos, os trabalhadores das plantações de cana,
insatisfeitos com os salários de fome recebidos dos novos patrões,
iniciam nova rebelião, sob a liderança do mesmo José Dolores, agora
porém a sério e decididos a tomar as rédeas do governo em suas
próprias mãos. Teddy Sanchez, aterrorizado, incapaz de controlar a
situação, pede ajuda aos empresários ingleses, que vão buscar Sir
William num botequim nojento onde ele se diverte em campeonatos de
pugilismo com a ralé de Londres, e o enviam de volta à ilha, com plenos
poderes para sufocar a revolta. Vendo que a coisa tomara as proporções
de uma verdadeira revolução social, Sir William apela ao expediente
extremo, mandando atear fogo às plantações e queimando vivos os
trabalhadores rebeldes junto com suas famílias. Quando, vitorioso pela
segunda vez, o guerreiro genocida vai embarcar de volta para a
Inglaterra, o sobrevivente José Dolores, disfarçado de carregador,
mata-o a facadas.
Há muitos elementos historicamente verossímeis nesse enredo: a ação
inglesa por trás dos movimentos de independência das colônias
portuguesas e espanholas; a liderança republicana verbosa e sem
iniciativa própria; o aproveitamento de um arremedo de revolta popular
como pretexto para a tomada do poder por uma elite corrupta; a
transformação dos escravos em mão-de-obra barata para o capital
estrangeiro; e até o agravamento da situação dos ex-escravos, soltos no
mundo para lutar pela vida em condições desiguais. Abrilhantado por
uma direção ágil de Pontecorvo e pela interpretação contundente de
Marlon Brando, “Queimada” tem tudo para passar por um condensado
esquemático fiel e quase científico dos movimentos de independência
de muitas colônias portuguesas, inclusive o Brasil, onde o filme, exibido
durante a fase mais dura da repressão militar às guerrilhas, sugeria a
histéricas platéias estudantis a explicação mais fácil do que estava
acontecendo no país e assim indicava o exemplo de José Dolores como o
mais óbvio caminho a seguir.
Naquela época, pouquíssimos espectadores poderiam ter reparado em
duas omissões capciosas que, no fundo, eram todo o segredo do
impacto da narrativa. Desde logo, se até para encenar uma rebelião
incipiente seguida de um golpe de Estado os habitantes da ilha –
escravos mais elite branca – precisaram da ajuda estrangeira, como
poderiam os escravos, sozinhos, sem armamento, sem nenhum treino
político e só com as duas ou três artimanhas de guerrilheiro amador
que Sir William ensinara a José Dolores, montar uma verdadeira
revolução social capaz de derrubar o regime republicano? Jamais
ocorreu uma rebelião desse tipo em nenhuma nação do Terceiro Mundo
sem a maciça ajuda estrangeira, e nada, além do puro embuste
narrativo, explica que possa ter ocorrido em Queimada. Para os fins
propagandísticos visados por Gillo Pontecorvo, era necessário associar
capitalismo com imperialismo e revolução comunista com
espontaneidade popular autóctone, condensando na tela o velho ardil
da propaganda estalinista – ainda hoje inspirador do Fórum Social
Mundial – que pinta o livre mercado como traição a serviço do
estrangeiro e o comunismo como patriotismo.
Em segundo lugar, impressionadas com o retrato aparentemente
verossímil do frio maquiavelismo capitalista, as platéias também se
esqueciam de perguntar que raio de cálculo econômico era aquele, que,
para a suposta salvaguarda de interesses empresariais, destruía pelo
fogo a matéria-prima, os meios de produção e praticamente a totalidade
da mão-de-obra disponível, tornando inviável qualquer atividade
econômica na ilha por muitas décadas à frente e instaurando ali o
monopólio do nada. Sir William emerge da sua segunda excursão à ilha
como vencedor, sob a aparente satisfação das classes dominantes, mas,
se algum equivalente dele do mundo real cometesse um desatino militar
e ecômico como o que ele promoveu em Queimada, quem logicamente
desejaria matá-lo não seria José Dolores, e sim os donos da empresa.
Observado segundo os critérios da própria verossimilhança histórica da
qual se pavoneia, “Queimada” perde todo impacto dramático e se revela
uma farsa idiota, postiça até o desespero, composta por um pseudo-
intelectual de meia idade para a deleitação masturbatória de jovens
aspirantes a pseudo-intelectuais.
Não há um só filme dessa escola que não se baseie nesse mesmo tipo de
engodo miserável, e, compreensivelmente, não há um só deles que não
tenha sido louvado uniformemente pela crítica mundial como uma obra-
prima de realismo e honestidade narrativa.
Mais grotesco ainda esse gênero de filme se torna quando considerado
não apenas na sua composição interna, mas nas condições sociológicas
da sua produção. Se o capitalismo é mesmo como eles o descrevem, um
sistema de escravização mental e física destinado a manter as
multidões na total ignorância das causas da sua miséria, como se
explica que a indústria mundial de espetáculos, infinitamente mais rica
do que os usineiros de Queimada, subsidie e aplauda tantos filmes
anticapitalistas como os de Gillo Pontecorvo, Francesco Rosi e tutti
quanti, em vez de espalhar nos cinemas a apologia visual das belezas do
livre mercado? A separação estanque entre as idéias dos intelectuais ou
artistas e a sua condição existencial e social concreta é uma doença
mental endêmica nas classes letradas do mundo Ocidental e, decerto,
um dos pilares em que se assenta hoje em dia a efetiva escravização
das consciências pela elite globalista.
Tanto no Brasil quanto em vários outros países, as obras do segundo
neo-realismo italiano fizeram as cabeças de duas gerações de
espectadores e, na condição de “clássicos”, desfrutam ainda de um
prestígio considerável . Não duvido que milhares ou milhões de Emires
Sáderes tenham absorvido desses filmes, e não dos livros que não
leram, a substância mesma da sua ideologia e do seu modo de ser.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090615dc.html
Usurpadores
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 15 junho de 2009
Duas decisões recentes do judiciário brasileiro ilustram com perfeição a
debacle moral irreversível que vem transformando esse país no paraíso
dos criminosos.
Primeira: a Sexta Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
manteve a sentença que absolveu um cidadão de vinte anos por ter
mantido relações sexuais com sua namorada de doze. Na justificação da
sentença, o Desembargador Mário Rocha Lopes Filho baseou-se em
parecer do Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal,
“onde prevaleceu a interpretação flexível à rigidez anacrônica do artigo
224a do Código Penal, norma forjada na década de 40 do século XX,
porém não mais adequada à hodierna realidade social.”
Com o nome de “flexibilização”, fica assim estabelecido que a prática do
sexo com menor 14 anos, se consentida pela criança, não é mais
estupro. O Desembargador deixou de informar que a adoção dessa
regra é a reivindicação mais essencial e urgente do movimento mundial
pró-pedofilia. Também não esclareceu se a liberação da pedofilia
consentida vale só para crianças de doze anos ou também para as de
cinco, quatro, e assim por diante.
A segunda decisão veio, ao que parece unanimemente, de oitenta juízes
das varas de execução criminal no Rio Grande do Sul reunidos com o
juiz-corregedor Márcio André Keppler Fraga na sexta-feira passada:
não serão mais enviados à prisão os réus condenados que responderam
ao processo em liberdade, exceto nos casos de crime hediondo ou se a
pena estiver na iminência de prescrição.
A desculpa é a falta de vagas nas cadeias.
Essas duas medidas mostram que: primeiro, os juízes se desobrigam de
cumprir as leis, passando a modificá-las ou inventá-las como bem
entendam; segundo, usam dessa autoridade usurpada para forçar a
introdução de novos critérios que vão diretamente contra as crenças
majoritárias da população.
Inconformado com a segunda decisão, o promotor Fabiano Dalazen diz
que o Ministério Público tentará derrubar a medida no Poder Judiciário.
“Se a lei determina que o sujeito seja preso, ele terá de ser preso”, diz
ele, com toda a razão. Talvez ele consiga seu intento, mas quanto tempo
falta ainda para que todos os juízes passem a pensar como essa
camarilha do Rio Grande?
Tanto eles quanto o Desembargador Lopes, que autorizou a pedofilia
consentida, não são representantes confiáveis do Poder Judiciário: são
revolucionários cínicos, empenhados em derrubar o sistema desde
dentro. Isso não seria tão grave se eles fossem exceções, mas os
critérios que eles seguem estão sendo ensinados aos estudantes em
praticamente todas as faculdades de Direito deste país: a figura
hedionda do juiz-legislador já não é mais exceção e tende a tornar-se
dominante num prazo de poucos anos. Quando um desses indivíduos
decreta que tal ou qual lei já não serve para a “hodierna sociedade”, ele
transforma a moda e o capricho em autoridades soberanas, passando
por cima do processo legislativo normal.
Duvido que haja um só deles que não tenha consciência do alcance letal
do que está fazendo. As crenças bárbaras da mentalidade
revolucionária adquiriram, em suas cabeças, o valor de mandamentos
sacrossantos, diante dos quais a Constituição, as leis, e as preferências
da população não significam nada. Como novos Robespierres, eles
acreditam-se imbuídos do dever de salvar de si mesmos os ignorantes
que não pensam como eles. São um novo Comitê de Salvação Pública, e
sua vontade é lei.
Continuar acatando suas sentenças, como se a destruição das leis
tivesse por sua vez valor legal, é sobrepor as presunções de meros
indivíduos à verdadeira ordem jurídica.
Por definição, juízes não legislam. Quando o fazem, tornam-se
usurpadores criminosos e ninguém tem o dever de obedecê-los. Cada
um tem antes o dever de denunciá-los, de expô-los à execração pública
e de fazer o possível para retirá-los de seus cargos antes que cometam
mais algum desatino.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090618dc.html
Inversão psicótica
Cabeça de Uspiano - 1
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 18 de junho de 2009
Os exemplos da inversão psicótica de sujeito e objeto são tão
abundantes na produção escrita da intelectualidade revolucionária, que
a única dificuldade para encontrá-los é o embarras de choix. O caso que
vou comentar aqui é interessante porque ilustra esse mecanismo em
dois níveis ao mesmo tempo: na reação de um professor de filosofia aos
acontecimentos imediatos e na sua análise de transformações sociais
mais duráveis e profundas.
Quando os alunos da USP, pela milésima vez, ocuparam o prédio da
instituição, depredando o que podiam e intimidando seus colegas e
professores para que interrompessem as aulas e aderissem ao quebra-
quebra – ações que a profª. Olgária Matos, muito significativamente,
definiu como “manifestação pacífica” –, outro professor da Faculdade
de Filosofia, Vladimir Safatle, protestou contra a intervenção policial
que pôs fim ao ataque, rotulando-a de “brutalidade securitária”. Se com
isso ele não provou nada em favor dos manifestantes, ao menos
demonstrou não saber distinguir, na escolha do seu vocabulário, entre a
segurança pública e a indústria de seguros. Depois dessa performance
literária quase presidencial, ele ainda se julgou habilitado a avaliar o
desempenho intelectual dos estudantes, jurando que não eram simples
arruaceiros, mas alunos aplicados, empenhados em altas tarefas
científicas. Tendo examinado alguns trabalhos acadêmicos do referido,
concluí que ele tem toda a razão ao qualificar de bons alunos os
depredadores, pois correspondem às expectativas do mestre.
A título de amostra, examinemos o estudo “Certas Metamorfoses da
Sedução: Destruição e Reconfiguração do Corpo na Publicidade
Mundial dos Anos 90”, reproduzido no site do autor,
http://www.geocities.com/vladimirsafatle/, entre outras efusões do seu –
como direi? – intelecto. Sem exigir-lhe cobardemente uma filosofia,
coisa que nenhum membro do seu departamento jamais teve e que é
totalmente dispensável para ali ser havido como filósofo, vejamos como
o professor se sai na numa área bem mais modesta do conhecimento, a
sociologia da publicidade,
Ele começa por observar que, no período mencionado, a imagem do
corpo humano nos anúncios publicitários mudou muito. Em vez do
corpo como imagem estável e positiva da pessoa, apareciam agora duas
novidades: de um lado, o corpo como entidade fluida e mutável, sujeita
a toda sorte de alterações (piercings, pinturas extravagantes e até
mutilações); de outro, o corpo como imagem da sua própria destruição
– pessoas desalinhadas, mulheres pálidas com roupas de luto, homens
com aparência de doentes, de cocainômanos, de aidéticos, de
moribundos e até de cadáveres. Para dizer isso, ele leva mais de dez
páginas, naquele estilo posado, tipicamente uspiano, com razoável dose
de erros de gramática e farto uso de uma terminologia forçada que
deve lhe parecer muito científica. E olhem que Safatle é uma das
criaturas mais inteligentes que já passaram por aquela subseção do
Instituto Butantã. Mas o interessante vem quando ele passa a explicar
as causas do fenômeno. Para ele, a destruição do corpo na publicidade
reflete um astuto mecanismo da lógica do mercado que, vendo esgotado
o potencial das imagens estereotipadas de beleza e integridade
corporal usuais nos anos 60, decidiu incorporar os elementos de
rebelião e inconformismo, de modo a neutralizá-los mediante “rupturas
internas controladas” e colocá-los a serviço de “novos processos de
mercantilização da negatividade”.
Para chegar a essa conclusão, ele confessa que usou métodos
lacanianos de investigação, segundo os quais a imagem corporal de
cada um é construída por introjeção de padrões estereotipados vindos
do exterior, da maldita sociedade. “Isto significa fundamentalmente que
a experiência de produzir uma imagem corporal é alienação de si no
sentido de submissão da referência-a-si à referência-a-outro...” (frase
maravilhosa na qual eu mesmo, fazendo-me de co-autor, tive de colocar
a crase para que se tornasse inteligível). “Não há – prossegue Safatle –
nada de próprio na imagem do corpo. Lacan dirá que o corpo próprio,
na verdade, é corpo do Outro.” Quando a repetição das imagens
corporais positivas “transformou a publicidade em alvo maior da crítica
à ideologia da sociedade de massa,... esta crítica foi logo assumida pela
própria publicidade. Tratava-se de uma publicidade que ridicularizava a
própria publicidade e certos aspectos da cultura de consumo...”.
Os dois elementos em jogo são aí a cultura de massas do “capitalismo
tardio”, com sua estereotipagem positiva das imagens corporais, e a
crítica cultural que se volta contra esses estereótipos com um
radicalismo que, seguindo o exemplo de Lacan, não hesita em destruir a
própria noção de corpo pessoal, acusada de ser uma camuflagem da
dominação psíquica imposta pelo Outro ao infeliz morador do corpo.
Dessa oposição resulta, segundo Safatle, a síntese que nos anos 90
absorve e instrumentaliza a destruição do corpo, transformando o que
era inicialmente crítica cultural em “novos processos de
mercantilização”.
Essa análise pode funcionar como exemplo daquilo que, na USP, passa
como alta manifestação de inteligência e até como “trabalho científico”.
Mas os conceitos lacanianos usados na análise já são, por si, exemplos
claros de inversão psicótica. Dizer que a imagem do eu se forma por
introjeção de padrões exteriores e que isto configura uma “alienação” é
obviamente autocontraditório. Se a imagem do eu não existe antes da
introjeção, não há nada que esta possa “alienar”. Ou a introjeção dos
padrões exteriores é a própria origem da imagem, ou é a sua alienação:
as duas coisas ao mesmo tempo ela não pode ser de maneira alguma, a
não ser na hipótese de que exista um eu substancial metafísico anterior
à sua própria construção como auto-imagem – hipótese que todo
materialista como Lacan e Safatle tem de rejeitar in limine.
Partindo do princípio de que a imagem corporal é alienação, a única
coisa decente que resta a fazer é destruí-la, evidentemente. Pode-se
fazer isso com piercings, mutilações, ou com ataques lacanianos à
sociedade malvada que impingiu ao sujeito aquilo que, no seu
isolamento de menino-lobo, ele não poderia adquirir de maneira
alguma: um eu. Mas destruir para quê? Para que da destruição da
imagem estereotipada pudesse surgir um “verdadeiro eu”, seria preciso
que este existisse antes e independentemente da introjeção, com o que
voltamos à hipótese metafísica lacanianamente inaceitável. Mas, se a
destruição não visa a desenterrar da massa dos estereótipos um
impossível “eu autêntico”, então é claro que a destruição só tem como
objetivo a própria destruição – um mecanismo que Hegel já previra com
muita antecedência (v.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/081114dc.html). No legado da
escola de Frankfurt, mais ainda quando enfeitado de lacanismo, a
destruição é, com efeito, a única ocupação decente a que, no inferno
geral do “capitalismo tardio”, se podem entregar as pessoas boas e
inteligentes como o prof. Vladimir Safatle e seus aplicados alunos da
USP. O que o professor não suporta é que tão boas intenções tenham
sido maquiavelicamente absorvidas e instrumentalizadas pelo
“capitalismo tardio” e transformadas em meios de incentivar o
consumo, aumentar a produção e espalhar riquezas. Isso é mesmo um
insulto intolerável.
[Continua.]
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090622dc.html
Horror e insensibilidade
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 22 de junho de 2009
Na década de 60, as organizações de esquerda tinham de se esforçar
muito para conseguir recrutar dez militantes entre cada cem ou
duzentos jornalistas. A lei que tornou obrigatório o curso universitário
para o exercício da profissão mudou isso completamente, entregando
sucessivas gerações de jovens desmiolados à guarda de doutrinadores e
recrutadores bem capacitados. A conversão maciça da classe
jornalística ao esquerdismo tornou possíveis fenômenos como o da
ocultação geral do Foro de São Paulo e a farsa da eleição presidencial
de 2002, um arranjo entre partidos de esquerda, com exclusão de toda
oposição possível, celebrado cinicamente pela mídia nacional em peso
como uma apoteose da livre concorrência democrática.
O STF fez muito bem ao eliminar a pérfida exigência do diploma,
armadilha maquiavélica que rebaixou a qualidade dos nossos jornais e
reduziu sua credibilidade ao ponto de que hoje eles não vendem mais
exemplares do que o faziam nos anos 50, quando a proporção de
analfabetos em nossa população era imensamente maior.
No entanto, a simples eliminação desse instrumento de seleção
ideológica não basta para garantir que um pluralismo de verdade venha
a reinar na nossa imprensa. Há meios de controle mais sutis e eficientes
do que a imposição legal direta. No seu livro The True Story of the
Bilderberg Group (Chicago, Independent Publishers Group, 2009), o
jornalista espanhol Daniel Estulin mostra como essa plutocracia
globalista, empenhada na construção de uma ditadura mundial,
conseguiu se manter oculta desde 1954 até pelo menos 1998,
estigmatizando como “teoria da conspiração” qualquer tentativa de
revelar sua existência: seus componentes simplesmente compraram
todos os grandes jornais e redes de TV dos EUA e da Europa. Isso
determinou uma mudança mais profunda das funções do jornalismo do
que a maioria da população pode ainda conceber. Como o objetivo da
elite globalista é derrubar a economia americana e implantar em cima
de seus escombros um novo sistema com moeda mundial unificada,
impostos globais e administração burocrática planetária, as notícias, na
quase totalidade da mídia, já não são selecionadas por nenhum critério
de importância objetiva, mas pelo serviço que prestem à programação
mental das multidões, de modo a fazê-las aceitar passivamente
mudanças drásticas que em condições normais suscitariam explosões
de ódio e revolta. A supressão e a manipulação tornaram-se gerais e
sistemáticas, ao ponto de atentar diariamente contra a dignidade da
inteligência humana e de transformar os mecanismos eleitorais da
democracia num mero jogo de aparências.
Quando a elite globalista faz eleger presidente dos EUA um
desconhecido, proibindo por todos os meios qualquer investigação séria
da sua biografia e reprimindo por toda sorte de ameaças a exigência de
que ele apresente seus documentos pessoais, é claro que a noção de
“transparência” se transformou numa utopia inalcançável e está
instaurado o império do segredo. Quando o indigitado mata um
mosquito, compra um cachorro ou brinca de “dama por um dia” nos
jardins da Casa Branca, de mãos dadas com a digníssima, o fato é
noticiado com imenso alarde em todos os jornais e noticiários de TV,
mas até atos oficiais do seu governo, quando arriscam criar alguma
resistência, são omitidos por completo ou publicados com discrição que
beira o silêncio.
O mesmo acontece com inúmeras notícias de importância histórica
mundial que, se reveladas, teriam o dom de despertar as multidões do
torpor hipnótico que as imobiliza e incapacita. Dificilmente o leitor
encontrará nas páginas dos jornais, tão cuidadosamente foi escondida,
a notícia de que Kaing Guek Eav, ex-diretor do sistema de prisões no
regime comunista do Camboja, confessou ter mandado assassinar
sistematicamente milhares de crianças, filhas de prisioneiros políticos,
para que não tentassem vingar seus pais depois de crescidas (v.
http://br.reuters.com/article/worldNews/idBRSPE55705320090608).
Nada ilustra melhor a natureza do comunismo. Essas crianças não
foram mortas acidentalmente por bombas durante uma guerra. Se o
fossem, e as bombas fossem americanas, estariam em todas as
primeiras páginas como provas da maldade capitalista. Como foram
assassinadas deliberadamente, e o foram pelo simples crime de ser
crianças, é preciso abafar o horror para que, no mínimo, as massas
continuem na ilusão do equivalentismo moral entre os países
comunistas e os EUA.
Do mesmo modo, as vítimas das FARC e do terrorismo latino-americano
em geral, brasileiro inclusive, são meticulosamente excluídas do
noticiário, proibidas de entrar no círculo da piedade humana e
esquecidas, por fim, como meros dejetos acidentais indignos de
atenção.
Enquanto isso, a mídia inteira considera normal e aceitável publicar
palavras como estas do Dr. Emir Sader: “Há personagens com uma tal
estatura histórica que, independente dos adjetivos e de todos os
advérbios, ainda assim não conseguimos retratá-los em nada do que
podemos dizer ou escrever. O que falar de Marx, que permaneça à sua
altura? O que escrever sobre Fidel? ... O Che é um desses personagens
cósmicos.”
Num rápido manejo de teclado, criminosos desprezíveis, mentores de
Pol-Pot, são elevados às alturas sublimes do indizível, do inefável, do
transcendente à linguagem humana. Será exagero chamar isso de
idolatria psicótica? Mas mesmo os que não apreciam o comunismo
aceitam essa monstruosidade em nome da “diversidade de idéias”,
como se a matança deliberada de crianças fosse uma idéia, uma
hipótese, um mero jogo acadêmico.
A longa convivência com essas enormidades, forçada diariamente pela
mídia, dessensibiliza as consciências e as torna incapazes de perceber
qualquer diferença entre a santidade e o crime, entre a virtude e a
abominação. Na mesma medida e pela mesma razão, a estatura moral
das sociedades democráticas vai baixando, e, com a ajuda de milhões
de emires sáderes, os Ches e Pol-Pots se aproveitam disso para ostentar
mais um pouco da sua infinita superioridade moral, anjos de bondade
que pairam no céu, longe do “inferno capitalista”.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090623dc.html
A culpa dos outros
Cabeça de uspiano - 2
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 23 de junho de 2009
Deixando de lado agora a referência lacaniana e examinando a
contribuição pessoal do prof. Safatle ao entendimento dessas pérfidas
astúcias do “capitalismo tardio”, observo, desde logo, que não é
metodologicamente admissível atribuir ações de transformação social a
entidades genéricas abstratas sem ter na mínima conta os agentes
individuais e grupais concretos envolvidos no processo. O autor da
transformação assinalada pelo prof. Safatle não é “o capitalismo
tardio”, mas sim a classe publicitária. Foram publicitários – e não uma
assembléia de acionistas, muito menos o “espírito do capitalismo”,
diretamente ou em ectoplasma – que escolheram as novas imagens de
gente com cara chupada, olheiras e barba por fazer que se substituíram
aos saudáveis papais e mamães e às beldades esfuziantes dos anos 60.
Para saber por que um grupo social fez isto ou aquilo, é preciso
investigar suas idéias e crenças dominantes. Por que os publicitários
mudaram assim o teor das imagens? Que tipo de idéias esses
profissionais adquiriram nas faculdades de comunicações? Teriam sido
suas mentalidades moldadas segundo a lógica dos “novos processos de
mercantilização” ou segundo os cânones da crítica cultural, da
destruição lacaniana do corpo? Emergiram eles dos bancos escolares
imbuídos da “lógica do lucro” ou do ódio revolucionário à sociedade, à
cultura, a tudo quanto existe? O prof. Safatle deveria conhecer melhor
seus próprios alunos. Se há uma coisa óbvia neste mundo é que poucas
classes odeiam o capitalismo tanto quanto o proletariado elegante da
indústria cultural. Então, das duas uma: ou esses infelizes foram
obrigados por astutos patrões a abdicar da pureza da sua crítica e a
transformá-la em instrumento de dominação capitalista, ou, ao
contrário, a mudança assinalada pelo prof. Safatle reflete exatamente o
oposto do que ele diz – em vez da malícia capitalista que
instrumentaliza a destruição, é a destruição que se apodera dos
instrumentos da cultura de massas para impor-se como padrão
dominante a toda sociedade.
Aqui observa-se o mesmo fenômeno de delírio autoprojetivo que já
assinalei em Pierre Bourdieu (v.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090204dc.html e
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090212dc.html): para que os
capitalistas dominassem hegemonicamente a crítica cultural ao ponto
de poder neutralizá-la por uma estratégia como a sugerida pelo prof.
Safatle, seria preciso que, em cima da classe dos revoltados produtores
culturais, houvesse uma outra classe intelectual mais esperta ainda
que, a serviço do capitalismo, escravizasse sutilmente essas pobres
vítimas, obrigando-as a trabalhar pelo contrário do que desejam,
fomentando a economia em vez da destruição. Para isso, seria
necessário que esta classe de super-intelectuais tomasse a totalidade da
crítica cultural como objeto de análise, produzindo uma bibliografia
científica pelo menos tão vasta quanto ela mesma, acrescida de
complexos planos estratégicos para o seu aproveitamento inverso. Em
vão o prof. Safatle procurará na bibliografia acadêmica ou em qualquer
outra parte do universo os sinais de estudos dessa natureza. Essa coisa
simplesmente não existe. O que existe, sim, é uma biblioteca
mastodôntica de “estudos culturais” com ataques furibundos à cultura
do capitalismo – e, evidentemente, aos estereótipos mercantis de beleza
corporal. Então, das duas uma: ou o gênio maligno do capitalismo
produziu toda essa estratégia e a colocou em ação de maneira
totalmente imaterial e invisível, por meios telepáticos, sem precisar de
estudos, de análises, de planejamentos estratégicos ou de qualquer
outro recurso usual nas ações sociais, ou então o fenômeno de
mercantilização da revolta tal como o prof. Safatle o descreve
simplesmente não aconteceu.
O que aconteceu, em vez disso, foi que milhares ou milhões de
estudantes universitários intoxicados de crítica cultural, de
frankfurtismo e de lacanismo saíram da faculdade, ocuparam os postos
altos e baixos da indústria publicitária e aí injetaram sua ideologia da
destruição. O próprio prof. Safatle, embora não seja profissionalmente
um homem de publicidade, é um estudioso da área e portanto faz parte
dessa classe. Ele mesmo foi um dos agentes do processo. Não é a
imagem do corpo que é sempre dos outros: é a culpa pelas ações dos
intelectuais enragés.
A pretensa análise que o prof. Safatle faz das transformações da
publicidade é um exemplo claro de paralaxe cognitiva – deslocamento
entre o eixo da construção teórica e o eixo da experiência real – levada
ao extremo da inversão total de sujeito e objeto, na qual uma classe
agente e militante atribui suas próprias ações mais óbvias à autoria da
entidade genérica e abstrata que ela imagina combater: o “capitalismo
tardio”.
Como é exatamente a prática reiterada e obsessiva dessa inversão que
o prof. Safatle ensina a seus alunos na USP, não espanta que, quando
eles se põem a quebrar tudo e a atemorizar seus colegas, ele os veja
como empenhados na mais alta e nobre das ocupações humanas, sem
declarar – já que está escrevendo para um público de fora do grêmio –
que essa ocupação é simplesmente... a destruição. Quem quer que tente
impedi-los de entregar-se a essa mimosa atividade é um agente da
opressão capitalista, com o agravante de nem mesmo praticá-la com a
astúcia maquiavélica dos instrumentalizadores da crítica cultural, mas
sim com abominável “brutalidade securitária”, porca miséria. Com
exceções que desconheço se existem, o que os professores de filosofia e
ciências humanas fazem na USP é simplesmente moldar as cabeças dos
alunos segundo o padrão da sua própria alienação da realidade, do
próprio divórcio entre suas pomposas construções verbais e sua
existência concreta de sujeitos agentes. Isso não é de maneira alguma
uma atividade respeitável: é uma sem-vergonhice patética.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090629dc.html
Ameaça ostensiva
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 29 de junho de 2009
O colunista Bob Herbert – aquele mesmo segundo o qual John McCain
não parou de fazer insinuações racistas durante a campanha eleitoral
de 2008, embora o restante da espécie humana não as ouvisse –
publicou no New York Times do último dia 20 um artigo bastante
esclarecedor. Esclarecedor mesmo: basta lê-lo para compreender por
que aquele jornal vai diminuindo de tiragem a cada ano e já está à beira
da falência, tendo sido obrigado a arrendar metade do seu edifício-sede
para arcar com seus custos de produção.
O artigo, é óbvio, não fala de nada disso. Apenas exemplifica, ao tratar
de assunto completamente diverso, o tipo de demagogia alucinada que
a publicação do sr. Sulzberger passou a aceitar como jornalismo desde
há mais de uma década, pagando esse capricho de esquerdista rico com
uma desmoralização aparentemente irreversível. Desmoralização que
só os jornalistas brasileiros não notaram, pelo simples fato de que em
geral nada lêem da mídia estrangeira exceto o próprio New York Times
(e o Monde Diplomatique, que é mais mentiroso ainda). Mas não há
nisso nada de inusitado: a degradação do NYT, afinal, não completou o
prazo regulamentar de trinta anos exigido para que os fatos do mundo
sensibilizem o cérebro nacional.
Herbert assegura que os três crimes mais chocantes ocorridos no
território americano nas últimas semanas – os assassinatos do médico
abortista Tiller, de três policiais em Pittsburgh e de um guarda do
Museu do Holocausto em Washington D.C. – foram causados pela
propaganda direitista contra o governo Obama.
Ele alerta às autoridades que os “ataques foram motivados pelo ódio
direitista: são apenas o começo e o pior está por vir” – donde se conclui
facilmente que o governo precisa fazer alguma coisa para tapar a boca
dos agitadores, especialmente, segundo Herbert, a National Rifle
Association (NRA), cujo presidente, Wayne La Pierre, exorta
continuamente os membros da entidade a lutar contra qualquer
tentativa governamental de privá-los de suas armas de fogo.
Vamos agora aos fatos:
1. Segundo a polícia, o assassino do dr. Tiller não é militante de
nenhuma organização anti-abortista, cristã ou conservadora: é um
doente mental, já cometeu outros crimes e não disse uma só palavra
que sugerisse motivações morais ou ideológicas. É até possível – mera
suposição, que Herbert toma como certeza absoluta – que ele tenha
reagido, de maneira insana, à notícia de que o médico era responsável
pelas mortes de milhares de crianças, muitas delas saudáveis e
completamente formadas, já no nono mês de gestação; mas essa notícia
não é propaganda direitista de maneira alguma: é um fato reconhecido
por toda a mídia e alardeado, com orgulho, pelo próprio Tiller, sob o
nome de socorro humanitário a pobres mulheres privadas do
conhecimento das camisinhas ou dos benefícios incalculáveis da
esterilização preventiva. Caso as organizações anti-aborto estivessem
mesmo induzindo alguém à prática da violência, os primeiros a atender
a esse apelo deveriam ser seus próprios militantes. Estranha
propaganda, essa, que nenhum efeito exerce sobre seu público-alvo mas
vai influenciar, à distância, um maluco que jamais mostrou qualquer
interesse pela causa anti-abortista! O mesmo fenômeno observa-se,
aliás, na NRA: seus milhões de membros armados até os dentes
insistem em não cometer crime algum, deixando irresponsavelmente
essa tarefa para pessoas de miolo mole que jamais freqüentaram a
organização.
2. O autor dos disparos no Museu do Holocausto foi retratado pela
mídia como um fanático anti-semita, coisa que ele é mesmo. Mas ele é
também um evolucionista roxo e anticristão odiento – um dado
cuidadosamente omitido não só por Herbert mas também pela seção
noticiosa do New York Times, e que por si já basta para mostrar que o
criminoso nada tem a ver com a direita americana; direita que, para a
desgraça total das especulações herbertianas, é tão notoriamente pró-
judaica que os esquerdistas em massa a acusam de ser um bando de
vendidos à “internacional sionista”. Herbert repete o engodo de
Michael Moore, que, para lançar sobre os conservadores a culpa moral
pelo massacre de Columbine, omitiu de propósito a informação de que
os autores do crime o cometeram num acesso de ódio ao cristianismo. O
mesmo truque sujo foi usado no caso da Virginia Tech, quando a grande
mídia unânime escondeu do público que o assassino, um imigrante
coreano, fora doutrinado por uma professora esquerdista, militante
black radical, na base do slogan “Morte aos brancos, morte aos judeus”.
Quando a inspiração ideológica é direta, comprovada, explícita e vem
da esquerda, é preciso escondê-la a todo custo, inventando, em
contrapartida, as mais artificiosas associações de idéias para
criminalizar cristãos e conservadores. Herbert não é, nisso, nem um
pouco original: segue a regra estabelecida.
3. Quanto ao assassino dos três policiais, o site de fiscalização midiática
Slate, confrontando as várias notícias, concluiu que não há como
classificar o sujeito de extremista, seja de direita, seja de esquerda, já
que ele é uma cabeça confusa demais para compreender o sentido
político do que faz. Embora ele tenha declarado temer o desarmamento
forçado da população, não consta que ele jamais tivesse lido a respeito
em revistas ou folhetos da NRA. A única fonte que ele citou sobre o
assunto foi o site neonazista Stormfront, publicação tão representativa
da direita americana que chega a rotular Obama de conspirador
sionista, enquanto os sionistas de verdade e os conservadores em peso
preferem julgá-lo, como disse recentemente Morton Klein (líder da
Zionist Organization of America), “o presidente americano mais anti-
Israel de todos os tempos”, empenhado, segundo o rabino Pomerantz,
em “criar um clima de ódio contra os judeus”.
Forçando a especulação de intenções sutis até o último limite da
inversão completa, Herbert procura persuadir os leitores de que a
pregação conservadora é uma ameaça potencial à segurança pública
dos EUA (aviso que chega a ser psicótico numa época em que
americanos são mortos todas as semanas sob os aplausos da esquerda
mundial), mas não consegue esconder que seu apelo ostensivo à ação
governamental contra esses alegados subversivos é uma ameaça real e
presente ao direito de livre expressão. Tendo em vista os esforços da
esquerda democrata para restaurar a Fairness Doctrine e tirar dos
conservadores metade do tempo que eles têm no rádio, torna-se uma
simples questão de realismo parafrasear o próprio Herbert e concluir
que essa ameaça “é apenas o começo e o pior está por vir”.
Neste e em outros artigos, Herbert pinta os EUA como nação recordista
de crimes violentos, causados – é claro! – pelos milhões de armas legais
nas mãos de seus cidadãos. Mas o curioso não é que ele apele a esse
estereótipo bocó: o anti-americanismo interno prima por evitar
comparações internacionais que o desmentiriam no ato (por exemplo, a
criminalidade na Inglaterra multiplicando-se por quatro desde a
proibição das armas de fogo). O curioso é que, lido num país como o
nosso, que tem dez vezes mais crimes violentos do que os EUA, com
metade da sua população e um número ínfimo de armas legais, o
besteirol de Herbert não suscite automaticamente, pela simples
confrontação dos números, o riso de escárnio que merece, e sim o
respeito e a consideração devidos ao jornalismo sério.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090702dc.html
Credulidade sem fim
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 2 de julho de 2009
Incluo entre as maravilhas do mundo, sem a menor hesitação, a
credulidade residual que a espécie humana concede ainda,
transcorridas duas décadas da queda da URSS, à totalidade dos mitos
culturais espalhados pela KGB. Se fosse preciso alguma prova da
presteza servil com que as almas cedem ante a autoridade moral da
mentira, essa seria mais que suficiente. As lendas mais estapafúrdias,
as tolices mais deprimentes, as absurdidades mais flagrantes são ainda
acreditadas como verdades de evangelho, não só nos círculos
esquerdistas, mas até entre pessoas que se imaginam liberais e
conservadoras. Volta e meia, quando contesto de passagem alguma
dessas enormidades, meus leitores e “admiradores” se apressam em me
enviar links e “fontes” que parecem me contraditar. Fazem-no
ressalvando que não acreditam em nada disso, mas que se sentem
desarmados para contestar essas fontes pessoalmente, deixando,
portanto, ao meu encargo essa tarefa e colocando sobre as costas de
um só a responsabilidade que seria de milhares.
É verdade que nunca houve no mundo uma organização – de
propaganda ou de qualquer outra coisa – que se comparasse à KGB,
com seus 500 mil funcionários em Moscou, milhões de agentes
espalhados pelo mundo e orçamento secreto, ilimitado, inacessível até
ao Parlamento soviético. Mas também é verdade que, após tantos
exemplos que forneci com provas cabais, aqueles que tendem a
concordar comigo teriam a obrigação de usar sua própria inteligência,
de fazer suas próprias pesquisas e de me ajudar nesse esforço inglório
em vez de sobrecarregar com uma multiplicidade de tarefas miúdas
aquele que tem deveres mais altos a cumprir.
