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o IIUNDO DIVINIZADO Teilhard de Chardin Foi por unanimidade que, na conferência geral da U.N.E.S.C.O., reu- nida em Belgrado em novembro de 1980, tomou-se a resolução de cele- brar o centenário do nascimento de Pierre Teilhard de Chardin, s. j. (1/5/1881 - 10/4/1955), posto que, nos termos dessa resolução: "Pro- pondo uma civilização do Universal, seus trabalhos enriqueceram conside- ravelmente a reflexão religiosa, filosófica, e científica" e porque "sua obra exerceu uma inftuência notável sobre o pensamento contemporâneo numa perspectiva de convergência e de solidariedade." A partir de então, geralmente sob a orientação da Fondation Teilhard de Chardin de Paris, vêm se articulando em todo o mundo atividades come- morativas tais como conferências, cursos, simpósios, congressos, edições de originais e traduções, publicações de artigos etc. No Brasil, o prof.? Dr. José Luiz Archanjo, grande especialista teilhar- diano e representante da Fondation, além de várias realizações em caráter de divulgação, preparou com estudos, notas e comentários aprofundados, a tradução primorosa de uma das mais significativas obras do sábio jesuíta - "O Meio Divino" - oublicada pela editora Cultrix e lançado na Associação Palas Athena no dia 14 deste mês. No presente artigo, o prof.? Archanjo explicita o sentido maior dessa obra, apresentando suas linhas mestras de motivação, inspiração e estrutu- ração. Tal artigo representa, pois, a sua homenagem e a desta revista àquele que foi, sem dúvida, o grande apóstolo do Cristo Cósmico no século XX. 8 THOT

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o IIUNDO DIVINIZADO

Teilhard de Chardin

Foi por unanimidade que, na conferência geral da U.N.E.S.C.O., reu-nida em Belgrado em novembro de 1980, tomou-se a resolução de cele-brar o centenário do nascimento de Pierre Teilhard de Chardin, s. j.(1/5/1881 - 10/4/1955), posto que, nos termos dessa resolução: "Pro-pondo uma civilização do Universal, seus trabalhos enriqueceram conside-ravelmente a reflexão religiosa, filosófica, e científica" e porque "sua obraexerceu uma inftuência notável sobre o pensamento contemporâneo numaperspectiva de convergência e de solidariedade."

A partir de então, geralmente sob a orientação da Fondation Teilhardde Chardin de Paris, vêm se articulando em todo o mundo atividades come-morativas tais como conferências, cursos, simpósios, congressos, ediçõesde originais e traduções, publicações de artigos etc.

No Brasil, o prof.? Dr. José Luiz Archanjo, grande especialista teilhar-diano e representante da Fondation, além de várias realizações em caráterde divulgação, preparou com estudos, notas e comentários aprofundados, atradução primorosa de uma das mais significativas obras do sábio jesuíta -"O Meio Divino" - oublicada pela editora Cultrix e lançado na AssociaçãoPalas Athena no dia 14 deste mês.

No presente artigo, o prof.? Archanjo explicita o sentido maior dessaobra, apresentando suas linhas mestras de motivação, inspiração e estrutu-ração. Tal artigo representa, pois, a sua homenagem e a desta revistaàquele que foi, sem dúvida, o grande apóstolo do Cristo Cósmico no séculoXX.

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Em abril de 1926. com quase 45 anos deídade. o padre Pierre Teilhard de Chardin, s. j. -tendo-a expressão.de seu pensamento drástica-mente limitada por seus superiores eclesiásti-cos, que o levaram também a renunciar ao ma-gistério, ao apostolado e ã vIda intelectual deParis - retorna à "Missão Paleontológica Fran-cesa" em Tientsin, na China, onde estivera umano e meio antes, em estágio científico e expe-dições paleontológicas.

