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Oficinas para o desenvolvimento de Protocolos de Investigação Ministério Público do Estado do Paraná 1º encontro do 1º ciclo Curitiba 2016

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Ofi cinas para o desenvolvimento de Protocolos de Investigação

Ministério Público do Estado do Paraná1º encontro do 1º ciclo

Estado do Paraná1º encontro do 1º ciclo

Curitiba2016

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MATERIAL DE APOIO

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Coordenação:

Cláudio Rubino Zuan Esteves (Procurador de Justiça/MPPR)

Supervisor dos Trabalhos:

André Tiago Pasternak Glitz (Promotor de Justiça/MPPR)

Membros:

Alexey Choi Caruncho (Promotor de Justiça/MPPR)

Raquel Juliana Fülle (Promotora de Justiça/MPPR)

Apoio técnico:

Ana Paula Moreira

Carolina Sella de Almeida

Donizete de Arruda Gordiano

Kenny Robert Lui Bettio

Luis Fernando Pedruco

Curitiba, Dezembro de 2016

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ......................................................................................9

1. COLABORAÇÃO PROCESSUAL ........................................................... 111.1 Hipóteses em que pode ser utilizada .................................................... 111.2 Legitimidade para celebração................................................................ 151.3 O colaborador: réu ou testemunha? ..................................................... 181.4. Momento de utilização ......................................................................... 261.5 Colaboração processual – delatado que possui foro por prerrogativa de função ................................................................................ 281.6 Competência para homologar o acordo de colaboração após o trânsito em julgado da sentença ...................................................... 311.7 Questão Carcerária – Impossibilidade de recolhimento no mesmo estabelecimento penal .............................................................. 331.8 Requisitos do termo de colaboração ..................................................... 341.9 “Prêmios” legais. Subordinação à eficácia da colaboração ................... 381.10 Retratação do acordo – possibilidade de utilização das informações em face de outros réus. .......................................................... 431.11. Suspensão do prazo prescricional e separação dos processos. .......... 471.12 Recurso contra a decisão que indefere a homologação do acordo. .... 491.13 A repercussão probatória da colaboração processual na improbidade administrativa. .................................................................. 50

2. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E TELEMÁTICA E AFASTAMENTO DE SIGILO DE DADOS .................................................. 592.1 Distinção: interceptação telefônica e da telemática x afastamento de dados telefônicos e de telemática. .................................... 592.2 O regime jurídico do afastamento de sigilo de dados da Lei nº 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas) .......................... 602.3 Descoberta fortuita ............................................................................... 612.4 Gravação ambiental realizada por um dos interlocutores ..................... 652.5 Prova emprestada e Licitude da prova na seara civil ............................. 702.6 Interceptação telefônica e detentores de foro por prerrogativa de função ................................................................................ 772.7 Interceptação telefônica: prova ilícita, prova ilegítima e ilicitude derivada ...................................................................................... 78

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3. PERÍCIAS EM EQUIPAMENTOS DE INFORMÁTICA APREENDIDOS ... 913.1 A busca e apreensão incidental de equipamento computacional derivada da prisão e a busca e apreensão de equipamento computacional derivada de ordem judicial de busca e apreensão – validade do acesso aos dados. .............................. 913.2 Diligências no encaminhamento de materiais para a perícia – Orientações da Polícia Científica. ............................................. 102

4. INTERROGATÓRIO DE INVESTIGADOS, OITIVAS DE TESTEMUNHAS E RECONHECIMENTOS ........................................................................... 1114.1 O interrogatório na primeira fase da persecução penal. ..................... 1114.2 A oitiva mediante condução coercitiva durante a investigação: indiciado e testemunha. ...................................................... 1174.3 O advogado no inquérito policial e no procedimento investigatório criminal: acesso aos autos e Lei nº 13.345/2016. ............... 1234.4 O reconhecimento pessoal do artigo 226 do CPP e o reconhecimento fotográfico ...................................................................... 1274.5 Recomendações da psicologia experimental para realizar oitivas e reconhecimentos. ........................................................... 129

5. INFILTRAÇÃO DE AGENTES ............................................................. 1375.1 Hipóteses de cabimento da infiltração policial no ordenamento jurídico brasileiro. ............................................................... 1375.2 Infiltração de colaborador.................................................................... 1385.3 Validade das provas produzidas pelo agente colaborador: agente infiltrado X agente provocador (entrapment doctrine ou teoria da armadilha) ................................................................................................. 1415.4 Contraditório diferido. ......................................................................... 1575.5 Oitiva do agente infiltrado. .................................................................. 160

6. ANEXOS ........................................................................................... 1696.1 Modelo – Acordo de colaboração processual ..................................... 1716.2 Artigo – O uso de um criminoso como testemunha: um problema especial ............................................................................... 1856.3 Roteiro de negociação de acordo de colaboração processual ............. 2516.4 Modelo – Proffer Agreement Model ................................................... 2536.5 Modelo – Interceptação Telefônica ..................................................... 2576.6 Modelo – Interceptação Telemática .................................................... 2716.7 Modelo – Quebra de sigilo telemático ................................................ 275

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6.8 Modelo – Quebra de sigilo – e-mail .................................................... 2816.9 Modelo – Pedido de Registro de Conexão ........................................... 2856.10 Cadeia de Custódia – Portaria 82-2014/SENASP ............................... 2896.11 Guia Rápido de Arrecadação de Equipamentos Computacionais ...... 2996.12 Modelo – Termo de Declarações – Sistema Audiovisual ................... 3056.13 Modelo – Termo de Declarações ....................................................... 3076.14 Modelo – Infiltração de Agente ......................................................... 309

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APRESENTAÇÃO

O Centro de Apoio das Promotorias Criminais, do Júri e de Execuções Penais do Ministério Público do Estado do Paraná, no curso de uma iniciativa exposta no seu Plano Setorial 2016-20171, juntamente com a Procuradoria-Geral de Justiça, Corregedoria-Geral do Ministério Público, Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional, Centro de Apoio Técnico à Execução – Núcleo de Inteligência, Coordenação Estadual dos Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECOs), Coordenação Geral dos GEPATRIAs e Centro de Apoio Operacional de Proteção ao Patrimônio Público e à Ordem Tributária desenvolveu um Projeto de Capacitação na Atividade Investigativa do Ministério Público, voltado a todos os membros da Instituição.

A proposta surgiu com a identificação de uma concreta demanda institucional, representada pela provocação de diversos membros do MP/PR salientando a necessidade de uma capacitação no tema que agregasse à teoria as experiências práticas de casos concretos investigados em variadas áreas de atuação do Ministério Público.

Elaborou-se, então, o ciclo de Oficinas para o Desenvolvimento de Protocolos de Investigação do Ministério Público do Estado do Paraná, com o objetivo de capacitar e definir parâmetros jurídicos e operacionais: i) para a execução dos principais meios de coleta de provas utilizados em investigações; ii) para a execução de investigações financeiras. Neste sentido, foi adotada uma metodologia hábil a construir democraticamente estas balizas, que servirão como uma referência aos membros do Ministério Público paranaense, sempre respeitada a consagrada garantia da independência funcional.

A fixação de padrões referentes aos dois protocolos de investigação – cada um fruto de um respectivo ciclo – visa otimizar as investigações realizadas por membros do MPPR, uniformizando e qualificando a aplicação dos métodos de produção de provas e coleta e análise documental e investigações financeiras. Finalmente, pretende-se fomentar a cultura da execução de investigações financeiras com o emprego de técnicas adequadas com o conhecimento e domínio das ferramentas disponíveis aos agentes ministeriais.

1 Iniciativa 4.3 relacionada ao “acompanhamento e fornecimento de subsídios em processos legislativos de políticas criminais” (Fonte: Plano Setorial CAOPCRIM 2016-2017).

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A execução do projeto se dará em 02 (dois) ciclos distintos de oficinas: o primeiro voltado aos principais meios de coleta de provas usadas nas investigações, enquanto o segundo será focado nas especificidades das investigações financeiras. Em cada ciclo de oficinas serão realizados 02 (dois) encontros. Embora os encontros possuam conteúdos idênticos, o primeiro encontro de cada ciclo contará com a participação de membros do Ministério Público que se encontrem exercendo suas atividades em grupos institucionais especializados de investigação (GAECOS e GEPATRIAS), em órgãos auxiliares correlatos às matérias destes grupos especializados (Centros de Apoio Criminal, do Patrimônio Público e Núcleo de Inteligência) ou em núcleos institucionais de investigação junto ao Tribunal de Justiça do Paraná (áreas cível, criminal e núcleo de combate aos crimes praticados por prefeitos da Subprocuradoria-Geral para Assuntos Jurídicos).

Além disso, no primeiro encontro de cada ciclo se farão presentes Procuradores de Justiça Coordenadores dos Grupos Criminais e Promotores de Justiça Assessores da Corregedoria-Geral, haja vista a finalidade do projeto de apresentar parâmetros para atuação dos membros da Instituição na atividade investigativa. Neste primeiro encontro será discutida uma minuta de protocolo, a qual será apresentada para debate no segundo encontro, o qual será, então, aberto a todos os Promotores e Procuradores de Justiça do MP/PR interessados.

A elaboração deste “Material de apoio” para este 1º encontro do 1º ciclo tem por objetivo aglutinar pesquisa realizada pela equipe deste CAOP Criminal, do Júri e de Execuções Penais acerca dos assuntos mais relevantes para cada uma dos temas a serem abordados neste momento. A compilação pautou-se pela busca de relevantes referências teóricas e jurisprudenciais em temas atuais e que vêm se destacando na rotina da atividade investigativa do Ministério Público brasileiro. Ao final, procurou-se apresentar alguns “modelos” de peças, como forma de ilustrar e materializar os diferentes assuntos que serão abordados.

Dezembro de 2016

Equipe do Centro de Apoio das Promotorias Criminais, do Júri e de Execuções Penais do Ministério Público do Estado do Paraná

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1. COLABORAÇÃO PROCESSUAL

1.1 Hipóteses em que pode ser utilizada.

1.1.1 – EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA - (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 849-850)

Há vários dispositivos legais cuidando da colaboração ou delação premiada no Brasil (…).

É o que ocorre nas regras previstas,

a) no art. 159, §4º, Código Penal, em relação à libertação da vítima na extorsão mediante sequestro;b) na Lei nº 7.492/86, art. 25, §2º, nos crimes contra o sistema financeiro nacional;c) na Lei nº 8.137/90, art. 16, a tratar dos crimes contra a ordem tributária;d) na Lei nº 9.613/98, com redação dada pela Lei nº 12.683/12, Lei de Lavagem de Dinheiro e Ativos, art. 1º, §5º;e) Lei 9.807/99, Lei de Proteção à Testemunha, arts. 13 e 14;f) Lei nº 11.343/06, que cuida dos delitos de tráfico de drogas e entorpecentes, art. 41.

De se ver que apenas a já revogada Lei nº 9.034/95 se reportava às infrações praticadas por meio de organizações criminosas. As demais se contentam com a colaboração ou delação feita por um dos agentes, quando se tratar de crimes praticados em concurso de agentes ou mediante qualquer forma de participação. O art. 25, §2º, da Lei nº 7.492/86 também se refere à quadrilha (agora, associação criminosa), mas não com exclusividade, admitindo a colaboração premiada em qualquer situação de coautoria. A citada Lei nº 9.034/95, única a cuidar das organizações criminosas.

Assim, a primeira observação que se faz necessária é a seguinte: nenhuma das normas legais antes mencionadas foi atingida pela Lei n. 12.850/13, permanecendo vigentes e válidas, ressaltando o fato da revogação expressa da Lei nº 9.034/95, única a cuidar das organizações criminosas.

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De modo que a colaboração premiada não constitui prerrogativa das organizações criminosas. Ao contrário, inúmeros delitos ou modalidades de ações delituosas continuam abertos ao procedimento de colaboração premiada, com as consequências previstas m cada e respectiva legislação. A única questão que poderá ser levantada – e o fazemos desde já! - é em relação ao tratamento mais benéfico previsto para a colaboração premiada na Lei n. 12.850/13, que, como regra, e além da redução e substituição da pena provativa de liberdade, permite a possibilidade de perdão judicial ao colaborador, mediante condições bem mais facilitadas que aquelas contidas no art. 13 da Lei n. 9.807/99, única a prever semelhante possibilidade.

A Lei nº 12.850/13, portanto, vem para regular, dentre outras importantes questões, a colaboração prestada no âmbito de infrações cometidas mediante organização criminosa.

No entanto, a referida lei parece ser a única que efetivamente institui um modelo de procedimentos para a concretização da colaboração premiada (…).”

1.1.2 – RENATO BRASILEIRO DE LIMA - (LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação especial comentada. V. único. 4 ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 524-529)

Este autor faz uma análise histórica do instituto e cronológica do seu aparecimento no Brasil, citando as seguintes legislações:

a) Lei n. 8.072/90 – Crimes Hediondos, art. 8º, parágrafo único;b) Código Penal, art. 159, §4º, com redação dada pela Lei n. 9.269/96;c) Lei 7.492/86 – Crimes contra o Sistema Financeiro, art. 25, § 2º, com redação dada pela Lei n. 9.080/95;d) Lei n. 8.137/90 – Crimes contra a ordem Tributária e Relações de Consumo, art. 16, parágrafo único, com redação dada pela Lei n. 9.080/95;e) Lei n. 9.613/98 – Lei de Lavagem de Capitais, art. 1º, §5º, com redação dada pela Lei n. 12.683/12;f) Convenção de Palermo, promulgada pelo Decreto n. 5.015/2004, art. 26. Estados partes tomarão medidas para encorajar as pessoas

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que participam ou tenham participado de grupos criminosos organizados a colaborar com as investigações;g) Lei n. 11.343/06 – Lei de Drogas, art. 41. Possível somente quando o agente praticou o delito em concurso de pessoas (STJ, 5ª Turma, HC 99.422/PR, j. 12/08/2008);h) Lei n. 12.529/11 – Lei que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, arts. 86 e 87. Acordo de leniência com efeitos na esfera penal.

“A lei 9.807/99, conhecida como “Lei de Proteção às testemunhas e vítimas de crimes”, por não ter seu âmbito de aplicação restrito a determinado(s) delito(s), representou verdadeira democratização do instituto da colaboração premiada no ordenamento jurídico pátrio, possibilitando sua aplicação a qualquer delito, além de organizar um sistema oficial de proteção aos colaboradores. Com efeito, à exceção da Lei nº 9.034/95, que não se referia a tipos penais determinados, mas sim a crimes praticados em organização criminosa, todos os demais diplomas legais que tratavam da colaboração premiada possibilitavam sua aplicação apenas a determinados crimes.”

1.1.3 – LUIZ FLÁVIO GOMES E MARCELO RODRIGUES DA SILVA - (GOMES, Luiz Flávio. Organizações criminosas e técnicas especiais de investigação: questões controvertidas, aspectos teóricos e práticos e análise da Lei 12.850/2013. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 222-223)

A delação premiada da Lei 9.807/1999 pode ser aplicável a quaisquer crimes, inclusive culposos, observados os requisitos legais, e ressalvada a legislação específica sobre delação/colaboração. (…)

Muito embora a lei 12.850/2013 não tenha revogado as demais leis2, ela pode servir como norma geral de regulamentação do instituto no que diz respeito aos seus aspectos procedimentais.

2 Neste sentido: BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Op cit. p. 1289.

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Neste mesmo sentido leciona EDUARDO LUIZ SANTOS CABETTE e MARCIUS TADEU MACIEL NAHUR:

Entende-se que o advento da normatização da lei 12850/2013, além de não revogar os dispositivos anteriores, pode servi-los de complemento em suas respectivas áreas de aplicação, uma vez que o atual diploma legal normatiza de forma bem mais detalhada os procedimentos para a colaboração. Isso, aliás, era uma lacuna por demais prejudicial à devida aplicação do instituto por meio dos diplomas legais que antecederam á atual Lei do Crime Organizado.3

Há vários microssistemas de colaboração premiada (ou delação premiada) espraiados em nosso ordenamento jurídico (como listamos acima), sendo pertinente a aplicação (também no âmbito do direito interno) da Teoria pós-moderna do Diálogo das Fontes (idealizada pelo alemão Erik Jayme, e difundida no Brasil pelos professores Cláudia Lima Marques e Valério Mazzuoli) à multiplicidade de fontes legislativas que versam sobre delação premiada. Tal “diálogo” surge com o objetivo de fornecer ao intérprete uma nova ferramenta hermenêutica hábil a solucionar o conflito entre as leis de um mesmo ordenamento, ultrapassando os critérios tradicionais de solução de antinomias, sendo plenamente passível de utilização no âmbito penal (muito embora no Brasil só se tenha notícias de sua utilização no âmbito do direito privado).

O diálogo das fontes ampara o entendimento no sentido que quando duas regras de diferentes ramos no direito regem o mesmo fato, haverá possibilidades de o juiz, por meio do seu papel consolidador do sistema, escolher por aquela que mais ampara os direitos fundamentais, ainda que configure norma de natureza geral diante de norma de natureza especial.

Assim sendo, as normas de delação premiada devem complementar-se umas às outras, no que lhes forem compatíveis, mantendo-se um diálogo sistemático de coerência, ou seja, é necessário que essa complementação se dê de forma coerente com o sistema em que cada uma se encontra inserida.

3 CABETTE, Eduardo Luiz Santos; NAHUR, Marcius Tadeu Maciel. Criminalidade organizada e globalização desorganizada – curso completo de acordo com a lei 12850/13. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2014. p. 182.

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1.2 Legitimidade para celebração.

O art. 4º da Lei das Organizações criminosas dispõe que:

Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:§ 2o Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).§ 6o O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.

Quanto à inconstitucionalidade destes dispositivos, pende o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5508/DF.

1.2.1 – EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA - (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 18. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014. p. 853-855)

Assim, temos por absolutamente inconstitucional a instituição de capacidade postulatória e de legitimação ativa do delegado de polícia para encerrar qualquer modalidade de persecução pena, e, menos ainda, para dar ensejo à redução ou substituição de pena e à extinção da punibilidade pelo cumprimento do acordo de colaboração.

Se o sistema processual penal brasileiro sequer admite que a autoridade policial determine o arquivamento de inquérito policial, como

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seria possível admitir, agora, a capacidade de atuação da referida autoridade para o fim de:

a) extinguir a persecução penal em relação a determinado agente, sem a consequente legitimação para promover a responsabilidade penal dos demais (delatados), na medida em que cabe apenas ao parquet o oferecimento da denúncia;b) viabilizar a imposição de pena a determinado agente, reduzida ou com a substituição por restritiva de direito, condicionando previamente a sentença judicial;c) promover a extinção da punibilidade do fato, em relação a apenas um de seus autores ou partícipes, nos casos de perdão judicial?

Não se há de aceitar mesmo a legitimação ativa declinada na Lei nº 12.850/13, também porque:

a) o acordo de colaboração premiada tem inegável natureza processual, a ser homologado por decisão judicial, que somente tem lugar a partir da manifestação daqueles que tenham legitimidade ativa para o processo judicial;b) o fato de poder ser realizado antes do processo propriamente dito, isto é, antes do oferecimento da acusação, não descaracteriza sua natureza processual, na medida em que a decisão judicial sobre o acordo está vinculada e também vincula a sentença definitiva, quando condenatória;c) a condição de parte processual está vinculada à capacidade e à titularidade para a defesa dos interesses objeto do processo. É dizer, a legitimação ativa está condicionada à possibilidade da ampla tutela dos interesses atribuídos ao titular processual, o que, evidentemente, não é o caso do delegado de polícia, que não pode oferecer denúncia e nem propor suspensão condicional do processo;d) o acordo de colaboração, tendo previsão em leu e não na Constituição da República, não poderia e não pode impedir o regular exercício da ação penal pública pelo Ministério Público, independentemente de qualquer ajuste feito pelo delegado de polícia e o réu;e) para a propositura do acordo de colaboração é necessário um juízo prévio acerca da valoração jurídico-penal dos fatos, bem como das respectivas responsabilidades penais, o que, como se sabe, constitui prerrogativa do Ministério Público, segundo o disposto no art. 129, I, CF;f) a eficácia do acordo de colaboração está vinculada não só aos resultados úteis previstos em lei, mas também à sentença condenatória contra o colaborador, o que dependerá de ação penal proposta pelo Ministério Público.

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Por todas estas considerações, não nos parece aceitável a possibilidade de propositura e formalização de acordo de colaboração pelo delegado de polícia, não se podendo aceitar, então, que o juiz decida por homologação um ajuste com tais características.

Ou bem se admite a inconstitucionalidade de tais normas, ou, se for possível aceitar a validade da atuação policial na colaboração premiada, que esteja ela condicionada à manifestação favorável do Ministério Público, caso em que o acordo, naturalmente, teria como parte legítima o parquet e não o delegado de polícia.

1.2.2 – FREDERICO VALDEZ PEREIRA – (PEREIRA, Frederico Valdez. Delação premiada: legitimidade e procedimento. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2013. p. 123)

A Lei 12.850/13 não deixa dúvida de que, após o início da ação penal, cabe ao Ministério Público a legitimação para o oferecimento da proposta de acordo. Por outro lado, tratando-se de acordo de colaboração encaminhado na fase pré-processual, os §§ 2° e 6° do art. 4° parecem indicar que tal legitimidade seria também do delegado de polícia, que poderia, na redação da norma, negociar a formalização do acordo com o investigado e até mesmo representar pela concessão de perdão judicial ao colaborador.

Acaso se pretenda a manutenção dos referidos dispositivos, é necessário interpretá-los conjuntamente com o caput do art. 4º, que é expresso em atribuir às partes, logo a Ministério Público e acusado, a capacidade de postular a concretização da colaboração premiada. Sem essa interpretação, ter-se-ia que assentir com parte da doutrina no sentido de que tais normas são inconstitucionais, uma vez que a titularidade exclusiva da ação penal é do MP, conforme o art. 129, I da CF, de modo que apenas ele, em acerto com o investigado e seu defensor, poderia dispor total ou parcialmente da persecução penal.

Assim, é irrefutável concluir que, na prática, a autoridade policial somente poderá iniciar tratativas direcionadas a verificar o interesse na colaboração, e, em seguida, representar ao membro do MP para que conduza a formalização do acordo e encaminhe a postulação, isolada ou conjuntamente com o colaborador, ao juiz para fins de homologação, ainda que o acerto se realize na fase de inquérito policial.

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1.3 O colaborador: réu ou testemunha?

1.3.1 – VLADIMIR ARAS - (ARAS, Vladimir. O réu colaborador como testemunha. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.). A prova no enfrentamento à macrocriminalidade. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 212-229)

O colaborador pode declarar judicialmente na própria ação penal em que é acusado (como réu ou corréu), ou prestar depoimento noutro processo instaurado contra pessoas por ele delatadas, sejam eles seus cúmplices ou não. Na primeira situação, falará no momento do interrogatório judicial, após a instrução defensiva (arts. 185-196, 400, 411 e 474, CPP). Na segunda, deporá na instrução acusatória ou defensiva (arts. 400, 473 e 531 do CPP), devendo figurar no rol de testemunhas ofertado em ação penal na qual ele próprio não seja réu. Tanto numa como na outra situação, o colaborador terá renunciado ao exercício da garantia contra a auto-incriminação.

[…]

O colaborador que depuser contra réus de outra ação penal que não a sua deverá ser ouvido no bloco das testemunhas da acusação, pois geralmente prestará declarações incriminatórias contra acusados naquele processo. Assim, é necessário que nesta situação o colaborador fale antes das testemunhas de defesa e que as perguntas que lhe forem dirigidas sejam feitas primeiro pelo Ministério Público e depois pelo(s) advogado(s) do(s) réu(s), na ordem estipulada pelos artigos 2121, 400, 473 e 351 do CPP. […]

Contudo, o colaborador também poderá ser arrolado pela defesa, caso em que falará no bloco das testemunhas defensivas, mas sempre antes do interrogatório dos acusados. A ordem e forma de inquirição previstas nos artigos 212, 400, 473 e 531 do CPP deverão ser observadas pelo juiz […]

Se for necessário o colaborador também prestará depoimento em ações e procedimentos não-penais relacionadas aos fatos objeto do acordo de colaboração criminal premiada, especialmente nas ações de improbidade administrativa e nos procedimentos administrativos disciplinares que tenham sido propostas ou instaurados.

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1919

Procedimento para a inquirição de colaboradores em juízo

À luz da Constituição e da Lei 12.850/2013 e considerada a principiologia da colaboração premiada, temos duas situações no processo penal brasileiro: o colaborador interrogado como réu e corréu, e o colaborador inquirido como testemunha.

I.1. Sendo réu ou corréu, o colaborador será interrogado ao final da instrução criminal nos ritos ordinário e sumário e também perante o tribunal do júri (artigos 400, 411, 474 e 531 do CPP). De igual modo, nas ações penais originárias, o réu colaborador será submetido a interrogatório ao final da instrução, com base nos artigos 7° e 9° da Lei 8.038/1990 lidos à luz do decidido pelo STF na AP 528-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski.

No entanto, tal condição de sujeito passivo na ação penal não impede a antecipação da audiência do colaborador, como autoriza o art. 19-A da Lei 9.807/1999 combinado com o art. 5º, inciso I, da Lei 12.850/2013 e com o artigo 156, inciso I, do CPP, o que pode ser necessário à sua proteção e útil à formação da prova durante a instrução criminal […]

Ou seja, normalmente o réu colaborador será interrogado na sua ação penal ao final da instrução, mas se estiver sob programa de proteção, seu depoimento poderá ser antecipado cautelarmente, para evitar represálias ou arrostar ameaças, notadamente quando houver risco de morte por queima-de-arquivo, por exemplo.

[…] mas, havendo, corréus na mesma ação penal, o delator deverá ser inquirido ates dos seus cúmplices, para que esses possam exercer amplamente o direito de defesa. E os advogados dos delatados sempre poderão acompanhar o interrogatório e inquirir o colaborador;

II.1. Na segunda situação, o colaborador não será ouvido como réu (interrogado) em ação penal proposta contra terceiros. Nela não sendo sujeito passivo, pode o delator ser listado no rol de testemunhas, cabendo ao Ministério Público deixar claro, desde a apresentação da denúncia (art. 41, CPP), que tal pessoa prestará depoimento como colaboradora. Tal providência é fundamental ao fair trial, que se procura assegurar com a regra do art. 7°, §3°, da Lei 12.850/2013, segundo o qual “o acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia”. E tal avença deixa de ser sigilosa – ao menos intraprocessualmente – para que o réu delatado possa exercer sua defesa plenamente.

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2020

1.3.2 – ANDREY BORGES DE MENDONÇA - (MENDONÇA, Andrey Borges de. A colaboração premiada e a criminalidade organizada: a confiabilidade das declarações do colaborador e seu valor probatório. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.). A prova no enfrentamento à macrocriminalidade. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 231-277)

Ao se firmar acordos de colaboração premiada, com frequência o colaborador narra fatos nos quais participou diretamente, fatos conexos nos quais não participou diretamente, mas que são vinculados e, ainda, fatos totalmente alheios, nos quais não teve nenhuma participação. […]

Necessário fazer outra precisão. Conforme dito, o colaborador pode narrar fatos próprios ou de terceiros. Se for colaborador em relação a fato de terceiro, no qual não teve nenhuma participação, deve ser ouvido como testemunha, com o compromisso de dizer a verdade e com todas as consequências daí decorrentes (inclusive o de cometer o delito de falso testemunho em caso de omissão de fatos ou de pessoas relevantes). Isto porque, se em relação àquele fato o agente declara não ter qualquer participação, não há sentido em ouvi-lo como informante ou como colaborador-imputado se é terceiro e estranho à sua ocorrência, não é suspeito ou acusado da prática de um delito e não se trata de um ato contrário aos seus interesses. Tampouco o fato de ter firmado acordo com a justiça lhe retira a essência de seu depoimento, ou seja, declarações sobre fato de terceiro, que captou com os sentidos e dos quais não participou. Enfim, testemunha.

Assim, se o colaborador narrar fatos nos quais participou, direta ou indiretamente (fatos em conexão teleológica ou consequencial), deve ser ouvido como colaborador-imputado. Ao contrário, se tratar de fatos alheios, nos quais não teve envolvimento, deve ser ouvido como colaboradora-testemunha.

A questão, portanto, deve ser analisada em relação a qual grau de terzeità do colaborador em face dos fatos imputados, tendo em vista o “princípio da graduação”, desenvolvido pela Corte Constitucional italiana. Em outras palavras, dependerá da posição do declarante em relação aos fatos: se for completo estranho aos fatos ou se está ligado de alguma forma, seja em coautoria ou participação ou, ainda, por ter praticado fato conexo

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material ou teleologicamente. No primeiro caso – completo estranho – a disciplina, em princípio, deve ser a da prova testemunhal: não pode exercer o direito ao silêncio – pois não é imputado, mas sim testemunha – e se mentir ou omitir cometerá o delito de falso testemunho. Questão interessante, que será analisada à frente, é se a regra de corroboração é ou não aplicável ao colaborador como testemunha. Ao contrário, se vinculado ao fato, seja diretamente ou fato conexo (materialmente), aplicam-se as normas do colaborador em sua inteireza, sendo necessário sempre estar acompanhado de advogado, não respondendo por falso testemunho e sendo necessária a corroboração por elementos externos. Na dúvida, especialmente em situações tênues, deve-se dar preponderância ao regime do colaborador.

Por outro lado, no processo em que está sendo imputado, o colaborador não pode ser ouvido como se fosse testemunha. Embora incrimine os demais corréus, não se equipara a testemunha, quando narra fatos nos quais participou ou com os quais haja vínculo de conexão material.

Assim, podemos ter as seguintes figuras: (i) imputado-colaborador (autor ou partícipe da conduta, juntamente com o delatado). Se for ouvido no mesmo ou em outro processo, será ouvido como imputado-colaborador. É o que a doutrina italiana chama de “imputado concorrente”; (ii) “indagado imputado de delito conexo” é o imputado que praticou fato conexo (conexão teleológica ou consequencial). Neste caso, também, o regime jurídico é o mesmo do imputado-colaborador, pois a proximidade com os fatos é nítida; (iii) colaborador-testemunha: deve ser ouvido como testemunha, em relação aos fatos dos quais não teve qualquer envolvimento e no qual não lhe foi imputada participação; (iv) colaborador-informante: deve ser ouvido como informante, sem prestar compromisso de dizer a verdade, caso seja estranho aos fatos e se enquadre nas situações dos artigos 208 c.c 206, do CPP. Somente o magistrado poderá analisar, no caso concreto, o regime jurídico que deve ser aplicado, em especial naquelas situações nebulosas.

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2222

1.3.3 – Tabela comparativa “Colaborador X Testemunha”4

CARACTERÍSTICAS COLABORADOR TESTEMUNHANatureza da prova Oral OralNecessidade de colaboração

Sempre Em regra, sim

Direito ao silêncio Não tem Não temDever de dizer a verdade

Tem Tem

Compromisso legal

Deve prestar (art. 4º, §14, LCO)

Deve prestar (art. 203, CPP)

Garantia contra a autoincriminação

Não pode invocar, observado o acordo

Pode invocar

Oportunidade para arrolar

Com a denúncia ou a resposta à acusação

Com a denúncia ou a resposta à acusação

Dever de comparecimento em juízo

Tem Tem

Condição em que se dá a oitiva

Como réu, corréu ou como testemunha em ação penal proposta contra terceiro

Não é ouvida na condição de acusada

Contradita Inadmissível AdmissívelMomento da oitiva

Na fase do interrogatório, mas sempre antes dos corréus (delatados) no mesmo processo, se houver.

Na fase própria à coleta dos depoimentos das testemunhas da acusação e defesa

4 Tabela extraída de: ARAS, Vladimir. O réu colaborador como testemunha. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.). A prova no enfrentamento à macrocrimina-lidade. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 223-225.

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2323

Pergunta pelas partes

Sim, na forma dos arts. 188 e 190 do CPP (se réu) ou na forma do artigo 212 CPP

Sim, na forma do artigo 212 CPP

Papel no processo em relação à parte

Normalmente depõe pela acusação

Pode ser da acusação ou da defesa

Oitiva por precatório, rogatória ou videoconferência

Possível Possível

Crime Falsa colaboração Falso testemunhoTipo penal Art. 19. Imputar

falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura de organização criminosa que sabe inverídicas:Pena; reclusão, de 1 a 4 anos.

Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral.Pena: reclusão de 2 a 4 anos, e multa.§1º As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta

Crime em caso de calar a verdade

Não comete, mas a reserva mental pode levar à rescisão do acordo

Comete o crime do artigo 342 do CP

Crime em caso de mentira

Comete o crime do artigo 19 da Lei 12.850/2013

Comete o crime do artigo 342 do CP

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Pena Reclusão, 1 a 4 anos e multa

Reclusão de 2 a 4 anos, com aumento de até 1/3, e multa

Outras sanções Rescisão do acordo de colaboração e perda dos benefícios

Não há outras, no campo criminal

Possibilidade de retratação

Aplicação analógica in bonam partem, nas situações do artigo 342, §2º, CP

Art. 342, §2º, CP: O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.

Consequências para os réus caso o depoente silencie ou minta

Enfraquecimento da prova incriminatória

Enfraquecimento da prova incriminatória

Antecipação cautelar do depoimento

Possível com base no artigo 19-A da Lei 9.807/1999 ou no art. 156, I, art. 225 ou art, 366 do CPP

Possível com base no artigo 156, I, ou art, 225 ou art. 366 do CPP ou no art. 19 A da lei 9807/1999

Medidas de proteção

As a Lei 9807/1999 e da Lei 12.850/2013

As da Lei 9.807/1999

Assistência de advogado

Sempre tem Pode ter

1.3.4 – RHC 67.493/PR

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO “LAVA-JATO”. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. INDEFERIMENTO DE ACESSO À INTEGRALIDADE DOS TERMOS DE COLABORAÇÃO PREMIADA. RESGUARDO DE INVESTIGAÇÕES AINDA EM CURSO. DEPOIMENTO DE CORRÉUS COMO TESTEMUNHAS, UM COLABORADOR E OUTRO NÃO. POSSIBILIDADE DE INQUIRIÇÃO DO COLABORADOR. PREVISÃO LEGAL. TERCEIROS ACUSADOS EM PROCESSO DIVERSO. AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO.I - Tendo em vista a necessidade de se resguardar investigações ainda em curso, e considerando-se a complexidade das investigações e ações penais decorrentes da denominada “Operação Lava-Jato”, não constitui

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nulidade o indeferimento do acesso do recorrente à integralidade dos termos de colaboração premiada de terceiro, mormente se franqueado o acesso àquilo que seria pertinente ao exercício do direito de defesa.II - O sistema processual penal brasileiro impede a oitiva de corréu na qualidade de testemunha, na mesma ação penal, em razão da incompatibilidade entre o direito constitucional ao silêncio e a obrigação de dizer a verdade imposta nos termos do Código de Processo Penal.III - No entanto, não há impedimento ao depoimento de colaborador como testemunha, na medida em que, não sendo acusado no mesmo processo em que o recorrente figure como réu, sua oitiva constitua verdadeira garantia de exercício da ampla defesa e do contraditório dos delatados, ao mesmo tempo que também consubstancia mecanismo de confirmação das declarações e de validação dos benefícios previstos no acordo de colaboração.IV - Neste sentido, ainda que sob a égide da Lei n. 9.807/1999, o Plenário do col. Supremo Tribunal Federal consignou que “O sistema processual brasileiro não admite a oitiva de co-réu na qualidade de testemunha ou, mesmo, de informante, (...) Exceção aberta para o caso de co-réu colaborador ou delator, a chamada delação premiada, prevista na Lei 9.807/1999” (Sétimo Agravo Regimental na AP n.470/MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 2/10/2009), entendimento que deve ser reforçado se considerado o § 14 do art. 4º da Lei 12.850/2013, o qual dispõe que “Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso de dizer a verdade”.V - Por razão semelhante, se o sistema processual penal, como regra geral, não admite a oitiva de corréu na qualidade de testemunha, na mesma ação penal, não há que se falar em qualquer ilegalidade quanto ao depoimento de Carlos Alexandre de Souza Rocha, porquanto, ainda que não seja colaborador, foi denunciado em processo diverso, sob outro contexto, o que permite sua oitiva como testemunha nos autos da ação penal em questão.VI - Por último, insta consignar que, em se tratando de nulidade de ato processual, e de acordo com o princípio pas de nullité sans grief, mostra-se imprescindível, para o reconhecimento da nulidade, a demonstração do prejuízo sofrido, o que inocorreu na espécie.Recurso ordinário desprovido.(RHC 67.493/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 19/04/2016, DJe 02/05/2016)

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1.4. Momento de utilização

1.4.1 – FREDERICO VALDEZ PEREIRA – (PEREIRA, Frederico Valdez. Delação premiada: legitimidade e procedimento. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2013. p. 125 e 130)

A nova Lei das Organizações Criminosas explicitou a possibilidade de concretização da colaboração premiada nas fases pré-processual, processual e de execução da pena, conforme §§ 2° e 5° do art. 4°; assentiu ainda com a concessão do perdão judicial a qualquer tempo, inclusive em sede de inquérito policial, assim como a possibilidade de deixar de denunciar o colaborador.

[…]

Resumindo, a colaboração processual pode ser concretizada tanto no inquérito policial, no processo penal, ou na fase de execução da pena. O instituto pode ser meramente investigativo, servindo para que os órgãos de repressão sejam hauridos com elementos para o aprofundamento de investigações destinadas a desbaratar organização criminosa; ou então, ser firmado com vistas a servir de prova no processo penal, em face dos demais membros da associação criminosa.

1.4.2 – RENATO BRASILEIRO DE LIMA - (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 4. ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 788)

[…] não se pode afastar a possibilidade de celebração do acordo mesmo após o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória. De fato, a partir de uma interpretação teleológica das normas instituidoras da colaboração premiada, cujo objetivo pode subsistir para o Estado mesmo após a condenação irrecorrível daquele que deseja colaborar, deve-se admitir a incidência do instituto após o trânsito em julgado de sentença condenatória, desde que ela ainda seja objetivamente eficaz.

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Nessa linha, especial atenção deve ser dispensada ao art. 1º, §5°, da Lei nº 9.613/98, com redação dada pela Lei nº 12.683/12, que passou a dispor expressamente acerca da possibilidade de a colaboração premiada ser celebrada a qualquer tempo. O dispositivo deixa evidente que, doravante, o que realmente interessa não é o momento em que a colaboração premiada é celebrada, mas sim a eficácia objetiva das informações prestadas pelo colaborador. Em sentido semelhante, o art. 4º, §5°, da Lei nº 12.850/13, também prevê expressamente que, na hipótese de a colaboração ser posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou ser admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.

À primeira vista, pode parecer um pouco estranho que tais dispositivos se refiram à celebração do acordo de colaboração premiada após a sentença condenatória irrecorrível (a qualquer tempo). Todavia, na hipótese de o produto direto ou indireto da infração penal não ter sido objeto de medidas assecuratórias durante o curso da persecução penal, inviabilizando ulterior confisco, não se pode descartar a possibilidade de que as informações prestadas pelo agente mesmo após o trânsito em julgado de sentença condenatória sejam objetivamente eficazes no sentido da recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa, o que, em tese, lhe assegura a concessão dos prêmios legais inerentes à colaboração premiada prevista no art. 4º, §5°, da Lei nº 12.850/13.

Sem embargo de a possibilidade de celebração do acordo de colaboração premiada a qualquer tempo estar prevista apenas nas Leis de Lavagem de Capitais e de Organizações Criminosas, parece não haver qualquer óbice à extensão desse benefício aos demais crimes, até mesmo por uma questão de isonomia. Deveras, não há qualquer fundamento razoável de discrímen capaz de justificar a inviabilidade de celebração de acordos de colaboração premiada após a sentença condenatória irrecorrível em relação a outros delitos, desde que, obviamente, aferida a eficácia das informações prestadas pelo colaborador.

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1.5 Colaboração processual – delatado que possui foro por prerrogativa de função

1.5.1 – LUIZ FLÁVIO GOMES E MARCELO RODRIGUES DA SILVA - (GOMES, Luiz Flávio. Organizações criminosas e técnicas especiais de investigação: questões controvertidas, aspectos teóricos e práticos e análise da Lei 12.850/2013. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 318/320):

Na hipótese de a colaboração eventualmente vir a implicar autoridades que gozam de prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, ficará o acordo de colaboração sujeito a ratificação do Procurador-Geral da República, que tomará as medidas cabíveis junto à respectiva Corte.

Se a colaboração eventualmente vier a implicar autoridades submetidas a outros foros, os signatários gestionarão buscando a adesão dos outros membros do Ministério Público nos termos do presente acordo.

1.5.2 – Supremo Tribunal Federal:

Decisão: 1. Trata-se de reclamação, com pedido liminar, ajuizada por Fernando Antônio Falcão Soares em face de ato do juízo da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, perante o qual tramita a Ação Penal 5083838-59.2014.4.04.7000. Em linhas gerais, alega-se que houve usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal, pois: (a) o reclamante é réu na Ação Penal 5083838-59.2014.4.04.7000, segundo ele em razão de declarações dos colaboradores, Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef e Júlio Camargo; (b) Júlio Camargo, em diversos depoimentos prestados, teria negado qualquer envolvimento do Deputado Federal Eduardo Cunha com a aquisição de navios-sonda pela Petrobras junto às empresas Samsung e Mitsui; (c) todavia, ao ser interrogado pelo juízo reclamado em 16 de julho de 2015, no âmbito da Ação Penal 5083838-59.2014.4.04.7000, o colaborador teria alterado seu depoimento, passando a incriminar diretamente o parlamentar; (d) diante das declarações de Júlio Camargo, seria inválido o termo de colaboração premiada firmado com o Ministério Público Federal, seja

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em razão da inobservância às cláusulas do referido acordo, seja em razão da incompetência do juízo reclamado para homologá-lo. Requer a sustação do andamento da Ação Penal 5083838-59.2014.4.04.7000, mormente do prazo para o oferecimento de alegações finais, abstendo-se o juízo reclamado de proferir sentença, até o julgamento desta reclamação. Requisitadas informações à autoridade reclamada (art. 14, I, da Lei 8.038/1990), foram prestadas em 17 de agosto de 2015. A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela negativa de seguimento ao pedido. 2. O cabimento da reclamação, instituto jurídico de natureza constitucional, deve ser aferido nos estritos limites das normas de regência, que só a concebem para preservação da competência do Tribunal e para garantia da autoridade de suas decisões (art. 102, I, l , da Constituição da República), assim como contra atos que contrariem ou indevidamente apliquem súmula vinculante (art. 103-A, § 3º, da Constituição da República). 3. Não prospera a insurgência do reclamante. Em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em 19.12.2014, nos autos de Pet 5.245, foi acolhida a manifestação do Procurador-Geral da República, dominus litis, e deferidos “os requerimentos de cisão processual, mantendo-se no Supremo Tribunal Federal aqueles termos em que figurem detentores de prerrogativa de foro correspondente (item VII, h), com remessa dos demais aos juízos e tribunais indicados”. Cumpre registrar que o Deputado Federal Eduardo Cunha foi mencionado especificamente no “termo 13” no âmbito de acordo de colaboração premiada homologada nesta Corte (autos de Pet 5.245) sobre o suposto recebimento de valores provenientes de desvio de recursos da Petrobras. Em relação a ele, conforme requerido pelo Procurador-Geral da República, houve a instauração de procedimento autônomo (Pet 5.278) e o encaminhamento de cópia desse termo (termo de depoimento 13 de Alberto Youssef) ao juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba. Assim, em relação aos fatos descritos pelo mencionado colaborador no “termo 13”, houve a instauração de inquérito nesta Corte (Inq 3.983) e o desmembramento, para que prosseguissem no juízo reclamado as investigações contra os demais investigados que não possuem prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal. 4. Nesse contexto, com o desmembramento realizado e a remessa de cópia dos termos à origem, eventual encontro de novos indícios da participação de parlamentar em momento subsequente não invoca, por si só, usurpação de competência, pois apurados por autoridade judiciária que, por decisão desta Corte, prosseguiu na condução de procedimento relativo aos mesmos fatos, todavia refente a nominados não detentores de prerrogativa de foro. 5. Não houve, ademais, investigação direta do Deputado Federal Eduardo Cunha por parte do juízo reclamado. A violação de competência implica a realização

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de medidas investigatórias dirigidas às autoridades sujeitas à prerrogativa de foro e não a simples declaração de réu colaborador, com menção sobre a participação de detentores de foro por prerrogativa de função durante audiência de instrução. Raciocínio inverso, esposado pelo reclamante, levaria à conclusão de que toda vez que despontasse elemento probatório novo vinculado aos fatos investigados, todos os processos e ações penais em andamento haveriam de retornar ao Supremo Tribunal Federal para novo exame, o que, além de desarrazoado, inviabilizaria, na prática, a persecução penal. Destaca-se, nessa linha, que em casos de desmembramento é comum a existência, em juízos diversos, de elementos relacionados tanto ao detentor de prerrogativa de foro quanto aos demais envolvidos. Contudo, a existência dessa correspondência não caracteriza usurpação de competência. Pelo contrário, a simples menção do nome de parlamentar em depoimento de réu colaborador, durante a instrução, não caracteriza ato de investigação, ainda mais quando houver prévio desmembramento pelo Supremo Tribunal Federal, como ocorreu no caso. 6. Ademais, o acordo de colaboração premiada firmado entre Júlio Camargo, co-réu na ação penal 5083838-59.2014.4.04.7000/PR, e o Ministério Público foi homologado pelo juízo da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, perante o qual tramitou aquela ação penal, em época na qual não havia notícia de envolvimento de pessoa com prerrogativa de foro nos fatos investigados. Assim, inquestionável a competência daquele juízo para o ato homologatório. Nesse sentido, esclareceu a autoridade reclamada nas informações prestadas: “Não se pode, ainda, afirmar que o acordo de colaboração celebrado por Júlio Camargo não poderia ter sido homologado por este Juízo em outubro de 2014, porque, em 16/07/2015, revelou fato que havia então omitido, de que parte da propina nos contratos dos Navios-sondas havia sido destinada ao referido deputado federal. Evidentemente, ‘tempus regit actum’, não tendo o Juízo em outubro de 2014 qualquer conhecimento a respeito do fato admitido por Júlio Camargo somente em julho de 2015.” 7. O Pleno desta Corte assentou a orientação de que, “por se tratar de negócio jurídico personalíssimo, o acordo de colaboração premiada não pode ser impugnado por coautores ou partícipes do colaborador na organização criminosa e nas infrações penais por ela praticadas, ainda que venham a ser expressamente nominados no respectivo instrumento no relato da colaboração e seus possíveis resultados (art. 6º, I, da Lei n. 12.850/13)” (HC 127.483, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27-8-2015). Realmente, ao contrário do que parece acreditar o requerente, a eventual desconstituição de acordo de colaboração tem âmbito de eficácia restrito às partes que o firmaram, não beneficiando e nem prejudicando terceiros. Essa circunstância, aliás, está expressa no

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próprio acordo celebrado (Cláusula 18, § 1º). Mesmo em caso de retratação, o material probatório colhido em colaboração premiada pode ser utilizado em face de terceiros, aos quais caberá, se for o caso, deduzir as razões de defesa nos procedimentos ou ações que em face a elas venham a ser promovidos. 8. Conclui-se, portanto, que, apesar de os fatos investigados no Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Inq 3.983, possuírem correlação com aqueles que são objeto de investigação perante a 13ª Vara Federal de Curitiba, o reclamante não demonstrou usurpação, pela autoridade reclamada, da competência desta Corte, tendo em vista que tal autoridade agiu a partir de prévio desmembramento e dentro da razoabilidade nas perguntas realizadas em audiência. Foi assim que decidiu recentemente a Segunda Turma, em situação análoga (Rcl 19138 AgR, Relator (a): Min. TEORI ZAVASCKI, DJe de 18-03-2015 e Rcl 19135 AgR, Relator (a): Min. TEORI ZAVASCKI, DJe de 03-08-2015). Especificamente quanto à reclamação do Deputado Federal Eduardo Cunha, também o Pleno decidiu nesse sentido: Rcl 21419 AgR, Relator (a): Min. TEORI ZAVASCKI, DJe de 05-11-2015. 9. Ante o exposto, nego seguimento ao pedido (art. 21, § 1º, RISTF). Publique-se. Intime-se. Brasília, 11 de novembro de 2015. Ministro Teori Zavascki Relator Documento assinado digitalmente(STF - Rcl: 21514 PR - PARANÁ 0005024-95.2015.1.00.0000, Relator: Min. TEORI ZAVASCKI, Data de Julgamento: 11/11/2015, Data de Publicação: DJe-229 16/11/2015)

1.6 Competência para homologar o acordo de colaboração após o trânsito em julgado da sentença

1.6.1 – RENATO BRASILEIRO DE LIMA - (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 4. ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 788-789)

Firmada a premissa de que o acordo de colaboração premiada pode ser celebrado a qualquer momento, inclusive após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, discute-se na doutrina qual seria o meio adequado para se requerer o reconhecimento da colaboração na fase de execução.

Parte da doutrina entende ser possível o ajuizamento de revisão criminal. Isso porque uma das hipóteses de rescisão de coisa julgada

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ocorre quando, após a sentença condenatória com trânsito em julgado, se descobrem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena (CPP, art. 621, III). O argumento de que não seria cabível sua concessão em fase de execução, por ser a sentença o momento de concessão dos benefícios (redução de pena, regime penitenciário brando, substituição de prisão por pena alternativa ou extinção da punibilidade) não parece convincente. Como assevera Jesus, o art. 621 do CPP autoriza explicitamente desde a redução da pena até a absolvição do réu em sede de revisão criminal, de modo que este também deve ser considerado um dos momentos adequados para exame de benefícios aos autores de crimes, inclusive em relação à colaboração premiada. Exigir-se-á, evidentemente, o preenchimento de todos os requisitos legais, inclusive o de que o ato se refira à delação dos coautores ou partícipes do(s) crime(s) objeto da sentença rescindenda. Será preciso, ademais, que esses concorrentes não tenham sido absolvidos definitivamente no processo originário, uma vez que, nessa hipótese, formada a coisa julgada material, a colaboração, ainda que sincera, jamais seria eficaz, diante da impossibilidade de revisão criminal pro societate.

A nosso juízo, considerando que a revisão criminal é meio para a reparação de erro judiciário, e tendo em conta que a incidência da colaboração premiada em sede de execução penal não pressupõe erro do juiz que exija a rescisão da sentença original, o meio processual adequado para que seja reconhecida a colaboração após o trânsito em julgado de sentença condenatória é submeter o acordo à homologação perante o juiz da vara de execuções penais, nos mesmos moldes de outros incidentes da execução. Não se trata, a colaboração premiada após o trânsito em julgado de sentença condenatória, de prova nova da inocência do acusado para fins de ajuizamento de revisão criminal (CPP, art. 621, III). Cuida-se de fato novo que deve ser levado à consideração do juiz da execução penal, tal qual o surgimento de lei nova mais benigna (LEP, art. 66, I). Aplica-se, pois, por analogia, o raciocínio constante da súmula nº 611 do STF “Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções penais a aplicação da lei mais benigna”.

Tratando-se de norma mais benéfica para o colaborador, este novo regramento acerca da possibilidade de celebração do acordo de colaboração premiada a qualquer tempo pode retroagir para beneficiar condenados por crimes diversos, mesmo que a decisão condenatória tenha transitado em julgado antes da vigência das Leis 12.683/12 e 12.850/13.