Esta semana, por exemplo, um leitor aponta-me o livro de Morgana
Gomes, A Vida e o Pensamento de Karl Marx, no qual o físico Albert
Einstein aparece como “uma das vítimas mais famosas do macartismo”.
Como eu respondesse, pelo meu programa de rádio, que aquilo era
mentira grossa, o remetente insistiu, afirmando que aparentemente
Morgana Gomes se baseara em fontes idôneas, como por exemplo o
livro The Einstein File de Fred Jerome, baseado no dossiê Einstein do
FBI, e endossado até por sites insuspeitos de esquerdismo como
www.americanheritage.com.
Como já expliquei dezenas de vezes, toda mentira é construída com
pedaços da verdade, às vezes acrescentando alguns de pura
invencionice, às vezes – na maior parte dos casos – apenas suprimindo
os dados comparativos para deformar as proporções e o sentido dos
fatos. Esse é precisamente o caso.
Como poderia Albert Einstein ser uma “vítima do macartismo” se nunca
foi preso, nem interrogado, nem intimado por nenhuma autoridade
federal americana, nem jamais perdeu seu emprego por pressões do
governo? Se havia um dossiê sobre ele no FBI, era simplesmente pelo
fato de que todos os cientistas sugeridos para contratação em projetos
de energia atômica eram investigados, e o eram obrigatoriamente,
como o são em qualquer país do mundo envolvido nesse tipo de
empreendimento. Se J. Edgar Hoover se abstivesse de investigá-lo, pelo
simples fato de ser Einstein um queridinho da mídia, estaria abrindo
uma exceção ilegal e incorrendo em crime de prevaricação. Omitido
esse dado óbvio, a simples existência do dossiê passa a valer como
prova de “perseguição”.
No caso de Albert Einstein, a obrigação de investigá-lo era tanto maior
porque ele mesmo, sem ser convidado, insistia obstinadamente em
pedir sua inclusão no Projeto Manhattan (fabricação da bomba
atômica), e foi por influência dele que o projeto contratou os serviços do
Dr. Klaus Fuchs, que mais tarde se comprovou ser espião comunista e
colaborador estreito do casal Rosenberg. Recentemente, a galeria
Sotheby de Londres colocou à venda, em leilão milionário, nove cartas
de Einstein que provam sua ligação amorosa secreta com Margarita
Konenkova, identificada como agente da KGB nas memórias do espião
soviético Pavel Sudoplatov, publicadas em 1995. Para piorar as coisas,
Einstein era afiliado a pelo menos dezessete organizações de fachada a
serviço da KGB, entre as quais o “Congresso Mundial contra a Guerra
Imperialista”, a “Liga Americana contra a Guerra e o Fascismo” e o
“Comitê Americano de Ajuda à Democracia Espanhola” (democracia
que era, na verdade, uma ditadura genocida).
Hoover seria ele próprio um criminoso caso se abstivesse de coletar
dados como esse e de informá-los ao governo americano. Tudo isso foi
obtido com investigações discretas, sem que o suspeito fosse jamais
intimado a dar uma só declaração, seja ao FBI, ao Comitê de Atividades
Anti-americanas do Senado ou a qualquer outra entidade do governo
americano. Que, com essa ficha de “companheiro de viagem”, Einstein
continuasse a receber todo o apoio oficial e midiático para seu trabalho
científico, sem ser jamais incomodado diretamente, prova apenas até
que ponto a democracia é tolerante e bondosa para com seus inimigos.
E, quando se sabe que hoje a teoria da relatividade é contestada como
mera empulhação elegante – v.
http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?
artigo=teoria-da-relatividade-e-ideologia--e-nao-ciencia--defende-
pesquisador&id=010130090527 –, é mesmo de se lamentar que tanta
delicadeza de sentimentos seja desperdiçada com quem não a merece.
Porém, mais absurdo do que dizer que Einstein foi perseguido é
pretender que o tenha sido pelo senador Joseph McCarthy. Não só o
cientista jamais foi convocado para depor ante a famosa comissão
McCarthy, mas esta nunca teve qualquer colaboração substantiva do
FBI. J. Edgar Hoover foi um dos inimigos mais odientos de Joseph
McCarthy e um dos responsáveis diretos pela destruição da sua
carreira. McCarthy, sim, foi vítima do FBI. Sofreu nas mãos de Hoover
o que Einstein jamais sofreu: teve seu telefone grampeado, sua
correspondência violada, sua vida particular vasculhada e espalhada
pelos jornais, seus assessores interrogados e todo o seu trabalho
boicotado. Isso está abundantemente comprovado em três livros que
todo interessado no assunto tem a obrigação de ler antes de sair
fazendo de Einstein uma “vítima do macartismo”: McCarthy and His
Enemies, de William F. Buckley Jr. e L. Brent Bozell (Washington,
Regnery, 1954, reimpresso em 1995); Joseph McCarthy: Reexamining
the Life and Legacy of America’s Most Hated Senator, de Arthur
Herman (New York, The Free Press, 2000); e sobretudo Blacklisted by
History: The Untold Story of Senator Joe McCarthy and His Fight
Against America’s Enemies, de M. Stanton Evans (New York, Crown
Forum, 2007). Hoje há evidências cabais de que todos os cinqüenta e
tantos altos funcionários apontados por McCarthy como riscos de
segurança para o governo americano tinham efetivamente ligações com
a espionagem soviética e não eram riscos imaginários. McCarthy só
errou ao presumir de suas forças e não medir o exato poderio do
inimigo – poderio que ainda se exerce sobre as mentes e corações de
tantos dos nossos contemporâneos.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090707dc.html
Suprema iniqüidade
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 7 de julho de 2009
Uma rápida pesquisa no Google mostra 1.600.000 casos de emprego da
palavra “abortista” para qualificar os adeptos do aborto e/ou da sua
legalização. Excluem-se desse total os exemplos de uso do mesmo
termo em revistas e jornais impressos, livros, debates orais,
conferências, aulas e conversações do cotidiano, que elevariam o
cômputo para várias centenas de milhões, sobrepujando o número de
pessoas existentes no Brasil.
A partir do momento em que o Supremo Tribunal Federal acatou a
sentença que condenara o Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz pelo crime de
chamar uma adepta do aborto de abortista, os demais casos de
emprego do termo no mesmo sentido passam automaticamente a ser
crimes. Cabe portanto às autoridades a escolha entre punir todos os
seus autores – isto é, a população nacional em peso, excluído o
modestíssimo contingente dos militantes pró-aborto que jamais tenham
usado a palavra proibida (o que não é o caso de todos eles) –, ou então
deixá-los todos impunes e castigar discricionariamente um só, o Pe.
Luiz Carlos Lodi da Cruz.
Se optar pela primeira alternativa, aquele egrégio tribunal terá se
igualado ao Dr. Simão Bacamarte, superando-o apenas nas dimensões
da sua megalomania, de vez que o Alienista de Machado de Assis
encarcerou somente os habitantes da vila de Itaguaí, ao passo que Suas
Excelências o terão feito com a quase totalidade dos brasileiros e, de
quebra, com algum turista lusófono – português ou angolano, digamos –
que tenha a imprudência de desembarcar nestas plagas sem primeiro
informar-se das proibições vocabulares vigentes no local.
Na segunda hipótese, já não será um tribunal de justiça, e sim um
comitê de aplicação seletiva de injustiças politicamente convenientes.
Nas duas eventualidades, estará desmoralizado – e, como não há
logicamente uma terceira, não vejo como escapar à conclusão de que já
o está.
Suas Excelências, depois de tantas outras que as precederam em postos
legalmente habilitados a esse tratamento honorífico, na Presidência da
República, no Senado, na Câmara dos Deputados, nas assembléias
estaduais e no próprio STF, terão demonstrado, uma vez mais, que a
excelência de um cargo não se transmite sempre – ou quase nunca – à
pessoa do seu ocupante.
Certa vez, como eu elevasse a minha voz num bate-boca com um
general embrulhão, ele exigiu que eu respeitasse a sua farda.
– Respeito-a, como não?, retruquei. – Por isso mesmo espero que ela o
vomite o quanto antes, para não andar por aí com essa vergonha por
dentro.
O referido enfiou a viola no saco, e eu, que felizmente jamais o vira
fardado, não sei o que fez desde então, pois nunca voltei a vê-lo em
indumentária nenhuma, ou desprovido dela.
Diante da atitude dos juízes para com o Pe. Lodi, sinto-me tentado a
esboçar uma analogia entre a farda e a toga, mas deixo isso para
depois. Por enquanto, limito-me a constatar que, além do paradoxo
lingüístico-juridico acima apontado, Suas Excelências meteram-se
noutro ainda pior ao endossar a premissa adotada pelo tribunal inferior,
que considerou “pejorativo” o termo “abortista”.
Uma palavra só pode ser pejorativa em duas circunstâncias: ou ela é
pejorativa em si mesma, como um palavrão ou um apelido insultuoso,
não cabendo usá-la jamais em sentido neutro; ou, ao contrário, trata-se
apenas do uso pejorativo de uma expressão que, noutro contexto, poder
ser totalmente neutra e inofensiva.
Em qual dois casos está a palavra “abortista”? Em nenhum dos dois.
Para que fosse pejorativa em si mesma, seria preciso que houvesse
outra palavra, neutra, eufemística ou elogiosa, que designasse o mesmo
objeto sem as conotações negativas da primeira. Como o próprio Pe.
Lodi observou, os juízes que o condenaram foram totalmente incapazes
de citar um só termo alternativo que nomeasse, sem as supostas
intenções pejorativas, os adeptos do aborto e do abortismo.
Na segunda hipótese, seria preciso reconhecer que o termo “abortista”,
em si, nada tem de pejorativo, que apenas são pejorativos certos usos
dele, como acontece, por exemplo, com a palavra “político”, que, em
certos contextos, pode ser a designação neutra de uma ocupação
humana e, em outros, quase um palavrão. Admitido isso, seria preciso
em seguida provar que o emprego do termo pelo Pe. Lodi teve intenção
pejorativa, ou seja, que ele chamou a militante pró-aborto de abortista
no “mau” sentido e não no “bom”.
Para complicar ainda mais as coisas, a prova de intenções pejorativas,
na segunda hipótese, é praticamente impossível, de vez que, se não há
um termo alternativo, há no entanto um termo correlato, “aborteiro”,
que designa o autor de um crime e é muito anterior, no vocabulário
corrente, ao surgimento da expressáo “abortista”, pelo simples fato de
que a prática de abortos antecede historicamente a existência de um
movimento organizado em defesa dela. A palavra “abortista” surgiu,
precisamente, para distinguir entre a prática e a doutrina,
subentendendo, com toda a evidência, que todo aborteiro é
necessariamente abortista mas nem todo abortista é aborteiro, e
excluindo, portanto, de toda suspeita de crime de aborto os meros
defensores da legalização do procedimento. Esse termo constitui,
assim, precisamente o oposto de um pejorativo: ele existe para
proteger, não para ofender.
Como nem os juízes do tribunal inferior nem os do STF examinaram
estas questões e nem mesmo as mencionaram, mostrando-se totalmente
inconscientes dos tremendos problemas semânticos envolvidos na
criminalização de uma palavra, a única conclusão possível é que
lavraram sentença sobre um caso do qual não entenderam nada, não
procuraram entender nada e nem mesmo suspeitaram de que nele
houvesse algo a ser entendido antes de ser julgado.
Se foi assim, e não vejo logicamente como poderia ter sido de outro
modo, então é claro que Suas Excelências de ambos os tribunais
prejulgaram o caso com um desleixo imperdoável em ocupantes de
cargos de tão alta responsabilidade, acrescido de uma pressa indecente
em ceder às exigências histéricas de um grupo de pressão queridinho
da mídia.
Se, por não haver instância judicial que o transcenda, o Supremo
Tribunal é de fato supremo, também o são as iniqüidades que venha a
cometer. Contra elas, a única esperança é o Senado Federal, a quem
cabe, pela Constituição, Art. 52, processar e julgar os juízes daquele
Tribunal. Os senadores, porém, só se mobilizarão para isso se
pressionados pelo eleitorado, especialmente pelas organizações
religiosas. Terão estas ainda a coragem de agir em defesa de um
sacerdote vítima de iniqüidade?
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090710dc.html
Um globalismo cristianizado?
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 10 de julho de 2009
Em qualquer texto doutrinário que vise a influenciar de algum modo a
vida política, é preciso distinguir três níveis: (1) os princípios morais e
políticos gerais proclamados ou implícitos; (2) a análise da situação
concreta, e (3) as ações sugeridas ou apoiadas. No primeiro nível, a
Encíclica Caritas in Veritate proclama a necessidade de fundar toda
política social na caridade, e esta na verdade: “Só na verdade é que a
caridade refulge e pode ser autenticamente vivida. A verdade é a luz
que dá sentido e valor à caridade.” No segundo nível, oferece um
diagnóstico totalmente falso das causas da presente crise econômica.
No terceiro, sugere como remédio aos males da economia atual a
intensificação e ampliação das mesmas causas que os determinaram.
Por mais que eu respeite a pessoa do Papa e a santidade do seu ofício,
não posso ver aí verdade nenhuma, nem portanto caridade, exceto se
por esta palavra entendermos as boas intenções ineficazes que a
própria Encíclica condena.
Desde logo, Bento XVI apresenta como causa fundamental dos
problemas atuais a desregulamentação da economia e a redução das
redes de segurança social, que trazem “grave perigo para os direitos
dos trabalhadores, os direitos fundamentais do homem e a
solidariedade atuada nas formas tradicionais do Estado social.”
Precisamente ao contrário, a ampliação desmesurada da previdência
social – quase sempre forçada por meio dos mesmos argumentos agora
usados por S. Santidade – foi que causou a falência do sistema bancário
e, portanto, dos Estados que nele se apóiam. É verdade que “os
sistemas de segurança social podem perder a capacidade de
desempenhar a sua função”, mas não porque o mercado foi
desregulamentado e sim porque lhes falta dinheiro para atender às
exigências crescentes de ONGs ativistas, “movimentos sociais” e
organismos internacionais, inclusive em favor da imigração ilegal.
Quando Bento XVI oferece como solução para a crise econômica o
aumento do poder regulador desses organismos, ele esquece que esse
poder já veio crescendo, nas últimas décadas, ao ponto de impor a
muitos países obrigações sociais que sua economia não suporta.
Por outro lado, é claro que muito do falatório liberal em favor da
“abertura dos mercados” não veio de nenhum amor sincero ao
liberalismo econômico, mas como expediente maquiavélico para
debilitar os Estados nacionais e transferir sua soberania a organismos
globais controladores, de modo que tanto as vantagens quanto as
desvantagens daquela abertura concorressem igualmente para o
acréscimo do poder da elite globalista.
Os beatos de sempre vão assegurar-nos, é claro, que a nova Encíclica
não é um manifesto de apoio ao governo global. O texto mesmo dá-lhes
o desmentido formal: “Para sanar as economias atingidas pela crise, ...
urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial”
investida de “poder efetivo”. Como modelo dessa autoridade, S.
Santidade sugere... o Estatuto das Nações Unidas! Publicada com
poucos dias de antecedência da nova reunião dos líderes do G-8, que já
proclamam a necessidade de adotar em escala mundial uma política de
“estímulos” como a implantada pelo presidente Barack Obama nos
EUA, qual outro efeito real pode ter essa Encíclica senão o de um
incentivo legitimador a que esses indivíduos façam precisamente o que
querem fazer? Se, enquanto isso, o desemprego que Obama prometia
eliminar cresce a olhos vistos, levando o próprio vice-presidente Joe
Biden a confessar que a política alegadamente salvadora se baseou
numa interpretação errada da economia, isso não impede S. Santidade
de endossar como certa essa mesma interpretação errada e de sugerir
que a solução fracassada seja ampliada em escala mundial.
A obstinação dos altos círculos católicos na idolatria do “controle
global” não vem de hoje. Como o próprio Bento XVI reconhece, “depois
da queda dos sistemas econômicos e políticos dos países comunistas da
Europa Oriental,... na seqüência dos acontecimentos do ano 1989, o
Pontífice (João Paulo II) pediu que o fim dos ‘blocos’ fosse seguido por
uma nova planificação global do desenvolvimento, não só em tais
países, mas também no Ocidente.” Ou seja, do fracasso total do maior
experimento de economia planificada já tentado neste mundo, João
Paulo II concluía que era preciso mais planificação ainda, e de
dimensões globais.
Não se trata, aqui, de fazer a apologia abstrata da liberdade de
mercado. É verdade que a modéstia na intervenção estatal coincide
universalmente com a prosperidade (o Índice de Liberdade Econômica
do Hudson Institute prova isso ano após ano), mas, como já tenho
explicado dezenas de vezes, em geral essa liberdade vem hoje
articulada a um projeto político que só a expande em escala local para
melhor estrangulá-la no plano mundial. Nenhuma referência a essa
maliciosa articulação de estratégias se vê na Encíclica de Bento XVI.
Reconhecendo embora o poder criativo do livre mercado, o Papa não só
faz a apologia do maior controle burocrático, mas sugere que dele
participem as entidades da “sociedade civil”, como se não tivesse sido
justamente a pressão dessas entidades – quase sempre apoiadas num
discurso enganosamente cristão e subsidiadas pela elite globalista –
que levou à destruição do sistema bancário.
Se, em aparente compensação, Bento XVI exorta os planificadores
globais a orientar suas ações num sentido cristão, ele não fornece nem
a mais mínima sugestão prática de como realizar essa cristianização do
globalismo. A proclamação dos valores cristãos paira no céu das
generalidades abstratas, enquanto, no plano da ação prática, só o que
se sugere é a ampliação dos controles globais. Sem conexão com as
medidas efetivas sugeridas, o apelo à verdade e à caridade funciona,
nesse documento, tão-somente como um adorno retórico, embelezando
um programa político que não tem com ele a menor conexão lógica e
que oferece, como solução do mal, a ampliação das causas que o
geraram. Os líderes do G-8 estão livres para brandir a Encíclica Caritas
in Veritate como um poderoso argumento em favor de políticas que já
haviam escolhido de antemão.
Para piorar formidavelmente as coisas, é público e notório que o poder
globalista em expansão, longe de se inspirar no que quer que seja de
genuinamente cristão, tem como um de seus objetivos professos –
intimamente associado às suas políticas econômicas – a implantação de
uma religião universal biônica, na qual a Igreja Católica, expurgada de
seus elementos tradicionalistas, se integre como um instrumento dócil
da maior farsa espiritual já tentada no universo (v. documentação cabal
em Lee Penn, False Dawn. The United Religions Initiative, Globalism
and the Quest for a One-World Religion, Hillsdale, NY, Sophia Perennis,
2004). Ao longo do texto, Bento XVI esperneia, aqui e ali, contra o
relativismo e a descristianização, como se estes males viessem do ar e
não do mesmo establishment globalista cujo poder ele procura
expandir.
O dilema em que esse documento coloca os católicos é temível: deverão
eles, por obediência ao Papa, colaborar com o fortalecimento do mesmo
poder global que os estrangula e vai tornando inviável o exercício
público da sua fé, ou, ao contrário, devem voltar-se contra o Sumo
Pontífice, aprofundar ainda mais a divisão na Igreja e dar munição à
campanha mundial anticatólica? Qualquer das duas alternativas é
inaceitável. Enquanto os conservadores e cristãos não aprenderem que
não é possível fazer face ao inimigo simplesmente “tomando posição”
contra ou a favor disto ou daquilo, não haverá esperança para a
humanidade senão a de adaptar-se servilmente a controles globais cada
vez mais opressivos e anticristãos. A estratégia do inimigo não é linear:
ela é dialética. Ela articula forças contrárias, fazendo-as trabalhar pelo
sucesso da síntese global. O que é preciso não é combater propostas
isoladas – favorecendo na esfera cultural o que se abomina na da
política, ou cedendo na economia aquilo que se pretende defender na
esfera cultural –, mas compreender a lógica total do “sistema do
Anticristo” e oferecer-lhe resistência integral, tão articulada quanto a
estratégia de que ele se serve.
A rejeição categórica do diagnóstico econômico e das soluções
propostas pelo Papa Bento XVI deve, portanto, vir junto com o apoio
mais decidido aos valores gerais que ele proclama. E a melhor maneira
de fazer isto é mostrar que esses valores vão no sentido precisamente
oposto ao dos remédios que ele propõe.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090717dc.html
Verás que um filho teu... Não, não verás
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 17 de julho de 2009
Como é possível que, menos de duas décadas após a dissolução da
URSS, os partidos e movimentos de teor inequivocamente socialista,
que então pareciam destinados à lata de lixo da História, podem ter
avançado o bastante não só para dominar o continente latino-americano
praticamente sem encontrar resistência, mas também para criar a
campanha de ódio anti-americano mais bem sucedida de todos os
tempos, ludibriando a opinião pública mundial ao ponto de fazer a
guerra no Congo (quatro milhões de mortos até 2004) desaparecer sob
a gritaria geral contra a guerra do Iraque?
Deslindar as causas efetivas do fenômeno é menos importante do que
identificar e eliminar as condições ambientes que o possibilitaram,
especialmente na medida em que foram criadas pelos adversários
mesmo do socialismo, quer se denominem liberais ou conservadores.
A primeira dessas condições é a própria inexistência de uma
“internacional de direita”, ou mesmo de direitas nacionais unificadas
em cada país afetado pela ascensão da esquerda. A unidade do
movimento esquerdista mundial é cada vez mais visível na harmonia
geral das suas mensagens, no instantâneo apoio recíproco entre
iniciativas geograficamente distantes entre si, na incrível coordenação
entre as organizações mais díspares e aparentemente incompatíveis, na
uniformidade dos slogans gritados em cinco continentes.
Do outro lado, até o mais poderoso movimento conservador do mundo –
o americano – isola-se cada vez mais na esfera das questões nacionais e
até regionais, sem nem pensar em assumir a luta fora do território
americano.
Na América Latina, a incomunicação, incompreensão ou mesmo
hostilidade entre os vários grupos inconformados com a dominação
esquerdista bloqueia qualquer iniciativa maior – exceto na Colômbia e,
quase paradoxalmente, na Venezuela – e vai cada vez mais reduzindo os
partidos de direita à condição de auxiliares menores da “esquerda
moderada”, na qual, com o auto-ilusionismo dos desesperados, acabam
depositando e desperdiçando seu restinho de capital eleitoral, cada vez
mais minguado.
Na verdade, o maior sonho dessas organizações não é lutar e vencer: é
conquistar a benevolência do inimigo e ser dispensados da luta. Tanto
que, quando alguém do seu lado as convida a lutar, elas imediatamente
tratam de mandar às urtigas o “radical”, o “fanático”, ostentando isso
em seguida, diante do trono real, como prova de “moderação” e
“equilíbrio”, os novos nomes da subserviência, da acomodação e da
covardia.
No Brasil, não há sequer uma militância liberal ou conservadora. Há
apenas um eleitorado solto, esparramado e inerme, sem ter quem fale
por ele, e milhares de jovens que, sem meios de ação, descarregam sua
frustração e desesperança em blogs, isto quando não se estapeiam uns
aos outros em fóruns de discussão, para maior alegria da esquerda
triunfante.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090720dc.html
A OEA, órgão do Foro de São Paulo
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 20 de julho de 2009
A teoria de que o think tank democrata “Diálogo Interamericano”
controla o Foro de São Paulo foi lançada pelo meu amigo José Carlos
Graça Wagner no começo dos anos 90, uma época em que ninguém no
Brasil – muito menos ele próprio – tinha uma visão clara do esquema
globalista em ação nos EUA. O dr. Wagner foi o pioneiro nas
investigações sobre o Foro de São Paulo, mas tão longe da realidade ele
estava quanto a esse ponto em particular, que interpretava as ações do
Diálogo em termos do interesse nacional dos EUA, acreditando que o
apoio dado por aquela entidade à esquerda latino-americana visava a
conter o fluxo da imigração ilegal que ameaçava a segurança interna
daquele país. Transcorrida uma década e meia de apoio constante da
esquerda democrata à abertura das fronteiras para os ilegais, essa
hipótese deve ser considerada apenas um erro já longamente superado.
Desenterrá-la é deixar-se hipnotizar por um fantasma.
Que houve colaboração entre o Diálogo e o Foro, não se pode negar.
Pelo menos um encontro discreto entre representantes das duas
entidades aconteceu em maio de 1993. O fato foi completamente
ocultado pela grande mídia norte-americana e só saiu na edição cubana
do Granma no dia 5 daquele mês. Como no ano passado eu recebesse
dos arquivos do Dr. Graça Wagner um recorte parcial da matéria, pedi
que um assistente meu buscasse o texto integral na Biblioteca do
Congresso. A coleção completa do Granma estava lá: só faltava a edição
de 5 de maio de 1993. A mesma lacuna observou-se em várias outras
bibliotecas, alimentadas por aquele organismo central. Coincidência ou
não, a então diretora da seção latino-americana da Biblioteca do
Congresso era a mesma pessoa que havia organizado o encontro entre
o Diálogo e o Foro quinze anos antes.
Por mais comprometedor que seja esse episódio, não se deve exagerar
a sua importância, porque depois dele aconteceram tantos outros
contatos diretos entre agentes globalistas de maior porte e
representantes do Foro de São Paulo, e até mesmo das Farc, que as
conversações de 1993 não podem ser vistas, hoje, senão como o vago
começo de um flerte que já se estabilizou como casamento faz muito
tempo. Mais ainda, esses contatos envolveram membros do CFR,
Council on Foreign Relations, entidade todo-poderosa da qual o Diálogo
Interamericano não passa de uma subestação retransmissora. Expliquei
isso em artigo aqui publicado em 5 de junho de 2006.
Longe de representar uma expressão do poderio nacional americano
(embora se utilize dele para seus próprios fins), o esquema globalista
que protege a esquerda radical e o narcotráfico na América Latina tem
o propósito declarado de quebrar a hegemonia dos EUA, facilitando a
transformação da ONU em governo mundial. A eleição de Barack
Obama, forçada por meio do controle absoluto dos meios de
comunicação, que privou o eleitorado de informações essenciais sobre
um candidato suspeitíssimo no qual jamais votaria se soubesse quem
ele era, foi uma etapa importante do processo. Todas as medidas
tomadas pelo presidente desde sua posse são perfeitamente coerentes
com os objetivos de seus mentores: debilitar militarmente os EUA,
destruir a economia nacional por meio do gasto público desenfreado e
da inflação, desmantelar a resistência nacionalista (especialmente a
direita religiosa), isolar Israel, favorecer a ascensão islâmica e proteger
por todos os meios, inclusive os mais obviamente imorais, a esquerda
radical na América Latina. Nunca um presidente norte-americano, com
a modesta exceção de Jimmy Carter, foi tão coerentemente inimigo do
seu país.
Sua mais recente iniciativa nesse sentido não poderia ser mais clara:
condenando Honduras numa seção em que a parte acusada não teve o
menor direito de defesa, a OEA consolidou-se como escritório de
advocacia a serviço do castrochavismo, do narcotráfico e de tudo o que
pode existir de mais anti-americano ao Sul do Rio Grande.
Mais realista do que os tagarelas iluminados da nossa mídia, ainda e
sempre empenhados em camuflar as ações do Foro de São Paulo sob
toneladas de desconversas anestésicas, a imprensa de Honduras foi
direto ao ponto: informou que, pelos bons préstimos de Barack Obama,
o Foro de São Paulo assumiu o controle da OEA.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/0907digestoeconomico.html
Todo o poder aos ladrões
Olavo de CarvalhoDigesto Econômico, julho/agosto de 2009
No tempo dos militares, centenas de políticos passaram pela Comissão
Geral de Investigações (CGI) e tiveram suas carreiras encerradas com
desonra, por delitos de corrupção. Ao mesmo tempo, dos generais e
coronéis que ocuparam altos postos na República, nenhum saiu
milionário. O patrimônio que lhes sobrou é o que teriam adquirido
normalmente com seus soldos do Exército, da Marinha e da
Aeronáutica.
Com a Nova República, tudo mudou. Primeiro, o combate à corrupção
deixou de ser um empreendimento discreto, levado a cabo por
investigadores profissionais: tornou-se ocupação da mídia. Nos
momentos mais intensos das CPIs nos anos 90, deputados e senadores
confessavam que os jornais passavam por cima deles, investigando e
descobrindo tudo antes que Suas Excelências tivessem acabado de
tomar seu café da manhã. Tudo o que os parlamentares tinham a fazer
era dar cunho oficial às sentenças condenatórias lavradas nas redações
de jornais.
Segunda diferença: o partido que mais devotadamente se empenhou em
denunciar corruptos, destruindo as carreiras de todos aqueles que
pudessem se atravessar no seu caminho, e assim tornando viável, por
falta de adversários, a candidatura presidencial de uma nulidade que de
tanto sofrer derrotas já levava o título de “candidato eterno”, foi
também aquele que, ao chegar ao poder, construiu a máquina de
corrupção mais majestosa de todos os tempos, elevando o roubo a
sistema de governo e provando que só conhecia tão bem as vidas e
obras dos ladrões que denunciara por ser muito mais ladrão do que
eles.
Essa transformação foi acompanhada de outra ainda mais temível: o
crescimento endêmico do banditismo e da violência, que hoje atingem a
taxa hedionda de 50 mil brasileiros assassinados por ano.
Completando o quadro, a classe política mais canalha que já se viu
investiu-se da autoridade de educadora da pátria, impondo por toda a
parte suas crenças e valores e destruindo os últimos resíduos de
moralidade tradicional que pudessem subsistir na sociedade brasileira.
Definitivamente, há algo de errado no “combate à corrupção” tal como
empreendido desde o retorno da democracia. Hoje em dia, espetáculos
degradantes em que senhores de meia-idade, seminus, balançam suas
banhas na Parada Gay são tidos como o auge da moralidade, o símbolo
de direitos sacrossantos ante os quais a população, genuflexa, deve
baixar a cabeça e dizer “amém”. O suprassumo da criminalidade reside
em empresários que falharam em cumprir algum artigo de códigos
labirínticos propositadamente calculados para ser de cumprimento
impossível, criminalizando todo mundo de modo que os donos do poder
possam selecionar, da massa universal de culpados, aqueles que
politicamente lhes convém destruir, com a certeza de sempre encontrar
algum delito escondido.
Ao mesmo tempo, juízes bem adestrados no espírito militante invertem
a seu belprazer o sentido das leis, promovendo assassinos e
narcotraficantes ao estatuto de credores morais da sociedade, e
impõem como único princípio jurídico em vigor a “luta de classes”.
Nesse quadro, qualquer acusação de corrupção, vinda da mídia ou do
governo, é suspeita. Não que sempre os fatos alegados sejam falsos.
Mas, por trás do aparente zelo pela moralidade, esconde-se,
invariavelmente, alguma operação mais ilegal e sinistra do que os
medíocres delitos denunciados.
A noção de “corrupção” implica, por definição, a existência de um
quadro jurídico e moral estabelecido, de um consenso claro entre povo,
autoridades e mídia quanto ao que é certo e errado, lícito e ilícito,
decente e indecente. Esse consenso não existe mais. Quando uma elite
de intelectuais iluminados sobe ao poder imbuída de crenças nefastas
que aprenderam de mestres tarados e sadomasoquistas como Michel
Foucault, Alfred Kinsey e Louis Althusser, é claro que essa elite,
fingindo cortejar os valores morais da população, tratará, ao mesmo
tempo, de subvertê-los pouco a pouco de modo que, em breve tempo,
haverá dois sistemas jurídico-morais superpostos: aquele que a
população ingênua acredita ainda estar em vigor, e o novo,
revolucionário e perverso que vai sendo imposto desde cima com
astúcia maquiavélica e sob pretextos enganosos.
Nesse quadro, continuar falando em “corrupção”, dando à palavra o
mesmo sentido que tinha nos tempos da CGI, é colaborar com o crime
organizado em que se transformou o governo da República.
Isso não aconteceria se, junto com a inversão geral dos critérios, não
viesse também um sistemático embotamento moral da população,
manipulada por uma geração inteira de jornalistas que aprenderam na
faculdade a “transformar o mundo” em vez de ater-se ao seu modesto
dever de noticiar os fatos. Quando um país se confia às mãos de uma
elite revolucionária, sem saber que é revolucionária e imaginando que
ela vai simplesmente governá-lo em vez de subvertê-lo de alto a baixo, a
subversão torna-se o novo nome da ordem, e a linguagem dupla torna-
se institucionalizada. Já não se pode combater a corrupção, porque ela
se tornou a alma do sistema, consagrando a inversão de tudo como
norma fundamental do edifício jurídico, ocultando e protegendo os
maiores crimes enquanto se empenha, para camuflá-los, na busca
obsessiva de bodes expiatórios. Sempre que o governo se sente
ameaçado por denúncias escabrosas ou por uma queda nas pesquisas
de opinião, logo aparece algum empresário que não pagou imposto,
algum fazendeiro que reagiu a invasores, algum padre que expulsou um
traveco do altar – e estes são apontados à população como exemplos
máximos do crime e da maldade. Enquanto isso, o Estado protege
terroristas e narcotraficantes, acoberta as atividades sinistras do Foro
de São Paulo e lentamente, obstinadamente, sem descanso, vai impondo
à população o respeito devoto a tudo o que não presta.
O mais abjeto de tudo, no entanto, é a presteza com que as próprias
classes mais vitimizadas nesse processo – os empresários, as Forças
Armadas, os proprietários rurais, as igrejas cristãs – se acomodam
servilmente à nova situação, inventando os pretextos mais delirantes
para fingir que acreditam nas boas intenções de seus perseguidores.
Quando se torna institucional, a corrupção é ainda algo mais do que
isso: é um veneno que se espalha pelas almas e as induz à cumplicidade
passiva ou à adesão subserviente.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090727dc.html
A fonte da eterna ignorância
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 27 de julho de 2009
Há anos venho tentando chamar a atenção das nossas elites
empresariais, políticas e militares para o fenômeno da degradação
cultural brasileira, mas não creio que até agora tenha conseguido fazê-
las enxergar a real dimensão do problema – até porque as elites
mesmas são as primeiras vítimas dele e não há nada mais difícil do que
fazer alguém tomar consciência da sua inconsciência progressiva. É
como tentar parar uma queda em pleno ar.
Desde logo, a palavra “cultura” já evoca, na mente desse público, a
idéia errada. “Cultura”, no Brasil, significa antes de tudo “artes e
espetáculos” – e as artes e espetáculos, por sua vez, se resumem a três
funções: dar um bocado de dinheiro aos que as produzem, divertir o
povão e servir de caixa de ressonância para a propaganda política.
Que a cultura devesse também tornar as pessoas mais inteligentes,
mais sérias, mais adultas, mais responsáveis por suas ações e palavras,
é uma expectativa que já desapareceu da consciência nacional faz
muito tempo. Se o artista cumpre as três funções acima, nada mais lhe
é exigido nem mesmo para lhe garantir o rótulo de gênio. Foi preciso,
no festival de Paraty, uma escritora irlandesa (Edna O’Brien) vir avisar
aos brasileiros que Chico Buarque de Holanda não faz parte da
literatura. Por si mesmos, eles jamais teriam percebido isso. Nos cursos
universitários de letras, produzem-se milhares de teses sobre Caetano
Veloso e o próprio Chico, enquanto escritores de primeira ordem e já
consagrados pelo tempo, como Rosário Fusco, Osman Lins ou José
Geraldo Vieira, são ignorados já não digo só pelos estudantes, mas
pelos professores. Até a Academia Brasileira, nominalmente incumbida
de manter alto o padrão das letras nacionais, de há muito já não sabe
distinguir entre o que é um escritor e o que não é. A hipótese de que o
sejam os srs. Luís Fernando Veríssimo, Paulo Coelho e Marco Maciel
jamais passaria pela cabeça de alguém habilitado, digamos, a
compreender razoavelmente um poema de Eliot ou a perceber a
diferença de fôlego entre Claudel e Valéry, isto é, de alguém que tenha
ao menos uma idéia aproximada do que é literatura.
A alta cultura simplesmente desapareceu do Brasil – desapareceu tão
completamente que já ninguém dá pela sua falta.
Como posso fazer ver a gravidade disso a pessoas que, não pertencendo
elas próprias ao círculo das letras e das artes, recebem dele, prontos,
os critérios de julgamento em matéria de cultura e, ao segui-los,
acreditam estar em dia com os mais elevados padrões internacionais?
Como posso mostrar ao político, ao empresário, ao oficial das Forças
Armadas, que cada um deles está sendo ludibriado por usurpadores
subintelectuais e encaixilhado numa moldura mental incapacitante?
Um exemplo talvez ajude. Não conheço um só membro das nossas elites
que não tenha opiniões sobre a política norte-americana. A base dessas
opiniões é o que lêem nos jornais e vêem na TV. Acontece que o
instrumento básico do debate político nos EUA é o livro, não o artigo de
jornal, o comentário televisivo ou a entrevista de rádio. Não há aqui
uma só idéia ou proposta política que, antes de chegar aos meios de
comunicação de massas, não tenha se formalizado em livro,
demarcando as fronteiras do debate que, nessas condições, é sempre
pertinente e claro. Também não há um só desses livros que, em prazo
breve, não seja respondido por outros livros, condensando e ao mesmo
tempo aprofundando a discussão em vez de limitá-la às reações
superficiais do primeiro momento.
Ora, esses livros praticamente nunca são traduzidos ou lidos no Brasil.
Se alguém os lê, deve mantê-los em segredo, pois nunca os vejo
mencionados na nossa mídia, seja pelos comentaristas usuais ou pelos
acadêmicos iluminados que os chefes de redação tomam como seus
gurus. Resultado: a elite que confia nos canais jornalísticos como sua
fonte básica de informação acaba sendo sistematicamente enganada.