Mesmo sob o terrível impacto de tal revira-volta numa carreira de sacerdote e pesquisadorque já se patenteava como das mais brilhantes,ele procura dolorosamente a fórmula que de-verá assumir sua fidelidade existencial. Com au-têntico espírito de obedlênclar cultivado desde ainfância, conclui que a Igreja e a Companhia deJesus são seu ponto de inserção no mundo, nãoobstante os conselhos de muitos no sentido deconvencê-Io a deixar até mesmo o sacerdócioem função de uma total liberdade de pensa-mento e expressão.

Sem saber, talvez, então, Que ssa espécie deexflio camuflado e restrições de tal ordem pesa-riam sobre ele até o final de seus dias, Teilhardprocura empenhar-se animadamente em suaspesquisas e, em novembro daquele ano, apro-veitando um tempo disponível entre uma expe-dição e outra, põe-se a ordenar e registrar idéiasque se esboçavam em seu espírito havia já al-gum tempo. Lenta e definitivamente, tais idéiastinham amadurecido no ritmo de seu desenvol-vimento interior e ao calor de suas múltiplas vi-vências como homem de ciência e de fé.

Elas diziam respeito ao sentido maior donosso estar no Mundo: a construção de umaobra para sempre, o próprio Mundo, levado auma plenitude que o torne digno ser incorpo-rado na Perfeição Divina; ou, Í1i!versamente con-siderando, realizado até uma consumação que otorneaoto a ser a Transparência de Oeus.

P6r vastas e majestosas que possam parecer- e, de fato, são - tais proposições, elas nãodão origem a um tratado filosófico ou teológico,pelo menos na intenção do autor. Pelo con-trário, constituem, segundo ele, apenas um tes-temunho psicológico pessoal acerca de sua vidaou visão 'lnterlor, traduzindo-se numa posturaprática diante da realidade.

Ele mesmo descreve sua motivação imediata:( ... ) e como começasse a me sentir vazio de

ocupeções, decidi elaborar, à meneire de livroquase d. piedade, essas formas de esplritueli-dede ( ... ). Levam por titulo O Meio Divino.Nada de novo, portanto, a não ser o esforçopara expressar meus pontos de vista como ati-tude prática, ecesslvet a todos, com a menorapar'ncia posslvel de pretensões sistemáticas"(et. carta de 8/11/1926), e, em várias oportuni-dades, reafirma e explicita o seu projeto de es-crever um

livro fJiedade (.; -L espécie de doutrinaescétic« ou m/stica que eu vivo e prego de há

muito ( ... ) nada de esotérico e um estrito ml-nimo de. filosofia expliclteds; um tratado, sim-ples na forma e, quanto posslvel, ortodoxo edesprovido de pretensões sistemáticas, sobre a"vida interior" ( ... ): breve tratado de esplritue-lidade ( ... ) essêncl« do que tenho pregado du-rante os meus retiros, isto é, o método de "divi-nizar tudo"; breve 'Tratado de vida espiritual".(et. cartas de 7, 12 e 31/11/1926).

Acontece, porém, que, ao registrar perspecti-vas que na verdade constituíam as soluções deseus próprios conflitos pessoais, Teilhard es-tava, de fato, exprimindo o que vem a ser, fun-damentalmente, o conflito do homem contem-porâneo: por que, como e para que agir?

Nessas três indagações está contida toda aProblemática da Ação, decorrente ela mesmada Problemática da Visão.

Com efeito, a Ciência e a Técnica nos permiti-ram ampliações tão desmesuradas de nossaótica sobre o Universo circundante,que fomosobrigados a reformular nossas mais caras con-cepções acerca do Real e de nosso lugar e valorexato dentro dele. Nosso antigo e ingênuo an-tropocentrismo encontrou-se ainda de tal modoabalado, que entramos em verdadeira crise cut-turet, isto é, tivemos de reavaliar, julgar e sope-sar nossas tradicionais maneiras de ser, pensar,sentir e agir. (

Essa crise atingiu profundamente nossa con-fiança na vida, e os nossos "hurnanismos". porassim dizer, des-hurnanizararn-se, reduzindo--senossa existência a um "estar-aí-lançado". poracaso, sem razão, num absurdo fundamental,ou, então, a uma historicidade direcionada aserviço de melhores dias, de um Super-Hornem.de uma Super-Raça ou de uma Super-Civilização.