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1.6.2 – Jurisprudência

AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL - DELAÇÃO PREMIADA - PERDÃO JUDICIAL OU REDUÇÃO DE PENA - LEI BENÉFICA POSTERIOR - COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL - PROVIMENTO. Nos termos do art. 66, da Lei n.º 7.210/84, compete ao Juízo das Execuções Penais aplicar lei posterior que de qualquer modo favoreça o condenado. O magistrado singelo deve decidir pedido de perdão judicial ou redução da pena decorrente de delação premiada, provenientes de lei benéfica posterior à condenação do acusado, oportunizando o duplo grau de jurisdição. Agravo de Execução Penal defensivo a que se dá provimento para determinar que o juízo de base decida a matéria trazida pelo sentenciado. (TJ-MS - EP: 00109033320138120001 MS 0010903-33.2013.8.12.0001, Relator: Des. Carlos Eduardo Contar, Data de Julgamento: 08/07/2013, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 02/08/2013)

1.7 Questão Carcerária – Impossibilidade de recolhimento no mesmo estabelecimento penal

1.7.1 – LUIZ FLÁVIO GOMES E MARCELO RODRIGUES DA SILVA - (GOMES, Luiz Flávio. Organizações criminosas e técnicas especiais de investigação : questões controvertidas, aspectos teóricos e práticos e análise da Lei 12.850/2013. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 353/354)

O inciso VI do artigo 5º da Lei nº 12.850/2013 é um reforço à lei 9.807/1999 que prevê em seu artigo 15, §1º a possibilidade da União utilizar-se de estabelecimentos penais próprios para a manutenção dos condenados que cooperaram com o desmantelamento da organização criminosa. Nada obsta, portanto, que no caso de prisão cautelar haja essa separação dos presos, muito embora o inciso VI do artigo 5º da Lei 12.850/2013 fale somente em “cumprimento de pena” e “condenados”, o que levaria a crer erroneamente que só após sentença ou acórdão condenatório transitado em julgado seria possível este tratamento diferenciado.

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1.7.2 – RENATO BRASILEIRO - (LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação especial comentada. V. único. 4 ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 546)

À primeira vista, fica a impressão de que esta separação deveria ocorrer apenas por ocasião do cumprimento da prisão penal decorrente de sentença condenatória transitada em julgado. Afinal, o art. 5º, VI, da Lei nº 12.850/13, faz uso das expressões “pena” e “condenados”. Poder-se-ia concluir então, precipitadamente, que este direito à separação de presos não seria aplicável ás hipóteses de prisão cautelar. No entanto, não se pode perder de vista que a Lei nº 9.807/99, cujas medidas de proteção são extensivas ao colaborador por força do art. 5º, I, da Lei nº 12.850/13, dispõe que, na hipótese de prisão temporária, preventiva ou decorrência de flagrante delito, o colaborador deverá ser custodiado em dependência separada dos demais presos (art. 15, §1º).

1.8 Requisitos do termo de colaboração

1.8.1 – CEZAR BITENCOURT E PAULO BUSATO - (BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo César. Comentários à lei de organização criminosa – lei 12850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 125/126)

Quanto aos requisitos, a colaboração premiada, segundo dispõe o art. 4º, §1º, da Lei n. 12.850/13, levará em conta a personalidade do colaborador, bem como a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração. (…)

Além disso, a colaboração deve gerar, obrigatoriamente, resultado específico, ao menos um dentre os cinco elencados. (art. 4ª, incisos I, II, III, IV, e V, da Lei n. 12.850/13)

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1.8.2 – LUIZ FLÁVIO GOMES E MARCELO RODRIGUES DA SILVA - (GOMES, Luiz Flávio. Organizações criminosas e técnicas especiais de investigação: questões controvertidas, aspectos teóricos e práticos e análise da Lei 12.850/2013. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 318/320)

De acordo com o artigo 6º da Lei 12.850/13, o acordo celebrado pelas partes será feito por escrito, devendo conter obrigatoriamente:

I – o relato da colaboração e seus possíveis resultados;II – as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia;III – a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;IV – as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor;V – a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.

A forma escrita do acordo de colaboração premiada é um significativo avanço ao instituto da colaboração premiada, pois as demais leis que regulam a delação premiada não preveem que ela seja formalizada por escrito. A exigência de que o acordo seja feito por escrito dá maiores seguranças ao colaborador, pois como bem lembram CABETTE e NAHUR5: verba volant, scripta manent (“Palavras voam, a escrita permanece”).

Com o advento da Lei 12.850/13, entendemos que todas as demais leis que versem sobre delação premiada devem observar as formalidades do artigo 6º da Lei 12.850/13, servindo esta como norma geral procedimental da realização do acordo.

Há necessidade de que as partes celebrantes do acordo façam constar detalhadamente os possíveis resultados (as metas) que desejam alcançar com a colaboração premiada, não somente fazendo alusão aos abstratos possíveis resultados delineados nos incisos do artigo 4º da Lei 12.850/2013, pois é com base nos objetivos delineados no acordo que o juiz terá condições de apurar a sua eficácia (na forma do §11 do artigo 4º da Lei n. 12.850/2013). Ademais, devem as partes estabelecer os benefícios

5 Op. cit. P. 232.

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que serão concedidos na proporção de cada resultado alcançado em razão da colaboração. Valemos do exemplo de MARCELO BATLOUNI MENDRONI bastante elucidativo:

Se o colaborador fornecer informações diretas sobre o chefe (Boss – o principal) da organização e provas diretas (gravações em áudio e vídeo) de delitos por ele praticados, chega-se ao perdão judicial. Se o colaborador, ao invés, fornecer apenas evidências e provas indiretas de um dos “gerentes” da organização criminosa, chega-se a uma redução de ½ de pena etc.”6

(…) Nas condições da proposta tem se estipulado na prática que o acordo perderá efeito (considerando-o rescindido): a) se o colaborador vier a praticar qualquer outra infração penal posterior, após a homologação da avença; b) se o colaborador fugir ou tentar furtar-se à ação da justiça criminal; c) se o colaborador não efetuar o pagamento da multa compensatória ou não oferecer as garantias a título de fiança com que se compromete etc.

Quanto aos compromissos assumidos pelo colaborador no acordo, leciona VLADIMIR ARAS:

Os compromissos do réu colaborador são variáveis. O investigado pode obrigar-se a depor em juízo, a fazer reconhecimentos, a acarear-se com corréus. Essas são as hipóteses mais precárias de cooperação, pois dependem da credibilidade do colaborador. O agente revelador pode também fornecer aos órgãos de persecução informações de inteligência, como números de telefone que permitam a realização de interceptação telefônica, ou endereços nos quais seja possível instalar escutas ambientais, ou ainda indicar a localização de bens, direitos e valores sujeitos a medidas de busca e apreensão, arresto e sequestro cautelar. Em certos casos, o colaborador poderá permanecer na quadrilha ou na organização criminosa de que era membro, para, a modo infiltrado, colher informações e provas materiais úteis à persecução”7

O relato da colaboração que alude o inciso I do artigo 6º da Lei 12.850/2013 não significa colher depoimento do pretenso colaborador com

6 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Op. cit. 52-53.

7 ARAS, Vladimir. A técnica da colaboração premiada. Disponível em: <http://blogdovladimir.wordpress.com/2015/01/07/a-tecnica-de-colaboracao-premiada/> Acesso em: 14 de março de 2015.

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informações úteis ao alcance dos resultados, pois se o acordo ainda não foi homologado seria uma deslealdade absurda do Ministério Público ou do Delegado de Polícia exigir do pretenso colaborador a revelação de tudo que sabe para o alcance dos resultados. Deve o Ministério Público e o Delegado de Polícia nesta fase derem Fair players. O conceito de fair players, ou seja, devem vincular-se vinculado á ética do jogo processual. Os celebrantes do acordo devem procurar jogar de maneira justa, não prejudicando o adversário de forma proposital. (…)

Deve-se colher no Termo de Colaboração declaração do colaborador e seu defensor no sentido de que aceitam integralmente (sem ressalvas) os termos do acordo.

Ademais, deve constar do termo as assinaturas do(s) representante(s) do Ministério Público ou do delegado de polícia (com posterior ratificação do Ministério Público), do colaborador e de seu defensor.

Na hipótese de a colaboração eventualmente vir a implicar autoridades que gozam de prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, ficará o acordo de colaboração sujeito a ratificação do Procurador-Geral da República, que tomará as medidas cabíveis junto à respectiva Corte.

Se a colaboração eventualmente vier a implicar autoridades submetidas a outros foros, os signatários gestionarão buscando a adesão dos outros membros do Ministério Público nos termos do presente acordo.

Quando necessário, deverão ser especificadas as medidas de proteção ao colaborador e à sua família, que são, em suma, as previstas no artigo 15 da Lei 9.807/99 e as previstas no artigo 5º da Lei 12.850/2013. Veja-se que o inciso V do artigo 6º da Lei 12.850/2013 deixa claro que as aludidas medidas de proteção serão implementadas somente “quando necessário”, ou seja, pode o próprio colaborador dispensá-las, entendendo que pode resguardar-se por conta própria.

Não tendo o acordo de colaboração previsto qualquer medida de proteção por ter entendido o colaborador que delas não necessitava, será plenamente possível acioná-las via requerimento ao Estado-juiz, pois o artigo 5º elenca as medidas de proteção como direitos do colaborador.

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1.9 “Prêmios” legais. Subordinação à eficácia da colaboração

1.9.1 – RENATO BRASILEIRO - (LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação especial comentada. V. único. 4 ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 535/539)

A Lei n. 12.850/13 prevê os seguintes prêmios legais, que poderão ser concedidos mesmo no caso de inexistir a formalização de qualquer acordo de colaboração premiada:

a) diminuição da pena: prevê tão somente o máximo de diminuição possível, qual seja 2/3. Sustenta que a diminuição mínima deve ser tida como 1/6. Prevê, também, a possibilidade de redução até a metade no caso da colaboração ocorrer após a sentença (art. 4º, § 5º);

b) substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos: como não há qualquer menção aos requisitos do artigo 44 do Código Penal, a substituição poderá ser feita independentemente da observância de tais requisitos;

c) perdão judicial e consequente extinção da punibilidade: a qualquer tempo, Ministério Público ou Delegado de Polícia – este com manifestação do Ministério Público – poderão requerer a concessão de perdão judicial ante a relevância da colaboração prestada, ainda que o benefício não tenha sido previsto no acordo, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do CPP;

d) sobrestamento do prazo para oferecimento da denúncia ou suspensão do processo, com a consequente suspensão da prescrição: visto que nem sempre as informações prestadas poderão produzir resultados imediatos, torna-se importante a presente previsão legal. Esta paralisação está restrita ao colaborador, não devendo abranger os demais investigados. Com o fim do prazo, a denúncia deverá ser oferecida pelo órgão ministerial, salvo se verificada a hipótese prevista no art. 4º, §4º, a ser analisada no próximo item. Salienta-se que, uma vez deferida a suspensão, não será cabível a ação penal privada subsidiária da pública. Caso ocorra oferecimento de queixa, incumbe ao Ministério Público repudiá-la, nos termos do art. 29 do CPP;

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e) não oferecimento de denúncia: poderá ser utilizada nas mesmas hipóteses do caput quando preenchidos dois requisitos concomitantemente: I – o colaborador não for o líder da organização criminosa; II – o colaborador for o primeiro a prestar efetiva colaboração. Trata-se de exceção ao princípio da obrigatoriedade. Deve ser utilizado de maneira excepcional, eis que nem sempre se poderá atestar o grau de liderança da organização criminosa sem o prévio encerramento da instrução criminal. Daí a importância de o não oferecimento da denúncia ser precedido pelo sobrestamento da persecução penal;

f) causa de progressão de regime: com objetivo de incentivar a colaboração premiada, a Lei n. 12.850/13 também passou a prever que, na hipótese de colaboração premiada após a sentença, será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos (art. 4º, §5º). De notar que ainda depende-se da observância dos requisitos subjetivos.

“Com a amplitude desses benefícios legais, certamente haverá questionamentos quanto ao âmbito de incidência da Lei nº 12.850/13, ou seja, se tais benefícios podem ser aplicados a todo e qualquer ilícito decorrente de organização criminosa, ou se a concessão de tais prêmios estaria restrita ao crime de organização criminosa (Lei nº 12.850/13, art. 2º, caput), isoladamente considerado. Há quem entenda que as regras do art. 4º da Lei n.º 12.850/13 são aplicáveis exclusivamente ao crime de organização criminosa, e não a todas as infrações penais dela decorrentes8. A nosso ver, mesmo para os crimes anteriormente estudados que contam com regramento específico acerca do assunto (v.g., extorsão mediante sequestro, tráfico de drogas), não há fundamento razoável para se lhes negar a concessão dos benefícios previstos pela Lei nº 12.850/13 se acaso praticados por organizações criminosas, sob pena de esvaziamento da eficácia da colaboração premiada. Ora, se o agente souber que eventual prêmio legal ficará restrito ao crime de organização criminosa, dificilmente terá interesse

8 Nessa linha: OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Atualização da 17ª edição do curso de processo penal em virtude da Lei nº 12.850/13. Disponível em: http://eugeniopacelli.com.br/atualizacoes/curso-de-processo-penal-17a-edicao-comentarios-ao-cpp-5a-edicao-lei-12-85013-2/. Acesso em 05/11/2013.

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em celebrar o acordo de colaboração premiada.9

Essa mesma discussão já havia se instalado com o advento da Lei nº 9.807/99. Por não ter seu âmbito de aplicação restrito a determinado(s) delito(s), muito se discutiu quanto à incidência dos benefícios constantes dos arts. 13 e 14. Acabou prevalecendo a orientação de que referida Lei seria aplicável inclusive para crimes que contassem com um regramento específico sobre colaboração premiada (v.g., tráfico de drogas).” 10

1.9.2 Posicionamento do TJPR

Em sentido contrário ao exposto no tópico anterior, note-se a seguinte decisão do TJPR sobre a impossibilidade de aplicação do perdão judicial aos casos da Lei 11.343/06 por ausência de previsão legal:

APELAÇÕES CRIME. TRÁFICO DE ENTORPECENTES (LEI 11.343/06, ART. 33, CAPUT) E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO (LEI 11.343/06, ART. 35, CAPUT). (…) APELAÇÃO 4. CONCESSÃO DE PERDÃO JUDICIAL OU DIMINUIÇÃO DA PENA EM MAIOR GRAU DIANTE DA DELAÇÃO PREMIADA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL PARA CONCESSÃO DO PERDÃO JUDICIAL (ART. 41 DA LEI 11.343/06). DIMINUIÇÃO DA PENA CORRETAMENTE FIXADA PELA SENTENÇA EM SEU GRAU MÍNIMO.

9 Para Bitencourt e Busato (op. cit. p. 122), se demonstrada a presença de uma organização criminosa, mas o crime praticado for um daqueles que conta com regulamentação específica acerca da colaboração premiada, do conflito resultará possível a aplicação da lei nº 12.850/13, que claramente é mais benéfica porque oferece não apenas a diminuição da pena, mas também a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e perdão judicial.

10 Referindo-se à possibilidade de aplicação dos dispositivos referentes à colaboração premiada previstos na Lei nº 9.807/99 aos crimes de tráfico de drogas: MENDONÇA, Andrey Borges; CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de. Op. cit. p. 192. Para Sérgio Moro, todos os dispositivos anteriores que previam a colaboração encontram-se superados pela Lei nº 9.807/99, por serem mais abrangentes e por regularem mais precisamente a matéria: Crime de Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. p. 109-110. O STJ já teve a oportunidade de concluir que a Lei nº 9.807/99 não traz qualquer restrição à sua aplicação apenas a determinados delitos: STJ, 6ª Turma, REsp 1.109.485/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 12/04/2012, DJe 25/04/2012. Na mesma linha: “O sistema geral de delação premiada está previsto na Lei 9.807/99. Apesar da previsão em outras leis, os requisitos gerais estabelecidos na Lei de Proteção à testemunha devem ser preenchidos para a concessão do benefício”. (STJ, 5ª Turma, HC 97.509/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 15/06/2010, DJe 02/08/2010).

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COLABORAÇÃO DO ACUSADO QUE NÃO FOI DETERMINANTE PARA COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE E AUTORIA DO CRIME OU PARA RECUPERAÇÃO DA DROGA. (...)(TJ-PR - APL: 12773225 PR 1277322-5 (Acórdão), Relator: Francisco Eduardo Gonzaga de Oliveira, Data de Julgamento: 22/10/2015, 4ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 1682 04/11/2015) – sem grifos no original.

1.9.3 – LUIZ FLÁVIO GOMES E MARCELO RODRIGUES DA SILVA - (GOMES, Luiz Flávio. Organizações criminosas e técnicas especiais de investigação: questões controvertidas, aspectos teóricos e práticos e análise da Lei 12.850/2013. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 283/285)

Vinculação do juiz aos prêmios estabelecidos no acordo

O acordo não pode gerar obrigações somente para o acusado colaborador. O Estado também assume obrigações, e uma delas é justamente conceder os prêmios nos moldes do que foi pactuado e devidamente homologado pelo juiz.

Não haveria sentido à homologação se não vinculasse o Poder Judiciário. Aliás, a homologação judicial tem a finalidade de garantir futuramente o cumprimento do acordo pelo Estado-juiz se alcançar os resultados.

O artigo 4º, caput, da Lei 12850/13 reza que o juiz “poderá” conceder um dos prêmios lá previstos, fazendo transparecer que seria mera faculdade do juiz. Contudo, se o colaborador cumpriu todo o acordo, tendo sua cooperação sido determinante no alcance dos resultados lá previstos, será um dever do magistrado conceder os prêmios. (…)

Caso o juiz não concorde com a proposta de colaboração por não atender os requisitos legais, poderá no momento da proposta recusar a homologação ou adequá-la ao caso concreto (conforme redação do artigo 4º, §8º da Lei 12.850/13).

Assim, conforme bem leciona JOSÉ PAULO BALTAZAR JÚNIOR: “levando em consideração o caráter negocial da medida, o juiz está vinculado

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aos termos do acordo homologado, por si ou por outro magistrado11.

Ademais, a homologação do acordo visa a conferir segurança a este. Se o acordo de colaboração premiada funcionasse como mera expectativa de direito ao colaborador, seria natural que ele não se sentisse encorajado a experimentar todos os dissabores inerentes a sua traição, o que contribuiria para a redução de eficácia ou mesmo ineficácia do instrumento de colaboração premiada12.

1.9.4. - VLADIMIR ARAS – (ARAS, Vladimir. A técnica da colaboração premiada. Disponível em: <https://blogdovladimir.wordpress.com/2015/01/07/a-tecnica-de-colaboracao-premiada/> Acesso em 23 de novembro de 2016)

O Ministério Público não pode prometer ao acusado um determinado benefício legal, pois a concessão destes depende de ato jurisdicional; pode, sim, o Promotor de Justiça ou o Procurador da República comprometer-se a assegurar o cumprimento do acordo perante o Judiciário, mediante petições, recursos ou remédios constitucionais e a obter em favor do agente as medidas protetivas da Lei 9.807/99 e das que derivam da Lei 12.850/2013. Pode ainda comprometer-se a promover o arquivamento do inquérito ou sustar a propositura da ação penal, se presentes as condições fáticas e jurídicas, nos temos de um acordo de imunidade. (…)

Caberá ao juiz valorar a extensão e a efetividade13 da colaboração prometida, de sorte a conceder ao colaborador os benefícios legais avençados pelas partes.

11 Op. cit. p. 1297.

12 LIMA, Renato Brasileiro de. Op. cit. p. 546.

13 No HC 41.758/SP, a 6ª Turma do STJ indeferiu o benefício da delação premiada porque não houve o “desmantelamento da quadrilha ou bando” (relator Min. Hamilton Carvalhido, j. 07/11/2006)

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1.10 Retratação do acordo – possibilidade de utilização das informações em face de outros réus.

1.10.1 – Momento da retratação.

a) RENATO BRASILEIRO - (LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação especial comentada. V. único. 4 ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 551/552)

Antes da homologação do acordo pela autoridade judiciária competente, é perfeitamente possível que as partes resolvam se retratar da proposta, nos termos do art. 4º, §10, da Lei n. 12.850/13, hipótese em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor.

Como este dispositivo não faz qualquer restrição em relação ao responsável pela retratação - “as partes podem retratar-se da propostas (...)” -, tanto o Ministério Público quanto o acusado podem se arrepender da proposta formulada. À evidência, esta retratação só pode ocorrer até a homologação judicial do acordo. Fosse possível a retratação após sua homologação judicial, o Ministério Público poderia celebrar um falso acordo de colaboração premiada, obtendo, por consequência da homologação judicial, todas as informações necessárias para a consecução de um dos objetivos listados nos incisos do art. 4º da Lei n. 12.850/13 para, na sequência, retratar-se do acordo, privando o colaborador da concessão do prêmio legal acordado.

b) ROGÉRIO SANCHES CUNHA e RONALDO BATISTA PINTO - (CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Crime organizado – comentários à nova lei sobre o crime organizado – lei 12.850/2013. Salvador: JusPodivm, 2014. p. 73)

Tal retratação, porém, só é possível antes da homologação judicial. Depois disso passa a compor o acervo probatório, não mais se admitindo que uma das partes contestem os seus termos.

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c) GUILHERME NUCCI - (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas – v. 2. 8 ed. Rio de Janeiro; Forense, 2014. p. 609/610)

Não se especifica qualquer razão para isso, mas se crê não tenha havido sucesso na obtenção de provas, tal como o prometido pelo delator, permitindo ao órgão acusatório a retratação. Ou o colaborador pode entender que a delação lhe trará mais prejuízos do que vantagens, voltando atrás. Essa retratação deve ocorrer depois da homologação do juiz e antes da sentença condenatória.

d) ANDREY BORGES DE MENDONÇA - (MENDONÇA, Andrey Borges de. A colaboração premiada e a nova lei do crime organizado – lei 12.850/2013. Custos Legis – a revista eletrônica do Ministério Público Federal. ISSN 2177-021. Vol. 4. 2013, p. 4)

(…) pode ser firmado um pré-acordo, indicando as provas produzidas antes da concretização do acordo (…). Parece ser esta a ideia que orientou o legislador a prever, no artigo 4º, §10º, a seguinte regra: “As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor”. Veja que ao contrário de outras passagens, aqui o legislador utiliza não a palavra “acordo” (como o faz no art. 4º, §6º, §7º, §9º e §11º, artigo 6º, artigo 7º, caput e § 3º), mas sim a palavra “proposta”.

e) LUIZ FLÁVIO GOMES E MARCELO RODRIGUES DA SILVA - (GOMES, Luiz Flávio. Organizações criminosas e técnicas especiais de investigação : questões controvertidas, aspectos teóricos e práticos e análise da Lei 12.850/2013. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 305/307)

Veja-se que a redação é clara em dizer que as partes poderão retratar-se da “proposta”, e não do “acordo”. Não se pode confundir “proposta” com “acordo”. A proposta antecede ao acordo. (…)

Diante de tais premissas teóricas, conclui-se que quando o artigo 4º, §10 da LOC (Lei de Organizações Criminosas) faz referência à proposta, aparentemente o legislador pretendeu aludir à fase antecedente a homologação judicial do acordo. (…)

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À guisa de conclusão, entendemos que é impossível a qualquer das partes retratar-se (no sentido jurídico da palavra) do acordo de colaboração celebrado pelas partes. Sendo que se o colaborador desejar não mais contribuir com a obtenção dos resultados pactuados, haverá mera ineficácia do acordo celebrado, e a não premiação na forma da nova lei.

f) VLADIMIR ARAS - (ARAS, Vladimir. O réu colaborador como testemunha. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.). A prova no enfrentamento à macrocriminalidade. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 226)

(…) Neste caso não há ainda acordo e muito menos avença homologada em juízo. Por isso, o §10 do artigo 4º da Lei 12850/2013 diz que “as partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor”.

1.10.2 – Após a retratação, as informações podem ser utilizadas contra terceiros?

Art. 4º, § 10. As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor.

a) GABRIEL HABIB - (HABIB, Gabriel. Leis penais especiais – tomo II. 5 ed. Salvador: JusPodivm, 2014. p. 49)

Pensamos que a resposta é negativa. (…) Se a manifestação de vontade das partes é fundamental para a sua validade, a manifestação de vontade das partes também tem o condão de fazer com que ele não produza efeitos a partir do momento da retratação. Se houve retratação, houve mudança de vontade das partes. Se as partes se retrataram de todo o acordo, ele não pode produzir efeitos parcialmente fazendo com que somente as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não sejam utilizadas exclusivamente em seu desfavor. Assim, pensamos que ou o acordo produz efeitos em sua integralidade, ou não produz nenhum efeito no caso de retratação das partes.

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b) ROGÉRIO SANCHES CUNHA e RONALDO BATISTA PINTO - (CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Crime organizado – comentários à nova lei sobre o crime organizado – lei 12.850/2013. Salvador: JusPodivm, 2014. p. 73)

Na medida que se frustra o acordo de colaboração, não faria sentido que todo esse material probatório se voltasse contra o colaborador, sobretudo quando não submetido a princípios caros ao processo penal, de caráter constitucional, como o contraditório e a ampla defesa. Também o princípio que garante o direito do réu não se auto-incriminar estaria arranhado. Talvez mais prudente fosse mesmo a inutilização física desse material, com a determinação de seu desentranhamento dos autos, caso a eles juntado, por analogia ao disposto no art. 157, §3º do Código de Processo Penal.

c) CEZAR BITENCOURT E PAULO BUSATO - (BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo César. Comentários à lei de organização criminosa – lei 12850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 135/136)

(…) o dispositivo legal afasta apenas a possibilidade de utilização das provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador, mas não das provas por ele produzidas contra terceiros, ou seja, os depoimentos ratificados seguem funcionando como provas, apenas limitando-se no que concerne à autoincriminação. Na verdade, previsão como essa permitiria ao Ministério Público ser ardiloso e usar abusivamente dessa técnica para produzir provas de forma, no mínimo, imorais, mas também ilegais e inconstitucionais, violando o devido processo legal.

d) VLADIMIR ARAS - (ARAS, Vladimir. O réu colaborador como testemunha. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.). A prova no enfrentamento à macrocriminalidade. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 226)

Desde os primeiros modelos de acordos de delação premiada, instituídos pelo MPF no Paraná ainda em 2003 – dez anos antes, portanto, da vigência da Lei 12.850/2013 -, os ajustes já previam cláusula de rescisão que operava em caso de mentira, sonegação da verdade ou falsa colaboração.

Em caso de rescisão de acordo de colaboração por inverdades atribuíveis ao colaborador, as provas até então produzidas continuam

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válidas, inclusive a confissão do delator naquilo que lhe diz respeito, desde que estejam apoiadas noutros elementos de corroboração.

Não é de se confundir a rescisão do acordo, por violação à sua essência cooperativa e ao compromisso de dizer a verdade, com a possibilidade de retratação da proposta do acordo. Neste caso não há ainda acordo e muito menos avença homologada em juízo. Por isso, o §10 do artigo 4º da Lei 12850/2013 diz que “as partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor”. Ou seja, se houver retratação do colaborador antes da assinatura do acordo, a confissão do colaborador e as provas por ele aportadas em seu desfavor não poderão ser usadas contra ele, mas poderão ser empregadas contra terceiros.

Diferente será a situação do colaborador que violar os termos de acordo já homologado e que vier a mentir. Nesse caso, todas as provas serão válidas e utilizáveis contra os delatados e contra o próprio colaborador inadimplente.

1.11. Suspensão do prazo prescricional e separação dos processos.

1.11.1 – RENATO BRASILEIRO DE LIMA - (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 4. ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 774)

[…] a depender da espécie de infrações penais praticadas pela organização criminosa, nem sempre será possível que as informações fornecidas pelo colaborador levem, de imediato, à consecução de um dos resultados listados nos incisos do art. 4º da Lei nº 12.850/13. Supondo a prática de um crime de lavagem de capitais, por mais que o colaborador forneça informações quanto à localização do produto ou do proveito das infrações penais, a recuperação total ou parcial desses bens, condição sine qua non para a aplicação do art. 4°, IV, da Lei nº 12.850/13, demandará um pouco mais de tempo. Daí a importância do art. 4º, §3°, da Lei nº 12.850/13, que permite que o prazo para oferecimento da denúncia ou o próprio processo, relativos

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ao colaborador, seja suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o respectivo prazo prescricional. Esta paralisação da persecução penal está restrita ao colaborador, não devendo abranger os demais investigados (ou acusados) para que não haja um prolongamento indevido das investigações (ou do processo). Com o sobrestamento da persecução penal, também haverá suspensão da prescrição. Logo, há necessidade de determinação judicial nesse sentido, até mesmo para que se saiba o termo a quo a partir de quando a prescrição foi suspensa. Com o fim do prazo de suspensão, a denúncia deverá ser oferecida pelo órgão ministerial, salvo se verificada a hipótese prevista no art. 4º, §4°.

1.11.2 – EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA - (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 18. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014. p. 862)

E quando, na fase de investigação, as condições de comprovação do cumprimento das medidas de colaboração dependerem de mais tempo, prevê o §3°, do art. 4°, a possibilidade de suspensão do prazo para o oferecimento de denúncia, em até 6 (seis) meses, prorrogáveis. Nessa hipótese, haverá também a suspensão do prazo prescricional (art. 4º, §3°).

Se já na fase de processo, sobre ele recairá a suspensão, caso em que se deverá proceder à separação deles (processo), a fim de se evitar o prolongamento do procedimento em prejuízo dos demais acusados.

1.11.3 – CEZAR ROBERTO BITENCOURT e PAULO CÉSAR BUSATO - (BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de Organização Criminosa. Lei n. 12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 131)

Não há prazo fixo para terminar a negociação a respeito da colaboração, mas poderá ser suspenso o prazo para o oferecimento da denúncia, com concomitante suspensão do prazo prescricional, por até seis meses, prorrogáveis por outros seis, para que sejam cumpridas as medidas

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da colaboração, a teor do que prescreve o art. 4º, §3°. Evidentemente, a suspensão do processo ou do inquérito diz respeito unicamente ao colaborador, devendo haver, se recomendável, uma cisão do processo, para que prossiga imediatamente contra os demais réus.

1.12 Recurso contra a decisão que indefere a homologação do acordo.

1.12.1 – RENATO BRASILEIRO DE LIMA - (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 4. ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 787)

Nada diz a Lei nº 12.850/2013 quanto ao recurso adequado a ser utilizado na hipótese de o juiz recusar homologação à proposta de colaboração premiada apresentada pelo órgão ministerial. Diante do silêncio da Lei, a doutrina sugere a possibilidade de interposição de recurso em sentido estrito, aplicando-se, por analogia, o disposto no art. 581, I, do CPP. Conquanto não se trate de decisão que rejeita (ou não recebe) a peça acusatória, propriamente dita, não se pode negar a existência de uma decisão que, grosso modo, rejeita a iniciativa postulatória do órgão de acusação14.

1.12.2 – CEZAR ROBERTO BITENCOURT e PAULO CÉSAR BUSATO - (BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de Organização Criminosa. Lei n. 12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 132)

A questão da recusa está bastante clara, pois diz respeito aos requisitos da própria lei que, não atendidos, não permitem a realização da

14 Nesse contexto: OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Atualização da 17ª edição do curso de processo penal em virtude da Lei nº 12.850/13. Disponível em: http://eugeniopacelli.com.br/atualizacoes/curso-de-processo-penal-17a-edicao-comentarios-ao-cpp-5a-edicao-lei-12-85013-2/. Acesso em 05/11/2013.

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homologação. O problema é que, não sendo homologada a colaboração, ela não poderá ser utilizada e, estando inconformado o Ministério Público a respeito da decisão, ele simplesmente não tem para onde se voltar no sentido da revisão da decisão, pois não está previsto qualquer recurso contra tal recusa. Claro que, sendo a recusa respeito de uma decisão relativa à produção de prova, deveria ser cabível o recurso em sentido estrito, porém, a fórmula do recurso em sentido estrito atende às hipóteses taxativas do Código de Processo Penal, nas quais não se enquadra o caso presente.

1.13 A repercussão probatória da colaboração processual na improbidade administrativa.

1.13.1 – NICOLAO DINO - (DINO, Nicolao. A colaboração premiada na improbidade administrativa: possibilidade e repercussão probatória. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.). A prova no enfrentamento à macrocriminalidade. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 533-535)

A busca da eficiência no enfrentamento da improbidade é uma necessidade incontrastável. A complexidade do fato configurador de improbidade administrativa, em muitos casos, só pode ser adequadamente averiguada e desnudada a partir da cooperação de sujeitos integrantes da estrutura que se dedicou à prática ilícita. Celeridade, simplicidade e eficiência são vetores igualmente presentes neste importante campo de enfrentamento da corrupção. E, havendo colaboração de um infrator, não é adequado que as cominações a ele destinadas sejam iguais àquelas a serem atribuídas a infratores de escalão superior, sob pena de ofensa ao princípio da proporcionalidade.

Nessa linha de raciocínio, revela-se inteiramente pertinente e eficaz a utilização da colaboração premiada na persecução por improbidade administrativa. Há que se buscar fundamento para tanto, superando-se a ausência de previsão normativa explícita mediante a inserção da Lei 8.429/92 no microssistema de combate à corrupção.

É correto afirmar, com efeito, a existência de um microssistema

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destinado ao enfrentamento da corrupção. Também integram esse microssistema a Lei 12.850/2013, a Lei 12.529/2011 e a Lei 12.846/2013. Em tais diplomas, encontram-se disposições relativas à colaboração premiada e ao acordo de leniência. Vale dizer, tanto no que se refere à esfera criminal, como no campo da responsabilização administrativa, há farto regramento acerca da concessão de medidas premiadas em prol do investigado/acusado que colabora efetivamente na elucidação do fato e sua estrutura hierárquica, com vistas à ampla punição de coautorias e partícipes da empreitada ilícita.

Ora, em se tratando de um microssistema anticorrupção, do qual é parte integrante a Lei 8.429/92, é fundamental garantir-lhe coerência e funcionalidade, com a extensão daquelas disposições ao campo da responsabilização por improbidade administrativa.

É importante considerar, nesse passo, que o próprio êxito da colaboração premiada ou do acordo de leniência firmados no âmbito da persecução penal ou do processo administrativo, pode ficar comprometido se a autoincriminação numa instância, em troca de um benefício, puder implicar responsabilização integral em outra instância, na esfera da improbidade administrativa. Isso iria de encontro, inclusive, ao princípio da proteção da confiança legítima, corolário do princípio da segurança jurídica, o qual preconiza que o cidadão, ao confiar no comportamento do Estado, não pode sofrer prejuízos em consequência direta do crédito a ele atribuído.

Deve-se remover a aparente contradição com o disposto no art. 17, §1º, da Lei 8.429/92, por meio do emprego daquilo que BOBBIO denomina de interpretação corretiva. Sim, pois não podem conviver harmonicamente disposições que, de um lado, vão permitir o uso da colaboração premiada ou do acordo de leniência e, de outro, uma previsão legal que [aparentemente] os proíbe.

Para superar a aparente incompatibilidade, é importante repisar a ratio do art. 17, §1º, da Lei 8.429/92. A finalidade dessa regra, como acima enfatizado, é evitar que haja livre e indevida disposição da ação em prejuízo à tutela do dever de probidade administrativa. Ao revés, a busca da colaboração de investigados/ réus infratores, em troca de benefícios quanto a sanções, não implica abdicar da tutela da probidade, mas sim alcançá-la de modo mais eficiente. Confere-se, por essa via, maior efetividade ao regramento normativo e aos mecanismos de controle da improbidade, com a possibilidade de estender a atuação repressiva do Estado a escalões

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e estruturas de poder – político ou econômico – outrora considerados inatingíveis, se não houvesse a cooperação de outros envolvidos.

Em outras palavras, o emprego da colaboração premiada, na esfera da responsabilização por improbidade administrativa, não implica livre disponibilização da ação, mas sim o exercício de uma discricionariedade regrada, condicionada pela busca de maior eficiência e efetividade na atuação repressiva do Estado. É fundamental, contudo, que nos casos de concessão de imunidade plena, haja submissão da matéria à revisão da instância superior do Ministério Público, para homologação (art. 9º, §1º, da Lei 7.347/85, e art. 62, IV, da Lei Complementar 75/93).

Em conclusão, a previsão do art. 17, §1º, da LIA não constitui obstáculo ao emprego do instituto da colaboração premiada na seara da responsabilização por improbidade administrativa, já que tal preceito se destina a regular situação distinta. […]

1.13.2 – HELIO TELHO CORRÊA FILHO – (CORRÊA FILHO, Helio Telho. Improbidade administrativa e a prova emprestada de outras esferas de responsabilidade. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.). A prova no enfrentamento à macrocriminalidade. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 571-572)

As provas documentais fornecidas pelo agente colaborador ou apreendidas a partir de informações por ele reveladas, bem como as testemunhais colhidas em decorrência da colaboração e as perícias criminais serão emprestadas para a ação de improbidade, observadas as formalidades e os limites sobre os quais acima discorremos em relação a essas modalidades probatórias. O fato de decorrerem de colaboração não altera a essência ou a natureza das provas documental, testemunhal e pericial.

[...]

Por outro lado, ao celebrar o acordo de colaboração premiada, nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade. Assim, o colaborador presta depoimento em condição assemelhada

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à de testemunha, com os mesmos deveres e ônus, razão pela qual, a tomada de empréstimo dos depoimentos prestados pelo réu colaborador na esfera criminal para ser usado na ação de improbidade observará as mesmas regras aplicáveis à prova testemunhal em geral, com uma única diferença: a sentença não poderá fundar-se apenas nas declarações de agente colaborador.

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2. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E TELEMÁTICA E AFASTAMENTO DE SIGILO DE DADOS

2.1 Distinção: interceptação telefônica e da telemática x afastamento de dados telefônicos e de telemática.

2.1.1 - LUIZ FLÁVIO GOMES e ROGÉRIO SANCHES DA CUNHA - (GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches da (coord.). Legislação Criminal Especial. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 570-571)

Sobre qualquer tipo de comunicação telefônica (transmissão de voz, de sons, de imagens, de dados, sinais etc) pode haver interceptação, consoante nossa conclusão. Mesmo porque, a lei mencionou “comunicação telefônica de qualquer natureza”. O parágrafo único desse mesmo art. 1º manda aplicar “o disposto na lei” também à “interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática”. Dito de outra maneira: a lei tem incidência nas chamadas “comunicações telemáticas” (que são comunicações que resultam do uso combinado de qualquer forma de telecomunicação com informática).

No que concerne às “comunicações telemáticas” por telefone (uma comunicação modem by modem, por exemplo, ou via Internet) parece-nos indiscutível a incidência da lei. Porque no fundo não passa de uma comunicação telefônica. Como o art. 1º dispõe sobre “comunicações telefônicas de qualquer natureza”, está claro, conforme nosso juízo, que aí também estão inseridas as comunicações telefônicas que resultam da combinação da telefonia com a informática.

Não admitir que a “comunicação telemática” por telefone esteja sujeita à interceptação significa não só exprimir uma interpretação com um enorme atraso tecnológico-cultural, que não é lamentavelmente infrequente, embora se reconheça que seja uma “desconfiança” fincada em razões de segurança na boa aplicação da lei, senão, sobretudo, retirar dos [órgãos da persecução penal um instrumento valioso, principalmente nos dias atuais, de investigação e de apuração da verdade real. O crime organizado,

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verdadeiramente organizado, já não funciona sem o uso da informática. Não aceitar a interceptação na comunicação telemática por telefone representa, destarte, não contar com essa medida cautelar para a repressão do crime organizado. Dito de outro modo: o criminoso da era digital estaria fora do alcance do Estado.

(…)

Na atualidade, do ponto de vista do cidadão, aliás, pouco adiantaria exclusivamente a tutela penal das clássicas “conversações telefônicas”. Urge a salvaguarda de todas as “comunicações telefônicas”, aliás, de todas as formas de “comunicação” (por telefone, por sistema independente de satélite etc). Devemos contar com a certeza de que podemos nos comunicar com tranquilidade no que se relaciona com o sigilo. E se alguém captar qualquer tipo de comunicação, sem autorização judicial, estará incorrendo em delito. Isso é fundamental não só para a proteção do sigilo, da intimidade, senão, sobretudo, para o próprio desenvolvimento da personalidade.

(…)

Em conclusão: a Lei 9.296/96 incide sobre qualquer forma de comunicação, seja telefônica ou não; não versa exclusivamente sobre “conversação telefônica”; alcança, por isso mesmo, qualquer tipo de “comunicação telemática” (por telefone ou por via independente, sem uso da telefonia). Qualquer tipo de comunicação telefônica ou telemática tanto está tutelada pelo art. 10, como pode ser interceptada, desde que atendidos os requisitos legais.

2.2 O regime jurídico do afastamento de sigilo de dados da Lei nº 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas)

2.2.1 – Desnecessidade de autorização judicial nas hipóteses do artigo 15, 16 e 17, todos da Lei nº 12.850/2013:

Dados cadastrais (artigo 15): podem ser obtidos diretamente, pela polícia ou MP junto a: i) Justiça Eleitoral; ii) empresas telefônicas; iii)

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instituições financeiras; iv) provedores de internet; v) administradoras de cartões de crédito, os seguintes dados cadastrais:

- Qualificação pessoal

- Filiação

- Endereço

Reservas e registros de viagens (artigo 16): podem ser obtidos diretamente, pela polícia ou MP, pelo prazo de 5 (cinco) anos, junto às empresas de transporte.

Registros de identificação dos números dos terminais de origem e de destino das ligações telefônicas internacionais, interurbanas e locais (artigo 17): podem ser obtidos diretamente, pela polícia ou MP, pelo prazo de 5 (cinco) anos, junto às concessionárias de telefonia fixa ou móvel.

2.3 Descoberta fortuita

2.3.1 – DANIEL DE RESENDE SALGADO - (SALGADO, Daniel de Resende. Considerações acerca dos conhecimentos ao acaso a partir das interceptações telefônicas e o foro por prerrogativa de função no STF – análise da dogmática e dos precedentes da Suprema Corte. In:SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.). A prova no enfrentamento à macrocriminalidade. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 400-401)

Em relação aos conhecimentos fortuitos, assim como também o é nos casos de conhecimentos de investigação, é contra a lógica que as circunstâncias de suas coletas venham a depender de prévia intervenção do foro especial. Pela sua própria natureza, os elementos desvelados são tatuados com a marca indelével da álea. As conversas, por óbvio, não podem ser antecipadas ou previstas. Assim, a legalidade de sua produção não depende de uma impossível autorização do juízo prevalente, mas, somente, da legalidade da escuta originária que permitiu alcançar aqueles

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conhecimentos. Em outras palavras: os problemas da validade da coleta dos conhecimentos fortuitos confundem-se com os mesmos problemas que possam vir a macular as provas produzidas com as interceptações que os originaram.

Dessa forma, o fato de, no contexto de uma interceptação telefônica validamente autorizada por um juízo de primeiro grau, serem desvelados conhecimentos fortuitos em relação a agentes públicos das altas esferas do poder político, não impõe o encaminhamento da investigação, em sua integralidade, ao grau superior: Determinada, sim, como o é em matérias de escuta relativas ao cidadão comum, que apenas a notitia de fato seja encaminhada ao juízo prevalente, sem realização, por parte do juízo que autorizou ab initio a escuta, de qualquer avaliação aprofundada ou de ação investigatória, mas em momento circunstancial, importante pontuar, que não venha a estorvar a investigação originária. O que não se autoriza, deveras, é, a partir do conhecimento fortuito, a realização de atos de investigação a ele relacionado, como cruzamento de dados e contextualização dos áudios, por exemplo, sem a autorização da Suprema Corte.

Se assim não fosse, criar-se-ia um sistema de privilégio desproporcionado, onde o investigado que tem relação com agente político se encontraria escudado, em chocante imunidade, pois qualquer contato ou referência ocasionaria o deslocamento das investigações para o foro prevalente, interrompendo-as, atrasando-as e, em consequência, perdendo-se a oportunidade investigatória, enquanto em face daquele que não o possui ter-se-ia a tramitação célere e oportuna.

Por óbvio, simples áudios obtidos lateralmente em um procedimento investigatório válido, por si só, não podem ser considerados diligências investigativas, a sustentar, inclusive, decreto anulatório. O contato telefônico de um agente político com investigado, ou a sua referência em comunicações de terceiros, não o transforma, automaticamente, em alvo da investigação.

(…)

Destarte, seja um dos interlocutores do “alvo da escuta” um agente político, seja este mencionado em conversas entre suspeitos ou entre os suspeitos e terceiros, a gravação de fatos não conexos ou continentes, fortuitamente obtida, será isolada, encapsulada e enviada, em “estado bruto”, às esferas competentes, evitando-se, por parte do juízo originário,

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qualquer consideração ou avaliação profunda. Isso para que, a partir de seu recebimento e no foro adequado, seja devidamente analisada, definindo-se por se iniciar diligências investigatórias, tudo com o escopo de, por novas fontes de prova, se confirmar as suspeitas descobertas.

2.3.2 – CARLA VERÍSSIMO DE CARLI - (CARLI, Carla Veríssimo de. Lavagem de Dinheiro: prevenção e controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011.p. 441)

Encontro fortuito de prova ou serendipidade. O STF admite a utilização de prova obtida por meio de interceptação telefônica que tenha por objeto outro suspeito ou outro fato, desde que exista conexão. Foi o que se decidiu no HC 83.515/RS, relatado pelo ministro Nelson Jobim: “Uma vez realizada a interceptação telefônica de forma fundamentada, legal e legítima, as informações e provas coletadas dessa diligência podem subsidiar denúncia com base em crimes puníveis com pena de detenção, desde que conexos aos primeiros tipos penais que justificaram a interceptação”. Em outra ocasião, ao apreciar o AI 626.214/MG, no qual se discutia a validade de escutas que detectou crimes apenados com detenção praticados por pessoa estranha à investigação, a 2º Turma do STF concluiu que é legítima a prova obtida casualmente em intercepção telefônica, desde que autorizada por juiz para apuração de crime apenado com reclusão. O STJ também admitiu a serendipidade ou casualidade na Operação Têmis. Não há ilegalidade nenhuma nesta posição, admitindo-se o aproveitamento da prova em juízo quanto ao fato adicional, desde que haja conexão, continência ou concurso de crimes. Nos demais casos a informação obtida sobre o outro delito servirá apenas para atividades de inteligência policial e poderá resultar na localização de provas suficientes de autoria e materialidade, independentemente da utilização da escuta originária em juízo.

2.3.3 – LUIZ FRANCISCO TORQUATO AVOLIO - (AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: Interceptações telefônicas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 200-201)

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Questão interessante é a do encontro fortuito. Luiz Flávio Gomes esquadrinha bem a matéria, enunciando a divergência na doutrina nacional; Damásio de Jesus entende que o encontro fortuito não é válido como prova em nenhuma hipótese, enquanto Vicente Greco Filho adota o critério da conexão, continência e concurso de crimes. Manifesta sua posição pessoal, de que o encontro fortuito vale como uma legítima notícia criminis, uma vez que a origem descoberta está dentro de uma interceptação lícita, entendendo ainda que somente nas hipóteses de conexão e continência a prova encontrada seria válida. Concordo com a utilização da matéria que envolve a hipótese de conexão e continência, mas tenho forte restrição em relação ao material que destoa do objeto de investigação, pois não é porque foi encontrado no curso de interceptação lícita que a notícia-crime pode ser reputada igualmente lícita, eis que nada justificaria utilizar-se indiscriminadamente da autorização judicial concedida para a investigação com relação a terceiros e situações diversas. A menos que a notícia-crime servisse para a prisão em flagrante da pessoa que estivesse praticando crime permanente, como o de sequestro, ou para medida de caráter urgente, como a desativação de uma bomba ou o impedimento da consecução de um crime grave, o que seria admissível com base no critério da proporcionalidade. O direito à prova, por si só, não é suficiente para legitimar a notícia-crime obtida dessa forma, carecendo de justa causa eventual inquérito policial instaurado com base nela. Redundaria numa interceptação prospectiva, repudiada pela doutrina e pela jurisprudência.

2.3.4 Reclamação 23457/PR, Supremo Tribunal Federal, 13/6/2016.

(…)

6. Segundo reiterada jurisprudência desta Corte, cabe apenas ao Supremo Tribunal Federal, e não a qualquer outro juízo, decidir sobre a cisão de investigações envolvendo autoridade com prerrogativa de foro na Corte, promovendo, ele próprio, deliberação a respeito do cabimento e dos contornos do referido desmembramento (Rcl 1121, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 4/5/2000, DJ 16/6/2000; Rcl 7913 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 12/5/2011, DJe de 9/9/2011). No caso, não tendo havido prévia decisão desta Corte sobre a cisão ou não da investigação ou da ação relativamente aos fatos indicados

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nas interceptações telefônicas, envolvendo autoridades com prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal, há evidente violação da competência prevista no art. 102, I, b, da Constituição da República.

É certo, também, que o Supremo Tribunal Federal, em outras reclamações correlacionadas (v.g Rcl 19138 AgR, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe de 18/3/2015; Rcl 19135 AgR, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe de 3/8/2015; Rcl 21419- AgR, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, DJe de 5/11/2015), ratificou o entendimento de que o eventual encontro de indícios de envolvimento de autoridade detentora de foro especial durante atos instrutórios não resulta, por si só, em violação de sua competência, já que apurados sob o crivo de autoridade judiciária que, até então, por decisão da Corte, não violava competência de foro superior (RHC 120379, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe 24/10/2014; AI 626214-AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, DJe 8/10/2010; HC 83515, Relator(a): Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, DJ 4/3/2005; Inq 4130-QO, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 23/9/2015).

2.4 Gravação ambiental realizada por um dos interlocutores

2.4.1 – RENATO BRASILEIRO DE LIMA - (LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 2 ed. Salvador: JusPODIVM, 2014. p. 137)

Ao tratar da interceptação telefônica, admitindo-a, por ordem judicial, mas hipóteses e na forma que fosse estabelecida em lei, para fins de investigação criminal e instrução processual penal (art. 5°, XII, in fine), a Constituição Federal refere-se à interceptação feita por terceiro, sem conhecimento dos dois interlocutores ou com conhecimento de um deles. Não fica incluída a gravação de conversa por terceiro ou por um dos interlocutores, à qual se aplica a regra genérica de proteção à intimidade e à vida privada do art. 5º, X, da Carta Magna.

A Lei nº 9.296/96 não abarca, portanto, a gravação de conversa telefônica por um interlocutor sem o conhecimento de outro. Fica esta

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hipótese fora do regime da lei, sendo considerada válida a gravação como prova quando houver justa causa, como ocorre em casos de sequestro. Nada impede que o juiz autorize a escuta, se houver requerimento nesse sentido. Mas não é necessária a autorização judicial, pois se houver a gravação sem ela, mas estiver fundada em justa causa, a prova pode ser utilizada. Prevalece, então, o entendimento de que as gravações telefônicas não estão amparadas pelo art. 5º, XII, da Constituição Federal, devendo ser consideradas meios lícitos de prova, mesmo que realizadas sem ordem judicial prévia, pelo menos em regra.

Há precedente do Supremo Tribunal Federal nesse sentido: “Escuta gravada da comunicação telefônica com terceiro, que conteria evidência de quadrilha que integrariam: ilicitude, nas circunstâncias, com relação a ambos os interlocutores. A hipótese não configura a gravação da conversa telefônica própria por um dos interlocutores – cujo uso como prova o STF, em dadas circunstâncias, tem julgado lícito – mas, sim, escuta e gravação por terceiro de comunicação telefônica alheia, ainda que com a ciência ou mesmo a cooperação de um dos interlocutores: essa última, dada a intervenção de terceiro, se compreende no âmbito da garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas e o seu registro só se admitirá como prova, se realizada mediante prévia e regular autorização judicial. A prova obtida mediante a escuta gravada por terceiro de conversa telefônica alheia é patentemente ilícita em relação ao interlocutor insciente da intromissão indevida, não importando o conteúdo do diálogo assim captado. A ilicitude da escuta e gravação não autorizadas de conversa alheia não aproveita, em princípio, ao interlocutor que, ciente, haja aquiescido a operação; aproveita-lhe, no entanto, se, ilegalmente preso na ocasião, o seu aparente assentimento na empreitada policial, ainda que existente, não seria válido. A extensão ao interlocutor ciente da exclusão processual do registro da escuta telefônica clandestina – ainda quando livre o seu assentimento nela – em princípio, parece inevitável, se a participação de ambos os interlocutores no fato probando for incindível ou mesmo necessária à composição do tipo criminal cogitado, qual, na espécie, o de quadrilha”.