Não só forma opiniões erradas sobre o quadro internacional, mas, com
base nelas, diagnostica erradamente a situação local e toma decisões
estratégicas desastrosas, que só a enfraquecem e a tornam dia a dia
mais sujeita aos caprichos da quadrilha governante.
Só para tornar o exemplo ainda mais nítido: quem quer que tenha lido,
além das autobiografias de Barack Obama, as investigações sobre sua
vida pregressa feitas por Jerome Corsi, Brad O’Leary e Webster Griffin
Tarpley (anti-obamistas por motivos heterogêneos e incompatíveis),
sabia de antemão que, se eleito, ele usaria o prestígio da própria nação
americana para dar respaldo ao anti-americanismo radical dentro e fora
dos EUA; que, no Oriente Médio, isso significaria sonegar apoio a Israel
e aceitar pacificamente o Irã como potência nuclear; na América Latina,
elevar Hugo Chávez, as Farc e o Foro de São Paulo ao estatuto de
árbitros supremos da política continental. Como no Brasil ninguém leu
nada disso, o que se impregnou na mente do público foi a visão de
Obama como um progressista moderado, algo como um novo John F.
Kennedy ou Martin Luther King. Nos EUA, com a ajuda da grande mídia
cúmplice, Obama enganou metade do eleitorado. No Brasil, enganou a
opinião pública inteira. Agora, só resta aos ludibriados atenuar
retroativamente o vexame do engano mediante um novo engano,
persuadindo-se de que, se até o governo americano apóia Hugo Chávez,
é porque ele não é tão perigoso quanto parecia...
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090730dc.html
A arrogância da mentira
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 30 de julho de 2009
Os maiores jornais brasileiros vivem da exploração da boa-fé popular e
não vão parar com isso enquanto não se sentirem ameaçados por uma
onda de queixas à Delegacia do Consumidor. O único atenuante que
podem alegar é que a maior parte das mentiras que sai nas suas
páginas vem pronta do exterior. A contribuição nacional aí consiste
apenas na abstenção de qualquer exame crítico das fontes, isto é, na
recusa obstinada de praticar o dever número um do jornalismo.
Isso é precisamente o que sucede no caso da matéria “Irritada, Casa
Branca garante que Obama é cidadão americano”, publicada no Globo
dia 27. Assinada por Ross Colvin, da Reuters, a agência mais pró-
comunista do mundo Ocidental, não resiste ao mais mínimo confronto
com os documentos originais que cita. É mentira do começo ao fim,
coisa de um cinismo criminoso que nenhuma inépcia ou distração
poderia explicar. Vejam:
1) “Um estridente grupo de teóricos da conspiração conhecido como
‘birthers’ (‘nascimentistas’) está transtornando a Casa Branca com sua
persistente alegação de que Barack Obama não é cidadão norte-
americano nato, e portanto seria inelegível para a Presidência.”
Ninguém está transtornando a Casa Branca. A pergunta sobre a
certidão de nascimento de Obama surgiu uma única vez nas
conferências de imprensa da presidência, e mesmo assim não foi feita
diretamente a Barack Obama, mas a seu porta-voz Robert Gibbs. Se a
presidência americana se sente “transtornada” por isso, não é pelo
assédio de cobranças, mas pelo conteúdo mesmo da pergunta, à qual
não tem podido dar uma resposta satisfatória.
A campanha não alega que Obama não é cidadão americano, mas
apenas que ele não apresentou provas de sê-lo. Em vez disto, ele já
gastou aproximadamente um milhão de dólares com advogados para
esquivar-se de apresentá-las, conduta que seria inexplicável se ele
tivesse as provas para apresentar.
Aliás, por que rotular os membros da campanha logo de cara com
expressões pejorativas, “birthers” e “teóricos da conspiração”,
assumindo a rotulação como adequada, em vez de designá-los de
maneira neutra e em seguida informar que seus adversários os chamam
por esses pejorativos, como seria a prática normal do jornalismo?
Colvin não age como jornalista, mas como relações públicas, mostrando
que não está interessado em averiguar os fatos mas em atemorizar
quem deseje investigá-los.
2) “Desde a campanha eleitoral de 2008 havia quem lançasse a suspeita
de que Obama, primeiro presidente negro do país, teria nascido no
Quênia, e não no Havaí.”
Ninguém “lançou” essa suspeita. O que houve foi que a avó de Obama
afirmou ter assistido pessoalmente ao nascimento dele num hospital de
Mombasa. O repórter do WorldNetDaily, Jerome Corsi, enviado ao
Quênia para averiguar o assunto, foi preso pelo governo local e
deportado para os EUA. Diante disso, nenhuma suspeita precisa ser
“lançada”: ela surge espontaneamente em qualquer cérebro normal.
Mas a grande mídia assumiu como cláusula pétrea abster-se de noticiar
ou investigar esses dois fatos, preferindo, em vez disso, chamar de
“teóricos da conspiração” quem quer que os mencionasse mesmo sem
tirar deles qualquer conclusão quanto à nacionalidade de Obama.
3) “A ‘certidão de nascido vivo’ de Obama, conforme a cópia divulgada
na Internet, mostra que ele nasceu em Honolulu às 19h24 de 4 de
agosto de 1961.”
Colvin omite a informação básica de que a “certification of live birth”
publicada no site de campanha de Obama não é um xerox, um arquivo
computadorizado ou mesmo um traslado da sua certidão de nascimento
original (‘birth certificate’), mas apenas um resumo enviado por
internet, no qual faltam informações essenciais da certidão original,
como o hospital de nascimento – dado que se torna tanto mais
importante porque os mais fanáticos defensores de Obama se
desmentem uns aos outros, citando dois hospitais diferentes.
Durante a campanha eleitoral, o Congresso investigou minuciosamente
a nacionalidade de John McCain, recusando-se a fazer o mesmo com
Obama. McCain teve de apresentar a certidão de nascimento original
(‘birth certificate’), enquanto Obama, livre de constrangimentos, se
contentava com publicar o resumo eletrônico no seu site de campanha.
4) “A entidade apartidária FactCheck.org, ligada à Universidade da
Pensilvânia, examinou, manipulou e fotografou a certidão original e
concluiu que ‘atende a todos os requisitos do Departamento de Estado
para conceder cidadania dos EUA’.”
Mentira grossa. FactCheck não fotografou a certidão original, mas
apenas a versão impressa do resumo eletrônico.
A segunda parte da frase é pura desconversa. A Constituição Americana
estabelece uma diferença entre “cidadão”, que é qualquer um nascido
em território americano ou aceito como imigrante, e “cidadão nativo”,
nascido em território americano de pai e mãe americanos, o que com
toda a evidência não é o caso de Obama (seu pai, nascido no Quênia,
era súdito britânico). A mesma Constituição determina que só os
“cidadãos nativos” podem ocupar a Presidência. Há controvérsias
quanto à interpretação deste ponto e elas podem ser usadas como
argumento em favor de Obama, mas não tem sentido alegar ao mesmo
tempo que há controvérsias e que a elegibilidade de Obama não é
controvertida.
5) “O FactCheck.org também cita o fato de que os pais de Obama (ele
queniano; ela norte-americana) colocaram um anúncio em um jornal
local, em 13 de agosto de 1961, anunciando o nascimento do filho.”
O anúncio não diz onde nasceu o menino; só informa que os Obamas
tiveram um filho e que sua residência era na rua tal, número tanto, em
Honolulu – informação que por si já é mentirosa porque na data do
parto mamãe Obama morava e estudava em Seattle, a duas mil milhas
de Honolulu.
Colvin nem de longe menciona que a certidão original não é o único
documento de Obama que continua inacessível. Desde o tempo em que
era candidato, o atual presidente mantém sob estrito sigilo todos os
papéis equivalentes aos que seu adversário teve de exibir ao Congresso:
registros escolares, teses acadêmicas, exames médicos, passaportes
(inclusive o misterioso passaporte, provavelmente indonésio, com que
ele conseguiu entrar no Paquistão quando ali era proibida a entrada de
americanos), etc. O único documento que veio à tona, além da
malfadada “certification of live birth” e da matrícula numa escola
indonésia, foi um alistamento militar obviamente forjado ou então
miraculoso: assinado em 1988 num formulário que só veio a ser
impresso em 2008.
O que torna os documentos faltantes ainda mais necessários, e a sua
ocultação ainda mais inaceitável, é o fato de que Obama tem mentido
sobre sua biografia com a constância de um mitômano. Ele disse que
nunca recebeu educação islâmica (os papéis da escola indonésia
provam que recebeu), que nunca militou num partido socialista (logo
apareceu a carteirinha), que seu pai foi pastor de cabras (nunca foi),
que seu tio participou da libertação de Auschwitz (só se fosse soldado
russo), etc. etc. Sua mais recente e primorosa lorota foi pronunciada na
homenagem aos astronautas da Apolo-11: com a maior cara de pau, o
homem disse que, como tantos outros havaianos emocionados, havia
assistido pessoalmente à descida da cápsula espacial nas praias de
Honolulu. O problema é que, nesse dia, ele estava na Indonésia.
Para completar, a tropa-de-choque obamista, no desespero de desviar-
se de perguntas irrespondíveis, tem recorrido aos argumentos mais
incongruentes para dissuadir os curiosos. Por exemplo: funcionários do
Registro Civil do Havaí asseguram que têm nos seus arquivos a certidão
original de Obama (não a mostram nem informam o que está escrito lá),
enquanto o presidente da CNN, tentando calar as perguntas do seu
âncora Lou Dobbs, afirma que a questão está superada porque não
existe mais certidão original – todos os arquivos do Registro Civil
Havaiano foram destruídos em 2001.
Tanto o nascimento de Obama quanto sua vida inteira são histórias mal
contadas, repletas de absurdidades e contradições. O autoritarismo
arrogante e cego com que o governo e a grande mídia exigem que um
povo inteiro aceite essas histórias sem fazer perguntas, sob ameaça de
ser acusado de extremismo de direita, já basta para mostrar que algo
de muito grave – seja a nacionalidade, seja lá o que for – está sendo
deliberadamente escondido.
Que a mídia nacional faça eco servilmente a essa exigência arrogante,
como se cada jornalista brasileiro fosse assessor de imprensa do
presidente de uma nação estrangeira, é decerto um dos episódios mais
deprimentes na vida de profissionais que já mostraram, no caso do Foro
de São Paulo, sua disposição solícita de vender-se barato aos interesses
políticos mais vis, a um conluio abjeto de ladrões, traficantes e
assassinos.
P. S. Tão logo enviei este artigo ao DC, chegou a notícia de que a Sra.
Chiome Fukino, a alta funcionária do Registro Civil havaiano que
afirmara ter visto a certidão original de Obama nos arquivos da
repartição, agora assegura que ele nasceu mesmo em Honolulu. Como
antes ela se esquivava de dar essa informação porque a lei a proibia de
revelar dados do documento sem autorização do próprio Obama, não se
sabe se ela decidiu violar a lei ou se recebeu o sinal verde de Obama
para falar. Nesta última hipótese, o caso fica mais nebuloso ainda: por
que autorizar uma entrevista sobre o documento e continuar mantendo
oculto o próprio documento? Quem, ao solicitar uma carteira de
motorista, apresenta, em vez da certidão de nascimento, o testemunho
de alguém que jura tê-la visto?
Veja com seus próprios olhos a diferença entre uma certidão de
nascimento original e o resumo publicado por Obama.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090803dc.html
Fugindo do vexame
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 3 de agosto de 2009
(Redigido em 17 julho de 2009)
Desde que começou a campanha eleitoral americana no ano passado,
entendi – e escrevi – que um único problema sério ali estava em jogo: a
identidade de Barack Obama. De um lado, pouco ou nada se sabia do
personagem, e ele fazia tanto empenho em ocultar fatos e documentos
essenciais da sua vida quanto em exibir com esplendor máximo a
imagem estereotipada construída em seus dois livros autobiográficos e
numa profusão inabarcável de reportagens promocionais. De outro
lado, a discussão de propostas de governo, nessas condições, era
totalmente imaterial: entre os lances cuidadosamente encobertos da
biografia de Barack Obama estavam justamente aqueles que revelavam
os seus mais fundos compromissos ideológicos, ao passo que o discurso
de campanha apresentava uma versão tão diluída e adocicada que
dificilmente se poderia dizer, com base nela, quem era politicamente
Barack Obama.
Com toda a evidência, o que ele prometia fazer na presidência era
apenas uma camuflagem de seus verdadeiros objetivos. Só para dar
uma idéia do abismo entre o discurso e o plano de governo que ele
encobria, notem que 72 por cento dos judeus americanos votaram no
candidato democrata, acreditando que ele defenderia Israel como seus
antecessores. Tão logo eleito, ele tirou a máscara, mostrando-se,
conforme disse o líder sionista Morton Klein, “o presidente americano
mais anti-Israel de todos os tempos”. E assim foi em muitos setores.
Do seu discurso de campanha, nada se podia deduzir quanto ao que ele
viria a fazer no governo. Mas da sua biografia podia-se deduzir tudo,
com precisão milimétrica. Ademais, eleição não é debate acadêmico;
campanha presidencial não é luta de idéias, é disputa de poder entre
seres humanos reais e concretos. Àquela altura, discutir as “propostas”
de Barack Obama era o cúmulo da alienação, da cegueira voluntária: os
verdadeiros propósitos do candidato não se podiam deduzir dos seus
discursos, da sua performance de leitor emérito de teleprompters, mas
sim, precisamente, daquilo que ele escondia, da sua vida de militante
radical, colaborador pertinaz de ditadores e genocidas.
Poucos analistas da política americana entenderam isso na ocasião.
Quanto aos candidatos republicanos e seus iluminados mentores de
campanha, esses não entenderam absolutamente nada. Havia mesmo
um bloqueio mental impedindo que tocassem na ferida. A dificuldade de
colocar em discussão a vida pregressa de Barack Obama,
paradoxalmente, não vinha da força dos mecanismos de camuflagem
que a encobriam, mas precisamente da sua fragilidade: o homem não
tinha sequer uma certidão original de nascimento, seu alistamento
militar era patentemente falsificado, ele e sua família se contradiziam
quanto ao seu local de nascença, e até mesmo os registros de sua
atividade como senador no Illinois tinham desaparecido, ao mesmo
tempo em que espoucavam notícias alarmantes, sempre confirmadas,
sobre suas ligações com vigaristas e terroristas. A posição real do
candidato, sob esse aspecto, era tão frágil que seus adversários se
recusaram a acreditar no que viam; desviando os olhos, permitiram que
o feixe de enigmas e ocultações chegasse à Presidência.
Agora que pela primeira vez um juiz federal aceitou examinar a matéria
de um dos processos de inelegibilidade movidos contra Obama, a
fatídica certidão de nascimento, que ele já gastou mais de um milhão de
dólares para ocultar, vai ter de aparecer mais cedo ou mais tarde.
Os últimos lances do jogo de esconde-esconde foram tão patéticos que
bastam para tornar verossímeis as suspeitas mais paranóicas quanto à
nacionalidade do presidente. O site de jornalismo eletrônico
WorldNetDaily descobriu que em janeiro ele enviara um cartão de
cumprimentos ao hospital Kapiolani, em Honolulu, dizendo-se muito
honrado de ter nascido ali. Durante todo o debate presidencial, os
adeptos de Obama haviam proclamado como certeza absoluta que ele
nascera no hospital Queens, achando que com isto esmagavam as
objeções dos céticos. Tão logo divulgado o incômodo cartão, jornais,
revistas e sites noticiosos obamistas, inclusive oficiais, não admitiram o
erro: simplesmente apagaram o nome “Queens” e puseram “Kapiolani”
no seu lugar, achando que com isso disfarçavam retroativamente quase
um ano inteiro de vexames. Fraude geral explícita. Na verdade o
vexame acabou ficando maior ainda, pois o hospital Kapiolani, que
durante meses ganhara dinheiro ostentando o nome de Barack Obama
como o de um dos bebês que haviam se beneficiado dos seus
maravilhosos serviços obstétricos, de repente sentiu perigo no ar e
passou a recusar-se terminantemente a confirmar que o presidente
nascera ali.
Ao mesmo tempo, um major do exército, que entrara com um pedido na
justiça para ser dispensado de obedecer às ordens do presidente até
que este confirmasse sua nacionalidade e portanto sua legitimidade no
cargo, obteve uma vitória espetacular quando seus comandantes,
reconhecendo o drama, o dispensaram de ir para o Afeganistão como
lhe fora ordenado. Como reagiu a Presidência? Pressionou uma
empresa privada, na qual o major estava trabalhando, a que demitisse o
atrevido. Quando a mais alta autoridade federal prefere antes sujar-se
com uma vingança mesquinha contra um cidadão privado do que gastar
doze dólares com um traslado da certidão original de nascimento do
presidente e encerrar o debate em torno da legitimidade do mandatário
no cargo, é preciso ser um verdadeiro crente obamaníaco para não
concluir que o homem está escondendo alguma coisa.
Se os líderes republicanos e o séquito de jornalistas que os apóiam não
quiseram enxergar a vulnerabilidade completa de um adversário
desprovido até de documentos de identidade, foi pela simples razão de
que são todos eles uns bons burgueses gordos, comodistas e trêmulos,
que não têm a coragem intelectual necessária para examinar os fatos
nas suas fontes primárias e tirar conclusões objetivas: temem pensar
por si próprios e não ousam dizer uma só palavra que já não reflita a
unanimidade do establishment. Mas o medo do vexame imaginário é
promessa certa de um vexame mil vezes maior num futuro que se
anuncia bem próximo.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090805dc.html
Formadores de opinião
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 5 de agosto de 2009
Nas próximas semanas, dedicarei uma série de artigos a analisar, com
certa minúcia, algumas idéias do colunista da Folha, Contardo
Calligaris, ou aquilo que ele imagina serem suas idéias, já que a mim
me parecem mais reflexos condicionados. Antes de fazê-lo, porém,
desejo esclarecer algo quanto à perspectiva desde a qual examino
fenômenos como esse.
Um dos elementos básicos da educação é o aprendizado de
comportamentos verbais que nos identifiquem com os grupos sociais
cuja aprovação necessitamos. É todo um processo complexo e
trabalhoso de mimetização de sentimentos, hábitos, cacoetes,
preconceitos e manias que nos libertam do angustiante isolamento
corporal a que nos condenou a natureza das coisas e nos dão a
impressão de que somos “alguém”, pelo menos aos olhos dos outros,
dos quais assim obtemos uma reconfortante confirmação da nossa
existência e até, nos casos mais felizes, da nossa importância.
Completado esse treinamento, alguns indivíduos passam à etapa
seguinte, que é a aquisição da alta cultura. Aí já não se trata mais de
obter a aprovação dos nossos contemporâneos, mas de dialogar com os
grandes homens de outros tempos e lugares, que não nos julgam pela
nossa subserviência a um meio social determinado, e sim pela nossa
fidelidade a valores e critérios que não são de nenhuma época,
constituindo antes a condição da possibilidade de um salto entre as
épocas. Esse aprendizado vai, fatalmente, na direção oposta à do
anterior. Quando você já não busca a aprovação de qualquer meio
social presente, mas de Aristóteles, de Dante, de Sto. Tomás, de
Shakespeare e de Leibniz, você sabe que dela não resultará
provavelmente nenhum benefício exterior, mas apenas a aquisição
daquela consistência íntima, daquela sinceridade profunda que lhe
permitirá ser de fato “alguém”, não aos olhos dos outros, mas da
comunidade supratemporal do conhecimento, ainda que ao preço de
tornar-se relativamente incompreensível aos contemporâneos. A partir
desse momento você está habilitado a dizer como Dom Quijote: “Yo sé
quien soy” – e a opinião dos circunstantes não pode afetar em nada
aquilo que você apreendeu mediante vivência espiritual direta, solitária,
sem mais testemunha ou interlocutor além da comunidade dos sábios
mortos. Quando Sto. Tomás de Aquino recomendava “Tem sempre
diante de ti o olhar dos mestres”, ele sabia o quanto a integração da
alma no diálogo supratemporal pode custar em solidão de espírito, mas
também sabia que essa solidão é o único terreno onde germina o desejo
de conhecer a Deus (a não ser, é claro, que o próprio Deus decida falar
com você por outros meios).
A sanidade de qualquer grupamento humano – um país, por exemplo –
depende de que nele exista um número suficiente de pessoas dedicadas
a este segundo aprendizado. É só por meio delas que a conversação
contemporânea adquire um lugar e um sentido no quadro do
universalmente humano, em vez de esfarelar-se numa infinidade de
picuinhas que só parecem importantes na razão inversa da escala de
tempo histórico em que são medidas.
Como a alta cultura desapareceu do Brasil, o uso da linguagem nos
debates públicos limita-se hoje aos fins do primeiro aprendizado: as
pessoas não falam ou escrevem para exprimir em palavras alguma
experiência interior autêntica, mas para sentir que acertaram no tom e
no estilo da platéia cuja aprovação anseiam para reforçar sua vacilante
identidade pessoal com a chancela de um grupo de referência. Daí a
necessidade constante, obsessiva, de ostentar bons sentimentos,
entendidos como tais os sentimentos aprovados pelo grupo (e que
podem, decerto, parecer desprezíveis ou abomináveis a outros grupos).
Como o grupo dominante na mídia e nas universidades, hoje em dia, é
esquerdista e politicamente correto, o chamado “debate nacional” é
apenas um torneio para decidir quem personifica melhor o amor sem
fim às “minorias” oficialmente aprovadas como tais e o total desprezo
pelas demais minorias, por exemplo os evangélicos ou os católicos
tradicionalistas (os judeus são um caso espinhosamente ambíguo,
obrigando as inteligências iluminadas aos contorcionismos verbais mais
engenhosos para conciliar o respeito sacrossanto aos judeus mortos
com o ódio visceral aos judeus vivos).
Quando, num desvario de independência pessoal, o sujeito se horroriza
ante algum excesso do politicamente correto e escreve duas ou três
palavras para criticá-lo, toma as mais extremas precauções para
mostrar que só o faz no puro interesse dos próprios grupos visados,
reintegrando portanto dialeticamente o momento de infidelidade
aparente no fundo imutável da fidelidade essencial. Essas
demonstrações de “divergência”, as mais extremas que o padrão
nacional comporta hoje em dia, chegam até a ser aplaudidas como
provas de originalidade, excelência intelectual e coragem quase
suicida. O indivíduo capaz desses controladíssimos rompantes torna-se,
no padrão geral vigente, a personificação mais próxima do que seria,
em condições normais, o representante da alta cultura.
É isso o que, no Brasil de hoje, se chama de “formador de opinião”: um
adolescente em busca de integração social, esforçando-se para imitar a
linguagem e os modos de um grupo de referência, no máximo fingindo
às vezes um pouco de discordância para poder ser aprovado, não como
um membro qualquer entre outros, mas como um “intelectual”, talvez
até como um “pensador”.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090810dc.html
Micagens infernais
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 10 de agosto de 2009
Quarta-feira, 6 de agosto, enviei à editoria de Opinião do DC um artigo
com as seguintes observações: “Curiosamente, nenhum dos que
denunciam como falsa a certidão queniana de Barack Obama chega a
sugerir sequer a hipótese de que ela tenha sido forjada por algum
obamaníaco para colocar os birthers numa enrascada – hipótese muito
mais razoável do que supor que estes últimos acreditassem seriamente
poder enganar a justiça com um documento falso. A rapidez fulminante
com que apareceu na internet a certidão australiana alegada como
modelo da forjicação sugere que eles já sabiam algo a respeito antes
mesmo de que o papel queniano fosse entregue às autoridades.
Prestidigitações desse tipo são coisa de rotina para os agentes
comunistas e radicais islâmicos que superlotam as fileiras obamistas.”
Não houve nem tempo de publicar o artigo. Decorridas 24 horas, já
aparecia a confissão de um blogueiro obamista, que admitia ter forjado
a coisa para cobrir de ridículo a advogada Orly Taitz
(http://confederateyankee.mu.nu/archives/290619.php e
http://fearlessblogging.com/post/view/3037).
Não pensem, porém, que esse engraçadinho seja um caso isolado. A
iniciativa dele combina perfeitamente com o tratamento que o
establishment jornalístico supostamente respeitável tem dado ao caso.
Toda a “grande mídia”, sem exceção visível, noticiou que Orly Taitz
apresentara a certidão queniana como prova contra a nacionalidade
americana de Obama. Isso é absolutamente falso. A advogada apenas
solicitou ao tribunal que mandasse averiguar a autenticidade do
documento, do qual ela mesma explicitamente afirmava não ter a
mínima certeza. O que está sendo impingido aos leitores como notícia é
pura invencionice difamatória. A orientação geral é recortar os fatos
para fabricar uma aparência de loucura e depois, com o ar mais
científico do mundo, emitir um diagnóstico psiquiátrico, sublinhado
pelas chacotas mais fáceis e previsíveis. Quase que invariavelmente as
entrevistas com birthers, entrecortadas de objeções insultuosas para
impedi-los de falar, são seguidas de explicações sapientíssimas sobre as
raízes sociológicas e psicopatológicas das “teorias da conspiração”. Mas
ninguém explica o que há de teoria da conspiração em exigir que um
candidato presidencial, antes ou depois de eleito, apresente os mesmos
documentos que todos os seus antecessores e concorrentes
apresentaram. O que me parece patológico, isto sim, é a proibição de
investigar, a exigência prepotente, megalômana, de que um mentiroso
compulsivo já mil vezes pego em flagrante seja crido sob palavra como
se fosse um santo ou profeta, sem mais perguntas.
A trêfega disposição de impugnar como falsa a certidão queniana
forjada expressamente para isso contrasta, no entanto, com a maciça
recusa de examinar outros documentos forjados, muito mais decisivos.
Meses depois que a certidão resumida de nascimento de Barack Obama
apareceu no seu site de campanha, um especialista em peritagem
forense publicou um relatório de duzentas páginas com uma quantidade
enorme de provas de que o documento era falso (v.
www.freerepublic.com/focus/f-bloggers/2136816/posts). A “grande
mídia” fez total silêncio a respeito, ao passo que os sites obamistas da
internet, sem examinar no mais mínimo que fosse o conteúdo do
relatório, nem muito menos submetê-lo ao julgamento de outros peritos,
limitavam-se a martelar e remartelar as duas únicas objeções que lhes
ocorriam: o autor não revelava seu verdadeiro nome (assinava-se com o
pseudônimo “Ron Polarik”) e não mostrava suas credenciais
acadêmicas.
Essas pobres alegações, porém, tornaram-se inócuas quando outro
profissional da área, com nome à mostra e credenciais sobrantes,
Sandra Ramsey Lines (v. www.asqde.org/SRLines/SandraRLines.htm),
confirmou integralmente as conclusões de Polarik. Desde então os
críticos do perito nada mais disseram nem lhes foi perguntado a
respeito. A única exceção foi uma blogueira que, não sem levar alguns
aplausos esquerdistas por isso, contestou o currículo acadêmico de
Polarik, sem explicar como se faz para averiguar a autenticidade de um
diploma universitário sem saber o nome do diplomado.
É verdade que, nesse ínterim, a autenticidade da certidão resumida foi
confirmada, oralmente, por funcionários do Registro Civil havaiano.
Como, porém, a única prova possível da fidedignidade de um resumo é
a exibição do documento original cujos dados ele compacta, e como os
referidos continuaram obstinadamente se recusando a exibir esse
original, tudo o que suas declarações faziam era reforçar o estímulo a
que o público acreditasse em tudo sob palavra, abdicando das provas
documentais.
Mais sólido ainda que o bloqueio em torno do laudo de Ron Polarik foi o
muro de silêncio erguido em torno de um caso supremamente
escabroso: o certificado de alistamento militar de Obama, assinado em
1988 num formulário que só viria a ser impresso em 2008. Como, ao
contrário da certidão queniana, que surgiu de fonte anônima, a certidão
havaiana resumida e a ficha militar viessem comprovadamente do
próprio Obama, era preciso abster-se de examinar quaisquer provas da
sua falsidade, por mais numerosas e auto-evidentes que fossem.
Para quem acompanha há décadas as micagens infernais da mente
revolucionária, nada disso é novidade. Mentir, falsificar, fingir – tais são
os procedimentos usuais, compulsivos e obrigatórios dessa gente há
mais de cem anos. Quanto mais se sujam nessas manobras sórdidas,
mais são obrigados a reprimir os protestos da sua própria consciência
moral, sufocando-a sob encenações de autobeatificação delirante.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090817dc.html
A burguesia indefesa
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 17 de agosto de 2009
Quem quer que, mais de uma década atrás, estudasse com atenção as
atas do Foro de São Paulo e as confrontasse com as ações de seus
membros espalhados por duas dúzias de países teria chegado
fatalmente, tal como eu mesmo cheguei, às seguintes conclusões:
1. O Foro era uma peça vital no esquema do terrorismo e do
narcotráfico internacionais (não somente latino-americanos).
2. Criação quase que exclusivamente brasileira, ele tinha no Brasil o
seu centro de comando estratégico e em outros países-membros as suas
vanguardas incumbidas das ações táticas mais imediatas e
espetaculares.
3. Isso bastava para demonstrar que a aparente distinção entre uma
“esquerda revolucionária” e uma “esquerda democrática”,
personificadas respectivamente por Hugo Chávez e Lula, não passava
de uma camuflagem calculada para ocultar a unidade estratégica do
conjunto.
4. No quadro do Foro, a articulação da esquerda com quadrilhas de
delinqüentes, que já se preparava desde os anos setenta (v. meu livro
de 1993, A Nova Era e a Revolução Cultural, Apêndice I, em
http://www.olavodecarvalho.org/livros/neesquerdas.htm), sofreu um
upgrade formidável, permitindo que as FARC se tornassem as senhoras
absolutas do narcotráfico no continente e as controladoras de várias
organizações criminosas menores, como o PCC e o Comando Vermelho.
5. A articulação perfeita da violência criminosa com a luta política legal
(transformada ela própria, portanto, em instrumento do crime) estendia
um manto de proteção continental sobre terroristas e narcotraficantes
que operassem em países estrangeiros e tornava a América Latina
inteira um território livre para a atuação desses delinqüentes.
Se essas obviedades permaneceram invisíveis até muito recentemente,
foi pelas seguintes razões:
1. As organizações da esquerda legal tinham, em todas as redações de
jornais e noticiários de TV e rádio, um número suficiente de
representantes, inclusive nos mais altos postos, para desestimular e
bloquear qualquer investigação séria sobre as atividades do Foro.
2. As vastas conexões internacionais da organização, envolvendo
interesses financeiros gigantescos, davam-lhe os meios de ter à sua
disposição, infiltrados em governos, think tanks, institutos de pesquisa,
universidades e empresas privadas, um enorme contingente de experts
e consultores habilitados a desviar atenções e, se preciso, a negar
peremptoriamente os fatos, usando o peso do seu prestígio acadêmico
como arma publicitária para cobrir de ridículo quem quer que tentasse
averiguar a realidade por trás das mentiras e desconversas.
3. Através da estratégia gramsciana de “ocupação de espaços”, a
esquerda conseguiu munir-se de todos os instrumentos para
desmantelar preventivamente qualquer possibilidade de oposição
ideológica. O instrumento mais usado para isso foram as denúncias
espetaculosas de corrupção, que destruíram tantas lideranças ao
mesmo tempo que davam aos partidos de esquerda, sob o manto da
afetação de probidade, os meios para ir construindo discretamente
esquemas de corrupção incomparavelmente maiores e mais eficientes
do que os denunciados (dos Anões do Orçamento ao Mensalão o
crescimento escalar foi de uma ameba para um dinossauro).
4. No campo cultural e psicológico, a progressiva substituição dos
critérios morais de senso comum pelas chantagens “politicamente
corretas” destituiu as possíveis oposições até mesmo do direito a uma
linguagem própria, forçando-as a adaptar-se ao vocabulário e aos
modos de pensar do adversário onipotente. Com espantosa facilidade,
essa operação reduziu os liberais e conservadores aos protestos vãos de
uma oposição castrada, voluntariamente apolítica, que se contentava,
no máximo, com críticas administrativas e vagas denúncias de
corrupção quase que literalmente copiadas do discurso “ético” da
esquerda, as quais, nesse contexto, só faziam conceder ao inimigo o
monopólio do combate ideológico.
5. Tão avassaladora foi a conquista do espaço psicológico pela
esquerda, que nos próprios meios “direitistas” qualquer tentativa de
descrever o real estado de coisas era recebida com extrema má-
vontade, valendo ao atrevido o apelido de “teórico da conspiração”,
senão a pecha de “extremista”. A obstinação de liberais e
conservadores em não querer enxergar o que estava se passando
permitiu que o germe da revolução latino-americana crescesse e se
tornasse o monstro de mil braços que agora vai dominando o continente
sem encontrar resistências senão locais e esporádicas, incapazes de
fazer face a um perigo de tais dimensões.
Se algo aprendi nos dezesseis anos que decorreram desde meus
primeiros avisos sobre a mais vasta e silenciosa trama revolucionária
que já se viu no mundo, foi que a “burguesia” é a classe mais indefesa
que existe. Acovardada perante o prestígio dos vigaristas intelectuais
mais baixos e sórdidos, ela se apega a qualquer pretexto para enxergar,
no inimigo que planeja assassiná-la, todas as virtudes mais róseas e
fictícias e evitar assim o confronto com uma realidade temível. O
famoso “aparato ideológico da burguesia”, de que falam os marxistas,
jamais existiu. Ele é apenas uma projeção invertida do próprio aparato
ideológico revolucionário, destinada a impedir, mediante a denúncia
preventiva de maquiavelismos imaginários, que um dia um real aparato
burguês de autodefesa venha a existir. Quando a burguesia, pelo menos
brasileira, consente em dizer algo em seu próprio favor, ela o faz com
tanta discrição e delicadeza que dá a impressão de estar disputando
com o adversário mais bondoso e compreensivo do mundo, e não com
as “máquinas de matar” que os revolucionários se orgulham de ser.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090821dc.html
Apostando contra o tempo
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 21 de agosto de 2009
Quando comecei a alertar os leitores quanto ao Foro de São Paulo, mais
de uma década atrás, ainda era possível fazer alguma coisa para deter,
sem muitas dores ou traumas, o crescimento do monstro. Agora, que
ele tem o apoio do governo americano e transformou a OEA em
instrumento de suas ambições ilimitadas, só atos de bravura incomum,
sustentados numa visão estratégica implacavelmente lúcida, podem
livrar a América Latina do risco iminente – ou promessa segura – de
uma ditadura socialista continental. Mas será concebível que duas
décadas de adestramento contínuo na prática da covardia e da
alienação produzam de repente uma explosão de coragem e lucidez?
Sei que, medido na escala mental da elite brasileira, o problema, ainda
hoje, parece nem existir. Basta ler as palavras entusiásticas com que o
presidente da Confederação Nacional da Indústria, deputado Armando
Monteiro Neto, saudou o presidente da República ao homenageá-lo com
o Grande Colar da Ordem do Mérito, conferido por aquela entidade:
“A abertura ao diálogo marcou sua história e, no presente, se
consolidou como característica de seu governo... Com uma agenda de
preservação dos fundamentos macroeconômicos e de inovação social, o
Brasil se diferenciou. Ganhou confiança interna e transformou-se em
exemplo para a América Latina e o mundo” (V.
http://pt.org.br/portalpt/index.php?
option=com_content&task=view&id=80330&Itemid=195).
Não digo que a “preservação dos fundamentos macroeconômicos”
tenha sido de todo irreal. Digo, sim, que julgar só por ela o desempenho
de um presidente, ignorando que a política econômica do presente
governo se enquadra na estratégia maior de dominação continental do
Foro de São Paulo, é coisa de um oportunismo imediatista imperdoável,
voluntariamente cego para as conseqüências históricas de suas opções
de momento.
Já expliquei e vou explicar de novo, com requintes de didatismo que
normalmente só seriam necessários no ensino pré-escolar:
O Brasil foi o criador e é o centro de comando do Foro de São Paulo;
como tal, fica na retaguarda, orientando e protegendo as vanguardas
incumbidas das ações táticas mais imediatas, espetaculosas e
arriscadas.
Acalmar e até contentar o empresariado local é a condição sine qua non
para que o governo petista possa, sem risco de crises e hostilidades, ir
fortalecendo discretamente a máquina de guerra do Foro de São Paulo,
já hoje habilitada a ocupar manu militari o continente inteiro, só não o
fazendo para não correr o risco de abortar um processo que, pelas vias
mais indiretas da política, da subversão cultural e do fomento ao
banditismo, se anuncia de sucesso praticamente inevitável.
Afinal, o governo que “preserva os fundamentos macroeconômicos” é o
mesmo que acoberta a ação das Farc no Brasil, aplaude todos os
arreganhos militaristas de Hugo Chávez, abre o nosso território à
ocupação por organismos internacionais e sacrifica até os mais óbvios
direitos da nação para favorecer o crescimento dos governos de
esquerda nos países em torno. Quando um presidente explode de
indignação e chega a desferir palavrões contra um de seus próprios
ministros pelo simples fato de que este cedeu à tentação de defender os
interesses nacionais em vez de sacrificá-los à cobiça estrangeira (v.
http://congressoemfoco.ig.com.br/coluna.asp?
cod_canal=14&cod_publicacao=29210), é óbvio que algo de muito
estranho, para não dizer de abertamente criminoso, se passa nas altas
esferas da República, transformadas em agentes locais de um esquema
internacional de dominação.
Ajudando a consolidar o poder e prestígio desse governo, por simples
gratidão a pequenas vantagens momentâneas que ele lhe oferece, a
Confederação Nacional da Indústria contribui, involuntariamente
decerto, para que em breve tempo o Brasil se transforme numa
singularidade geopolítica jamais vista no mundo: uma nação capitalista
cercada de regimes comunistas e governada pelo próprio agente que os
criou. Quanto tempo durará esse capitalismo quando o processo da
revolução continental em torno estiver completado, é pergunta
inteiramente desnecessária: ele durará o tempo exato para que cada
empresário escolha entre submeter-se a um comissário político ou
transformar-se ele próprio em comissário político.