Evidentemente não faltaram os cultos aosinstrumentos de nossa nova visão: o Cientismoe o Tecnicismo elevaram-se como detlaqrado-:res e solucionadoresde todos os nossos proble-mas.

Mundo super-dimensionado, Homem definiti-vamente sub-dirnensionado ou historic,amenteprocurando se super-dimensionar , , ,

Qual a posição reativa de Teilhard - homem,cidadão do Mundo - diante desse Quadro?

'lúcido perante a Ciência e a Técnica, ele sedimensiona para o Universo através de umSentido da Terra (descobrindo-se solidário fi es-trutura planetária que levou a Humanidade aconstituir em torno da Terra uma verdadeira es-féra de pensamento, a Noofesral reforçado eembasado por um Sentido Cósmicof<jescobrindo--se em contato e Intima ligaçãocom todo o Universo, de forma a apreender-lhea unidade de fundo por sob a multiplicidade a-parente).

Coerente para com o Homem, ele se dimen-siona enquanto tal,' desenvolvendo um SentidoHumano, isto é, uma tomada de consciência daHumanidade como totalidade tanglvel e con-

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ereta, capaz de tomar nas mãos a sua própriaevolu'ção e de construir o seu próprio Futuro.

1:videntemente, tais. Sentidos, manifestando-se primeiro como sensações e/ou sentimentosintuitivos, merecem toda uma elaboração inte-lectual - através de reflexões, meditações e es-critos - que Ihes confere o estatuto de fiéis pa-rãrnetros para uma auto-avaliação do Homem epara uma avaliação do Universo, avaliações es-sas que resultam em sfntese de todo o Real.Este não é senão vasto processo evolutivo deunificação do Múltiplo, onde o Homem se en-contra em lugar de destaque, dadas a sua com-plexidade material e sua consciência espiritual:não mais o centro geométrico e jurfdjco de umUniverso estático, como no Velho Antropocen- 'trismo de Posição, mas ponto culminante ou fle-cha da Evolução.

Nessa concepção de uma Evolução Cósmicae de um Néo-Antropocentrismo de Movimento.pode o Homem, portanto, encontrar uma sardamais coerente para a sua razão, fecunda para asua ação e digna para a sua situação.

Entretanto, como se resolve a mesma ques-tão "Mundo vs. Homem" para aqueles quecrêem? Para aqueles que divisam uma trans-cendência para além da História, uma dimensãoabsoluta acima de toda a relatividade, um Deuspara além do Mundo e do Homem?

Qual será a resposta do cristão, em particular,à tríplice indagação. do "porq~e, como e paraque agir"?

Avesso ao materialismo grosseiro pela pr6-pria essência de sua fé, inconformável ao mate-riatisrno filosófico (para o qual a religião é alie-nante) pela própria essência de sua esperança,como realizará ele a essência de sua caridade,senão desencarnando-se, isto é. deixando departicipar normalmente da fé e da esperançahumanas, desinteressando-se dos progressosterrenos e da evolução universal, vivendo a suaespiritualidade num outro nfvel que não o hu-mano, terreno ou cósmico e evadindo-se paraum outro plano, para um reino que não sejadeste mundo?

Teilhard encontra outra sarda. Completando ecoroando os Sentimentos Cósmico e Humano, épreciso que se desenvolva um Sentido Cristão,aquele que nos põe em contato comas energiasesolrltuals irradiantes do Cristo, Filho do Herrnem, Filho de Deus Vivo, o próorio Deus encar-nado que, tendo criado o Homem e o Mundo,amou-os tanto que deles quis se revestir, nelesquis se manifestar historicamente, através delestrarisparece progressivamente e com eles seráPlenitude eternamente., O,Cósmico e o Crfstico; portanto, em conjun-

ção através do Humano devem levar-nos a( ... ) procurar uma via rumo ao Céu (não me-

diana, mas sintética) em que todo o dinamismoda Matéria e da Carne passe a ~~nese doEspirito. ( ... ) atingir o Céu pela construção daTerra. éristificar IJ Matéria. (Cf. "O Coração da

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Matéria"/1.950).~is porque pode o Cristão amar ao Homem e

ao Mondo: ambos estão impregnados da ,Pre-sença Divina. Deus é o seu ambiente, sua at-mosfera, sua' condição básica dê vida e exístên-ela, o seu meio por excelência. Todo o Real éum só imenso "Meio Divino".