Outros, no entanto, concluem que o legislador ordinário limitou-se a tratar da interceptação telefônica em sentido estrito, deixando de fora da Lei nº 9.296/96 a modalidade da escuta telefônica. Nessa linha, “sendo a nota distintiva entre as duas figuras o consentimento de uma das partes, presente apenas na escuta, esta haveria de merecer tratamento diferenciado, dada a menor dose de sacrifício da garantia da intimidade envolvida, que, no caso,

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resumir-se-ia à da parte que não detém conhecimento sobre a captação de suas conversas, já que a outra abriu mão, voluntariamente, da garantia só sigilo telefônico”.

2.4.2 – CARLA VERÍSSIMO DE CARLI - (CARLI, Carla Veríssimo de. Lavagem de Dinheiro: prevenção e controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011.p. 442)

A jurisprudência admite a gravação unilateral da conversa telefônica por um dos interlocutores. Essa prática que, não se confunde com a interceptação prevista na Lei 9.296/96, é eficiente nos casos de sequestro, extorsão e ameaça. A prova assim obtida é lícita. Neste caso a própria vítima ou sua família realiza as gravações ou autoriza que a Polícia o faça. O STF reconheceu a possibilidade de tal proceder o HC 74.678/SP e no HC 72.261/MG. Para o STF, “gravação de conversa por um dos interlocutores não é interceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo penal, máxime se a ele se agregam outros elementos de prova”. Esta medida também pode ser utilizada em conjunto com a técnica da colaboração premiada, quando o colaborador for um dos partícipes do diálogo telefônico, desde que haja expressa autorização judicial e não exista provocação (entrapment).

2.4.3 Jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PRELIMINARES. GRAVAÇÃO TELEFÔNICA. VALIDADE DE GRAVAÇÃO DE CONVERSA FEITA POR DOIS INTERLOCUTORES. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. DISPENSÁVEL. PRECEDENTES. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFIGURADO. ARGUIÇÃO DE OFENSA DO ART. 386, II, V E VII, DO CPP. INVIABILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE CONFIRMADAS PELA CORTE ESTADUAL COM BASE NO ACERVO FÁTICO PROBATÓRIO DOS AUTOS. REEXAME. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. CULPABILIDADE. BIS IN IDEM COM A CAUSA DE AUMENTO DO ART. 226, II, DO CP. OCORRÊNCIA.1. Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça admitem ser válida como prova a gravação ou filmagem de conversa

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feita por um dos interlocutores, mesmo sem autorização judicial, não havendo falar, na hipótese, em interceptação telefônica, esta, sim, sujeita à reserva de jurisdição (RE n. 583.937 QO-RG/RJ, Ministro Cezar Peluso, Plenário, DJe 18/12/2009; APn 644/BA, Ministra Eliana calmon, Corte Especial, DJe 15/2/2012).2. As gravações telefônicas, ainda que realizadas com apoio de terceiro, contavam sempre com a ciência e permissão de um dos interlocutores, entre eles, a própria vítima do crime de estupro. A conduta é, portanto, lícita, sendo despicienda, para tanto, a autorização judicial. E, ainda, a situação dos autos não se confunde com a interceptação telefônica, em que a reserva de jurisdição é imprescindível.3. Não há falar em cerceamento de defesa, porquanto o acusado contou com ampla oportunidade de se manifestar a respeito do conteúdo apurado nas gravações telefônicas; além disso, a sua condenação não teve como único fundamento a gravação telefônica.4. O Tribunal estadual, após análise das provas constantes dos autos, reconheceu a culpabilidade do agente pela prática delitiva, razão pela qual conclusão em sentido contrário esbarraria no óbice da Súmula 7/STJ.5. Há bis in idem na exasperação da pena-base pela negativação da culpabilidade do agente, que foi considerada elevada em razão da confiança que a família tinha para com ele, assim como o bom nome que tinha na sociedade, para satisfazer sua lascívia, quando há também a aplicação da causa de aumento do art. 226, II, do Código Penal.6. Agravo regimental parcialmente provido, a fim de excluir a negativação da culpabilidade e restabelecer a aplicação da causa de aumento do art. 226, II, do Código Penal, redimensionando-se a reprimenda nos termos do presente voto.(AgRg no AREsp 754.861/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 04/02/2016, DJe 23/02/2016);

HABEAS CORPUS. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. PROVA LÍCITA. REFORMA DA DECISÃO. Segundo os ensinamentos de Pacelli: no julgamento do re nº 583.937/rj, a suprema corte reconhecer a repercussão geral da questão, afirmando a validade da gravação clandestina nas hipóteses em que o interlocutor esteja a defender interesse juridicamente relevante e legítimo, bem como em casos em que não haja reserva de sigilo na comunicação. Aliás, nesse contexto seria bastante proveitoso o conhecido conceito de tipicidade congloblante, de Zaffaronni. Segundo este autor, não seria típico o fato quando quaisquer normas do direito (qualquer direito, mesmo o não penal) autorizassem a conduta. Enquanto as causas expressas de justificação (estado de necessidade, legítima defesa etc.) diriam respeito às ações toleradas, as regras normativas da tipicidade

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conglobante se refeririam às condutas incentivadas pelo direito (Zafaroni; Pierangeli, 1997.). Na linha desse entendimento, e no exemplo dado, não se poderia inquinar de ilícita a prova obtida pelo interlocutor na defesa de seus direitos, eventualmente em risco, e cuja proteção, potencialmente, poderia ser realizada por tal prova. In casu, verifica-se que o argumento utilizado pela julgadora para indeferir a juntada de um cd aos autos contendo uma gravação presencial entre Aline de Almeida barros e Igor Dantas foi a ilicitude da prova por derivação e não o fato de ser ela irrelevante, impertinente ou protelatória. Por outro lado, é cediço que no processo penal o que se busca é a verdade real, portanto, o indeferimento da prova acarretou cerceamento de defesa em ponto substancial para a apreciação da causa. 2 com efeito, a vedação constitucional de interceptação telefônica, sem autorização judicial, insculpida no artigo 5º, LVI e X, da Constituição Federal objetiva tutelar a privacidade dos envolvidos, entretanto, ocorre a mitigação de tal garantia, quando um dos interlocutores opta por tornar público o conteúdo da conversa, principalmente, com o objetivo de fazer prova em favor da defesa. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Ordem concedida.(TJRJ; HC 0005359-04.2015.8.19.0000; Quinta Câmara Criminal; Relª Desª Denise Vaccari Machado Paes; Julg. 05/03/2015; DORJ 11/03/2015);

DIREITO CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. LEGISLAÇÃO ESPECIAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. EXECUÇÃO DE CHEQUE EMITIDO EM BRANCO. ALEGAÇÃO DE PREENCHIMENTO ABUSIVO PELO CREDOR. PROVA ATRAVÉS DE DIÁLOGO TELEFÔNICO GRAVADO SEM O CONSENTIMENTO DO CREDOR. VALIDADE DA PROVA. BUSCA DA VERDADE. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIA QUE LEVA À EXPURGAÇÃO DO EXCESSO. RECURSO PROVIDO, QUANTO AO PEDIDO RECURSAL EVENTUAL. 1. A gravação clandestina consiste na captação ambiental, pessoal ou telefônica feita por um dos interlocutores sem que o (s) outro (s) disso saiba (m). Ou seja, o interlocutor participa do diálogo, deixando um microfone no ambiente, na própria roupa ou por telefone. Entende-se que a divulgação de tal diálogo viola o direito à privacidade, protegida pelo artigo 5º, inciso X da CF/88. 2. Nada obstante, na esteira da jurisprudência do STF, não existe qualquer óbice legal ou constitucional para a utilização do diálogo captado como meio de prova, já que não se verifica, neste caso, qualquer violação à privacidade ou intimidade dos interlocutores, mas sim seu emprego como meio destinado à formação da convicção judicial que deve sempre pautar-se pelo encontro da verdade, seja no âmbito criminal, seja no âmbito civil. 3. A emissão de cheque em branco em princípio não viola a Lei, ressalvada a hipótese de preenchimento abusivo pelo portador, em dissonância com o convencionado com o emitente (artigo 16 da Lei

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nº 7.357/85). 4. O preenchimento abusivo do título, todavia, não pode ensejar a extinção da execução respectiva, mas sim o seu prosseguimento pelo valor incontrovertido, expurgado o excesso verificado. (TJMG; APCV 1.0684.07.000240-8/002; Rel. Des. Otávio Portes; Julg. 28/08/2014; DJEMG 08/09/2014);

EMENTA: AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. (RE 583937 QO-RG, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em 19/11/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-10 PP-01741 RTJ VOL-00220-01 PP-00589 RJSP v. 58, n. 393, 2010, p. 181-194).

2.5 Prova emprestada e Licitude da prova na seara civil

2.5.1 – HELIO TELHO CORRÊA FILHO – (CORRÊA FILHO, Helio Telho. Improbidade administrativa e a prova emprestada de outras esferas de responsabilidade. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.). A prova no enfrentamento à macrocriminalidade. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 567-569)

Dentre as provas atípicas, a que talvez mais se destaque em relação à apuração de ato de improbidade administrativa seja a interceptação de comunicações telefônicas, que a Constituição autoriza, exclusivamente, para fins de investigação criminal ou ação penal.

Não há dúvidas de que, para se apurar ato de improbidade administrativa, é vedado autorizar a interceptação de comunicação telefônica. A questão que se põe é, uma vez deferida e produzida na investigação criminal, pode essa prova vir a ser cedida, por empréstimo, para instruir ação.

A interceptação de comunicação telefônica recebeu especial proteção do Constituinte de 1988, certamente dado o seu potencial invasivo da privacidade do indivíduo, considerando que não é possível restringi-la

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aos diálogos que tenham interesse para a investigação. De fato, quando se intercepta um terminal telefônico, todos os diálogos e mensagens de texto trocados pelos interlocutores são acessados pelo terceiro interceptador, mesmo que os interlocutores não estejam sendo investigados, ou que o assunto da conversa não diga respeito ao crime em apuração. Ponderando os interesses em jogo, entendeu o Constituinte de 1988 que apenas quando se tratasse de investigação de crimes é que os benefícios superariam os custos do sacrifício da privacidade em tal nível.

Pois é justamente pela ponderação de interesses, mediante juízo de proporcionalidade e razoabilidade, é que a utilização de interceptações telefônicas regularmente autorizadas pelo juízo criminal, por empréstimo em outras esferas de responsabilidade, é admitida pelo nosso ordenamento jurídico.

De fato, as regras de exclusão das provas sofrem exceções quando, por exemplo, os custos da exclusão superam os benefícios (ponderação de interesses).

Vale dizer, uma vez que as comunicações telefônicas tenham sido legalmente interceptadas, isso é, tendo sido a franquia constitucional sacrificada por um propósito maior, deixa de existir as razões que impediam o uso da prova em outras esferas de responsabilidade. Aliás, bem ao contrário, absorvido o custo da quebra da privacidade, a utilização ampla das provas dela decorrentes vem somar-se aos benefícios inicialmente restritos à esfera criminal.

Em outras palavras, não se deve sacrificar a privacidade das comunicações telefônicas, senão para a investigação de crimes. Contudo, uma vez que o sacrifício se operou legalmente, a prova dele decorrente pode ser amplamente utilizada em todas as demais esferas de responsabilidade.

O mesmo raciocínio desenvolvido em relação às interceptações telefônicas se aplica às demais provas produzidas na esfera criminal, que decorram do afastamento judicialmente autorizado de franquias legais ou constitucionais, como as informações e dados protegidos por sigilo bancário e fiscal.

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2.5.2 – CARLA VERÍSSIMO DE CARLI - (CARLI, Carla Veríssimo de. Lavagem de Dinheiro: prevenção e controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011.p. 442)

No inquérito 2424, o STF firmou um importante precedente, ao interpretar corretamente o inciso XII do art. 5º da CF. Fixou a Suprema Corte a possibilidade de utilização, como prova emprestada, de provas obtidas em intercepção de telecomunicações. O empréstimo deu-se para a instauração de procedimento administrativo disciplinar, mas pelas mesmas razões, também é admissível na ação de improbidade administrativa: “dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou instauração processual penal, podem ser usados em procedimentos administrativos disciplinar; contra a mesma ou mesmas pessoas em relação às quais foram acolhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessa prova”. (STF, Inq. QQ 2424, Relator Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 26/11/2008).

2.5.3 – LUIZ FLÁVIO GOMES e ROGÉRIO SANCHES DA CUNHA - (GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches da (coord.). Legislação Criminal Especial. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 570-571)

E poderia a prova obtida dentro de uma investigação criminal ou instrução penal ser utilizada em outro processo (civil, administrativo, constitucional etc)? Pode haver prova emprestada nessa hipótese? Nelson Nery Junior responde afirmativamente. Nosso pensamento, no entanto, é divergente. O legislador constitucional ao delimitar a finalidade da interceptação telefônica (criminal) já estava ponderando valores, sopesando interesses. Nisso reside também o princípio da proporcionalidade. Segundo a imagem do legislador, justifica-se sacrificar o direito à intimidade para uma investigação ou processo criminal, não civil. Isso tem por base os valores envolvidos num e noutro processo. Não se pode esquecer que a proporcionalidade está presente (deve estar, ao menos) na atividade do legislador (feitura da lei), do juiz (determinação da medida) e do executor (que não pode abusar).

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Estando em jogo liberdades constitucionais (direito ao sigilo das comunicações frente a outros direitos e interesses), procurou o constituinte, desde logo, demarcar o âmbito de prevalência de outro interesse (criminal), em detrimento daquele. Mesmo assim, não é qualquer crime que admite a interceptação. Essa escolha, fundada na proporcionalidade, não pode ser desviada na praxe forense. Em conclusão, a prova colhida por interceptação telefônica no âmbito penal não pode ser “emprestada” (ou utilizada) para qualquer outro processo vinculado a outros ramos do direito.

2.5.4 – CÉSAR DARIO MARIANO DA SILVA - (SILVA, César Dario Mariano da. Provas Ilícitas. Curitiba: Juruá Editora, 2016. p. 112-113)

No processo civil, o Juiz não pode ordenar a realização de interceptação telefônica, que somente é permitida no âmbito do processo penal, nos termos do art. 1º, caput, da Lei 9.296/1996. Da mesma forma, não pode o Juiz determinar a gravação de conversação telefônica ou ambiental em ações de natureza civil. Analisando o tema, concluiu Yussef Said Cahali:

Em outros termos, não é dado ao juiz da separação judicial autorizar ou determinar a produção da prova através da interceptação das conversas telefônicas de qualquer dos cônjuges com terceiros; mas, obtida aquela prova pela parte interessada, qualquer que tenha sido o meio, e apresentada aquela nos autos, cumpre ao juiz considerá-la na formação de seu convencimento de maneira expressa, sabido que, pelas regras de experiência, tais gravações, ainda que eventualmente desentranhadas dos autos, inevitavelmente deixam resíduo na convicção do julgador.

Avolio também é pela licitude da gravação clandestina no processo civil quando não houver obrigação de guardar segredo. Diz o autor:

Consequentemente, inexistindo na conversa objeto da gravação clandestina o direito à reserva (obrigação de guardar segredo), a outra parte pode utilizá-la validamente em juízo como prova de seu interesse. Ainda que haja licitude, esta pode ceder em face de outro interesse jurídico proporcionalmente mais relevante que a intimidade, como, por exemplo, a vida ou à saúde, ou o direito à ampla defesa.

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Nesses últimos exemplos, o autor adotou o princípio da proporcionalidade para o aproveitamento da prova ilícita, o que é plenamente possível, não só no processo civil, mas também no penal, quando existirem casos graves e excepcionais que justifiquem o sacrifício da intimidade em prol de outro direito de igual ou maior valia.

Por outro lado, forte corrente doutrinária e jurisprudencial é no sentido da ilicitude da gravação clandestina por haver ofensa ao direito à intimidade.

2.5.5 – CÉSAR DARIO MARIANO SILVA - (SILVA, César Dario Mariano. Provas Ilícitas. 7º ed. Curitiba: Juruá, 2016. p. 115-116)

A dúvida que pode surgir é se a interceptação telefônica ou uma gravação clandestina, por exemplo, poderiam ser transportadas de um processo criminal para um processo da natureza civil. É perfeitamente possível a utilização da prova emprestada no processo civil, desde que a parte contra a qual ela vai ser usada tenha participado processo penal em que houve a sua produção, a fim de que não haja violação ao princípio do contraditório. Isso porque a parte contra quem a prova vai ser empregada tem o direito de contrariá-la com tidos os meios permitidos pela lei processual. E não é outro o ensinamento do Nery Júnior: sendo as partes, no processo destinatário, as mesmas do processo originário onde foi realizada a prova que se pretende emprestar, estará preenchido o requisito de que estamos tratando, obedecido que foi o princípio contraditório. O juiz da nova causa, entretanto, dará à prova emprestada o valor que merece, não estando obrigado a conferir-lhe a interceptação e solução que foi dada pelo juízo originário, ficando adstrito somente à eficácia da coisa julgada civil ou penal (art. 1,525, CC), por exemplo, dependendo da natureza do processo originário.

Destarte, se a prova produzida no processo originário atendeu ao princípio do contraditório, não há como deixar de acolher a prova emprestada, embora o Juiz possa decidir de acordo com o seu convencimento, não ficando vinculado à decisão do juiz criminal. É o que dispõe, aliás, o artigo 372 do Código de Processo Civil. O não atendimento ao princípio do contraditório faz com que a prova seja considerada processualmente ilegítima, não podendo ser empregada no processo. Cuida-se do chamado compartilhamento de

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provas, que depende de autorização tanto do juiz originário quanto do destinatário. Ambos avaliarão a legalidade da medida, notadamente em se tratando de interceptações eletrônicas, que em regra correm em segredo de justiça. É comum o compartilhamento de provas entre o juízo criminal e o cível em razão de investigação ou processo sobre condutas que ao mesmo tempo caracterizam crime e ato de improbidade administrativa. Em situação desse tipo, como as partes são as mesmas, nada obsta o compartilhamento de provas. Os envolvidos na investigação já puderam se manifestar sobre a prova coligida no juízo originário (criminal), ocorrendo plena observância do contraditório, que também será aberto no juízo destinatário, cabendo ao magistrado dar à prova o valor que entender pertinente.

Até meso durante a fase de investigações é possível o compartilhamento do conteúdo das interceptações telefônicas judicialmente autorizadas. Isso porque o contraditório nessa situação é diferido, sendo relegado para o momento em que houver o conhecimento do ato pela defesa. A partir daí pode ser autorizado o compartilhamento de provas para a apuração dos mesmos fatos, que na seara cível caracterize ato de improbidade administrativa.

2.5.6 – Jurisprudência

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 211/STJ. PRESCRIÇÃO. INTERPRETAÇÃO EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO CIVIL ANTERIORMENTE AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES DO STJ. ART. 7º DA LEI Nº 8.429/92. TUTELA DE EVIDÊNCIA. PERICULUM IN MORA. EXCEPCIONAL PRESUNÇÃO. PRESCINDIBILIDADE DA DEMONSTRAÇÃO DE DILAPIDAÇÃO PATRIMONIAL. FUNDAMENTO AUTÔNOMO NÃO ATACADO. SÚMULA Nº 283/STF. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PROVA EMPRESTADA. LICITUDE. TEMA DE FUNDO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REVISÃO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. 1. O acórdão recorrido abordou, de forma fundamentada, todos os pontos essenciais

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para o deslinde da controvérsia, razão pela qual não há que se falar na suscitada ocorrência de violação do art. 535 do código de processo civil. 2. O prequestionamento não exige que haja menção expressa dos dispositivos infraconstitucionais tidos como violados, entretanto, é imprescindível que no aresto recorrido a questão tenha sido discutida e decidida fundamentadamente, sob pena de não preenchimento do requisito do prequestionamento, indispensável para o conhecimento do recurso. Incidência das Súmulas nºs 211/STJ e 282/STF. 3. É manifesto que a corte a quo, ao julgar a controvérsia, fundou o seu entendimento em preceito de natureza constitucional, o que afasta a possibilidade de análise da pretensão recursal em sede de Recurso Especial. Assim, a competência só poderia ser atribuída ao Supremo Tribunal Federal, pelo recurso próprio, conforme o que dispõe o art. 102, III, da Constituição Federal. 4. Esta corte superior possui entendimento no sentido de que é dispensável a instauração prévia de inquérito civil à ação civil pública para averiguar prática de ato de improbidade administrativa. Nesse sentido: AgRg no AG 1429408/PE, 1ª turma, Rel. Ministro benedito Gonçalves, dje 17/04/2013; AgRg no REsp 1066838/SC, 2ª turma, Rel. Ministro herman benjamin, dje 04/02/2011; RESP 448.023/SP, 2ª turma, Rel. Ministra eliana calmon, DJ 09/06/2003, p. 218. 5. A primeira seção desta corte superior firmou a orientação de que a decretação de indisponibilidade de bens em improbidade administrativa dispensa a demonstração de dilapidação do patrimônio para a configuração de periculum in mora, o qual estaria implícito ao comando normativo do art. 7º da Lei nº 8.429/92, bastando a demonstração do fumus boni iuris que consiste em indícios de atos ímprobos. 6. É inadmissível o Recurso Especial quando o acórdão recorrido assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles (Súmula nº 283/STF). 7. O STJ já se manifestou no sentido de ser admitido o uso emprestado, em ação de improbidade administrativa, do resultado de interceptação telefônica em ação penal. Confira-se: RESP 1297021/PR, 2ª turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, dje 20/11/2013; RESP 1190244/rj, 2ª turma, Rel. Ministro Castro Meira, dje 12/05/2011. 8. A alteração do entendimento adotado pelo acórdão recorrido de que “a pretensão dos autores não visa à mera cobrança de tributos, mas sim a reparação de danos ao erário decorrentes do não recolhimento de tributos aos cofres públicos” demanda o reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado em sede de Recurso Especial, nos termos da Súmula nº 7/STJ. 9. O recorrente não cumpriu os requisitos recursais que comprovassem o dissídio jurisprudencial nos termos do art. 541, parágrafo único, do CPC e do art. 255 e parágrafos, do RISTJ, pois há a necessidade do cotejo analítico entre os acórdãos considerados paradigmas e a decisão impugnada, sendo imprescindível a exposição das similitudes fáticas entre os julgados. 10. Agravo regimental não provido.

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(STJ; AgRg-AgRg-REsp 1.482.811; Proc. 2014/0187017-0; SP; Segunda Turma; Rel. Min. Mauro Campbell Marques; DJE 03/09/2015);

ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO. LICITUDE DA PROVA EMPRESTADA. EXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE DO ILÍCITO CIVIL-ADMINISTRATIVO. REVISÃO DESSE ENTENDIMENTO. PRETENSÃO DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA Nº 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONHECIDA. 1. Não há omissão, contradição, obscuridade ou erro material a ser sanado no acórdão embargado, que se encontra suficientemente fundamentado e em consonância com a jurisprudência desta corte. 2. Não aponta omissão o embargante, tão somente se insurge contra a aplicação da Súmula nº 7/STJ e repete as razões do Recurso Especial, ou seja, pretende mais uma vez rediscutir a causa, o que é incabível em embargos de declaração. Embargos de declaração rejeitados. (STJ; EDcl-AgRg-AREsp 282.650; Proc. 2013/0006792-9; ES; Segunda Turma; Rel. Min. Humberto Martins; DJE 09/10/2013; Pág. 2442).

2.6 Interceptação telefônica e detentores de foro por prerrogativa de função

2.6.1 – DANIEL DE RESENDE SALGADO - (SALGADO, Daniel de Resende. Considerações acerca dos conhecimentos ao acaso a partir das interceptações telefônicas e o foro por prerrogativa de função no STF – análise da dogmática e dos precedentes da Suprema Corte. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.). A prova no enfrentamento à macrocriminalidade. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 400-401)

No que tange à matéria relativa às interceptações telefônicas, a Lei 9.296/96 estabelece, em seu artigo 1º, que cabe ao juízo aparentemente competente autorizar a escuta. Em face do cidadão comum, quem autorizará a medida, a depender da matéria, será o juízo federal ou estadual. No caso de determinadas pessoas com foro por prerrogativa de função indicadas no texto constitucional (artigo 102, I, “b” e “c”, da CF) será o Supremo Tribunal

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Federal. Não há, portanto, um regime especial em matéria de interceptação telefônica quando se trata de autoridades com prerrogativa de foro. As exigências e os limites formais e materiais continuam sendo os mesmos balizados pela Lei 9.296/96, tanto para parlamentares, quando para qualquer outra pessoa.

Portanto, o regime jurídico previsto para escutas e todas as vicissitudes delas decorrentes é o mesmo independentemente das pessoas atingidas, sejam elas cidadãos comuns, sejam elas dignatárias do sistema político. E, diga-se de passagem, tais premissas valem tanto para as matérias nucleares e periféricas referentes às interceptações telefônicas, como também à disciplina jurídica e às problemáticas específicas das descobertas ocasionais enfrentadas neste estudo.

Com efeito, no caso de conhecimentos de investigação, a própria conexão e continência, avaliada pelo juízo originário, leva à alteração da competência, erigindo-os ao foro prevalente, em remessa imediata. Aquela nova instância terá a atribuição de dar continuidade às investigações e de decidir, inclusive, sobre a conveniência do desmembramento do inquérito em relação aos investigados cujo juízo natural é o de onde partiram as autorizações para interceptação telefônica.

2.7 Interceptação telefônica: prova ilícita, prova ilegítima e ilicitude derivada

2.7.1 – RENATO BRASILEIRO DE LIMA - (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 4 ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. pg. 93-94)

De acordo com a teoria ou exceção da fonte independente, se o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova, que não guarde relação de dependência, nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vínculo causal, tais dados probatórios são admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária.

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Há de se tomar extrema cautela com a aplicação da exceção da fonte independente, a fim de não se burlar a proibição da valoração de provas ilícitas por derivação, dizendo tratar-se de fonte independente. Para que a teoria da fonte independente seja aplicada, impõe-se demonstração fática inequívoca de que a prova avaliada pelo juiz efetivamente é oriunda de uma fonte autônoma, ou seja, não se encontra na mesma linha de desdobramento das informações obtidas com a prova ilícita. Caso não se demonstre, inequivocamente, a ausência de qualquer nexo causal, fica valendo a teoria da prova ilícita por derivação. Em caso de dúvida, aplica-se o in dubio pro reo.

A origem dessa teoria está ligada ao direito norte-americano, sendo lá conhecida como independent source doctrine. No caso Bynum v. US., de 1960, a Corte determinou inicialmente a exclusão de identificação dactiloscópica que havia sido feita durante a prisão ilegal do acusado Bynum. Ao ser novamente processado, valeu-se a acusação de um antigo conjunto de planilhas dactiloscópicas de Bynum que se encontrava nos arquivos do FBI e que correspondiam às impressões digitais encontradas no local do crime. Como a polícia tinha razão para verificar as antigas planilhas de Bynum independentemente da prisão ilegal, e como as impressões digitais de tais planilhas tinham sido colhidas anteriormente sem qualquer relação com o roubo investigado dessa vez, as antigas planilhas foram admitidas como prova obtida independentemente, de maneira alguma relacionada à prisão ilegal.

No caso Murray v. United States, de 1988, após perceberem uma atividade suspeita de tráfico de drogas em uma residência, policiais entraram ilegalmente na casa e confirmaram a suspeita; posteriormente, requereram um mandado judicial para a busca e apreensão indicando apenas as suspeitas e sem mencionar a anterior entrada e, de posse do mandado, entraram novamente na residência e apreenderam as drogas. A Corte entendeu que a prova era válida, pois, ainda que os policiais não houvessem realizado a primeira violação, de qualquer forma seria obtido o mandado a justificar a segunda entrada legal, com base apenas nos indícios iniciais.

No Brasil, a análise da jurisprudência demonstra que a teoria da fonte independente já vem sendo adotada pelo Supremo Tribunal Federal há alguns anos. Em julgamento ocorrido em agosto de 2004, a 1ª Turma do STF entendeu que “eventuais vícios do inquérito policial não contaminam a ação penal. O reconhecimento fotográfico, procedido na fase inquisitorial, em desconformidade com o artigo 266, I, do Código de Processo Penal, não tem a virtude de contaminar o acervo probatório coligido na fase judicial,

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sob o crivo do contraditório. Inaplicabilidade da teoria da árvore dos frutos envenenados (fruits of the poison tree). Sentença condenatória embasada em provas autônomas produzidas em juízo”.

Com a reforma processual de 2008, a limitação da fonte independente passou a constar expressamente no Código de Processo Penal. Isso porque, segundo o art. 157, §1º, do CPP, “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”.

Como esclarece Grinover, “era perfeitamente desnecessária a previsão normativa, na medida em que o conceito da prova derivada supõe, por si só, a existência de uma relação de causalidade entre a ilicitude da primeira prova e a obtenção da segunda. Se o vínculo não estiver evidenciado, é intuitivo que não se trata de prova derivada. Mas, apesar de redundante, essa parte do texto legal não parece trazer inconvenientes na sua aplicação”.

Especial atenção, todavia, deve ser dispensada ao art. 157, §2º, do CPP, segundo o qual “considera-se fonte independente aquela que, por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”. Como será visto com mais detalhes logo abaixo, apesar de o dispositivo fazer menção à fonte independente, parece ter havido um equívoco por parte do legislador, pois, ai empregar o verbo no condicional, o conceito aí fornecido (seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova) refere-se ao da limitação da descoberta inevitável, objeto de nosso estudo no próximo tópico.

2.7.2 – RENATO BRASILEIRO DE LIMA - (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 4 ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 617-619)

De acordo com a teoria da descoberta inevitável, também conhecida como exceção da fonte hipotética independente, caso se demonstre que a prova derivada da ilícita seria produzida de qualquer modo, independentemente da prova ilícita originária, tal prova deve ser considerada válida.

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A aplicação dessa teoria não pode ocorrer com base em dados meramente especulativos, sendo indispensável a existência de dados concretos a confirmar que a descoberta seria inevitável. Somente com base em fatos históricos demonstrados capazes de pronta verificação será possível dizer que a descoberta seria inevitável. Em outras palavras, não basta um juízo do possível. É necessário um juízo do provável, baseado em elementos concretos de prova.

Tal qual a limitação anterior, a teoria da descoberta inevitável também tem origem no direito norte-americano – inevitable discovery limitation. Sua aplicação ocorreu no caso Nix v. Williams-Williams II, em 1984: com base em declaração obtida ilegalmente do acusado, a polícia conseguiu localizar o paradeiro do corpo da vítima de homicídio escondido em uma vala à beira de uma estrada. No entanto, apesar de a localização do cadáver só ter sido possível a partir de uma declaração obtida de forma de maneira ilegal, demonstrou-se que, no caso concreto, um grupo de duzentos voluntários já estava procurando pelo cadáver conforme um plano que, inevitavelmente, teria levado à descoberta do local em que o corpo foi encontrado.

A Suprema Corte americana entendeu que a teoria dos frutos da árvore envenenada não impediria a admissão de prova derivada de uma violação constitucional, se tal prova teria sido descoberta “inevitavelmente” por meio de atividades investigatórias lícitas sem qualquer relação com a violação, bem como que a “descoberta inevitável” não envolve elementos especulativos, mas concentra-se em fatos históricos demonstrados capazes de pronta verificação. Para que a prova fosse admitida, era necessário que a polícia não tivesse atuado de má-fé, com o propósito de acelerar as investigações, fazendo uso de meios ilegais; e que efetivamente a prova não pudesse permanecer oculta.

Na visão de parte da doutrina, tal teoria teria passado a constar expressamente do Código de Processo Penal, a partir das alterações trazidas pela Lei nº 11.690/2008.

É verdade que o legislador não se refere de maneira expressa à teoria da descoberta inevitável. Porém, como dito acima, seu conteúdo pode ser extraído do art. 157, §2º, do CPP: “considera-se fonte independente aquela que, por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova” (grifo nosso). Parece ter havido uma confusão por parte do legislador ao se referir à fonte independente, pois o conceito por ele trazido é o da limitação da descoberta inevitável.

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Com efeito, pela própria redação do §2º do art. 157 do CPP, empregando o verno no condicional, percebe-se que nem mesmo seria necessário que a prova derivada tivesse sido efetivamente conseguida a partir de uma fonte autônoma e regular de prova (teoria da fonte independente), bastando que houvesse uma mera possibilidade disso (“seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”). Inequívoca, pois, a adoção da limitação da descoberta inevitável.

Mas seria possível que o legislador infraconstitucional instituísse tal restrição à prova ilícita por derivação? O questionamento já tem provocado controvérsia na doutrina. (…)

Em que pede a controvérsia doutrinária, certo é que a referida teoria já vem sendo adotada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Em pioneiro julgado acerca do assunto, em que se discutia a ilicitude de um extrato bancário obtido por herdeiro da vítima, sem autorização judicial, a 6ª Turma do STJ fez uso da teoria da descoberta inevitável. Na dicção do Relator Min. Og Fernandes, o §2º do art. 157 do CPP serve para mitigar a teoria da contaminação da prova, restringindo-a para os casos em que a prova ilícita for absolutamente determinante para a descoberta da prova derivada que sem aquela não existiria, o que não teria acontecido no caso apreciado pelo STJ. Isso porque, no caso concreto, o sobrinho da vítima, na condição de herdeiro, teria, inarredavelmente, após a habilitação no inventário, o conhecimento das movimentações financeiras e, certamente, saberia do desfalque que a vítima havia sofrido; ou seja, a descoberta seria inevitável, não havendo, portanto, razoabilidade alguma em anular todo o processo e demais provas colhidas, não só durante a instrução criminal, mas também aquelas colhidas na fase pré-processual investigativa (HC 52.995/AL).

2.7.3 – Jurisprudência

HABEAS CORPUS. NULIDADES: (1) INÉPCIA DA DENÚNCIA; (2) ILICITUDE DA PROVA PRODUZIDA DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL; VIOLAÇÃO DE REGISTROS TELEFÔNICOS DO CORRÉU, EXECUTOR DO CRIME, SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL; (3) ILICITUDE DA PROVA DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS DE CONVERSAS DOS ACUSADOS COM ADVOGADOS, PORQUANTO ESSAS GRAVAÇÕES OFENDERIAM O DISPOSTO NO ART. 7º,

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II, DA LEI 8.906/96, QUE GARANTE O SIGILO DESSAS CONVERSAS. VÍCIOS NÃO CARACTERIZADOS. ORDEM DENEGADA. 1. Inépcia da denúncia. Improcedência. Preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP. A denúncia narra, de forma pormenorizada, os fatos e as circunstâncias. Pretensas omissões – nomes completos de outras vítimas, relacionadas a fatos que não constituem objeto da imputação –- não importam em prejuízo à defesa. 2. Ilicitude da prova produzida durante o inquérito policial - violação de registros telefônicos de corréu, executor do crime, sem autorização judicial. 2.1 Suposta ilegalidade decorrente do fato de os policiais, após a prisão em flagrante do corréu, terem realizado a análise dos últimos registros telefônicos dos dois aparelhos celulares apreendidos. Não ocorrência. 2.2 Não se confundem comunicação telefônica e registros telefônicos, que recebem, inclusive, proteção jurídica distinta. Não se pode interpretar a cláusula do artigo 5º, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito registral. A proteção constitucional é da comunicação de dados e não dos dados. 2.3 Art. 6º do CPP: dever da autoridade policial de proceder à coleta do material comprobatório da prática da infração penal. Ao proceder à pesquisa na agenda eletrônica dos aparelhos devidamente apreendidos, meio material indireto de prova, a autoridade policial, cumprindo o seu mister, buscou, unicamente, colher elementos de informação hábeis a esclarecer a autoria e a materialidade do delito (dessa análise logrou encontrar ligações entre o executor do homicídio e o ora paciente). Verificação que permitiu a orientação inicial da linha investigatória a ser adotada, bem como possibilitou concluir que os aparelhos seriam relevantes para a investigação. 2.4 À guisa de mera argumentação, mesmo que se pudesse reputar a prova produzida como ilícita e as demais, ilícitas por derivação, nos termos da teoria dos frutos da árvore venenosa (fruit of the poisonous tree), é certo que, ainda assim, melhor sorte não assistiria à defesa. É que, na hipótese, não há que se falar em prova ilícita por derivação. Nos termos da teoria da descoberta inevitável, construída pela Suprema Corte norte-americana no caso Nix x Williams (1984), o curso normal das investigações conduziria a elementos informativos que vinculariam os pacientes ao fato investigado. Bases desse entendimento que parecem ter encontrado guarida no ordenamento jurídico pátrio com o advento da Lei 11.690/2008, que deu nova redação ao art. 157 do CPP, em especial o seu § 2º. 3. Ilicitude da prova das interceptações telefônicas de conversas dos acusados com advogados, ao argumento de que essas gravações ofenderiam o disposto no art. 7º, II, da Lei n. 8.906/96, que garante o sigilo dessas conversas. 3.1 Nos termos do art. 7º, II, da Lei 8.906/94, o Estatuto da Advocacia garante ao advogado a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e

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telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia. 3.2 Na hipótese, o magistrado de primeiro grau, por reputar necessária a realização da prova, determinou, de forma fundamentada, a interceptação telefônica direcionada às pessoas investigadas, não tendo, em momento algum, ordenado a devassa das linhas telefônicas dos advogados dos pacientes. Mitigação que pode, eventualmente, burlar a proteção jurídica. 3.3 Sucede que, no curso da execução da medida, os diálogos travados entre o paciente e o advogado do corréu acabaram, de maneira automática, interceptados, aliás, como qualquer outra conversa direcionada ao ramal do paciente. Inexistência, no caso, de relação jurídica cliente-advogado. 3.4 Não cabe aos policiais executores da medida proceder a uma espécie de filtragem das escutas interceptadas. A impossibilidade desse filtro atua, inclusive, como verdadeira garantia ao cidadão, porquanto retira da esfera de arbítrio da polícia escolher o que é ou não conveniente ser interceptado e gravado. Valoração, e eventual exclusão, que cabe ao magistrado a quem a prova é dirigida. 4. Ordem denegada. (STF, HC 91867, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-185 DIVULG 19-09-2012 PUBLIC 20-09-2012);

HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. CONDENAÇÃO. OBTENÇÃO DE DOCUMENTO DE TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA. SIGILO BANCÁRIO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PROVA SUPOSTAMENTE ILEGAL. ILICITUDE DAS DEMAIS PROVAS POR DERIVAÇÃO. PACIENTES QUE NÃO PODEM SE BENEFICIAR COM A PRÓPRIA TORPEZA. CONHECIMENTO INEVITÁVEL. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA.1. Ao se debruçar sobre o que dispõe o art. 5º, XII, da Constituição Federal, é necessário que se faça sua interpretação com temperamentos, afinal, inexiste, no ordenamento pátrio, direito absoluto. Assim, diante do caso concreto, cabe ao intérprete fazer uma ponderação de valores.2. A inviolabilidade dos sigilos é a regra, e a quebra, a exceção.Sendo exceção, deve-se observar que a motivação para a quebra dos sigilos seja de tal ordem necessária que encontre apoio no princípio da proporcionalidade, sob pena de se considerarem ilícitas as provas decorrentes dessa violação.3. Assim, a par da regra da liberdade dos meios de prova, excetua-se a utilização daquelas obtidas por meios ilegais, conforme dispõe o inciso LVI do art. 5º da Constituição Federal, inserindo-se, nesse contexto, as oriundas da quebra de sigilo sem autorização judicial devidamente motivada.4. Entretanto, no caso, há que se fazer duas considerações essenciais que afastam, por completo, a proteção que ora é requerida por meio de reconhecimento de nulidade absoluta do feito. A primeira diz respeito a

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própria essência dessa nulidade que, em tese, ter-se-ia originado com a publicidade dada pelo banco ao sobrinho da vítima, que também era seu herdeiro. Tratou-se toda a operação bancária de um golpe efetivado por meio de um engodo. Titularidade solidária que detinha uma das pacientes e que agora é reclamada para efeitos de autorização legal, decorreu de ilícito efetivado contra vítima.5. Pretende-se, na verdade, obter benefício com a própria prática criminosa. Impossibilidade de se beneficiar da própria torpeza.6. A segunda consideração, não menos importante, é que o extrato ou documento de transferência foi obtido por herdeiro da vítima, circunstância que ocorreria de qualquer maneira após a sua habilitação em inventário, a ensejar, da mesma maneira, o desenrolar do processo tal qual como ocorreu na espécie.7. Acolhimento da teoria da descoberta inevitável; a prova seria necessariamente descoberta por outros meios legais. No caso, repita-se, o sobrinho da vítima, na condição de herdeiro, teria, inarredavelmente, após a habilitação no inventário, o conhecimento das movimentações financeiras e, certamente, saberia do desfalque que a vítima havia sofrido; ou seja, a descoberta era inevitável.8. Ordem denegada.(STJ, HC 52.995/AL, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 16/09/2010, DJe 04/10/2010);

HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE. ARTIGO 16 DA LEI 10.826/2003 E ARTIGO 33 DA LEI 11.343/2006. BUSCA E APREENSÃO. DECISÃO SEM FUNDAMENTAÇÃO. NULIDADE. SUBSISTÊNCIA DO FLAGRANTE E DAS PROVAS OBTIDAS. CRIMES PERMANENTES. TEORIAS DA FONTE INDEPENDENTE E DA DESCOBERTA INEVITÁVEL. DENEGAÇÃO DA ORDEM.1. É nula a decisão que autoriza medida de busca e apreensão sem qualquer fundamentação.2. São admitidas as provas colhidas quando da prisão em flagrante do paciente, na hipótese de ilicitude da busca e apreensão autorizada judicialmente, desde que tal medida não tenha sido determinante para a sua obtenção (teorias da fonte independente e da descoberta inevitável).3. A teor do disposto no artigo 5º, incisos XI e LXI, da Constituição Federal, nos quais encontram-se hipóteses excepcionais de possibilidade de violação do domicílio e de restrição da liberdade do indivíduo em razão de flagrante delito, é desnecessária autorização judicial para busca e apreensão quando se tratar de flagrante de crime permanente. Precedentes. 4. Ordem denegada.(STJ, HC 106.571/PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 16/09/2010, DJe 16/11/2010).

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3. PERÍCIAS EM EQUIPAMENTOS DE INFORMÁTICA APREENDIDOS

3.1 A busca e apreensão incidental de equipamento computacional derivada da prisão e a busca e apreensão de equipamento computacional derivada de ordem judicial de busca e apreensão – validade do acesso aos dados.

3.1.1 STJ – 6ª Turma – Recurso em habeas corpus nº 51.531/RO15

Ilicitude da análise direta pela polícia de conversas armazenadas em aplicativo Whatsapp - Telefone celular apreendido por ocasião de prisão em flagrante delito - Necessidade de prévia autorização judicial

Introdução. Histórico fático e processual.

Leri Souza e Silva foi preso em flagrante delito no dia 18 de março de 2014 pela prática da conduta tipificada como crime no artigo 33, da Lei 11.343/2006, na posse de 300 comprimidos da droga conhecida por ecstasy. Na ocasião de sua prisão foi apreendido o aparelho de telefone celular que o flagranciado trazia consigo. Após a prisão, a autoridade policial acessou diretamente o aparelho e dele extraiu conversas armazenadas no aplicativo Whatsapp, usando-as para instruir a investigação policial.16

Denunciado pela prática das condutas definidas como crimes nos artigos 33 e 35, ambos da Lei 11.343/2006 e no artigo 329 do Código Penal,

15 A Ementa do acórdão foi publicada com a seguinte redação: PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DA PROVA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA A PERÍCIA NO CELULAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 1. Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de whatsapp, obtidas diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial. 2. Recurso ordinário em habeas corpus provido, para declarar a nulidade das provas obtidas no celular do paciente sem autorização judicial, cujo produto deve ser desentranhado dos autos. (STJ, RHC 51.531/RO, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 19/04/2016, DJe 09/05/2016).

16 A providência pela autoridade policial estaria amparada no artigo 6º, incisos II, III e VII, do Código de Processo Penal.

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o acusado alegou a ilicitude da prova contendo transcrição das conversas localizadas pela polícia no aplicativo Whatsapp instalado em seu telefone celular. Sua tese: a autoridade policial não obtivera a imprescindível autorização judicial prévia para que pudesse acessar os dados do aparelho, incorrendo em violação ao disposto na Lei nº 9.296/96 (referente às interceptações telefônicas).

Vencida pelo Tribunal de Justiça de Rondônia17, a controvérsia foi objeto de apreciação recente pela 6ª Turma do E. Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso Ordinário em habeas corpus nº 51.531/RO.

Este estudo de caso se propõe a destacar, resumidamente, os pontos relevantes do voto do Ministro Nefi Cordeiro, relator do acórdão, bem como, dos dois votos-vista lançados pelos Ministros Rogério Schietti Cruz e Maria Thereza de Assis Moura.18

A importância em se lançar um olhar mais atento aos argumentos usados pelos julgadores do caso reside no fato de que, apesar da decisão unânime ser no sentido da ilicitude da prova, ainda que com fundamento diverso do apresentado pelo recorrente, é possível perceber a preocupação dos Ministros em restringir o seu alcance às circunstâncias fáticas do caso concreto. Há que se anotar, contudo, que, lamentavelmente, a leitura da decisão não nos permite obter maiores detalhes a respeito dos fatos, tais como aqueles relacionados ao conteúdo das mensagens acessadas ou de como foram elas usadas no curso da investigação.

De toda forma, a partir dos votos, ao final, serão destacadas quatro conclusões preliminares acerca deste tema tão atual e relevante para a atuação do Ministério Público na área criminal, sempre com o intuito de fomentar o debate e prosseguir nas discussões sobre o assunto.

17 A denegação da ordem pelo TJ/RO restou ementada no acórdão da seguinte maneira: Habeas corpus. Processo Penal. Tráfico de drogas. Prova pericial. Nulidade. Transcrição de mensagens de texto gravadas no aparelho apreendido. Inocorrência de prova ilícita. Ordem Denegada. 1. É válida a transcrição de mensagens de texto gravadas no aparelho celular apreendido com o paciente por ocasião de sua prisão em flagrante, pois estes dados não gozam da mesma proteção constitucional de que trata o art. 5º, XII. 2. Ordem denegada.

18 O voto da ministra Maria Thereza de Assis Moura foi acompanhado pelo Ministro Sebastião Reis Júnior. O Ministro Santonio Saldanha Palheiro não participou do julgamento.

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1. Relator Ministro Nefi Cordeiro.

O Ministro relator destacou em seu voto que não se aplica ao caso a lei das interceptações telefônicas, já que as conversas de Whatsapp tratam de dados armazenados no aparelho de telefone celular. Não obstante, concluiu que no acesso aos dados do aparelho, tem-se devassa de dados particulares, com violação à intimidade do agente. Embora possível o acesso, portanto, necessária é a prévia autorização judicial devidamente motivada.

Os três argumentos centrais de sua conclusão podem ser assim resumidos: a) a violação das conversas realizadas através do aplicativo Whatsapp são análogas ao afastamento de sigilo de outros meios de comunicação eletrônica escrita, como e-mails, para os quais o STJ já decidiu ser imprescindível a prévia e fundamentada autorização judicial;19 b) a evolução tecnológica dos aparelhos de telefonia móvel permite atualmente que a comunicação escrita se dê de maneira muito semelhante às conversas telefônicas. Além disso, trata-se de um significativo repositório de dados pessoais, o que exige a intervenção do Estado-juiz para acessá-los, sob pena de violação à intimidade de seu proprietário (artigo 5°, incisos X e XII, da Constituição Federal)20; c) o usuário dos serviços de telecomunicações possui legalmente garantidas a inviolabilidade e o sigilo de suas comunicações (artigo 3°, da Lei 9.427/97),21 bem como ao usuário dos serviços de internet são asseguradas a inviolabilidade e o sigilo das comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial (artigo 7°, da Lei 12.965/2014)22.

19 HC 315,220/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 15/09/2015, DJe 09/10/2015.

20 Artigo 5º, incisos X e XII da Constituição Federal: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”; “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

21 Artigo 3º, da Lei nº 9.472/97: “o usuário de serviços de telecomunicações tem direito: V - à inviolabilidade e ao segredo de sua comunicação, salvo nas hipóteses e condições constitucional e legalmente previstas”.

22 Artigo 7º, incisos I e III, da Lei nº 12.965/14: “o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial”.

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2. Ministro Rogério Schietti Cruz.

O Ministro iniciou sua análise ressaltando o precedente da 2ª Turma do E. Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 91.867/PA, em que foi julgada desnecessária autorização judicial para acesso direto por parte dos policiais aos registros telefônicos das últimas chamadas efetuadas e recebidas em dois celulares apreendidos por ocasião de prisão em flagrante. Neste ponto, recordou que naquele julgamento o relator Ministro Gilmar Mendes fez questão de ressaltar que “as autoridades policiais não tiveram, em nenhum momento, acesso às conversas mantidas entre os pacientes e o executor do crime e, ao apossarem-se do aparelho, tão somente procuraram obter do objeto apreendido, porquanto razoável obtê-los, os elementos de informação necessários à elucidação da infração penal e da autoria, a teor do disposto no art.6º do CPP.”23

Para o Ministro este julgado de 2004 deve ser lido à luz do atual estágio de desenvolvimento tecnológico dos chamados smartphones, os quais permitem comunicação em tempo real através de aplicativos como Whatsapp, Viber, Line, Wechat, Telegram, BBM, SnapChat, dentre outros. Logo, para ele, o precedente da Corte Suprema não é mais adequado para analisar a vulnerabilidade dos cidadãos na hipótese da apreensão de um aparelho de telefonia celular em uma prisão em flagrante.

Após, seu voto mencionou a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Riley v. California (2014), em que policiais acessaram aparelho de telefone celular apreendido em decorrência da prisão em flagrante de David Leon Riley, revelando para a investigação o seu envolvimento com uma gangue responsável por homicídios na região de San Diego, California.

No caso, a Suprema Corte reverteu precedente da Suprema Corte da California, People v. Diaz (2011), que validava o acesso direto pela polícia do conteúdo de celulares apreendidos incidentalmente a prisões em flagrante delito. Ao fundamentar aquela decisão, o Ministro destacou as palavras do Chief Justice John Roberts: telefones celulares modernos não são apenas mais conveniência tecnológica, porque o seu conteúdo revela a intimidade da

23 STF, HC 91.867/PA, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 24/04/2012, DJe 20/09/212. Inteiro Teor do Acórdão disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2792328.

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vida. O fato de a tecnologia agora permitir que um indivíduo transporte essas informações em sua mão não torna a informação menos digna de proteção.24

Em sua conclusão, Rogério Schietti Cruz anuiu ao voto do Ministro relator de que o acesso às conversas do Whatsapp sem ordem judicial constitui violação à intimidade do agente, salientando, contudo, que fatos distintos e suas peculiaridades podem sempre, neste campo das liberdades públicas, possibilitar reavaliações do Direito. Nas palavras do próprio Ministro seria nefasto o estabelecimento de conclusões a priori absolutas.

3. Ministra Maria Thereza de Assis Moura

De início, o voto fez uma distinção didática entre a interceptação telefônica, a qual incide sobre o que está acontecendo, e a obtenção de dados, que diz respeito a informações armazenadas e, portanto, ocorridas em momento pretérito. Daí por que, para a Ministra, a parte final do inciso XII do artigo 5° da Constituição Federal protege a comunicação de dados em tempo real, não os dados em si mesmo.

Não obstante, em seu entender, a restrição deve observar o princípio da proporcionalidade, num esforço para assegurar que a cláusula constitucional de proteção à intimidade (artigo 5°, inciso X, da Constituição Federal) se mostre adequada, necessária e proporcional em sentido estrito25, considerando outros relevantes interesses constitucionais de idêntico status como a segurança pública (artigo 144, da CF), que impõe ao Estado a criação de objetivos meios de acesso a este serviço por parte dos cidadãos26, dentre eles a da existência de mecanismos eficientes de investigação.

Na busca por uma harmonização dos interesses envolvidos foi mencionado também o precedente do E. Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 91.867/PA. Neste ponto, a Ministra anuiu às ponderações do Ministro Rogério Schietti Cruz de que a presente situação é distinta, já

24 Em inglês: Modern cell phones are not just another technological convenience. With all they contain and all they may reveal, they hold for many Americans “the privacies of life". The fact that technology now allows an individual to carry such information in his hand does not make the information any less worthy of the protection for which the Founders fought.