***
Em tempo: Kenneth Maxwell, aquele mesmo consultor do CFR segundo
o qual o Foro de São Paulo não existe (v.
www.olavodecarvalho.org/semana/11232002globo.htm), aparece agora
na Folha (onde mais poderia ser?) jurando que “os latino-americanos
são unânimes em seu apoio a Manuel Zelaya, o presidente hondurenho
derrubado”.
Já desisti de pensar que o problema desse pretenso historiador é
incompetência. Ninguém com diploma de curso primário pode crer
seriamente que um governante foi derrubado por falta de inimigos.
Maxwell é mentiroso, ponto final. É um desinformante profissional. Eis
o único motivo pelo qual é tão apreciado pelo jornal do sr. Frias, órgão
da mídia desconstrucionista que não acredita na existência da
realidade.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090824dc.html
Abaixo o povo brasileiro
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 24 de agosto de 2009
Confirma-se pela enésima vez aquilo que venho dizendo há anos: a
maioria absoluta dos brasileiros, especialmente jovens, é um eleitorado
maciçamente conservador desprovido de representação política, de
ingresso nos debates intelectuais e de espaço na “grande mídia”. É um
povo marginalizado, escorraçado da cena pública por aqueles que
prometeram abrir-lhe as portas da democracia e da participação.
Enquanto as próximas eleições anunciam repetir a já tradicional disputa
em família entre candidatos de esquerda, mais uma pesquisa, desta vez
realizada pela Universidade Federal de Pernambuco, mostra que, entre
jovens universitários, 81% discordam da liberação da maconha e 76%
são contra o aborto. “É um comportamento de aceitação das leis... a
gente vê a religião influenciando muito a vida dos jovens", explica o
coordenador da pesquisa, Pierre Lucena, na notinha miúda, quase
confidencial, com que O Globo, a contragosto, fornece a seus leitores
essa notícia abominável (v.
http://g1.globo.com/jornalhoje/0,,MUL1268367-16022,00-
OS+JOVENS+ESTAO+MAIS+CONSERVADORES+E+PREOCUPADOS
+COM+O+FUTURO.html).
Na Folha de S. Paulo, no Estadão e no Globo, quem quer que pense
como esses jovens – ou seja, o eleitorado nacional quase inteiro – é
considerado um extremista de direita, indigno de ser ouvido. Nas
eleições, nenhum partido ou candidato ousa falar em seu nome. A
intelectualidade tagarela refere-se a eles como a uma ralé
fundamentalista, degenerada, louca, sifilítica. Qualquer político,
jornalista ou intelectual que fale como eles entra imediatamente no rol
dos tipos excêntricos e grotescos, se não na dos culpados retroativos
pelos “crimes da ditadura”, mesmo se cometidos quanto o coitado tinha
três anos de idade.
Nunca o abismo entre a elite falante e a realidade da vida popular foi
tão profundo, tão vasto, tão intransponível. Tudo o que o povo ama, os
bem-pensantes odeiam; tudo o que ele venera, eles desprezam, tudo o
que ele respeita, eles reduzem a objeto de chacota, quando não de
denúncia indignada, como se estivessem falando de um risco de saúde
pública, de uma ameaça iminente à ordem constitucional, de uma
epidemia de crimes e horrores jamais vistos.
Trinta anos atrás eu já sabia que isso ia acontecer. Era o óbvio dos
óbvios. Quando uma vanguarda revolucionária professa defender os
interesses econômicos do povo mas ao mesmo tempo despreza a sua
religião, a sua moral e as suas tradições familiares, é claro que ela não
quer fazer o bem a esse povo, mas apenas usar aqueles interesses como
chamariz para lhe impor valores que não são os dele, firmemente
decidida a atirá-lo à lata de lixo se ele não concordar em remoldar-se à
imagem e semelhança de seus novos mentores e patrões. É
precisamente isto o que está acontecendo. Jogam ao povo as migalhas
do Bolsa-Família, mas, se em troca dessa miséria ele não passa a
renegar tudo o que ama e a amar tudo o que odeia, se ele não consente
em tornar-se abortista, gayzista, quotista racial, castrochavista, pró-
terrorista, defensor das drogas e amante de bandidos, eles o
marginalizam, excluem-no da vida pública, e ainda se acreditam
merecedores da sua gratidão porque lhe concedem de quatro em quatro
anos, democraticamente, generosamente, o direito de votar em partidos
que representam o contrário de tudo aquilo em que ele crê.
Pense bem. Se alguém lhe promete algum dinheiro mas não esconde o
desprezo que tem pelas suas convicções, pelos seus valores sagrados,
por tudo aquilo que você ama e venera, você pode acreditar ele lhe tem
alguma amizade sincera, por mínima que seja? Não está na cara que
essa é uma amizade aviltante e corruptora, que aceitá-la é jogar a
honra e a alma pela janela, é submeter-se a um rito sacrificial abjeto em
troca de uma promessa obviamente enganosa? Só um bajulador
compulsivo, uma alma de cão, aceitaria essa oferta. Mas as mentes
iluminadas que nos governam querem não apenas que o povo a aceite,
mas que a aceite abanando a cauda de felicidade.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090828dc.html
A uma Excelência
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 28 de agosto de 2009
Desafio Vossa Excelência (refiro-me à excelência do seu cargo, pois na
sua pessoa não vejo excelência nenhuma) a provar que estou mentindo:
A tortura é crime hediondo, com o atenuante de, no Brasil, ter sido
praticada seletivamente contra terroristas assassinos. O terrorismo
também é crime hediondo, com o agravante de ter sido praticado
contra populares inocentes.
Os crimes de tortura, reais e supostos, já renderam às suas vítimas
alguns bilhões de reais em indenizações, enquanto as vítimas do
terrorismo não receberam nem mesmo um pedido de desculpas. São
tratadas como uma escória desprezível, culpadas de terem se
atravessado, por bobeira, no caminho do carro da História, então
carregadinho de trastes como Vossa (humpf!) Excelência.
O governo representado por Vossa (repito a ressalva) Excelência tem
dado apoio ao regime cubano, que, numa população muito menor que a
brasileira, torturou e matou e continua torturando e matando
aproximadamente cinqüenta vezes mais pessoas do que a ditadura
brasileira. Vossa (argh!) Excelência é portanto pelo menos tão culpado
de cumplicidade moral com a tortura quanto aqueles a quem acusa.
O governo que Vossa (com o perdão da palavra) Excelência representa
dá apoio ao regime da Coréia do Norte, que neste mesmo momento tem
duzentos mil prisioneiros políticos encarcerados – nenhum terrorista
entre eles, só civis desarmados –, submetidos não só a torturas e maus
tratos infinitamente piores do que aqueles infligidos aos terroristas
brasileiros, mas também a trabalhos forçados, dos quais os bandidos
amados de Vossa (?) Excelência foram totalmente poupados pela
ditadura. Não venha me dizer que apoio a regimes torturadores não é
cumplicidade com a tortura.
Diretamente e/ou através dessa central do crime que é o Foro de São
Paulo, o governo que Vossa (como direi?) Excelência representa dá
integral apoio político às Farc, que neste preciso momento mantêm em
cativeiro, sob condições desumanas e – é claro – sem acusação formal
ou julgamento, aproximadamente sete mil seqüestrados. Tudo o que o
seu governo quer para as Farc é premiá-las não só com a anistia geral e
irrestrita, mas com a elevação delas à condição de partido político
legal, a prova mais patente de que o crime compensa.
Apoiando as Farc, seu governo é ainda cúmplice da morte de dezenas
de milhares de brasileiros sacrificados anualmente pelo narcotráfico
colombiano, diretamente ou através de seus agentes locais, os
celerados do PCC. O governo representado por Vossa (porca miséria!)
Excelência não é cúmplice só de tortura, mas de homicídio em massa.
Comparado a vocês, o famigerado delegado Fleury era um amador, um
principiante. O Champinha, então, nem se fala.
Vossa (ora, bolas!) Excelência carrega a culpa moral de mil vezes mais
crimes do que aqueles a quem acusa e quer punir.
Vossa (isto cansa!) Excelência não tem a mais mínima autoridade moral
para acusar torturadores, assassinos, narcotraficantes ou quem quer
que seja. Vossa (pela última vez) Excelência tem mais é de ir para casa
e esconder a vergonha sem fim da sua vida inútil, destrutiva, toda feita
de fingimento, hipocrisia e engodo.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090831dc.html
Ladeira abaixo
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 31 de agosto de 2009
“Cuán difícil es,
Cuando todo baja,
No bajar también.”
Antonio Machado
Uma classe intelectual bem preparada, culta, mentalmente robusta, é a
garantia única de que as opiniões circulantes na sociedade se manterão
dentro dos limites do verossímil e do razoável, sem extraviar-se em
especulações psicóticas nem cegar-se, com aquela inibição própria das
mentes vulgares, para tudo o que escape à sua visão rotineira e banal
do mundo.
Aqui nos EUA, malgrado a queda vertiginosa do nível do ensino
primário, médio e universitário em comparação com o que havia nos
anos 50, ainda existe uma intelectualidade forte, numerosa e ativa,
assegurando que, nos debates públicos, nenhum aspecto relevante será
de todo ignorado. Mesmo quando a maioria se equivoca, sempre há
algumas inteligências mais despertas que chamam a atenção para o que
interessa, e sua voz, decorrido algum tempo, não raro acaba por
prevalecer.
A rapidez com que os próprios eleitores de Obama perceberam o que
havia de desastroso na proposta econômica, nos planos de saúde e na
política de imigração do novo presidente mostra que os debates entre
estudiosos especializados podem vazar para a população geral e
influenciar decisivamente o rumo dos acontecimentos. Hoje, até a mídia
obamista mais devota confessa que o profeta ungido da campanha
presidencial está desorientado, “com medo até da própria sombra”
(sic). É uma grande derrota que as análises sérias infligem aos
entusiasmos postiços da retórica publicitária.
Já no Brasil o estado de alienação dos “formadores de opinião”, sua
absoluta incapacidade (ou recusa?) de apreender a hierarquia objetiva
dos fatos e fatores, sua total escravidão mental a estereótipos surrados
de oratória estudantil, sua autocastração sacrificial em ritos de bom-
mocismo patético fazem das discussões públicas um permanente
exercício de fuga à realidade, um jogo de esconde-esconde onde todos
são otários, a começar pelos que pretendem ser os maiores vigaristas.
Como é possível, por exemplo, que a ocultação da existência do Foro de
São Paulo pela totalidade da mídia nacional, uma vez revelada, não
tenha se tornado objeto de exame, de debates, nem mesmo por parte
daqueles que posam de observadores e analistas profissionais, se não
acadêmicos, da indústria midiática? Como é possível que fenômeno tão
inusitado e de tão descomunal importância histórica – preparação
indispensável à ascensão e permanência do PT na presidência da
República – não suscite, nessas criaturas sempre dispostas a opinar
sobre tudo o que diz respeito ao jornalismo, senão o impulso de virar os
olhos para o outro lado, de fingir que não viram nada, de encobrir com
uma segunda camada de camuflagens a mais vasta operação-
camuflagem já havida na história da mídia nacional?
O pacto mafioso de lealdade corporativa – menos a uma classe
profissional do que ao seu compromisso esquerdista já velho de três
gerações – explica, é claro, muita coisa. A maior parte dos que
poderiam analisar o fenômeno não deseja fazê-lo porque isso exporia a
um vexame colossal – se não a alguns processos judiciais – quase todos
os diretores de jornais, chefes de redação, comentaristas políticos, etc.
O cuidado com que os pretensos estudiosos de mídia contornam essa
hipótese constrangedora é tamanho, tão meticulosa a escrupulosidade
com que evitam magoar colegas de ofício e companheiros de ideologia,
que o direito do público à informação veraz simplesmente desaparece
do seu horizonte de consciência. Eles tornam-se, assim, ainda mais
criminosos que os autores do delito inicial. Promovem a ocultação da
ocultação, o acobertamento do acobertamento, a desinformátzia da
desinformátzia.
Essa epidemia de sem-vergonhice midiática, porém, jamais seria
possível se, acima da classe jornalística, existisse uma intelectualidade,
acadêmica ou não, capaz de sobrepor o desejo de compreensão dos
fatos aos miúdos interesses, temores, preconceitos e safadezas de uma
máfia profissional desprezível.
Infelizmente, essa intelectualidade inexiste no Brasil. A total destruição
da cultura superior, a instrumentalização das instituições de cultura
como órgãos de promoção de nulidades politicamente convenientes –,
foi a condição prévia sem a qual a ética dos fiscais da ética alheia não
poderia jamais ter descido tão baixo.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090903dc.html
Lula, você é o cara
Olavo de Carvalho (pela transcrição) Diário do Comércio, 3 de setembro de 2009
Não sei quem é Caio Lucas nem por quais vias este seu escrito admirável veio parar na minha caixa postal. O que não posso é deixar de repassar aos leitores do Diário do Comércio a sua mensagem, na qual os devotos do nosso presidente encontrarão as respostas objetivas aos seus arrebatamentos retóricos de sicofantas compulsivos. Não há neste artigo, o qual aqui transcrevo com duas ou três correçõezinhas de português que em nada afetam o seu conteúdo, uma só linha que não traga uma verdade incontestável. Parabéns, Caio Lucas, seja lá você quem for. – O. de C.
Lula, você é o cara.
Você é o cara que esteve por dois mandatos à frente desta nação e não
teve coragem nem competência para implantar reforma alguma neste
país, pois as reformas tributárias e trabalhistas nunca saíram do papel,
e a educação, a saúde e a segurança estão piores do que nunca.
Você é o cara que mais teve amigos e aliados envolvidos, da cuéca ao
pescoço, em corrupção e roubalheira, gastando com cartões
corporativos e dentro de todos os tipos de esquemas.
Você é o cara que conseguiu inchar o Estado brasileiro com tantos e
tantos funcionários e ainda assim fazê-lo funcionar pior do que antes.
Você é o cara que mais viajou como presidente deste país, tão
futilmente e às nossas custas.
Você é o cara que aceitou todas as ações e humilhações contra o Brasil
e os brasileiros diante da Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai e
outros.
Você é o cara que, por tudo isso e mais um monte de coisas,
transformou este país em um lugar libertino e sem futuro para quem
não está no grande esquema.
Você é o cara que transformou o Brasil em abrigo de marginais
internacionais, negando-se, por exemplo, a extraditar um criminoso
para um país democrático que o julgou e condenou democraticamente.
Você é o cara que transformou corruptos e bandidos do passado em
aliados de primeira linha.
Você é o cara que está transformando o Brasil num país de parasitas e
vagabundos, com o Bolsa-Família, com as indenizações imorais da
“bolsa terrorismo”, com o repasse sem limite de recursos ao MST, o
maior latifúndio improdutivo do mundo e abrigo de bandidos e
vagabundos que manipulam alguns verdadeiros colonos.
É, Lula! Você é o cara...
É o cara-de-pau mais descarado que o Brasil já conheceu.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090908dc.html
Dois códigos morais
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 8 de setembro de 2009
A entrevista do Cabo Anselmo ao programa “Canal Livre” (TV
Bandeirantes, 26 de agosto,
http://www.averdadesufocada.com/index.php?
option=com_content&task=view&id=2267&Itemid=34) é um dos
documentos mais importantes sobre a história das últimas décadas e
mereceria uma análise detalhada, que não cabe nas dimensões de um
artigo de jornal. Limito-me, portanto, a chamar a atenção do leitor para
um detalhe: o confronto do entrevistado com os jornalistas foi, por si,
um acontecimento revelador, talvez até mais que o depoimento
propriamente dito.
Logo de início, o apresentador Boris Casoy perguntou se Anselmo se
considerava um traidor. Ele aludia, é claro, ao fato de que o
personagem abandonara um grupo terrorista para transformar-se em
informante da polícia. Para grande surpresa do jornalista, o
entrevistado respondeu que sim, que era um traidor, que traíra seu
juramento às Forças Armadas para aderir a uma organização
revolucionária. A distância entre duas mentalidades não poderia
revelar-se mais clara e mais intransponível. Para a classe jornalística
brasileira em peso, o compromisso de um soldado para com as Forças
Armadas não significa nada; não há desdouro em rompê-lo. Já uma
organização comunista, esta sim é uma autoridade moral que, uma vez
aceita, sela um compromisso sagrado. Nenhum jornalista brasileiro
chama de traidor o capitão Lamarca, que desertou do Exército levando
armas roubadas, para matar seus ex-companheiros de farda. Traidor é
Anselmo, que se voltou contra a guerrilha após tê-la servido. Anselmo
desmontou num instante a armadilha semântica, mostrando que existe
outra escala de valores além daquela que o jornalismo brasileiro, com
ares da maior inocência, vende como única, universal e obrigatória.
O contraste mostrou-se ainda mais flagrante quando o jornalista
Fernando Mitre, com mal disfarçada indignação, perguntou se Anselmo
não poderia simplesmente ter abandonado a esquerda armada e ido
para casa, em vez de passar a combatê-la. Em si, a pergunta era
supremamente idiota: ninguém – muito menos um jornalista experiente
– pode ser ingênuo o bastante para imaginar que uma organização
revolucionária clandestina em guerra é um clube de onde se sai quando
se quer, sem sofrer represália ou sem entregar-se ao outro lado.
Conhecendo perfeitamente a resposta, Mitre só levantou a questão para
passar aos telespectadores a mensagem implícita do seu código moral,
o mesmo da quase totalidade dos seus colegas: você pode ter as
opiniões que quiser, mas não tem o direito de fazer nada contra os
comunistas, mesmo quando eles estão armados e dispostos a tudo. Ser
anticomunista é um defeito pessoal que pode ser tolerado na vida
privada: na vida pública, sobretudo se passa das opiniões aos atos, é um
crime. Não que todos os nossos profissionais de imprensa sejam
comunistas: mas raramente se encontra um deles que não odeie o
anticomunismo como se ele próprio fosse comunista. Essa afinidade
negativa faz com que, no jornalismo brasileiro, a única forma de
tolerância admitida seja aquela que Herbert Marcuse denominava
“tolerância liberdadora”, isto é: toda a tolerância para com a esquerda,
nenhuma para com a direita.
Mais adiante, ressurgiu na entrevista o episódio do tribunal
revolucionário que condenara Anselmo à morte. Avisado por um policial
que se tornara seu amigo, Anselmo fugira em tempo, enquanto os
executores da sentença, ao chegar à sua casa para matá-lo, eram
surpreendidos pela polícia e mortos em tiroteio. De um lado, os
entrevistadores, ao abordar o assunto, tomavam como premissa
indiscutível a crença de que Anselmo fora responsável por essas
mortes, o que é materialmente absurdo, já que troca o receptor pelo
emissor da informação. De outro lado, todos se mostraram indignados –
contra Anselmo – de que no confronto com a polícia morresse, entre
outros membros do tribunal revolucionário, a namorada do próprio
Anselmo. Em contraste, nenhum deu o menor sinal de enxergar algo de
mau em que a moça tramasse com seus companheiros a morte do
namorado. Entendem como funciona a “tolerância libertadora”?
A quase inocência com que premissas esquerdistas não-declaradas
modelam a interpretação dos fatos na nossa mídia mostra que,
independentemente das crenças conscientes de cada qual,
praticamente todos ali são escravos mentais da auto-idolatria
comunista.
Ao longo de toda a conversa, os jornalistas se mantiveram
inflexivelmente fiéis à lenda de que os guerrilheiros dos anos 70 eram
jovens idealistas em luta contra uma ditadura militar, como se não
estivessem entrevistando, precisamente, a testemunha direta de que a
guerrilha fôra, na verdade, parte de um gigantesco e bilionário
esquema de revolução comunista continental e mundial, orientado e
subsidiado pelas ditaduras mais sangrentas e genocidas de todos os
tempos. Anselmo colaborou com a polícia sob ameaça de morte, é certo,
mas persuadido a isso, também, pela sua própria consciência moral:
tendo visto a verdade de perto, perdeu todas as ilusões sobre o
idealismo e a bondade das organizações revolucionárias – aquelas
mesmas ilusões que seus entrevistadores insistiam em repassar ao
público como verdades inquestionáveis – e optou pelo mal menor:
quem, em sã consciência, pode negar que a ditadura militar brasileira,
com todo o seu cortejo de violências e arbitrariedades, foi infinitamente
preferível ao governo de tipo cubano ou soviético que os Lamarcas e
Marighelas tentavam implantar no Brasil? Ao longo de seus vinte anos
de governo militar, o Brasil teve dois mil prisioneiros políticos, o último
deles libertado em 1988, enquanto Cuba, com uma população muito
menor, teve cem mil, muitos deles na cadeia até hoje, sem acusação
formal nem julgamento. A ditadura brasileira matou trezentos
terroristas, a cubana matou dezenas de milhares de civis desarmados.
Evitar comparações, isolar a violência militar brasileira do contexto
internacional para assim realçar artificialmente a impressão de horror
que ela causa e poder apresentar colaboradores do genocídio
comunista como inofensivos heróis da democracia, tal é a regra
máxima, a cláusula pétrea do jornalismo brasileiro ao falar das décadas
de 60-70. Boris Casoy, Fernando Mitre e Antonio Teles seguiram a
norma à risca. Desta vez, porém, o artificialismo da operação se desfez
em pó ao chocar-se contra a resistência inabalável de uma testemunha
sincera.
Conhecendo as muitas complexidades e nuances da sua escolha,
Anselmo revelou, no programa, a consciência moral madura de um
homem que, escorraçado da sociedade, preferiu dedicar-se à meditação
séria do seu passado e da História em vez de comprazer-se na
autovitimização teatral, interesseira e calhorda, que hoje rende bilhões
aos ex-terroristas enquanto suas vítimas não recebem nem um pedido
de desculpas.
Moral e intelectualmente, ele se mostrou muito superior a seus
entrevistadores, cuja visão da história das últimas décadas se resume
ao conjunto de estereótipos pueris infindavelmente repetidos pela mídia
e consumidos por ela própria. O fato de que até Boris Casoy, não sendo
de maneira alguma um homem de esquerda, pareça ter-se deixado
persuadir por esses estereótipos, ilustra até que ponto a pressão moral
do meio tornou impossível a liberdade de pensamento no ambiente
jornalístico brasileiro.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090914dc.html
A África às avessas
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 14 de setembro de 2009
O terceiromundismo, que foi uma invenção de Stálin, acabou por se
tornar - e é até hoje - uma das fontes maiores da autoridade do espírito
revolucionário, instilando na alma da civilização ocidental um complexo
de culpa inextinguível e obtendo dele toda sorte de lucros morais,
políticos e financeiros. Subscrita pelos organismos internacionais,
alimentada por fundações bilionárias e várias dúzias de governos,
trombeteada por incansáveis tagarelas como Noam Chomsky e Edward
Said, entronizada como doutrina oficial por toda a grande mídia da
Europa e dos EUA, essa ideologia toda feita de mendacidade
oportunista acabou por se impregnar tão profundamente na opinião
pública que qualquer tentativa de contestá-la, mesmo em tom neutro e
acadêmico, vale hoje como prova inequívoca de "racismo".
Um de seus dogmas principais é justamente a acusação de racismo,
atirada genericamente ao rosto de toda a cristandade por incontáveis
exércitos de intelectuais ativistas e, nas últimas décadas, por todos os
porta-vozes do radicalismo islâmico. Imbuído da crença na inferioridade
congênita dos negros, o homem branco europeu teria sido, segundo
essa doutrina, o escravagista por excelência, dizimando a população
africana e financiando, com a desgraça do continente negro, a
Revolução Industrial que enriqueceu o Ocidente.
Tudo, nessa teoria, é mentira. A começar pela inversão da cronologia.
Os europeus só chegaram à África por volta da metade do século XV.
Muito antes disso o desprezo racista pelos negros era senso comum
entre os árabes, como se vê pela palavra de alguns de seus mais
destacados intelectuais. Extraio estes exemplos do livro de Bernard
Lugan, Afrique, l'Histoire à l'Endroit (Paris, Perrin, 1989):
Ibn Khaldun, o historiador tunisino (1332-1406), assegura que, se os
sudaneses são caracterizados pela "leviandade e inconstância", nas
regiões mais ao sul "só encontramos homens mais próximos dos animais
que de um ser inteligente. Eles vivem em lugares selvagens e grutas,
comem ervas e grãos crus e, às vezes, comem-se uns aos outros. Não
podemos considerá-los seres humanos".
O escritor egípcio Al-Abshihi (1388-1446) pergunta: "Que pode haver de
mais vil, de mais ruim do que os escravos negros? Quanto aos mulatos,
seja bom com eles todos os dias da sua vida e de todas as maneiras
possíveis, e eles não lhe terão a menor gratidão: será como se você
nada tivesse feito por eles. Quanto melhor você os tratar, mais eles se
mostrarão insolentes; mas, se você os maltratar, eles mostrarão
humildade e submissão."
Iyad Al-Sabti (1083-1149) escreve que os negros são "de todos os
homens, os mais corruptos e os mais dados à procriação. Sua vida é
como a dos animais. Não se interessam por nenhum assunto do mundo,
exceto comida e mulheres. Fora disso, nada lhes merece a atenção."
Ibn Butlan, reconhecendo que as mulheres negras têm o senso do ritmo
e resistência para os trabalhos pesados, observa: "Mas não se pode
obter nenhum prazer com elas, tal o odor das suas axilas e a rudeza do
seu corpo".
Em contrapartida, teorias que afirmavam a inferioridade racial dos
negros não se disseminaram na Europa culta senão a partir do século
XVIII (cf. Eric Voegelin, The History of the Race Idea. From Ray to
Carus, vol. III das Collected Works, Baton Rouge, Louisiana State
University Press, 1998). Ou seja: os europeus de classe letrada
tornaram-se racistas quase ao mesmo tempo em que o tráfico declinava
e em que eclodiam os movimentos abolicionistas, dos quais não há
equivalente no mundo árabe, de vez que a escravidão é permitida pela
religião islâmica e ninguém ousaria bater de frente num mandamento
corânico.
O racismo antinegro é pura criação árabe e, na Europa, não contribuiu
em nada para fomentar o tráfico negreiro.
Característica inversão do tempo histórico é o estereótipo,
universalmente aceito, do colonialista europeu invadindo a África com
um crucifixo na mão, decidido a impor a populações inermes a religião
dos brancos. O cristianismo foi religião de negros muito antes de ser
religião de brancos europeus. Havia igrejas na Etiópia no tempo em que
os ingleses ainda eram bárbaros pagãos. Mais de mil anos antes das
grandes navegações, era na África que estavam os reinos cristãos mais
antigos do mundo, alguns bastante cultos e prósperos. Foram os árabes
que os destruíram, na sanha de tudo islamizar à força. Boa parte da
região que vai desde o Marrocos, a Líbia, a Argélia e o Egito até o
Sudão e a Etiópia era cristã até que os muçulmanos chegaram,
queimaram as igrejas e venderam os cristãos como escravos. Quatro
quintos do prestígio das lendas terceiromundistas repousam na
ocultação desse fato.
À inversão da cronologia soma-se, como invariavelmente acontece no
discurso revolucionário, a da responsabilidade moral. Não é nem
necessário dizer que a fúria verbal dos árabes de hoje contra a
"civilização cristã escravagista" é pura culpa projetada: se os europeus
trouxeram para as Américas algo entre doze e quinze milhões de
escravos, os mercadores árabes levaram para os países islâmicos
aproximadamente outro tanto, com três diferenças: (1) foram eles que
os aprisionaram - coisa que os europeus nunca fizeram, exceto em
Angola e por breve tempo -; (2) castraram pelo menos dez por cento
deles, costume desconhecido entre os traficantes europeus; (3)
continuaram praticando o tráfico de escravos até o século XX. O
escravagismo árabe foi assunto proibido por muito tempo, mas o tabu
pode-se considerar rompido desde que a editora Gallimard, a mais
prestigiosa da Franca, consentiu em publicar o excelente estudo do
autor africano Tidiane N'Diaye, Le Genocide Voilé (2008), que
comentarei outro dia.
Mas não são só os árabes que têm culpas a esconder por trás de um
discurso de acusação indignada. A escravidão era norma geral na África
muito antes da chegada deles, e hoje sabe-se que a maior parte dos
escravos capturados eram vendidos no mercado interno, só uma
parcela menor sendo levada ao exterior. Quando os apologistas da
civilização africana enaltecem os grandes reinos negros de outrora,
geralmente se omitem de mencionar que esses Estados (especialmente
Benin, Dahomey, Ashanti e Oyo) deveram sua prosperidade ao tráfico
de escravos, do qual sua economia dependia por completo.
Especialmente o reino de Oyo, escreve Lugan, "desenvolveu um notável
imperialismo militar desde fins do século XVII, buscando atingir o
oceano para estabelecer contatos diretos com os brancos. Já antes
disso, a força guerreira de Oyo, especialmente sua cavalaria, permitia
uma abundante colheita de escravos que ela aprisionava ao sul, entre
os Yoruba, e no norte entre os Bariba e os Nupê. Tradicionalmente, os
numerosos cativos tornavam-se escravos no seio da sociedade dos
vencedores. Com a aparição do tráfico europeu, uma parte - mas só
uma parte - foi encaminhada ao litoral."
Num próximo artigo mostrarei mais algumas inversões prodigiosas que
o discurso terceiromundista opera na história da escravidão africana.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090916dc.html
FHC, vendido à CIA?
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 16 de setembro de 2009
O livro da Sra. Frances Stonor Saunders, Quem Pagou a Conta? A CIA
na Guerra Fria da Cultura (Record, 2008), que já mencionei, meses
atrás (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/080214jb.html), é um
estudo com ares de seriedade acadêmica, onde os fatos vêm tão bem
documentados quanto meticulosamente isolados dos dados
comparativos necessários à sua avaliação racional. Deveria ser auto-
evidente que o relato de um conflito bélico ou político, como de uma
partida de futebol, só faz sentido se as ações de um dos contendores
aparecerem articuladas às do seu adversário. Suprimida metade do
enredo, a outra metade pode adquirir as proporções e o significado que
a imaginação de cada um bem entenda. A imaginação da Sra. Saunders
empenha-se em deformar a história da Guerra Fria com uma constância
obstinada e uma coerência metódica que excluem, desde logo, a
hipótese da mera incompetência. Por isso mesmo ela se tornou uma
autora tão querida da mídia brasileira, que na obra da pesquisadora
inglesa se compraz voluptuosamente em enxergar, refletida e adorável,
a imagem da sua própria mendacidade.
Se o livro todo já é uma tentativa de dar ares de escândalo a
presumidas revelações históricas que antes dele qualquer leitor poderia
ler tranqüilamente no próprio site oficial da CIA e nas memórias de
inúmeros personagens envolvidos nos acontecimentos, não é de
espantar que os jornalistas brasileiros encontrem nele um de seus
alimentos espirituais prediletos: a denúncia de uma conspiração
direitista milionária destinada a colocar o Brasil sob o domínio do
imperialismo ianque, com a ajuda de políticos locais bem subsidiados
pelo dinheiro daquela agência americana, entre os quais o ex-
presidente Fernando Henrique Cardoso.
A prova da trama, que vem circulando com grande frisson entre os
círculos "nacionalistas" da internet desde que alardeada pela
inteligência glútea do jornalista Sebastião Nery, é a verba de 800 mil
dólares, ou talvez um milhão, concedida em 1969 pela Fundação Ford
para que Fernando Henrique e outros professores demitidos da USP
criassem o Cebrap, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. A
Fundação, afirma a dupla Saunders-Nery, era um braço da CIA, e a
operação toda era um lance da guerra cultural anticomunista. FHC
teria sido comprado pela direita, traindo seus ideais esquerdistas de
juventude.
O que a Sra. Saunders não conta - e Sebastião Nery ignora ou finge
ignorar por completo - é que a Fundação Ford, se alguma posição
tomou na guerra cultural, foi contra os EUA. Na década de 50 ela já foi
denunciada por uma comissão parlamentar de inquérito por sua
persistente colaboração com a propaganda soviética (v. René Wormser,
Foundations, Their Power and Influence, New York, Devin-Adair, 1958,
e Phil Kent, Foundations of Betrayal. How the Super-Rich Undermine
America, Johnson City, TN, Zoe Publications, 2007); e hoje em dia os
programas que ela continua subsidiando - cotas raciais, feminismo,
gayzismo, abortismo - constituem o ideário cultural inteiro da esquerda
no mundo. Se isso é "imperialismo ianque", eu sou o Sebastião Nery em
pessoa.
A Fundação Ford trabalha, sim, para um projeto imperialista, mas não
americano. Trabalha para o internacionalismo socialista, de inspiração
fabiana, empenhado em demolir a soberania dos EUA para substitui-la
progressivamente por uma Nova Ordem Mundial altamente
centralizada, estatista e controladora, da qual o governo Barack Obama
é um dos instrumentos mais ativos hoje em dia.
Tanto a Fundação quanto FHC podem ser acusados de tudo, menos de
terem feito algum mal à esquerda. E não deixa de ser uma prova da
debilidade da direita - americana, brasileira ou mundial - o fato de que
ela raramente ofereça uma reação à altura quando acusada dos
pecados de seus próprios inimigos. Ao contrário: quantos, entre os
direitistas brasileiros, especialmente militares, ansiosos por mostrar
que são mais anti-americanos do que direitistas, não são os primeiros a
fazer coro a mentirosos compulsivos como Saunders e Nery?
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090921dc.html
Notas para um índice
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 21 de setembro de 2009
A semana foi tão rica em acontecimentos políticos dignos de atenção,
que não resta ao comentarista senão anotar brevemente uns poucos,
como num índice temático, para analisá-los com mais detalhe na
primeira oportunidade, se alguma houver.
Na escala nacional, veio, em primeiro lugar, a expressão de entusiasmo
do sr. Presidente da República diante do fato de que "pela primeira vez
na hiftória defte paíf", uma eleição presidencial se realizará
exclusivamente entre candidatos de esquerda. A memória do ilustre
mandatário não é das melhores. Em 2002 os candidatos eram ele
próprio, José Serra, Anthony Garotinho e Ciro Gomes, cada qual
esforçando-se para mostrar, nos debates, que era mais esquerdista que
os outros. Em 2006 o concorrente Geraldo Alckmin, além de parasitar o
estilo politicamente correto com um servilismo exemplar, evitou
cuidadosamente qualquer confronto ideológico por mais mínimo que
fosse e ajudou o adversário a ocultar a existência do Foro de São Paulo.
Se algum direitismo havia nele, permaneceu invisível, inodoro,
imperceptível. O monopólio esquerdista do discurso ideológico não foi
rompido em momento algum. A única novidade, agora, é que o governo
celebra esse estado de coisas em vez de lamentá-lo como prova
inequívoca de que a concorrência democrática normal foi extinta, de
que, eliminada toda possibilidade de divergência ideológica, só o que
sobrou foi a disputa de cargos entre grupos ideologicamente afins, isto
é: o regime de partido único, com suas várias subcorrentes internas
nomeadas como "partidos" só como concessão verbal provisória a
eventuais nostalgias democráticas remanescentes, cada vez mais débeis
e conformadas. A obscena alegria presidencial diante dessa
monstruosidade prova que a substituição da democracia genuína pelo
"centralismo democrático" leninista tem sido o objetivo de toda a
esquerda brasileira há várias décadas, finalmente realizado acima de
qualquer possibilidade de reversão do estado de coisas.
Concomitantemente, apareceu, no Estado de S. Paulo do dia 13, a
confissão de vários guerrilheiros dos anos 70, de que haviam sido
treinados e financiados, uns pela Coréia do Norte, outros pela China
comunista. Mais uma prova, se alguma faltasse, de que a "luta armada"
da esquerda não foi um empreendimento heróico de resistência
democrática à ditadura (como poderia sê-lo, se começou antes de
1964?), mas sim um ato de traição, uma intervenção estrangeira, a
manifestação local de um movimento subversivo mundial, bilionário,
orientado e subsidiado pelas ditaduras mais sangrentas e genocidas que
a humanidade já conheceu (v.
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/coreia-do-norte-treinou-
guerrilha-brasileira/). Hoje em dia esse movimento está mais forte do
que nunca (v. Robert Chandler, Shadow World. Ressurgent Russia, The
Global New Left and Radical Islam, Washington D.C., Regnery, 2008) e,
no Brasil, tem o poder total, excluída toda veleidade de oposição séria e
reduzida a política às disputas internas da facção dominante.
Nos EUA, a maior manifestação de protesto da história americana,
reunindo mais de um milhão de pessoas (v. as fotos em
http://www.midiasemmascara.com.br/index.php?
option=com_content&view=article&id=8626:contra-o-humanitarismo-
de-estado&catid=104:outros&Itemid=122), foi solenemente ignorada
pelos jornais e TVs, com exceção da FoxNews, exatamente como tinha
acontecido com as manifestações preparatórias realizadas em duas mil
cidades - um movimento mais vasto e poderoso do que todos os
protestos dos anos 70 contra a guerra do Vietnã. Cada vez está mais
claro que a "grande mídia" se tornou mero instrumento de ocultação e
desinformação a serviço do aparato partidário-estatal esquerdista,
reduzindo sua própria confiabilidade a zero. O espantoso na
mobilização (voltada contra a política econômica do governo e
especialmente contra o plano de saúde, o Obamacare, que muitos
chamam de Obamascare) é que não tem nenhum financiamento
bilionário por trás e nenhum apoio partidário (os republicanos
chegaram tarde, rebocados pela massa). Se alguma vez houve no
mundo um "movimento popular", é esse.