Ninguém precisa temer o Mundo. Todos po-dem amâr o Mundo, e o Cristão mais do queninguém. Realizar o Homem e o Mundo, cons-truir a Terra é co-criar, criar com Deus, colabo-rar na Sua Obra de Criação que.. aos nossosolhos, prossegue através da E~oluçAo; ~, eníúl-tima, instAncia, trabalhar com Deus para a con-sumação do Corpo Mfstico de Cristo.

Assim o Cristão é bem o homem entusiasta,progressivo, otimista e de "coração ardente"que, equilibrada mente, descobre que, na suaencarnação e historicidade, santidade é tam-bém sanidade e esta exige presença, testemu-nho e, sobretudo, fidelidade.

A fidelidade existencial do Cristão emerge,pois, de sua visão e alimenta-se de sua ação{que pode ser, até mesmo além de conquista,renúncia e desapego, ultrapassagem das coisase das pessoas) ou então de sua paixão, isto é, desuas passividades que ocorrem quando ele seesvazia para que Deus o preencha, quando elese diminui para que o 'Cristo nele cresça, quandoele morre para que a Vida eterna se manifeste.

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Tanto quanto todos os homens e até maisque eles, o Cristão é. alguém que oromove oReal, divinizando o Mundo e consumando o Ho-mem. 0 seu Cristianismo constitui um ,autênticoSuper-Humanismo, de virtudes operantes: umafé que çonsagra, uma esperança expectante queinvoca, urna fidelidade-caridade que unifica eune, em comum união, em comunhão universal,em comunhão dos santos.

Eis como Teilhard resolve pessoalmente aproblemática da Ação, e, ao fazê-Io, está, defato, através de sua obra, apresentando algomais que o mero relato de uma experiência psi-cológica particular, está nos oferecendo um mo-delo ou paramqrna personalizado de uma expe-riência cultural universal.

O seu 'Tratado de Vida Interior", pode, por-tanto, vir a se constituir no grande livro de espi-ritualidade do século XX, como o foram em suasépocas, a "Imitação de Cristo", os "ExercíciosEspirituais" ou a "Introdução à Vida Devota".

E como tal deve ser lido. No mesmo espíritoem que o autor o escreveu:

lentamente, tranqüilamente, vivendo-oe meditando-o como uma oração: suavementecomo uma prece". (Cf. cartas citadasanteriormente).

Adentrando por essa intimidade orante, en-contramos, de partida, a orientação das refle-xões que ela contém: a obra é dedicada "paraaqueles que amam o mundo" ... logo identifi-cados como "os inquietos de dentro e de fora",isto é, aqueles que não conseguem conciliar oseu "ideal religioso humano" e o seu "ideal reli-gioso cristão", por recearem falsear-se oudiminuir-se, desencarnando-se ou alienando-se,para ingressar no caminho evangélico, abrindomão de suas inatas, naturais e instintivas atra-ções pela Terra.

Sim, cada homem tem a sua própria vocação,um chamamento ou apelo interior para a suaplena auto-realização, desabrochar de todas assuas potencialidades. Mas essa vocação pes-soal não é senão expressão fragmentária, his-tórica, empírica e situacion'al da profunda voca-ção humana universal, global, eterna, neces-sária e permanente: a vocação de criar o seuMundo, de co-criar com Deus o Universo e de,por fim, unir-se harmoniosamente, sem emnada se perder, à totalidade do Todo em Pleni-tude.

Sua existência é o seu campo de provas. Énos limites de sua duração que ele deve encon-trar e percorrer o caminho que o fará "ir se fa-zendo", que o conduzirá a essa estruturaçãocontinua e evolutiva de sua realidade, que o le-vará enfim à Grande Síntese.