25 STF, MS nº 23.452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, DJe 12/05/2000.

26 STF, RE 559.646-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 7/6/2011, Segunda Turma, DJE de 24/6/2011.

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que a época do julgamento pelo STF (2004), os aparelhos de telefone celular sequer possuíam acesso à internet e o acesso aos meros registros telefônicos seriam necessariamente menos ofensivos à intimidade.

Depois, foram citados ainda três casos análogos ao ora decidido no direito comparado. O primeiro é Riley v. California (2014), no qual, segundo ela, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu pela necessidade de prévia ordem judicial para que a polícia pudesse validamente acessar o conteúdo de aparelhos celulares apreendidos em buscas incidentais a prisões.27 O segundo é R. v. Fearon (2014 SCC 77, [2014] S.C.R. 621), decidido pela Suprema Corte do Canadá no sentido de ser desnecessária prévia ordem judicial para acesso direto pela polícia dos dados armazenados em telefone celular apreendido incidentalmente à prisão em flagrante delito.28

Nesta decisão a Corte canadense reconheceu a existência de um elemento de urgência no acesso a tais dados, definindo parâmetros a serem seguidos para que a medida se mostre proporcional à restrição do direito fundamental: a) a prisão tem de ser lícita; b) o acesso aos dados do aparelho celular tem de ser verdadeiramente incidental à prisão, realizado imediatamente após o ato para servir efetivamente aos propósitos da persecução penal, que, nesse contexto, são os de proteger as autoridades policiais, o suspeito ou o público, preservar elementos de prova e, se a investigação puder ser impedida ou prejudicada significativamente, descobrir novas provas; c) a natureza e a extensão da medida tem de ser desenhadas para esses propósitos, o que indica que, em regra, apenas correspondências eletrônicas, textos, fotos e chamadas recentes podem ser escrutinadas; d) finalmente, as autoridades policiais devem tomar notas detalhadas dos dados examinados e de como se deu esse exame, com a indicação dos aplicativos verificados, do propósito, da extensão e do tempo do acesso. Este último requerimento de manutenção de registros da medida auxilia na

27 Cumpre observar que, na verdade, a decisão em Riley v. California (2014) se limita a exigir autorização judicial para acesso aos dados armazenados em aparelhos de telefonia móvel apreendidos em decorrência de prisão em flagrante delito (search incident to arrest).

28 De acordo com a Ministra, a Suprema Corte do Canadá destacou que a prerrogativa de acesso aos dados do aparelho celular incidente a uma prisão é admitida excepcionalmente, servindo a importantes objetivos da persecução penal, pois auxilia as autoridades policiais na identificação e mitigação de riscos à segurança pública, na localização de armas de fogo e produtos roubados, na identificação e localização de cúmplices dos delitos, na localização e preservação de provas, na prevenção da fuga de suspeitos, na identificação de possíveis riscos às autoridades policiais e na continuidade imediata da investigação.

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posterior revisão judicial e permite aos policiais agir em estrito cumprimento às demais condições expostas.

O terceiro caso citado é uma decisão de 2013 do Tribunal Constitucional da Espanha (Pleno, Sentencia 115/2013, de 9 de maio de 2013 – BOE núm. 133, de 4 de junho de 2013). De acordo com Maria Thereza Moura, entendeu a Corte espanhola que o acesso direto pela polícia aos dados da agenda telefônica de celulares abandonados por criminosos em fuga representava uma leve ingerência na intimidade, admitindo-se como válida a prova por não consistir em invasão substancial da privacidade.

A Ministra enfatizou também que diante dos fatos do caso concreto concorda com o voto do relator, já que, diferentemente dos julgados do Supremo Tribunal Federal brasileiro e da Corte Constitucional da Espanha, o acesso direto por parte da polícia não se restringiu às ligações recebidas/efetuadas ou à agenda telefônica, mas a dados armazenados no aplicativo Whatsapp, com significativo potencial de intrusão à intimidade. Explicou também que não houve nenhuma circunstância demonstrativa da urgência do acesso direto realizado pela polícia, o que invalida a sua obtenção nesta situação fática (artigo 157, do Código de Processo Penal).

Ao final, ressaltou que se os fatos de um determinado caso concreto indicarem que a demora na obtenção de ordem judicial pode trazer prejuízos concretos à investigação ou à vítima do delito, é possível se admitir a validade da prova colhida pelo acesso direto.

Conclusões

Os votos dos Ministros Rogério Schietti Cruz e Maria Thereza de Assis Moura evidenciam que a ilegalidade da prova obtida diretamente pela polícia cinge-se aos fatos do caso concreto julgado pela 6ª Turma do STJ, em que: i) a polícia acessou diretamente o conteúdo de conversas mantidas através do aplicativo Whatsapp que se encontravam armazenadas no celular apreendido com o preso; ii) o aparelho celular foi apreendido incidentalmente à prisão em flagrante delito do paciente.

Portanto, a princípio: a decisão não se aplica indistintamente a todos os dados armazenados em telefones celulares (como a agenda telefônica, no caso do precedente do STF, HC 91.867/PA, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 24/04/2012, DJe 20/09/212), bem como não se aplica para impedir o acesso

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direto a qualquer conteúdo de aparelhos apreendidos em decorrência do cumprimento de prévio mandado judicial de busca e apreensão do aparelho de telefonia móvel.

c) Especialmente pelo voto-vista da Ministra Maria Thereza de Assis Moura a decisão deixa margem argumentativa para que seja racionalmente sustentada a validade de prova colhida através do acesso direto a conversas de Whatsapp (e outros dados similares, como e-mails) armazenadas em celulares apreendidos incidentalmente a prisões em flagrante.

d) Esta validade, no entanto, depende dos fatos do caso concreto, sendo necessária a comprovação da presença de um elemento de urgência29 que demonstre a necessidade, a adequação e a proporcionalidade no acesso a tais informações. Em suma, aplica-se o princípio da proporcionalidade: quanto maior for a intrusão à intimidade maior deverá ser a efetiva urgência do acesso para a investigação do caso concreto.

29 A decisão não explicita quais seriam objetivamente tais elementos de urgência, como, por exemplo, a impossibilidade técnica de mensagens encaminhadas pelo aplicativo Whatsapp diante da recente criptografia de ponta-a-ponta implementada pela empresa (https://www.whatsapp.com/faq/pt_br/general/28030015) ou a possibilidade de apagar o conteúdo através de acesso remoto ao aparelho, mesmo depois de apreendido.

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3.1.2 – STJ – 6ª Turma – Recurso em Habeas Corpus nº 75.800/PR30

Superadas as questões que envolvem a hipótese do acesso de dados de aparelhos celulares apreendidos quando da prisão em flagrante – ausente, portanto, qualquer decisão judicial até então –, convém agora analisar a possibilidade de acessar os dados contidos em aparelhos computacionais quando sua posse deriva de ordem judicial de busca e apreensão.

No julgamento do RHC 75.800/PR, a Quinta Turma do STJ decidiu pela validade do acesso aos dados contidos em equipamentos eletrônicos que haviam sido apreendidos mediante ordem judicial neste sentido.

No caso, o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba havia autorizado expressamente a busca e apreensão de:

“Hds, laptops, pen drives, smartphones, arquivos eletrônicos de qualquer espécie, agendas manuscritas ou eletrônicas, dos investigados ou de suas empresas, quando houver suspeita que contenham material probatório relevante, como o acima especificado;[...]No desempenho desta atividade, poderão as autoridades acessar dados armazenados em eventuais computadores, arquivos eletrônicos de

30 A Ementa do acórdão foi publicada com a seguinte redação: PROCESSUAL PENAL. OPERAÇÃO "LAVA-JATO". MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. APREENSÃO DE APARELHOS DE TELEFONE CELULAR. LEI 9296/96. OFENSA AO ART. 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. DECISÃO FUNDAMENTADA QUE NÃO SE SUBORDINA AOS DITAMES DA LEI 9296/96. ACESSO AO CONTEÚDO DE MENSAGENS ARQUIVADAS NO APARELHO. POSSIBILIDADE. LICITUDE DA PROVA. RECURSO DESPROVIDO. I - A obtenção do conteúdo de conversas e mensagens armazenadas em aparelho de telefone celular ou smartphones não se subordina aos ditames da Lei 9296/96. II - O acesso ao conteúdo armazenado em telefone celular ou smartphone, quando determinada judicialmente a busca e apreensão destes aparelhos, não ofende o art. 5º, inciso XII, da Constituição da República, porquanto o sigilo a que se refere o aludido preceito constitucional é em relação à interceptação telefônica ou telemática propriamente dita, ou seja, é da comunicação de dados, e não dos dados em si mesmos. III - Não há nulidade quando a decisão que determina a busca e apreensão está suficientemente fundamentada, como ocorre na espécie. IV - Na pressuposição da ordem de apreensão de aparelho celular ou smartphone está o acesso aos dados que neles estejam armazenados, sob pena de a busca e apreensão resultar em medida írrita, dado que o aparelho desprovido de conteúdo simplesmente não ostenta virtualidade de ser utilizado como prova criminal.V - Hipótese em que, demais disso, a decisão judicial expressamente determinou o acesso aos dados armazenados nos aparelhos eventualmente apreendidos, robustecendo o alvitre quanto à licitude da prova. Recurso desprovido.(RHC 75.800/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 15/09/2016, DJe 26/09/2016)

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qualquer natureza, inclusive smartphones, que forem encontrados, com a impressão do que for encontrado e, se for necessário, a apreensão, nos termos acima, de dispositivos de bancos de dados, disquetes, CDs, DVDs ou discos rígidos. Autorizo desde logo o acesso pelas autoridades policiais do conteúdo dos computadores no local das buscas e de arquivos eletrônicos apreendidos, mesmo relativo a comunicações eventualmente registradas.”

Em seguida, foram acessadas as comunicações entre o titular dos bens apreendidos – o réu José Aldemário Pinheiro Filho – e o impetrante do HC originário, fator que levou a defesa a inquinar de nulidade a prova assim obtida.

Na ocasião, após esclarecer que o objeto do art. 5º, inciso XII da Constituição Federal é a proteção à comunicação de dados, e não aos “dados em si mesmos” - ainda que já armazenados em computador – o voto condutor destacou que casos como o que se analisava não se submetiam aos ditames da Lei nº 9.296/96. Ademais, não obstante as disposições do art. 7º, inciso III, da Lei nº 12.965/201431, não haveria, no caso em análise, qualquer impedimento legal de acesso aos dados armazenados nos materiais apreendidos, visto que, para além da existência de uma ordem judicial autorizando a busca e apreensão, esta decisão já consignava expressamente a possibilidade de acesso aos dados armazenados.

Evidente, portanto, a diferença deste caso com o precedente anteriormente analisado (RHC 51.531), alegado como razão de divergência pela defesa:

O recorrente invoca um precedente da Sexta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, como tendente a dar guarida à sua tese. Cumpre citar a ementa:“PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DA PROVA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA A PERÍCIA NO CELULAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.1. Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de whatsapp, obtidas diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial.

31 Art. 7o O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial;

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2. Recurso ordinário em habeas corpus provido, para declarar a nulidade das provas obtidas no celular do paciente sem autorização judicial, cujo produto deve ser desentranhado dos autos”(RHC n. 51.531, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 9/5/2016).Sobressalta, contudo, a diversidade de situações.No caso concernente a essa decisão, cuidava-se de prisão em flagrante, no curso da qual se apreendeu aparelho de telefone celular, acessando-se as conversas independentemente de autorização judicial. Tanto assim, que a conclusão do voto do em. Min. Nefi Cordeiro foi no sentido de que “ilícita é tanto a devassa de dados, como das conversas de whatsapp obtidos de celular apreendido, porquanto realizada sem ordem judicial “.O caso em apreço, entretanto, diz respeito ao cumprimento de mandado de busca e apreensão, que evidentemente independe de prisão em flagrante, o qual, às expressas, indicou como objeto a ser apreendido tal tipo de aparelho, e, ademais, aquilo que se configurasse como seu conteúdo.

E ainda. Para além da validade no caso apreciado ter se baseado na existência de expressa autorização de acesso aos dados armazenados, consignou-se que no próprio comando de autorização de busca e apreensão, o acesso aos dados já está pressuposto, pois, caso assim não fosse, a medida judicial seria tornada inócua:

Na pressuposição do comando de apreensão de aparelho celular ou smartphone está o acesso aos dados que neles estejam armazenados, sob pena de a busca e apreensão resultar em medida írrita, dado que o aparelho desprovido de conteúdo simplesmente não ostenta virtualidade de ser utilizado como prova criminal.

Dessarte, se se procedeu à busca e apreensão da base física de aparelhos de telefone celular, como, aliás, expressamente autorizado na decisão judicial que determinou a busca e apreensão, - ante a relevância para as investigações –, a fortiori, não há óbice para se adentrar ao seu conteúdo – repise-se, já armazenado –, porquanto necessário ao deslinde do feito.

Em suma, se a possibilidade de acesso aos dados armazenados em aparelho computacional – v.g. mensagens de whatsapp – deve ser sempre sopesada à luz do caso concreto quando ausente qualquer decisão judicial prévia, a mesma questão não se coloca quando já a obtenção do

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dispositivo físico de armazenamento decorre de autorização judicial de busca e apreensão. Neste caso, o acesso aos dados contidos no dispositivo será válido ainda que a decisão judicial não seja expressa neste sentido, visto que o conhecimento das informações nele contidas é decorrência lógica da autorização de busca e apreensão destes equipamentos.

3.2 Diligências no encaminhamento de materiais para a perícia – Orientações da Polícia Científica.

Em complemento às orientações contidas no “Guia rápido de arrecadação de equipamentos computacionais” (em anexo), seguem as seguintes informações, extraídas do sítio eletrônico da Polícia Científica do Paraná 32:

Computação ForenseA Seção de Computação Forense conta atualmente com Laboratórios

em Curitiba e Londrina, os quais atendem a todo Estado. Os principais exames realizados pela Seção são: exame pericial em equipamento computacional portátil e de telefonia móvel (Notebook, Tablet, Smartphone, etc.), exame pericial em mídia de armazenamento computacional (disco rígido, cartão de memória, CD, DVD, etc.), exame em local de informática (local de crime que contenha equipamentos computacionais), exame em local de Internet (local de crime na internet), busca e apreensão de vestígios cibernéticos e tratamento de dados criptografados. Além destes exames mais comuns, a Seção permeia todas as áreas das Ciências Forenses, trabalhando em conjunto ou preparando o vestígio para análise em outras seções do Instituto de Criminalística, a exemplo das Seções de Audiovisuais, Engenharia, Documentoscopia e Crimes Contra Pessoa. Compete ainda, a Seção de Computação Forense nos termos do artigo 33 do Decreto 5887/2005 “o desenvolvimento de campanhas educativas de esclarecimento e orientação à população”. Este tratamento da causa e não só do efeito é realizado através do Projeto Ciências Forenses na Escola,

32 Disponível em: <http://www.ic.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=27>. Acesso em 21. nov. 2016.

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o qual contempla a divulgação de materiais sobre o uso responsável de computadores em apoio a SaferNet Brasil , a realização de palestras de conscientização, os diálogos sobre tecnologia para jovens, e a divulgação de dicas de segurança.

Capacidade OperacionalA capacidade operacional da Seção de Computação Forense do

Instituto de Criminalística, conforme detalhada no estudo estatístico denominado Modelo Matemático para a Gestão de Recursos Humanos apresentado no CONSAD 2013, não permite que todas as requisições de exame pericial com prioridade legal sejam atendidas simultaneamente e de forma imediata.

Como a demanda é significativamente maior do que a capacidade operacional da Seção de Computação Forense do Instituto de Criminalística, a única alternativa encontrada para o atendimento justo e razoável dos pedidos de exame pericial foi a criação de uma Fila de Atendimento a requisições de exames periciais.

A base adotada como critério para a organização da Fila de Atendimento segue a mesma lógica da “lista de processos” criada pelo artigo 12 do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) em consonância com as normas e recomendações do CNJ, TJPR, MPPR, TCE e SESP que determinam prioridade absoluta aos casos que envolvam crianças e/ou adolescentes.

O requisitante que desejar informação sobre a posição de determinada Requisição de Exame Pericial na Fila de Atendimento pode consultar através da Internet no campo Situação de Exame de Computação Forense.

Normas para encaminhar vestígios para períciaTodo vestígio a ser encaminhado para perícia deve seguir as diretrizes

da Portaria nº 82, de 16 de julho de 2014, do Ministério da Justiça que dispõe sobre a Cadeia de Custódia de Vestígios.

Os requisitos mínimos são:

3.2. O recipiente para acondicionamento do vestígio será determinado pela natureza do material, podendo ser utilizados: sacos plásticos, envelopes, frascos e caixas descartáveis ou caixas térmicas, dentre outros.

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Observação: Utilize sacos plásticos transparentes para encaminhar celular, HD, Laptop, etc.

3.3. Todos os recipientes deverão ser selados com lacres, com numeração individualizada, de forma a garantir a inviolabilidade e idoneidade do vestígio durante o transporte.

Observação: Utilize lacres com requisitos de inviolabilidade.

3.4. O recipiente deverá individualizar o vestígio, preservar suas características, impedir contaminação e vazamento, ter grau de resistência adequado e espaço para registro de informações sobre seu conteúdo.

Observação: Numere cada vestígio, cada vestígio deve ter seu recipiente.

3.5. Todos os vestígios coletados deverão ser registrados individualmente em formulário próprio no qual deverão constar, no mínimo, as seguintes informações:

a) especificação do vestígio;b) quantidade;c) identificação numérica individualizadora;d) local exato e data da coleta; e. órgão e o nome /identificação

funcional do agente coletor;f) nome /identificação funcional do agente entregador e o órgão de

destino (transferência da custódia);g) nome /identificação funcional do agente recebedor e o protocolo

de recebimento;h) assinaturas e rubricas;i) número de procedimento e respectiva unidade de polícia judiciária

a que o vestígio estiver vinculado.ATENÇÃO: O Tribunal de Justiça do Paraná (Portaria 001/2012) e o

Conselho Nacional de Justiça (Manual de Bens Apreendidos) determinam que nos casos em que o interesse pericial recai somente sobre os dados armazenados, a Autoridade Policial deve encaminhar somente o disco rígido para perícia.

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4. INTERROGATÓRIO DE INVESTIGADOS, OITIVAS DE TESTEMUNHAS E RECONHECIMENTOS

4.1 O interrogatório na primeira fase da persecução penal.

4.1.1 Direito ao silêncio e possibilidade de perguntas pela autoridade investigadora

a) EDILSON MOUGENOT BONFIM - (BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 462)

Direito ao silêncio

A Constituição Federal assegura ao indiciado e ao réu o direito ao silêncio (art. 5º, LXIII). Entre nós, foi consagrado o princípio da não autoincriminação (consubstanciado no brocado latino “nemo tenetur se detegere”). Não pode, assim, o acusado ser obrigado a produzir provas contra si mesmo. Se optar por permanecer calado, o seu silêncio não importará confissão, nem poderá ser interpretado em prejuízo da defesa (art. 186 do CPP). A doutrina entende, no entanto, que o réu está obrigado a responder às perguntas sobre sua pessoa, cujo conteúdo vem disposto no art. 187 §1º, do Código de Processo Penal, já que essas questões não dizem respeito à prática do delito a ele imputado, não lhe prejudicando a defesa.

Parcela da doutrina sustenta como consequência do direito à não autoincriminação o denominado “direito de mentir”, o que não nos parece correto. Como bem adverte Tornaghi, “o réu pode até mentir”, porquanto essa conduta não está tipificada como crime. Pode, porém, o acusado responder por denunciação caluniosa (art. 339 do CP) ou autoacusação falsa (art. 341 do CP) caso a mentira contada em seu interrogatório subsuma-se a um dos tipos penais mencionados. Assim, se o réu acusar-se falsamente de um crime praticado por outrem em seu interrogatório, perpetrará o delito de autoacusação falsa.

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b) EUGÊNIO PACELLI e DOUGLAS FISCHER - (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de.; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência, 5ª Ed. 2013, p. 394)

Silêncio parcial: Nada impede que o acusado trilhe o caminho do silêncio apenas em relação a uma ou algumas das perguntas que lhe forem dirigidas. De fato, a lei assegura tal possibilidade, ao contrário do que ocorre no direito anglo-americano. Ali, se o réu se dispuser a depor, por vontade própria, será ouvido como testemunha, sob o compromisso de dizer a verdade, podendo até vir a responder por crime de falso testemunho. O problema no silêncio parcial é que a versão apresentada pelo acusado poderá perder completamente qualquer credibilidade. Pior. Poderá se voltar contra ele, dado que a inconsistência na narrativa, sobretudo, em relação ao tempo e lugar e demais circunstâncias relevantes dos fatos, poderá conduzir até mesmo a uma confissão, indireta, que seja. Ou, por vias oblíquas. O interrogatório, como vimos, é meio de autodefesa. Que pode ser ativa ou passiva. No segundo caso o silêncio é o melhor caminho. A autodefesa ativa permite a contribuição efetiva do réu, pessoalmente, em seu favor. Os riscos, no entanto, existem. Confissões nem sempre são voluntárias; mas podem ser espontâneas obtidas até mesmo contra a vontade originária na atuação defensiva.

Jurisprudência:

(…) O interrogatório, nos termos da novel legislação (Lei nº 10.792/03), continua sendo, também, um meio de prova da defesa (arts. 185, § 2º, 186, caput e parágrafo único, do CPP), deixando apenas de ser ato personalíssimo do juiz (art. 188, do CPP), uma vez que oportuniza à acusação e ao advogado do interrogado a sugestão de esclarecimento de situação fática olvidada. II - A sistemática moderna não transformou, de forma alguma, o interrogado em testemunha. Ao passo que esta não pode se manter silente, aquele, por seu turno, não pode ser induzido a se auto-acusar (o silêncio, total ou parcial, é uma garantia do réu, ex vi art. 5º, LXIII, da CF e art. 186, parágrafo único, do CPP). III - Apesar de ser meio de prova da defesa, aquilo que é dito no interrogatório integra o material cognitivo por força do princípio da comunhão probatória. IV - A participação de advogados dos co-réus não tem amparo legal, visto que criaria uma forma de constrangimento para o interrogado (Precedentes desta Corte).. Writ denegado. (Habeas Corpus nº 100.792 – RJ. STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 25.5.2008, publicado no DJ em 30.6.2008).

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4.1.2 Intervenções corporais X autorização judicial

a) EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA - (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 389 e ss)

Intervenções corporais

(…)

É preciso, primeiro, expressa previsão na lei. Em segundo lugar, é preciso que se cuide de infração penal para cuja comprovação o exame pericial técnico seja efetivamente necessário, quer pela complexidade do crime, quer pela impossibilidade prática de obtenção de outras provas. É também necessário que a diligência se realize sob o controle judicial, exceto nos casos de urgência inadiável, quando o controle deverá ser feito posteriormente.

No Brasil, as intervenções corporais previstas em lei são pouquíssimas e, não bastasse, nem sempre vêm sendo admitidas pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, geralmente sob a fundamentação – equivocada, segundo nos parece – de desrespeito a um suposto princípio constitucional da não autoincriminação.

(…) embora pertencentes ao acusado, determinados objetos materiais e/ou substâncias orgânicas poderão validamente ser objeto de prova (pertences pessoais, impressões digitais, etc.), desde que:

a) tenham sido disponibilizados por ele, isto é, dispensados voluntariamente de seu domínio (cigarro, por exemplo);

b) embora involuntariamente, caso de um acidente ou no curso de quaisquer ações criminosas, estejam ao alcance de terceiros e fora da disponibilidade do agente (sangue e/ou material para exame de DNA), desde que, evidentemente, a sua utilização (das substâncias orgânicas) não cause nem possa causar qualquer tipo de dano à integridade física, psíquica ou à dignidade do suspeito/indiciado/acusado.

(…) Determinadas intervenções corporais, quando não puserem em risco a integridade física e psíquica do acusado em processo penal, e desde que previstas em lei, não encontram obstáculos em quaisquer princípios constitucionais (…).

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(…) uma vez que se legitime a condução coercitiva ou a prisão em flagrante, fato é que o agente poderá ser submetido à perícia médica, sem que isso importe qualquer violação a direito individual. A intervenção corporal então prevista (Lei nº 12.760/2012), desde que realizada por médico – e justificada, repita-se! - nada tem de inconstitucional. E que se esclareça também que: a) não há previsão legal de extração de sangue, como ocorre, por exemplo, no art. 81 do Código de Processo penal alemão; b) do mesmo modo que o agente não pode ser compelido a soprar o bafômetro (sem que isso implique direito subjetivo a não fazer prova contra si), não poderá ele ser forçado a realizar atos físicos em que exijam manifestação ativa de sua vontade; c) no entanto, poderá ser submetido ao exame médico passivo, a ser feito sem ingerência corporal abusiva ou ilegal.

Uma modalidade também de intervenção corporal normalmente aceita sem maiores questionamentos diz respeito à identificação criminal, atualmente prevista na Lei nº 12.037/2009.

(…)

Eis, então, que se chega à Lei nº 12.654/12, a cuidar da identificação genética, primeiro, como finalidade probatória no curso de investigações, e, segundo, como obrigatoriedade para condenados em crimes praticados com grave violência e para aqueles capitulados como hediondos.

(…)

O direito ao silêncio (…) presta-se, pois, a cumprir duas relevantes missões: a de exigir uma decisão judicial fundada em provas materiais, e não em meras presunções, estabelecidas a partir do depoimento do acusado; e também a de proteger a integridade física e psíquica do réu. (…) não se pode querer impedir certas intervenções, quando não estão em risco as apontadas garantias.

Enfim: nas hipóteses de eventual recusa por parte do acusado em se submeter à determinada intervenção, qual seria a solução, dado que se sabe impossível (e vedada pelo direito) a coação forçada (a redundância é proposital) do agir humano, para as finalidades legais? No caso do bafômetro, impensável e inaceitável qualquer tentativa de coerção física sobre a pessoa, com o fim de obtenção da prova.

(…)

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O que nos afigura perfeitamente possível é que o Juiz Criminal, quando diante de um quadro probatório existente, mas ainda insuficiente, possa valer-se da presunção (legal) para, diante da ausência de explicações minimamente razoáveis para a citada recusa (ao meio de prova válido), convencer-se em um ou outro sentido.

b) DELTAN DALLAGNOL - (DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. A lógica das provas no processo penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015. p. 305-306)

Em nosso entender, o direito fundamental à não autoincriminação – nemo tenetur se detegere – não veda que se extraia inferência adversa da omissão em produzir provas de fácil acesso ao réu, dentro de certas circunstâncias (condições apresentadas no fim desse item), o que também está em conformidade com o espírito de decisões de Tribunais Internacionais de Direitos Humanos e de Corte Estrangeiras. Não ignoramos que a maior parte da doutrina brasileira se posiciona de modo contrário ao que é aqui apregoado. Apresentamos, contudo, ainda que resumidamente, uma visão alternativa, crítica, que não deixa de ter também forte amparo em países e corte de tradição democrática e com idênticas previsões normativas.

O nemo tenetur se detegere, no Brasil tem sua (suposta) base jurídica inferida do direito ao silêncio. Este último está previsto no artigo 14, item 3, alínea “g”, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, da ONU, que estabelece o direito da pessoa de “não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada”. O direito ao silêncio tem também amparo no art. 8º, item 2, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que garante à pessoa a presunção de inocência e o ônus probatório da acusação, bem como na alínea “g” daquele dispositivo, que finca o “direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada”. Em nossa Constituição, sua base é no art. 5º, LXIII, segundo o qual o preso tem o direito de permanecer calado. No código de Processo Penal, art 186 garante igualmente, o direito ao silêncio.

Moro desenvolve interessante estudo sobre o direito nacional e comparado no tocante ao direito à não autoincriminação. Moro vai à raiz histórica do direito à não autoincriminação, inferindo que o objetivo é uma prevenção (relativa) contra a confissão mediante coação, bem como isentar o acusado do dilema entre confessar e cometer perjúrio, o que poderia ser uma indução ao cometimento do crime. Abordando os Direitos norte-americano, alemão, português, argentino e francês, demonstra que não há no direito

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comparado uma prerrogativa geral do acusado de não provas contra si, ainda que haja alguns limites que devam ser atendidos, usualmente ligados ao princípio da proporcionalidade. Além disso, como bem ressalta, não há uma base legal expressa para tal direito no Brasil. Na falta de previsão expressa divergente, tal direito deve ser construído, se for fruto de uma interpretação constitucional, dentro dos parâmetros em que é configurado na doutrina internacional de direitos humanos.805

c) Jurisprudência

PRONÚNCIA - ARTS. 121, §2º-IV DO CÓDIGO PENAL (DUAS VEZES), 306 E 307 DA LEI Nº 9.503/97.I. EXAME DE DOSAGEM ALCÓOLICA - COLETA DE MATERIAL HEMATOLÓGICO DE AGENTE INCONSCIENTE - OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL CONTRA A AUTOINCRIMINAÇÃO (ART. 5º-LXIII) – ILICITUDE. Aquele que se expõe a atos de persecução penal ostenta a prerrogativa constitucional de não se autoincriminar, mostrando-se imprestável, assim, o exame de alcoolemia realizado a partir de amostra sanguínea extraída de acusado - inconsciente - sem condições de exercer o direito de não produzir elementos de incriminação contra si, enquanto privado da capacidade de se autodeterminar. II. HOMICÍDIOS OCORRIDOS NO TRÂNSITO - DOLO EVENTUAL – INDÍCIOS SUFICIENTES - DESCLASSIFICAÇÃO PARA A MODALIDADE CULPOSA - INADMISSIBILIDADE - VIOLAÇÃO DA SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA CONDUZIR VEÍCULO AUTOMOTOR - INDICATIVOS - APRECIAÇÃO AFETA AO TRIBUNAL DO JÚRI. Revela indícios de dolo eventual o comportamento do motorista que, dirigindo embriagado e em excesso de velocidade - indiferente ao sinal de advertência (indicação luminosa em amarelo intermitente) emitido do semáforo instalado no local -, envolve-se em desastre automobilístico, de modo a causar a morte de duas pessoas. De rigor, pois, a sua pronúncia, para que o Conselho de Sentença dirima a controvérsia sobre o elemento subjetivo dos homicídios imputados, bem assim quanto à configuração do crime conexo (art. 78-I, CPP). III. QUALIFICADORA (RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU A DEFESA DAS VÍTIMAS) - INCOMPATIBILIDADE - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A imputação de dolo eventual não se compatibiliza com a da qualificadora do art. 121-§2º-IV do Código Penal IV. DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB A INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL – CONSUNÇÃO. Evidenciado nexo de dependência entre a conduta menos danosa (art. 306, CTB) e as mais graves (art. 121, CP) irrogadas, a aplicação do princípio da consunção é exigência técnica que se impõe. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DESPROVIDO. RECURSO DO ACUSADO PARCIALMENTE PROVIDO.(TJPR - 1ª C. Criminal - RSE - 776448-9 - Curitiba - Rel.: Telmo Cherem - Unânime - - J. 20.02.2014).

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4.2 A oitiva mediante condução coercitiva durante a investigação: indiciado e testemunha.

a) Condução coercitiva é legítimo mecanismo da persecução penal. Henrique Hoffmann Monteiro de Castro e Adriano Souza Costa, texto integral publicado em: http://www.conjur.com.br/2016-mar-11/conducao-coercitiva-legitimo-mecanismo-persecucao-penal.

“(…) Não se nega que o viés mais conhecido da condução coercitiva é de sanção processual decorrente do descumprimento de ordem, verdadeiro contempt of Court dada a ofensa à dignidade da Justiça e autoridade de seus agentes.(…). É aplicada quando um sujeito, seja vítima, testemunha, suspeito, perito ou adolescente (artigos 201, parágrafo 1º, 218, 260 e 278 do CPP, artigo 80 da Lei 9.099/1995 e artigo 187 do ECA) desobedece injustificadamente à prévia intimação para comparecer perante à autoridade. Consiste, portanto, em mecanismo de condução à força do recalcitrante, a fim de que participe de ato no qual sua presença seja essencial.

Todavia, sua utilização é muito mais ampla, consubstanciando-se como antecedente lógico de uma diligência probatória coarctante (como o reconhecimento pessoal), de uma medida cautelar diversa da prisão (tal qual a monitoração eletrônica) ou até mesmo de ato encarcerador propriamente dito (a exemplo da prisão em flagrante).

Deve ocorrer num curto lapso temporal, não podendo exceder algumas horas, tempo suficiente para a colheita dos elementos pela Polícia Judiciária, e não se limita ao rol taxativo da Lei de Prisão Temporária (artigo 1º, inciso III da Lei 7.960/89).

Com efeito, a condução coercitiva é medida necessária não apenas para a realização de interrogatório do recalcitrante. Comumente utilizada no “dia D” de operações policiais (deflagração da fase externa do inquérito policial), também serve para evitar a ocultação ou destruição de objetos durante busca e apreensão domiciliar, realizar interrogatórios simultâneos (sem afastar o direito de permanecer em silêncio) a fim de impedir que diferentes investigados combinem versões com o intuito de burlar a Justiça, possibilitar o reconhecimento pessoal, concretizar a identificação criminal (Lei 12.037/2009) e o eventual indiciamento formal.

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Trata-se de medida cautelar híbrida, de natureza pessoal e probatória, que importa em certo grau de tolhimento da liberdade do indivíduo e volta-se teleologicamente à obtenção de algum elemento informativo ou probatório. Cuida-se de medida autônoma, uma vez que independe de prévia intimação do conduzido, e procura preservar a higidez das fontes de prova. Não afeta a inexigibilidade de autoincriminação, mas apenas materializa a teoria da perda de uma chance probatória, porquanto o Estado não pode se esquivar da incumbência de produzir material probatório sólido para demonstrar de forma robusta a materialidade e autoria delitivas.

Incide quando se vislumbra a necessidade de evitar um mal maior, pela possibilidade imediata de uma medida cautelar mais gravosa, a exemplo da prisão cautelar, aplicando-se em seu lugar outra medida com menor grau de coerção da liberdade de locomoção. Exemplo do que está a se defender é a decretação da condução coercitiva de um suspeito com a finalidade de realizar a identificação criminal, como substitutivo direto à decretação da prisão preventiva identificadora (artigo 313, parágrafo único do CPP) ou mesmo da prisão temporária (artigo 1º, II e III da Lei 7.960/89).

Decorre do poder geral de cautela do juiz (artigo 798 do CPC e artigo 297 do NCPC), aplicável por analogia (artigo 3º do CPP). Ora, estando autorizada pela lei a limitação do direito em um volume maior que o finalmente ocasionado pelo meio substitutivo menos gravoso, nada mais lógico que permitir a restrição da liberdade do indivíduo num grau menor do que o previsto legalmente.

É cediço que a Lei 12.403/2011, ao elencar um vasto leque de medidas cautelares diversas da prisão nos artigos 317, 319 e 320 do CPP, rompeu com a bipolaridade que vigorava no sistema cautelar brasileiro, que só possuía previsão esparsa dessa natureza de medida (a exemplo do artigo 294 do CTB e artigo 22 da Lei 11.340/2006).

O legislador sinalizou pela admissão desse mecanismo antes mesmo da inclusão do rol exemplificativo do CPP, quando a Lei 11.719/2008 acrescentou o parágrafo único do artigo 387 do CPP, determinando que o juiz decida fundamentadamente pela imposição de prisão preventiva ou outra medida cautelar.

Como destacado, a medida não se presta a obrigar o suspeito a colaborar com a investigação. Permanece íntegro o nemo tenetur se

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detegere, não podendo o conduzido ser compelido a esclarecer os fatos criminosos, a participar de reconstituição simulada do crime, a fornecer padrões gráficos e vocais para perícia, a realizar exame de etilômetro ou de sangue, ou a qualquer outro comportamento ativo autoincriminador.

O objetivo é evitar que prejudique a persecução penal. Não importa se elementos serão efetivamente produzidos com base na condução coercitiva, pois o que se busca é que não se perca a chance de produzi-los.

Importante rememorar que o privilégio contra a autoincriminação não tem o condão de desobrigar o indivíduo a fornecer dados corretos sobre sua identidade e qualificação, e a mentira sobre tais informações inclusive pode configurar crime.”

b) STF, condução coercitiva de indiciado pela autoridade policial – desnecessidade de ordem judicial (Informativo STF nº 639):

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CONDUÇÃO DO INVESTIGADO À AUTORIDADE POLICIAL PARA ESCLARECIMENTOS. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 144, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO ART. 6º DO CPP. DESNECESSIDADE DE MANDADO DE PRISÃO OU DE ESTADO DE FLAGRÂNCIA. DESNECESSIDADE DE INVOCAÇÃO DA TEORIA OU DOUTRINA DOS PODERES IMPLÍCITOS. PRISÃO CAUTELAR DECRETADA POR DECISÃO JUDICIAL, APÓS A CONFISSÃO INFORMAL E O INTERROGATÓRIO DO INDICIADO. LEGITIMIDADE. OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO. USO DE ALGEMAS DEVIDAMENTE JUSTIFICADO. CONDENAÇÃO BASEADA EM PROVAS IDÔNEAS E SUFICIENTES. NULIDADE PROCESSUAIS NÃO VERIFICADAS. LEGITIMIDADE DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. ORDEM DENEGADA. I – A própria Constituição Federal assegura, em seu art. 144, § 4º, às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais. II – O art. 6º do Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece as providências que devem ser tomadas pela autoridade policial quando tiver conhecimento da ocorrência de um delito, todas dispostas nos incisos II a VI. III – Legitimidade dos agentes policiais, sob o comando da autoridade policial competente (art. 4º do CPP), para tomar todas as providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se aí a condução de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as garantias legais e constitucionais dos conduzidos. IV – Desnecessidade de invocação da chamada teoria ou doutrina dos poderes

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implícitos, construída pela Suprema Corte norte-americana e incorporada ao nosso ordenamento jurídico, uma vez que há previsão expressa, na Constituição e no Código de Processo Penal, que dá poderes à polícia civil para investigar a prática de eventuais infrações penais, bem como para exercer as funções de polícia judiciária. V – A custódia do paciente ocorreu por decisão judicial fundamentada, depois de ele confessar o crime e de ser interrogado pela autoridade policial, não havendo, assim, qualquer ofensa à clausula constitucional da reserva de jurisdição que deve estar presente nas hipóteses dos incisos LXI e LXII do art. 5º da Constituição Federal. VI – O uso de algemas foi devidamente justificado pelas circunstâncias que envolveram o caso, diante da possibilidade de o paciente atentar contra a própria integridade física ou de terceiros. VII – Não restou constatada a confissão mediante tortura, nem a violação do art. 5º, LXII e LXIII, da Carta Magna, nem tampouco as formalidade previstas no art. 6º, V, do Código de Processo Penal. VIII – Inexistência de cerceamento de defesa decorrente do indeferimento da oitiva das testemunhas arroladas pelo paciente e do pedido de diligências, aliás requeridas a destempo, haja vista a inércia da defesa e a consequente preclusão dos pleitos. IX – A jurisprudência desta Corte, ademais, firmou-se no sentido de que não há falar em cerceamento ao direito de defesa quando o magistrado, de forma fundamentada, lastreado nos elementos de convicção existentes nos autos, indefere pedido de diligência probatória que repute impertinente, desnecessária ou protelatória, sendo certo que a defesa do paciente não se desincumbiu de indicar, oportunamente, quais os elementos de provas pretendia produzir para levar à absolvição do paciente. X – É desprovido de fundamento jurídico o argumento de que houve inversão na ordem de apresentação das alegação finais, haja vista que, diante da juntada de outros documentos pela defesa nas alegações, a magistrada processante determinou nova vista dos autos ao Ministério Público e ao assistente de acusação, não havendo, nesse ato, qualquer irregularidade processual. Pelo contrário, o que se deu na espécie foi a estrita observância aos princípios do devido processo legal e do contraditório. XI – A prisão cautelar se mostra suficientemente motivada para a garantia da instrução criminal e preservação da ordem pública, ante a periculosidade do paciente, verificada pela gravidade in concreto do crime, bem como pelo modus operandi mediante o qual foi praticado o delito. Ademais, o paciente evadiu-se do distrito da culpa após a condenação. XII – Ordem denegada.” (HC 107644, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 06/09/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-200 DIVULG 17-10-2011 PUBLIC 18-10-2011)

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c) Debaixo de vara: a condução coercitiva como cautelar pessoal autônoma. Vladimir Aras. Texto integral publicado em: https://blogdovladimir.wordpress.com/2013/07/16/a-conducao-coercitiva-como-cautelar-pessoal-autonoma/.

“A segunda espécie de condução coercitiva é mais moderna e deriva do poder geral de cautela dos magistrados, sendo uma cautelar pessoal substitutiva das prisões processuais. Esta providência não se acha inscrita no rol exemplificativo do art. 319 do CPP.

A condução coercitiva autônoma — que não depende de prévia intimação da pessoa conduzida — pode ser decretada pelo juiz criminal competente, quando não cabível a prisão preventiva (arts. 312 e 313 do CPP), ou quando desnecessária ou excessiva a prisão temporária, sempre que for indispensável reter por algumas horas o suspeito, a vítima ou uma testemunha, para obter elementos probatórios fundamentais para a elucidação da autoria e/ou da materialidade do fato tido como ilícito.

Assim, quando inadequadas ou desproporcionais a prisão preventiva ou a temporária, nada obsta que a autoridade judiciária mande expedir mandados de condução coercitiva, que devem ser cumpridos por agentes policiais sem qualquer exposição pública do conduzido, para que prestem declarações à Polícia ou ao Ministério Público, imediatamente após a condução do declarante ao local da depoimento. Tal medida deve ser executada no mesmo dia da deflagração de operações policiais complexas, as chamadas megaoperações.

Em regra, para viabilizar a condução coercitiva será necessário demonstrar que estão presentes os requisitos para a decretação da prisão temporária, mas sem a limitação do rol fechado (numerus clausus) do art. 1º da Lei 7.960/89. A medida de condução debaixo de vara justifica-se em virtude da necessidade de acautelar a coleta probatória durante a deflagração de uma determinada operação policial ou permitir a conclusão de uma certa investigação criminal urgente.

Diante das circunstâncias do caso concreto, a prisão temporária pode ser substituída por outra medida menos gravosa, a partir do poder geral de cautela do Poder Judiciário, previsto no art. 798 do CPC e aplicável ao processo penal com base no art. 3º do CPP. Tal medida cautelar extranumerária ao rol do art. 319 do CPP reduz a coerção do Estado sobre o

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indivíduo, limitando-a ao tempo estritamente necessário para a preservação probatória, durante a fase executiva da persecução policial.

De fato, a condução coercitiva dos suspeitos sempre será mais branda que a prisão temporária; a medida restringe de modo mais suave a liberdade pessoal, somente enquanto as providências urgentes de produção de provas (cumprimento de mandados de buscas, por exemplo) estiverem em curso.

Se o legislador permite a prisão temporária por (até) 5 dias, prorrogáveis por mais 5 dias nos crimes comuns, a condução coercitiva resolve-se em um dia ou menos que isto, em algumas horas, mediante a retenção do suspeito e sua apresentação à autoridade policial para interrogatório sob custódia, enquanto as buscas têm lugar. Ou seja, a condução sob vara deve durar apenas o tempo necessário à instrução preliminar de urgência, não devendo persistir por prazo igual superior a 24 horas, caso em que se trasveste em temporária.

Sendo menos prolongada que as prisões cautelares, a condução coercitiva guarda ainda as mesmas vantagens que a custódia temporária, pois permite que a Polícia interrogue todos os envolvidos no mesmo momento, visando a evitar, pela surpresa, as versões “combinadas” ou que um suspeito oriente as declarações de uma testemunha ou a pressione, na fase da apuração preliminar, ou que documentos ou ativos sejam suprimidos, destruídos ou desviados.

Como vimos, o Ministério Público pode requisitar a condução coercitiva de vítimas e testemunhas (mas não suspeitos ou investigados), sem intervenção judicial, à luz do art. 8º, inciso I, da Lei Complementar 75/93 e do artigo 26, inciso I, alínea ‘a’, da Lei 8.625/93. Porém, a cautelar pessoal autônoma objeto deste post só pode ser determinada pela autoridade judiciária competente, tendo em vista que recai primordialmente sobre o suspeito ou investigado e interfere, ainda que em menor extensão, sobre o seu jus libertatis. Ademais, para alguns, incorporar-se-ia ao direito ao silêncio o direito de não comparecer em juízo (e também portanto à delegacia), entendimento cuja possibilidade advém dos arts.185. 327 e 457 do CPP. (…).

Para sua efetivação, a condução coercitiva deve ser necessária para a conclusão das investigações, devendo a Polícia observardas garantias constitucionais do custodiado, como odireito ao silêncio, o direito à

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assistência de advogado, o direito à integridade física e o direito à imagem, impedindo-se inclusive a exposição pública do suspeito, salvo por relevante interesse público.

Em suma, nada impede que a Polícia, diante das circunstâncias do caso concreto, que exijam esforço concentrado para concluir diligências investigativas com celeridade, promova a condução coercitiva de investigados, com o aval do Poder Judiciário, mediante prévio requerimento do Ministério Público, na condição de dominus litis e ombudsman geral. Neste cenário, a condução coercitiva, como medida (cautelar) autônoma é muito menos prejudicial ao status libertatis do suspeito ainda presumivelmente inocente do que a prisão temporária e a prisão preventiva, podendo ser tão eficiente quanto a primeira.”

4.3 O advogado no inquérito policial e no procedimento investigatório criminal: acesso aos autos e Lei nº 13.345/2016.

4.3.1 Acesso aos autos: a Súmula Vinculante nº 14 do STF.

Uma interpretação que considere o sistema processual brasileiro conclui que é possível, através de manifestação fundamentada em fatos concretos produzidos pela investigação, a decretação de seu sigilo (vide o artigo 14, da Resolução nº 13, do CNMP, em relação à decretação do sigilo no bojo do procedimento investigatório criminal) e, inclusive, o indeferimento de cópias a defensa de investigado quando estas cópias sejam reveladoras do programa de investigação que está sendo desenvolvido e cujo conhecimento frustrará o seu regular desenvolvimento, nos termos da própria fundamentação que levou à redação da Súmula Vinculante nº 14, do Supremo Tribunal Federal.

Neste viés, quando da aprovação da redação da Súmula Vinculante nº 14 do Supremo Tribunal Federal o voto do Ministro CÉZAR PELUZZO sustenta exatamente este entendimento:

“... O que ficou muito claro, não apenas no meu voto condutor naquele habeas corpus, mas também em outros, é que duas coisas devem ser

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distinguidas nos inquéritos policiais: uma coisa são os elementos de provas já documentados... Outra coisa são todos os demais movimentos, atos, ações e diligências da autoridade policial que também compõem o inquérito. A autoridade policial, pode, por exemplo, proferir despacho que determine certas diligências cujo conhecimento pode frustrá-las; a esses despachos, a essas diligências, o advogado não tem direito de acesso prévio, porque seria concorrer com a autoridade policial na investigação e, evidentemente, inviabilizá-la. Por isso, da ementa consta textualmente: “ter acesso amplo aos elementos que, já documentados”. Isto é, elementos de prova. Por isso, tal ementa, a meu ver, resguarda os interesses da investigação criminal, não apenas das diligências em andamento, mas ainda das diligências que estão em fase de deliberação. A autoridade policial fica autorizada a não dar ciência prévia desses dados ao advogado, a qual poderia comprometer o resultado final da investigação... Há certas diligências cuja realização não se exaure em si mesma, mas aponta para outras... Isto é, as autoridades policiais continuarão autorizadas a estabelecer seu programa de investigação sem que os advogados lhe tenham acesso. O que não poderão evitar é apenas isso, e que me parece fundamental na súmula: os elementos de prova já coligidos, mas que não apontem para outras diligências, que não impliquem conhecimento do programa de investigação da autoridade policial, enfim que não cerceiem de nenhum modo o Estado no procedimento de investigação, esses não podem ser subtraídos do advogado. Então, ele terá acesso, mas evidentemente a autoridade policial estará autorizada a separar os elementos de inquérito...”

4.3.2. Contraditório na primeira fase da persecução penal? A Lei nº 13.345/2016.

AFRANIO SILVA JARDIM (livre-docente em Direito Proc.Penal pela UERJ, professor associado da mesma universidade e Procurador de Justiça aposentado. Texto publicado pelo autor na internet, verão de 2016).

“Aos poucos, vamos examinando algumas questões que estão sendo suscitadas pela doutrina em face da reforma de alguns poucos dispositivos do chamado Estatuto da OAB, (LEI 13245/2016).

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Acho que tem faltado, em algumas destas primeiras abordagens, o que sempre me pareceu essencial: a visão de sistema. Qualquer interpretação que se faça não pode perder de vista que o inquérito e o processo penal estão inseridos em um sistema que deita suas raízes na Constituição Federal e se compõe de princípios jurídicos harmônicos. O que falamos a respeito do inquérito policial vale para todos os outros procedimentos investigatórios de condutas delituosas. Gostemos do inquérito policial ou não, o fato é que a opção pelo chamado sistema processual penal acusatório, por incrível que possa parecer, torna necessária a existência de um prévio procedimento investigatório inquisitivo.

O processo acusatório se inicia pelo exercício do direito de ação penal da parte legitimada. Esta parte precisa saber previamente do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias juridicamente relevantes, para fazer uma imputação apta, bem como precisa apresentar ao juiz um suporte probatório mínimo de tudo que narrou na sua denúncia ou queixa (não apenas autoria e materialidade, como dizem alguns).

Assim, constata-se que, no sistema acusatório, o processo penal não se destina a investigar crimes, mas sim tem por escopo receber a prova de sua existência, autoria, participação e demais circunstâncias. Tudo isto diverso do que ocorre no chamado Juizado de Instrução, onde a primeira fase do processo se destina à investigação judicial do crime, sua autoria, etc

Desta forma, a existência de uma investigação inquisitiva prévia à instauração do processo penal é uma exigência do nosso sistema acusatório. O que ocorreu, ao longo dos anos, foi uma distorção monumental: o inquérito era para ser um procedimento célere que se encerraria no prazo de trinta dias, salvo exceções devidamente justificadas. Se o indiciado estiver preso, o prazo é de dez dias (na Justiça Federal, estes prazos são um pouco dilatados). Pelo sistema do código, o Ministério Público só pode requerer a devolução do inquérito à delegacia policial de origem para diligências “imprescindíveis ao oferecimento da denúncia”. A realidade atropelou o sistema processual e o inquérito virou um “gigante”, muito mais importante do que os atos do próprio processo penal. Não se modificando esta realidade, tudo continuará “esquizofrênico” como está há quase cem anos...

Voltando ao plano normativo, gostaríamos de opinar sobre as consequências da nova regra que diz: “XXI - assistir a seus clientes

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investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:

a) apresentar razões e quesitos;” Já foram publicados alguns estudos no sentido de que, em face deste novo dispositivo legal, a nulidade de algum ato probatório ou investigatório poderá contaminar de nulidade o futuro processo penal. O processo poderia vir a ser anulado em razão de nulidade existente no procedimento investigatório prévio.

Discordo deste entendimento e julgo que ele decorre justamente da falta de visão sistemática de como opera o nosso processo penal, consoante advertimos no início desta breve reflexão. Inicialmente, como já deixei escrito em texto anterior, entendo que a nova regra não tenha trazido o contraditório para o inquérito policial, o que o transformaria em uma primeira fase do processo: juizado de instrução sem juiz !!!!! O que a nova lei assegura é a assistência jurídica do advogado ao seu cliente, quando convocado a participar de algum ato no procedimento investigatório, com sua presença e aconselhamento, tendo tomado conhecimento do que já foi realizado. Por outro lado, se há nulidade em algum ato probatório em qualquer procedimento investigatório inquisitivo o que cabe fazer é reconhecer a sua “eficácia” natural, vale dizer, retirar-lhe o seu valor probatório. Acho até que a documentação deste ato probatório deveria ser desentranhada do procedimento investigatório, preclusa a decisão que reconheceu tal nulidade. Destarte, se tal ato probatório era o único que outorgava à acusação o chamado suporte probatório mínimo (antigamente eu usava a expressão “justa causa”), o processo penal não deve ser anulado, mas sim extinto sem resolução do mérito, por falta agora de uma condição para a continuação do exercício do direito de ação penal.