Quase ao mesmo tempo, documentos divulgados pela Canadian Free
Press mostram que a cúpula nacional do Partido Democrata, incluindo a
sra. Nancy Pelosi, esteve consciente, desde o começo da campanha
presidencial, de que Barack Obama, por falta de documentos que
atestassem cabalmente sua nacionalidade americana, não tinha as
qualificações legais para ocupar a presidência. Tão logo Obama foi
escolhido, o Comitê Nacional Democrata redigiu uma declaração
apresentando o candidato e afirmando que ele tinha essas qualificações.
Em seguida esse documento foi escondido, e em seu lugar foi
distribuído um outro, sem a menção às qualificações (leia a história
inteira em http://canadafreepress.com/index.php/article/14583).
Logo que a questão dos documentos apareceu na internet, meses atrás,
escrevi que a escolha de Obama não fora nenhum lapso, que ele tinha
sido selecionado de propósito, precisamente por ser um pequeno
farsante com uma história de vida totalmente inventada, portanto um
sujeito fácil de chantagear e controlar e, mais ainda, um candidato
ilegítimo cuja presença no mais alto cargo da nação era, por si só, um
desafio aberto à Constituição - uma Constituição que há décadas os
Clintons, os Gores, as Pelosis e tutti quanti sonham em destruir. Dito e
feito. Hoje, oitenta por cento da equipe de governo são gente dos
Clinton. Os vinte por cento restantes - a única parcela fiel a Obama -
são os bandidinhos de Chicago, que, no fim das contas, não apitam
nada. Obama é o instrumento perfeito para criar uma crise
constitucional e, uma vez cumprido seu papel, pode ser jogado fora,
restando no poder o velho esquema clintoniano. O modo de atuação dos
bandidinhos também tornou-se claro no decorrer da semana, quando
agentes da Acorn (a ONG que distribuiu títulos de eleitor falsos para
favorecer a eleição de Obama, o qual no segundo dia de governo
retribuiu o favor com uma verba federal de cinco bilhões de dólares -
sim, cinco bilhões) foram flagrados ensinando cafetinas a cavar
subsidios estatais para seus bordéis. São essas coisinhas que a gangue
de Obama sabe fazer. A parte adulta do serviço é com os Clintons.
Ainda na mesma semana, os fatos mostraram a perfeita convergência
de propósitos entre o governo Obama, a ONU e os generais da China na
luta pela destruição da soberania americana e pela instauração de um
governo mundial. Enquanto Obama anuncia uma política econômica
que inevitavelmente traz de volta a inflação, os chineses, que têm
enormes reservas de dólares, clamam pela instauração de uma moeda
única em todo o planeta e são secundados nisso pelas mentes
iluminadas da ONU. Só pessoas com QI inferior a 12 verão nisso um
lindo encontro de coincidências. Criar dificuldades para vender
facilidades é o truque mais velho do mundo, e não é a primeira vez que
os globalistas o aplicam.
Por falar em articulações, vocês já repararam que as fontes do
antitabagismo militante são as mesmas da campanha pela liberação das
drogas pesadas? Estudem, pesquisem, raciocinem, e obterão aí uma
lição inesquecível sobre como funciona o poder no mundo de hoje.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090923dc.html
Transformando a CIA numa KGB
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 23 de setembro de 2009
No livro da Sra. Saunders, que mencionei no artigo anterior, a inversão
do detalhe FHC é, no fim das contas, dos males o menor. A tese
essencial da obra - a de que a CIA até ultrapassou a KGB em seu
esforço de seduzir e manipular intelectuais e escritores - é de alto a
baixo uma inversão.
Um dos fatos centrais da história das idéias no século XX foi a ofensiva
cultural soviética no Ocidente, que começou bem antes da II Guerra
Mundial e, mutatis mutandis, continua até hoje. A extensão desse
fenômeno pode avaliar-se pelo fato de que a influência comunista no
cinema americano, começando modestamente com a Writer's Guild de
John Howard Lawson, acabou por dominar Hollywood praticamente
inteira a partir da década de 60, fazendo da indústria cinematográfica a
fortaleza invencível do anti-americanismo cultural, lado a lado com as
universidades e a "grande mídia" (v. Ronald Radosh, Red Star Over
Hollywood. The Film Colony's Long Romance with the Left, San
Francisco, Encounter Books, 2005, e Michael Medved, Hollywood vs.
America, New York, HarperCollins, 1992). Jamais houve uma operação
de guerra cultural tão vasta, tão rica e tão bem sucedida. A linguagem,
os critérios de julgamento e os cacoetes mentais colocados em
circulação pela KGB desde os anos 30 impregnaram-se de tal modo na
indústria cultural e midiática dos EUA que hoje soam como se fossem o
que há de mais genuinamente americano no mundo. Acentuada pelo
fato de que a mentalidade pró-americana foi sendo banida e
criminalizada ao ponto de que hoje a simples tentação de tomar partido
dos EUA em qualquer guerra ou confrontação política soa como
intolerável extremismo de direita, se não de racismo, a impressão de
espontaneísmo autóctone do anti-americanismo chique dissipa-se assim
que você rastreia a origem das opiniões, das figuras de linguagem e dos
estereótipos dominantes - uma investigação que está infinitamente
acima das possibilidades do leitor comum. Aí você descobre que hoje a
elite americana fala do seu país na linguagem criada por Willi
Münzenberg, o pioneiro da ofensiva cultural soviética (v. Sean
McMeekin, The Red Millionaire. A Political Biography of Willi
Münzenberg, Moscow's Secret Propaganda Tzar in the West, Yale
University Press, 2003). A lenta mutação de mentalidade foi criando as
condições para que, depois de muitas décadas de preparação
psicológica, o eleitorado americano aceitasse, às tontas, um presidente
empenhado em socializar de um só golpe a economia americana, em
desmantelar o sistema de defesas do país e em criminalizar toda e
qualquer expressão de patriotismo americano tradicional.
Contra a influência avassaladora e onipresente da propaganda
soviética, tudo o que a CIA fez foi esboçar, nos anos 50, um "Congresso
pela Liberdade da Cultura", imitando em escala miniaturizada os
procedimentos do concorrente (financiar revistas de cultura, seduzir
artistas e jornalistas, etc.), com duas diferenças: as verbas a seu serviço
eram incomparavelmente menores (a sra. Saunders fala em "dezenas de
milhões de dólares", uma miséria pelos padrões da KGB) e seus
colaboradores participavam da coisa por livre vontade, sem medo de ir
para o Gulag em caso de recusa (os próprios criadores da ofensiva
cultural soviética acabaram caindo em desgraça: Karl Radek morreu na
prisão e Münzenberg, esgotada sua utilidade, foi assassinado a mando
de Stalin).
Omitindo-se de todo exame comparativo, a Sra. Saunders cria a
impressão de que o Congresso foi algo de tão majestoso,
impressionante e temível quanto o chamado "Münzenberg Trust", a
rede mundial de jornais, revistas, editoras, estúdios de cinema,
estações de rádio, bancos, universidades e agências de turismo,
presidida pelo maior gênio da guerra cultural de todos os tempos. Em
conclusão, aquilo que foi, ante a pujança do adversário, nada mais que
um tiro de estilingue, fica parecendo uma guerra imperialista
descomunal, intrusiva e sem motivo.
O simples cotejo geográfico bastaria para mostrar que as denúncias da
Sra. Saunders não passam de encenação forçada. Vejam a extensão da
presença comunista nas artes e espetáculos dos EUA e perguntem se
algum estúdio de cinema, jornal ou negócio editorial em Moscou foi
algum dia controlado pela CIA. A ofensiva cultural soviética penetrou
fundo no próprio território americano, ao passo que os americanos
podiam, no máximo, tentar defender algumas áreas de influência nos
países amigos. Diante dessa desproporção, que é que pode ter havido
de abusivamente imperialista no Congresso pela Liberdade da Cultura,
exceto do ponto de vista da própria desinformação soviética, da qual a
Sra. Saunders se faz, assim, fiel servidora?
A Sra. Saunders eleva a hipérbole às alturas do delírio megalômano ao
declarar que, subsidiando um exército de intelectuais e artistas, "a CIA
funcionava, na verdade, como o ministério da Cultura dos EUA". A
insinuação não resiste ao mais mínimo confronto com o anti-
americanismo geral da indústria cultural americana, mas isso não abala
em nada as certezas da Sra. Saunders nem muito menos amortece a
credulidade de seus leitores brasileiros.
Entre outras maldades gratuitas praticadas pela CIA, segundo disse a
sra. Saunders em estrevista à Folha, esteve a proibição de que
"escritores progressistas", como Pablo Neruda e Jean-Paul Sartre,
participassem da operação. Na verdade, "escritores progressistas"
eram o grosso da tropa a serviço do Congresso, que cortejava a
esquerda moderada para jogá-la contra a esquerda radical (uma
burrada, na minha modesta opinião, mas nem por isso um dado
histórico menos certo). E nem Neruda nem Sartre eram "progressistas",
a não ser no sentido que essa palavra tem, em código, no vocabulário
da propaganda comunista: o primeiro era um agente pago da KGB, o
segundo um virulento apóstolo do genocídio comunista, persuadido de
que "todo anticomunista é um cão" e empenhado em mostrar à Europa
a bondade e o humanismo do regime cambojano de Pol-Pot. A Folha,
que é ela própria um órgão de desinformação pró-comunista,
naturalmente publica as declarações da Sra. Saunders sem esses dados
complementares que as desmentem por inteiro.
Na mesma entrevista, a Sra. Saunders revela toda a extensão da sua
desonestidade quando o repórter da Folha lhe pergunta se as operações
da CIA na guerra cultural se igualam à propaganda nazista e soviética.
Não podendo responder que sim, pois o exagero seria flagrante demais,
mas não querendo também admitir que o governo americano é mais
decente que o nazista ou o soviético, ela se safa explicando que "o que a
CIA fez foi infinitamente mais sofisticado do que fizeram os nazistas ou
os soviéticos… foi uma forma muito sutil de propaganda, em que as
pessoas envolvidas em sua produção, e aquelas envolvidas em seu
consumo, sequer sabiam o que é propaganda". Quem conhece a história
sabe que a CIA não inventou essa "forma sutil de propaganda", apenas
a copiou, atenuada, do que os soviéticos já faziam desde os anos 30. A
propaganda indireta era a base mesma da técnica Munzenberg nas
democracias ocidentais, reservando-se a doutrinação grossa para o
Terceiro Mundo e as populações dos próprios países comunistas.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090928dc.html
Honduras contra a mentira global
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 28 de setembro de 2009
Se algo os acontecimentos recentes em Honduras confirmam, é aquilo
que venho dizendo há anos: quem quer que, sem ser esquerdista, preste
algum favorzinho aos esquerdistas, acaba sendo acusado por eles de
fazer exatamente o contrário do que fez, de ser um direitista feroz e
intolerante que só os persegue, maltrata e atemoriza.
Em 28 de junho, a Suprema Corte de Honduras determinou a prisão do
presidente Manuel Zelaya por ter infringido a Constituição e ameaçado
usar a força contra o poder legislativo. Os militares, em vez de executar
a ordem, deixaram-se enternecer pelo desgraçado e permitiram que ele
escapasse para a Costa Rica. Resultado: a esquerda mundial inteira os
acusa de ter “expulsado” Zelaya, de ter dado um “golpe”, de ter
“rompido a estabilidade das instituições”.
Se tivessem prendido o delinqüente e o levado a julgamento, a esquerda
mundial poderia estar tão enfezada quanto está agora, mas não teria
nenhum pretexto para dizer essas coisas. Teria de inventar outras
mentiras, mais trabalhosas, menos persuasivas.
Não sei quantas décadas ou séculos de experiência e de sofrimento
inútil a humanidade ainda precisará para compreender que indivíduos
contaminados pela mentalidade revolucionária não são pessoas
normais, confiáveis, das quais se possa esperar lealdade, gratidão,
bondade ou acordo racional, mesmo em doses mínimas.
A história está repleta de casos de conservadores, católicos,
protestantes, judeus, que arriscaram suas vidas para salvar comunistas
perseguidos. Não consta dos anais do mundo um só episódio de
comunista de carteirinha que tenha feito o mesmo por um reacionário,
um só exemplo de radical islâmico que tenha arriscado o pescoço para
livrar um infiel das garras dos aiatolás vingadores.
A mentalidade revolucionária não admite leis ou valores acima do poder
revolucionário, não conhece caridade ou humanitarismo exceto como
expedientes publicitários a serviço da revolução, não admite lealdade
senão ao aparato revolucionário, não aceita a existência da verdade
senão como simulacro de credibilidade da mentira revolucionária.
Com toda a evidência, é assim que funciona a mente dos srs. Luís Inácio
Lula da Silva, Hugo Chávez, Marco Aurélio Garcia e demais próceres do
Foro de São Paulo.
O sr. Lula acaba de dar mais um exemplo da sua mendacidade
revolucionária infatigável, ao afirmar que o governo brasileiro nada
sabia do retorno de Manuel Zelaya a Honduras, quando o próprio
Zelaya confessa que foi tudo combinado com o sr. Marco Aurélio
Garcia.
Colaboracionistas em profusão, espalhados pela mídia internacional,
apressam-se em alardear que a presença do presidente criminoso na
embaixada brasileira desestabiliza o regime hodurenho e o predispõe a
concessões. Isso é pura guerra psicológica. Quem quer trégua não priva
o inimigo de água e comida, nem atira nos agentes chavistas que o
apóiam, camuflados de cidadãos hondurenhos. Quem está
desestabilizada é a “ordem global”, que mostrou toda a sua fraqueza,
todo o seu desespero, ao ficar provado que, para destruí-la, basta um
povo pequeno e corajoso dizer “Não”.
Não acreditem em jornalistas que lhes apresentam a crise hondurenha
como uma questão de aceitar ou rejeitar Zelaya na presidência. Esse
problema nem sequer existe. Como presidente ou como cidadão, há
uma ordem de prisão contra ele. Recolocá-lo no Palácio Presidencial é
apenas garantir que ele irá para a cadeia com honras de chefe de
Estado. Honduras não está lutando para se livrar de um político safado,
mas para assegurar que a ordem legal e constitucional do país valha
mais que a opinião de bandidos e tagarelas estrangeiros autonomeados
“consenso internacional”.
Para lidar com essa gente, toda precaução é pouca, toda suspeita é
modesta, toda conjeturação de motivos sórdidos corre o risco de ficar
muito aquém da realidade. Os hondurenhos parecem ser o primeiro
povo do mundo que percebeu isso.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090930dc.html
Como ler a mídia nacional
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 30 de setembro de 2009
A maneira mais pérfida de desviar o impacto de uma afirmação
verdadeira é atribuí-la a alguma motivação ideológica dada
implicitamente como repugnante, de modo a não precisar entrar no
mérito dos fatos alegados. O artigo do colunista da Folha de S. Paulo,
Michael Kepp, “Demonizando um presidente pós-racial”, publicado no
último dia 20, foi construído inteiramente com esse método. Repete-o
nada menos de dez vezes em trinta e poucas linhas. Mesmo para um
jornal que faz essas coisas com habitual naturalidade, é um recorde
notável. Quando, de uns vinte anos para cá, os artigos de opinião na
“grande mídia” começaram a ficar cada vez mais curtos, tornou-se
claro, para mim, que isso não se devia ao alegado intuito de economia
de espaço (uma desculpa que não fazia sentido numa época em que o
número de páginas dos jornais aumentava a cada semana), mas a um
propósito consciente de bloquear toda discussão séria, reduzindo os
artigos a uma compactação de slogans e passando a favorecer,
automaticamente, sempre o lado mais mentiroso. Quem quer que tenha
estudado um pouco a técnica da argumentação conhece esta regra
infalível: toda mentira tem o privilégio de poder expressar-se com mais
brevidade do que a sua refutação. Em trinta linhas, você pode acusar
um sujeito de trinta crimes imaginários. Ele precisará de pelo menos
trezentas para provar que não os cometeu. Artigos longos, de análise
refletida, como aqueles que você poderia ler nos anos 50, subscritos por
um Otto Maria Capeaux, por um Júlio de Mesquita Filho, por um Álvaro
Lins, tornaram-se proibitivos na mídia atual, substituídos pela mentira
breve e contundente, sustentada tão somente numa rotulação
infamante, oferecida como prova cabal.
Vejam o desempenho do senhor Kepp:
1. “Grupos de extrema direita começaram a sabotar a campanha do
candidato presidencial do seu próprio partido em 2004, John Kerry, com
anúncios na TV que contestavam o heroísmo militar dele na guerra do
Vietnã.”
Não há “grupos de extrema direita” no Partido Democrata, uma
agremiação onde o espectro ideológico vai da extrema esquerda ao
centro-esquerda e pára por aí mesmo. Quem lançou a campanha foram
os próprios soldados que estiveram em combate ao lado de Kerry,
incluindo o médico que cuidara dos ferimentos dele com um simples
band-aid. Para contestar várias dezenas de depoimentos concordantes
não apareceu um só veterano que confirmasse o suposto heroísmo do
candidato democrata. Desqualificar essa massa de depoimentos
concordantes por meio da rotulação ideológica é um expediente que,
nos EUA, mesmo com todo o esquerdismo vigente, arriscaria abalar o
prestígio do Sr. Kepp. No Brasil, onde mora há vinte e seis anos, ele
pode praticá-lo com a certeza de que a safadeza pueril será aceita como
jornalismo normal e louvável.
2. “No fim de semana passado, grupos ultra-conservadores reuniram 75
mil manifestante em Washington em uma marcha em protesto contra os
gastos do governo.” O mais breve exame das fotos da passeata mostra
que ali havia, no mínimo, dez vezes mais gente do que isso. O
Departamento de Parques, que observa essas coisas de perto, disse que
foi a maior manifestação popular já ocorrida em Washington. Carimbar
os manifestantes como “ultraconservadores” autoriza o sr. Kepp a
mentir sobre o número deles.
3. “Cartazes de oposição ao plano de saúde mostravam Obama como
curandeiro africano.” Foi o próprio Obama que tirou fotografia vestido
de curandeiro africano. Segundo o Sr. Kepp, todos têm a obrigação de
esconder essa foto para provar que não são racistas.
4. Segundo o Sr. Kepp, é puro racismo enxergar racismo nas
inumeráveis expressões anti-brancas e anti-ocidentais espalhadas pelos
dois livros do atual presidente, bem como no apoio que ele deu a
racistas negros notórios como Louis Farrakhan ou Jeremiah Wright.
Racismo mesmo, na opinião dele, é protestar contra os gastos estatais
do governo Obama.
5. “As acusações de Wilson foram falsas e sem precedentes.”. O
senador Joe Wilson não fez “acusações”: fez apenas uma, a de que
Obama mentia ao afirmar em seu discurso no Congresso, como em
muitas ocasiões anteriores, que seu plano de saúde não oferecia
assistência médica gratuita aos imigrantes ilegais. De fato, o plano não
promete explicitamente fazer isso: apenas não proíbe que se faça. Como
é lógico que um direito não vetado em lei não pode ser negado a quem
o reivindique, a assistência gratuita aos ilegais está obviamente
garantida. Wilson foi mal educado, mas não mentiu.
6. “Nenhum legislador até então jamais havia gritado calúnias a um
Presidente, nem mesmo a George W. Bush quando este mentiu ao
Congresso para conseguir sua aprovação para a invasão do Iraque.”
Essa afirmativa ilustra a própria conclusão do artigo do Sr. Kepp,
segundo a qual “as campanhas difamatórias se baseiam... na tática
aperfeiçoada por Joseph Goebbels” – a tática da mentira repetida.
“Bush lied, people died” é claramente a mentira mais repetida da
última década. De um lado, Bush não mentiu coisíssima nenhuma:
apenas repassou ao congresso a informação recebida dos serviços de
inteligência, na qual seus opositores na época acreditavam tanto quanto
ele. De outro lado, essa informação, que falava das armas de destruição
em massa estocadas por Sadam Husseim, não era de maneira alguma
inexata. A lista dessas armas encontrada efetivamente no Iraque –
reproduzida no livro de Richard Miniter, Disinformation –, é mais que
suficiente para comprovar que elas de fato existiam, mesmo sem contar
a parte que foi removida em tempo para a Síria. Apenas, essa
informação jamais se condensou num slogan publicitário nem foi
trombeteada ad nauseam por milhões de Kepps.
7. Durante as eleições presidenciais a cartada racial foi jogada milhares
de vezes pela própria campanha obamista, embora ninguém, do outro
lado, fizesse a menor insinuação quanto à cor da pele do candidato
democrata. A presunção de racismo foi dada como prova de si mesma e
usada abundantemente para inibir quaisquer críticas a Barack Obama.
Isso está tão bem documentado que nem é preciso insistir no assunto.
Também é certo que ninguém viu o menor sinal de racismo no boicote
ao candidato conservador negro Alan Keyes – um negro de verdade e
não um mulato diluído –, que acabou até saindo do Partido Republicano.
Depois da eleição, o expediente de campanha continuou sendo usado,
mas agora, por incrível que pareça, associado à imagem de Obama
como “presidente pós-racial”, sem que o povão notasse a incongruência
entre o esforço para criar uma imagem racialmente neutra do
presidente e a insistência em chamar seus críticos de racistas – um caso
típico de estimulação contraditória, tanto mais imperceptível quanto
mais intensa. O Sr. Kepp mostra dominar perfeitamente a técnica ao
chamar Obama de “presidente pós-racial” e, linhas depois, levar às
ultimas conseqüências a exploração do fator “raça”, ao endossar a
monstruosidade escrita pela colunista no New York Times, Maureen
Dowd, segundo a qual a acusação lançada por Joe Wilson a Obama
“continha uma insinuação racista não verbalizada: You lie, boy! – mais
ou menos o equivalente a ‘você mente, garoto!’.” Primeiro, Wilson não
disse “boy”. A gravação é muito clara. Segundo, “boy” não corresponde
ao pejorativo “moleque”, e sim a “menino” em geral. Terceiro, vocês
querem me dizer em que consiste uma “insinuação não verbalizada”?
8. “Em maio, grupos conservadores tacharam a americana, de origem
porto-riquenha, Sonia Sotomayor, a juíza indicada por Obama para a
Suprema Corte, de racista por ter dito que ‘uma mulher latina sábia,
dotada da riqueza das suas experiências, normalmente, espero, chegará
a uma conclusão melhor do que um homem branco que não viveu essa
vida’.” A sra. Sotomayor não foi acusada de racismo por isso (seria
mesmo um absurdo que o fosse), mas por ser membro da ONG La Raza
(o nome já diz tudo), que prega a ocupação da Flórida, do Texas e da
Califórnia pelo México e a expulsão de todos os cidadãos não latinos.
9. Para provar que a oposição conservadora a Obama é racista, Kepp
lembra que o comentarista de TV Glenn Back juntou sua voz ao coro de
protestos quando “Obama disse que um policial branco ‘agiu
estupidamente’ ao prender o professor negro da universidade Harvard
Henry Louis Gates Jr. na sua própria casa simplesmente porque Gates
ficara indignado quando o policial exigira provas de que ele não estava
tentando arrombar a residência.” A inversão aqui, chega ao limite do
maravilhoso. O policial não exigiu “provas de que Gates não estava
tentando arrombar a residência”, porque isso era justamente o que
Gastes estava fazendo. O que ele exigiu foram provas de que a casa
pertencia ao arrombador – exatamente o que o manual de instruções
determina que qualquer policial no seu juízo perfeito faça em tais
circunstâncias. O próprio Obama percebeu o vexame e tentou uma
conciliação com o policial, ao qual só atribuíra motivos racistas por
óbvia prevenção racista.
10. “A ironia dessa campanha de difamação é que, como presidente,
Obama não fez até agora nada para promover o direito dos negros.” O
que o Sr. Kepp não informa é que isso, obviamente, não prova que
Obama não odeie os brancos: prova apenas que seu alegado amor pelos
negros era um expediente publicitário, abandonado tão logo cumprida
sua finalidade de campanha.
Não digo que sejam somente essas as mentiras patentes que o Sr. Kepp
conseguiu quase miraculosamente comprimir em trinta linhas. Há mais
algumas, mas são apenas variantes das mesmas. O que digo, sim, é que
a análise dos artigos editoriais de maior destaque na Folha, no Globo ou
no Estadão, jamais deixou de me mostrar a presença de truques
semelhantes aos do Sr. Kepp, embora, em geral, não tantos por
centímetro de coluna.
Imaginem, agora, o impacto de longo prazo exercido, sobre as mentes
dos leitores, por esse bombardeio incessante, obsessivo, que só a
análise longa e trabalhosa – inacessível, em geral, ao leitor comum –
pode neutralizar. Que os próprios autores dessa patifaria
institucionalizada citem com freqüência o método Goebbels é, com toda
evidência, apenas uma autovacina preventiva contra a denúncia de que
não há, em todo o território nacional, outros praticantes mais tenazes
desse método do que eles próprios.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091005dc.html
Co-coordenando as idéias
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 5 de outubro de 2009
O melhor resumo didático da crise hondurenha está no site de Reinaldo
Azevedo, http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/a-crise-
hondurenha-desenhada-em-15-fatos-nao-se-deixe-enrolar. As melhores
atualizações, em http://www.heitordepaola.com e no Notalatina, de
Graça Salgueiro: http://notalatina.blogspot.com/2009/09/o-notalatina-
volta-abordar-situacao-de.html. E uma das melhores análises jurídicas
que tenho lido a respeito está em
http://noticias-da-web.blogspot.com/2009/09/para-entender-o-que-se-
passa-em.html, assinada por Mauro Demarchi, que não tenho a menor
idéia de quem seja mas é obviamente um sujeito sério.
Se você quer saber mesmo o que está acontecendo, é isso o que tem de
ler.
Há quem prefira, no entanto, outra espécie de alimento jornalístico. As
lendas mais fabulosas, as desculpas mais esfarrapadas, as desconversas
mais escorregadias, distribuem-se uniformemente entre as páginas da
Folha, do Globo e do Estadão. Porém a vigarice em estado puro, aquela
inversão completa da realidade, aquela falsificação radical que só pode
nascer de um composto indissolúvel de estupidez impérvia e
mendacidade compulsiva, só se encontra mesmo é na página oficial do
PT. Se é isso o que você quer, não aceite imitações: vá direto ao
produto original.
Aí pode-se ver, por exemplo, em
http://www.pt.org.br/portalpt/index.php?
option=com_content&task=view&id=82390&Itemid=201, o sr. Aloizio
Mercadante proclamar ante um cândido mundo que:
1. O governo brasileiro, como um marido traído, foi o último a saber do
retorno de Manuel Zelaya a Tegucigalpa (veja em Notalatina a gravação
de Zelaya confessando que tudo foi tramado desde o início com Lula e
Celso Amorim).
2. O governo Lula só recebeu Zelaya porque é do seu costume respeitar
o direito de asilo (o Itamaraty diz que Zelaya não é asilado de maneira
alguma.)
3. A derrubada de Zelaya não pode ter tido qualquer amparo
constitucional além de um improvisado simulacro, já que “a ação se
iniciou e se encerrou em menos de 24 horas” (veja na análise de
Demarchi as providências legais que vieram se sucedendo desde maio).
Porém ainda mais instrutivas são as lições do sr. Gabriel Puricelli, que
se apresenta – no meu entender com justíssimas razões – como “co-
cordenador” de alguma coisa (o leitor incrédulo pode tirar a dúvida em
http://www.pt.org.br/portalpt/index.php?option=
com_content&task=view&id=82320&Itemid=201).
Sendo público e notório que o governo nega qualquer envolvimento na
produção de “Zelaya II – O Retorno”, o título que o referido dá ao seu
artigo – “Zelaya e a aposta ousada de Lula” – é um autêntico ato falho
freudiano, pois ninguém pode apostar em nada depois de feito o lance,
nem aliás antes disso se nada sabe a respeito. Há uma evidente falha de
co-coordenação entre a propaganda federal e a editoria da página
petista, ou então entre o que o sr. Puricelli pensa que escreve e aquilo
que ele escreve realmente.
Uma forte evidência em favor desta última hipótese vem no seguinte
parágrafo:
“Com certeza, se há uma definição de ‘pária’, ela tem em Micheletti o
exemplo máximo: nem Saddam Hussein, nem a Coréia do Norte, nem
talvez o regime genocida sudanês sofreram um bloqueio tão absoluto do
acesso à ajuda das relações exteriores, do reconhecimento diplomático
mesmo, como o que enfrentam os golpistas hondurenhos.”
Dessa confissão explícita de que as pressões internacionais contra
Honduras são desproporcionais e excessivas, o cérebro humano comum
tiraria normalmente a conclusão de que os hondurenhos estão sofrendo
injustiça. Mas não é assim que o sr. Puricelli co-coordena as suas idéias.
Do excesso de punição infligido aos hondurenhos ele conclui que estes
últimos são mesmo uns reaças obstinados e ardilosos, contras os quais
nada melhor que a “jogada brasileira”, expressão com que, pela
segunda vez, ele desmascara inadvertidamente o governo que elogia.
No vasto mostruário de exemplos de lógica invertida, com que tenho
caracterizado a mente revolucionária, esse não é decerto o mais
brilhante, mas é um dos mais nítidos, na singeleza tocante da sua
literalidade. Estou pensando até em trocar o nome “lógica invertida”
pelo de “co-coordenação”, muito mais expressivo e, digamos assim,
material.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091007dc.html
Exemplo didático
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 7 de outubro de 2009
"Os jornalistas são arrogantes e não querem ser melhorados", afirma o
ombudsman da Folha, Carlos Eduardo Lins da Silva (v.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2209200921.htm). Tem toda a
razão. Ele próprio constitui um exemplo didático dessa regra, pois,
advertido o quanto seja, não quer por nada deste mundo aprender que
idoneidade e isenção, em jornalismo, não consistem na mera afetação
de linguagem superiormente neutra – o estilo folhístico por excelência
–, mas na prática substantiva da justiça e do senso das proporções,
coisas que não só a Folha, mas também O Globo e o Estadão
desconhecem por completo.
Não há colunista ou editorialista nesses jornais - incluído nisso o sr.
Lins da Silva – que, ao referir-se ao autor do presente artigo, não tome
o cuidado de advertir que se trata de um sujeito "muito conservador",
"ultraconservador" ou até "extremista de direita". Nenhum deles
escreve nem escreveria jamais que o sr. Quartim de Moraes, ou o sr.
Marco Aurélio Garcia, ou o sr. Emir Sader, é "muito comunista", "ultra-
esquerdista" ou "extremista de esquerda".
Segundo o sentido dicionarizado da palavra, extremista é o indivíduo ou
grupo que vai às últimas conseqüências na luta pelas suas idéias
políticas, desejando, aprovando ou até mesmo colaborando ativamente
com a instauração de regimes empenhados em assassinar em massa os
seus adversários ideológicos.
Os três personagens citados enquadram-se rigorosamente nessa
definição, que não se aplica a mim de maneira alguma, nem a Rush
Limbaugh, nem a Glenn Beck, nem a qualquer dos outros jornalistas,
brasileiros ou estrangeiros, aos quais os três maiores jornais deste país
aplicam aquele qualificativo com a constância sistemática de quem
aposta no poder ilimitado da mentira repetida.
Os srs. Quartim, Garcia, Sader e similares – seu nome é legião – não
somente dão respaldo intelectual a regimes genocidas (o primeiro deles
fez até uma candente apologia de Stalin), mas têm uma extensa folha
de realizações práticas em prol desses regimes, bem como da sua
extensão ao Brasil, que é o sonho das suas vidas.
Da minha parte, não escrevi nem disse nunca uma palavra em favor do
princípio ditatorial, seja de modo genérico, seja em suas especiais
versões direitistas, nem sugeri jamais que fosse adotado no Brasil. O
que tenho defendido, para este ou para qualquer outro país do mundo,
é a boa e velha democracia parlamentar, na qual os comunistas não
estão na cadeia nem no cemitério e sim na praça pública, a salvo de
qualquer risco exceto o de ser desmoralizados, no confronto polêmico,
por pessoas malvadas como eu.
Meus atos acompanharam minhas palavras. Enquanto uma ditadura de
direita existiu no Brasil, fiz o possível para combatê-la, chegando a
estar entre os primeiros que tomaram posição pública, quando tantos
preferiam calar, contra o mais notório de seus delitos, o assassinato do
jornalista Vladimir Herzog.
O máximo que fiz em prol, não dessa ditadura, mas da simples verdade
histórica, e isto bem depois da extinção do regime, foi contestar
exageros difamatórios que retroativamente se produziram contra ele,
como se lhe faltassem pecados reais.
Por que, então, sou eu o extremista, e não aqueles notórios defensores
de medidas extremadas contra quem se oponha a seus desígnios?
Na verdade, as referências a essas criaturas, na "grande mídia"
nacional, vêm sistematicamente desacompanhadas de qualquer
menção, não só ao seu extremismo assumido e pertinaz, mas até à sua
filiação ideológica em sentido geral, de modo que acabam constando
apenas como escritores, professores ou autoridades intelectuais nos
seus respectivos campos, honrosamente imunes a qualquer suspeita de
viés ideológico – privilégio reservado aos seus críticos e especialmente
à minha execrável pessoa.
Mais até do que a deformação ou supressão material dos fatos, o que
revela com suprema clareza a falta de isenção no jornalismo são os
cacoetes verbais que, traindo o discurso fingidamente neutro e
equilibrado, tendem sempre contra um dos lados, poupando o outro de
vexame similar. Aliás, a própria sugestão corrente de que aí existam
"lados" é de uma falsidade pérfida: onde um indivíduo praticamente
sozinho protesta contra as organizações bilionárias que controlam uma
dúzia de países em torno, ele não está disputando o poder com elas,
nem sequer movendo a elas qualquer espécie de oposição política. Está
precisamente clamando no deserto contra uma situação psicótica em
que toda concorrência se tornou impossível, tal a desproporção de
forças entre o cidadão avulso e a hidra de mil cabeças do Foro de São
Paulo. Toda afetação de equilíbrio entre dois pólos ideológicos, nessas
circunstâncias, torna-se a simulação de um confronto democrático
inexistente, a tentativa cínica de apresentar a macro-organização
dominante e seu crítico solitário como forças de igual potência e
função, diferenciadas apenas pelo sinal inverso. Dar aparência de
verossimilhança a essa farsa monstruosa tem sido, há anos, a função
predominante do ombudsman da Folha de S. Paulo, bem como de seus
equivalentes ocasionais nos demais órgãos de mídia.
O sentido do cacoete verbal acima mencionado é demasiado evidente:
para a mentalidade reinante na nossa mídia, nenhuma dose de
esquerdismo, mesmo quando se eleva à apologia de tiranos genocidas
ou à colaboração ativa com os regimes que eles criaram, é extrema,
excessiva ou digna de nota. Ela é tão normal e aceitável que se torna
rotineiro abster-se de mencioná-la, para evitar o risco de colar na
imagem do seu porta-voz um rótulo mesmo vagamente pejorativo. O
homem de idéias conservadoras, ao contrário, mesmo que tenha se
notabilizado por mil e um feitos intelectuais alheios à política do
momento, mesmo que jamais tenha se excedido na defesa de suas
idéias ao ponto de aplaudir quem por elas torture, mate ou roube, deve
ser sempre mencionado, antes de tudo, pela sua coloração partidária
mesmo inexistente, para que nenhum leitor caia na tentação demoníaca
de imaginá-lo, ainda que por instantes, homem isento e sério, capaz de
raciocinar fora e acima de preconceitos ideológicos.
Repetidos ad infinitum, esses giros de linguagem têm o efeito de uma
campanha difamatória devastadora contra a minoria absoluta, operação
tanto mais eficiente e letal quanto mais se resguarda de fazer críticas
ostensivas, francas, e mais se refugia à sombra das insinuações
implícitas, difíceis de colocar em discussão mas facilmente
impregnáveis, como preconceitos automatizados, na mente popular. É
isso o que, com ombudsman ou sem ele, a mídia brasileira de hoje
chama de jornalismo isento.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091014dc.html
Primores de ternura - 1
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 14 de outubro de 2009
Leio no site da Previdência Social: "O auxílio-reclusão é um benefício
devido aos dependentes do segurado recolhido à prisão, durante o
período em que estiver preso sob regime fechado ou semi-aberto." Ou
seja: no Brasil você pode matar, roubar, sequestrar ou estuprar, seguro
de que, se for preso, sua família não passará necessidade. O governo
garante. Se, porém, como membro efetivo da maioria otária, você não
faz mal a ninguém e em vez disso prefere acabar levando dois tiros na
cuca, quatro no estômago ou três no peito, ou então uma facada no
fígado, esticando as canelas in loco ou no hospital, aí o governo não
garante mais nada: sua viúva e seus filhos podem chorar à vontade na
porta do Palácio do Planalto, que o coração fraterno da República
solidária não lhes concederá nem uma gota da ternura estatal que
derrama generosamente sobre os bandidos.
É, as coisas são assim. Se elas o escandalizam, é porque você está
muito desatualizado. Afagar delinqüentes, estimular o banditismo, é
uma das mais antigas e veneráveis tradições do movimento
revolucionário, que o nosso partido governante personifica
orgulhosamente.
Veja o que pensavam alguns dos mentores revolucionários mais
célebres:
Mikhail Bakunin, líder anarquista: "Para a nossa revolução, será preciso
atiçar no povo as paixões mais vis."
Serge Netchaiev, terrorista que Lênin adotou como um de seus gurus:
"A causa pela qual lutamos é a completa, universal destruição. Temos
de nos unir ao mundo selvagem, criminoso."
Willi Münzenberg, o gênio organizador da propaganda comunista na
Europa Ocidental e nos EUA: "Vamos corromper o Ocidente em tal
medida, que ele acabará fedendo."
Louis Aragon, poeta oficial do Partido Comunista Francês:
"Despertaremos por toda parte os germes da confusão e do malestar.
Que os traficantes de drogas se atirem sobre as nossas nações
aterrorizadas!"