A experiência nos revela essa existênciadividindo-se em dupla pulsação: atividade epassividade, agir e padecer, fazer e sofrer.Para aquele que tem por meta alcançar o Divinoem si, trata-se então de tudo divinizar.

Primeiro as atividades, atos e fatos (feitos)

que valem não somente pela intenção com quese realizam, mas também por seu resultado efe-tivo, uma vez que, por minimos que sejam,constituem todos micro-estruturações do Real,e, por isso mesmo, cooperações na consumaçãodo Mundo em Deus.Através de nossos atos e fa-tos, o Mundo evolui e se sintetiza para nós e nóspróprios evoluímos e nos sintetizamos paraDeus. Assim, pela ação, entramos em autêntica"comum união" de tudo com tudo, e, na perfei-ção que buscamos em cada ato, tanto santifica-mos qualquer esforço humano como humaniza-mos o esforço tipicamente cristão.

Não nos esqueçamos, contudo, de que cadaato ou fato, num percurso evolutivo, deve tersempre o significado de um marco a atingir e aultrapassar. Agir e fazer, portanto; mas evoluti-vamente, superativamente, desapegadamente.

E não éà renúncia do "já conquistado" quenos convida insistentemente o "a conquistar"?

Nesse processo de auto-realização, constru-ção, posse, conquista e desapego, ampliam-seos nossos ideais. E de tal forma, que súbito dá-se a conversão, manifestando a outra dimensãopulsante de nossa existência, a daspassividades.

Aqui trata-se de divinizar também o que nãofazemos, o que antes é feito em nós, aquilo queem nós depende de energias infinitamente su-periores a nós. De um lado, as passividades decrescimento, pelas quais recebemos aquelasenergias e as integramos ao nosso ser a fim deaumentá-to e crescer; de outro, as passividadesde diminuição, pelas quais aquelas energias nosdestroem, esvaziando-nos de nós para que - seconsentirmos - o mais .Perfeito em nós -tomelugar.

Em ambas é preciso apreender apresença di-vina. Nas primeiras, talvez não seja tão .diffcilfazê-Io. Não é comum identificarmos o. alentode um Absoluto em todo grandioso que nos do-mina, arrebata e exalta, mesmo temerososdiante do Desconhecido ameaçador? Afinal.ainda que confusamente, é a vida que chega anós em tudo e através de tudo o que pode nosfazer crescer ...

Mas, como apreender a presença divina naspassividades que nos parecem fontes e ocasiãode diminuição? Como pode Deus'estar presentenos obstáculos, nas ameaças, nos perigos, nasagressões, incidentes, acidentes. dores, cho-ques, mutilações, defeitos, deformações, infe-rioridades, enfermidades, envelhecimentos,degenerescênciase mortes? E, no entanto, Ele aipode.estar se o quisermos. Pela força de nossafé. E de um modo, por assim dizer, tipicamentedivino: primeiro, lutando conosco contra o Mal;em seguida, aproveitando nossas inevitáveisderrotas para o triunfo do Mundo; em todo caso,transfigurando, convertendo, transmutandoMorte em Vida, Mal em Bem, Imperfeição emPerfeição; e, em última instância, unindo-nos aSi em comunhão.

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Nessa perspectiva, a Sua Vontade só é atin-gida, a cada instante, no extremo limite de mi-nha própria expansão, no ponto de que minhaatividade orientada para o ser-mais, por si só,nada mais pode e então, sem deixar de ser fiel,rende-se,entregando-se confiante a uma neces-sária superação da aniquilação máxima, "super-ação" que é comunhão de resignação.

Para quem consegue assim dimensionar asua existência.. o Real, todo o Real e o Realtodo, torna-se de fato um magno ambiente deser e existir, o clima propício à realização de suavocação pessoal e humana, o meio que já étransparência da Grande Síntese, o Meio Di-vino, no qual "vivimus, movemus et sumus" ...