Entretanto, se a denúncia ou queixa ainda não foi apresentada, nada impede que continue a busca da necessária prova para legitimar o exercício da ação penal. Se esta prova não for produzida, não se poderá acusar o indicado, por falta de suporte probatório mínimo, pois a única e mencionada prova do inquérito é nula, por ausência de assistência do advogado. Por derradeiro, se for obtida prova que não decorra daquele ato nulo do inquérito e se esta prova já configura um suporte probatório mínimo, o direito de ação penal pode e deve ser exercido. Caso o processo já tenha sido instaurado, não há qualquer nulidade nos atos da nova relação processual penal, pois este processo está lastreado em prova válida.

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Em resumo: a nulidade de algum ato do procedimento investigatório prévio jamais pode levar à nulidade do processo penal. Pode sim, se for a única prova a legitimar o exercício da ação penal, levar à extinção desta relação processual sem resolução do mérito, por falta de suporte probatório mínimo que legitime a acusação penal (condição da ação que chamávamos de “justa causa”).

Ao final, duas breves observações:

1 - Acima usei as expressões nulo e anulável de forma usual, embora para nós, no processo, só tenhamos anulabilidades, pois o ato processual sempre produz efeitos até ser desconstituído, desconstituição esta que, por vezes, até se torna impossível pela preclusão, coisa julgada, etc;

2 – Tecnicamente, não devemos falar em nulidade (ou anulabilidade) de determinada prova. Mais próprio seria dizer inadmissibilidade (se não produzida) ou ineficácia (se produzida) da prova.”

4.4 O reconhecimento pessoal do artigo 226 do CPP e o reconhecimento fotográfico

4.4.1 Irrelevância da não observância do procedimento do artigo 226, do CPP durante reconhecimento realizado em sede de inquérito policial

a) E. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

APELAÇÃO CRIME - ART. 157 , § 2º , INC. I E II , DO CÓDIGO PENAL - ROUBO DUPLAMENTE MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE PESSOAS - APTE1: INSURGÊNCIA RECURSAL ABSOLUTÓRIA PELA INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA, INOBSERVÂNCIA DO ART. 226 DO CPP, E, ALTERNATIVAMENTE, RECONHECIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - HARMONIA DOS DEPOIMENTOS DOS ADOLESCENTES APREENDIDOS - PALAVRA DA VÍTIMA - CONJUNTO PROBATÓRIO EFICAZ – RECONHECIMENTO DA VÍTIMA RATIFICADO NA AUDIÊNCIA EM JUÍZO - IRRELEVÂNCIA DO ART. 226 DA FASE POLICIAL - IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA - RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO, COM REDUÇÃO DE OFÍCIO DA CARGA PENAL, EXTENSÍVEL AO APELANTE 2. - APTE2: INTEMPESTIVIDADE - RECURSO NÃO CONHECIDO. “Importante frisar que nos

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delitos contra o patrimônio, a palavra da vítima tem peso valorizado, visto que, invariavelmente, presencia o fato sob violenta tensão emocional, e quando prestado sem hesitação, constitui prova válida e contundente a ensejar a configuração da autoria.” (Apelação Criminal nº 620.972-9, Rel. Maria José de Toledo Marcondes Teixeira, 5ª Câmara Criminal, DJ05/03/2010). STF: “Irrelevante o fato de o reconhecimento pessoal do réu ter-se efetuado sem observância das formalidades inscritas no art. 226 , I , do CPP se efetivado através de depoimento de testemunha ratificado quando posteriormente reinquirida em audiência à qual presente o defensor constituído do acusado, que formulou reperguntas, tanto mais se assentada a condenação no conjunto probatório e não apenas naquele elemento de convicção. (RT 666/379)” (TJPR, AC nº 598.332-6, Rel. Des. Maria José de Toledo Marcondes Teixeira, 5ª C. Crim., unânime, DJ 09/04/2010).

4.4.2 Reconhecimento fotográfico – prova legítima – matéria referente à valoração do conjunto probatório.

a) E. Supremo Tribunal Federal:

“Habeas corpus. Roubo majorado. Alegada nulidade do processo por conter reconhecimento fotográfico realizado sem a presença do paciente. Ausência de requisição de réu preso para audiência de inquirição de testemunhas. Nulidade relativa. Alegação extemporânea e ausência de prejuízo. Alegação de inversão da ordem de colheita da prova oral. Apreciação per saltum. Impossibilidade. Supressão de instância. Ordem conhecida em parte e denegada. I - O reconhecimento fotográfico do acusado, quando ratificado em juízo, sob a garantia do contraditório e da ampla defesa, pode servir como meio idôneo de prova para lastrear o édito condenatório. Ademais, como na hipótese dos autos, os testemunhos prestados em juízo descrevem de forma detalhada e segura a participação do paciente no roubo. Precedentes. II - Tratando-se de réu preso, a falta de requisição para o comparecimento à audiência de oitiva de testemunhas realizada em outra comarca acarreta nulidade relativa, devendo ser arguida em momento oportuno e provado o prejuízo, o que não ocorreu nos autos. Precedentes. III - Demais alegações não foram suscitadas nas instâncias antecedentes e sua apreciação originária pelo Supremo Tribunal implicaria inadmissível supressão de instância. Questões, ademais, que, por envolver reexame de matéria de fato, mostram-se insuscetíveis de apreciação no caso concreto pela via do habeas corpus. Precedentes. IV - Ordem conhecida em parte e, na parte conhecida, denegada” (HC 104404, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 21/09/2010, DJe-230 DIVULG 29-11-2010 PUBLIC 30-11-2010 EMENT VOL- 02441-02 PP-00249).

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4.5 Recomendações da psicologia experimental para realizar oitivas e reconhecimentos.

4.5.1 A psicologia experimental e suas recomendações para efetuar reconhecimentos de suspeitos, entrevistar testemunhas e interrogar investigados (Dan Simon, In doubt: the psychology of the criminal justice process. Harvard University Press: Cambridge, 2012)

“As seguintes recomendações buscam instruir protocolos de boas práticas. São todas voltadas à maximização da precisão da identificação de suspeitos e à transparência do processo empregado:

1 – Na medida do possível reconstruções faciais om desenhos devem ser evitadas;2 – Os reconhecimentos devem ser realizados apresentando-se o suspeito simultaneamente com outras pessoas inocentes, numa lineup, evitando-se apresentações sucessivas do suspeito e dos demais sujeitos; lineups em vídeo ou reais devem preferir as fotográficas;3 – Suspeitos devem ser submetidos a lineups somente se pairar alguma suspeita concreta sobre eles;4 – Antes do reconhecimento nenhuma testemunha deve ser exposta a nenhum tipo de informação sobre o suspeito;5 – As lineups devem ser realizadas o quanto antes após a testemunha presenciar o evento criminoso;6 – As lineups devem incluir apenas o suspeito e cinco ou mais pessoas reconhecidamente inocentes;7 – As demais pessoas que serão alinhadas com o suspeito devem possuir características similares às descritas pelo reconhecedor e não possuir diferenças físicas notáveis para com a pessoa do suspeito;8 – Ao suspeito deve ser permitido escolher o seu lugar na lineup, bem como trocar de lugar em casos de sucessivos reconhecimentos;9 – O reconhecedor deve ser instruído que o autor do fato criminosos “pode ou não” estar naquela lineup e que é apropriado responder que o autor não está presente e que o reconhecedor não pode reconhecê-lo naquela lineup;10 – Diferentes suspeitos devem ser apresentados sequencialmente e não simultaneamente;

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11 – O procedimento de reconhecimento deve ser às cegas: o administrador não deve saber a identidade do suspeito, fato que deve ser comunicado ao reconhecedor;12 – O administrador deve se abster de qualquer tipo de comunicação ou de comportamento que possa se interpretado como sugestivo ou revelador da identidade do suspeito;13 – O reconhecedor deve anunciar se o reconhecimento foi positivo ou negativo, seguido de um anúncio de seu grau de confiança mo ato. O reconhecedor não deve receber nenhum retorno por parte do administrador do ato em relação ao seu desempenho;14 – O tempo que o reconhecedor levou para indicar ou não o reconhecido deve ser registrado;15 - Na medida do possível, o reconhecedor deve participar de apenas um procedimento de identificação; em casos excepcionais nos quais reconhecimentos sucessivos são necessários, as mesmas pessoas devem compor a lineup;16 – O reconhecedor que reconhece alguém que não é suspeito não deve providenciar testemunho visando identificar o autor do fato criminoso;17 – O reconhecedor que falha em reconhecer alguém, hesita, ou expressa baixa confiança deve ser considerado alguém com um nível baixo de memória do suspeito;18 – O procedimento de reconhecimento deve ser gravado na sua íntegra, preferencialmente em áudio e vídeo. A gravação deve incluir as instruções dadas pelo administrador do reconhecimento e as imagens, inclusive do reconhecedor.

Recomendações para oitiva de testemunhas sobre o evento criminoso:

1 – As entrevistas devem ocorrer o quanto antes depois de acontecido o evento criminoso;2 – As entrevistas de diferentes testemunhas devem ser realizadas separadamente; as testemunhas devem ser advertidas a não conversarem entre si;3 – As testemunhas devem ser encorajadas a distinguir o que estão narrando a partir de suas percepções do ocorrido de eventos cujo conhecimento tenha se dado por outras fontes;4 – As entrevistas devem respeitar o estado físico e psicológico, bem como a personalidade da testemunha;

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5 – O entrevistador não deve fornecer nenhum dado da investigação ao entrevistado;6 – O entrevistador deve evitar perguntas que induzam a uma determinada resposta, ou sugerir na pergunta formulada qual a resposta desejada;7 – O entrevistador não deve pressionar a testemunha, ou estimulá-la a tentar lembrar, imaginar, especular e adivinhar fatos acerca do evento criminoso;8 – O entrevistador não deve demonstrar satisfação ou insatisfação, ou expressar desapontamento com falhas na memória da testemunha entrevistada;9 – Sucessivas entrevistas devem ser evitadas. Os mesmos fatos devem ser evitados em uma nova entrevista;10 – Todas as entrevistas devem ser eletronicamente registradas em áudio e vídeo.

Interrogando suspeitos:

1 – Investigadores devem evitar se basear em sinais físicos para identificar se o interrogado está contando a verdade. Não há validade científica no protocolo REID que recomenda uma entrevista para análise de comportamento e identificação se a pessoa interrogada está sendo honesta em suas declarações;2 – Para detectar mentiras investigadores devem se apoiar substancialmente nas informações providenciadas pelo suspeito, com a aplicação de técnicas como o Uso Estratégico da Evidência;3 – O investigador deve aplicar métodos que aumentem a carga cognitiva do suspeito;4 – Investigadores devem evitar métodos que utilizem técnicas de coerção ou acusação, focando em métodos que busquem obter a maior quantidade possível de informações”.5 – É vital que todo o interrogatório seja registrado em áudio e vídeo.

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5. INFILTRAÇÃO DE AGENTES

5.1 Hipóteses de cabimento da infiltração policial no ordenamento jurídico brasileiro.

5.1.1 – VLADIMIR ARAS - (ARAS, Vladimir. Obtenção de prova decorrente de agente infiltrado. In: SALGADO, Daniel de Resende (org.) et QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (org.). A prova no enfrentamento à macrocriminalidade. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 284)

Como se adiantou, não se pode empregar agente infiltrado na investigação de qualquer infração penal, mas apenas em alguns casos, por opção legislativa, devido aos riscos, custos e complexidade dessa técnica. A Lei 12.850/2013 admite-a na investigação de organização criminosa, assim considerada a associação de quatro ou mais pessoal estruturalmente ordenada e caracterizada por divisão de tarefas, mesmo informal, com objetivo de obter vantagem de qualquer natureza, mediante prática de infrações penais cuja pena máxima seja superior a quatro anos ou de caráter transnacional (art. 1º, § 1º, da Lei 12.850/2013).

O conceito legal buscou sanar a omissão da anterior Lei 9.034/1995 e da Lei 11.34/2006, que não definiam o que se poderia reputar organização criminosa e, com isso, dificultavam o uso dessa técnica de investigação. O conceito segue a linha do art. 2(a) e 2(c) da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (conhecida como convenção de Palermo), a qual define como grupo criminoso organizado aquele estruturado com três ou mais pessoas, existente “há algum tempo” e atuando concertadamente com propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na convenção e obter, direta ou indiretamente, benefício econômico ou outro benefício material. A letra (b) do art. 2 considera infração grave ato punível com pena privativa de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos. Grupo estruturado é descrito na letra (c) como aquele composto de maneira não fortuita para prática imediata de infração, mesmo que seus membros não tenham funções formalmente definidas, não haja continuidade na composição e não disponha de estrutura elaborada.

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Pode-se igualmente usar agente infiltrado na investigação de infração penal prevista em tratado ou convenção internacional (inclusive terrorismo), quando tenha caráter transnacional (art. 1º, §2º). No caso da investigação de terrorismo, pode haver dificuldades decorrentes da ausência de tipificação específica do ato na legislação penal brasileira, conquanto diversos atos usualmente ligados a atividade terrorista correspondam a tipos penais aplicáveis no país.

5.2 Infiltração de colaborador.

5.2.1 – RENATO BRASILEIRO DE LIMA - (LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 2 ed. Salvador: JusPODIVM, 2014. p. 561)

No entanto, caso um dos integrantes da organização criminosa resolva colaborar com as investigações para fins de ser beneficiado com a celebração de possível acordo de colaboração premiada, há quem entenda ser possível que o colaborador atue de modo infiltrado. Nesse caso, por mais que esse colaborador não seja servidor policial, desde que haja autorização judicial para a conjugação dessas duas técnicas especiais de investigação – colaboração premiada e agente infiltrado –, é possível que o colaborador mantenha-se infiltrado na organização criminosa com o objetivo de coletar informações capazes de identificar os demais integrantes do grupo33

5.2.2 – LUIZ FLÁVIO GOMES E MARCELO RODRIGUES DA SILVA - (GOMES, Luiz Flávio et SILVA, Marcelo Rodrigues da. Organizações criminosas e técnicas especiais de investigação. Questões Controvertidas, aspectos teóricos e práticos e análise da Lei 12.850/2013. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 399-400).

33 É nesse sentido a lição de Vladimir Aras (Técnicas especiais de investigação. Lavagem de dinheiro: prevenção e controle penal. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2011. p. 429). O autor afirma que, em 2005, na operação TNT, o MPF no Paraná fez uso dessa técnica conjugada, sob a coordenação do Procurador Regional da República Januário Paludo, tendo o colaborador “Xis” realizado interceptação ambiental mediante autorização judicial do juiz Sério Moro, de Curitiba.

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Ante a falta de previsão legal, em regra não será possível a infiltração de particulares em organizações criminosas, e eventual infiltração destes tornaria as provas ilícitas. Aliás, trata-se de uma atividade de extremo risco, e por isso deve ser investia somente por agentes policiais especializados e treinados, até porque há um enorme risco à integridade física do agente. Como bem leciona VLADIMIR ARAS: “essa técnica só deve ser empregada em condições absolutamente controladas, por um agente experiente e devidamente treinado”.

Nesta esteira, FLÁVIO CARDOSO PEREIRA defende também pela impossibilidade de infiltração por agente particular nos seguintes termos:

Primeiro, face à constatação óbvia de sua maior vulnerabilidade quanto a eventual corrupção. Em segundo, por não apresentar esse, via de regra, preparação ideal para laborar essa árdua tarefa de infiltração, a qual requer mérito psicológicos e físicos dos agentes que adentram na estrutura das organizações criminosas, além de uma experiência no trato com o mundo do crime34.

Contudo, sustenta VLADIMIR ARAS que é possível que um integrante da organização criminosa (particular) passe a atuar de maneira infiltrada, mas para tanto é necessário que haja conjugação da infiltração de agente com a colaboração premiada, servindo a infiltração como meio de corroboração com o fito de se conquistar os prêmios previstos no acordo firmando. Aliás, nada mais eficaz do que monitorar o próprio membro da organização criminosa para desmantelá-la. Nesta senda, poderá o colaborador permanecer na organização criminosa de que era membro, para, a modo de infiltrado, colher informações e provas materiais úteis à persecução. A combinação da técnica do colaborador com o método de escuta ambiental foi tida como legítima no caso Alan vs. Reino Unido, julgado pela Corte Europeia de Direitos Humanos em 2002. O colaborador levava consigo uma vídeo-câmera e um gravador.

A fim de sustentar seu posicionamento, cita ARAS a operação TNT, em que o Ministério Público Federal no Paraná fez o uso dessa técnica conjugada, sob a coordenação do Procurador Regional da República Januário

34 PEREIRA, Flávio Cardoso. Revista Jurídica do Ministério Público do Estado do Mato Grosso, ano 2, n. 2, janeiro/junho de 2007, p. 175 apud in CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Crime Organizado – Comentários à nova lei sobre o crime organizado – Lei 12.850/2013. Bahia: Juspodivm. 2013. p. 98.

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Paludo, tendo o colaborador “Xis” realizado a interceptação ambiental mediante autorização judicial do Juiz Sérgio Moro, de Curitiba.

De todo modo, discordamos de ARAS, pois a manutenção do colaborador no seio da Organização Criminosa não se trata de agente infiltrado, mas sim de informante colaborador.

Não podemos confundir informante com agente infiltrado.

5.2.3 – VLADIMIR ARAS - (ARAS, Vladimir. Técnicas Especiais de Investigação. In: CARLI, Carla Veríssimo Di (Org.). Lavagem de dinheiro. Prevenção e controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 437).

Por fim, é de se assinalar que a tradição jurídica europeia e a praxe brasileira admitem a infiltração por agentes colaboradores, desde os meros informantes até os réus vinculados por acordos de delação premiada35

5.2.4 – CEZAR ROBERTO BITENCOURT e PAULO CÉSAR BUSATO - (BITENCOURT, Cezar Roberto et BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de Organização Criminosa. Lei n. 12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 167)

Outra questão polêmica na sucessão de legislação brasileira diz respeito a quem pode ocupar a posição de agente infiltrado. Cabe dizer, desde logo, que não se permite a infiltração de agentes particulares, reservando-se a possibilidade a agentes públicos. A questão é de ordem lógica. Se a legitimação da investigação é concedida à polícia e ao Ministério Público, somente agentes públicos poderiam realizar legitimamente atos investigatórios. Reconhecida a infiltração de agentes como medida de investigação probatória, não seria legítimo oferecer a possibilidade de sua realização para particulares. Porém,

35 Em 2005, na Operação TNT, o MPF no Paraná fez uso dessa técnica conjugada, sob a coordenação do procurador regional da República Januário Paludo. O réu colaborador Xis realizou interceptação ambiental, mediante autorização judicial do juiz Sérgio Moro, de Curitiba.

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entre agentes públicos, tampouco é ampla a possibilidade de realizar a mencionada tarefa. E o novel diploma trouxe disposição restritiva a respeito disso. Caso se busque obter informações sobre a organização criminosa utilizando seus próprios integrantes, eventualmente, poderá o caso estar sujeito às hipóteses de delação premiada, mas jamais poderá configurar a infiltração de agentes.

5.3 Validade das provas produzidas pelo agente colaborador: agente infiltrado X agente provocador (entrapment doctrine ou teoria da armadilha)

5.3.1 O Direito Comparado: Sorrells v. United States, 287 U.S. 425 (1932) e Jacobson v. United States, 503 U.S. 540 (1992) – entrapment doctrine.

A infiltração de agentes nos Estados Unidos e a doutrina do entrapment

Em seu estudo sobre as práticas de infiltração de agentes nos Estados Unidos, o sociólogo Gary Marx observou que este país “assim como a Inglaterra, nutria um temor generalizado acerca da possível criação de uma força policial centralizada e organizada de forma permanente e estável” que engajasse em táticas veladas de investigação, então associadas a governos autoritários. Gary T. Marx, Undercover 22 (1988). No início do século XIX, as forças policiais dos Estados Unidos, copiando o modelo policial de Londres, estavam organizadas sobre o pressuposto de que a presença ostensiva de policiais atendia a dupla demanda de responder aos chamados dos cidadãos e inibir futuros atos criminosos. Não se esperava da polícia uma atuação proativa de combate ao crime e certamente os agentes policiais não deveriam se valer de “espiões, estratégias de engodo, ou deixar que sua determinação de combater o crime os levasse além dos limites toleráveis para qualquer cidadão honrado e honesto.” (Gary T. Marx, Undercover 22 (1988), ao parafrasear um vereador da cidade de Boston).

Marx identifica uma série de motivos para que esta aversão fosse gradualmente superada, fazendo emergir a atividade de policiamento velado como um dos principais instrumentos de investigações nos dias atuais:

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“Em um período relativamente curto de tempo os Estados Unidos avançaram significativamente no que diz respeito à aceitação de práticas policiais secretas. O que outrora eram ações esporádicas da polícia, vistas com reservas e relacionadas a regimes continentais déspotas, tornou-se atualmente rotina do trabalho policial. Esta mudança tem relação com as significativas alterações na forma de organização da própria sociedade, à natureza dos crimes e do sistema legal regente das ações policiais. Ao acolher práticas veladas de policiamento durante o último século, os Estados Unidos romperam drasticamente com os primeiros entendimentos do que seriam práticas policiais adequadas. Houve um distanciamento da noção inglesa de que a ação policial necessita ser claramente identificável aos olhos do cidadão e da comunidade, na qual o policial não possui poderes outorgados pelo Estado que vão muito além daqueles conferidos às pessoas comuns. Aproximou-se da ideia de que policiais devem necessariamente possuir mais poder do que o conferido ao restante da população e que a segurança pública é uma atividade de Estado e não dos particulares.Imagens culturais do que se entende por controle social também se alteraram neste interregno de tempo. A sensação de insegurança relacionada ao aumento da criminalidade urbana substituiu o receio da existência de uma polícia militarizada… O agente secreto, caracterizado em filmes, programas de televisão, na música e na literatura, tornou-se algo como um “herói cultural.”Amplos processos de transformações sociais ligadas a industrialização e urbanização criaram um contexto no bojo do qual houve um incremento da criminalização de condutas cuja prática se dá às ocultas. Assim, na medida em que os meios informais de controle social associados às pequenas comunidades e ao modelo familiar tradicional perderam força, operou-se um aumento do poder das instituições formais de controle. Grandes áreas urbanas, meios rápidos de transporte, mobilidade social e geográfica, associados ao um número cada vez maior de interações com pessoas estranhas ao círculo de convivência do cidadão e à utilização de novas tecnologias interativas (telégrafo, telefone, computadores) facilitaram a prática de crimes por meios não ostensivos. A impessoalidade das relações sociais e o anonimato também se somaram a estas condições, propiciando solo fértil a projeções dissimuladas das personalidades das pessoas, seja para observar ou descumprir a lei.O surgimento de gangues, criminosos de rua, protestos com o emprego de violência, consumo público de entorpecentes, todas situações que chocaram os americanos durante a primeira metade do século XIX, foram substituídos por criminosos profissionais criativos, competentes e capazes de usar modernos recursos tecnológicos, hábeis na manipulação dos órgãos estatais responsáveis pela execução das leis.

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Uma nova criminalidade surgiu, e o poderio das agências policiais voltou-se a estes diferentes tipos de infrações, em que a prova não é facilmente obtida pela via tradicional de emprego de técnicas ostensivas. Nesta categoria surgiram crimes como a falsificação de moeda, as infrações relacionadas ao sistema financeiro, fraudes e tráfico de drogas. A natureza planejada e o aspecto conspirativo destes crimes impôs a aplicação de métodos secretos de descoberta e produção de provas.Consequentemente, o uso velado de técnicas investigativas durante a segunda metade do século passado faz parte de uma mudança gradual ocorrida nos Estados Unidos, que parte de uma sociedade rural e despolicializada para um ambiente altamente industrializado e policializado. O significativo aumento no número e no poderio das polícias está integrado num contexto maior, de tendência de estruturação de um Estado moderno altamente burocratizado.” (Marx, 33-35).

Marx também sustenta que mudanças na relação entre o sistema legal e as polícias contribuíram para a expansão de práticas veladas:

“Na virada do século XIX a polícia, enquanto formalmente engajada na atividade de executar as leis, não estava preocupada em orientar sua atividade de acordo com a ordem jurídica vigente. No desenvolvimento do século XX, o sistema legal se tornou algo cada vez mais importante ao funcionamento da justiça criminal, com a ordem jurídica passando a cumprir um proeminente papel na estruturação e na limitação das ações policiais. Diante das restrições ao emprego de métodos tradicionais, técnicas veladas se tornaram cada vez mais importantes como meios de produzir provas admitidas pelo ordenamento jurídico.” (Marx, 35)

De fato, Marx argumenta que restrições legais a buscas e apreensões e determinadas táticas de interrogatórios tiveram por consequência não intencional a promoção de técnicas veladas de apuração. “Restrinja o uso de coerção pela polícia e o uso de meios alternativos – não ostensivos – aumentará. Restrinja a atividade investigativa após a prática do delito e haverá um aumento das atividades que buscam antecipar-se à ofensa”. (Marx, 47)

É inegável o papel de destaque que policiais infiltrados e informantes exercem na atividade de investigar crimes nos Estados Unidos nos dias atuais. Algumas dessas investigações veladas são deveras simples. (Considere o caso do tradicional “compre e prenda” como exemplo, no qual um policial disfarçado adquire uma pequena quantidade de drogas de um indivíduo que é preso, imediatamente na sequência, pelos demais policiais que dão apoio à diligência). Por outro lado, outras investigações desta

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espécie são extremamente complexas. Algumas requerem uma proatividade diferenciada por parte do policial infiltrado, ou mesmo o uso de truques. (Há casos de policiais infiltrados que permanecem nesta condição por meses ou até anos, a fim de se penetrar a estrutura de uma organização criminosa, ou mesmo imersos em delicados processos de negociações criminosas).

Na grande maioria destes casos não se fala em ofensa à privacidade do cidadão, assegurada pela Quarta Emenda à Constituição dos Estados Unidos. Vale lembrar o caso United States v. White, 401 U.S. 745 (1971), julgado pela Suprema Corte, em que se decidiu que: “o cidadão que está a praticar atividades ilícitas tem pleno conhecimento e, portanto, assume o risco de que seus comparsas podem, mais cedo ou mais tarde, delatá-lo às autoridades”. Portanto, nos Estados Unidos, a chamada tese defensiva do entrapment representa a principal restrição legal à maneira como operações policiais veladas são executadas. A Suprema Corte primeiramente reconheceu a tese defensiva do entrapment no caso Sorrels v. United States, 287 U.S. 425 (1932), no qual um agente do governo se fez passar por um turista e, depois de estabelecer uma relação de amizade com o réu, efetuou inúmeros pedidos pra que o acusado fornecesse a ele bebida alcoólica, em violação ao então vigente National Prohibition Act. A Suprema Corte acolheu a defesa a partir de uma interpretação legal de que o legislador não tivera a intenção de criminalizar aquela conduta de modo a autorizar que policiais instigassem a prática de atos criminosos por parte de pessoas que, não fosse esta atitude por parte da polícia, não praticariam a conduta proibida.

Há duas principais versões para a tese defensiva do entrapment – a subjetiva e a objetiva. A tese que prevalece nas Cortes dos Estados Unidos é a subjetiva. Seu foco está na predisposição do réu para cometer o crime, proporcionando a ele a oportunidade de provar que a sua prática se deu por indução do agente policial e que não havia antes disso uma predisposição à conduta proibida.

A tese objetiva, por seu turno, tem como foco a conduta da polícia. A pergunta que se coloca aqui é se a polícia induziu o acusado a praticar o crime, de modo que mesmo um cidadão predisposto a cumprir a lei cometeria a violação. Demonstrado que o crime ocorreu como uma resposta a ações desta natureza, o acusado deve ser inocentado.

A tese defensiva do entrapment é raramente acolhida pelos Tribunais dos Etsados Unidos em casos de infiltração de agentes, ou do uso

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de informantes. Na verdade, a defesa do entrapment é generalizadamente não aceita. No entanto, como sua existência impõe limites hipotéticos aos métodos velados de investigações, a doutrina do entrapment acaba tendo um papel importante nos casos mais complexos. (Ronald Jay Allen, et al. Comprehensive criminal procedure. 3rd. ed. Wolters Kluwer: New York, 2011).

Um dos casos mais discutidos acerca da doutrina do entrapment é Jacobson v. United States 503 U.S. 540 (1992). Em fevereiro de 1984, Keith Jacobson encomendou revistas contendo fotografias de crianças nuas. À época, a conduta não era criminalizada e o réu alegou posteriormente que não tinha conhecimento que o material então adquirido continha tais fotos. A polícia o identificou como um alvo com potencial interesse em adquirir pornografia infantil e por um período de cerca de dois anos enviou pelo correio material defendendo a legalização da pornografia infantil, então já proibida criminalmente. Eventualmente, a polícia ofereceu ao réu a possibilidade de adquirir novamente material contendo pornografia infantil, o que ocorreu.

No caso, a defesa sustentou a tese de entrapment, argumentando que a ação policial de enviar aquele material despertou no réu o interesse em adquirir o material contendo pornografia infantil.

A questão colocada pela Suprema Corte para decidir o caso abordou a tese defensiva do entrapment no seu viés subjetivo: a acusação provou, além da dúvida razoável, que o réu estava predisposto a praticar o crime antes de receber o material enviado a ele pela polícia?

Por maioria, a Suprema Corte decidiu que a acusação não provou, além de uma dúvida razoável, que o réu estava predisposto a adquirir pornografia infantil antes da polícia começar a encaminhar o material pelo correio. Ou seja, entenderam a maioria dos Justices que não havia prova de predisposição do réu à prática do delito antes da interferência velada da polícia. A Corte se baseou em dois argumentos: a) uma conduta que era à época de sua prática legal não pode ser usada para provar a predisposição do acusado; b) a polícia enviou o material pelo correio durante mais de dois anos até que o acusado adquirisse o material contendo pornografia infantil, o que indica que, não fosse o insistente envio de correspondências, o réu não teria adquirido o material pornográfico.

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Por outro lado, houve votos no sentido de que a acusação provou de maneira suficiente que o réu estava predisposto a praticar o crime. Destacou-se aqui que a posição da Corte impunha um ônus probatório impossível de ser alcançado pela acusação: de provar a predisposição do réu a intencionalmente violar a lei.

Supostamente a tese da defesa de entrapment aplicada no caso decidido pela Suprema Corte é a subjetiva: com a prova do réu de que a polícia de algum modo o induziu a praticar o crime, recai sobre a acusação o ônus de provar a predisposição do acusado em violar a norma. No entanto, esta discussão pressupõe que exista uma definição possível do que significa esta predisposição.

“Se uma pessoa está predisposta a violar a lei penal depende do que ela espera ganhar em retorno – isto é, do nível de induzimento. Como todos nós, criminosos não costumam trabalhar de graça.

Consequentemente, enquanto não houver uma equalização entre “predisposição” com uma espécie de vontade constante de praticar crimes, nenhuma definição do que seja esta “predisposição” estará completa sem a articulação conjunta do quanto de indução por parte da polícia é necessário para que uma pessoa “predisposta” pratique a conduta criminosa. Além disso, o “predisposto” não pode ser distinguido do “não disposto” sem a análise da conduta policial no caso concreto – justamente o fator que a teoria subjetiva da defesa do entrapment sustenta ignorar.” (Louis Michael Seidman, The Supreme Court, Entrapment, and Our Criminal Justice Dillema, 1981, Sup. Ct. Rev. 111).

Ou seja, a distinção entre as defesas objetiva e subjetiva do entrapment parecem ser mais sutis que à primeira vista.

“Há uma dificuldade mais profunda do que a usualmente colocada ao se abordar as duas versões das teses defensivas do entrapment. A controvérsia é normalmente colocada como se estivéssemos diante de algo concreto, aferível, real – um estado mental, uma personalidade, etc – referida como “predisposição”. Esta assunção é falsa e parte da equivocada concepção de que existem poucas pessoas que nunca, em hipótese alguma, cometeriam crimes, independentemente do grau de indução a tanto. Assume-se, portanto, que todas as demais pessoas têm um preço. Este preço pode ser bastante alto, por exemplo, para alguém que se importe muito com a sua reputação, mas ele existe. Se

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esta assunção fosse verdadeira todos, exceto santos, estão predispostos a praticar alguma espécie de crime. Por outro lado, tal conclusão significa que a tal “predisposição” é um critério inócuo para distinguir as pessoas predispostas a praticar crimes das demais.A discussão acerca da predisposição do acusado, ou da indução por parte da polícia, criando a disposição criminosa na mente do réu beira o ridículo. O acusado está sempre predisposto e a polícia nunca “abriu” a cabela de uma pessoa e implantou algo em seu interior. Talvez a polícia induza o investigado psicologicamente, mas mesmo nestes casos a ação policial sempre acaba tendo uma relação causal com o crime. Em todos os casos nos quais há alguma espécie de atuação policial previa e de possível indução, a conduta criminosa não teria ocorrido sem a iniciativa policial. A tese objetiva também não resolve a questão, pois parte do mesmo pressuposto de que a existência de predisposição é algo real. Sem a predisposição como mecanismo, o teste objetivo torna-se inútil.Um critério mais plausível seria o de se aferir acerca do grau de indução aplicado pela polícia e se estes excedem valores reais de mercado, financeiros e emocionais.O direito penal tem por objetivo prevenir (genericamente e especificamente), incapacitar e reabilitar (neste contexto mostra-se inútil discutir a retribuição). Nenhum destes objetivos é atingido pela punição de um indivíduo que cede a uma indução muito além da razoável, em termos de valor de mercado. A prevenção é voltada a redução de crimes no mundo real, habitado por seres humanos, não em um planeta hipotético e distinto do nosso. A maneira como uma pessoa responde a valores fora ou acima do mercado não representa como ela responderia a valores normais de mercado, não justificando sua incapacitação. Por fim, esta mesma pessoa demonstra que virtualmente todos temos um preço, mas não que ela demande reabilitação. O ponto é que crimes são praticados no mundo real e não em um planeta hipotético e artificial. Neste, o comportamento humano pouco ou nada representa para o mundo no qual efetivamente vivemos.”

Em conclusão, Jacobson tem sido compreendido por algumas Cortes como exigindo da acusação prova suficiente de que o réu teria respondido a uma oportunidade ordinária, razoável, para praticar o crime. United States v. Gendron, 18 F.3d 955, 962 (1st Cir. 1994).

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5.3.2 Ação controlada e infiltração de agentes no Brasil. Lei nº 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas)

5.3.2.1 – RENATO BRASILEIRO DE LIMA - (LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 2 ed. Salvador: JusPodivm, 2014. p. 553-554)

1. Diversamente das Lei de Drogas e de Lavagem de Capitais, a Lei nº 12.850/13 não faz referência expressa à necessidade de prévia autorização judicial para a execução da ação controlada quando se tratar de crimes praticados por organizações criminosas, assemelhando-se, nesse ponto, à sistemática vigente à época da revogada Lei nº 9.034/95 (art. 2º, II).

2. Consoante disposto no art. 8º, §1º, da Lei nº 12.850/13, o retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público. Como se percebe, a nova Lei das Organizações Criminosas em momento algum faz menção à necessidade de prévia autorização judicial. Refere-se tão somente à necessidade de prévia comunicação à autoridade judiciária competente. Aliás, até mesmo por uma questão de lógica, se o dispositivo legal prevê que o retardamento da intervenção policial ou administrativa será apenas comunicado previamente ao juiz competente, forçoso é concluir que sua execução independe de autorização judicial.

3. De mais a mais, quando a Lei nº 12.850/13 exige autorização judicial para a execução de determinada técnica especial de investigação, o legislador o fez expressamente. Nesse sentido, basta atentar para o quanto disposto no art. 10, caput, que faz menção expressa à necessidade de prévia, circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial para fins de infiltração de agentes. Se, ao cuidar da infiltração policial, o legislador mencionou expressamente a necessidade de prévia autorização judicial, limitando-se, todavia, ao tratar da ação controlada, a fazer menção apenas à necessidade de prévia comunicação, parece ficar evidente que a Lei nº 12.850/13 quis dispensar

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tratamento diverso aos dois institutos.

4. (…)

Se por um lado, o art. 8º, §1º, da Lei nº 12.850/13, dispensa prévia autorização judicial para a execução da ação controlada, do outro, passa a exigir que o retardamento da intervenção policial ou administrativa seja comunicado com antecedência ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público. O objetivo dessa comunicação prévia é dar conhecimento ao juiz competente e ao órgão do Ministério Público acerca do retardamento da intervenção policial ou administrativa. Logo, a depender das peculiaridades do caso concreto, a autoridade judiciária poderá estabelecer os limites da ação controlada.

5.3.2.2 – VLADIMIR ARAS - (ARAS, Vladimir. Técnicas Especiais de Investigação. In: CARLI, Carla Veríssimo Di (Org.). Lavagem de dinheiro. Prevenção e controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 435-437).

Esta técnica é extremamente útil para investigar crime organizado, lavagem de dinheiro, terrorismo e corrupção lato sensu. Sua execução deve ter em mira o devido processo legal. Por isto, no Brasil, não é tolerado o chamado entrapment, tática policial em que predominam as práticas dos agentes provocadores ou incitadores. A infiltração não se pode converter em instigação, induzimento ou incitação. No caso Teixeira de Castro vs. Portugal, o TEDH decidiu que a infiltração policial foi ilegal porque a Polícia não logrou demonstrar que o réu estava propenso à prática do crime antes da entrada em cena do agente encoberto. Entendeu-se que a infiltração não se circunscreveu a uma investigação passiva.

Posteriormente, em Ramanuskas v. Lituânia, o tribunal avançou no seu veto ao entrapment, entre nós conhecido como “flagrante provocado”, e afirmou que o interesse público não se justifica o uso de provas obtidas como resultado de instigação policial, pois tal prática viola o devido processo legal e o direito ao fair trial, nos termos do art. 6º da CEDH.

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Para serem válidas em juízo, as provas colhidas pelo pelo undercover agent devem derivas de atos preparatórios iniciados espontaneamente36 pelo investigado, ou devem resultar de iter criminis por ele percorrido também espontaneamente. Cabe ao Ministério Público provar que não houve instigação e que o crime teria ocorrido mesmo sem a infiltração policial. Qualquer prova que tinha sido obtida por provocação do agente infiltrado é inadmissível, por ilicitamente obtida37. No HC 40.436/PR, o STJ decidiu que “não se deve confundir flagrante preparado com esperado – em que a atividade policial é apenas de alerta, sem instigar qualquer mecanismo causal a infiltração”.38

As sting operations são diferentes do entrapment (provocação). Naquele gênero, acham-se a infiltração policial e outras práticas de atração de criminosos, pelo uso dos chamados honey traps ou bait cars, como veículos deixados em locais públicos sob vigilância policial, para que sejam subtraídos por ladrões de carros. Essas táticas, que correspondem a operações encobertas, são erroneamente tachadas de crime impossível (rectius: “flagrante preparado”), posição consolidada pelo STF na Súmula 145: “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.

Segundo Tereza Molina Peréz, em 1975 o Tribunal Supremo espanhol abandonou entendimento semelhante ao adotado pelo STF. Atualmente a Corte espanhola entende que o delito provocado só ocorre quando a Polícia faz surgir na mente do suspeito a intenção de cometer o crime, que de outra forma não seria cometido39. Na verdade, não há entrapment quando o suspeito está predisposto à prática do crime e a autoridade policial simplesmente cria a oportunidade para sua consumação, sem o provocar, incitar ou instigar.

Para legitimar uma operação desse tipo, a cogitação de cometer o ilícito e a iniciativa de fazê-lo devem partir do suspeito, ao passo que a intervenção da Polícia deve ser passiva. Atendidos esses critérios subjetivos e

36 TEDH, caso Sequeira vs. Portugal.

37 TEDH, caso Khudobin vs. Russia.

38 STJ, 5ª Turma, HC 40.436/PR, relatora ministra Laurita Vaz, j. em 16/mar/2006.

39 STS, 6 de julho de 2005.

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objetivos, não há flagrante preparado nem entrapment40. O TEDH admite que na infiltração o agente desempenha um papel exclusivamente passivo (caso Lüdi), mas não tolera a provocação (caso Teixeira de Castro). Há provocação quando a conduta do infiltrado ou do agente encoberto é decisiva para a consumação do crime. Não há provocação quando o dolo (cogitatio) é latente e antecede o induzimento policial, não havendo ardil ou persuasão dos investigadores para viciar a vontade do suspeito ou fazer surgir a intenção criminosa.

Na provocação, o agente faz surgir a ideação ou deliberação e leva o suspeito a percorrer todo o iter criminis até a execução. A atuação do agente provocador é a verdadeira causa do crime, pois no sujeito provocado não existia qualquer vontade primária de praticar o ilícito. Este sim é um crime impossível, pela intervenção ab initio da força policial, antes da cogitação. Segundo o Tribunal Supremo da Espanha a prova assim obtida é ilícita, não existindo nem tipicidade nem culpabilidade. Diversamente, na infiltração e nas sting operations, o dolo já existe. Os suspeitos já desejaram e planejaram o crime, ou já iniciaram seus atos preparatórios.

5.3.2.3 – VLADIMIR ARAS - (ARAS, Vladimir. Obtenção de prova decorrente de agente infiltrado. In: SALGADO, Daniel de Resende (org.) et QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (org.). A prova no enfrentamento à macrocriminalidade. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 297-299).

Uma das principais cautelas que deve haver na utilização da prova oriunda de agente infiltrado diz respeito à ocorrência de induzimento ao crime por parte daquele. Na teoria e na prática dos países de língua inglesa, em que o uso de agente encoberto é mais disseminado, o induzimento à perpetração de crime que de outra forma não ocorreria é conhecido como entrapment, termo que poderia ser traduzido como “armadilha” ou “cilada”, ou, de forma livre, como “induzimento malicioso”. Dá-se quando o indivíduo é levado a cometer delito, por agente provocador, o que no Brasil costuma ser designado como flagrante preparado ou flagrante forjado.

40 A Suprema Corte dos Estados Unidos enfrentou o tema pela primeira vez em Sorrells v. United States. 287 U.S. 435 (1932). Veja também United States v. Russel (1973) e Hampton v. United States (1976).

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O Título 18, § 313, das Leis Consolidadas da Pensilvânia, nos EUA, dispõe de forma esclarecedora quando se configura entrapment. Ocorre quando agente público, ou particular em colaboração com primeiro, para o fim de obter prova ou cometer crime, induz ou encoraja outrem a praticar infração penal mediante (a) falsa representação destinada a induzir a crença de que a conduta não é proibida ou (b) métodos de persuasão ou indução que criem risco substancial de que a infração será cometida por pessoas além daquelas que estavam prontas a cometê-la.

Devem o Ministério Público e o juiz atentar para ocorrência dessa forma de induzimento, a fim de não se gerar acusação e condenação injustas. Doutrina e jurisprudência não consideram ocorrer delito nesse caso e o diferenciam do chamado flagrante esperado, em que a polícia toma conhecimento antecipadamente do cometimento do ilícito e se prepara para realizar a prisão nesse momento. Essa forma de ação policial é compatível tanto com a infiltração de investigadores quanto com a técnica da entrega controlada, aplicável a crimes que envolvam negócios proibidos (drogas ilícitas, contrabando, tráfico de pessoas etc).

Por outro lado, mesmo havendo flagrante preparado ou ação de agente provocador, pode ocorrer, em certos casos, aproveitamento de provas e responsabilização dos autores se houve atos prévios ao induzimento do agente policial que por si configuravam delito ou se se tratava de crime continuado. O tema não é nodo, e há precedentes antigos do Supremo Tribunal Federal a esse respeito. No habeas corpus 45.923/GB, por exemplo, o STF afastou a ocorrência de flagrante preparado e considerou puníveis atos já consumados41. No recurso em HC 48.438/RJ, manteve processo no qual se apurou que fiscais municipais exigiram vantagem indevida de cidadão, receberam parte dela e, ao comparecer a encontro para receber o complemento da extorsão, foram presos. Aqui também o tribunal entendeu que já houvera delito punível, razão pela qual o flagrante preparado do segundo pagamento não invalidava o processo. Na verdade, nem era mesmo caso de flagrante preparado neste caso, mas esperado, pois não houve induzimento algum dos fiscais ao cometimento do

41 STF. Segunda Turma. HC 45.923/GB. Rel.: Min. Aliomar Baleeiro, 20 ago. 1968, un. DJ, 11 out. 1968, p. 4119.

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crime42. Algumas décadas depois, no HC 81.970/SP, o tribunal reconheceu a possibilidade de responsabilização de pessoa que tinha em depósito droga ilícita (crime previsto na Lei Antidrogas), ainda que pudesse haver flagrante preparado relativo à venda do produto.43 De toda forma, como dito, há antigos e modernos precedentes segundo os quais o ato inválido (flagrante preparado) não necessariamente contamina a parte válida da prova, na linha do entendimento de que utile per inutile non vitiatur. Provas não atingidas pela provocação nem dela decorrentes, por consequência, não são atingidas pela teoria dos “frutos da árvore envenenada” (fruits of the poisonous tree), são em princípio válidas e não incidem na proibição constitucional de uso de prova ilícita.

5.3.2.4 – RENATO BRASILEIRO DE LIMA - (LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 2 ed. Salvador: JusPODIVM, 2014. p. 573-566-568)

O agente infiltrado tem autorização judicial para se infiltrar em determinada organização criminosa com o objetivo de colher elementos capazes de proporcionar seu desmantelamento, devendo agir precipuamente de maneira passiva, não instigando os demais integrantes do bando a prática de qualquer ilícito. Logo, se os agentes de polícia ou de inteligência tem indícios suficientes da existência de uma organização criminosa e nela se infiltram em busca de informações que permitam identificar os diversos ilícitos praticados por seus integrantes, não há falar em crime impossível, porquanto a intenção de delinquir já havia surgido firmemente nos sujeitos que estão praticando as infrações penais, por meio de decisão livre e anterior a intervenção do agente infiltrado.

Consequentemente, na hipótese de as informações prestadas pelo agente infiltrado serem úteis para a prisão em flagrante de determinados integrantes da organização criminosa, este flagrante esperado será plenamente válido. No entanto, se a autoridade policial que estiver monitorando seu

42 STF. Primeira Turma. RHC 48.438/RJ. Rel.: Min. Djaci Falcão. 3 nov. 1970, un. DJ, 19 fev. 1971, p. 545.

43 STF. Primeira Turma. HC 81.970/SP. Rel.: Min. Gilmar Mendes, 28 jun. 2002, un. DJ, 30 ago. 2002, p. 95.

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agente infiltrado entender que a prisão em flagrante naquele momento pode se revelar inoportuna sob o ponto de vista probatório, afigura-se válida a prorrogação daquela medida para outro momento temporal e espacial mais adequada (ação controlada). Como se percebe, a depender das circunstâncias do caso concreto, se a infiltração visar tão somente a identificação de uma situação de flagrância de modo a permitir a captura de determinados integrantes da organização criminosa, este procedimento investigatório poderá ser utilizado sem a utilização concomitante da ação controlada (Lei nº 12.850/13, arts. 8º e 9º). no entanto, se as autoridades responsáveis pela persecução penal entenderem que o flagrante deve ser postergado para um momento mais oportuno sob o ponto de vista de colheita de provas, é possível que o procedimento investigatório do agente infiltrado seja utilizado em conjunto com a ação controlada (Lei nº 12.850/13, arts. 8º e 9º, c/c arts. 10 a 14). noutro giro, a atuação do agente provocador (entrapment doctrine ou teoria de armadilha), geralmente realizada sem prévia autorização judicial, caracteriza-se pela indução de alguém à prática de determinado ilícito, sem que esta pessoa tivesse previamente tal propósito, hipótese na qual se viola o direito fundamental de não se autoacusar e o da amplitude de defesa, comprometidos pelo engano provocado pelo agente infiltrado.

Quando alguém (particular ou autoridade policial), de forma insidiosa, instiga o agente à prática do delito com o objetivo de responsabilizá-lo criminalmente, ao mesmo tempo em que adota todas as providências para que o delito não se consume, prevalece o entendimento de que haverá crimes possível, em virtude da ineficácia absoluta do meio (CP, ART. 17). Nesses casos de atuação de agente provocador, o suposto autor do delito não passa de um protagonista inconsciente de uma comédia, cooperando para a ardilosa averiguação da autoridade de crimes anteriores, ou da simulação da exterioridade de um crime. Exemplificando, suponha-se que, após prender o traficante de uma pequena cidade e com ele apreender seu computador pessoal no qual consta um cronograma de distribuição de drogas, a autoridade policial passe a efetuar ligações aos usuários, simulando uma venda de droga. Alguns minutos depois, são presos por agentes policiais que se encontravam à paisana, sendo responsabilizados pela prática do crime do art. 28 da Lei nº 11.343/06. nesse caso diante do agente provocador, estará caracterizado o flagrante preparado, como espécie de crime impossível, em face da ineficácia absoluta dos meios empregados. Logo, diante da ausência de vontade livre e espontânea dos autores e da ocorrência de crime impossível (CP, art. 17), aconduta deve ser considerada atípica. Cuidando-se de flagrante preparado, e, por conseguinte ilegal, pois alguém se vê preso

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em fase da conduta atípica, afigura-se cabível o relaxamento da prisão pela autoridade judiciária competente (CF, art. 5º, inciso LXV). Sobre o assunto, confira-se o teor da Súmula nº 145 do Supremo Tribunal Federal; “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. A leitura da súmula fornece os dois requisitos do flagrante preparado: preparação e não consumação do delito. Logo, mesmo que o agente tenha sido induzido à prática do delito, porém operando-se a consumação do ilícito, haverá crime e a prisão será considerada legal. Em síntese, para serem válidas em juízo, “as provas colhidas pelo undercover agent devem derivar de atos preparatórios iniciados espontaneamente. Cabe ao Ministério Público provar que não houve instigação e que o crime teria ocorrido mesmo sem a infiltração policial. Qualquer prova que tenha sido obtida por provocação do agente infiltrado é inadmissível, por ilicitamente obtida”. Não por outro motivo, em caso concreto envolvendo a infiltração de agente policial em associação criminosa voltada ao tráfico de drogas, concluiu o STJ que, diante da inexistência de induzimento à prática delituosa, não seria possível qualquer questionamento em relação à legalidade da prisão e ulterior condenação pelo crime de tráfico de drogas. Afinal, se as provas produzidas comprovaram que o acusado, não obstante não estar comercializando a droga no momento da prisão, portava, juntamente com outros corréus, elevada quantidade de substâncias tóxicas, caracterizada estaria a traficância e o estado de flagrância, na medida em que a consumação do ilícito em questão já vinha se protraindo no tempo e era preexistente à ação policial.