V. I. Lênin: "O melhor revolucionário é um jovem desprovido de toda
moral."
De tal modo a paixão pelo crime se impregnou na mente revolucionária,
que acabou até produzindo fenômenos paranormais. Em 8 de março de
1855, o poeta Victor Hugo, um ídolo dos revolucionários, recebeu numa
sessão espírita, para satisfação aliás de suas próprias expectativas, esta
mensagem do além: "A verdadeira religião proclama o novo evangelho:
é uma imensa ternura pelos ferozes, pelos infames, pelos bandidos."
Os exemplos poderiam multiplicar-se indefinidamente. E nada disso
ficou no papel, é claro. Nem se limitaram aquelas almas cândidas a
cantar em prosa, verso e filme as virtudes excelsas da criminalidade (v.
meu artigo "Bandidos e Letrados", de 26 de dezembro de 1994, em
www.olavodecarvalho.org/livros/bandlet.htm). Já em 1789 os
revolucionários franceses abriram as portas das prisões, libertando
indiscriminadamente milhares de assassinos, ladrões e estupradores
que em poucos dias espalharam o caos nas ruas de Paris (mesmo na
célebre Bastilha não havia um só prisioneiro político: só delinqüentes).
Logo após a tomada do poder pelos comunistas na Rússia, a política
oficial era fomentar o sexo livre, criando assim uma geração de jovens
sem família para incentivar a criminalidade juvenil e liquidar pela
confusão o que restasse da "ordem burguesa". A idéia foi de Karl Radek
(o chefe de Willi Münzenberg), que, ironia cruel, ao cair em desgraça
perante Stalin acabou sendo assassinado a murros e pontapés por
jovens delinqüentes numa prisão.
O voto de Louis Aragon foi cumprido à risca a partir dos anos 50,
quando a URSS começou a treinar agentes para que se infiltrassem nas
então incipientes redes de tráfico de drogas - especialmente na América
Latina - e as dominassem por dentro, criando uma futura fonte local de
subsídios para o movimento revolucionário, que estava saindo caro
demais para o bolso soviético. Essa foi a origem remota das Farc,
Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que hoje dominam o
narcotráfico no continente. A história é contada em detalhes pelo
general tcheco Jan Sejna, que participou pessoalmente da operação (v.
Joseph D. Douglass, Red Cocaine. The Drugging of America and the
West, London, Harle, 1999).
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091016dc.html
Primores de ternura - 2
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 16 de outubro de 2009
Nos anos 50-60, a união simbiótica de revolução e crime passou por um
upgrade formidável, deixando de ser apenas uma prática consagrada e
um objeto de exortações retóricas e tornando-se alvo de teorização
sistemática por parte dos pensadores marxistas, especialmente da
Escola de Frankfurt. Segundo Herbert Marcuse, o mais popular dentre
esses autores na época e um queridinho da grande mídia americana, o
proletariado industrial já não servia como classe revolucionária, por ter
sido corrompido pelas benesses do capitalismo. Em vez de tirar desse
óbvio desmentido dos prognósticos de Marx quanto à miséria crescente
dos trabalhadores no livre mercado a conclusão lógica de que o
marxismo não servia para grande coisa, Marcuse achou que podia
consertar a teoria simplesmente buscando uma nova classe
revolucionária, definida não pela desvantagem econômica, mas por
qualquer tipo de frustração psicológica. Em vez de uma ele descobriu
três: (1) os intelectuais e estudantes, sempre revoltados contra uma
sociedade que não lhes dá toda a importância que julgam merecer; (2)
todos os insatisfeitos com qualquer coisa – esposas mal amadas, gays
enfezados com a empáfia masculina, crianças rebeldes à autoridade
paterna, etc.; (3) os marginais em geral: prostitutas, viciados,
assassinos, estupradores e tutti quanti. Eram essas pessoas
maravilhosas, e não os proletários, que tinham de ser organizadas para
corromper o "sistema", enfraquecê-lo e destruí-lo por dentro. A
influência de Marcuse, fundindo-se às propostas de "revolução cultural"
inspiradas em Antonio Gramsci, foi tão vasta e profunda que hoje o
marcusismo em ação já nem aparece associado ao nome de seu
inventor: tornou-se o modo de ser natural e universal do movimento
revolucionário por toda parte.
No Brasil, a íntima colaboração entre a esquerda revolucionária e o
banditismo, da qual já se viam amostras esporádicas desde os anos 30,
começou a existir de forma mais organizada durante o regime militar,
quando os terroristas adestrados em Cuba, na Coréia do Norte e na
China passaram a transmitir seus conhecimentos de estratégia e tática
da guerrilha urbana aos delinqüentes comuns com os quais
compartilhavam o espaço no Presídio da Ilha Grande, RJ. Foi daí que
nasceram as mega-organizações criminosas, o Comando Vermelho e
depois o PCC. A esperança que inspirou a sua fundação não foi
decepcionada. Em poucos anos, o guru do narcotráfico carioca, William
Lima da Silva, o "Professor", já podia se gabar de haver superado seus
mestres:
"Conseguimos aquilo que a guerrilha não conseguiu: o apoio da
população carente. Vou aos morros e vejo crianças com disposição,
fumando e vendendo baseado. Futuramente, elas serão três milhões de
adolescentes, que matarão vocês nas esquinas. Já pensou o que serão
três milhões de adolescentes e dez milhões de desempregados em
armas?"
O recorde anual de homicídios no Brasil, entre 40 e 50 mil mortos,
segundo a ONU, e o crescimento acelerado do consumo de drogas neste
país – enquanto diminui nos países em torno - mostram que esta
segunda expectativa também não foi totalmente frustrada.
Mais tarde os terroristas subiram na vida, tornaram-se deputados,
senadores, desembargadores, ministros de Estado, tendo de afastar-se
de seus antigos companheiros de presídio. Estes não ficaram, porém,
desprovidos de instrutores capacitados. A criação do Foro de São Paulo,
iniciativa daqueles terroristas aposentados, facilitou os contatos entre
agentes das Farc e as quadrillhas de narcotraficantes brasileiros –
especialmente do PCC –, dos quais logo se tornaram mentores,
estrategistas e sócios. Foi o que demonstrou o juiz federal Odilon de
Oliveira, de Ponta Porã, MS, pagando por essa ousadia o preço de ter
de viver escondido, como de fosse ele próprio o maior dos delinqüentes
(v. http://www.eagora.org.br/arquivo/Farc-ensina-seqestro-a-PCC-e-CV-
afirma-juiz/ e sobretudo http://odilon.telmeworlds.sg/), enquanto os
homens das Farc transitam livremente pelo país, têm toda a proteção
da militância esquerdista em caso de prisão e até são recebidos como
hóspedes de honra por altos próceres petistas. (O secretário de
Relações Internacionais do PT, Valter Pomar, diz que as Farc nem
mesmo pertencem ao Foro de São Paulo.. Ele mente e sabe que mente.
Dezenove anos de documentos oficiais do Foro provam isso acima de
qualquer possibilidade de dúvida.)
Mesmo apoiada pela mais vasta e permanente campanha de mutação
cultural, a articulação direta de bandidos e revolucionários não seria
suficiente para produzir seus efeitos se, ao mesmo tempo, a própria
estrutura jurídico-policial do Estado não fosse submetida a alterações
destinadas a dificultar a atividade repressiva, fornecendo aos
delinqüentes todas as vantagens na sua luta contra a sociedade. O
desarmamento da população civil, a criminalização fácil das ações
policiais mais corriqueiras, a leniência proposital para com os
delinqüentes juvenis, a tolerância ou mesmo incentivo à violência nas
escolas – tudo isso converge com a estratégia geral do movimento
revolucionário em seu empenho de demolir as defesas da sociedade por
meio da criminalidade triunfante.
O auxílio-reclusão – ou "Bolsa-Bandido", como o povo prefere chamá-lo
– não tem nada de extravagante ou surpreendente. É apenas mais uma
expressão da "imensa ternura para com os ferozes", o sentimento mais
profundo e permanente da religião revolucionária, que de há muito já
deixou de ser só um estado de alma e se transformou em temível
instrumento de ação prática.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091019dc.html
Bondade mesquinha
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 19 de outubro de 2009
Nosso presidente, que jamais derramou uma lágrima pelos 40 mil
brasileiros assassinados anualmente e muito menos fez algo para
protegê-los, derreteu-se em prantos ante a escolha do Rio para sede dos
próximos Jogos Olímpicos. Não é a primeira vez que ele dá mostras de
sua notável capacidade lacrimejante. Ele chorou duplamente ao ser
eleito e ao ser empossado, chorou vezes inumeráveis ao anunciar do
alto dos palanques seus planos de governo, chorou no enterro do
deputado petista Carlos Wilson, no das vítimas da chuva em Sta.
Catarina e no dos mortos do acidente em Alcântara, chorou ao
inaugurar o projeto "Luz Para Todos", chorou ao enaltecer seus
próprios feitos num encontro de estudantes em São Paulo, chorou no
Senegal dizendo que era de arrependimento pela escravatura, chorou
ao prometer acabar com o desemprego em 2003 e depois novamente
em 2006 (os desempregados continuam chorando até agora), e chorou
quando o deputado Roberto Jefferson lhe falou do Mensalão: soluçou
tão convulsivamente que ficou até parecendo que era o último a saber
do imbroglio. São apenas amostras colhidas a esmo. Digitando "Lula
chora" no Google obtive 29.600 respostas, e ante a mera perspectiva de
examiná-las uma a uma quem sente ganas de chorar sou eu.
Diante dessa torrente de lágrimas, seria injusto negar que o sr.
presidente tenha bons sentimentos. Que os tem, tem. O problema é que
são morbidamente seletivos: para seus companheiros de militância,
para os grupos sociais onde espera recrutar eleitores, e sobretudo para
si próprio, coitadinho, é uma comoção arrebatadora, um
enternecimento irresistível, um transbordamento de compaixão sem
fim. Para os demais, tudo o que ele tem a oferecer é aquela forma
requintada de crueldade passiva que se chama a indiferença. Incluem-
se nessa categoria os 40 mil acima mencionados, as crianças brasileiras
envenenadas pelas drogas das Farc, os malditos 17 mil reacionários
fuzilados por seu amigo Fidel Castro e sobretudo as vítimas do
terrorismo nacional, cujas famílias vivem no mais abjeto esquecimento
enquanto os assassinos de seus pais e avós se empanturram de verbas
federais, seja na condição de "indenizados", seja na de ministros,
senadores, deputados, chefes de gabinete etc. etc. etc.
Longe de mim a suspeita de que as lágrimas de S. Excia. sejam fingidas.
É justamente a espontaneidade delas que mostra o quanto os bons
instintos presidenciais são seletivos, daquela seletividade natural e até
inconsciente que revela, num instante, uma personalidade, a forma
inteira de uma alma e de uma consciência. Se essa seletividade
privilegia, enfatiza e enaltece com naturalidade espantosa os interesses
político-publicitários do sr. presidente e ao mesmo tempo o torna cego e
insensível para tudo o mais, não é porque haja nela alguma
premeditação astuta, mas, bem ao contrário, é porque, simplesmente,
ele é assim.
Sua consciência moral, em suma, é deformada pelo longo hábito, meio
partidário, meio mafioso, da separação estanque entre os "amigos" e os
"outros", entre "gente nossa" e "aquela gente". Se seus acessos de
bondade vêm a ser sempre politicamente oportunos, não é porque ele
os planeje, mas porque, no fundo da sua alma, ele não consegue
conceber o bem senão sob a forma estreita e específica de uma
estratégia partidária, sendo perfeitamente indiferente a tudo o que
fique fora ou acima dela.
Especialmente acima. A prova mais patente da sua insensibilidade a
quaisquer valores que transcendam a luta partidária veio logo após sua
audiência com o Papa -- momento culminante na vida de todo fiel
católico --, quando, tendo comungado sem confessar, redobrou a
blasfêmia ao fazer chacota do ocorrido, dizendo que assim procedera
por ser alma sem pecados. Para esse homem, até mesmo a religião que
diz professar ardentemente não tem nenhum significado em si mesma,
o Deus que ele diz adorar não tem nenhuma autoridade moral para
julgá-lo, devendo antes amoldar-se com humildade à condição de
personagem de piada instrumental ad majorem Lulis gloriam. Que
depois, na África, ele exiba arrependimento por uma escravatura que
jamais praticou, e faça acompanhar suas lágrimas da conveniente
citação papal, eis aí a prova de que, na escala da sua consciência, sua
alma cristã tem mais satisfações a prestar ante o auditório imediato do
que ante o Juízo Final.
Subjugando ao oportunismo partidário mesmo aquilo que há de mais
alto e venerável, suas efusões de bondade não são senão expressões
visíveis de uma mesquinharia profunda, de uma pequenez de alma que,
para dizer o mínimo, não é um bom exemplo para se dar às crianças.
Desprovido, ao menos aparentemente, da truculência natural de um
Fidel Castro ou de um Pol-Pot, bem como da fanfarronice histriônica de
um Hugo Chávez, esse homem traz no coração, como eles, aquela típica
mistura de insensibilidade moral e sentimentalismo kitsch que
caracteriza os sociopatas. Sua indiferença ao sofrimento real dos
estranhos ao seu círculo de interesses contrasta de tal modo com suas
tiradas de autopiedade obscena e com seu emocionalismo à flor da pele
nas ocasiões politicamente convenientes, que não vejo como escapar à
conclusão de que S. Excia. é uma alma deformada, cuja feiúra, exibida
com ingênuo despudor a cada novo pronunciamento seu, condensa
simbolicamente a miséria geral da época.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091022dc.html
Os novos demiurgos
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 22 de outubro de 2009
O que torna ainda mais odioso o dirigismo estatal na educação,
universalmente buscado e ardentemente defendido pelos sapientíssimos
intelectuais de esquerda, é que ele desmente da maneira mais flagrante
e cínica o discurso educacional esquerdista de três ou quatro décadas
atrás, do qual eles se serviram como puro instrumento de sedução,
prontos a jogá-lo fora na primeira oportunidade, como estão fazendo
agora.
Nos anos 60, 70, os mais destacados próceres da pedagogia esquerdista
posavam de libertários, acusando a "educação burguesa" de ser um
aparato de dominação que sacrificava o livre desenvolvimento
intelectual e emocional das crianças em favor de objetivos de mero
poder político-econômico.
A acusação, verdadeira quanto a alguns casos isolados bem pouco
significativos, observados quase sempre em grotescas ditaduras de
Terceiro Mundo (por ironia, sempre mais estatistas do que pró-
capitalistas), era completamente falsa quando generalizada a toda a
"civilização ocidental" ou mesmo a qualquer das grandes democracias
capitalistas em particular -- mas seus porta-vozes insistiam em ampliar-
lhe o alcance ilimitadamente, dando-lhe foros de teoria científica geral.
No mínimo, a educação ocidental não podia de maneira alguma ser
pura dominação de classe, pela simples razão de que se amoldava, com
humilde reverência, a valores e critérios velhos de séculos e milênios,
muito anteriores e estranhos a qualquer "interesse burguês", como por
exemplo a moral judaico-cristã, a arte clássica, medieval e
renascentista, o ideal aristotélico da ciência racional e o direito romano.
Justamente ao contrário do que proclamavam os acusadores, por toda
parte a educação e a alta cultura eram um freio às ambições cruas dos
capitalistas mais assanhados, forçando-os pela pressão moral da
sociedade -- especialmente nos EUA -- a sacrificar boa parte de suas
fortunas em doações para museus, escolas, fundações educacionais e
institutos de pesquisa empenhados nas atividades mais alheias a
qualquer imediatismo dinheirista ou interesse de classe.
Não deixa de ser significativo que o projeto educacional mais bem
sucedido da história americana tenha sido o dos liberal arts colleges,
hoje espalhados por toda parte nos EUA e responsáveis diretos pela
vitalidade cultural do país, que não transmitem a seus estudantes
nenhuma "ideologia burguesa" ou técnica utilitária, mas o modelo de
alta cultura desenvolvido na tradição greco-romana e medieval do
trivium, do quadrivium, da filosofia e das belas artes. Se a educação
americana tencionasse mesmo criar servos mecanizados do capital, não
se esforçaria tanto para infundir nos estudantes as virtudes dos
estadistas romanos e a acuidade crítica dos eruditos escolásticos. E
notem que isso não vem de hoje. Eric Voegelin, ao estudar em Columbia
entre 1924 e 1926, teve a grata surpresa de descobrir que estava num
país onde Platão, Aristóteles, o direito romano e a teologia cristã não
eram assuntos só para acadêmicos, mas presenças vivas nos debates
públicos.
Ademais, como já observei aqui a propósito de um daqueles
teorizadores do inexistente (Pierre Bourdieu), se os burgueses
quisessem mesmo fazer da educação um instrumento de dominação de
classe, deveriam ter ao menos elaborado um plano de engenharia social
nesse sentido, e as marcas do trabalho desenvolvidos para isso --
organizações, atas de assembléias, publicações, orçamentos -- deveriam
ser visíveis por toda parte, quando o fato é que nada dessa papelada
existe nem existiu jamais, o próprio Bourdieu sendo incapaz de citar um
só documento que ateste alguma premeditação técnica por trás da
alegada "máquina de reprodução". A única possibilidade de dar razão à
sua teoria seria apostar na hipótese de que o controle burguês da
educação se construiu por transmissão inconsciente e muda, como que
por telepatia (v.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090204dc.html e
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090212dc.html).
Em todo caso, o ódio que esse e outros pop stars intelectuais do
esquerdismo votavam àquele fantasma de sua própria invenção fazia
com que parecessem, em comparação com ele, os maiores defensores
da liberdade e criatividade infantis, supostamente ameaçadas pelo
dirigismo mental do "aparato ideológico burguês". Alguns deles
chegavam mesmo, como o Pe. Ivan Illitch, a pregar a "desescolarização"
integral da sociedade, a supressão pura e simples do sistema
educacional, o advento do homeschooling universal. Alexander S. Neill,
um discípulo do psiquiatra e doente mental marxista Wilhelm Reich,
anunciava provar que "a liberdade funciona", usando crianças como
cobaias de um experimento desastroso -- uma escola onde meninos de
cinco anos de idade tomavam decisões administrativas e fumavam
durante as aulas, enquanto seus colegas mais velhos preferiam
masturbar-se no pátio diante dos olhos complacentes de professores e
funcionários. Logo após a morte do fundador, os alunos deram um
passo adiante na conquista da liberdade: atearam fogo à escola.
Não por coincidência, esses protetores da meninada ocidental nunca se
preocuparam muito com as crianças da URSS, da China e de Cuba,
forçadas diariamente a repetir slogans e a fiscalizar-se umas às outras
como pequenos policiais, em busca de sinais de desvio ideológico
mirim.
Quando, por fim, o Império Soviético veio abaixo, seguiu-se a isso a
tremenda ascensão do esquerdismo no Ocidente. Aí os intelectuais
ativistas, no poder ou próximos dele, trataram de se livrar do velho
libertarismo fingido e encarar a sério a "construção do socialismo".
Para isso era preciso admitir que "a liberdade não funciona" e que a
educação tem de ser, conforme as recomendações de Antonio Gramsci,
um dócil instrumento nas mãos do partido-Estado. Passaram em suma a
praticar, na realidade e mil vezes aumentado, o delito que antes
atribuíam falsamente à educação burguesa. É sempre assim: quando
essa gente planeja um crime, a primeira coisa que faz é acusar dele
algum inocente, a título preventivo, para que quando o crime venha
mesmo a ser praticado o público se recuse a enxergá-lo, acreditando
que é um mal já superado, de outra época. Não por coincidência, os
valores universais que antes preservavam a educação de transformar-se
em instrumento da ideologia de classe são agora jogados ao lixo. Claro:
revolucionários iluminados, imunes aos escrúpulos da burguesia, não
iriam deixar-se inibir por tradições milenares -- para eles, meras
"construções culturais" tão desprovidas de fundamento quanto as
doutrinas que eles próprios inventam. Com a maior desenvoltura, a
nova pedagogia estatal cria do nada novos códigos morais, novos
padrões de conduta e julgamento, os mais postiços, insensatos e
disformes que se possa imaginar, punindo e marginalizando a criança
que não se adapte aos mandamentos da recém-criada "socialização"
invertida. Como disse o diretor de Concepções e Orientações
Curriculares do Ministério da Educação, Carlos Artexes Simões, a
escola está aí para "construir um Estado republicano". De seres livres e
inventivos, como as proclamavam os Illichs e os Neills, as crianças
transformaram-se em tijolos, blocos de argila mudos e passivos nas
mãos dos novos demiurgos: Carlos Artexes Simões e similares.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091023dc.html
Educação ou deformação?
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 23 de outubro de 2009
O pronunciamento do MEC, que considerou inconstitucional a
legalização do homeschooling por violar o direito de todos à educação
gratuita, é só mais um exemplo do barbarismo que, a pretexto de
educar nossos filhos, lhes impõe todo um sistema de deformidades
mentais e morais para fazer deles idiotas criminosos à imagem e
semelhança de nossos governantes.
Lembrem o que eu disse dias atrás, sobre as afirmações que não podem
ser discutidas, apenas analisadas como sintomas da demência que as
produziu. O parecer do MEC sobre o homeschooling inclui-se
nitidamente nessa categoria. Desde logo, um direito que, sob as penas
da lei, se imponha ao seu alegado beneficiário como uma obrigação,
não é de maneira alguma um direito. Direito, como bem explicava
Simone Weil, é obrigação reversa: se tenho um direito, é porque alguém
tem uma obrigação para comigo. Ter direito a um salário é ter um
empregador que está obrigado a pagá-lo. Se, ao contrário, sou eu
mesmo o titular do direito e da obrigação de satisfazê-lo, é claro que
não tenho direito nenhum, apenas a obrigação. É assim que os
luminares do MEC entendem a educação gratuita: as pobres crianças
brasileiras, por serem titulares desse direito, são obrigadas a engolir a
cafajestada estatal inteira que se transmite nas escolas, sob pena de
que seus pais sejam enviados à cadeia. Isso não é um direito: é uma
imposição e um castigo. Para sofrê-lo, basta ser criança e inocente.
O pior é que os apologistas dessa coisa nem reparam na impropriedade
do vocabulário com que a defendem, indício não só de suas más
intenções como também da sua falta da cultura superior indispensável
aos cargos que ocupam na Educação nacional. Segundo a agência de
notícias da Câmara dos Deputados, o diretor de Concepções e
Orientações Curriculares do Ministério, Carlos Artexes Simões, acredita
que "a obrigatoriedade de o Estado garantir o ensino fundamental,
conforme prevê a Constituição, deve ser exercida na escola". Qual o
nexo lógico que essa criatura crê enxergar entre a obrigação estatal de
garantir isto ou aquilo e o direito de o governo mandar para a cadeia
quem prescinda desse suposto benefício? Desde quando a obrigação de
um se converte automaticamente em obrigação de outro, e, pior ainda,
em obrigação do titular do direito correspondente? O Estado tem
também a obrigação de garantir assistência médica: deveriam então ser
processados e presos os cidadãos que recorram a um médico particular,
poupando aos cofres públicos uma despesa desnecessária? O Estado
tem a obrigação de pagar aposentadorias: nunca fui buscar a minha, à
qual tenho direito há mais de uma década. Não fui buscá-la porque
ainda estou forte e saudável, graças a Deus, e fico feliz de poupar ao
Estado uma quantia que será melhor empregada em benefício de
doentes e incapacitados. Devo ser preso por isso? Quanto custa ao
Estado a educação de uma criança? Se um indivíduo tem seus impostos
em dia e ainda, possuindo dons de educador, dá instrução a seus filhos
em casa, cabe ao Estado ser grato ao cidadão exemplar que o auxilia
duplamente, com seu dinheiro e com seus serviços, sem nada pedir em
troca. Punir essa conduta honrosa é inversão total da moralidade.
Sendo nosso governo o que é, não se poderia mesmo esperar dele outra
coisa.
Em terceiro lugar, qual a oposição lógica que esses loucos crêem existir
entre o homeschooling e o direito à educação gratuita? Imaginam eles
que os pais cobram mensalidades dos filhos para educá-los em casa? A
coisa é de um contrasenso tão evidente que não percebê-lo à primeira
vista indica deficiência mental.
Por fim, o próprio Carlos Artexes Simões não percebe a monstruosidade
comunofascista que profere ao declarar que "a escola ainda é a
vanguarda do ponto de vista do conhecimento necessário para a
construção de um Estado republicano". Por que as crianças deveriam
ser usadas como tijolos para a construção deste ou daquele regime
político que interesse ao sr. Simões? Se o regime fosse monárquico,
isso mudaria em alguma coisa o conteúdo das disciplinas essenciais,
como gramática, aritmética e ciências? Mesmo a História e a
informação básica sobre direitos humanos não têm por que ser
alteradas conforme as preferências do regime. Bem ao contrário:
qualquer regime que exista só se legitima na medida em que se
submeta aos valores e critérios universais dos quais a educação é
portadora, em vez de torcê-los para amoldá-los à política do dia. Como
expressão da cultura, a educação deve moldar o governo, não este a
educação. Transformar a cultura e a educação em instrumentos do
Estado foi o que fizeram Stalin, Hitler, Mussolini, Mao, Fidel Castro e
Pol-Pot. O sr. Simões defende essa concepção com a naturalidade sonsa
de quem não é capaz de enxergar nada acima de uma política
mesquinha, abjeta, oportunista. Talvez ele não o note, mas o que ele
entende por educação é manipulação, é abuso intelectual de menores.
Mais desprezível ainda se torna a sua opinião quando ele acrescenta
que a escola não visa só à educação, mas à socialização. Não sabe ele
que tipo de socialização nossas crianças encontram nas escolas
públicas? Não sabe que estas são fábricas de desajustados, de
delinqüentes, de criminosos? Não sabe que, em nome da socialização,
as condutas piores e mais violentas são ali incentivadas pelo próprio
governo que ele representa? Não sabe que agredir professores, destruir
o patrimônio das escolas, consumir drogas, entregar-se a obscenidades
em público, são atos considerados normais e até desejáveis nessas
instituições do inferno? Não sabe ele que há um crescimento
proporcional direto da criminalidade infanto-juvenil à medida que se
amplia a escolarização?
Por que se faz de inocente, defendendo a escola em abstrato, como um
arquétipo platônico, fingindo ignorar a realidade miserável que as
escolas públicas brasileiras impõem a seus alunos, ou melhor, às suas
vítimas? Por que finge ignorar que, além da deformidade moral e social
que ali aprendem, tudo o que os nossos estudantes adquirem nessas
instituições é a formação necessária para tirar, sempre e
sistematicamente, as piores notas do mundo nas avaliações
internacionais?
Com que direito o fornecedor de lixo, de veneno, de dejetos, há de punir
quem se recuse a ingeri-los, ou a dá-los a seus filhos?
O que se deve questionar não é o direito de os pais educarem seus
filhos em casa: é o direito de politiqueiros e manipuladores ideológicos
interferirem na educação das crianças brasileiras. É o próprio direito de
o Estado mandar e desmandar numa instituição que o antecede de
milênios e à qual ele deve o seu próprio ingresso na existência. Muito
antes de que o Estado moderno aparecesse sequer como concepção
abstrata, as escolas para crianças e adolescentes, anexas aos
monastérios e catedrais (e nem falo das grandes universidades), já
haviam alcançado um nível de perfeição que nunca mais puderam
recuperar desde que a educação caiu sob o domínio dos políticos.
Se queremos melhorar a educação nacional, a primeira coisa que temos
de fazer é tirá-la do controle de manipuladores e demagogos que não se
educaram nem sequer a si próprios, a começar pelo sr. presidente da
República, que se vangloria obscenamente de sua incapacidade de ler
livros.
Publicado no Diário do Comércio com o título "Os novos demiurgos (2)".
Sobre esse assunto, confira também o artigo Os novos demiurgos.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091028dc.html
Uma opinião presidencial
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 28 de outubro de 2009
Há opiniões que não podem ser debatidas, apenas analisadas como
sintomas do estado de alienação que as produziu. Quando, por exemplo,
o nosso presidente celebra como um progresso da democracia o fato de
que na eleição do seu sucessor só haja candidatos de esquerda, é
absolutamente impossível que ele próprio ou os ouvintes que o
aplaudem consigam discernir nessa sentença algum sentido lógico, apto
a ser discutido. Tudo o que ela expressa é a confusão de maus
sentimentos, mentiras interiores e subterfúgios psicóticos que há
décadas constituem o estado de espírito dominante do esquerdismo
nacional. Não é uma opinião: é um sintoma.
Perguntem apenas "O que ele quis dizer com isso?", e verão que ele
mesmo não o sabe, nem pode saber.
Estaria ele insinuando que a esquerda, de modo geral e por essência, é
mais democrática que a direita? Ainda que o fosse, nem um semi-
analfabeto pode acreditar que a maneira mais pura de um partido
provar seu amor à democracia é excluir os concorrentes do pleito
eleitoral. Mas é igualmente impossível que um cidadão medianamente
informado ignore os feitos ditatoriais da esquerda no século XX,
enormemente mais vastos e sangrentos que os de todas as direitas
somadas (mesmo que se apele ao velho e capciosíssimo expediente de
incluir entre as direitas o nazismo). À luz da História, qualquer
associação entre esquerdismo e democracia é absolutamente
inverossímil.
Alegaria ele então que a esquerda, ditatorial em atos, é democrática
pelo menos em teoria e em intenções? Nada o permite. No pensamento
de seus clássicos -- Marx, Engels, Lênin e sucessores --, o esquerdismo
é ditatorial por princípio, proclamando mesmo o terrorismo de Estado e
o genocídio como necessidades inerentes à construção do socialismo.
Nas suas versões mais brandas -- fabianismo e gramscismo, por
exemplo --, os métodos truculentos são apenas substituídos pelo
dirigismo camuflado, pelo controle estatal das consciências, por toda
uma engenharia da exclusão que vai calando lenta e sistematicamente
as vozes antagônicas, até que a sociedade inteira, meio às tontas, se
curve, como dizia Gramsci, à "autoridade onipresente e invisível" do
Partido.
Não, não há nenhum pretexto razoável para supor que a esquerda
personifique a democracia, a liberdade ou o Estado de direito. No
máximo, ela suporta pacientemente a ordem democrática, à espera de
poder substituí-la um dia por algo que lhe pareça melhor, seja a
ditadura do proletariado, seja a "democracia plebiscitária" de Rousseau,
que não é outra coisa senão a ditadura da maioria enfurecida.
Façamos, por último, a hipótese de que a esquerda, em geral refratária
à ordem democrática por princípio e por hábito, tenha tido seu nome
casualmente associado à idéia democrática no Brasil, pela circunstância
excepcional e local da "luta contra a ditadura" (tal como, na Itália, o
antifascismo deu ao PCI, por algum tempo, a fama de democrata, logo
desmentida). Mesmo essa alegação desesperadoramente casuística não
convence. S. Excia., embora não o diga, sabe perfeitamente que nossos
terroristas de esquerda, armados e orientados pelo governo cubano,
jamais lutaram por democracia nenhuma, mas pela extensão do regime
de Fidel Castro ao Brasil (tanto que suas guerrilhas começaram antes
do advento do regime militar, só podendo ser explicadas como reação a
ele mediante uma inversão psicótica da cronologia).
Resta, por fim, a hipótese do fingimento proposital: o sr. presidente
sabe que o controle hegemônico da sociedade por uma só corrente
ideológica é totalitário, mas, como ele gosta precisamente disso, decide
chamá-lo de "democracia" por ser uma palavra atraente, boa para
servir de camuflagem a tudo o que é mais antidemocrático.
Duvido que S. Excia. seja capaz de tal premeditação maquiavélica. Ele
deveu toda a sua carreira às liberdades democráticas, e não é
verossímil que as odeie sinceramente. Seu mandato está no fim, e ele
até agora não mostrou nenhuma vocação pessoal de ditador (não digo
de capomafioso, que é outra coisa).
Que quer então ele dizer? Ele mesmo não o sabe, mas eu o sei: o que
ele deseja é o milagre da coincidentia oppositorum, o advento de um
mundo impossível onde o absoluto controle governamental da
sociedade coexista pacificamente com todas as liberdades e garantias
individuais. Aí todos serão felizes.
Mas isso é loucura, dirá o leitor. Precisamente. S. Excia., como em
geral os esquerdistas brasileiros, vive naquele estado mental nebuloso e
crepuscular onde todos os gatos são pardos, todos os quadrados são
redondos, dois mais dois são sempre cinco ou seis e nenhuma palavra
dita ou ato praticado tem jamais de responder pelas conseqüências que
desencadeia no mundo real. É o estado de perfeita alienação da
realidade, em que um indivíduo ou grupo, imunizado contra a
percepção de seus crimes e desvarios, pode se entregar gostosamente à
auto-adoração narcisística e sentir-se o portador de todas as virtudes, a
encarnação das mais belas esperanças da humanidade.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091105dc.html
Objeções e respostas
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 5 de novembro de 2009
Duas objeções ao meu artigo "Primores de ternura" começaram a
circular na internet tão logo ele foi publicado no DC (14 e 16 de
outubro). Um crítico mais enfezado – ao qual responderei por extenso
no meu website – teve a gentileza ou ingenuidade de condensar logo as
duas, achando que com isso desferia um golpe fulminante nos meus
argumentos. Permito-me portanto usar das suas palavras, sem citar-lhe
o nome – para poupá-lo do vexame – e responder de uma só vez a todos
os que, por conta própria ou em associação com ele, repetiram as
mesmas patacoadas:
1a. "Os recursos do auxílio,como de todo benefício do INSS não provêm
de recursos federais,mas são oriundos de um fundo constutuido por
contribuição dos segurados e das empresas em que trabalham... Não é
o 'governo que garante' a família. É o segurado,que mediante sua
contribuição mensal forma um fundo atuarial para amparar a família
nestes e outros muitos casos.O INSS só administra o fundo."
2a. "Também não é verdade a afirmação de que quem prefira levar dois
tiros na nuca nada vai levar. Se for segurado da Previdência,levará
ajuda por todo o tempo em que estiver incapacitado,e a família
receberá pensão se vier a falecer. Ambas famílias, a do criminoso e a da
vítima, serão amparadas,desde que o pai em questão seja segurado em
dia com as contribuições."
Com relação à primeira, observo que no Brasil é extremamente
perigoso usar expressões elípticas, na esperança de que o bom-senso
dos leitores saberá descompactá-las. Brasileiro não perde uma chance
de não entender nada. Se você não explica tudo nos mais mínimos
detalhes, – o que é aliás impossível nas dimensões de um artigo de
jornal – logo suas palavras são usadas para dizer o que não disseram e
alimentar artificialmente as discussões mais estapafúrdias. Como eu
disse que "o governo garante" o pagamento do Bolsa-Bandido, o
palpiteiro logo houve por bem esbravejar que o dinheiro não vem do
governo, e sim dos contribuintes – como se isso não valesse também
para todo o dinheiro coletado em impostos. Se, de direito e
abstratamente, a quantia arrecadada pelo INSS não pertence ao
governo, isso não faz a mínima diferença, pois o governo se permite
usar dela como se lhe pertencesse, incluindo-a automaticamente no
superávit primário. E aliás não é só o dinheiro do INSS que entra nisso.
Segundo notícia publicada no último dia 13 pela Agência Estado, "a
lista inclui o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) – uma das
principais fontes de receita para as operações de financiamento do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) –, o
Fundo do Regime Geral de Previdência (FRGPS), do Instituto Nacional
do Seguro Social (INSS) e até outros menos conhecidos, como o Fundo
da Marinha Mercante... O uso indevido dos fundos especiais é mais uma
das medidas tomadas pelo governo para tentar manter recursos dentro
do caixa e cumprir seu compromisso fiscal" (v.
http://ultimosegundo.ig.com.br/economia
/2009/10/13/fundos+sao+usados+para+fazer+caixa+8819976.html). A
objeção, portanto, reduz-se a um flatus vocis. Como diria o Paulo
Francis, não inflói nem contribói. Antes de dizer a mim que o dinheiro
da Previdência não é do governo, seria preciso dizê-lo ao governo.
A segunda objeção é pura distorção do meu argumento. Eu não disse
que a família do contribuinte assassinado não recebe nada. Disse que o
governo não tem para com ela a mesma generosidade que concede aos
familiares do assassino. Ou seja: se você sofre homicídio, sua família
recebe a mesma pensão que receberia caso você caísse do andaime ou
fosse feito em pedaços num acidente aéreo. Você não pediu para cair do
andaime nem pôs uma bomba no avião. Você é vítima desses acidentes,
como é vítima de um assassino. Já o assassino não é vítima de coisa
nenhuma, nem foi obrigado a cometer assassinato como você é
obrigado a trabalhar. Mutatis mutandis, você morre de uma vez para
sempre, sua família sabe que não o verá jamais, ao passo que a família
do assassino é animada dia a dia pela esperança de que ele volte, e até
de que volte regenerado. Se "ambas famílias, a do criminoso e a da
vítima, são amparadas", é claro que aí a família do criminoso leva
vantagem, fica sempre com a melhor parte. E isso é obviamente o
contrário de qualquer princípio de justiça.
Mais ainda, a Previdência Social foi instituída, na base, para proteger o
trabalhador honesto. Quando ela paga a pensão que lhe é devida,
cumpre a finalidade que a define e que justifica sua existência. A
extensão artificial do benefício às famílias de assassinos só veio em
1991, com a Lei n.8.213, obviamente inspirada na idéia de que a culpa
do crime é da sociedade e não do autor do delito, e de que portanto, do
ponto de vista previdenciário, tanto faz você matar um cidadão a tiros
ou sofrer um acidente de trabalho. Essa idéia modifica a própria
natureza da Previdência Social.