Imenso como o Mundo, ele pode se concen-trar e precisar-se no encanto e cordialidade daspessoas humanas.

Amplo e inumerável como as criaturas quesustenta e super-anima, .ele guarda, ao mesmotempo', a transcedência que lhe permiteconduzi-Ias, todas, sem confusão, à sua pessoalUnidade.

Próximo e tangível - pois em tudo e todos,por tudo e todos, nos toca e pressiona - afasta-s e sem p r e m a i s c o m o u m v.a I o r-horizonte,atraindo-nos para o centro comum detoda a plenitude.

E todos esses atributos decorrem exatamentede ser ele, o próprio Deus, ponto último de con-vergência de todas as realidades, um Centro,pelo qual, com o qual e no qual tudo se toca,reune-se e se consuma, diferenciando-se.

É imediata e lmposltlva a indefinição desse

Centro com o foco histórico que constitui aEpifania, a ma ,ifestação do contato humano-divino na pessc \ de Jesús Cristo. Todo o eixotradicional pelo .ial o Cristianismo se expandiudesde então nãu foi senão progressiva irradia-ção daquele Centro que vai invadindo o Cosmointeiro em crescente Diafania, transparência desua onlpresença.

Esse anunciar-se, evidenciar-se, mostrar-se,revelar-se, transparecer enfim, patenteia que oMeio Divino é o próprio Verbo de Deus encar-nado, Jesus Cristo, impregnando, para nós,oUniverso de sua onipresença em vista da consti-tuição final de um Todo - união, comunhão detoda a Criação como o Incriado, síntese do Múl-tiplo no Um - que é Repleção Quantitativa ePlenitude Qualitativa: o Pleroma.

O Pleroma ... Misteriosa realidade que va-mos estabelecendo, um pouco a cada instante,ao longo de todo o espaço-tempo, através denossas consagrações (e para toda a Matéria seestende "Isto é Meu Corpo"), de nossas comu-nhões (a Perfeição entrando no Homem), denossas vidas (a Perfeição imprimindo-se noMundo), de nossas mortes (o Mundo liberandoo Espírito para Deus).

Assim o Meio Divino, esse "Reino de Deus"que está dentro de nós mesmos, surge em cadamente e coração humano como um sentido(não necessariamente sentimento) de totali-dade: a percepção da onipresença divina.Prolonga-se por nossa pureza (busca dessa pre-sença acima de tudo), por nossa fé (que a partirdaí opera a sobre-animação do Universo), por

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nossa difelidade (lealdade a um Deus que é paranós o eterno Descobrimento e o eterno Cresci-mento).

Há' um ponto privilegiado, ponto único emque pode nascer para cada homem, a cada mo-mento, o Meio Divino. Mas esse ponto não éum lugar fixo no Universo. É antes um centromóvel que devemos seguir como os Magos se-guiram sua estrela.

Seja qual for nossa vocação pessoal, se se-guida com aquelas virtudes ae pureza, fé e fide-lidade, levar-nos-à sempre para mais alto. Eesse mais alto é a Perfeição.

Desejos maiores sobrepondo-se a desejosmenores, renúncias prevalecendo sobre satisfa-ções, mortes consumando vidas - assim vamostodos atingindo, mais ou menos depressa, umplano de menor egoísmo, um plano de maiorunião, um plano em que tudo o que ainda não éO Um passa a ser, não rejeitado ou evitado, masassimilado e transposto.

Nessa evolução chegamos ao plano máximoda Caridade.

Definltlvarnente. unificado no Pleroma, oMeio Divino deve começar a se unificar desde já·em nossas existências e essa unificação só épossível quando as nossas existências, elas pró-prias, começam a se unir entre si. Eis a nossa"tensão de comunhão" impelindo-nos à consu-mação definitiva de nosso ser no encontro como próximo, e, através dele, no encontro comDeus.