5.3.2.5 – Jurisprudência

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. INFILTRAÇÃO POLICIAL. FLAGRANTE ESPERADO. LICITUDE. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO OPERADA EM PRIMEIRO GRAU. O recorrente suscita a ilegalidade da prisão em flagrante, eis que decorrente de “flagrante preparado”, o que configuraria a ilicitude da prisão. Sem razão a defesa em sua assertiva. No caso telado, em momento anterior à instauração do inquérito policial e com base em denúncias apócrifas, mediante diligências preliminares, as autoridades policiais averiguaram a prática do crime de tráfico de drogas pelo réu. As circunstâncias da prisão em flagrante do acusado podem ser enquadradas como de “flagrante esperado”, cuja validade é referendada pelos tribunais superiores. Em outras palavras, a autoridade policial, ao tomar conhecimento da prática do crime por fontes fidedignas, desloca-

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se até o local onde a infração deverá acontecer, aguardando o início dos atos de execução e consumação do delito, a fim de concretizar a prisão em flagrante do acusado. Observe-se que, na espécie vertida, o reconhecimento do tráfico de drogas foi antecedido de informações prévias recebidas pela autoridade policial, em nada se assemelhando a hipótese de flagrante provocado/preparado, já que houve apenas a continuidade do trabalho investigativo dos agentes públicos, que em nada interferiram na atividade ilícita desenvolvida pelo apelante. A prova produzida nos autos mostrou-se amplamente incriminatória e no sentido da traficância pelo acusado, firmada que está no depoimento dos policiais infiltrados que participaram da investigação policial, aptas a demonstrarem a prática do crime de tráfico de drogas nas modalidades de guardar, ter em depósito e vender a substância entorpecente. À unanimidade, negaram provimento ao recurso da defesa. (TJRS; ACr 0415844-90.2015.8.21.7000; Cruz Alta; Segunda Câmara Criminal; Relª Desª Rosaura Marques Borba; Julg. 28/04/2016; DJERS 12/05/2016)

APELAÇÃO-CRIME. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. AÇÃO CONTROLADA COM AGENTE INFILTRADO. NULIDADE. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. ABSOLVIÇÃO. Houve irregularidade nos procedimentos de agente infiltrado e ação controlada, que extrapolaram seus limites ao possibilitar a aquisição de drogas parte dos referidos agentes, mesmo com manifestação contrária do ministério público, culminando na invalidade da prova, bem como os elementos derivados. Com efeito, a ação controlada é essencialmente marcada pela não-intervenção, e constitui não um meio de prova, mas sim fonte de informações. Diferente é a conduta do agente infiltrado, que está autorizado não apenas a prevaricar, mas a praticar eventuais condutas criminosas em nome da organização. A autorização judicial concedida no presente processo remontava à Lei nº 12.850/13 e, como tal, exigia a prévia caracterização de uma organização criminosa em atividade; no entanto, o que se verificou no caso concreto foi a ausência de fundamentação suficiente na representação policial e na concessão judicial da medida. Inexistiam indicativos bastantes de que o investigado constituísse organização criminosa. Aliás, no caso dos autos, somente houve a denúncia de duas pessoas, o que sequer configura organização criminosa, nos termos do artigo 1º, parágrafo 1º da Lei nº 12.850/2013. De todo modo, muito embora a autorização judicial se refira à ação controlada e infiltração de agente que, por si só, são medidas incompatíveis, nenhuma das modalidades investigativas foi realizada adequadamente. Cumpre assinalar que mesmo na modalidade investigatória do agente infiltrado, não está inclusa a provocação ao alvo que se intenta incriminar para que pratique delitos, pois, se assim ocorrer, a infiltração será

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inidônea, acarretando a atipicidade da conduta. Com efeito, essa hipótese é paralela ao instituto do flagrante preparado, na qual a provocação e posterior atuação do policial torna impossível a concretização da conduta (artigo 17 do Código Penal e Súmula nº 145 do Supremo Tribunal Federal). Sob essa ótica, não resta outro caminho que não declarar inválida a prova, especificamente no que diz respeito aos elementos colhidos em decorrência da autorização judicial para ação controlada e agente infiltrado. Afastando-se esses elementos, não remanescem provas suficientes à condenação dos réus. Precedente da câmara. A decisão judicial não poderia ter autorizado, ex ante, a prática de crime - Aquisição de drogas, pelo que a atuação policial, ainda que observando seus limites, afigura-se irregular e, pois, a prova daí derivada é de todo ilícita. Nesse contexto, nulo o processo e absolvidos os réus. Prejudicado o recurso do ministério público. Recurso defensivo provido, por maioria. Absolvição. Determinada expedição de alvarás de soltura e restituição dos bens apreendidos na origem. (TJRS; ACr 0496984-83.2014.8.21.7000; Frederico Westphalen; Terceira Câmara Criminal; Rel. Des. João Batista Marques Tovo; Julg. 01/10/2015; DJERS 18/11/2015)

5.4 Contraditório diferido.

5.4.1 – VLADIMIR ARAS - (ARAS, Vladimir. Técnicas Especiais de Investigação. In: CARLI, Carla Veríssimo Di (Org.). Lavagem de dinheiro. Prevenção e controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 437).

Segundo o TEDH, no caso Lüdi vs. Suíça, não é possível invocar o direito à privacidade para nulificar infiltrações legalmente autorizadas. Para a Corte, se o suspeito está envolvido em atividades ilícitas, deve estar ciente do risco de deparar-se com um agente infiltrado cuja missão é expor suas atividades clandestinas. E, como se decidiu no caso Teixeira de Castro vs. Portugal, se o agente encoberto limitar-se a observar passivamente as atividades ilícitas do suspeito, não há ofensa ao direito a um julgamento justo (fair trial), nos termos do art. 6º da CEDH.

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5.4.2 – RENATO BRASILEIRO DE LIMA - (LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 2 ed. Salvador: JusPODIVM, 2014. p. 580-581)

Ao se referir à autorização judicial da infiltração de agentes, o art. 10, caput, da Lei n. 12.850/13 deixa evidente que se trata de decisão sigilosa. De seu turno, o art. 12, caput, da referida Lei, prevê que o pedido de infiltração será sigilosamente distribuído, de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetivada ou identificar o agente que será infiltrado, porquanto tais dados serão entregues diretamente ao magistrado. Portanto, a autoridade policial ou o agente ministerial que representam pelo deferimento da medida deverão entregar nas mãos do juiz competente os dados concretos a respeito da infiltração, declinando fundamentos, atividades, nome do agente, local de atuação e suspeitos investigados. Essa preocupação com o sigilo da informação também é corroborada pelo novel crime do art. 20 da Lei n. 12.850/13, que incrimina a conduta daquele que descumprir determinação de sigilo das investigações que envolvam a ação controlada e a infiltração de agentes.

O objetivo desse segredo de justiça é evitar que os integrantes da organização criminosa objeto da infiltração tomem conhecimento prévio da realização desse procedimento investigatório, pois, do contrário, seria totalmente frustrada a eficácia dessa técnica especial de investigação, além de se pôr em risco a própria integridade física e/ou vida do agente infiltrado. Nesse caso, não importa se a medida venha a ser autorizada durante as investigações ou durante a instrução processual penal: o procedimento investigatório sempre deve ser levado a efeito sob segredo de justiça, única forma de se garantir sua utilidade. Trata-se, portanto, de medida cautelar inaudita altera pars, cuja decretação prescinde de prévia oitiva do(s) investigado(s). De modo a se preservar a própria eficácia da diligência, os investigados (ou acusados) e seus respectivos defensores não podem tomar conhecimento da circunstância de estar em curso uma infiltração de agentes de polícia.

Finda a medida, abre-se lugar ao contraditório e à ampla defesa com todos os recursos a ela inerentes. Portanto, independentemente de a infiltração ter sido decretada durante a fase investigatória ou processual, deve o acusado e seu defensor ter acesso à prova tão logo se considere que o conhecimento do resultado da diligência não importará em prejuízo

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ao prosseguimento das investigações ou do processo, momento em que poderão efetivar o contraditório (diferido) e o direito à ampla defesa. Em outras palavras, o contraditório será exercido posteriormente (contraditório diferido), ou seja, quando reveladas as fontes de prova e introduzidas nos autos da persecução os elementos informativos e as provas decorrentes da infiltração, ao investigado e a seu defensor deve ser franqueado o acesso a todos os elementos produzidos, a fim de que possam impugnar sua validade, exercendo, assim, o direito à ampla defesa. Daí dispor o art. 12, §2º, da Lei n. 12.850/13, que os autos contendo as informações da operação de infiltração acompanharão a denúncia do Ministério Público, quando serão disponibilizados à defesa, assegurando-se a preservação da identidade do agente.

É bem verdade que, por força do art. 5º, inciso LXIII, a própria Constituição Federal assegura ao preso44a assistência de advogado, o que significa dizer que o profissional da advocacia deve ter acesso aos autos do inquérito policial, sob pena de se tornar inócua a referida garantia constitucional. Esta prerrogativa de acesso aos autos de procedimentos investigatórios também é assegurada pelo Estatuto da OAB (Lei n. 8.906/94, art. 7º, XIV). No entanto, o advogado não pode ser cientificado com antecedência acerca da execução dessa medida, porquanto o sigilo é inerente sua eficácia e à própria proteção da integridade física do agente infiltrado. É o que se denomina de sigilo interno, que visa assegurar a eficiência desse procedimento investigatório. A própria súmula vinculante n. 14 do Supremo confirma que este acesso do defensor aos autos da investigação não tem natureza absoluta: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa” (grifo nosso)45.

44 A doutrina mais aceita é a de que o dispositivo constitucional em destaque se presta para proteger não apenas quem está preso, como igualmente qualquer pessoa a quem seja imputada a prática de um ilícito criminal. Pouco importa se o cidadão é suspeito, indiciado, acusado, preso ou mesmo condenado. Em qualquer hipótese, a ele deve ser assegurada a assistência de advogado.

45 No sentido de que advogados não podem ter conhecimento da autorização da infiltração e da ação controlada, pois, do contrário, tais procedimentos investigatórios estariam fadados ao insucesso, tornando-se inócuas e até perigosas: MENDRONI. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 2 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 60.

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5.5 Oitiva do agente infiltrado.

5.5.1 – RENATO BRASILEIRO DE LIMA - (LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 2 ed. Salvador: JusPODIVM, 2014. p. 573-574)

Durante o curso da infiltração, o agente infiltrado deve buscar identificar o maior número de fontes de prova relacionados aos ilícitos decorrentes da organização criminosa. Ao autorizar a realização da infiltração, a decisão judicial a que se refere o art. 10, caput, da Lei n. 12.850/13, deve apontar expressamente quais procedimentos investigatórios podem ser levados a efeito pelo agente infiltrado, o que, posteriormente, impedirá eventual arguição de ilicitude das provas por ele produzidas (v.g., provas documentais, apreensões, gravações ambientais, indicação de linhas telefônicas e de e-mails suscetíveis de interceptação, ou de bens que possam ser objeto de medidas assecuratórias, etc.).

O ideal é que essas fontes de prova identificadas pelo agente infiltrado durante o curso do procedimento investigatório tornem desnecessária sua oitiva como testemunha durante o curso do processo. Em outras palavras, ao invés de o conhecimento adquirido pelo agente infiltrado acerca do funcionamento da organização criminosa ser introduzido no processo por meio da colheita do seu depoimento, as informações por ele prestadas durante o curso da persecução penal devem se revelar úteis para eventuais apreensões de drogas, localização do produto do crime, etc. Com efeito, considerando-se o sério risco de morte inerente à revelação da existência da sua atuação como agente infiltrado, a execução dessa medida deve ser levada adiante sem que os imigrantes da organização criminosa tomem conhecimento da adoção desse procedimento investigatório, até mesmo para facilitar seu engajamento em posteriores operações policiais do mesmo tipo.

No entanto, caso seja necessária a oitiva do agente infiltrado como testemunha no curso do processo judicial, não temos dúvida em afirmar que sua verdadeira identidade deve ser mantida em sigilo. Em síntese, se, porventura, surgir a necessidade de sua oitiva, o agente infiltrado deve ser ouvido como testemunha anônima. Afinal, não faria sentido guardar o sigilo da operação durante o curso de sua execução para, após a conclusão, revelar aos acusados a verdadeira identidade civil e física do agente infiltrado.

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Compreende-se por testemunha anônima aquela cuja identidade verdadeira – compreendendo nome, sobrenome, endereço e demais dados qualificativos – não é divulgada ao acusado e seu defensor técnico. Esse anonimato é determinado para se prevenir ou impedir a prática de eventuais ilícitos contra a testemunha (v.g., coação processual, ameaça, lesões corporais, homicídios, etc.), possibilitando, assim, que seu depoimento ocorra sem qualquer constrangimento, colaborando para o necessário acertamento do fato delituoso.46

5.5.2 – LUIZ FLÁVIO GOMES e MARCELO RODRIGUES DA SILVA - (GOMES, Luiz Flávio et SILVA, Marcelo Rodrigues da. Organizações criminosas e técnicas especiais de investigação. Questões Controvertidas, aspectos teóricos e práticos e análise da Lei 12.850/2013. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 408-409)

A infiltração é medida cautelar probatória por conta das provas concretas por meio dela e não pela infiltração em si, até porque o agente tem o direito de conservar sua identidade em sigilo, logo os seus relatórios em si não possuem o menor valor probatório, haja vista o artigo 5º, IV da Constituição Federal de 1988 (que veda o anonimato). Tratam-se de relatórios apócrifos. O valor probatório é zero. A infiltração é uma medida cautelar probatória por tudo aquilo que ela venha a carrear, os dados concretos apurados, e não os relatórios em si. Esse documento sem assinatura (apócrifo) é um nada. O valor probatório da infiltração não reside nela própria, e sim em todas as peças de informação e elementos de proas que a infiltração venha a alcançar. E isso fica claro pelo próprio artigo 14 da Lei 12.850/2013 (que traz os direitos do agente infiltrado).

Exatamente por isso, entendemos desnecessária a oitiva do agente infiltrado, pois não se trata de testemunha, mas sim como mero realizador da técnica especial de investigação da infiltração de agentes policiais.

Caso a defesa dos delatados insista pela oitiva do agente infiltrado, em

46 MALAN, Diogo Rudge. Direito ao confronto no processo penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 140.

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especial por suposta violação ao direito ao confronto (right of confrontation), poderá o juiz deferir a oitiva, desde que mantenha-se a identidade, imagem e voz do agente infiltrado preservadas, para sua segurança pessoal e de sua família, assim como para facilitar seu engajamento em outras operações policiais do mesmo tipo47.

5.5.3 – VLADIMIR ARAS - (ARAS, Vladimir. Técnicas Especiais de Investigação. In: CARLI, Carla Veríssimo Di (Org.). Lavagem de dinheiro. Prevenção e controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 437).

Outro problema surge quando se verifica a impossibilidade de inquirição (cross-examination) do agente infiltrado pela defesa durante o processo penal. O agente (precious witness) deve ter a identidade, imagem e voz preservadas, por fins de segurança pessoal e de sua família, assim como para facilitar seu engajamento em outras operações policiais do mesmo tipo48. Esta preocupação é relevante porque nem todo policial é talhado para essa perigosa e delicada atividade de agente infiltrado.

47 Tribunal Europeu de Direitos Humanos, caso Ludi vs. Suíça.

48 TEDH, caso Lüdi vs. Suíça.

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6. Anexos

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6.1 Modelo – Acordo de colaboração processual

TERMO DE COLABORAÇÃO PREMIADA

O Ministério do Estado do Paraná, por intermédio dos Promotores abaixo-assinados, e (NOME DO COLABORADOR), réu nas ações nº (NÚMERO DOS AUTOS) e investigado em diversos procedimentos, todos em trâmite perante a __ Vara Criminal da Comarca de ___, devidamente assistido por seu advogado constituído que assina este instrumento, formalizam acordo de colaboração premiada nos termos que seguem, envolvendo os fatos investigados na Operação ____ assim como fatos novos que não são objeto de investigação e os que vierem a ser revelados em razão das investigações

Parte I – Base Jurídica

Cláusula 1ª. O presente acordo funda-se no art. 129, inciso I, da Constituição Federal, nos artigos 13 a 15 da Lei n. 9.807/99, no art. 1º, §5°, da Lei 9.613/98, no art. 26 da Convenção de Palermo, e no art. 37 da Convenção de Mérida, nos artigos 4º a 8º da Lei 12.850/2013, bem como nos princípios gerais do Direito.

Cláusula 2ª. O interesse público é atendido com a presente proposta tendo em vista a necessidade de conferir efetividade à persecução criminal de outros criminosos e ampliar e aprofundar, em todo o País, as investigações em torno de crimes contra a Administração Pública, contra o Sistema Financeiro Nacional, crimes de lavagem de dinheiro e crimes praticados por organizações criminosas, inclusive no que diz respeito à repercussão desses ilícitos penais na esfera cível, tributária, administrativa, disciplinar e de responsabilidade. Há, ainda, eminente interesse na recuperação das vantagens econômicas ilícitas oriundas dos cofres públicos, distribuídas entre diversos agentes públicos e particulares ainda não identificados, bem como na investigação da corrupção de agentes públicos de diferentes setores e níveis praticada mediante oferecimento de vantagens por grandes empresas, nos termos da Lei 12.846/2013.

Parte II – Proposta do Ministério Público do Paraná

Cláusula 3ª. (NOME DO COLABORADOR), bem como (NOME DE CORRÉUS ou COINVESTIGADOS) estão sendo investigados e/ou processados

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criminalmente no âmbito da Operação ____, por diversos crimes tais como corrupção, peculato, lavagem de dinheiro oriundo de crimes contra a Administração Pública, formação de organização criminosa e obstrução da investigação de organização criminosa.

Cláusula 4ª. Essas apurações estão relacionadas à atividade do réu (NOME) que (DESCREVER ATUAÇÃO DO COLABORADOR NA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA)

Cláusula 5ª. Em vista disso, salvaguardada a necessidade de ratificação e homologação judicial deste acordo, uma vez cumprida integralmente as condições impostas adiante, neste acordo, para o recebimento dos benefícios, bem como no caso haver efetividade da colaboração, o Ministério Público do Estado do Paraná propõe ao acusado os seguintes benefícios legais, cumulativamente:

I. Pleiteará que, pelos crimes que são objeto do presente acordo, o acusado fique sujeito à continuidade da prisão cautelar e a penas criminais nos termos seguintes:

a) prisão domiciliar pelo prazo de 1 (um) ano, com tornozeleira eletrônica ou equipamento similar, na medida da efetividade da colaboração e nos termos dos parágrafos deste artigo, sem detração do prazo de prisão preventiva cumprido;

b) após cumprido o período de prisão domiciliar (cautelar ou penal), existindo sentença condenatória transitada em julgado, o cumprimento de parte da pena privativa de liberdade imposta em regime semiaberto, em período de zero a dois anos, a ser definido pelo Juízo tomando em consideração o grau de efetividade da colaboração;

c) após cumprido o período de prisão em regime semiaberto, o restante da pena será cumprida em regime aberto até o seu total cumprimento;

d) a qualquer tempo, o regime da pena será regredido para regime fechado ou semiaberto, de acordo com os ditames do art. 33 do Código Penal, na hipótese de descumprimento do presente acordo, e nos demais casos previstos em lei de regressão, caso em que o benefício concedido neste artigo, como os demais, deixará de ter efeito;

II. Promoverá o arquivamento de fatos novos em relação ao acusado trazidos pelo colaborador em relação aos quais não exista, na data do acordo, nenhuma linha de investigação em qualquer juízo ou instância;

III. Pleiteará a suspensão de processos instaurados, e do respectivo prazo prescricional, por 10 (dez) anos, em todos os casos em desfavor do

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colaborador não transitados em julgado, assim que atingida a pena unificada de 20 (vinte) anos resultante de condenações transitadas em julgado;

IV. O Ministério Público poderá, a depender da efetividade da colaboração, segundo sua avaliação exclusiva, pedir o sobrestamento de inquéritos e outros procedimentos pré-judiciais ou judiciais, assim como promover a suspensão de feitos antes de atingido o montante de 20 (vinte) anos de condenação;

V. Após transcorrido o prazo de 10 (dez) anos sem quebra do acordo que venha a acarretar sua rescisão, pleiteará que volte a fluir o prazo prescricional até a extinção da punibilidade, deixando o Ministério Público de oferecer denúncia em procedimentos pré-judiciais na hipótese de não ser rescindido o acordo.

VI. Ocorrendo quebra ou rescisão do acordo imputável ao beneficiário, voltarão a fluir as ações penais suspensas e intentadas novas ações até o esgotamento da investigação.

VII. O MPPR ofertará aos parentes do colaborador, mencionados na Cláusula 3, os quais tenham praticado ou participado da atividade criminosa que é objeto deste acordo, proposta de acordo de colaboração premiada acessória e individual. Cada um destes acordos acessórios seguirá a sorte deste acordo principal no caso de rescisão, não homologação ou inefetividade deste último, exceto se o Ministério Público entender que a colaboração de cada beneficiário for suficiente para garantir-lhe, independentemente, os benefícios, no todo ou em parte, adiante listados.

VIII. Em tais acordos acessórios o Ministério Público oferecerá os seguintes benefícios, na hipótese de cumprirem exigências idênticas às deste acordo (as quais incluem aquelas deste item II, §§ 8° a 10, assim como as condições da proposta do item III a XII, seguintes, adequadas a cada caso, ressalvado que há necessidade de pagamento de indenização adicional), incluindo necessariamente a renúncia a bens e valores que são produto e proveito de atividade criminosa ou valores equivalentes:

a) pleiteará seja fixado regime aberto de cumprimento de pena nas condenações relativas a novas acusações oferecidas, mesmo sem o preenchimento dos requisitos legais, em analogia aos termos do art. 4º, §5°, da Lei 12.850/2013;

b) pleiteará a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos caso condenado na ação penal nº ____;

c) pleiteará, depois de obtida uma condenação transitada em julgado por lavagem de dinheiro oriundo de crimes contra a Administração Pública, a suspensão dos demais processos criminais instaurados, pelo prazo de 10 (dez) anos, tão logo oferecidas as acusações;

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d) O Ministério Público poderá, a depender da efetividade da colaboração principal e/ou acessória, segundo sua avaliação, pedir o sobrestamento de inquéritos e outros procedimentos pré-judiciais ou judiciais;

e) pleiteará, caso transcorrido o prazo de 10 (dez) anos sem quebra do acordo (principal ou acessório), que volte a correr o prazo prescricional até a extinção da punibilidade;

f) o Ministério Público não considerará violado este acordo principal pela violação dos acordos eventualmente feitos com familiares (acordos acessórios), mas a rescisão do acordo principal acarretará a rescisão dos acordos acessórios;

g) pleiteará seja fixada a pena de multa no mínimo legal, tendo em conta os calores que estão sendo pagos, a outros títulos, pelo colaborador, conforme item III deste termo de acordo.

§1°. O Ministério Público pleiteará que a prisão domiciliar com tornozeleira, referida na presente cláusula, seja a forma de execução de custódia cautelar (art. 318 do CPP) até o trânsito em julgado das ações penais em desfavor do colaborador e, caso se encerrem todas, que tal prisão, limitada em seu total montante especificado neste artigo, corresponda ao modo de início de execução da pena. O Ministério Público pleiteará que, depois de decorrido o prazo da prisão domiciliar com tornozeleira, o modo de execução de eventuais penas privativas seja o regime semiaberto, por até dois anos, ou regime aberto comum, nos termos deste artigo.

§2°. A avaliação da produtividade do acordo, para fins de fixação do tempo de regime semiaberto a cumprir, entre zero e dois anos, será feita pelo Juízo com base em relatórios a serem apresentados pelo Ministério Público e pela defesa, e deverá tomar em consideração fatores tais como número de prisões, investigações, processos penais e ações cíveis resultantes, assim como valores recuperados no Brasil e no Exterior.

§3°. A pena cumprida cautelarmente, seja de prisão comum, seja de prisão domiciliar, assim como a pena de prisão domiciliar, seja cautelar ou penal, não interferirão no tempo de pena de até dois anos em regime semiaberto estabelecido em sentença. O tempo de eventual trabalho também não interferirá para fins de progressão do regime.

§4°. O Ministério Público pleiteará a conversão da prisão preventiva comum em prisão cautelar domiciliar com monitoramento eletrônico apenas depois de colhidos todos os depoimentos por meio dos quais o colaborador trouxer todas as informações e provas disponíveis sobre os fatos em

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investigação e sobre todos e quaisquer crimes de que tenha conhecimento, tenha ou não deles participado, envolvendo, direta ou indiretamente:

a) [...]b) [...]c) […]

§5°. O prazo mencionado no parágrafo anterior, de prisão comum, é o prazo em que será permitido ao colaborador declinar todos e quaisquer fatos que queira ver incluídos no objeto de sua colaboração sem que o acordo seja considerado rescindido por omissão ou ocultação de fatos e/ou provas.

§6°. O prazo de prisão cautelar comum, em qualquer hipótese, não será inferior a 15 dias contados da data deste acordo, e não será superior a 30 dias, a contar da assinatura do presente acordo.

§7°. O prazo da prisão domiciliar com tornozeleira terá seu marco inicial, para efeitos de contagem, 15 dias depois da assinatura deste acordo, ainda que o acusado seja mantido por prazo superior sob reclusão cautelar comum (nos termos dos parágrafos antecedentes), de modo que o tempo de segregação cautelar comum que exceda 15 dias a partir da data deste acordo será diminuído do prazo de prisão domiciliar com tornozeleira a cumprir.

§8º Os benefícios não abrangem fatos ilícitos posteriores à data do acordo, em qualquer hipótese, nem fatos anteriores que sejam (estes últimos) completamente dissociados do objeto deste acordo.

§9º Os benefícios propostos não eximem o colaborador de obrigações ou penalidades de cunho administrativo e tributário, eventualmente exigíveis.

§10º Se o investigado, por si ou por seu procurador, solicitar medidas para garantia de sua segurança, a Polícia Federal, o MPF e o Juízo Federal adotarão as providências necessárias para sua inclusão imediata no programa federal de proteção ao depoente especial, com as garantias dos artigos 8º e 15 da Lei n. 9.807/99.

§11º O Ministério Público concordará com a liberação dos passaportes do colaborador ao final do período de prisão domiciliar, ficando, contudo, sua saída do país submetida a autorização judicial até a extinção da pena.

§12º Qualquer mudança de endereço durante o período da prisão domiciliar será excepcional e previamente autorizada pelo juiz competente.

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Parte III – Condições da Proposta

Cláusula 6º. O colaborador renuncia, em favor da União, a qualquer direito sobre valores mantidos em contas bancárias e investimentos no exterior, em qualquer país, inclusive mantidos em (DETALHES), os quais reconhece serem todos, integralmente, produto de atividade criminosa. O colaborador se compromete a prontamente praticar qualquer ato necessário à repatriação desses valores em benefício do país, assinando, em anexo, desde logo, termo nesse sentido.

Cláusula 7º. O colaborador autorizará o Ministério Público ou outros órgãos, nacionais ou estrangeiros indicados pelo Ministério Público, a acessarem todos os dados de sua movimentação financeira no exterior, mesmo que as contas não estejam em seu nome (p. ex., em nome de offshores ou interpostas pessoas, inclusive familiares), o que inclui, exemplificativamente, todos os documentos cadastrais, extratos, cartões de assinaturas, dados relativos a cartões de crédito, aplicações e identificação de depositantes e beneficiários de transações financeiras, assinando, desde logo, termo anexo nesse sentido.

Cláusula 8º. O colaborador se compromete a pagar, de modo irretratável e irrevogável, a título de indenização cível, pelos danos que reconhece causados pelos diversos crimes (não só contra a Administração Pública mas de lavagem de ativos, dentre outros), o valor de (VALOR), a serem depositados perante (JUÍZO), no prazo de (PRAZO) contados da assinatura do acordo, bem como a entregar, a título de compensação cível de danos também, os seguintes bens que reconhece serem produtos ou proveito de atividade criminosa ou seu equivalente em termos de valor: (DESCRIÇÃO DOS BENS).

§1º O colaborador oferece neste ato, em garantia do pagamento dos valores, os bens que já estão bloqueados pela (JUÍZO), sendo que as garantias poderão ser reduzidas à medida que pago o valor da indenização, ressalvada a manutenção do bloqueio dos bens necessários para a fiança estabelecida na cláusula 10.

§2º Os bens bloqueados pela (JUÍZO) poderão servir para o pagamento da multa compensatória estipulada neste artigo.

Cláusula 9º. Se forem identificados outros bens além daqueles que constam na última declaração de imposto de renda do colaborador ou daqueles que já foram bloqueados na ação cautelar patrimonial por

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pertencerem formalmente ao colaborador, após a assinatura do acordo, os quais constituam produto ou proveito da atividade criminosa, será dado perdimento a eles em sentença, ou mediante ação penal declaratória inominada posterior à sentença, com direito a contraditório e ampla defesa, sem prejuízo da rescisão do acordo.

Cláusula 10. Para garantir seu comparecimento em juízo, o acusado oferecerá fiança, que consistirá na apresentação de imóveis para garantia, que totalizem o valor de (VALOR), indicando para tanto, desde logo, os imóveis que foram bloqueados pela (JUÍZO).

§1º O colaborador, no prazo de 60 dias, individualizará os imóveis que pretende que façam parte desta fiança criminal, podendo substituí-los por fiança bancária.

§2º Os imóveis indicados pelo colaborador serão submetidos a avaliação judicial, comprometendo-se o acusado a complementar a fiança até o montante de (VALOR).

§3º Não serão liberados os bens bloqueados que sejam necessários para garantir essa fiança, enquanto ela não for estabelecida, resguardados bens suficientes independentes para garantir o pagamento de indenização, tal como estabelecido na cláusula 8ª.

Cláusula 11. A defesa e o acusado concordam com a suspensão de todas as ações penais em andamento em relação a ele, bem como o adiamento de atos processuais, sem que isso caracterize ou venha a caracterizar excesso de prazo de prisão, uma vez que são feitos em seu interesse, na hipótese de o Ministério Público entender necessário seu sobrestamento para avaliar a produtividade da colaboração ou adotar outras medidas pertinentes à colaboração.

Cláusula 12. A defesa desistirá de todos os habeas corpus impetrados no prazo de 48 horas, desistindo também do exercício de defesas processuais, inclusive de discussões sobre competência e nulidades.

Cláusula 13. Para que do acordo proposto pelo MP possam derivar os benefícios elencados na Parte II deste termo, a colaboração do investigado deve ser voluntária, ampla, efetiva, eficaz e conducente:

a) à identificação de todos os coautores e partícipes da organização

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criminosa sob investigação no Caso LavaJato e das infrações penais por eles praticadas, que sejam ou que venham a ser do seu conhecimento;

b) à revelação da estrutura hierárquica e a divisão de tarefas da organização criminosa;

c) à recuperação total ou parcial do produto e/ou proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa, tanto no Brasil quanto no exterior.

Cláusula 14. Para tanto, o acusado se obriga, sem malícia ou reservas mentais, e imediatamente, a esclarecer cada um dos esquemas criminosos apontados nos diversos Anexos deste termo de acordo, fornecendo todas as informações e evidências que estejam ao seu alcance, bem com indicando provas potencialmente alcançáveis. Cada Anexo assinado pelas partes diz respeito a um fato ou pessoa, em relação ao qual o colaborador contribuirá para indicar diligências que possam ser empregadas para sua apuração em caráter sigiloso. O sigilo estrito das declarações será mantido sob pena de prejuízo à efetividade das investigações em curso, razão pela qual o sigilo de cada Anexo será levantado assim que não houver risco a tal efetividade, segundo entenderem o Ministério Público, Poder Judiciário e a Polícia, nos termos da súmula vinculante n. 14 do STF.

Parágrafo único. Os depoimentos colhidos serão registrados em uma única via, de que não terá cópia o colaborador, resguardado o seu direito de receber, a cada depoimento, um termo declarando que prestou declarações em determinado dia e horário no interesse de determinada investigação.

Cláusula 15. Para que do acordo derivem benefícios, ainda, o colaborador se obriga, sem malícia ou reservas mentais, e imediatamente, a:

a) falar a verdade, incondicionalmente ou sob compromisso, em todas as investigações – inclusive nos inquéritos policiais, inquéritos civis e ações cíveis e processos administrativos disciplinares e tributários – e ações penais, em que doravante venha a ser chamado a depor na condição de testemunha ou interrogado, nos limites deste acordo;

b) indicar pessoas que possam prestar depoimento sobre os fatos em investigação, nos limites deste acordo, propiciando as informações necessárias à localização de tais depoentes;

c) cooperar sempre que solicitado, mediante comparecimento pessoal a qualquer das sedes do Ministério Público, Polícia ou Receita Estadual, para analisar documentos e provas, reconhecer pessoas, prestar depoimentos e auxiliar peritos na análise pericial;

d) entregar todos os documentos, papéis, escritos, fotografias,

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bancos de dados, arquivos eletrônicos etc., de que disponha, estejam em seu poder ou sob a guarda de terceiros, e que possam contribuir, a juízo do Ministério Público, para a elucidação dos crimes;

e) cooperar com o MPF e com outras autoridades públicas por este apontadas para detalhar os crimes de corrupção, peculato, lavagem de capitais, sonegação discal, evasão de divisas e outros delitos correlatos a estes;

f) colaborar amplamente com o MPF e com outras autoridades públicas por este apontadas em tudo mais que diga respeito ao caso e aos fatos que o colaborador se compromete a elucidar;

g) não impugnar, por qualquer meio, o acordo de colaboração, em qualquer dos inquéritos policiais ou ações penais nos quais esteja envolvido, no Brasil ou exterior, salvo por fato superveniente à homologação judicial, em função de descumprimento do acordo pelo MP ou pelo Juízo;

h) afastar-se de suas atividades criminosas, especificamente não vindo a contribuir, de qualquer forma, com as atividades da organização criminosa investigada;

i) comunicar imediatamente o MP caso seja contatado por qualquer dos demais integrantes da organização criminosa, por qualquer meio; e

j) pagar a multa que for fixada na ação penal, oferecendo ainda garantia idônea ao cumprimento desta obrigação.

Parágrafo único: A enumeração de casos específicos nos quais se reclama a colaboração do acusado não tem caráter exaustivo, tendo ele o dever genérico de cooperar, nas formas acima relacionadas, com o MP ou com outras autoridades públicas por este apontadas, para o esclarecimento de quaisquer fatos relacionados ao objeto deste acordo.

Parte IV – Validade da Prova

Cláusula 16. A prova obtida mediante a presente avença de colaboração premiada será utilizada validamente para a instrução de inquéritos policiais, procedimentos administrativos criminais, ações penais, ações cíveis e de improbidade administrativa e inquéritos civis, podendo ser emprestada também ao Ministério Público Federal, à Receita Federal e/ou Estadual, à Procuradoria da Fazenda Nacional, ao Banco Central do Brasil e a outros órgãos, inclusive de países e entidades estrangeiras, para a instrução de procedimentos e ações fiscais, cíveis, administrativas (inclusive disciplinares(, de responsabilidade bem como qualquer outro procedimento público de apuração dos fatos.

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Parte V – Garantia contra a autoincriminação, direito ao silêncio e direito a recurso

Cláusula 17. Ao assinar o acordo de colaboração premiada, o colaborador, na presença de seu advogado, está ciente do direito constitucional ao silêncio e da garantia contra a autoincriminação. Nos termos do art. 4º, §14, da Lei 12.850/2013, o colaborador renuncia, nos depoimentos em que prestar, ao exercício do direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade. O colaborador renuncia, ainda, ao exercício do direito de recorrer das sentenças penais condenatórias proferidas em relação aos fatos que são objetos deste acordo, desde que elas respeitem os termos aqui formulados.

Parte VI – Imprescindibilidade da Defesa Técnica

Cláusula 18. Este acordo de colaboração somente terá validade se aceito, integralmente, sem ressalvas, pelo investigado [NOME] e por ser defensor, Dr. [NOME], inscrito na OAB/PR sob o n. [NÚMERO].

Parágrafo único. Ademais, nos termos do art. 4º, §15, da Lei 12.850/2013, em todos os atos de confirmação e execução da presente colaboração, o colaborador deverá estar assistido por defensor.

Parte VII – Cláusula de Sigilo

Cláusula 19. Nos termos do art. 7º, §3º, da Lei 12.850/2013, as partes comprometem-se a preservar o sigilo sobre a presente proposta e o acordo dela decorrente, até que o termo seja juntado aos autos.

§1º. O acusado se compromete ainda a preservar o sigilo a respeito da existência e do conteúdo das investigações apontadas nos Anexos, perante qualquer autoridade (fiscal, bancária etc.) distinta do Ministério Público, Poder Judiciário e Polícia Civil responsáveis pela administração do acordo de colaboração, enquanto o Ministério Público não entender que a publicidade não prejudicará a efetividade das investigações.

§2º. Após o recebimento da denúncia, eventuais acusados incriminados em virtude da cooperação de colaborador poderão ter vista deste termo, mediante autorização judicial, sem prejuízo dos direitos assegurados ao colaborador, nos termos do art. 5º da Lei 12.850/2013, bem

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como do Anexo respectivo que tenha embasado a investigação que ensejou a denúncia. Os demais Anexos, não relacionados ao feito, serão mantidos em sigilo enquanto for necessário para a preservação do sigilo das investigações, nos termos da Súmula Vinculante 12 do STF.

Parte VIII – Ratificação pelo Procurador-Geral de Justiça

Cláusula 20. Na hipótese de que a colaboração eventualmente venha a implicar autoridades que gozam de prerrogativa de foro perante o E. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, o presente acordo fica sujeito a ratificação do Procurador-Geral de Justiça, que tomará as medidas cabíveis junto à mencionada Corte.

Cláusula 21. Na hipótese de que a colaboração eventualmente venha a implicar autoridades submetidas a outros foros, os signatários gestionarão buscando a adesão dos outros membros do Ministério Público aos termos do presente acordo.

Parte IX – Homologação Judicial

Cláusula 22. Para ter eficácia, o presente termo de colaboração será levado ao conhecimento do Juiz de Direito responsável pela __ Vara Criminal de ______, bem como aos Tribunais competentes para a apreciação dos fatos contidos nos Anexos deste Acordo, juntamente com as declarações do colaborador que digam respeito à competência da respectiva Vara ou Tribunal e de cópia das principais peças da investigação existente até a presente data, nos termos do art. 4º, §7º, da Lei 12.850/2013, para homologação.

Parte X – Rescisão

Cláusula 23. O acordo perderá efeito, considerando rescindido, ipso facto:

a) se o colaborador descumprir, sem justificativa, qualquer das cláusulas, subcláusulas ou itens em relação às quais se obrigou;

b) se o colaborador sonegar a verdade ou mentir em relação a fatos em apuração, em relação aos quais se obrigou a cooperar;

c) se o colaborador vier a recusar-se a prestar qualquer informação de que tenha conhecimento;

d) de o colaborador recusar-se a entregar documento ou prova que tenha em seu poder ou sob a guarda de pessoa de suas relações ou sujeito a

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sua autoridade ou influência;e) se ficar provado que o colaborador sonegou, adulterou, destruiu

ou suprimiu provas que tinha em seu poder ou sob sua disponibilidade;f) se o colaborador vier a praticar qualquer outro crime, após a

homologação judicial da avença;g) se o colaborador fugir ou tentar furtar-se à ação da Justiça Criminal;h) se o MP não pleitear em favor do colaborador os benefícios legais

aqui acordados;i) se o sigilo a respeito deste acordo for quebrado por parte do

colaborador, da Defesa ou pelo MP;j) se o colaborador não efetuar o pagamento da multa compensatória

ou não oferecer as garantias a título de fiança com que se compromete;k) se não forem assegurados ao colaborador os direitos previstos no

art. 5º da Lei 12.850/2013, quando cabíveis; el) se o acusado, direta ou indiretamente, impugnar os termos deste

acordo ou a sentença que for exarada nos limites acertados neste acordo.

Cláusula 24. Em caso de rescisão do acordo, o colaborador perderá automaticamente direito aos benefícios que lhe forem concedidos em virtude da cooperação com o Ministério Público, e será considerada quebrada a fiança, prevista na cláusula 10, com a manutenção da validade das provas já produzidas.

§1º. Se a rescisão for imputável ao MP ou ao Juízo, o acusado poderá, a seu critério, cessar a cooperação, com a manutenção dos benefícios já concedidos e validade das provas já produzidas.

§2º. O colaborador fica ciente de que, caso venha a imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com a justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe inocente, ou revelar informações sobre a estrutura de organização criminosa que sabe inverídicas, poderá ser responsabilizado pelo crime previsto no art. 19 da Lei 12.850/2013, cuja pena é de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos de prisão, e multa.

Parte XI – Duração Temporal

Cláusula 25. O presente acordo valerá, caso não haja rescisão, até o trânsito em julgado da(s) sentença(s) condenatórias(s) relacionadas aos fatos que forem revelados em decorrência deste acordo, já investigados ou a investigar em virtude da colaboração, inclusive em relação aos processos de terceiros que forem atingidos.

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Parte XII – Declaração de aceitação

Cláusula 26. Nos termos do art. 6º, inc. III, da Lei 12.850/2013, o colaborador e seu defensor declaram a aceitação ao presente acordo de livre e espontânea vontade – reconhecendo, inclusive, que a iniciativa do acordo foi do próprio acusado, quem procurou o Ministério Público por meio de seu advogado constituído, a fim de colaborar com a Justiça – e, por estarem concordes, firmam as partes o presente acordo de colaboração premiada, em três vias, de igual teor e forma.

[CIDADE], [DATA].

Pelo Ministério Público:

[NOME]Promotor(a) de Justiça

Pela Defesa:

[NOME]

Advogado, OAB/PR n. ___

[NOME]

Colaborador

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6.2 Artigo – O uso de um criminoso como testemunha: um problema especial

Título do artigo: O uso de um criminoso como testemunha: um problema especial

Autor: Stephen S. Trott, Juiz Senior da Corte de Apelações do Nono Circuito Federal dos Estados Unidos da América

Tradutor: Sergio Fernando Moro, Juiz Federal da 2.ª Vara Federal Criminal de Curitiba, especializada em crimes financeiros e de lavagem de dinheiro, Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Contatos: Prédio da Justiça Federal na Av. Anita Garibaldi, n.º 888, CEP 80540-180, Bairro Ahú, Curitiba/PR, fone 41 3313-4506, e-mail [email protected]

Resumo: O artigo trata da utilização um criminoso como testemunha. Aborda várias questões atinentes ao tema e a rica jurisprudência norte-americana sobre os problemas envolvidos. Nas palavras do autor, a questão apropriada não é se criminosos devem realmente ser utilizados como testemunhas de acusação, mas quando e como.

Palavras-chaves: uso de um criminoso como testemunha; delação premiada; criminoso colaborador; corroboração; instruções ao Júri; jurisprudência norte-americana.

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O uso de um criminoso como testemunha: um problema especial1

Stephen S. TrottJuiz Senior da Corte de Apelações do Nono

Circuito Federal dos Estados Unidos da América2

"O informante é parte vital da armadura de defesa da sociedade". McCray v. Illinois, 386 U.S 300, 307 (1967)

"Esta Corte reconheceu há tempo as 'questões sérias de credibilidade' que os informantes colocam... Nós, por isso, permitimos aos acusados 'grande abertura para testar a credibilidade [dos informantes] pelo exame cruzado' e aconselhamos a submissão da questão da credibilidade ao júri 'com instruções cuidadosas'." Banks v. Dretke, 540 U.S. 668, 701-02 (2004).

"Um promotor que não for sensível aos perigos de utilizar criminosos recompensados como testemunhas arrisca comprometer a missão de busca de verdade em nosso sistema de justiça criminal. Porque a Acusação decide se e quando utilizar essas testemunhas e o quê, se alguma coisa, dar a elas pelos seus serviços, a Acusação encontra-se posicionada de maneira única para proteger contra a perfídia. Por sua ação, a Acusação pode tanto contribuir para o problema como pode eliminá-lo. Em decorrência, nós esperamos que promotores e investigadores tomem todas as medidas razoáveis para proteger o sistema contra a traição." United States v. Bernal-Obeso, 989 F.2d 331, 333-34 (9th Cir. 1993)3.

1 Nota do tradutor: Publicado originariamente com o título The use of a criminal as a witness: a special problem no U.S. Department of Justice's Manual for Federal Prosecutors e no Hastings Law Journal, Vol. 47, July/August 1996, No. 5/6.

2 Traduzido por Sergio Fernando Moro, Juiz Federal da 2.ª Vara Federal Criminal de Curitiba, especializada em crimes financeiros e de lavagem de dinheiro, Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná.

3 Nota do tradutor: Optou-se por manter as referências aos precedentes em inglês sem qualquer tradução. Expressões como 9th Cir. ou mais adiante 2nd Cir. referem-se aos julgados da Corte de Apelação do Nono Circuito Federal ou do Segundo Circuito Federal e assim por diante. Nos Estados Unidos, o sistema judicial federal é dividido em noventa e quatro cortes federais distritais (district courts - o equivalente no Brasil à Justiça Federal de primeira instância) e que estão organizadas em doze circuitos regionais, incluindo a Corte de Apelação Federal do Distrito de Columbia. Além disso, há ainda a United States Court of Appeals for the Federal Circuit cuja competência é definida por matéria e não por território. Para o tema, vide MEADOR, Daniel John. Os Tribunais nos Estados Unidos. trad. por Ellen G. Northfleet. Brasília: Serviço de Divulgação e Relações Culturais dos EUA - USIS, 1996, especialmente p. 25-35.

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Prefácio

Nas mãos de um experiente médico, um bisturi é um instrumento maravilhoso. Ele pode remover um tumor mortal ou reparar um coração doente. O sucesso desses procedimentos, por certo, depende da habilidade do cirurgião porque o mesmo bisturi, em mãos inexperientes ou sem cuidado, pode fatalmente cortar uma artéria saudável, lesionar um nervo não visto ou mesmo realizar uma operação no joelho esquerdo quando o problema está no direito.

Um criminoso colaborador que é utilizado como testemunha contra outros criminosos é muito parecido com um bisturi. Jimmy, o Doninha Fratianno, pode ser usado para derrubar a Máfia da Costa Oeste; Sammy, o Touro Gravano, para remover o chefe John Gotti; e Michael Fortier para proporcionar um depoimento destruidor e explosivo para Timothy McVeigh no caso da bomba no Prédio Federal em Oklahoma. De fato, uma das mais úteis, importantes e, de certo, indispensáveis armas na constante luta da civilização contra criminosos, foras-da-lei e terroristas é a informação que vem dos associados deles. Mas, como no caso do bisturi, a utilização sem cuidado, sem habilidade ou sem preparação, de criminosos colaboradores como testemunhas, tem a capacidade de gerar, de maneira tão severa, o efeito contrário do pretendido, que um caso que, de outra forma, seria sólido, pode ser irreparavelmente prejudicado e os efeitos colaterais podem às vezes não só arruinar o caso, mas até mesmo manchar a reputação ou a carreira do promotor.

Um criminoso colaborador é muito mais perigoso do que um bisturi porque um informante tem mente própria e, quase sempre, é uma mente que não carrega os valores e os princípios que animam a nossa lei e a nossa Constituição. Um informante é geralmente motivado por interesse próprio, este freqüentemente de natureza sociopata, e que ele coloca em primeiro lugar. Mudará em um instante sempre que perceber que o seu interesse será melhor atendido de outra maneira. Por definição, informantes-testemunhas não são só foras-da-lei, mas também vira-casacas. Eles são traidores e um promotor desatento a essas verdades desagradáveis anda sem patins em gelo escorregadio. Em um momento, um promotor pode efetivamente transformar-se no objeto de uma investigação, com conseqüências duras. Ademais, um informante, mesmo aparentemente engajado em colaborar com o caso, pode cometer perjúrio, obstruir a justiça, produzir prova falsa e recrutar outras testemunhas para corroborar suas histórias falsas. Depois de quarenta anos em nosso sistema judicial, eu concluí que a mais grave

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ameaça à integridade de nosso sistema de justiça e a sua missão de busca da verdade - e ainda, aos próprios promotores - vem de informantes mal escolhidos para seus papéis, manuseados e trabalhados sem cuidado.

Por outro lado, alguns dos maiores sucessos em nossas cortes criminais poderiam não ter sido atingidos sem a utilização experiente e habilidosa desse tipo de testemunhas. Vicent Bugliosi usou destramente membros da Família Manson para derrubar seu confiante líder, o próprio Charles Manson. Um conjunto sem fim de promotores habilitados utilizou mafiosos para derrubar seus líderes e destruir seus impérios. Até mesmo o Presidente Nixon foi retirado do mais elevado posto da nação com a ajuda do depoimento de seus mais próximos confidentes. A lista de sucessos é comprida e impressionante. Como a Suprema Corte disse em Kastigar v. United States, 406 U.S. 441, 446 (1972), nossas leis de imunidade a testemunhas "refletem a importância da prova testemunhal e o fato de que muitos crimes são do tipo de que as únicas pessoas aptas a dar depoimentos úteis são aquelas neles implicadas."

Mas como um promotor torna-se adequadamente treinado e habilitado nessa área peculiar de sua arte? O currículo requerido não pode usualmente ser encontrado na sala de aula de nossas escolas de Direito, mas apenas nas ruas, nas cadeias e nos fóruns de nossas cidades. Aqui, o conhecimento vem das trincheiras, dos veteranos, das escolas dos nocautes duros, e espera-se que venha antes que erros problemáticos sejam feitos.

Eu escrevi este resumo não com o objetivo de habilitar alguém a ganhar um caso específico, mas como uma tentativa de irradiar luz desinfetante em um problema recorrente e que freqüentemente faz o sistema judicial perder seu ancoradouro e virar de cabeça para baixo. Como diz o ditado do Departamento de Justiça dos Estados Unidos: "A Acusação sempre ganha quando a justiça é feita." Vamos começar.

A. No começo da carreira de um promotor, a maior parte das testemunhas da acusação é composta por cidadãos normais que, em virtude de algum infortúnio ou de outra maneira, foram ou a vítima ou a testemunha de um ato criminal. O Sr. Jones, por exemplo, é chamado a testemunhar que ele foi privado de suas economias de vida. O Sr. Wilson relata ao júri sobre o seu carro roubado. A Sra. Johnson identifica o cadáver de seu filho que foi morto em um assalto. E o agente Bond conta que descobriu cocaína na bagagem do acusado no aeroporto.

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Com este tipo de testemunhas, caráter, credibilidade e integridade não são usualmente questões críticas, seja durante a investigação do caso ou na Corte. O mais esperado do outro lado da mesa é uma defesa baseada na afirmação de que esta testemunha - apesar de ser uma boa pessoa - está enganada no que ela acredita ter visto ou ouvido.

Cedo ou tarde, no entanto, outro tipo de não tão confiável testemunha começará a aparecer ocasionalmente na lista de intimações e o promotor começará a aventurar-se em um mar totalmente diferente e no qual ele está freqüentemente mal preparado para navegar: as águas e o domínio traiçoeiro do cúmplice, do co-conspirador, do delator e do informante. Após o depoimento do Sr. Jones como vítima de uma fraude, um dos estelionatários é chamado a depor em uma tentativa de condenar o mentor que planejou o esquema e que escondeu todo o seu saque em contas em bancos estrangeiros. Após o Sr. Wilson lamentar o desaparecimento de sua Mercedes, o ladrão de carro é chamado na perseguição do grande chefe que, por lucros, leva carros alemães até o México. Após a mãe do balconista identificar o seu filho morto, o colega de cela do acusado é chamado para relatar uma confissão na cadeia. E depois que o agente Bond identifica a cocaína, a mula aponta o dedo de culpa para o cérebro da organização.

A defesa usual contra este tipo de testemunha envolvida no crime não é nunca uma afirmação educada de que ela está enganada. Não surpreendentemente, a réplica ordinariamente apresenta acusações elevadas, indignadas e algumas vezes raivosas de que a testemunha está mentindo por razões que deveriam ser patentemente óbvias para cada pessoa decente dentro da Corte.

Nessa linha, o promotor surpreso vai descobrir que, em algumas ocasiões, sua própria integridade pessoal está em jogo. Este tipo de mudança de eventos inesperada não é um assunto engraçado. Não é útil para o caso da acusação e nem pessoalmente confortável ter a defesa alegando de forma persuasiva para a Corte e para o Júri, por exemplo, que você, como um idiota colossal, deu imunidade ao verdadeiro homicida para perseguir um homem inocente. Alan Dershowitz, em seu livro The Best Defense, descreve esta tática de defesa dessa forma:

"Na defesa de acusados criminosos - especialmente de culpados - é usualmente necessário colocar a ofensa contra a Acusação; colocar a Acusação em julgamento por sua má conduta. No Direito como nos esportes, a melhor defesa é usualmente um bom ataque."

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Nesse mundo perigoso, "caráter", "preconceito" e "credibilidade" não são apenas temas interessantes em um livro sobre provas - elas se tornam os elementos centrais da vitória ou da derrota no caso da Acusação, do começo ao final. O modo como se trabalha com essas testemunhas e o modo como esses temas são abordados e tratados quando eles surgem - especialmente na fase de abertura de provas - podem determinar o sucesso ou o fracasso do caso.