Por fim, é verdade o que alega o autor da mensagem, que o auxílio-
reclusão visa a "que os filhos do criminoso, já castigados por ter um pai
assim,não tenham também que morrer de fome". Mas esse raciocínio só
é válido no caso de a família do criminoso ser exclusivamente vítima
passiva da situação, isto é, de nunca ter-se beneficiado dos frutos do
crime, hipótese que me parece rebuscada e improvável demais para
poder ser generalizada a priori para todos os casos, como o faz a lei. O
argumento dá por pressuposta, ademais, a premissa absolutamente
imbecil de que o dinheiro da pensão será usado apenas pela família, de
que esta não levará nem um tostão ao criminoso na cadeia, convertendo
o benefício estatal em prêmio do crime.
A perspectiva do desamparo na eventualidade da prisão do provedor,
em contrapartida, seria um forte incentivo a que esposa e filhos
pressionassem o pai a viver honestamente. A abolição preventiva desse
risco é, com toda a evidência, um estímulo à criminalidade. Quando
sabemos o valor que os grandes teóricos e estrategistas revolucionários
atribuem às condutas anti-sociais como meios de provocar crises e
desestabilizar as instituições, é impossível não perguntar se a Bolsa-
Bandido, como tantas outras novidades legais criadas pelo esquerdismo
militante, não tem dois objetivos simultâneos, um pretextual,
moralmente elevado para fins de persuasão, outro perverso, não
declarado, mas efetivo na prática.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091109dc.html
Abaixo a verdade
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 9 de novembro de 2009
Todos aqueles supostos liberais e conservadores que se calaram a
respeito do Foro de São Paulo quando ainda era possível deter o
crescimento do monstro – ou que até mesmo me acusaram de
alarmismo e obsessão por insistir em falar do assunto – posam, agora,
como especialistas tarimbados na matéria, verdadeiros profetas
retroativos, que repetem, sem citar-lhes a fonte, e com um atraso que
as torna perfeitamente inúteis, as advertências que fiz em tempo.
Advertências, aliás, cujo mérito não era meu no mais mínimo que fosse,
porém inteiramente do advogado paulista dr. José Carlos Graça
Wagner, cujos arquivos constituíram a minha única fonte de
informações sobre o Foro até 2001.
Se o esquerdismo trouxe tanto dano ao Brasil, foi apenas como
modalidade especialmente sedutora de uma vigarice intelectual
endêmica que se observa em todos os quadrantes do espectro
ideológico e que constitui, ela sim, a causa mais profunda e permanente
dos males nacionais.
Quando a "direita" brasileira recusou ouvidos ao Dr. José Carlos Graça
Wagner e a mim, perdeu não só a oportunidade de sobreviver
politicamente – hoje até o sr. presidente da República sabe e declara
que ela já não tem a mínima perspectiva de acesso ao poder –, mas
também a de dar um exemplo honroso de sensibilidade intelectual
superior, capaz de prestar atenção à verdade mesmo quando não venha
de fontes oficiais ou bem comportadinhas. Esse exemplo bastaria para
lhe conferir imediatamente aquela autoridade moral, tão decisiva nas
disputas políticas, que não raro sobrepõe a minoria sábia à maioria
tagarela e, pelo menos a longo prazo, pode lhe assegurar as mais belas
vitórias.
Com sua omissão, ela provou que sua subserviência aos bem-pensantes
é ainda mais forte do que seu instinto de sobrevivência, já que cede às
injunções deles ainda mesmo quando calculadas para funcionar como
estupefacientes, para amortecer suas reações de autodefesa e até sua
capacidade de perceber a presença do perigo. De 1990 até o ano
passado, a direita nacional não fez senão tentar por todos os meios
aplacar o inimigo, oferecendo-lhe uma resistência débil e risível que só
criticava seus pequenos erros econômico-administrativos para melhor
ajudá-lo a ocultar seus crimes maiores. Todo mundo sabe o que ela
ganhou com esse colaboracionismo mal disfarçado: ganhou sua
completa exclusão do processo político, só compensada – se cabe a
palavra – por uma humilhante sobrevivência como força auxiliar da
esquerda soft.
Concedendo agora a macaqueadores e oportunistas retardatários a
atenção que recusou aos primeiros descobridores de uma verdade
temível, ela mostra que não aprendeu nada com a experiência, que
continua preferindo, ao conhecimento genuíno, o simulacro mais pífio
que possa encontrar no mercado. Talvez porque nele enxergue o seu
semelhante.
Não é preciso dizer que, se aquela primeira recusa da verdade
determinou o fim dessa direita como facção politicamente relevante,
esta de agora anuncia a perda de suas últimas reservas de vitalidade, o
sacrifício integral de seu futuro às exigências de um presente
miserável.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091116dc.html
Não é para rir
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 16 de novembro de 2009
Georges Gurdjieff, que era um falso mestre espiritual mas um autêntico
gênio do humorismo sádico, dizia ser a inteligência humana uma
substância material, que existia no planeta Terra numa quantidade
definida: quando um sujeito adquiria mais inteligência, ficava faltando
para os outros. Essa teoria, evidentemente, só vale como piada, mas,
nos meus momentos de depressão, chego a acreditar um pouco nela:
afinal, como a experiência de décadas tem me confirmado, à medida
que eu ia vencendo minha burrice natural e adquirindo alguma
compreensão dos problemas da metafísica, da teoria do conhecimento e
da lógica das ciências, ia concomitantemente observando meus
contemporâneos perderem não apenas a capacidade para as distinções
mais elementares, mas também a percepção das conseqüencias diretas
e incontornáveis das afirmações em que acreditavam. Pior ainda: a
diferença mesma entre inteligência e burrice ia se tornando para eles
cada vez mais insensível, ao ponto de celebrarem como teorias
respeitáveis certas idéias que, na geração anterior, um menino de
escola perceberia de imediato serem totalmente autocontraditórias e
inviáveis. A única explicação que encontro para esse fato é a hipótese
gurdieffiana: cada vez que eu compreendia alguma coisa, a quantidade
correspondente de potência compreensiva era suprimida de outros
cérebros, fazendo com que eu progredisse na vida do intelecto às
custas da imbecilização geral. Devo ser, em suma, um ladrão de
conexões sinápticas.
Por exemplo, o dr. Richard Dawkins, que é um meu companheiro de
geração. Sua teoria dos "memes" baseia-se inteiramente na
incapacidade de perceber a diferença entre um programa de
computador e um vírus de computador – entre um princípio organizador
e uma força de dissolução entrópica. Ele começou por acreditar que
tudo na natureza acontece por acaso, sem finalidade ou propósito. Até
aí, tudo bem: é uma teoria como qualquer outra. Mas depois a glória
midiática subiu-lhe à cabeça e ele começou a pensar que também podia
explicar por processos randômicos e sem sentido tudo o que se passa
no campo da história e da ação humana. Os memes não passam disso:
são unidades de informação, sem nenhum significado especial em si
mesmas, que se espalham e dominam sociedades inteiras simplesmente
porque sim. A Catedral de Chartres e os Concertos de Brandeburgo, em
suma, foram construídos pelos mesmos métodos do furacão Katrina ou
de um acidente de trânsito. Acreditar nisso pressupunha, desde logo,
abdicar de toda diferença entre possuir uma explicação e não possuir
nenhuma. Ao mesmo tempo, era proibido aplicar a teoria memética a
ela própria: quem quer que dissesse que ela era apenas um vírus de
computador surgido por acaso numa mente em mau funcionamento
tornava-se automaticamente um fanático, um réprobo, um ser anti-
social indigno de participar de tão altas discussões.
Como, ao mesmo tempo em que o dr. Dawkins pensava essas coisas, os
vírus de computador se espalhavam realmente pelo mundo e a
multiplicação de informações sem sentido fazia da internet uma selva
selvaggia na qual só podemos nos orientar mediante uma certa
capacidade instintiva de recusar atenção a praticamente tudo, é claro
que muitos processos de disseminação de idéias no mundo passaram a
copiar quase literalmente a proliferação de vírus de computador, isto é,
a dissolução de um pequeno núcleo de informações organizadoras num
oceano de irrelevâncias estupidificantes.
Uma vez estabelecida como disciplina acadêmica a ciência ou
pseudociência da "memética", que o dr. Dawkins criou para descrever
esses processos, tornou-se irresistível a tentação de aplicá-la a toda a
história anterior da espécie humana, explicando-se então os progressos
do conhecimento desde os tempos do homem de Neanderthal pelas
mesmas causas que hoje espalham a estupidez coletiva, isto é,
eliminando-se por completo a distinção entre conhecimento e
ignorância, entre inteligência e burrice. Não duvido que a memética
sirva para descrever, por exemplo, a própria evolução intelectual do Dr.
Dawkins, que culmina na autocastração mental que o incapacita para as
abstrações de terceiro e até de segundo grau. Perguntado quanto à
origem da vida, ele respondeu que provavelmente os germes da vida
foram trazidos por viajantes extraplanetários. Mesmo refreando, por
uma questão de respeito, qualquer impulso maldoso de fazer piada
quanto à teoria dos deuses astronautas, é impossível não perceber que
a resposta exige uma incapacidade patética de distinguir entre o
esquema geral "vida" e as encarnações concretas desse esquema na
Terra – diferença que qualquer criança normal percebe instintivamente.
Afinal, para que os germes da vida fossem trazidos, era preciso que eles
existissem, e perguntar sobre a origem da vida é obviamente perguntar
como vieram à existência e não quem os transportou de um lugar para
outro. Isso não chega a ser propriamente uma sutileza, mas, para o dr.
Dawkins, havia se tornado uma abstração inapreensível. Para que um
homem com treino científico superior descesse a esse ponto, e para que
sua platéia de estudantes não percebesse o vexame, foi preciso mesmo
que uma quantidade assombrosa de memes se espalhasse pelos
cérebros respectivos, cegando-os até mesmo para a boa e velha
distinção aristotélica entre um ente corporal e sua forma inteligível,
distinção sem a qual fica difícil captar a diferença entre remédio e bula,
entre comida e cardápio ou entre sapato e número de sapato. Que isso
é uma tragédia cognitiva sem precedentes na história humana, e que as
conseqüências histórico-sociais da sua disseminação planetária
arriscam ser as mais devastadoras, eis duas constatações que
desestimulam qualquer veleidade de fazer troça a respeito.
Nos próximos artigos, explorarei algumas dessas conseqüências tal
como aparecem no campo mais visível da política e do jornalismo.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091117dc.html
O erro organizado
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 17 de novembro de 2009
Há anos penso em escrever um livro com o título ou subtítulo de Logica
Brasiliensis, recenseando os modelos de argumentação mais em voga
nas discussões de mídia neste país e mostrando como são, quase que
invariavelmente, puras confusões mentais que adquiriram credibilidade
de argumentos pela repetição obsessiva e por nada mais.
Nada de parecido, é claro, com os sofismas da lógica clássica nem com
os esquemas de argumentação erística, ou falsa dialética, que Arthur
Schopenhauer enumerou em Como Vencer um Debate Sem Precisar Ter
Razão. Para fazer uso desses dois tipos de ardis é preciso ter alguma
destreza que só a freqüentação habitual dos clássicos pode conferir --
uma condição que, na maior parte dos nossos opinadores públicos de
hoje em dia, não se cumpre nem em sonhos, embora fosse comum entre
muitos articulistas de quarenta ou cinqüenta anos atrás, autênticos
escritores no sentido forte da palavra. Lendo um Álvaro Lins, um Júlio
de Mesquita Filho, um Otto Maria Carpeaux, um Gustavo Corção, um
José Guilherme Merquior, podia-se encontrar, ao lado de muitos
arrazoados sólidos, um ou outro sofisma delicioso, quase inocente, fruto
do puro ímpeto de criação literária que se sobrepunha por momentos ao
desejo da verdade. Desmontá-los com toda a cortesia do mundo era um
prazer que o crítico podia compartilhar até com o próprio autor do erro.
Hoje, não há mais nada disso. Quando algum dos mais notórios
"formadores de opinião" atuais espreme seus últimos neurônios para
dar ares de verossimilhança àquilo que sabe (ou deveria saber) que é
falso, só o que consegue é deformar um pouco mais sua própria
inteligência, junto com a do público, especialmente estudantil, que,
levado pelo prestígio dessas criaturas, acaba por macaquear seus
cacoetes mentais na esperança de dar boa impressão nos debates de
botequim ou em alguma lista de discussões na internet. Agravados pela
comichão de discutir, que é endêmica no ambiente nacional, a
incapacidade e o desleixo, descendo dos mais vistosos modelos públicos
até às conversas intergrupais e de família, vão espalhando pela
sociedade novos padrões de confiabilidade intelectual aparente, cada
vez mais baixos, cada vez mais torpes, até o ponto em que, no conjunto,
se torna praticamente impossível entender qualquer coisa com base no
que os brasileiros estão dizendo dela.
Pode parecer que estou carregando demais nas tintas, mas não
esqueçam que venho coligindo exemplos de inépcia letrada desde os
tempos do primeiro Imbecil Coletivo (1995). O mostruário de que hoje
disponho permite não só apreciar o agravamento progressivo do estado
de penúria intelectual reinante, mas também discernir, por trás da
maçaroca de enormidades, algumas constantes mentais, alguns
esquemas de pensamento errado e grosso que se repetem e,
espontaneamente, se organizam numa espécie de sistema: o sistema
das razões convencionais de credibilidade, todas elas sem credibilidade
nenhuma, que se tornaram meios de prova altamente persuasivos e
respeitáveis para a maioria dos brasileiros opinantes.
É a esse sistema que chamo logica brasiliensis. Ela constitui-se
inteiramente de erros de leitura, distinção precária entre palavras e
coisas, falta de senso das proporções, imprecisões monstruosas de
vocabulário, confusões entre diferentes níveis de predicação, misturas
de gêneros (e de gêneros com espécies), e demais calamidades da
mesma ordem, as quais não denotam apenas ou propriamente falta de
cultura e treino, mas falta daquele instinto lógico elementar que é
próprio do ser humano enquanto tal e que até os mais iletrados
possuem por natureza. Não se trata, pois, em geral, nem de
desonestidade premeditada, nem de falha educacional, mas de uma
autêntica deficiência mental, adquirida no processo mesmo de
aquisição dos meios de expressão necessários ao ingresso nas classes
ditas cultas.
É fenômeno caracteristicamente nacional. Não que similares erros de
raciocínio não se observem na mídia estrangeira. É que em parte
alguma eles são aceitos como meios de prova legítimos, nem muito
menos desfrutam da respeitabilidade generalizada que, no Brasil, os
eleva à categoria quase que de símbolos da autoridade intelectual. Por
toda parte eles existem como anormalidades. No Brasil são normais e
normativos, praticamente obrigatórios. Aquele que não os pratique com
a naturalidade de quem respira e com a tranqüila certeza de que diz
coisas sapientíssimas vê-se logo rejeitado como um excêntrico
incompreensível ou mesmo como um tipo perigosamente anti-social.
Isso basta para explicar que alguns dos melhores comentaristas
políticos e culturais do país tenham sido banidos da "grande mídia" e só
encontrem abrigo em sites da internet ou neste heróico Diário do
Comércio. Muitas vezes o que os tornou indesejáveis em outros meios
não foi nenhum preconceito ideológico: foi o mero desconforto que seus
escritos espalham entre pessoas que desejariam ardentemente discuti-
los mas só os conseguem entender pela metade.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091124dc.html
Precauções saudáveis
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 24 de novembro de 2009
Se o prezado leitor deseja entender algo do mundo atual, o mínimo
indispensável de prudência recomenda que se atenha às seguintes
regras no julgamento das informações que lhe chegam:
Regra 1: O que quer que venha rotulado como consenso da opinião
mundial, aprovado unanimemente por vários governos, pelos
organismos internacionais, pela grande mídia, pela indústria do show
business e pelos intelectuais públicos mais em moda, ou seja, pela
quase totalidade dos "formadores de opinião", é suspeito até prova em
contrário.
Sei que ao dizer isso pareço contrariar um dos preceitos tradicionais do
pensamento aristotélico-escolástico, segundo o qual, embora a opinião
humana seja falível e o argumento de autoridade seja o mais fraco dos
argumentos, a espécie humana tomada na sua totalidade dificilmente se
equivocará em questões essenciais, sendo portanto arriscado contestar
aquilo em que "todos, em toda parte, sempre acreditaram" (quod
ubique, quod semper, quod ab omnibus creditum est).
Mas é só aparência. Na perspectiva escolástica, o valor da opinião
unânime depende inteiramente da sua permanência temporal imutável
nas mais diversas circunstâncias culturais, religiosas e sociopolíticas.
Em vez de identidade, há uma diferença radical -- para não dizer uma
oposição insanável -- entre a universalidade da opinião humana ao
longo dos tempos e um consenso repentino, surgido como que do nada
e imposto urbi et orbi como se fosse a coisa mais óbvia e inegável do
mundo; consenso que, ademais, não é consenso nenhum, visto que há
tanta resistência a ele por toda parte fora dos círculos interessados.
Por "círculos interessados" entendo, de um lado, a elite -- financeira,
política e burocrática -- empenhada na instauração de um governo
mundial estatista, invasivo e controlador de tudo (vale a pena consultar
a respeito o site de Daniel Estulin, www.danielestulin.com/?idioma=en);
de outro, a militância inumerável espalhada em ONGs e universidades
por toda parte, pronta a ecoar as palavras-de-ordem ditadas pela elite.
Entre as duas, a classe jornalística, os intelectuais ativistas e o beautiful
people das artes e espetáculos formam uma espécie de camada
intermediária incumbida de formatar como modas elegantes as
propostas mais revolucionárias de mutação sociocultural, tornando-as
palatáveis à população maior, gerando, pela variedade das formas e
canais, a impressão enganosa de unanimidade espontânea, e
encobrindo assim a unidade estratégica que a circulação de dinheiro
entre os três níveis comprova da maneira mais contundente (v. a
documentação exaustiva em www.discoverthenetwork.org e
www.activistcash.com).
O que quer que venha por esses três canais ao mesmo tempo -- não
necessariamente o que venha só de um deles em particular -- não é
quase nunca informação confiável. (O termo "quase" não é usado aqui
para atenuar a regra, mas apenas para assinalar aquela dose mínima de
veracidade modesta sem a qual nenhuma mentira ambiciosa teria
jamais credibilidade alguma e para dar o devido relevo a eventuais
falhas e até rombos do sistema, sempre inevitáveis). A rigor, não é
informação de maneira alguma: é estímulo pré-calculado para produzir
no público, aos poucos, as desejadas mudanças de atitude, segundo
pautas de engenharia social elaboradas com uma antecedência, em
geral, de décadas. A continuidade da ação histórica de longo curso, aí,
garante parcialmente a sua própria invisibilidade, transcendendo o
horizonte de visão tanto da população imediatista, que nada enxerga,
quanto dos "teóricos da conspiração" que crêem enxergar para além do
que enxergam realmente e acabam inflando a imagem de poder dos
"controladores" até dimensões quase míticas. Este último fenômeno é
aliás um caso característico de "paralaxe cognitiva", já que o próprio
número de denúncias, proliferantes na internet e nas livrarias,
evidencia os erros, debilidades e fracassos de um controle universal
"secreto" que aí se descreve, no entanto, como quase onipotente.
Regra 2: Quando a unanimidade é negativa, isto é, quando não consiste
em alardear alguma história inventada (como o aquecimento global, a
epidemia de gripe suína ou os riscos mortíferos do fumo passivo), mas
em suprimir fatos e em achincalhar ostensivamente quem deseje ao
menos investigá-los, então já não se trata de mera suspeita, mas da
probabilidade altíssima de estarmos em presença de uma tentativa
global de controle da opinião pública por meio do recorte premeditado
do noticiário. Essas tentativas jamais alcançam sucesso absoluto, mas
também nunca são desmascaradas no todo e de uma vez para sempre:
no mínimo, resta a possibilidade de um eficiente gerenciamento de
danos, transmutando-se a negação peremptória em aceitação atenuada,
anestesiante, como ocorreu -- para dar um exemplo brasileiro -- no caso
do Foro de São Paulo, que passou da categoria de inexistente à de
irrelevante tão logo desmoralizado o dogma da sua inexistência.
Embora não tendo a menor idéia de onde nasceu Barack Obama, não
hesito em incluir nesse gênero de tentativas a ocultação geral,
sistemática, histérica e obstinada de praticamente todos os documentos
essenciais para o estudo da biografia do presidente americano, a
começar pela sua certidão original de nascimento. Quando a grande
mídia dos EUA em peso chama de desequilibrados e loucos aos que
cobram de Obama a exibição desses documentos, o que ela está
proclamando é que o normal, o saudável, o obrigatório para a razão
humana, consiste em acreditar, sem perguntas, que um cidadão gastou
quase dois milhões de dólares com um escritório de advocacia para
ocultar seus papéis sem que houvesse neles nada digno de ser ocultado.
A inversão da lógica e da distinção entre o normal e o patológico é aí
tão flagrante, que vale como uma prova: uma prova do contrário
daquilo que se desejaria impingir à opinião pública.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091130dc.html
No hospício do Dr. Mabuse
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 30 de novembro de 2009
Prepare-se, caro leitor, e prepare seus filhos e netos, para viver num
mundo de alucinações e fantasias desnorteantes, onde conhecer a
verdade mesmo sobre coisas simples será um desafio que só pessoas
investidas de uma coragem intelectual fora do comum poderão vencer.
Prepare-se para viver no hospício do Dr. Mabuse, onde o mais louco dos
pacientes faz a cabeça dos médicos e os coloca a serviço de seus planos
malignos. O uso maciço da fraude científica, em proporções jamais
antes imaginadas, vem-se tornando o principal meio de imposição de
novas políticas, a tal ponto que em breve a classe científica estará
totalmente desaparelhada para servir de árbitro nas grandes questões
da humanidade e se tornará uma militância política como qualquer
outra, disposta a mentir até o último limite do descaramento e do
cinismo, em favor de qualquer estupidez politicamente conveniente.
Antigamente isso só acontecia nos regimes tirânicos onde o terror
estatal reduzia os cientistas, pela força, a servidores da propaganda
oficial. Agora é a própria classe científica que, intoxicada por ideologias
insanas, estimulada por patrocínios bilionários e excitada pela ambição
de poder, se oferece para fazer o serviço, traindo o ideal da ciência e
ludibriando a opinião pública. O que antes seria um escândalo isolado
tornou-se regra geral, e não escandaliza a mais ninguém. Mesmo
aqueles que opõem alguma resistência à prostituição da autoridade
científica lutam contra esse mal tão-somente na esfera dos debates
acadêmicos, sem pensar em mover contra seus colegas corruptos a
guerra judicial que merecem e que seria a última esperança de limpar o
terreno. As forças da degradação avançam a passo firme, organizadas,
unidas, armadas até os dentes, sem ter de enfrentar senão alguma
pedrada esporádica, desferida por mão preguiçosa e vacilante. Como
sempre tem acontecido desde o advento da mentalidade revolucionária
no mundo, "the best lack all conviction, while the worst are full of
passionate intensity".
Todo dia -- sem exagero, todo dia -- chegam novos exemplos de falsas
pesquisas, imediatamente ecoadas pela mídia cúmplice como
portadoras de "fatos científicos" definitivos e incontestáveis. A coisa já
virou hábito e moda, fazendo da "autoridade acadêmica" nada mais que
uma superstição residual, na qual só se pode acreditar por um ato de
fé, contra toda evidência.
Só nas últimas horas do dia em que escrevo recebi, por internet, duas
novas amostras. Uma ostentava a redução dos casos de doenças
cardíacas em alguns Estados americanos, desde a adoção de medidas
drásticas contra o fumo em lugares públicos, como prova dos riscos
mortíferos do "fumo passivo". Bem escondidinho no meio dos dados
estatísticos comprobatórios, quase invisível ao público leigo, vinha o
autodesmascaramento da fraude: a incidência de doenças cardíacas
tinha diminuído também entre os fumantes. Fumantes ativos,
fornedores de sua própria dose de fumo passivo...
A segunda era mais admirável ainda: "Preconceito racial alimenta
oposição aos planos de Obama", proclamava a revista da Escola
Superior de Administração de Negócios da prestigiosa Universidade de
Stanford. Na escassez geral de manifestações de racismo ostensivo da
parte dos brancos, os sábios de Stanford apelaram ao recurso -- já
tradicional no Brasil -- de cavoucar indícios de "racismo inconsciente".
Método adotado: selecionar umas quantas cobaias, pró-Obama e anti-
Obama, e verificar se associavam evocações negativas ou positivas a
"nomes típicos de brancos", como Brett, Jane, William, ou a "nomes
típicos de afro-americanos", como Aisha, Jamal, Ahmed etc. Os nomes
eram apresentados numa lista misturada, sem alusões raciais, de modo
que a população testada nem sabia que a pesquisa era sobre racismo.
Tal como era de se prever, os "nomes de brancos" ganharam longe na
preferência da turma anti-Obama. Daí, concluíam os autores da
pesquisa, estava provado o "racismo sutil" que inspirava a oposição ao
presidente americano.
Detalhe: Jamal, Aisha, Ahmed e outros nomes da mesma lista não são
"nomes típicos de negros": são nomes islâmicos, tirados do Corão. Não
evocam o negão do posto de gasolina, nem celebridades negras do show
business como Michael Jackson, Denzel Washington ou Oprah Winfrey,
ou do esporte como Eldrick "Tiger" Woods, nem intelectuais negros
como Thomas Sowell, Alice Walker ou Langston Hughes. Evocam
árabes com uma granada escondida no turbante ou uma carga de
dinamite sob a djellabah. É inviável esperar que os americanos,
especialmente republicanos e conservadores, gostem desses
personagens. O silogismo implícito que orientava as conclusões da
pesquisa era, portanto: se você não gosta de terroristas, você é um
racista.
Antigamente, aliás, os negros chamavam-se Brett, Jane ou William como
todo mundo, e até apreciavam especialmente nomes bíblicos como
Moses, Aaron, Michael e Jonah. Os mais velhos ainda se chamam
Thomas, como o economista Thomas Sowell, ou Alan, como o diplomata
Alan Keyes, ou James, como o pastor James D. Manning -- três entre os
mais ferozes opositores de Obama. Foi só nas últimas décadas, quando
as forças políticas do Islam se infiltraram no movimento de direitos
civis, que nomes islâmicos começaram a aparecer entre cidadãos
negros americanos, mas mesmo assim estão longe de ser os mais
freqüentes ou típicos, pela simples razão de que a maioria da
comunidade negra é cristã.
Uma retórica banal convidaria a chamar de "desonra" a associação da
Universidade de Stanford a essa empulhação. Mas a desonra pressupõe
a existência da honra, e as universidades americanas já venderam a sua
faz muito tempo.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091203dc.html
A mãe de todas as fraudes
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 3 de dezembro de 2009
Mal acabava eu de escrever aqui que "o uso maciço da fraude científica,
em proporções jamais antes imaginadas, vem-se tornando o principal
meio de imposição de novas políticas", e no dia seguinte veio a público
a fraude das fraudes: dois hackers invadiram o servidor da
Universidade de East Anglia e copiaram e-mails nos quais eminentes
cientistas revelavam ter apelado às trapaças mais abjetas para impingir
ao mundo a balela do "aquecimento global" e as legislações draconianas
alegadamente destinadas a "salvar o planeta" desse mal fantasmagórico
(v. www.aim.org/aim-column/media-ignore-climate-science-scandal/).
Entre outros expedientes, constavam:
1. Suprimir dos relatórios da ONU quaisquer dados que pusessem em
dúvida o aquecimento global ou suas alegadas causas humanas.
2. Complementarmente, inventar e enxertar na bibliografia técnica
dados que comprovassem as hipóteses desejadas.
3. Boicotar sistematicamente as revistas científicas que publicassem
estudos adversos à causa aquecimentista.
4. Orquestrar ataques a todos os cientistas adversários, questionando
suas credenciais acadêmicas.
Se algum dia houve algo como um "crime intelectual hediondo", foi
esse. Por uma ironia providencial, a documentação colhida pelos
hackers veio à tona na mesma semana em que um outro grupo de
acadêmicos aquecimentistas, mais honesto, admitia francamente que,
para desgraça da sua causa sacrossanta, a temperatura do planeta
tinha permanecido estável nos últimos dez anos (v.
www.spiegel.de/international/world/0,1518,662092,00.html).
Recordem que a campanha alarmista do aquecimento global teve seu
momento mais significativo com o lançamento do livro de Al Gore, Uma
Verdade Inconveniente, e verão até que ponto chega o cinismo dessas
criaturas: põem em circulação uma farsa pseudocientífica construída de
dados falsos, compram para ela o apoio da grande mídia, do show
business, das universidades, de macro-empresas e dos maiores
organismos internacionais e, ao mesmo tempo que já a alardeiam como
verdade pioneira universalmente silenciada pelo establishment (como
se não fossem eles próprios o establishment e não fizessem um barulho
dos diabos), vão tratando de organizar preventivamente o boicote aos
eventuais recalcitrantes e contestadores -- tudo para produzir em
benefício próprio a mais formidável concentração de poder que já se viu
ao longo de toda a História humana.
Se isso não é golpe, conspiração, formação de quadrilha, então estas
três expressões já não têm significado nenhum.
A isso reduz-se, hoje em dia, a autoridade da classe científica no
mundo.
Mas é claro que, tão logo revelada a fraude, a grande mídia americana
inteira já se pôs em marcha para proteger os criminosos, omitindo-se de
mencionar a descoberta do embuste, noticiando-a com a maior
discrição possível ou negando abertamente sua importância, contra
toda a evidência dos fatos e contra todo senso das proporções.
Servida por esses bons préstimos, a Conferência da ONU sobre o Clima,
a realizar-se em dezembro próximo em Copenhagen, poderá ignorar
solenemente a denúncia, e, como se a idoneidade científica do
aquecimentismo permanecesse intacta, seguir adiante, impávido
colosso, no seu propósito de impor a uma cândida humanidade os
controles globais destinados a salvá-la de um perigo inexistente.
Segundo o novo presidente da União Européia e office-boy do CFR,
Hermann van Rompuy, que o anuncia com indisfarçado entusiasmo,
esses controles já equivalem à plena instauração de um governo
mundial, rebaixada a noção de soberanias nacionais ao estatuto de
ficção jurídica condenada a dissolver-se suavemente em névoas, sem
traumas nem prantos, num prazo de poucos anos. Adiantando-se à
profecia, o governo Obama envia emissários a Haia para estudar os
meios de estender aos EUA a jurisdição do Tribunal Penal
Internacional: sim, com a mesma paixão com que busca livrar os
terroristas estrangeiros da autoridade dos tribunais militares
americanos, o homenzinho está ansioso para submeter os cidadãos de
seu país às decisões de juízes estrangeiros.
As mais sombrias advertências de Lorde Christopher Monckton estão se
materializando diante dos nossos olhos (v.
www.midiasemmascara.org/artigos/internacional/estados-unidos/9640-
obama-pronto-a-ceder-a-soberania-dos-eua-afirma-lorde-britanico.html),
e no Brasil -- não só entre o povão, mas na quase totalidade da elite --
ainda há quem ria da idéia de "governo mundial", acreditando piamente
que é uma lenda criada por "teóricos da conspiração". Hipnotizado pela
lisonja interesseira dos banqueiros internacionais, como o corvo pelas
belas palavras da raposa na fábula de La Fontaine, o Brasil cada vez
mais se imagina o umbigo do mundo, quando na verdade só participa da
história mundial como vítima periférica e sonsa de forças que não
compreende e aliás nem mesmo enxerga.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091207dc.html
De joelhos ante Sua Insolência
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 7 de dezembro de 2009
Pelo noticiário dos últimos dias, os leitores devem ter tomado
consciência de que são governados por um indivíduo que se gaba de um
crime de estupro, real ou imaginário, e revela sentir uma nostalgia
profunda dos dias em que os meninos do interior do Nordeste
mantinham relações sexuais com cabritas e jumentas. O que não sei é
se percebem o grotesco, a infâmia, a abominação de continuar a
chamar esse sujeito de Vossa Excelência, quando Vossa Insolência seria
muito mais cabível, fazendo de conta que estão diante de um cidadão
respeitável quando estão mesmo é de joelhos ante um sociopata
desprezível.
Nenhum político do mundo jamais fez declarações tão insultuosas à
moralidade geral e à simples dignidade humana. Muito menos as fez e
permaneceu no cargo. Lula não só permanecerá como fará
tranquilamente a sua sucessora, porque a sociedade brasileira inteira já
se acanalhou ao ponto de aceitar como decreto divino tudo o que venha
do "Filho do Brasil". Todos preferem antes ser humilhados,
achincalhados, envergonhados ante o universo, do que correr os riscos
de uma crise política. Sabem por que? Porque foram reduzidos a uma
tal impotência que já não têm meios nem de criar uma crise política.
Em fevereiro de 2004 escrevi: "Quem quer que, a esta altura, ainda
sonhe em 'vencer o PT', seja nas próximas eleições, seja ao longo das
décadas vindouras, deve ser considerado in limine um bobão incurável,
indigno de atenção.
O PT, como digo há anos, não veio para alternar-se no poder com outros
partidos - muito menos com os da 'direita' - segundo o rodízio normal do
sistema constitucional-democrático. Ele veio para destruir esse sistema,
para soterrá-lo para sempre nas brumas do passado, trocando-o por
algo que os próprios petistas não sabem muito bem o que há de ser,
mas a respeito do qual têm uma certeza: seja o que for, será definitivo e
irrevogável.
Não haverá retorno. O Brasil em que vivemos é, já, o 'novo Brasil'
prometido pelo PT, e não tem a menor perspectiva de virar outra coisa
a médio ou longo prazo, exceto se forçado a isso pela vontade divina ou
por mudanças imprevisíveis do quadro internacional."
Fui chamado de radical, de paranóico, de tudo quanto é nome. Os que
assim reagiam não tinham - e não têm até hoje - a menor ideia de que
existe uma ciência política objetiva, capaz de fazer previsões tão
acertadas quanto as da meteorologia, com a diferença de que estas são
feitas, no máximo, com antecedência de algumas horas. Quão preciosa
não seria essa ciência nas mãos dos planejadores estratégicos, seja na
política, seja nos negócios! Recusando-se a acreditar que ela existe,
preferem confiar-se aos pareceres dos acadêmicos consagrados, que
são tão bem educadinhos e jamais os assustam com previsões certeiras.
Ainda lembro que, em 2002, o Los Angeles Times consultou duas dúzias
de eminentes "especialistas" sobre as eleições no Brasil. Todos
disseram que Lula não teria mais de 30 por cento dos votos. Só eu - o
radical, o alucinado - escrevi que a vitória do PT era não apenas certa,
mas absolutamente inevitável.
Do mesmo modo, sob insultos e cusparadas, anunciei que a passagem
do tempo desfaria a lenda da "moderação" lulista, pondo à mostra o
compromisso inflexível do nosso partido governante com o esquema
revolucionário internacional.
Hoje isso está mais do que evidente, e sinais de um temor geral que
antes ninguém desejava confessar começam a despontar por toda parte.
E que fazem, diante do perigo tardiamente reconhecido, essas
consciências recém-despertadas? Correm em busca dos mesmos
luminares acadêmicos que já os ludibriaram tantas vezes com suas
palavras anestésicas, como instrutores de auto-ajuda.
A elite brasileira é vítima de seu próprio desamor ao conhecimento,
agravado de um culto idolátrico aos símbolos exteriores de prestígio e
bom-mocismo. Seguindo essa linha inflexivelmente ao longo dos anos,
enfraqueceu-se ao ponto de, hoje, ter de baixar a cabeça ante a torpeza
explícita, arrogante, segura de si.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091208dc.html
Geração maldita
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 8 de dezembro de 2009
Todo dia recebo dezenas de cartas de leitores, das quais respondo
algumas pelo meu programa "True Outspeak"
(www.blogtalkradio.com/olavo, segundas-feiras, às 20h00 do Brasil). As
outras ficam sem resposta, não por serem desimportantes, mas por
simples impossibilidade física de escrever as centenas de páginas
diárias que seria preciso para dar a cada uma a atenção merecida. No
entanto, algumas são irrespondíveis num outro sentido: o que dizem é
tão verdadeiro, tão sério, tão pungente, que nada tenho a lhes retrucar
nem acrescentar.
Eis aqui dois exemplos. O primeiro, do leitor Ithamar Paraguassu
Ramos, até saiu no Diário do Comércio do dia 17
(http://www.dcomercio.com.br/Materia.aspx?id=32129):
"A única coisa que posso dizer é que eu amo as materias do Olavo. Já
faz um bom tempo que tenho reclamado do que eu chamo de
'esquizofrenia' dos formadores de opinião brasileiros. Na mesma
sentença eles dizem uma coisa e se contradizem completamente... Mas
o ponto é que infelizmente Olavo não esta atingindo uma parcela muito
importante da nossa população, isso por causa do declínio da
educação... Para o meu horror, os jovens universitários de hoje não
sabem o sgnificado de palavras como: 'sofisma', 'erítistica', 'ardil',
'arrazoado', 'verossimilhança' e por aí vai."
O segundo, do leitor Leandro Coelho, sai aqui pela primeira vez:
"Não tenho (e não sei) os meios de verificar se todas as pessoas
brasileiras são assim, mas todas as pessoas com as quais converso,
todas praticamente sem exceção, só pensam em levar vantagem seja
com processos trabalhistas, seja se inscrevendo em programas sociais
sem necessidade ou de qualquer outra maneira. Trabalhar para
prosperar, talvez, mas ganhar um dinheirinho na base da enganação,
processos etc., ah, aí todos querem. Vendo isso, não vejo por que achar
triste que estas pessoas sejam governadas pelo Foro de São Paulo. As
pessoas que se enquadram no esquema acima merecem toda a miséria
nacional. Se o jeitinho acima descrito é aplicável a grande parte da
população brasileira, então o Lula, o PT... estão no lugar certo."