Nenhuma dessas idéias foge às grandes ver-dades do Cristianismo mais tradicional - o doBatismo, da Cruz e da Eucaristia - simples-mente elas o arrancam de um Cosmo estático epronto, para projetá-Ia numa Cósmogênese, istoé, num Cosmo dinâmico que ainda se faz. Emoutras palavras, dão-nos :o Cristianismo queassimilou o sentido da evolução, o' sentido dohumano e do Para-Adiante.

É para este último que estarnos finalmentenos dlrecionando. E os cristãos, por esperança,mais até que todos os outros homens.

Um fim do Mundo, uma saída ou êxtase cós-mico, ° rompimento do véu fenomênico e a ma-nifestação plena do Ser, a ultrapassaqern ex-trema do natural e a evidência absoluta do so-brenatural, o triunfo do Um sobre o Múltiplo, aconsumação do Corpo Místico, a Comunhãodos Santos, o Cristo em glória, a face de Deus, aParusia - eis o que todos, consciente ou in-conscientemente, esperamos.

Mas essa espera deve ser ansiosa, coletiva,atuante, pois é a acumulação de nossos desejosque fará por fim eclodir o Grande Dia.

A chama da esperança não pode, pois, se ex-tinguir nunca. Antes cabe-nos reavivá-lacuste oque custar. E, para fazê-Io, atualmente, não hásenão um meio: humanizá-Ia.

Ninguém espera o Céu, senão ria Terra.A esperança expectante do divino precisa

encarnar-se. identiflcando-se de algum modo

com uma esperança totalmente humana, ou atéapresentando-se como um prolongamento har-monioso de plena realização deste Mundo.

Olhemos à nossa volta. O que se passa aonosso redor neste momento? Desordens so-ciais, conflitos, agitações, inquietude na massados povos. A Humanidade atravessa visivel-mente uma grande crise de crescimento.

Obscuramente consciente da imensidade doMundo, da grandeza do Espírito e do valor sa-grado de toda a Verdade a ser conquistada, elapercebe o que lhe falta e conhece o seu própriopoder. Por isso avança mais entusiástica e vio-lenta do que nunca em direção ao Futuro.

Cabe ao cristão incorporar-se resolutamentenessa imensa corrente e evidenciar 'aosdemaishomens que a Plenitude esperada por todos ébem o Cristo que ele mesmo espera e anuncia.Aquele que era, que é e que vem.

Uma multidão imensa constrói e investiga.Nos laboratórios, nos escritórios, nos desertos,nas ruas, nas fábricas, no fundo dos mares e nainfinitude do espaço, nas cidades e nos campos,no enorme cadinho social, os homens multipli-cam seus labores penosamente.

Tudo quanto neles efervesce de arte, ciência,técnica e pensamento tem um sentido maior: ode precipitar aquela Vinda gloriosa.

AQ Trabalho e à Pesquisa empreendidos,resta-nos então acrescentar apenas um sentidode profundo respeito e reverência perante oSagrado que se evidencia a cada instante e emcada lugar, um sentido de Adoração.

Tais, em linhas rápidas, e gerais, as perspecti-vas teilhárdianas expressas em "0 Meio Di-vino", uma obra quase impossível de resumirsem, de algum modo, desfigurar na grandeza desua lógica e precisão, na verdade forte de suasproposições, na beleza de sua atmosfera íntimae, sobretudo, na santidade ousada de seu es-forço para descobrir, reinstalar e revelar o Sa-grado em nossas vidas.

Nenhum artigo, comentário ou estudo pode-ria, portanto, pretender jamais dispensar umaleitura direta do texto' que em breve será edi-tado em português.

Foi com essa certeza que desenvolvemos es-tas considerações. Esperamos que o leitor, en-tusiasta. e otimista por temperamento humano,e tão carente de vida interior como a grandemaioria de nossos contemporâneos, encontreaqui e na leitura urgente da obra do Pe.Teilhard,um incentivo real parta a consecução de suasvocações maiores pessoal, humana e cristã,com fidelidade existencial permanente.

José Luiz Archanjo, Ph.D.São Paulo, 1!~ de maio de 19811.9 Centenário do Nascimento de

Pierre Teilhard de Chardin, s.j.

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