Existem duas razões principais pelas quais esse tipo de ofensiva frontal pode ser dirigido contra essa espécie de testemunha. Infelizmente, as duas razões e as suas ramificações legais e táticas não são totalmente aprendidas por um promotor ou um investigador até que ele esteja na profissão por tempo longo o suficiente para observar de primeira mão um caso ou uma investigação ficarem monumentalmente estragadas devido a uma testemunha traiçoeira. Trabalhar com os Jones, os Wilsons, os Johnsons e os Bonds do mundo confere ao promotor não amadurecido um falso senso de segurança com todas as testemunhas. As duas razões aparentam ser suficientemente óbvias no papel, mas, a não ser que estejam em primeiro plano e em todo tempo na consciência do promotor ou do investigador quando eles lidarem com criminosos como testemunhas, erros sérios e irremediáveis de avaliação podem ocorrer.

A primeira das duas razões está relacionada à natureza geral de uma pessoa/testemunha predisposta à criminalidade. Leia e grave a seguinte mensagem na memória:

1. Criminosos estão dispostos a dizer e a fazer qualquer coisa para obterem o que querem, especialmente quando o que eles querem é se livrar de seu problema com a lei. Este desejo de fazer qualquer coisa inclui não somente espalhar os segredos dos amigos e parentes, mas também mentir, cometer perjúrio, fabricar provas, solicitar a outros que corroborem suas mentiras com mais mentiras e trair qualquer um que tiver contato com eles, incluindo o promotor. Um viciado em drogas pode vender sua mãe para obter um acordo, e assaltantes, piratas, homicidas e ladrões não estão longe. Criminosos são notadamente manipuladores e mentirosos habilidosos. Muitos são verdadeiros sociopatas sem consciência e para os quais a "verdade" é um conceito sem sentido. Para alguns, "manipular" pessoas é uma forma de vida. Outros são basicamente pessoas instáveis. Um "informante confiável" em um dia pode tornar-se um prevaricador completo no próximo.

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Caso você tenha quaisquer dúvidas sobre a observação de que criminosos são capazes de mentiras impenetráveis sob juramento, experimente como exemplo este artigo essencialmente acurado e que foi extraído da primeira página do Los Angeles Times:

"Denver - a história de Marion Albert Pruett é apavorante mas obrigatória.Mantido em prisão federal, ele negociou seu caminho para a liberdade concordando em testemunhar contra um prisioneiro acusado de matar o seu colega de cela [que também estava arrolado como testemunha pela Acusação]. Em troca, o Governo norte-americano colocou-o no seu programa secreto de segurança para testemunhas, dando a ele nova identidade e um novo começo para vida.Por volta do último outubro e por sua própria conta, no entanto, Pruett havia cometido uma seqüência de roubos a banco e havia matado dois balconistas de lojas de conveniência, um perto de Denver, outro em Fort Smith, Arkansas, e um empregado de empréstimos em Jackson, Mississippi. Agora, de volta à cadeia, Pruett recontou o depoimento que levou a sua liberdade e declarou que ele, Marion Pruett, é que havia de fato assassinado seu colega de cela."

Se Pruett, o Cachorro Louco, não colocou o cabelo de sua nuca em pé, o que dizer da história de Willie Kemp, que, em troca de dinheiro, inventou casos criminais contra trinta e duas pessoas inocentes? O National Law Journal contou a história em 27/02/1995, sob esta manchete:

"Agentes postais marcados pelo escândalo":"Fraude expostaPor quinze meses, Willie Kemp e outros se infiltraram no Correio de Cleveland, ostensivamente procurando provas contra usuários e vendedores de drogas. Providos de dinheiro do Governo, eles viveram no topo, alugando carros de luxo, vivendo em caros condomínios, vestindo roupas caras e realizando festas.'Os inspetores haviam arranjado para que eles fossem contratados como trabalhadores do correio, assim eles estavam recebendo pagamentos regulares,' disse o Sr. Maloney [o ex-promotor]. 'Mas eles também estavam recebendo cerca de cem dólares extras por transação. Acima de tudo, eles estavam guardando o dinheiro que os inspetores lhes fornecia para a aquisição de drogas.'Os promotores e os advogados de defesa acreditam que os inspetores haviam obtido os nomes dos empregados do correio que haviam se inscrito para receber conselhos sobre o abuso de substâncias proibidas. No começo da investigação, aparentemente, os inspetores deram aos

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informantes uma lista de empregados que podiam ser alvos. Muitos deles estavam recebendo aconselhamento pelo uso de drogas, um fato que deveria ser confidencial, ...Os inspetores postais comunicaram seus informantes e os mandaram com milhares de dólares em dinheiro para compra de drogas. Os inspetores nunca viram os alvos e somente ouviram fitas pouco audíveis de informantes mantendo conversas e descrevendo os negócios.Então, os informantes retornavam aos inspetores com as drogas que eles alegadamente haviam comprado.'Se eles tivessem revistado os informantes, os inspetores teriam descoberto que os informantes estavam trazendo as drogas para o negócio e que escondiam em suas meias o dinheiro da compra após o negócio,' disse o Sr. Maloney.As outras vozes nas fitas, ele disse, eram 'amigos pagos por Willie Kemp e pelos outros informantes para fazer o papel dos empregados do correio.' As drogas também eram falsas. Sacolas de pó branco, que eles diziam que eram cocaína adquirida dos empregados do correio, eram em verdade recheio para bolo.Quando o Sr. Moore foi preso, um defensor público recomendou que ele se declarasse culpado. Insistindo que era inocente, ele exigiu um julgamento. 'Eu estava certo que assim que os agentes e informantes me vissem na Corte, eles iriam reconhecer que eu era a pessoa errada e que me deixariam imediatamente ir', ele disse ao Jornal.Ao invés disso, no julgamento, o Juiz Richard J. McMonagle acreditou nos informantes e considerou o Sr. Moore culpado em dezembro de 1992 pelas três acusações de tráfico de drogas. Em fevereiro de 1993, assim que o esquema começou a ser elucidado, o juiz revogou a condenação.Em novembro, Leroy Lumpkin tornou-se o último dos trinta e dois trabalhadores do correio indiciado que teve o seu caso dispensado, de acordo com o Sr. Maloney e o Assistente de Promotor do Condado de Cuyahoga, Sean Gallagher, que tomou conta da investigação quando o Sr. Maloney foi dedicar-se à atividade privada no último ano.O Sr. Gallagher disse que uma investigação acerca da conduta dos inspetores está em andamento.Os informantes condenados.'Todos os informantes envolvidos foram condenados por perjúrio e por falsificarem provas e estão presos', disse o Sr. Gallagher. 'O foco agora é nos inspetores postais. Sabiam eles o que estava acontecendo? Cometeram eles voluntariamente algum crime?'Os dois inspetores encarregados da investigação - Timothy Marshall e Daniel Kuack - foram demitidos. Ambos recusaram convites para entrevistas e seus advogados não retornaram as ligações do jornal.Os dezenove trabalhadores do correio despedidos após serem presos em setembro de 1992 foram readmitidos em seus empregos."

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Sombras da Operação Corkscrew apareceram em Cleveland no início dos anos 80. Nesse embaraçoso caso que se liquefez, um informante disfarçado, que prometeu produzir casos contra juízes alegadamente desonestos, embolsou o dinheiro destinado a propina e então fabricou gravações adulteradas das supostas propinas. Nas gravações, o informante fingia ser um juiz desonesto que havia acabado de receber o dinheiro. O informante e dois outros impostores, que também fingiram falsamente a parte dos juízes, terminaram na cadeia.

E houve Mark Whitacre, cuja saga assustadora transformou-se em um livro chamado The Informer, escrito por Kurt Eichenwald. Esta história verdadeira de jogo duplo, falso e perigoso é leitura obrigatória para todos os promotores e investigadores.

Finalmente, leia Commonwealth v. Bowie, 243 F.3d 1109 (9th Cir. 2001) que narra a saga de uma testemunha colaboradora ("T.C.") pega em flagrante tentando "influenciar" o testemunho de outras T.C.s em seu favor e contra um co-acusado. O fracasso do promotor em responder apropriadamente a essa informação resultou na revisão de uma condenação.

A segunda das duas razões pelas quais criminosos convertidos terminam sob fogo pesado decorre da disposição geral das pessoas que tornam-se jurados em relação a informantes. Para um promotor, é tão importante como a primeira. Grave na memória:

2. Pessoas comuns e decentes estão predispostas a não gostar, a não confiar e freqüentemente a desprezar criminosos que se vendem e que se tornam testemunhas da Acusação. Os jurados suspeitam dos seus motivos desde o primeiro momento em que ouvem sobre eles no caso e freqüentemente consideram seus depoimentos como um todo como sendo altamente não confiáveis e não verdadeiros, abertamente expressando seu desgosto com a Acusação por fazer acordos com essa "escória".

Nós achamos um exemplo claro dessa atitude hostil em uma reportagem de jornal acerca de uma persecução federal de onze membros do grupo Hell's Angels. O fracasso do caso foi acuradamente reportado no jornal como segue:

"Depois de dois julgamentos sem conclusão e um custo de milhões, a Acusação jogou fora a quarta-feira tentando condenar a notória gangue

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da motocicleta dos Hell's Angels por conspiração e acusações de crime organizado...Os promotores federais tentaram provar que a rebelde e freqüentemente violenta gangue da motocicleta envolveu-se em tempo integral em atividade criminosa durante parte da década de 1960 e estava profundamente envolvida em uma ampla operação de drogas e narcóticos no Norte da Califórnia e em outros lugares, utilizando armas ilegais, homicídio, ameaças e assaltos para alimentar sua empreitada.Mas um segundo julgamento, que começou no último outubro, terminou com o Júri de nove homens e três mulheres alertando Orrick de que o caso estava encerrado e sem esperanças. Um julgamento anterior, que começou em 1979 e que foi concluído em 1980, também terminou em um júri sem resultado para a maior parte dos acusados. [O resto foi absolvido.]Um jurado do último júri disse aos repórteres que a votação foi de 9 a 3 pela absolvição e descreveu as testemunhas chaves da Acusação, incluindo um antigo membro do Hell's Angel que admitiu que recebeu USD 30.000,00 em troca de seu depoimento, como uma 'afronta desprezível e indigna'."

Outro exemplo de reações desfavoráveis de jurados a uma testemunha informante pode ser encontrado no caso DeLorean. O que segue é um trecho do American Lawyer sobre uma das principais testemunhas da acusação:

"Testemunho de um 'verme'Ruthe Sutton lembra-se quando James Timothy Hoffman, uma pessoa com mandíbula saliente, com quarenta e três anos e 102 kg de peso, em um terno marrom comprado pela Acusação, permaneceu em pé como a primeira testemunha contra John DeLorean: 'Ele nunca olhou ninguém nos olhos. Ele não era crível desde o primeiro minuto que falou.''Eu não acredito em nada que Hoffman falou', disse Jo Ann Kerns. 'E eu fiquei pensando comigo mesmo, se Hoffman pode fazer isso contra DeLorean, ele pode fazer isso contra qualquer um'. O argumento de Kerns não deve ser confundido com um argumento mais amplo contra

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armadilhas ou operações encobertas4: 'Eu sou favorável em ir atrás das pessoas se o Governo sabe ou tem razão para acreditar que elas estão lidando com narcóticos. Aí qualquer coisa vale. Qualquer truque que o Governo possa inventar. Mas aqui havia só a palavra de Hoffman. E nós nunca vimos DeLorean nas gravações participando efetivamente da conspiração'.O promotor Walsh levou Hoffman a contar a história de como ele havia se tornado amigo de DeLorean porque seu filho e o dele brincaram juntos quando ambos eram vizinhos perto de San Diego em 1980. Hoffman

4 Nota do tradutor: Nos Estados Unidos, é comum a realização das assim denominadas undercover operations, ou operações encobertas, na investigação de crimes, especialmente tráfico de drogas. Assim, por exemplo, agentes policiais disfarçados podem envolver-se na negociação de drogas, fingindo ser traficantes, para colher provas de crimes de tráfico praticados por outras pessoas ou organizações criminosas. O que não é admitido é que agentes policiais incentivem ou induzam à prática de crimes, o que é considerado como entrapment, ou seja, uma armadilha inválida. Em geral, tem-se entendido que não há entrapment quando existe um prévio esquema ou predisposição criminosa, cf. jurisprudência da Suprema Corte norte-americana, v.g. Sorrel, v. USA, 287 U.S. 435, 53 S.Ct. 210, 77 L.Ed. 413 (1932). Repetindo esta no caso Sherman V. USA, 356 U.S. 39, 372, 78 S.Ct. 819, 2 L.Ed.2d 848 (1958), trata-se de "traçar uma linha entre a armadilha para um inocente incauto e a armadilha para um criminoso incauto". A Suprema Corte norte-americana, em USA v. Russel, 411 U.S. 423, 93 S.Ct. 1637, 36 Led.2d 366 (1973), inclusive admitiu a possibilidade da autoridade policial sob disfarce fornecer apoio material à atividade de tráfico a fim de granjear credibilidade da organização criminosa: "A produção ilícita de entorpecentes não é um incidente esporádico ou isolado, mas uma contínua, apesar de ilegal, empresa de negócios. Para obter condenações pelo tráfico ilícito, a colheita de prova de conduta ilegal pretérita freqüentemente se mostra como uma tarefa impossível. Então em crimes de drogas, os agentes da lei recorreram a um dos poucos meios praticáveis de detecção: a infiltração no grupo criminoso e a participação limitada em suas práticas ilegais presentes. Essa infiltração é um meio de investigação reconhecido e permitido; se isso é correto, então fornecer um item de valor que o grupo criminoso precisa, como regra geral, deve ser permitido. Porque um agente não terá a confiança dos empresários criminosos se não tiver algo de valor a oferecer. Táticas de investigação como essa não podem ser consideradas como violadoras da 'integridade fundamental' [do sistema de justiça criminal] ou como 'chocantes ao senso universal de justiça'." O padrão internacional, considerando, por exemplo e a contrario sensu, o caso Teixeira de Castro v. Portugal, 09/06/1998, Reports 1998-IV, 1451, (1999) 28 EHRR 101, da Corte Européia de Direitos Humanos, aparenta seguir a mesma linha, no sentido da admissibilidade de operações encobertas ou disfarçadas desde que o objetivo seja revelar o crime e não criá-lo. Tal distinção, entre uma operação encoberta e uma armadilha inválida, pode, com algumas aproximações, ser assemelhada à diferenciação que se faz no Brasil entre "flagrante esperado" e "flagrante preparado", existindo, apesar da Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal ("Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação"), alguns precedentes desta mesma Corte admitindo a validade de operações disfarçadas para revelar crimes de tráfico (v.g.: HC 69.476/SP, 2. Turma do STF, Rel.: Min. Néri da Silveira, DJU de 12/03/1993.). No entendimento do tradutor, não há que se falar em crime impossível em relação à atividade de tráfico de drogas, pois a própria posse da droga - antes mesmo da tentativa de venda - já é suficiente para caracterizar o crime. De todo modo, afigura-se pertinente também aqui o repúdio à atividade policial que, a pretexto de combater o crime, incentive a sua prática. Tudo depende então das circunstâncias do caso. Operações disfarçadas serão legítimas desde que seu objetivo seja, como já foi dito, revelar o crime e não criá-lo.

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explicou que foi a amizade de seu filho - e não uma intenção de tentar atrair DeLorean em uma armadilha de negociação de drogas - que levou Hoffman a chamar DeLorean dois anos depois (em 29/06/1982) - na época que Hoffman coincidentemente havia se tornado um informante do Governo. 'Esse é o pai do ano', o jurado Holladay ficou dizendo para si mesmo. 'Ele está usando seu próprio filho para inventar uma história para conseguir dinheiro como informante'.Por que as conversas de Hoffmann com DeLorean não foram gravadas, uma vez que DeLorean fez suas supostas propostas de negociações de drogas? Porque o equipamento não estava disponível ou falhou, disse Hoffman.Se DeLorean tivesse realmente perguntado em trinta de junho se Hoffmann ainda tinha suas 'conexões com o Oriente' que eram necessárias para a negociação de drogas, e se Hoffman tivesse respondido que sim, por que DeLorean, desesperado como estava, esperou até onze de julho para vir a Califórnia para encontrar-se com Hoffman? E por que, perguntou Weitzman repetidamente, esse encontro não foi gravado? Hoffman disse que não sabia que DeLorean havia esperado e que o encontro não foi gravado porque os agentes federais não acharam que era importante o suficiente para ser gravado em um domingo. 'Eu ainda imagino se eu estava certo de que DeLorean estava em uma conspiração com Hetrick depois do depoimento de Hoffman', disse Hal Graves, 'mas eu sabia de uma coisa com certeza: Hoffman é um mentiroso deplorável e psicopático - o tipo que acredita no que diz, mas não consegue dizer a verdade. Eu conheço pessoas como essas. Meu próprio pai costumava contar histórias e elas mudavam com os anos, mas ainda assim ele acreditava nelas. Era assim o sujeito'. Todos os jurados, com exceção de Wolfe, utilizaram palavras e frases como 'completamente não confiável' (a descrição de Jackie Caldwell) ao referirem-se a Hoffman, ou, como disse Wolfe, 'ele estava provavelmente mentindo bastante'. Para alguns, como Andersen, Sutton, Kerns, Dowell, Lahr e Holladay - jurados que nunca iriam ver os elementos completos da conspiração - isso não era importante como era para outros, como Graves, Caldwell, Gelbart e Hoover. Mais tarde, sua visão do caso - de que DeLorean tinha de fato conspirado de alguma forma com Hetrick, mas que Hoffman não podia ser considerado como tendo falado a verdade sobre seu contato inicial com DeLorean - seria o cerne da decisão dos jurados pela existência de uma armadilha inválida."

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Um terceiro exemplo desse problema sempre presente com jurados ocorreu em um grande caso federal de corrupção/fraude em Los Angeles em 1985. Seguem a manchete e parte do texto do Los Angeles Times:

"Los Angeles - Júri absolve agente bancário no Caso da Fraude de Moriarty Um Júri federal de Los Angeles absolveu o antigo agente bancário do Condado de Orange, Nelson Halliday, da conspiração com o confesso político corrupto W. Patrick Moriarty em um alegado esquema de lavagem de dinheiro. (...) O veredicto abalou os promotores e levantou sugestão de que a Acusação pode ter problemas em sua investigação em andamento acerca de corrupção política devido à falta de credibilidade de Moriarty como testemunha. (...) 'Eles não acreditaram no homem' disse o advogado de Halliday sobre o veredicto do júri da tarde de segunda e ainda 'eu gostaria de defender qualquer um com Moriarty como testemunha pelo reclamante'. (...) Charles Williamson, 49, de Garden Grove, um jurado que disse que acreditava que Halliday era culpado de todas as acusações, confirmou que os jurados simplesmente não acreditaram no depoimento de Moriarty. 'Se ele não tivesse prestado o depoimento talvez a prova tivesse sido suficiente'."

Por favor, considere esta declaração de um jurado não convencido no julgamento de 2001 de Joseph "Skinny Joe" Merlino na Filadélfia, "Skinny Joe" sendo o chefe local da quadrilha: "A Acusação deixou algumas pessoas bem torpes de fora. Deve haver um limite a esse tipo de coisa."

Tendo presente o anteriormente exposto, deixe-me dar uma perspectiva diferente para essa questão e confrontá-lo com algumas observações que colorem a resposta à questão inicial, de usar ou não usar um cúmplice ou um traidor como uma testemunha no julgamento de qualquer caso em particular. As observações são as seguintes:

1. Chamar para depor uma testemunha presencial do crime e que conhece os criminosos e seus álibis - o que é normalmente uma testemunha devastadadora - pode ter o efeito contrário do pretendido. Mesmo se ela estiver dizendo a verdade, pode ter o efeito não intencionado de piorar o seu caso ao invés de melhorá-lo - se a testemunha é um escroque que negociou alguma espécie de benefício em troca de seu depoimento.

2. Prova próxima a uma completa confissão - normalmente o fim das chances do acusado em um Júri - pode ter o efeito não esperado de fazer o

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seu caso mais fraco do que mais forte, se a testemunha na qual o Júri tiver que acreditar for alguém no qual eles não vão confiar.

Por quê? Porque nas mãos de um defensor habilidoso e estrategista, todas as responsabilidades e a bagagem inseparável que esse tipo de testemunha traz para o seu caso, junto com a "confissão" ou as revelações, tornam-se os elementos de uma dúvida razoável que a Defesa estará procurando e a tinta através do qual o resto de seu caso será então manchado. Pode ter o efeito de desviar o caso do assunto, o tema da culpa do acusado pode ser deixado de lado - como ocorreu no caso Moriarty/Halliday - passando o promotor a ter que tentar defender-se das fortes afirmações de fraude e má conduta por parte das testemunhas de acusação. Se o promotor perder o controle e começar em desespero defender mais do que acusar, o desastre estará logo após a esquina. A defesa irá contra essas testemunhas com tudo que puder encontrar, na esperança de fazer delas o elo vulnerável da ligação de suas correntes.

(Lembre-se do livro "The Best Defense is a Good Ofense ")

Um caminho certo para aumentar o problema é chamar mais informantes para depor do que o necessário. Assim como ocorre com as testemunhas para um álibi, se uma cai, todas elas caem juntas e possivelmente o seu caso também. Ouça a descrição feita por Roy Black em 1996 da alegria de um triunfante advogado de defesa em um caso muito repleto de testemunhas vulneráveis:

"Miami News Times - 'A vitória impossível' por Jim DeFede.O julgamento de Willy Falcon e Sal Magluta será mais lembrado pelos vinte e sete informantes chamados pelos promotores para depor, cada um dos quais foi então dizimado pela abordagem de exame cruzado realizada pela equipe da defesa. 'Antes que o julgamento começasse', Black reconheceu, 'nós pensamos que teria sido assustador se a Acusação tivesse apresentado o caso em três ou quatro semanas, fundada em um punhado de suas testemunhas principais, e tivesse trabalhado com essas testemunhas, colocando-as para depor, e depois apresentado qualquer prova de corroboração que dispusessem'. 'Se assim agissem, nós achamos que teria sido um caso difícil. Agradecemos por isso não ter acontecido.'Ao invés disso, dizem Black e seus companheiros de defesa, a Acusação chamou informante após informante - cada um mais desprezível que o último - todos os quais testemunharam contra Falcon e Magluta na esperança de ter as suas penas de prisão reduzidas. 'O que aconteceu

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nesse caso é que as piores testemunhas deles cuspiram e envenenaram as melhores. Nós fomos capazes não só de criar dúvida razoável, mas provar também perjúrio. E quando você prova perjúrio sobre a testemunha A, B e C, então o júri automaticamente desconfia das testemunhas D, E e F.''Al Krieger concorda: Algumas das testemunhas eram tão ruins que contaminaram aquelas que não eram tão más.'"

O primeiro jurado declarou, depois do veredicto a favor da defesa, que os jurados desconfiaram das testemunhas cooperantes porque elas tinham muito a ganhar por seus depoimentos. "Ninguém quis acreditar nessas vinte e sete pessoas que foram trazidas aqui", ele disse. "A acusação apresentou tantas testemunhas que nós fomos inundados de provas, mas não era boa prova".

Pós-escrito: Depois foi revelado que um dos jurados teria sido corrompido, o que ajuda a explicar a aludida "vitória impossível" da manchete. Em 03/03/2000, o jurado Miguel Moya foi sentenciado a dezessete anos de prisão por aceitar USD 500.000,00 de propina para votar pela absolvição. Além disso, Falcon e Magluta foram acusados de ordenar o homicídio de três testemunhas do julgamento. Esses acusados jogavam pesado.

Em 1991, o Miami Herald dedicou muito de sua primeira página e de sua primeira seção para uma série negativa de histórias acerca de informantes. O artigo principal demonstra como nós somos ambivalentes em relação à utilização de criminosos como testemunhas e como o seu mau uso pode criar o caos:

"Criminosos privilegiados - mentir, fraudar e roubar para os Estados Unidos da América - infestam as Cortes do mundo.A Acusação os denomina de CIs ou informantes confidenciais e eles constituem uma indústria em expansão que se desenvolve em segredo e sem quase nenhum controle público.Alguns ficam ricos. Alguns corrompem policiais. Alguns fabricam depoimentos. Alguns armam armadilhas para pessoas inocentes. Alguns se livram - se não de homicídio - de assalto, roubo e tráfico de cocaína.Alguns CIs são extremamente eficientes e orgulhosos do que fazem. 'Eu sou um magneto para vermes', diz Alex Spiegel, 41, bebericando Amstel Light na Pousada RJ no litoral.Gregários e charmosos, Spiegel e sua classe poderiam chamar facilmente

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sua empresa sombria de Rats R Us5.Enrolados nos bancos pelos crescentes confiscos, pelas cobranças de impostos e fundos descobertos, CIs compram leniência para eles e manobram com destreza um sistema de justiça criminal algumas vezes incauto.Agentes da lei alegam enfaticamente que precisam de ratos para pegar ratos. A Polícia simplesmente não pode descobrir grandes casos de drogas e de corrupção sem CIs. 'Elas, as testemunhas, não combinam de encontrar com você na Catedral Nacional', diz Thomas V. Cash, agente especial encarregado do Escritório de Combate às Drogas de Miami.Como a Acusação alista mais e mais informantes, quase como um viciado, questões acerca de custos, correção e efetividade se intensificam. Assim como reclamações.'Se Benedict Arnold estivesse vivo hoje, o governo iria dar a ele um 'ID', uma Mercedes e chamá-lo de herói', diz Fred Haddad. 'Há uma obsessão em combater o tráfico de drogas. Ninguém dá a mínima para o que é necessário para pará-lo.'"

O que este artigo deve ensinar acima de tudo é como a mídia irá rapidamente contra você se algo der errado.

Apesar disso e a despeito de todos os problemas que acompanham a utilização de criminosos como testemunhas, o fato que importa é que policiais e promotores não podem agir sem eles, periodicamente. Usualmente, eles dizem a pura verdade e ocasionalmente eles devem ser usados na Corte. Se fosse adotada uma política de nunca lidar com criminosos como testemunhas de acusação, muitos processos importantes - especialmente na área de crime organizado ou de conspiração - nunca poderiam ser levados às Cortes. Nas palavras do Juiz Learned Hand em United States v. Dennis, 183 F.2d 201 (2d Cir. 1950) aff´d, 341 U.S. 494 (1951):

"As Cortes têm apoiado o uso de informantes desde tempos imemoriais; em casos de conspiração ou em casos nos quais o crime consiste em preparar para outro crime, é usualmente necessário confiar neles ou em cúmplices porque os criminosos irão quase certamente agir às escondidas."Como estabelecido pela Suprema Corte:"A sociedade não pode dar-se ao luxo de jogar fora a prova produzida pelos decaídos, ciumentos e dissidentes daqueles que vivem da violação da lei" (On Lee v. United States, 343 U.S. 747, 756 1952).

5 Nota do tradutor: "Ratos somos nós".

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Nosso sistema de justiça requer que uma pessoa que vai testemunhar na Corte tenha conhecimento do caso. É um fato singelo que, freqüentemente, as únicas pessoas que se qualificam como testemunhas para crimes sérios são os próprios criminosos. Células de terroristas e de clãs são difíceis de penetrar. Líderes da Máfia usam subordinados para fazer seu trabalho sujo. Eles permanecem em seus luxuosos quartos e enviam seus soldados para matar, mutilar, extorquir, vender drogas e corromper agentes públicos. Para dar um fim nisso, para pegar os chefes e arruinar suas organizações, é necessário fazer com que os subordinados virem-se contra os do topo. Sem isso, o grande peixe permanece livre e só o que você consegue são bagrinhos. Há bagrinhos criminosos com certeza, mas uma de suas funções é assistir os grandes tubarões para evitar processos. Delatores, informantes, co-conspiradores e cúmplices são, então, armas indispensáveis na batalha do promotor em proteger a comunidade contra criminosos. Para cada fracasso como aqueles acima mencionados, há marcas de trunfos sensacionais em casos nos quais a pior escória foi chamada a depor pela Acusação. Os processos do famoso Estrangulador de Hillside, a Vovó da Máfia, o grupo de espionagem de Walker-Whitworth, o último processo contra John Gotti, o primeiro caso de bomba do World Trade Center, e o caso da bomba do Prédio Federal da cidade de Oklahoma, são alguns poucos dos milhares de exemplos de casos nos quais esse tipo de testemunha foi efetivamente utilizada e com surpreendente sucesso.

Essa perspectiva de fundo não tem a intenção de assustar você ou de fazê-lo evitar o uso das armas disponíveis, mas, ao contrário, de reconhecer a validade da máxima de que "estar precavido é estar preparado". Se você sabe onde estão as armadilhas, você será capaz de evitá-las com sucesso.

A questão apropriada, então, não é se criminosos devem realmente ser utilizados como testemunhas de acusação, mas quando e como6? O material explorado a seguir em minha apresentação destina-se a nada mais do que cumprir os dois principais objetivos do promotor e do investigador:

1 - Descobrir a verdade, toda a verdade e nada além da verdade; e

2 - Apresentar de forma persuasiva e adequada o que você descobriu para um Júri e convencê-lo a confiar na apresentação para atingir um veredicto justo.

6 O grifo é do tradutor.

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B. Aja com cuidado. A esse respeito, existem algumas poucas e importantes regras de manual que devem ser normalmente observadas:

1 - O Departamento de Justiça e mais provavelmente o seu próprio escritório de promotoria mantém todo o tempo diretrizes a respeito do uso de informantes confidenciais. Conheça bem essas diretrizes.

2 - Faça acordos com "peixes pequenos" para pegar "peixes grandes". Um Júri irá compreender essa estratégia, mas eles podem rejeitar qualquer coisa que pareça a concessão de um acordo generoso para um "peixe grande" para pegar um "peixe pequeno". Isso vai ofender a noção deles de justiça e vai ser explorado nas mãos da defesa. Em um caso desastroso e conhecido da Costa Leste, um chefe de polícia foi deixado de lado de maneira relativamente fácil para processar subordinados. Furiosos com essa inversão de prioridades, os jurados absolveram todos os subordinados. Também é caso de que, às vezes, ainda que você tenha um peixe maior em mente, aquele que você já tem na rede é simplesmente muito grande para conceder alguma coisa substancial em retorno por sua cooperação. Não continue quando os riscos não são mais favoráveis. Você deve estar preparado em termos muito fortes para defender e para justificar o acordo feito para o Júri em seu argumento final e depois que ele foi atacado pela Defesa. "Por que você deu imunidade a esta testemunha?" "Porque é inaceitável pegar só o homem da mala e deixar o senador desonesto livre, esse é o motivo. A integridade da lei - aliás nosso modo de vida - exige isso!"

3. Não abra mão de mais do que precisa para fazer um acordo. Essa é uma tentação a qual muitos promotores sucumbem. Se você tiver que desistir de alguma coisa, ofereça, em troca de uma confissão, um número menor de acusações ou uma redução do grau de severidade de um crime ou do número de anos que um cúmplice irá servir. Isso será freqüentemente suficiente para induzir um cúmplice a testemunhar. Soa melhor para os jurados quando eles descobrem que ambos os peixes ainda estão na rede. Imunidade total de acusações deve ser usada somente como último recurso. Condene-os e faça-os então testemunhar perante o Grande Júri. Recorra ao uso de imunidade após a condenação se necessário. Algumas vezes, se o peixe menor estiver preso firmemente na rede, tudo o que você tem que dar a ele é "uma oportunidade para ajudar a si mesmo" na sentença. Faça isso sem piscar. Diga a ele que a escolha é dele. Tudo o que você vai fazer é alertar o juiz da cooperação dele ou da falta dela, dependendo do caso. Isso freqüentemente funciona porque o criminoso não tem outras opções para conseguir o que deseja.

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A Seção 9-27.610 do Manual dos Procuradores dos Estados Unidos deixa claro, como uma questão de política criminal, que, se possível, a um criminoso deve ser exigido "que incorra ... em alguma responsabilidade por sua conduta criminosa". Acordos de não-persecução devem ser usados somente como um último recurso e devem ser evitados a não ser que não haja nenhum outro caminho que leve ao objetivo pretendido. Veja 9-27.610 et seq. para as políticas e o procedimento do Departamento de Justiça nessa área.

É uma boa idéia lembrar ao advogado do acusado, de uma maneira não ameaçadora, de que, em uma sentença, pode ser apropriadamente considerada a recusa do acusado em cooperar com a investigação de uma conspiração criminosa relacionada. E isso quando seus direitos previstos na Quinta Emenda7 já não estão mais em consideração. Roberts v. United States, 445 U.S. 552, 556 (1980). Ele pode ficar na frente do juiz como uma pessoa que ajudou ou como alguém que não ajudou. A opção é dele. Você vai se surpreender quão freqüentemente isso será tudo o que você precisa. Aceitar a responsabilidade torna-se um prêmio na sentença. Seja esperto. O criminoso irá respeitá-lo. Deve parecer que ele precisa de você e não vice-versa.

4. Você deve sempre estar no controle e não a testemunha! No momento em que você sentir que a testemunha está ditando termos e ganhando controle da situação, você estará com problemas sérios e você deverá reverter o que aconteceu. Você deve estar no controle e não seus informantes. Não anule suas multas de estacionamentos, não atenue seus débitos de locação de automóveis ou intervenha em todos os seus problemas com a lei sem esperar repercussões mais tarde. Promotores e investigadores inexperientes tendem a afagar esse tipo de testemunha por medo de perder seu depoimento. Esse medo decorre da falta de entendimento acerca do que os guia. Um acordo básico é tudo o que você precisa para mantê-los a bordo. Quanto ao resto, eles estão apenas o usando e você perdeu o controle. Seja firme. Recuse qualquer pedido não apropriado, mas lembre-se que uma mera solicitação de uma testemunha informante por qualquer forma de consideração é material Brady8. Se eles não cooperarem com você, livre-se deles!

7 Nota do tradutor: Refere-se o autor ao direito ao silêncio previsto na Quinta Emenda da Constituição norte-americana.

8 Nota do tradutor: No caso Brady v. Maryland, 373 U.S.83 S.Ct 1194, 10 L.Ed.2d 215 (1963), a Suprema Corte norte-americana decidiu que "a supressão pela Acusação de prova favorável a um acusado viola o devido processo quando a prova é material relativo à culpa ou punição". Sempre que o autor refere-se no texto a material Brady, quer referir-se a prova ou informação que a Acusação tem obrigação de revelar à Defesa.

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5. O mais perigoso dos informantes é o delator da cadeia que alega que outro prisioneiro confessou para ele e o delator agora aparece pronto para testemunhar em troca de alguma consideração em seu caso. Algumas vezes, esses delatores dizem a verdade, mas mais freqüentemente inventam depoimento do ar e erram detalhes. Esse é o motivo pelo qual os advogados de O. J. Simpson pediram para que ele ficasse em cela individual enquanto estava na Prisão do Condado de Los Angeles. Eles sabiam que qualquer prisioneiro que ficasse perto dele poderia inventar declarações incriminadoras.

Possivelmente, o mais infame episódio de perfídia de delator de cadeia envolveu Leslie Vernon White, que trouxe à luz os desencorajadores slogans da vida na prisão: "não use a caneta -- mande um amigo" e "por que gastar tempo - jogue uma moeda". Veja Robert M. Bloom, Ratting: The use and abuse of informants in the American Justice System 63-66 (Praeger 2002). Isso é somente parte de sua história preocupante:

"New York Times - A Califórnia abalada por um informante.No mundo desagradável dos informantes da cadeia, traição tem sido há tempos o seu credo e favores dos carcereiros sua recompensa. Agora advogados e promotores devem ponderar se a ficção era o seu método. Essa é a implicação infeliz atrás da crise na aplicação da lei que foi revelada no Sul da Califórnia desde que um prisioneiro, Leslie Vernon White, que testemunhou vários casos de grande publicidade, demonstrou em outubro [1988] como ele podia fabricar as confissões de outros presos sem sequer ter falado com eles. Ele disse posteriormente ter mentido em um número significativo de casos criminais. Advogados de defesa compilaram uma lista de 225 pessoas condenadas por homicídio ou outros crimes graves, alguns dos quais sentenciados a morte, em casos nos quais o Sr. White e outros informantes prisioneiros testemunharam nos últimos dez anos no Condado de Los Angeles."

A regra de precaução contra a sujeira por parte de uma confissão na prisão oferecida por outro prisioneiro é a de que ela é falsa até que o contrário seja provado acima de qualquer dúvida razoável. Se você não sabe como Leslie Vernon White era capaz de forjar confissões com credibilidade sem sequer falar com o alegado confesso sobre o crime, você deve descobrir. Usando o telefone e fingindo ser outra pessoa, ele era capaz de coletar de fontes oficiais informação privilegiada suficiente acerca de um crime a fim de convencer investigadores de que ele teria ouvido sobre isso diretamente do suspeito. Uma leitura clara e instrutiva, que você deve experimentar, é

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Key Witness por J.F. Freedman. É um romance, mas um que irá abrir os seus olhos. Poderia um delator em potencial, procurando informação sobre um acusado para trocar com a polícia para obter benefícios, invadir os arquivos de computador de um advogado de defesa? Pense a esse respeito.

6. NÃO CHAME CRIMINOSOS PARA DEPOR COMO TESTEMUNHAS A NÃO SER QUE, SEGUNDO SUA AVALIAÇÃO MAIS CUIDADOSA, ESSE MOVIMENTO SIGNIFIQUE UM AVANÇO EM SUA HABILIDADE DE VENCER O CASO. Lembre-se, essa é uma área na qual menos pode ser mais! Quando você chama um informante, esteja preparado para guerra. A introdução de uma testemunha suja em seu próprio caso concede tremenda munição para a Defesa, munição que freqüentemente é mais poderosa do que o benefício que você espera. Aqui, por exemplo, está uma lista da Associação Nacional dos Advogados de Defesa Criminal do tipo de fraqueza que seu oponente estará procurando:

"Se o informante era viciado em drogas ou álcool durante o período relacionado ao depoimento, testemunhas e arquivos médicos demonstrando esses vícios devem ser apresentados. Se o informante falhou no teste de urina enquanto estava em liberdade provisória e enquanto 'cooperava' com a Acusação, os arquivos dos serviços de acompanhamento da liberdade provisória, demonstrando a continuidade do uso de drogas antes do julgamento, devem ser apresentados. Se você pode documentar inconsistências ou omissões críticas entre o que o informante declarou em uma inquirição ou perante o Grande Júri e o que ele disse em outras, isso deve ser cuidadosamente demonstrado durante a oitiva. Similarmente, qualquer prova que você tiver sobre outros depoimentos falsos feitos pelo informante, particularmente aqueles feitos com a ameaça da sanção para o perjúrio (como falsas declarações feitas em pedidos de empréstimos, devolução de impostos, licença de motorista, formulários do INS, etc), deve ser apresentada. Condenações prévias do informante (admissíveis para questionar a credibilidade pela Regra 609) ou prova acerca de opinião ou reputação demonstrando que o informante não é pessoa com credibilidade (admissível pela Regra 608) deve ser colocada nos autos. Se você tiver prova tendente a demonstrar que o informante tinha motivos para mentir sobre seu cliente ou qualquer prova de preconceito, ela deve ser apresentada. E, claro, você deve estabelecer qual sentença o informante estava enfrentando, qual a pena mínima e os critérios de fixação da pena apropriados sem a cooperação e quais outros benefícios (como imunidade para parentes) o informante irá obter como retorno para a sua cooperação. Todos esses fatores são indícios

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de falta de credibilidade do declarante e, por conseguinte, são indícios da falta de confiança que merecem suas declarações."

Os jurados esperam que os promotores sejam homens e mulheres de integridade. Se você não demonstrar a apropriada distância entre você e a testemunha na Corte e se você não tiver trabalhado com sua testemunha corretamente antes disso, sua própria credibilidade na Corte pode ser igualmente perdida. Você deve sempre perguntar não somente o que a testemunha tem a dizer, mas o que o Júri irá pensar não só dele como pessoa, mas de você em virtude de como lidou com a situação.

Não tente fazer adivinhações sozinho. Chame para aconselhá-lo um promotor experiente que não esteja envolvido no seu caso. Tente isso com um amigo que não é advogado. A reação de seu amigo pode surpreendê-lo e informá-lo para a tomada de sua decisão.

Se eu fosse responsável por dirigir um escritório da Promotoria, eu iria requerer que todos os assistentes submetessem essas decisões a um supervisor experiente e que não estivesse envolvido no caso antes de eles irem adiante. Promotores a frente do caso estão tão pertos da ação que algumas vezes perdem a perspectiva nesses assuntos.

7. Se você decidir chamar um informante como testemunha, você vai acabar perdendo muito tempo preparando ele para o depoimento. Nem todas as testemunhas desse tipo são criminosos de rua pesados, alguns deles são afáveis e vão tentar cair em suas boas graças. Permaneça cortês, mas não baixe a guarda e não compartilhe com elas o tipo de informação que você compartilharia com um amigo ou colega. Hoje, ele pode estar testemunhando para você, mas, como o membro de gangue, Henry Harris, fez no Caso El Rukns em Chicago nos anos noventa, amanhã ele pode decidir voltar-se contra você. Então, nunca diga qualquer coisa para uma testemunha - ou nesse assunto para qualquer um, incluindo pessoas de sua equipe - que você não repetiria na Corte ou que gostaria de ver na primeira página do Washington Post ou no jornal de sua cidade. A última testemunha de defesa no Caso DeLorean era um ex-agente da DEA que testemunhou que um dos promotores orgulhou-se em ver a equipe de investigadores na capa da revista Times. O agente declarou que a investigação era dirigida com "zelo cego" para obter celebridade. Apesar dessa declaração ser falsa, ela foi danosa à tentativa da Acusação em rebater a alegação de entrapment.

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Então, claro, houve os depoimentos, durante o julgamento de O.J. Simpson, prestados por C.Anthony "O Animal" Fiato, um assassino da Máfia protegido pelos federais, e por seu irmão Larry. Segundo esses depoimentos, o detetive Philip Vanatter teria supostamente feito declarações para os irmãos Fiato que eram inconsistentes com o seu depoimento a respeito do motivo pelo qual ele teria ido à casa dos Simpsons depois da esposa de Simpson ter sido encontrada morta. Essas declarações dos Fiatos foram utilizadas pela Defesa para sustentar uma vigorosa reclamação de que Vanatter era um mentiroso. O que quer que Vanatter tenha ou não dito aos Fiatos, ambos os quais foram chamados a depor pela Defesa, é certo que ele aprendeu (ou reaprendeu) (1) que não se deve falar com informantes sobre assuntos relacionados a casos sensíveis, e (2) que criminosos estão tão propensos a depor para você assim como estão dispostos a testemunhar contra você: tudo depende onde eles vêem a melhor manteiga para o seu pão.

8. Tenha presente sempre - especialmente quando você estiver ao telefone- que você está sendo gravado. Se você pretender ler uma história assustadora de um informante que secretamente gravou as afirmações impróprias de um investigador tentando fazê-lo cooperar, leia o capítulo intitulado The Boro Park Connection do livro The Best Defense de Alan Dershowitz. Quando o investigador descobriu, pela primeira vez durante o depoimento da testemunha, que ele havia sido gravado, sua cadeira transformou-se em um assento verdadeiramente quente. Mas leia o livro e não leve em conta apenas a minha palavra a respeito.

Lembre-se, informantes não são seus amigos. Mantenha a saudável distância de um braço entre você e esse tipo de testemunha. Na mesma linha, deixe eles fora das discussões estratégicas a respeito do caso. Se a testemunha passar a acreditar que é um do time ou um "junior G-man", ele pode sentir-se tentado a ajudá-lo fabricando prova que não existe.

9. Agentes policiais lidando com informantes podem não-intencionalmente causar problemas significativos. Os agentes simplesmente não apreciam a Corte e as implicações de credibilidade decorrentes do fato de ficarem tão próximos das testemunhas informantes. Ocasionalmente, eles ficam muito próximos da testemunha estrela. No processo de 1995 contra o advogado Patrick Hallinan, em Reno, Nevada, por exemplo, os agentes ficaram tão amigos de sua testemunha Ciro Mancuso, que estava sendo utilizada contra o ex-empregador Hallinan, que permitiram que Mancuso preparasse e digitasse os seus relatórios policiais (DEA 6s). Além disso, os

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agentes permitiram que ele, sem supervisão, colhesse prova que a Defesa, no julgamento, demonstrou com sucesso que era fraudulenta. Ademais, os agentes permitiram que ele mantivesse USD 2.000.000,00 a mais do que os USD 5.000.000,00 providenciados pelo acordo de colaboração, tudo isso sem impostos. De forma notável, os agentes ainda permitiram que Mancuso mantivesse uma arma mesmo sendo ele um criminoso condenado. Todos esses erros desnecessários revelam uma falta de controle sobre a testemunha e foram com sucesso explorados, durante o julgamento, pela Defesa no ataque contra os motivos e a credibilidade de Mancuso, manchando a boa fé da Acusação. A lição aqui é que os seus agentes devem estar tão alertas quanto você acerca da necessidade de lidar apropriadamente e com cuidado com informantes, ou seja, com pessoas com caráter questionável e que estão lucrando com sua cooperação. Você deve encontrar-se com os agentes no início da investigação para discutir o problema e para estabelecer regras básicas apropriadas.

Qualquer promotor que lide com agências federais que tenham programas bem desenvolvidos para informantes faria bem em ler Deadly Alliance, por Ralph Ranalli, que narra a história de como as coisas foram mal com o Programa do FBI para Informantes do Alto Escalão em Boston. Algumas vezes, há coisas que você precisa saber, mas a agência está relutante em dizê-las a você. Cuidado! Os casos oficiais que surgiram deste colapso são United States v. Salemme, 91 F. Supp. 141 (D. Mass., Sept. 15, 1999) e United States v. Flemmi, 225, F.3d 78 (1st Cir. 2000).

10. Nunca esqueça de que a Defesa pode tentar provar que a sua testemunha fez o que ela diz que foi feito pelo acusado. O argumento para o Júri é assim: "Claro que ele tem conhecimento profundo dos fatos do crime. Ele é a pessoa que o cometeu, esse é o motivo! Agora, senhoras e senhores, ele está mentindo para salvar sua própria pele, encorajado pelo perturbador acordo dado a ele pelo promotor sem cuidado e inepto".

C. O contato inicial.

1. Seu primeiro obstáculo envolve considerações éticas. A testemunha em potencial está representada por um advogado? Foi ela indiciada? Se sim, é exigido que você trabalhe através do advogado, mesmo quando você suspeita da integridade dele? A Regra Modelo 4.2 de Conduta

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Profissional da American Bar Association - ABA9 e a Regra Disciplinar 7-104(A)(1), por exemplo, proíbem o contato com uma pessoa representada por um advogado sobre o assunto em questão sem que o contato seja feito através do advogado. Alguns Estados também têm esses parâmetros éticos para advogados. Além disso, o Standard 4.1(b) dos Parâmetros Mínimos para a Justiça Criminal da ABA estabelece, em parte, como segue:

"É uma conduta anti-ética para um promotor engajar-se em discussões sobre acordo diretamente com um acusado que é representado por um advogado, exceto com a aprovação do advogado..."

Se a testemunha em potencial estiver indiciada e ela chamar você e disser que pretende cooperar, mas que não quer que o seu advogado saiba disso, seja cuidadoso. Essa é uma situação que deve ser lidada com muito cuidado. Você será confrontado não só com a questão da renúncia dos direitos da Quinta Emenda, mas também com a da renúncia dos direitos da Sexta Emenda10, o que também exige um elevado ônus de prova. E, lembre-se, um acusado pode renunciar aos direitos dele, mas ele não pode renunciar as suas obrigações éticas.

A conduta dos promotores federais nesta área é atualmente regulada pelo 28 U.S.C. § 530(B), denominada de Ato McDade, seguindo o congressista que o defendeu. O Ato McDade, que entrou em vigor em abril de 1999, exige de todos os promotores federais que respeitem "as leis e regras estaduais e as regras locais das cortes federais que regulam a conduta dos advogados em cada Estado no qual os advogados atuam com ações como advogado, na mesma extensão e da mesma maneira do que os outros advogados no Estado". Para orientação, os promotores federais devem contatar o Escritório de Conselho para Responsabilidade Profissional da Justiça para obter informações sobre as últimas regras e políticas, que vêm mudando anualmente desde 1985. O Décimo Circuito Federal decidiu que o Ato McDade deve ser interpretado em seu sentido literal. United States v. Colorado Supreme Court, 189 F.3d 1281, 1287-89 (10th Cir. 1999). Para um restrospecto e história deste tema, você gostará de ler United States ex rel.

9 Nota do tradutor: A ABA é, com as devidas adaptações, o equivalente norte-americano da OAB nacional.

10 Nota do tradutor: Refere-se o autor ao direito ao silêncio previsto na Quinta Emenda e ao direito a assistência por um advogado previsto na Sexta Emenda da Constituição norte-americana.

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O'Keefe v. McDonnel Douglas, 132 F.3d 1252 (8th Cir. 1998); United States v. Lopez, 4 F.3d 1455, 1464 (9th Cir. 1993); e In re Hanes, 940 P.2d 159 (N.M. 1997).

O caso Lopez irá mostrar quão problemático esse procedimento pode ser. O promotor em Lopez, que arrumou um encontro entre o acusado e um juiz, culminou por ser representado pelo advogado do acusado no Arizona State Bar. Apesar do promotor ter sido, um ano depois, exonerado de qualquer responsabilidade, segue aqui o seu conselho: "Apesar das políticas e regulamentos do Departamento, nunca se comunique com uma pessoa representada sem a permissão do advogado; o risco profissional não compensa". A linguagem do Nono Circuito Federal no caso Lopez dá razão ao seu conselho: "Nós estamos confiantes em que, quando não há nenhuma demonstração de prejuízo substancial para o acusado, sanções mais leves [do que a dispensa do indiciamento], como sancionar o promotor por afronta à Corte ou remeter a questão ao órgão estadual dos advogados para procedimentos disciplinares, podem ser adequadas para disciplinar e punir promotores da Acusação que tentam contornar os parâmetros de conduta de sua profissão."

Verifique a lei de sua própria jurisdição sobre esse assunto e se você trabalha para o Departamento de Justiça, tenha certeza de que você dispõe de uma cópia dos últimos regulamentos do Departamento sobre essa área. Para ser protegido por esses regulamentos, sua conduta deve estar conforme a eles.

2. Uma segunda complicação que você pode enfrentar nesse contexto é a situação na qual a testemunha, em algum ponto durante o seu relato, começa a contar a você sobre novos crimes em andamento ou iminentes em acréscimo aqueles que já aconteceram. Para uma visão geral acerca do problema em lidar com crimes novos ou em andamento que surgem durante a preparação de um caso, leia Maine v. Moulton, 474 U.S. 159 (1988), e verifique os regulamentos do Departamento sobre o assunto.

Este assunto pode tornar-se sensível de uma forma não usual quando a testemunha com a qual você está lidando é um advogado que está, ele mesmo, sob suspeita de conduta criminal, e ele, de repente, oferece seu próprio cliente em relação a ofensas novas ou em andamento em troca de leniência ou imunidade. Essa situação rara, mas real, deve imediatamente soar sinos de alarme em sua mente analítica, levantando questões acerca

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do privilégio, direitos da Quinta Emenda, direitos da Sexta Emenda, conflito de interesses e regras disciplinares, especialmente se for sugerido que o advogado utilize um gravador e trabalhe com seus clientes acerca dos crimes em andamento. Se você não for extremamente cauteloso, você pode ser bem sucedido em condenar os clientes do advogado, mas ao custo de sua própria licença para praticar o Direito, ou seja, uma vitória com efeitos colaterais.

O caso United States v. Ofshe, 817 F.2d 1508 (11th Cir. 1987) contém um exemplo descritivo dos problemas escondidos nesta situação. Por favor, leia o caso para os fatos, mas o fundamental para o promotor pode ser encontrado na nota de rodapé de número seis da opinião, que pode ser lida a seguir:

"Enquanto nós não consideramos a conduta da Acusação [utilizando o advogado Glass para preparar um caso contra seu cliente Ofshe] suficientemente ultrajante para garantir a rejeição do indiciamento, nós acreditamos que a conduta [do advogado e do promotor federal assistente] foi repreensível. Como o juiz distrital tem mais familiaridade com a conduta do advogado, nós presumimos que ele irá remeter o assunto para a Comissão de Registro e de Disciplina dos Advogados, com endereço na 203, North Wabash, Suite 1900, Chicago, Illinois 606601, para uma ação apropriada."