Que é que posso dizer diante dessas coisas? Elas são a verdade pura e
simples, constatada diariamente por quem quer que tenha um pingo de
capacidade de observação. E essa verdade é tão horrível, tão
deprimente, que o cérebro humano, ao admiti-la, entra em estado de
torpor e busca logo pensar em outra coisa. Quanto mais grave e temível
é um estado de coisas, menos atenção ele recebe e mais facilmente é
aceito como fatalidade inevitável, na qual não vale a pena pensar. Nem
entendo por que há tantos cursos de auto-ajuda ensinando as pessoas a
evitar assuntos desagradáveis. Elas já fazem isso por mero
automatismo, e precisamente porque o fazem as coisas vão se tornando
cada vez mais desagradáveis.
O colapso intelectual do Brasil, ao qual se seguiu a completa
deterioração moral da população, ao menos nos grandes centros
urbanos, não aconteceu simplesmente porque sim. Foi a obra criminosa
da geração mais presumida e torpe que as universidades brasileiras já
produziram. Para cada dez mil sexagenários letrados que hoje ocupam
posições de destaque na política, nas universidades, no show business,
no mundo editorial, mal se encontra um que tenha consciência das suas
responsabilidades, que não sufoque sua consciência de culpa sob
toneladas de chavões politicamente corretos, de modo a sentir que é
bom quando pratica o mal.
Quando se encontra essa exceção memorável, um homem de bem,
podem ter a certeza de que ele vem enfraquecido pela contaminação do
ambiente geral adverso, ao qual não ousa opor a necessária severidade.
Estou lendo, com uma satisfação mista de tristeza, o livro de Boris
Tabacof, Espírito de Empresário. Reflexões para Construir uma Gestão
Baseada em Valores (São Paulo, Editora Gente, 2009). Quanta boa
vontade, quanta sugestão construtiva, quantas idéias úteis, quanto
sentimento moral saudável, quanto sincero amor pelo Brasil e quanto
desejo de ver sua gente prosperar não perpassam essas páginas que
todo empresário deveria ler! E tudo isso dito por quem não se limita a
dizer, mas há décadas se esforça para que suas idéias se realizem. No
entanto, quantas concessões de ingênua polidez não faz o autor a
pessoas e grupos que, se pudessem, gostariam mesmo é de assassiná-
lo! Como realizar as mais belas propostas sem primeiro neutralizar as
forças que as estrangulam e que, quando não conseguem destrui-las,
tratam de corrompê-las e prostitui-las para que acabem servindo ao
mesmo mal que pretendiam corrigir? Quando as pessoas imbuídas das
melhores intenções neste país vão aprender a lição de Hegel sobre "a
obra do negativo", a função preliminar, básica e imprescindível que a
crítica corrosiva e a destruição dos antagonismos desempenham na
liberação das forças melhores e mais promissoras? Uma só palavra
gentil dita aos homens que criaram as situações descritas pelos leitores
Ramos e Coelho é o bastante para deitar a perder todos os esforços
mais generosos despendidos para corrigi-las. Mais vale um bom
palavrão atirado em público à cara de um Tarso Genro, de um Marco
Aurélio Garcia, do que mil palavras construtivas atiradas ao vento.
Ninguém, no mundo, tem o monopólio das boas idéias. Elas surgem
naturalmente, quando a situação permite -- mas a situação só o permite
quando os piores e os mais estúpidos desocupam os altos postos e são
devolvidos à sua justa escala de insignificância.
O Brasil, no momento, não precisa de boas idéias. Precisa é de uma
ação vigorosa, implacável, contra o império da maldade, da mentira e
da estupidez. Esse império foi instaurado pela geração que, nos bancos
da universidade, se deixou seduzir pela crença de que era "a parcela
mais esclarecida da população" e de que todos os problemas estariam
resolvidos quando ela chegasse ao poder. Ela chegou -- e fez do povo
brasileiro o mais ignorante, o mais assassino e provavelmente o mais
desonesto do mundo.
Posso falar de cátedra, porque essa geração é a minha. Observei como
ela se formou e sei o quanto a ilusão de pertencer a uma elite
predestinada pode corromper o coração humano. Eu mesmo participei
dessa ilusão, e vivo até hoje do arrependimento que ela me infunde.
Vejam os cinquenta mil homicídios por ano, vejam o fracasso dos nossos
estudantes nos testes internacionais, vejam o poder crescente das
gangues de narcotraficantes e de invasores de terras, vejam a
amoralidade cínica estampada nos rostos de tantos dos nossos
concidadãos -- e me digam se algo de bom é possível construir enquanto
os homens que criaram tudo isso continuam mandando no país e
acumulam mais poder a cada dia que passa.
Quando nada se faz contra o mal, a apologia do bem torna-se mera
desconversa -- a forma passiva e afável da mentira na qual o mal se
sustenta.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091214dc.html
O império mundial da burla
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 14 de dezembro de 2009
"Tutto è burla nel mondo"
(Falstaff, na ópera de Verdi)
Até umas décadas atrás, o jornalismo refletia a convivência, ora
pacífica, ora conflitiva, das três forças que determinavam a sua
orientação: o orgulho profissional dos jornalistas, que concorriam entre
si na tarefa de informar mais e melhor; os objetivos econômicos dos
empresários de mídia; e os diferentes interesses políticos que, através
desses dois grupos, disputavam a hegemonia sobre as redações. A
variedade das combinações possíveis, num ambiente de concorrência
capitalista e liberdade democrática (mesmo em situações políticas não
totalmente democráticas), demarcava os perfis dos diferentes órgãos de
mídia, desde os grandes jornais e redes de TV até os tablóides de
propaganda ideológica e os programas radiofônicos das mais modestas
estações do interior.
Nos anos recentes, tudo mudou.
1) Por toda parte, a propriedade dos órgãos de mídia concentrou-se nas
mãos de empresas multinacionais bilionárias, associadas ao projeto de
governo mundial e dispostas a sofrer por ele até mesmo vultosos
prejuízos financeiros, que por outro lado não as prejudicam de maneira
alguma, de vez que são amplamente compensados por lucros obtidos
em outros negócios. A tremenda queda de prestígio e a quase falência
de jornais como o New York Times ou o Los Angeles Times não os
induziu a mudar no mais mínimo que fosse as respectivas orientações
políticas que puseram seus leitores em fuga: ao interesse financeiro
imediato de uma empresa em particular sobrepõem-se os interesses
estratégicos maiores dos grupos empresariais que a controlam de
longe.
2) Desde que as maiores universidades, em quase todos os países do
Ocidente, caíram sob o domínio de intelectuais ativistas imbuídos da
mentalidade "pós-moderna" e "desconstrucionista", isso teve um efeito
letal sobre a formação profissional dos jornalistas: a simples noção de
objetividade jornalística não pode sobreviver num ambiente cultural
onde a crença em verdades objetivas é tratada como um resíduo
supersticioso de épocas bárbaras e um odioso instrumento de opressão
capitalista. Se a obrigação dos intelectuais já não é mais buscar a
verdade, mas apenas dar apoio a causas feministas, gayzistas,
abortistas, globalistas e socialistas, mesmo aquele que não tenha
grande entusiasmo pessoal por essas causas fica desprovido de um
critério de veracidade pelo qual possa julgá-las, e acaba colaborando
com elas, no mínimo, por omissão.
3) A convergência desses dois fatores gerou, como era de se esperar, a
uniformização ideológica da mídia em escala mundial, transformando
jornais, estações de rádio e redes de TV num maciço e coerente aparato
de propaganda que cada vez menos admite divergências e cada vez
mais se empenha em selecionar as notícias segundo sua conveniência
política, desprezando cinicamente os critérios tradicionais de
objetividade. O noticiário fraudulento, que num ambiente de
concorrência capitalista normal acabava sempre sendo dissolvido pela
variedade das abordagens jornalísticas mutuamente contraditórias,
tornou-se a norma imperante, só contestada em publicações menores e
em alguns sites de jornalismo eletrônico, facilmente neutralizados como
"loucos", "teóricos da conspiração", "fofoqueiros da internet" etc.
Em resultado, os acontecimentos mais decisivos são freqüentemente
mantidos fora do horizonte de visão do público, enquanto lendas,
mentiras e imbecilidades úteis à causa comum do globalismo e da
militância jornalística são alardeadas nos quatro quadrantes da Terra
como verdades definitivas, sem que se ouça uma única voz de protesto
contra a fraude geral. Trabalhando em uníssono com o show business,
com as fundações culturais bilionárias e com os organismos
administrativos internacionais, o jornalismo tornou-se pura propaganda,
amparada num eficiente sistema de exclusão e boicote que só os mais
valentes, cada vez mais raros, ousam enfrentar.
As grandes empresas jornalísticas já não têm nem mesmo a
preocupação de camuflar a uniformidade mundial das campanhas que
promovem: outro dia, 44 dos 56 maiores jornais do mundo publicaram o
mesmo editorial, repetido em toda parte ipsis litteris, em favor da
centralização do poder em escala mundial, para salvar o planeta de
riscos aliás perfeitamente inexistentes.
Quase ao mesmo tempo, a Rede Globo, dominadora absoluta da
audiência e portanto da formação da mentalidade pública neste país,
exibiu novamente, como dado científico comprovado, o famoso gráfico
de Al Gore, em que duas curvas, uma assinalando os aumentos das
emissões de CO2, outra as elevações da temperatura terrestre, se
superpõem harmoniosamente, "provando" a origem humana do
aquecimento global.
Nos meios científicos, não há um só profissional idôneo que engula essa
fraude grotesca. Todo mundo sabe que as curvas são similares, sim,
mas que as elevações de temperatura antecedem e não se sucedem ao
aumento das emissões de CO2 , isto é, que Al Gore inverteu
propositadamente causa e efeito para fomentar a campanha do imposto
mundial.
Já o escândalo do "Climagate", em que prestigiosos cientistas foram
surpreendidos tramando falsificação de dados, vem sendo abafado por
todos os meios possíveis: se você depender do New York Times ou da
CNN para informar-se a respeito, não ficará jamais sabendo de nada, ou
pelo menos terá a impressão de que a vigarice de alguns pesquisadores
isolados não afeta em nada a confiabilidade das teses dominantes
quanto ao aquecimento global. Impressão falsa. Philip Jones, Keith
Briffa e Michael Mann, os pesquisadores de East Anglia pegos de calças
na mão, são os principais autores dos dois relatórios da ONU que
servem de base à campanha do imposto global, isto é, da extorsão
global de três bilhões de dólares para salvar o mundo de uma ameaça
forjada (v. http://www.telegraph.co.uk/comment/columnists/
christopherbooker/6738111/Climategate-reveals-the-most-influential-
tree-in-the-world.html).
Do mesmo modo, os órgãos da "grande mídia" não publicam uma só
linha quanto aos processos que a jornalista austríaca Jane
Burgermeister está movendo contra a Organização Mundial da Saúde, o
governo Obama e algumas poderosas indústrias farmacêuticas. As
vacinas contra gripe suína, já obrigatórias em alguns Estados
americanos, e que a presidência Obama pretende impor a todo o país,
estão contaminadas com o vírus da gripe aviária, muito mais perigosa: é
o que afirma Burgermeister, sustentando suas palavras com ações que
não são de ordem a tornar a sua existência nem um pouco mais
confortável (v. www.theflucase.com). Para impor a obrigatoriedade da
vacinação, o governo americano e a OMS promoveram uma campanha
alarmista, com forte apoio de jornais, TVs, universidades, instituições
científicas e artistas de Hollywood, exagerando brutalmente os riscos
da gripe suína. Agora, que as vacinas estão matando muito mais gente
do que a própria gripe, a mídia e as autoridades se calam
ominosamente, mostrando que não estão interessadas na saúde do
público mas em proteger os autores de uma fraude genocida. E notem:
os envolvidos nessa fraude são os mesmos apóstolos do imposto global,
assim como os meios usados para ludibriar o público são os mesmos em
ambos os casos: a propaganda maciça em escala mundial, travestida de
"jornalismo", e a supressão sistemática dos fatos indesejáveis.
Cada vez mais, entramos num novo mundo onde não se poderá confiar
em nenhuma instituição, em nenhuma autoridade, em nenhum
prestígio, e onde cada um terá de buscar a verdade por seus próprios
meios, se os tiver. Como a maioria não os tem, será cada vez mais difícil
encontrar alguma diferença entre esse novo mundo e o império global
da burla anunciado pelos profetas e pelo Falstaff de Verdi.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091217dc.html
Armas da liberdade
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 17 de dezembro de 2009
A coisa mais óbvia, na análise da História e da sociedade, é que, quando
a situação muda muito, você já não pode descrevê-la com os mesmos
conceitos de antes: tem de criar novos ou aperfeiçoar criticamente os
velhos, para dar conta de fatos inéditos, não enquadráveis nos gêneros
conhecidos.
É patético observar como, já em plena fase de implantação do governo
mundial, os analistas políticos, na universidade ou na mídia, continuam
oferecendo ao público análises baseadas nos velhos conceitos de
´"Estado nacional", "poder nacional", "relações internacionais", "livre
comércio", "democracia", "imperialismo", "luta de classes", "conflitos
étnicos" etc., quando é claro que nada disso tem grande relação com os
fatos do mundo atual.
Os acontecimentos mais básicos dos últimos cinqüenta anos são:
primeiro, a ascensão de elites globalistas, desligadas de qualquer
interesse nacional identificável e empenhadas na construção não
somente de um Estado mundial mas de uma pseudocivilização
planetária unificada, inteiramente artificial, concebida não como
expressão da sociedade mas como instrumento de controle da
sociedade pelo Estado; segundo, os progressos fabulosos das ciências
humanas, que depositam nas mãos dessas elites meios de dominação
social jamais sonhados pelos tiranos de outras épocas.
Várias décadas atrás, Ludwig von Bertalanffy (1901-1972), o criador da
Teoria Geral dos Sistemas, ciente de que sua contribuição à ciência
estava sendo usada para fins indevidos, já advertia: "O maior perigo dos
sistemas totalitários modernos é talvez o fato de que estão
terrivelmente avançados não somente no plano da técnica física ou
biológica, mas também no da técnica psicológica. Os métodos de
sugestionamento em massa, de liberação dos instintos da besta
humana, de condicionamento ou controle do pensamento
desenvolveram-se até alcançar uma eficicácia formidável: o
totalitarismo moderno é tão terrivelmente científico que, perto dele, o
absolutismo dos períodos anteriores aparece como um mal menor,
diletante e comparativamente inofensivo."
Em L'Empire Écologique: La Subversion de l'Écologie par le
Mondialisme (1998), Pascal Bernardin explicou em maiores detalhes
como a Teoria Geral dos Sistemas vem servindo de base para a
construção de um sistema totalitário mundial, que nos últimos dez anos,
definitivamente, saiu do estado de projeto para o de uma realidade
patente, que só não vê quem não quer. Mas von Bertalanffy não se
referia somente à sua própria teoria. Ele fala de "métodos", no plural, e
o cidadão comum das democracias nem pode fazer uma idéia da pletora
de recursos hoje postos à disposição dos novos senhores do mundo pela
psicologia, pela sociologia etc. Se von Bertalanffy tivesse de citar
nomes, não omitiria o de Kurt Levin, talvez o maior psicólogo social de
todos os tempos, cujo Instituto Tavistock, em Londres, foi constituído
pela própria elite global em 1947 com a finalidade única de criar meios
de controle social capazes de conciliar a permanência da democracia
jurídica formal com a dominação completa do Estado sobre a sociedade.
Só para vocês fazerem uma idéia de até onde a coisa chega, os
programas educacionais de quase todas as nações do mundo, em vigor
desde há pelo menos vinte anos, são determinados por normas
homogêneas diretamente impostas pela ONU e calculadas não para
desenvolver a inteligência ou a consciência moral das crianças, mas
para fazer delas criaturas dóceis, facilmente amoldáveis, sem caráter,
prontas a aderir entusiasticamente, sem discussão, a qualquer nova
palavra-de-ordem que a elite global julgue útil aos seus objetivos. Os
meios usados para isso são técnicas de controle "não aversivas",
concebidas para fazer com que a vítima, cedendo às imposições da
autoridade, sinta fazê-lo por livre vontade e desenvolva uma reação
imediata de defesa irracional à simples sugestão de examinar
criticamente o assunto. Seria um eufemismo dizer que a aplicação em
massa dessas técnicas "influencia" os programas de educação pública:
elas são todo o conteúdo da educação escolar atual. Todas as
disciplinas, incluindo matemática e ciências, foram remoldadas para
servir a propósitos de manipulação psicológica. O próprio Pascal
Bernardin descreveu meticulosamente o fenômeno em Machiavel
Pédagogue (1995). Leia e descobrirá por que seu filho não consegue
resolver uma equação de segundo grau ou completar uma frase sem
três solecismos, mas volta da escola falando grosso como um comissário
do povo, cobrando dos pais uma conduta "politicamente correta".
A rapidez com que mutações repentinas de mentalidade, muitas delas
arbitrárias, grotescas e até absurdas, se impõem universalmente sem
encontrar a menor resistência, como se emanassem de uma lógica
irrefutável e não de um maquiavelismo desprezível, poderia ser
explicada pelo simples adestramento escolar que prepara as crianças
para aceitar as novas modas como mandamentos divinos.
Mas evidentemente a escola não é a única agência empenhada em
produzir esse resultado. A grande mídia, hoje maciçamente
concentrada nas mãos de mega-empresas globalistas, tem um papel
fundamental na estupidificação das massas. Para isso, uma das técnicas
de emprego mais generalizado hoje em dia é a dissonância cognitiva,
descoberta do psicólogo Leon Festinger (1919-1989). Vejam como a
coisa funciona. Se vocês lerem os jornais americanos de hoje, saberão
que Tiger Woods, o campeão de golfe, um dos cidadãos americanos
mais queridos dos últimos tempos, está agora sob bombardeio cerrado
dos jornais e noticiários de TV porque descobriram que o coitado tinha
umas amantes. Escândalo! Horror! A indignação geral ameaça cortar
metade dos patrocínios do adúltero e excluí-lo do rol das "pessoas
maravilhosas" que aparecem em anúncios de tênis, chicletes e dietas
miraculosas. Mas há um detalhe: ao lado dos protestos contra a
imoralidade do esportista aparecem ataques ferozes aos "extremistas
de direita" que não aceitam o abortismo, o casamento gay ou a indução
de crianças à deleitação sexual prematura. Os dois códigos morais,
mutuamente contraditórios, são oferecidos em simultaneidade, como
igualmente obrigantes e sacrossantos. Excitado e impelido a todos os
desmandos sexuais, mas ao mesmo tempo ameaçado de character
assassination caso venha a praticá-los mesmo em dose modesta, o
cidadão angustiado reage por uma espécie de colapso intelectual,
tornando-se um boboca servil que já não sabe orientar-se a si mesmo e
implora por uma voz de comando. O comando pode ser oco e sem
sentido, como por exemplo "Change!", mas, quando vem, soa sempre
como um alívio.
Acusar os cientistas por esse estado de coisas é tão idiota quanto jogar
nas armas a culpa dos homicídios. Homens como von Bertalanffy, Levin
e Festinger criaram instrumentos que podem servir tanto para a
construção da tirania quanto para a reconquista da liberdade. Nós é
que temos a obrigação de tirar essas armas das mãos de seus
detentores monopolísticos, e aprender a usá-las com signo invertido,
libertando o nosso espírito em vez de permitir que o escravizem.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091221dc.html
A demolição das consciências
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 21 de dezembro de 2009
Quem tenha compreendido bem meu artigo "Armas da Liberdade", deve
ter percebido também a conclusão implícita a que ele conduz
incontornavelmente: boa parte do esforço moralizante despendido pela
"direita religiosa" para sanear uma sociedade corrupta é inútil, já que
termina sendo facilmente absorvida pela máquina da "dissonância
cognitiva" e usada como instrumento de perdição geral.
Notem bem: moralidade não é uma lista de condutas louváveis e
condenáveis, pronta para que o cidadão a obedeça com o automatismo
de um rato de Pavlov.
Moralidade é consciência, é discernimento pessoal, é busca de uma
meta de perfeição que só aos poucos vai se esclarecendo e encontrando
seus meios de realização entre as contradições e ambigüidades da vida.
Sto. Tomás de Aquino já ensinava que o problema maior da existência
moral não é conhecer a regra geral abstrata, mas fazer a ponte entre a
unidade da regra e a variedade inesgotável das situações concretas,
onde freqüentemente somos espremidos entre deveres contraditórios
ou nos vemos perdidos na distância entre intenções, meios e resultados.
Lutero -- para não dizerem que puxo a brasa para a sardinha católica --
insistia em que "esta vida não é a devoção, mas a luta pela conquista da
devoção".
E o santo Padre Pio de Pietrelcina: "É melhor afastar-se do mundo
pouco a pouco, em vez de tudo de uma vez".
A grande literatura -- a começar pela Bíblia -- está repleta de exemplos
de conflitos morais angustiantes, mostrando que o caminho do bem só é
uma linha reta desde o ponto de vista divino, que tudo abrange num
olhar simultâneo. Para nós, que vivemos no tempo e na História, tudo é
hesitação, lusco-fusco, tentativa e erro. Só aos poucos, orientada pela
graça divina, a luz da experiência vai dissipando a névoa das
aparências.
Consciência -- especialmente consciência moral -- não é um objeto, uma
coisa que você possua. É um esforço permanente de integração, a busca
da unidade para além e por cima do caos imediato. É unificação do
diverso, é resolução de contradições.
Os códigos de conduta consagrados pela sociedade, transmitidos pela
educação e pela cultura, não são jamais a solução do problema moral:
são quadros de referência, muito amplos e genéricos, que dão apoio à
consciência no seu esforço de unificação da conduta individual. Estão
para a consciência de cada um como o desenho do edifício está para o
trabalho do construtor: dizem por alto qual deve ser a forma final da
obra, não como a construção deve ser empreendida em cada uma das
suas etapas.
Quando os códigos são vários e contraditórios, é a própria forma final
que se torna incongruente e irreconhecível, desgastando as almas em
esforços vãos que as levarão a enroscar-se em problemas cada vez mais
insolúveis e, em grande número de casos, a desistir de todo esforço
moral sério. Muito do relativismo e da amoralidade reinantes não são
propriamente crenças ou ideologias: são doenças da alma, adquiridas
por esgotamento da inteligência moral.
Em tais circunstâncias, lutar por este ou aquele princípio moral em
particular, sem ter em conta que, na mistura reinante, todos os
princípios são bons como combustíveis para manter em funcionamento
a engenharia da dissonância cognitiva, pode ser de uma ingenuidade
catastrófica. O que é preciso denunciar não é este ou aquele pecado em
particular, esta ou aquela forma de imoralidade específica: é o quadro
inteiro de uma cultura montada para destruir, na base, a possibilidade
mesma da consciência moral. O caso de Tiger Woods, que citei no
artigo, é um entre milhares. Escândalos de adultério espoucam a toda
hora na mesma mídia que advoga o abortismo, o sexo livre e o
gayzismo. A contradição é tão óbvia e constante que nenhum
aglomerado de curiosas coincidências poderia jamais explicá-la. Ela é
uma opção política, a demolição planejada do discernimento moral.
Muitas pessoas que se escandalizam com imoralidades específicas não
percebem nem mesmo de longe a indústria do escândalo geral e
permanente, em que as denúncias de imoralidade se integram
utilmente como engrenagens na linha de produção. Ou a luta contra o
mal começa pela luta contra a confusão, ou só acaba contribuindo para
a confusão entre o bem e o mal.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091223-natal.html
Natal 2009/Christmas 2009
Olavo de Carvalho23 de dezembro de 2009
Musicalmente, alguns preferem Tristão e Isolda, mas, em matéria de
força dramática e riqueza de significado, a ária final de Wotan em As
Valquírias, “Leb Wohl” (“Adeus”), é sem dúvida o cume da obra de
Richard Wagner. Que é que isso tem a ver com o Natal? Espere um
pouco e deixe-me relembrar a cena.
Pressionado por sua esposa Fricka, que lhe cobra seus deveres de
mantenedor da ordem cósmica, Wotan, o equivalente germânico de
Zeus, promete, a contragosto, punir com a morte seu neto Siegmund,
culpado de adultério e incesto com sua irmã Sieglinda. Para isso, ele
envia sua filha mais querida, Brunilda, ao local onde o marido de
Sieglinda vai duelar com Siegmund, para assegurar que Siegmund,
privado de todo auxílio divino, seja morto no duelo. No momento
decisivo, Brunilda deixa-se tomar de compaixão por Siegmund e,
descumprindo a ordem recebida, tenta protegê-lo. Wotan tem de
intervir pessoalmente, fazendo em pedaços a espada mágica de
Siegmund e deixando que ele seja morto pelo marido de Sieglinda,
Hunding. Tão logo termina o duelo, Wotan, desgostoso consigo próprio
e cheio de desprezo pelo vencedor, mata Hunding com um simples
sopro. Agora o rei dos deuses tem de punir a filha, para não permitir
que um ato de traição perturbe a ordem do Valhalla, o céu dos deuses
germânicos. Atormentado pelo conflito insolúvel entre o dever de
governante e o amor paterno, Wotan queixa-se de que, entre todos os
seres, o mais miserável e sofredor é ele próprio. No instante em que ele
se prepara para matar Brunilda, ela apela à compaixão do pai, pedindo
que a sentença de morte seja substituída pela de expulsão. Wotan
abraça ternamente a filha e a faz adormecer numa montanha protegida
por um círculo de fogo, prometendo que nenhum homem indigno tocará
nela e que, ao despertar como criatura humana, desprovida de poderes
divinos, ela terá por marido um nobre guerreiro que a protegerá de
todos os males. Wotan despede-se da filha e, enquanto ela adormece,
sai cabisbaixo, derrotado pelo seu próprio poder.
Esse episódio marca o instante em que a ordem do mundo mitológico
entra em contradição consigo própria e descobre o seu limite. No
mundo dos deuses não há lugar para a compaixão. Só no mundo
humano Brunilda poderá desfrutar os benefícios do perdão que o pai
tão ardentemente lhe deseja conceder. Nesse momento, a lei dos
deuses admite que há uma justiça superior à do próprio Wotan-Zeus. A
ordem cósmica só pode ser restaurada mediante o sacrifício de Wotan,
mas ele próprio entende isso como um sofrimento absurdo, uma
incongruência, uma irregularidade. Quando Brunilda despertar, ela
estará num novo mundo, onde o auto-sacrifício do deus não será mais
uma irregularidade, e sim o princípio mesmo da lei que rege o universo.
O Deus invisível e sem nome que impera muito acima de Wotan oferece
o seu próprio Filho em sacrifício, porque sabe que nenhum sacrifício
humano pode restaurar a ordem: só o sangue do próprio Deus tem esse
poder. O adeus de Wotan é o mundo antigo que se despede, baixando a
cabeça ante uma ordem superior a que o próprio Wotan obedece, mas
que ele não pode compreender.
É o advento desse mundo novo, a tomada de consciência universal
dessa nova ordem, onde o perdão não é a exceção mas a regra, que se
celebra no Natal. O gesto incomum de Wotan será aí a lei geral e
eterna, que restaura a ordem do mundo não uma vez, mas a cada
instante, de novo e de novo, injetando no mundo finito novas e novas
possibilidades que vêm do amor infinito. Ao adeus de Wotan, baixado o
pano sobre a cena mitológica, segue-se o nascimento de Cristo, o
advento da Nova Aliança onde Brunilda será perdoada não uma vez,
mas vezes infinitas. O perdão não é um ato raro e excepcional, que
quase às escondidas ludibria a ordem cósmica em nome do amor
paterno. Ele é a lei fundamental do universo, a base mesma de toda
existência.
ftp://camerata.mine.nu/hines/Jerome%20Hines-Leb%20Wohl
%201961%20Bayreuth.mp3
Musically, some prefer Tristan and Isolde, but in the matter of dramatic
power and richness of meaning, Wotan’s final aria in The Valkyrie, “Leb
Wohl” (Farewell), is doubtless the pinnacle of Richard Wagner’s work.
What does that have to do with Christmas? Hold on a while, and let me
recall the scene.
Pressured by his wife Fricka, who urges him to fulfill his duties as
maintainer of the cosmic order, Wotan, the Germanic counterpart of
Zeus, unwillingly promises to punish by death his grandson Siegmund—
guilty of adultery and incest with his sister Sieglinde. To achieve this
goal, Wotan sends his dearest daughter, Brünnhilde, to the place where
Sieglinde’s husband will fight a duel with Siegmund, to ensure that
Siegmund, deprived of all divine assistance, is killed in the duel. At the
decisive moment, Brünnhilde allows herself to be overcome with
compassion for Siegmund, and disobeying the order she received,
attempts to protect him. Wotan has to intervene personally, breaking
Siegmund’s magic sword into pieces and letting him be killed by
Sieglinde’s husband, Hunding. As soon as the duel comes to an end,
Wotan, displeased with himself and full of contempt for the winner, kills
Hunding with a simple puff of breath. Now the king of the gods has to
punish his daughter, in order not to permit that an act of treason
disturbs the order of Valhalla, the heaven of the Germanic gods.
Tormented by the insoluble conflict between the duties of rulership and
paternal love, Wotan complains that he himself among all beings is the
most suffering and miserable one. At the moment that he prepares to
kill Brünnhilde, she appeals to her father’s compassion, requesting that
her death sentence may be substituted for banishment. Wotan tenderly
embraces his daughter and soothes her into sleep on a mountain peak
protected by a ring of fire, promising that no unworthy man will ever
touch her and that, when she awakes as a human creature, deprived of
divine powers, she will have for a husband a noble warrior, who will
protect her from all evil. Wotan bids his daughter farewell and, while
she is falling asleep, departs downcast, defeated by his own power.
This episode marks the instant at which the order of the mythological
world falls into contradiction with itself and discovers its limit.
Compassion has no place in the world of gods. Only in the human world
will Brünnhilde be allowed to enjoy the benefits of the forgiveness that
her father so ardently wishes to grant her. At this moment, the law of
the gods admits that there is a higher justice than that of Wotan-Zeus
himself. The cosmic order can only be restored through Wotan’s
sacrifice, but he himself understands this as absurd suffering,
incongruity, irregularity. When Brünnhilde awakes, she will be in a new
world, where the god’s self-sacrifice will no longer be an irregularity,
but rather the very principle of the law governing the universe. The
nameless and invisible God who reigns far above Wotan offers his own
Son in sacrifice, because He knows that no human sacrifice can restore
order: only the blood of God Himself has such power. Wotan’s farewell
is the ancient world taking its leave, lowering his head before a higher
order which Wotan himself obeys, but cannot comprehend.
It is the advent of this new world, the coming to the universal
awareness of this new order, where forgiveness is not an exception but
the rule, which is celebrated at Christmas. There, Wotan’s uncommon
gesture will be the general and eternal law, which restores the order of
the world not just once, but at every moment, over and over again,
injecting ever new possibilities coming from the infinite love into the
finite world. What follows Wotan’s farewell, after the curtain is drawn
down upon the mythological scene, is the birth of Christ, the advent of
the New Alliance where Brünnhilde will be forgiven not only once, but
infinite times. Forgiveness is not a rare and exceptional act, which, in
the name of paternal love, deceives the cosmic order almost in an
underhanded way. Forgiveness is the fundamental law of the universe,
the very basis of all existence.
(Translated by Alessandro Cota)
ftp://camerata.mine.nu/hines/Jerome%20Hines-Leb%20Wohl
%201961%20Bayreuth.mp3
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091228dc.html
Diferenças decisivas
Olavo de CarvalhoDiário do Comércio, 28 de dezembro de 2009
Ainda esclarecendo o artigo "Armas da liberdade": Se a política
revolucionária continua avançando de vitória em vitória a despeito da
revelação de seus crimes e do seu fracasso estrondoso no campo
econômico-social, é porque ela é em essência uma estratégia da tomada
do poder, independente e desacompanhada de qualquer sabedoria
quanto ao modo de exercê-lo em benefício do povo. A administração
estatal revolucionária consiste em nada mais que homicídio, roubo e
mendacidade organizada, mas o conjunto de meios que os
revolucionários criaram para destruir seus inimigos e conquistar o
poder total é um prodígio de racionalidade e eficiência. Tão notório é
esse fenômeno, que muitos liberais e conservadores, vendo a
impossibilidade de deter o avanço das forças revolucionárias, acreditam
que a única possibilidade de derrotá-las é esperar que cheguem ao
poder e se destruam a si mesmas por incapacidade de administrá-lo. O
preço dessa estratégia quietista é tão grande, em danos e sofrimentos,
que suas culpas se igualam às da própria revolução, mesmo sem contar
o fato de que os revolucionários, por definição e hábito consagrado,
jamais são demovidos de seus fins pela mera constatação de seus
fracassos, os quais sempre podem ser descontados como erros
acidentais ou debitados na conta da "reação" e assim transfigurados em
novos estímulos ao avanço do processo revolucionário. Como a essência
da revolução é destruição e nada mais, sua própria autodestruição faz
parte do processo e não debilita o movimento no mais mínimo que seja.
Liberais e conservadores, como apostam tudo na eficiência econômico-
administrativa, caem sempre na esparrela de medir o adversário por si
mesmos, esperando que aquilo que seria letal para eles possa fazer a
ele algum mal. A pobreza e o caos derrubam governos democráticos,
mas para uma ditadura revolucionária podem ser o pretexto salvador de
que ela necessita para militarizar a sociedade e unificar o povo sob a
bandeira do ódio ao inimigo. Cada vez que falta carne, pão e leite na
mesa dos venezuelanos, cubanos ou norte-coreanos, a revolução prende
ou mata mais alguns bodes expiatórios e emerge revigorada desse
ritual macabro.
A diferença decisiva entre revolução e reação é que a primeira tem uma
visão abrangente e unitária do alvo a ser destruído -- a "civilização
ocidental" --, enquanto a segunda se conforma com uma estratégia
parcial e minimalista, encarando a proposta revolucionária como uma
coleção de metas separadas e inconexas, combatendo umas e
negociando com outras, seja na esperança vã de dividir as forças
inimigas, seja no intuito de "adaptar-se aos tempos", sem perceber que
com isto concede ao adversário o monopólio da interpretação da
História e, assim, a vitória inevitável a longo prazo.
Dessa diferença decorre outra. O combate revolucionário é total,
radical e implacável: nada releva, nada perdoa, nada deixa escapar.
Quando cede num ponto, é em caráter provisório, pronto a retomar o
ataque na primeira oportunidade. Para isso, todas as armas são válidas,
todos os meios legítimos. Como o revolucionário não conhece valores
mais altos do que o combate revolucionário em si, a completa falta de
escrúpulos no trato com o inimigo é para ele a mais excelsa obrigação
moral. Seus meios vão desde a violência genocida até a mentira
organizada, a chantagem emocional, o suborno em massa e a redução
da alta cultura a instrumento do engodo revolucionário. Já a reação é
travada não só por escrúpulos de polidez mas pela obsessão seletiva
que a impede de combater o movimento revolucionário em si e na
totalidade, francamente, diretamente, limitando-a a alvos parciais,
quando não amarrando-lhe as mãos mediante o compromisso de
"despolitizar" o combate para não ser acusada de exagero extremista,
sem que ela note que, por definição, todo ataque despolitizado é de mão
dupla, podendo ser facilmente desviado contra o atacante.
A "direita" continuará caindo de derrota em derrota enquanto não parar
de esfarelar suas forças numa confusão de investidas parciais e
concessões suicidas e não começar a dirigir seus ataques ao coração
mesmo do inimigo. Mas para isso é preciso conhecer a identidade desse
inimigo como ele conhece a do seu. Se o alvo de seus ataques é a
"civilização ocidental", o da direita tem de ser, não esta ou aquela
proposta isolada, mas o movimento revolucionário enquanto tal, tomado
como unidade diversa na totalidade das suas manifestações as mais
díspares e em aparência heterogêneas. Já demonstrei, em centenas de
aulas, conferências e artigos, em que consiste essa unidade, que os
intelectuais liberais e conservadores jamais tinham percebido antes (v.,
por exemplo, www.seminariodefilosofia.org/node/630,
www.seminariodefilosofia.org/node/479,
www.seminariodefilosofia.org/node/358,
www.olavodecarvalho.org/semana/070813dc.html,
www.olavodecarvalho.org/semana/071010dce.html,
www.olavodecarvalho.org/semana/071029dc.html,
www.olavodecarvalho.org/textos/0801entrevista.html, etc.). Enquanto o
centro vital do movimento revolucionário não se tornar visível aos olhos
de todos, ele não poderá ser atacado com a eficácia letal com que os
revolucionários vêm ferindo e sangrando a "civilização ocidental".
Uma vez articuladas em torno desse centro, as várias correntes da
"direita" poderão colaborar numa estratégia unificada em vez de
boicotar-se umas às outras. Quando perceberem a unidade por trás dos
alvos ocasionais e isolados -- para não dizer completamente ilusórios --
que têm procurado acertar em vão, conservadores religiosos e laicos,
liberais clássicos e modernos e até extremistas de direita podem tornar-
se um exército organizado em defesa da civilização ocidental, sem nada
ceder de suas diferenças específicas.
No Brasil, o alvo ocasional por excelência é o "petismo", ou, mais
particularizadamente ainda, o "governo Lula". Na esperança de unir
todas as forças contra esse inimigo de ocasião, e, mais ainda, de
arregimentar para isso até mesmo certas correntes de esquerda ou do
próprio PT, o que a direita vai conseguir é uma vitória de Pirro,
ajudando a esquerda a cortar na própria carne para, uma vez mais, sair
fortalecida da revelação de seus crimes e pecados.
Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15