Ofshe era um caso de tráfico de entorpecentes no qual nenhuma vida estava diretamente em risco. Seria a análise diferente se o advogado ardiloso viesse a você e relatasse que seu cliente contratou os serviços de um assassino desconhecido para matar uma testemunha, ou um promotor ou juiz? Provavelmente sim, baseado nos elementos do teste da conduta ultrajante da Acusação, que exige um exame da totalidade das circunstâncias, mas isso remanesce sendo uma área que deve ser tratada com grande cautela.

3. No relato de qualquer co-acusado recrutado para ser utilizado contra seus cúmplices, tome grande cuidado a fim de evitar "invadir o campo usual da defesa". Se a testemunha, sem nenhum aviso, começa a contar a você os detalhes do encontro no qual a estratégia da defesa foi discutida e na qual ele esteve com os co-acusados e seus advogados, você tem um problema. Essa armadilha é facilmente evitável mediante aviso por escrito à testemunha para que não fale sobre qualquer encontro dessa espécie. Para orientação adicional, veja Weatherford v. Bursey, 429 U.S. 545 (1977), United States v. Brugman, 655 F.2d 540 (4th Cir. 1981), United States v. Rosner, 485 F.2d 1213 (2d Cir. 1973), e United States v. Mastroianni, 749 F.2d 900 (1st Cir. 1984).

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D. Quem começa, você ou a testemunha?

1. O primeiro problema que usualmente aparece é a situação denominada de Catch 2211, na qual você pretende saber exatamente o que a testemunha tem a oferecer antes de comprometer-se com um "acordo", mas a testemunha, mesmo desejando cooperar, está receosa de falar, por ter medo de auto-incriminar-se, a não ser que lhe seja prometido algo primeiro. Quando você estiver nessa situação difícil, nunca "compre um porco dentro de um saco"! Se você conceder primeiro a um criminoso imunidade absoluta em relação ao processo ou comprometer-se irremediavelmente com um acordo generoso, e só então perguntar a ele o que ele sabe, provavelmente você não vai conseguir nada, salvo ar quente. Remova o incentivo para a testemunha cooperar e você vai perder todos os peixes, o grande e o pequeno. Nunca se esqueça que quase sempre eles estão cooperando porque você os tem bem amarrados. Abra a porta muito cedo e o desejo dele de cooperar vai evaporar.

A resposta para esse dilema aparente é muito simples. Peça uma amostra! Prometa à testemunha por escrito que você não vai usar o que ela lhe disser nesse estágio do processo contra ela, mas deixe igualmente claro que a sua decisão de fazer ou não um acordo e do que o acordo irá ou não conter não será feita antes que você tenha oportunidade de verificar o valor e a credibilidade da informação. Diga a ele: "É uma oportunidade que você tem para se ajudar, aceite-a ou deixe-a". Se eles não confiam em você o suficiente para dar o primeiro passo - como você poderá confiar neles? Você pode falar de possibilidades, mas é tudo! E lembre-se, uma vez que você se comprometeu a algo, sua palavra deve ser tão boa quanto ouro em relação ao que você vai fazer se eles cumprirem a sua parte e ao que você vai fazer se eles não a cumprirem! Advirta-o: Se ele depois disser algo diferente do que ele disse na amostra, há implicações do precedente Brady.

2. Tenha certeza de que todo o entendimento preliminar está escrito e assinado pelas partes. Tente antecipar todos os problemas com os quais você pode ser confrontado durante o caminho. Considere adicionar uma "provisão Mezzanatto" através da qual o informante concorda que qualquer declaração que ele fizer durante os encontros ou negociações pode ser utilizada para questionar e contraditar a credibilidade de seu depoimento

11 Nota do tradutor: metáfora para situação sem saída.

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em seu julgamento caso o acordo não seja celebrado. Em United States v. Mezzanatto, 115 S. Ct. 797 (1995), a Suprema Corte decidiu que esse tipo de provisão é uma renúncia válida da Regra Federal de Evidência n.º 410 e da Regra Federal de Processo Criminal n.º 11(e)(6).

3. Lembre-se, o documento pode voltar para assombrá-lo se ele for mal redigido. Tenha certeza de examiná-lo como um documento de provável exibição na Corte e tente evitar redigi-lo de forma que possa ser utilizado contra você ou de forma que você não possa usá-lo. Não se esqueça de que seu lado do acordo - imunidade ou o que quer que seja - será usado na Corte pela Defesa como "o motivo pelo qual a testemunha está mentindo". A Defesa irá caracterizá-lo como "troca", "propina", etc. Não cause a si mesmo problemas desnecessários abrindo mão de muito.

4. Investigue acerca da existência de "acordos-paralelos" e secretos com a polícia. Se eles existirem, e eles podem existir, revele-os. A Defesa tem o direito de saber tudo o que a testemunha, seus parentes e seus amigos receberam como promessa em retorno pela cooperação. Se o Júri descobrir só no exame cruzado que o investigador-chefe do caso estava pagando cem dólares por semana à testemunha durante o julgamento ou resolvendo suas multas de estacionamento, você estará com um problema profundo.

E. Extraindo informação da testemunha.

1. Um promotor nunca deve conduzir uma entrevista sem a presença de um investigador. E lembre-se, nunca diga nada a um criminoso que você não quer que seja repetido na Corte. Ele pode estar gravando você!

2. Assim que um entendimento preliminar for atingido e a testemunha estiver preparada para dizer a você o que ela sabe sobre o caso, o suspeito, etc., devem ser tomadas precauções para que a testemunha diga toda a verdade e não apenas parte dela.

3. Sua primeira linha de defesa aqui é o advogado da testemunha. Convença o advogado da testemunha da exigência de absoluta honestidade e total abertura de informações e solicite a ele que tenha uma conversa privativa com a testemunha para tentar colocar isso na mente dela. Essas testemunhas invariavelmente escondem informações que possam fazê-las parecer más. É devastador na frente de um Júri descobrir que a primeira coisa que a testemunha fez foi mentir ao promotor ou ao agente do caso!

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Omissões deliberadas são tão ruins como mentiras e elas podem ser descobertas. Não comece a inquirição até que o advogado assegure a você que ele acredita que seu cliente está pronto para vir completamente aberto.

De fato, você pode exigir ao acusado que renuncie por escrito o seu direito ao sigilo entre suas conversas com o advogado, para que você possa ter certeza de que ele não contou ao advogado uma história diferente. Você não iria esperar do advogado de defesa que este permanecesse indiferente e permitisse que seu cliente obstruísse a Justiça e cometesse perjúrio, mas alguns advogados de defesa podem sentir que suas mãos estariam atadas pelo sigilo profissional, o que ocorreu em Murdoch v. Castro, 365 F.3d 699 (9th Cir. 2004). A falha do promotor deste caso, em usar seu poder para chegar ao fundo do problema antes do julgamento, resultou em litígio e revisão colateral sem fim e desnecessários. Se sua testemunha criminal recusar-se a renunciar o direito ao sigilo, então a testemunha está no controle e não você, e a recusa deve levantar uma grande bandeira vermelha de cautela. Suas próximas palavras para esse informante relutante devem ser, "bom, o acordo está encerrado e a conversa está acabada".

4. Quando você começar a inquirição, repita a necessidade de completa honestidade e total abertura de informações. Discuta sobre o perjúrio e a responsabilidade da testemunha por falsificar provas, etc. O objetivo é "pegar a verdade" e não "pegar o suspeito". Deixe a testemunha saber que se ela chegar à Corte, a verdade irá certamente surgir no exame cruzado. Diga a ela que o acusado não vai sentar ali e assisti-lo enfeitar os fatos. Você quer ouvir tudo agora e não depois. Um problema freqüente aqui encontrado é que a testemunha irá falsamente minimizar seu papel no esquema. Advirta-a para não fazer isso e fique alerta por provas de que é isso o que ela está fazendo. Isso irá aparecer, se você procurar.

5. Um erro incrível feito em mais de uma ocasião - especialmente por agentes - é ouvir a história do informante e então dizer a ele, "isso não é suficiente, você vai ter que vir com mais". O ímpeto para essa declaração vem do conhecimento dos agentes de que os informantes guardam material consigo, mas esse tipo de "abridor de lata" não deve ser usado por duas razões. Primeiro, o informante pode reagir fabricando "coisa melhor", uma eventualidade pela qual você não quer ser responsável. Segundo, quando os jurados ficarem cientes desta tática, eles vão querer muito acreditar que você e seus agentes solicitaram informação falsa. Esse erro teve um papel significativo no processo mal-sucedido contra o advogado Patrick Hallinan em

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Reno, Nevada, em 1995. Quando os jurados descobriram que o informante colaborador não havia acusado seu próprio advogado Hallinan antes dos agentes terem lhe dito que ele deveria vir com mais coisas, a força do caso da Acusação foi embora. Se você tiver feito seu trabalho corretamente antes de iniciar a inquirição acerca do que a testemunha sabe, esta meia bagunça não deve ocorrer.

6. Não forneça à testemunha informação chave. Primeiro, deixe a testemunha contar a história completa por sua conta. Então, pergunte quaisquer questões necessárias para preencher as lacunas, etc. Um dos seus melhores argumentos para o Júri é que "a testemunha deve ter estado no local (ou conversado em confidência com o acusado) porque ela sabia detalhes que somente alguém que tivesse estado no local iria saber!" Não perca isso por ser a fonte da informação crucial. Tenha certeza de que todo mundo em sua equipe entende isso e não deixe o "gato fora da cesta". Os investigadores devem procurar por esse tipo de prova durante a inquirição e fazer boas anotações. Lembre-se, pode ser necessário revelar todas as anotações na Corte, como as relativas a declarações inconsistentes, mentiras, negações falsas e insinceros "eu não me lembro".

7. O acusado sabe mais sobre o informante do que você! Essa vantagem pode habilitar o acusado a montar um ataque no exame cruzado, etc., baseado em fatos ou circunstâncias que você não conhece e que não foram reveladas pelo informante. Para evitar ser pego despreparado, pergunte ao informante o que o acusado poderia revelar para desacreditá-lo ou para desacreditar o depoimento dele. Dedique tempo para isso porque você estará sondando informação que a testemunha pode não querer revelar a você. Mais uma vez, uma história de um julgamento real é o melhor exemplo para esse problema:

"'A Vitória Impossível'. Especialistas dizem que é raro que promotores encontrem advogados de defesa que sabem mais sobre as testemunhas da acusação do que a própria Acusação. Mas é isso exatamente o que aconteceu no caso de Willy e Sal. Além do gasto de um número não revelado de milhões com advogados, Falcon e Magluta também contrataram um grupo de investigadores particulares que correram pelos Estados Unidos e pela América Latina para obter informação incriminadora sobre as testemunhas de acusação. 'O que fez a diferença foi o fato de que Sal Magluta e Willy Falcon estavam querendo lutar e patrocinaram uma investigação que poderia expor todas essas coisas', disse Black, que atribui a vitória a um fio crescente de sucessos, incluindo sua representação de

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William Kennedy Smith e do antigo oficial de polícia de Miami William Lozano. 'Quantas pessoas podem custear uma busca de informações da espécie? Você sabe quantas testemunhas nós investigamos antes do julgamento? Eles chamaram cerca de trinta cúmplices como testemunhas, mas eles haviam avisado uma lista de testemunhas de oitenta e uma e acrescentaram quatro ou cinco antes do julgamento'. Entre as muitas testemunhas de acusação, Nestor Galeano provou ser a favorita da equipe da Defesa. Seu depoimento, eles acreditam, foi o ponto de virada do caso. Antes do início do julgamento, os advogados de Defesa obtiveram várias cartas escritas por Galeano na prisão para um amigo na Colômbia, o companheiro de contrabando de cocaína chamado Manuel Garces. Nessas cartas, Galeano, eloqüentemente, explicou sua crença de que o sistema de Justiça norte-americano era corrupto e o único meio de lidar com ele era jogar com ele, fazer o que fosse necessário para sair da prisão, inclusive, afirmaram os advogados de defesa, mentir como testemunha para favorecer promotores. 'Essas cartas foram um embaraço gigantesco para a Acusação', disse Krieger. 'Ou pelo menos deveriam ser'."

Pós-escrito: Como apontado antes, um dos jurados foi corrompido no caso, o que ajuda a explicar o veredicto. De qualquer modo, é uma boa lição do que a defesa pode descobrir de uma testemunha de acusação.

8. Não tenha medo de submeter a história e a testemunha a intenso escrutínio e exame cruzado. Não tenha medo de que a testemunha vá quebrar. Se isso acontecer, é melhor que ocorra em seu escritório do que na Corte. Promotores sem muita experiência tendem a tratar essas testemunhas muito docilmente com medo de que elas não se sustentem ou de que parem de cooperar. Isso é errado. Vá com tudo contra ela!

9. Fique alerta para qualquer sugestão indicada de que o informante é realmente a pessoa que cometeu o crime sob investigação e que ele está falsamente colocando a culpa em outra pessoa para salvar a própria pele. Veja Commonwealth v. Bowie, 243 F.3d 1109 (9th Cir.2001). Se ele sabe tanta informação sobre o crime, a Defesa pode alegar que ele apreendeu isso não do acusado, mas porque ele foi o autor! Para entender as dimensões e ramificações desse tipo de defesa, leia Kyles v. Whitley, 115 S. Ct. 1555 (1995).

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F. Teste a história da testemunha:

1. Desconfie de tudo que um informante contar. Seja ativamente desconfiado. Procure corroboração em tudo o que puder; siga todas as indicações de que ele possa estar inventando.

2. Obtenha informação sobre o passado da testemunha.

a. Problemas mentais.

b. Relatórios de períodos de probation12.

c. Relatórios policiais pretéritos.

d. Informações de promotores que tenham processado a testemunha ou a utilizado na Corte. O que eles acham de sua credibilidade? Como os jurados reagiram a ela? Foi ela uma testemunha que ajudou ou ela trouxe mais problemas do que vantagens?

e. Arquivos de memorandos de sentença apresentados pelos promotores em casos pretéritos.

f. Registros de comportamento prisonal da testemunha.

3. Acesse os motivos da testemunha. Por que ela decidiu mudar de lado? Você deve entender porque ela mudou a fim de manter ela do seu lado. Essa compreensão vai manter você afastado de erros causados por achar que você tem que ser amigável e generoso para mantê-la no seu time. Normalmente, ela vai ficar com você até conseguir o que pretende, ou seja, o benefício prometido.

Você realmente entende pessoas que cometem crimes? Por que pessoas cometem roubos armados, trapaceiam o Governo, vendem drogas, enganam idosos, atacam Nancy Kerrigan?

O que faz eles dispararem? Como eles pensam?

12 Probation, ou período de prova, seria o equivalente no Brasil a suspensão condicional do processo, suspensão condicional da pena ou mesmo livramento condicional.

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E quando eles são pegos, por que correm como lemingues para o escritório do promotor para tornarem-se delatores contra seus amigos, parentes, associados e colegas?

Por que Sammy, o Touro Gravano, testemunhou contra John Gotti? Por que Jimmy, o Doninha, voltou-se contra a Máfia? Carlos Lehderer, contra Manuel Noriega? John Dean, contra o Presidente Nixon? Jeff Gilooly, contra Tonya Harding, sua ex-esposa?

Você sabe o que é um sociopata? Do que um sociopata é capaz?

Você sabe como criminosos se comportam quando capturados e o que os motiva? Você pode separar a verdade de suas mentiras? Você sabe como controlar Sammy, o Touro? Jimmy, a Doninha? Carlos Lehderer? Jeff Gilooly?

Ou eles é que irão controlar e dirigir você?

A não ser que você entenda os criminosos e possa controlar seu comportamento traiçoeiro, você poderá ser a próxima vítima.

Ocasionalmente, você vai encontrar uma testemunha que está realmente e verdadeiramente arrependida do que fez. Trabalhe com isso por tudo o que vale perante o Júri - mas primeiro tenha certeza de que o sentimento é real. Usualmente, é falso.

4. Tome cuidado com viciados em drogas. Considere um exame médico e descubra de um médico o efeito das drogas das quais sua testemunha abusa na capacidade dela de depor. Valium arruína sua memória? Você pode querer chamar o médico durante seu caso.

5. Se a sua testemunha estiver "emprestada" de um Governo estrangeiro no qual o devido processo não é uma alta prioridade, certifique-se de que a testemunha não recebeu uma missão por escrito. Xiao v. Reno, 873 F. Supp 1506 (N.D. Cal 1993), aff´d 81 F.3d 808 (9th Cir. 1996), relata a história de um promotor federal assistente pego em um incidente fatal provocado por uma testemunha informante. Ela depôs pela acusação, mentiu e subsequentemente revelou sua mentira, explicando que estava sob pressão do Governo da República da China para incriminar falsamente o acusado. Agora, a testemunha está buscando asilo em nosso país porque

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teme que será morta se retornar à China e o AUSA está sob investigação por supostamente mentir à Corte e por cometer outras violações éticas enquanto essa bagunça é revelada.

6. A CHAVE PARA ACEITAÇÃO PELO JÚRI DE UM TESTEMUNHO DE UM CRIMINOSO É A EXTENSÃO NA QUAL O DEPOIMENTO É CORROBORADO. A REGRA QUE PERMITE A CONDENAÇÃO DE UM ACUSADO BASEADO EM UM DEPOIMENTO NÃO CORROBORADO DE UM CÚMPLICE PODE PROTEGER VOCÊ DA REGRA 29, MAS SERÁ DE POUCA AJUDA COM OS JURADOS.

O New York Times em sua discussão do caso de corrupção de Friedman (processado pelo agora Prefeito Rudy Giuliani), 854 F.2d. 535 (2d Cir. 1988), colocou a questão dessa forma:

"A maior força da Acusação no caso era igualmente sua maior fraqueza: O Sr. Lindenauer. Sua força estava no seu conhecimento próximo do esquema de corrupção e extorsão que se espalhou no Park Bureau e na sua habilidade para descrevê-lo cumpridamente e em detalhes como testemunha. Sua fraqueza era o fato de que ele teria feito parte do esquema e ganhado perto de USD 250.000,00 com ele, trabalhando em conjunto com o Sr. Manes.O Sr. Lindenauer declarou-se culpado no último março em relação a acusações federais de racketeering13 e fraude, reduzidas de um indiciamento de trinta e nove acusações como parte de um acordo com a Acusação por seu depoimento. Ele enfrenta uma pena de até vinte e cinco anos e USD 500.000,00 em multas, mas não se espera que seja sentenciado até que termine sua função em outros julgamentos relacionados ao escândalo municipal.O Sr. Lindenauer tem uma longa história de mentira e de outros comportamentos fraudulentos, que os advogados de defesa forçaram-no a admitir durante o exame cruzado e exploraram enquanto procuraram eliminar sua credibilidade. Mas peça por peça, porções de seu depoimento foram corroboradas por outras testemunhas da acusação. No final, o Júri de sete mulheres e cinco homens concordou com o Sr. Giuliani e retornou com um veredicto de culpado para uma série de acusações contra os quatro acusados."

13 Nota do tradutor: O crime de racketeering está descrito no capítulo 95 do Título 18 do Código Penal Federal norte-americano (US Code) e compreende uma gama significativa de atividades criminosas.

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Verifique tudo o que sua testemunha disser. Procure por prova documental, testemunhas de corroboração, declarações pretéritas consistentes - tudo. Se ele diz que fez uma ligação importante por telefone, traga os registros da companhia telefônica. Se ele diz que estava em Las Vegas, prove independentemente com atendentes ou registros de hotéis. Em um caso de espionagem bem divulgado em Los Angeles, a pessoa que passou documentos secretos ao espião testemunhou que recebia dinheiro em troca e que o colocava em sua conta de banco. O promotor corroborou isso com extratos bancários, demonstrando conclusivamente que ele colocava mais dinheiro em sua conta enquanto estava espionando do que poderia ganhar com o salário. O excesso coincidiu com suas declarações para o FBI e seu depoimento com o montante de pagamentos. Em United States v. Martinez, 775 F.2d 31 (2d Cir. 1985), ao promotor foi permitido provar que outras pessoas acusadas pela testemunha haviam se declarado culpadas, isso para rebater o ataque de Martinez contra os motivos e a credibilidade da testemunha. O caso Martinez estabelece que quando a defesa ataca a credibilidade da testemunha, prova que não seria admissível diretamente pode ser trazida indiretamente para defender a testemunha.

7. Nunca negligencie a oportunidade apropriada para utilizar o contato de sua testemunha com o suspeito para tentar extrair dele declarações incriminadoras - gravadas, é claro. Isso é dinamite se você conseguir. Seu investigador vai ajudar você e a testemunha a montar um cenário plausível para esse encontro. Mas não se precipite, Massiah v. United States, 377 U.S. 201 (1964), ou Henry v. United States, 361 U.S. 98 (1959).

8. De fato, a fraqueza inerente à prova produzida pelo depoimento do informante pode ser utilizada para satisfazer "a exigência de necessidade" para uma gravação federal prevista no 18 U.S.C. § 2518(1)(c) e (3)(c). United States v. Gomez and Fregoso, 358 F.3d 1221 (9th Cir. 2004) ("A função de busca da verdade real de nossas Cortes é atingida grandiosamente quando a prova utilizada não é contaminada pela fonte imediata do informante e foi purificada da bagagem que sempre carregam com eles").

9. Considere o polígrafo, mas não utilize-o apenas porque está à disposição. A máquina é falível! É um instrumento, não uma garantia. Muitos promotores experientes irão aconselhá-lo a não usá-lo como uma aposta. Esse grupo de suspeitos [criminosos cooperantes] é notório por ser submetido a testes de polígrafos. Em um caso grande contra um grupo ultra-direitista de terroristas, os promotores condicionaram "o acordo" ao sucesso

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da testemunha no polígrafo. Apesar dos promotores ficarem convictos de que a testemunha estava falando a verdade, ela não passou no teste. A Defesa fez uma batalha com isso no exame cruzado e agora os promotores referem-se ao condicionamento como um erro.

a. Converse com o operador do polígrafo sobre sua eficácia;

b. Não se refira a ele na Corte se você for utilizá-lo apenas como um instrumento de investigação.

c. A última decisão da Suprema Corte acerca de resultados do polígrafo e do precedente Brady é Wood v. Bartholomew, 116 S. Ct. 7 (1995). Os resultados do teste do polígrafo, por si só, não são material Brady.

10. A melhor maneira de antecipar a derrocada de uma testemunha é colocar-se no papel do advogado de defesa de seu suspeito. Se você estivesse defendendo o seu alvo, como você atacaria essa testemunha e o seu depoimento? Contrate-se a si mesmo, como se você fosse assumir a defesa do outro lado do caso. Faça o tipo de investigação que um bom advogado de defesa faria a respeito dessas coisas colaterais que jogam luz sobre a credibilidade da testemunha. Uma tática favorita de um advogado competente é a de obter fitas de prisões federais feitas de diálogos de prisioneiros ao telefone com pessoas de fora. Se sua testemunha cooperante estiver na prisão, você e a Justiça serão melhor servidas se você revisar, por si próprio, as fitas para verificar se elas contém declarações que afetem o seu caso e a credibilidade da testemunha. Além disso, se tiverem sido feitas, durante a investigação, interceptações telefônicas de sua testemunha cooperante, tenha certeza de revisá-las. Aqui está uma declaração de um insuspeito chefe de quadrilha e testemunha cooperante de acusação, Ralh Natale, que foi feita aos seus companheiros durante uma discussão sobre dois criminosos faladores que tornaram-se informantes da Acusação: "É uma vergonha. Você sabe, se você cometer um crime e se for pego, você deve ir à cadeia. Mas agora esses garotos mudaram e tornaram-se mentirosos e tentam repassar seu tempo de prisão para alguma outra pessoa". Isso será o tema do advogado de defesa, e aqui ele está, vindo da boca de sua testemunha.

O que isso parece daquele lado da linha? Então volte ao seu lado e pergunte: Pode tal fraqueza ser explicada? Gaste muito tempo nesse exercício. Chame um amigo para ajudá-lo. Todo minuto irá valer a pena. Ele

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o habilitará a determinar como manter-se de pé antes mesmo que a Defesa o atinja. Não perca nenhuma oportunidade que você possa encontrar para assistir advogados de defesa examinando criminosos cooperantes. Então você será capaz de antecipar e de se preparar para o matadouro.

G. Se você estiver convencido, negocie um acordo final, mas não abra mão de muito, e não abra mão muito cedo!

1. Coloque o acordo inteiro por escrito, mas antes que você assim faça, leia United States v. Dailey, 759 F.2d 192 (1st Cir. 1985). Esse caso contém uma discussão educativa sobre o que um acordo de colaboração pode e o que não pode dizer. Recompensas e pagamentos constituem uma situação delicada. Dinheiro para uma testemunha será um problema se não manuseado abertamente e com as mãos limpas. Não existe nenhuma proibição legal contra recompensas e, de fato, elas foram aprovadas com o fundamento de que servem ao interesse público por trazer as testemunhas e as suas informações. Veja: 18 U.S.C. §§ 1012, 1751, 3056, 3059, 3059A. United States v. Murphy, 41 U.S. (16 Pet) 203 (1842); United States v. Walker, 720 F.2d 1527 (11th Cir. 1983); United States v. Valle-Ferrer, 739 F.2d 545 (11th Cir. 1984); United States v. Cuellar, 96 F.3d 1179 (9th Cir. 1996). Pagamentos a um informante em uma base contingente, no entanto, podem ser vistos como um induzimento para uma armadilha. United States v. Civella, 666 F.2d 1122 (8th Cir. 1981). Se uma testemunha pede algum tipo de "filão" ou "percentagem" ou "recompensa", essa requisição vai ter que ser revelada mesmo que seja rejeitada. Como exemplo, considere esta cobertura do caso DeLorean feita pelo New York Times:

"LOS ANGELES, Julho, 26 - O Juiz Federal Distrital Robert M. Takasugi caracterizou hoje James Timothy Hoffman, o informante da Acusação e a testemunha estrela no julgamento de John Z. DeLorean por acusação por tráfico de drogas, como 'uma arma contratada'. Ele disse que achou 'bastante ofensivo' que a Acusação tenha deixado de revelar antes que o Sr. Hoffman havia 'solicitado' uma parte de qualquer dinheiro apreendido no caso. O Sr. Hoffman instigou a investigação do Sr. DeLorean quando ele disse a uma autoridade pública em 1982 que o Sr. DeLorean havia pedido a ele ajuda para arrumar um negócio de drogas. Os advogados do Sr. DeLorean, o Sr. Weitzman e Donald M. Re, reclamaram que a acusação teria impropriamente guardado documentos que os levaram a descobrir na última semana que o Sr. Hoffman teria solicitado mais de dez por cento de quaisquer bens seqüestrados como

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resultado da investigação do Sr. DeLorean. O Sr. Hoffman fez a exigência em 03 de setembro de 1982 e ela foi rejeitada. A Acusação tinha esperança de seqüestrar muitos milhões de dólares em espécie e em propriedades pertencentes a William Morgan Hetrick, um traficante de cocaína confesso e que foi acusado com o Sr. DeLorean como um cúmplice, e dois milhões de dólares que foram investidos pelo Sr. DeLorean, segundo a versão da Acusação acerca do afirmado esquema de drogas. O Juiz Takasugi, afirmando que estava apresentando o tema em termos do 'mundo real', caracterizou a demanda do Sr. Hoffman como 'uma percentagem do confisco' e disse que a achou 'bastante ofensiva', particularmente porque o Sr. Hoffman havia testemunhado que ele 'estava motivado em parte pela boa vontade de providenciar informação'. 'Se houver alguma coisa como uma 'arma fumegante' em termos de credibilidade do Sr. Hoffman', disse o Juiz, 'era, então, a solicitação do Sr. Hoffman'."

Mas, ainda que uma recompensa ou uma indução através de dinheiro não desqualifiquem automaticamente o beneficiário como uma testemunha competente, o Júri deve ser avisado do arranjo. A questão não é de competência, mas de credibilidade, e é uma questão que deve ser avaliada pelo Júri. Em minha opinião, os jurados ficam desconfiados em relação a qualquer arranjo no qual uma testemunha da acusação seja beneficiada financeiramente pelo seu depoimento. E igualmente, assim ficam alguns juízes. Leia o que o Juiz Wiggins teve a dizer acerca de dinheiro e informantes em United States v. Cardenas Cuellar, 96 F.3d 1179 (9th Cir. 1996).

Tenha certeza de que o acordo irá ser compreendido pelo Júri se ele for apresentado como prova, mas esteja atento quanto à lei que regula como um acordo de reconhecimento de responsabilidade criminal [plea agreements] pode ou não ser usado. Eles não são automaticamente admissíveis em sua totalidade como prova! Veja United States v. Edwards, 631 F.2d 1049 (2d Cir. 1980); United States v. Spriggs, 996 F.2d 320 (D.C. Cir. 1993). Considere adicionar um parágrafo prevendo que, se a testemunha voltar atrás, tudo o que ela tiver dito durante as negociações pode ser usado contra ela. Veja United States v. Stirling, 571 F.2d 708 (2d Cir. 1978); United States v. Mezzanatto, 115 S. Ct. 797 (1995).

2. Cuidado! Evite qualquer tentação de tentar purificar a testemunha através da celebração com o seu advogado de um acordo secreto e desconhecido pela testemunha. O simples fato de a testemunha

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não ter conhecimento de um acordo favorável em troca de seu depoimento não permite que você chame a testemunha para depor perante o Júri e sob juramento de que ela está fazendo isso sem esperar obter nada em troca de sua cooperação. Esta trama foi censurada pelo Nono Circuito Federal em Hayes v. Brown, 399 F.3d 792 (9th Cir. 2005) (en banc).

Igualmente fatal foi uma decisão secreta de um promotor de tirar do caminho um exame psiquiátrico de uma testemunha cúmplice a fim de tentar evitar a criação de uma informação que teria que ser revelada e que iria prejudicar a credibilidade dela. Em Silva v. Brown, 416 F.3d 980 (9th Cir. 2005), o advogado da testemunha alertou o promotor que ele temia que o seu cliente era insano. Reconhecendo que um exame de sanidade mental iria "providenciar munição para a defesa", o promotor obteve um acordo com a testemunha: sem exame mental e as acusações de homicídio seriam retiradas em troca de seu depoimento. Ao garantir ao acusado um novo julgamento neste caso de pena capital, o Nono Circuito disse: "Quando promotores traem suas obrigações solenes e abusam do imenso poder que possuem, a correção de todo nosso sistema de justiça é colocada em dúvida e a confiança do público nela é minada". Id. at 991.

3. Não limite a testemunha a um roteiro específico de depoimento no qual as regras fundamentais violem os direitos dos acusados à confrontação. Se você exigir de uma testemunha que ela se mantenha em sua versão originalmente apresentada para obter um "acordo", isso efetivamente tornará a testemunha imune ao exame cruzado! Mas esse tipo de acordo produziu revisões em grau de apelo. Tudo o que você pode substantivamente exigir é que a testemunha fale a verdade. Veja People v. Medina, 41 Cal. App. 3d 438 (1974).

4. Diga à testemunha todas as regras básicas:

a. O que ela vai ter que fazer em termos de depoimento; i.e., Grande Júri, dois julgamentos, ou o que for.

b. Quanto tempo isso vai levar. Não estime por baixo!

c. Ela não tem um cartão de crédito para sair por aí cometendo outros crimes enquanto você a estiver utilizando como testemunha. Diga a ela para não chamá-lo se conseguir um bilhete de entrada [para a prisão]. Não deixe isso entregue à imaginação dela.

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d. Precauções de segurança devem estar em ordem. Decida o que é necessário, o que está disponível. Se a testemunha vai entrar no programa de proteção, tenha certeza de que você e a testemunha entendem exatamente o que isso significa. Obtenha uma cópia do memorando de entendimento da testemunha com o serviço dos agentes federais e leia-o.

5. Guarde alguma informação com você.

a. A testemunha deve revelar o que sabe antes. Se você der a ela tudo o que ela tem "direito" antes que ela testemunhe, você pode ser desagradavelmente surpreendido quando ela se desintegrar ao depor. Eu prefiro, se possível, que a testemunha reconheça sua responsabilidade criminal antes de testemunhar e que seja sentenciada depois. Se a motivação da testemunha em cooperar for removida, você estará perdido. Não confie no senso de honra dela! Veja United States v. Insana, 423 F.2d 1165 (2d Cir. 1970) e Darden v. United States, 405 F.2d 1054 (9th Cir. 1969), que aprovam essa abordagem.

6. Obtenha do acusado uma declaração juramentada e assinada a respeito do que sabe e que possa ser usada caso ele altere sua disposição durante o julgamento ou depois. Isso ficará disponível como uma admissível declaração pretérita e inconsistente caso ele mude o seu depoimento e como proteção para você e para o caso depois da condenação se ele decidir mudar o seu tom quando confrontado, como um "delator" na prisão, por outros prisioneiros. Adote uma política de cautela. Esteja familiarizado com as regras para questionar a credibilidade de sua própria testemunha, prévias declarações inconsistentes, prévias declarações consistentes, etc. Um caso sobre esse tema que deve ser lido por todos os promotores que tenham a intenção de utilizar um vira-casaca como testemunha é United States v. DiCaro, 772 F.2d 1314 (7th Cir. 1985), um dos precedentes sobre casos de testemunhas que são "atingidas por amnésia" quando vão depor. A última palavra da Suprema Corte sobre a tentativa de utilizar a declaração de um cúmplice como uma declaração contra o interesse da persecução pode ser encontrada em Williamson v. United States, 114 S. Ct. 2423 (1994), estabelecendo que confissões de cúmplices presos podem ser admitidas sob a Regra 804 (b)(3) "se elas são verdadeiramente auto-incriminadoras e não meras tentativas de transferir a responsabilidade penal ou de obter favores". A Suprema Corte também usou a mesma abordagem a respeito de declarações pretéritas consistentes: elas serão admissíveis somente se tiverem sido feitas antes do surgimento do motivo alegado para inventar uma

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história ou para influenciar de maneira imprópria. Tome v. United States, 115 S. Ct. 696 (1995).

H. É o seu caso mais forte sem chamar o informante para depor como testemunha?

1. O meio mais efetivo (e mais seguro) de utilizar um cúmplice cooperante é possivelmente o de usar a informação obtida dele para desenvolver outras provas da culpa de seu alvo, prova independente que seja forte o suficiente para livrá-lo da necessidade de chamar a testemunha para depor. De fato, este deve ser seu objetivo tático: construir um caso que não dependa do depoimento do cúmplice. Use-o para ajudá-lo a fazer isso. Pergunte se ele sabe de algum meio independente para corroborar o que ele lhe diz. Ele pode ser útil para identificar outras testemunhas excelentes que possam confirmar o que ele lhe disse.

Para um plano de como usar a conversa gravada entre um informante e um suspeito sem chamar o informante para depor, leia esses casos: (1) United States v. Davis, 890 F.2d 1373, 1379 (7th Cir. 1989); e (2) United States v. McClain, 934 F.2d 822, 832 (7th Cir. 1991). Em ambos, a tática da Acusação em manter um informante notório sem depor sobreviveu a objeções baseadas na Sexta Emenda e na Regra Federal de Prova 607 e 806.

2. Lembre-se, contudo, que esse tipo de abordagem não deve ser usada com desonestidade, para extrair informação útil de uma testemunha e então injustamente jogá-la, sem consideração, no lixo da história. A integridade de seu escritório exige que jogue limpo, mesmo com criminosos. Uma testemunha que você decidir não chamar para depor pode, não obstante, ter dado a você assistência suficiente para construir o seu caso, fazendo jus a consideração substancial.

I. Controle o ambiente da testemunha.

Esteja atento acerca de onde vai a testemunha depois de você tomar seu depoimento e de assegurar sua cooperação. Se ela vai voltar à prisão, problemas sérios podem ocorrer a não ser que você tome precauções para afastá-la de outros causadores de problemas em potencial. Se ela retornar para o meio da "população carcerária em geral", há chances de que outros internos descubram que ela é um delator e a confrontem como um

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inimigo. Quando isso acontecer, não é incomum que a testemunha minta para seu acusador e negue tudo, ou pior, alegue que foi forçada a mentir para você ou para polícia. Você então terá uma testemunha assustada que pode retratar-se de tudo, e você terá uma testemunha de defesa que virá dizer ao Júri que sua testemunha disse que inventou tudo para "obter um acordo", etc. De forma inquietante, essas pessoas também podem tornar-se, inesperadamente, a base para um"writ of error coram nobis" ou para uma moção por um novo julgamento. Uma solução para esse problema, com certeza, é utilizar o Programa federal de Proteção à Testemunha, que tem medidas muito efetivas de proteção dentro e fora das grades.

2. Você deve manter a testemunha longe de caminhos perigosos. Alerte-a para não dizer nada a ninguém e especialmente para outros prisioneiros, e faça com que seu investigador contate-a freqüentemente para manter as chamas da cooperação acesas. Se você negligenciar os cuidados de babá desse negócio, você será queimado. Se você tiver acesso ao programa de segurança de testemunha, saiba o que ele pode fazer por você, como ele opera, e o que ele não pode fazer. Então use-o! Se você não tiver um disponível, comece-o. Ele é um ingrediente essencial para a luta contra o crime organizado. Anote: se você fracassar em proteger sua testemunha e ela for morta ou lesionada por estar cooperando, você poderá tornar-se réu em uma ação cível. Para entender a sua exposição a esse risco, leia Miller v. United States, 561 F. Supp. 1129 (1983), aff'd 729 F.2d 1448 (3rd Cir. 1984); Galanti v. United States, 709 F.2d 706 (11th Cir. 1983); e Wallace v. City of Los Angeles, 16 Cal. Rptr. 2d 113 (Janeiro, 1993).

Por favor, perca um momento para refletir a esse respeito com o trágico e sério destino de Collier Vale, assim relatado, em 05/11/1990, pelo Los Angeles Times:

"Monterey - Homicídio de informante leva promotor ao suicídio. Collier Vale era um dos mais respeitados advogados do Escritório do Promotor do Condado de Monterey, um promotor compulsivo que obteve numerosas condenações em casos relevantes e era um candidato de primeira classe para a magistratura. Mas, depois de dez anos como promotor, onde ele freqüentemente trabalhou 60 a 70 horas por semana e vagarosamente subiu na hierarquia do escritório, Vale sentiu que um único caso havia arruinado sua reputação e destruído sua carreira.Em uma quinta-feira à noite do mês passado, após ter dito aos amigos que estava cansado de defender-se de acusações intermináveis, Vale colocou

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uma pistola em sua boca e puxou o gatilho.O caso que, segundo os amigos, levou ao suicídio de Vale envolveu a morte de um informante confidencial em uma de suas investigações de homicídio. Ele foi injustamente culpado pela morte da mulher, seus colegas afirmaram, e ele foi assombrado pelo caso.Sua provação ilumina as pressões e as responsabilidades enfrentadas pelos promotores quando lidam com o mundo sombrio dos informantes confidenciais. É um mundo no qual o promotor tenta proteger pessoas que algumas vezes não podem ser protegidas, no qual a responsabilidade é rapidamente atribuída quando os interesses das testemunhas e dos suspeitos subitamente colidem.O caso de Collier era um 'pesadelo de promotor', disse Ann Hill, uma representante do Promotor distrital que trabalhou com Vale. 'O que torna isso tão assustador é que algo parecido poderia acontecer a qualquer um de nós, não importando o quanto cauteloso somos .. e Collier era talvez o mais cauteloso de todos nós.'O informante de Vale foi morto em um tiroteio, depois de sua identidade ter sido revelada inadvertidamente. A imprensa local apareceu para culpar Vale pela confusão e o caso eventualmente recebeu atenção nacional no show de tablóide televisivo, 'Um caso corrente'. Vale ficou extremamente abatido, disseram os amigos, quando a controvérsia tornou-se um grande tema na campanha eleitoral de junho para promotor distrital.Quando a família do informante assassinado propôs uma ação por morte contra o Condado e o Departamento de Polícia local, Vale soube que ele iria em breve enfrentar uma série de depoimentos hostis e possivelmente embaraçosos em um julgamento altamente exposto na mídia.Vale, 39, era um homem orgulhoso, disseram os amigos, e ele não podia mais suportar a indignidade de ser constantemente responsabilizado pela morte de uma testemunha.'Collier via toda essa coisa como humilhação e fracasso', disse sua namorada Melinda Young. Seus olhos encheram-se de lágrimas e ela vagarosamente balançou sua cabeça. 'Ele simplesmente não conseguia deixar isso para trás'."

J. A fase da revelação de provas [Discovery]14: Um verdadeiro campo minado para o desavisado.

14 Nota do tradutor: Na fase processual da Discovery, as partes têm, antes do julgamento, de revelar as provas de que dispõem relativamente ao caso. A Discovery é regulada, no processo federal, pela Rule 16 da Federal Rules of Criminal Procedure. Para uma abordagem sobre tal fase processual, vide RAMOS, João Gualberto Garcez. Curso de Processo Penal norte-americano. São Paulo: RT, 2006, p. 184-188.

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1. A Defesa tem o direito de conhecer tudo que tenha reflexo na credibilidade da testemunha -- talvez mesmo as suas [de um promotor] notas "de trabalho" a respeito das "declarações de uma testemunha de acusação". Goldberg v. United States, 425 U.S. 94 (1976) sustenta que as notas de um promotor tomadas durante a entrevista de uma testemunha podem bem ser declarações sob o Ato Jencks. Veja ainda United States v. Ogbuehi, 18 F.3d 807, 810-811 (9th Cir. 1994). Se você colocar algo no papel, tenha presente que isso pode ter que ser revelado. Se for, você não ficará embaraçado. Se não for, então que seja assim. Não se esqueça de United States v. Harris, 543 F.2d 1247 (9th Cir. 1976), exigindo que o FBI preserve notas de rascunho de entrevistas de testemunhas. Veja ainda United States v. Riley, 189 F.3d 802 (9th Cir. 1999). Se você tiver qualquer dúvida acerca de uma parte da prova, o simples fato dessa dúvida deve fazer com que você busque da Corte uma regra Brady antes do julgamento, sem a parte e "in camera" [ou seja, reservadamente com o juiz] se possível. Se você não leu Giglio v. United States, 405 U.S. 160 (1972) ainda, você pode querer fazê-lo.

2. Em 19/04/1995, a Suprema Corte decidiu um caso muito importante discutindo o dever Brady de um promotor em revelar "prova favorável" à Defesa. Se você é um promotor e não leu este caso, você deve fazê-lo imediatamente porque ele estabelece certos deveres comissivos de revelação por parte de um promotor e que se forem negligenciados podem destruir o seu trabalho.

Kyles v. Whitley, 115 S. Ct. 1555 (1995) é o caso. Ele envolve a omissão do promotor, em caso de homicídio, de revelar à Defesa (1) prova que questionaria a credibilidade de testemunhas chaves e (2) declarações inconsistentes feitas por um informante, Beanie, que nunca foi chamado para depor, mas que a Defesa alegou que era o real assassino da alegada vítima do acusado Kyles. Como cinco juízes decidiram que se essa prova tivesse sido revelada para a Defesa um resultado diferente seria razoavelmente provável, a condenação de Kyles à pena de morte foi reformada.

Na apresentação de sua decisão, a Corte sustentou que um promotor tem um dever comissivo e imediato de inquirir e consultar todas as agências envolvidas no caso acerca da existência de uma prova favorável à Defesa. O Juiz Souter descreveu este dever como segue:

"Enquanto a definição da materialidade no caso Bagley em termos de efeito cumulativo da supressão deve ser vista como deixando a Acusação

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com um certo grau de discricionariedade, ela deve também ser vista como impondo um ônus correspondente. Por um lado, demonstrar que a Acusação sabia de um item de prova favorável para o acusado e desconhecido pela Defesa não representa, sem que haja algo a mais, uma violação ao precedente do caso Brady. Mas à Acusação, já que só ela pode saber o que não foi revelado, deve ser atribuída a conseqüente responsabilidade de avaliar o provável efeito de todo esse tipo de prova e de revelá-la quando o ponto de 'probabilidade razoável' for atingido. Isso, em contrapartida, significa que o promotor tem um dever de descobrir qualquer prova favorável ao acusado que seja conhecida por outros que estejam atuando pela Acusação no caso, inclusive pela polícia. Mas, independentemente do promotor ser bem sucedido ou falhar em cumprir tal dever (ou seja, independentemente da falha na revelação da prova for de boa-fé ou de má-fé), veja o caso Brady, 373 U.S., at 87, é inevitável a responsabilidade do promotor por omitir em revelar prova conhecida e favorável ao acusado e que tenha um nível substancial de importância." (Id at 1567.)"Isso significa, naturalmente, que um promotor ansioso por agir o mais próximo da linha de suas atribuições vai revelar uma parte favorável da prova. Veja o caso Agurs, 427 U.S., at 108 ('O promotor prudente vai resolver questões duvidosas em favor da revelação da prova'). Isso é como deve ser. Esse tipo de revelação de prova irá servir para justificar a confiança no promotor como 'o representante ... de uma soberania ... cujo interesse ... em um processo criminal não é o de que ele deve ganhar o caso, mas de que a justiça deve ser feita'. Berger v. U.S., 295 U.S. 78, 88 (1935). E isso tende a preservar o julgamento criminal como algo distinto das deliberações privadas do promotor, como o foro escolhido para a descoberta da verdade sobre acusações criminais... A prudência do promotor cauteloso não deve ser, então, desencorajada." (Id. at 1568-69.) Veja também Banks v. Dretke, 540 U.S.668 (2004): "Uma regra que estabeleça que 'o promotor pode esconder, o acusado deve procurar' não é sustentável em um sistema constitucionalmente vinculado para garantir o devido processo ao acusado'."

Kyles não é o primeiro caso no qual foi posto um dever comissivo para os promotores pesquisarem informação comprometedora de credibilidade de testemunhas informantes. Em United States v. Osorio, 929 F.2d 753, 761-62 (1st Cir. 1991), a Corte estabeleceu que um "promotor, tendo obrigações de revelação de prova, não pode evitar descobrir o que 'a Acusação sabe' [sobre a testemunha] simplesmente declinando de realizar uma pesquisa razoável com aqueles na posição de ter algum conhecimento relevante ... A Acusação, representada por seus promotores na Corte, está submetida

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a um dever de buscar informação relativa ao passado criminoso de suas testemunhas cooperantes..." O caso Osório foi além ao castigar a Acusação pelo que denominou de "prática malfeita". Leia o caso para uma discussão do efeito de revelação atrasada para a Defesa de prova concernente à credibilidade da testemunha.

O Nono Circuito Federal sustentou que os casos Brady e Kyles exigem que a Acusação - quando ela decidir fiar-se em depoimento de testemunhas com registros criminais significativos - "obtenha e reveja os arquivos do Departamento de Correção [sobre a testemunha] e trate seu conteúdo de acordo com as exigências dos casos Brady e Giglio." Carriger v. Stewart, 132 F.3d 463 (9th Cir. 1997) (em reunião).

Igualmente importante na decisão da Suprema Corte em Kyles é a aprovação pela Corte de um ataque pela Defesa acerca do calibre da investigação conduzida pela polícia como um meio para derrotar a legitimidade do caso da Acusação. Em particular, a omissão da polícia em investigar se o informante Bernie era o homicida efetivo é identificada pelo Juiz Souter como um procedimento injusto. Id. At 1570, n. 14; at 1572, n.15. Isso significa que um investigador prudente ou um promotor irão conduzir uma investigação da possível cumplicidade e duplicidade do informante em qualquer situação na qual possa ser antecipado que uma das teses da defesa será (como no caso Kyles) que "foi o informante que fez". Esse tipo de investigação não é somente um meio excelente de tornar certo que você tem o acusado correto, mas isso irá poupá-lo, mesmo quando tiver o acusado correto, do destino dos promotores do caso Kyles. Kyles, a propósito, é um manual de como não se deve conduzir o caso. Dizer que a investigação se deu um tiro na cabeça é bondoso.

3. No sistema prisonal federal, as ligações dos prisioneiros para fora são gravadas. Em United States v. Merlino, 349 F.3d 144, (3rd Cir. 2003), a Corte de Apelações estabeleceu: (1) que Kyles v. Whitley "não pode ser lida como impondo um dever do escritório do promotor em investigar informação de posse de outras agências governamentais que não tem envolvimento na investigação ou na acusação em questão". Merlino, 349 F.3d at 154; e (2) que a Defesa teria falhado em demonstrar que as fitas gravadas do Bureau das Prisões, contendo mais de duas mil chamadas envolvendo testemunhas cooperantes do Programa de Proteção às Testemunhas, continham material do caso Brady. E a Corte de Apelações confirmou a recusa da Corte Distrital de conceder um mandado (subpoena) para obtenção das fitas. Não obstante,

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fique alerta para esse terreno fértil como uma fonte de informação que pode causar danos à credibilidade de testemunhas presas.

4. Se você deliberadamente deixar de fornecer à Defesa informação a qual ela tem direito, você estará em um GRANDE problema. Leia United Staves v. Kojayan, 8 F.3d 1315 (9th Cir.1993), para obter um exemplo de como esse problema pode ser terrível. Não somente o promotor assistente teve problemas no caso, mas também todo o seu escritório foi censurado. Pode ser esperado, implacavelmente, que qualquer advogado de defesa competente nos Estados Unidos irá procurar por algo que você "tenha suprimido ou deixado de revelar". Cometa um erro e você nunca vai esquecer o apuro no qual você vai se encontrar. Veja também Silva v. Brown, 416 F.3d 980 (9th Cir. 2005).

5. Veja United States v. Hickey, 767 F.2d 705 (10th Cir. 1995), por um caso no qual foi denegado à Defesa acesso aos arquivos de uma testemunha junto ao Programa de Proteção à Testemunha com o fundamento de que essa testemunha estaria em perigo. A Corte estabeleceu que sob essas circunstâncias, um breve resumo do acordo com a testemunha era tudo o que o acusado tinha direito de saber.

K. Reconhecimento de responsabilidade criminal [Guilty Pleas]: A base fática

A Suprema Corte sustentou em United States v. Ruiz, 536 U.S. 622 (2002), que a Constituição não exige que a Acusação revele prova questionadora da credibilidade de informantes ou de outras testemunhas antes de celebrar um acordo de cooperação com um acusado criminal. Não obstante, você pode esperar de um acusado, que posteriormente descubra sujeira de um informante, a tentativa de desfazer um reconhecimento de responsabilidade criminal alegando "inocência atual". Mas, o caso Ruiz não dá a opção a um promotor de responder falsamente moções para revelação de prova. Depois de você ler Ruiz, sempre leia Banks v. Dretke, 540 U.S. 668 (2004).

A melhor maneira para tentar prevenir litigância pós-julgamento desnecessária é exigir ao tempo do reconhecimento da responsabilidade criminal que o acusado explique em detalhes exaustivos e sob juramento exatamente o que ele fez e que constitui cada elemento do crime cuja responsabilidade está sendo reconhecida. Você não pode fazer isso por cima. Não seja tímido. Exija que o acusado confesse tudo, com suas

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próprias palavras. Não descreva você o que aconteceu e simplesmente exija que o acusado concorde. Faça o acusado descrever a conduta e o seu estado mental, e ainda sob juramento. Desta forma, qualquer dúvida marginal sobre a responsabilidade do acusado é erradicada e qualquer nova informação acerca da credibilidade da testemunha-informante torna-se irrelevante: o acusado admitiu a acusação. Faça o mesmo com o cúmplice dele.

L. Táticas de julgamento.

1. Moções liminares para limitar o exame cruzado e alegações iniciais.

a. Apesar da fase de abertura de provas ser virtualmente ilimitada, quando ela chega a fatores que pesam na credibilidade de um criminoso cooperante, considerações cautelosas devem ser tomadas para realizar uma moção liminar para impedir a Defesa de ingressar em áreas inflamatórias no exame cruzado e que sejam em realidade um ataque geral ao caráter e não à credibilidade da testemunha.

A chave para uma moção dessa espécie é, com certeza, a Regra 403 das Regras Federais de Provas que dispõe:

"Apesar de relevante, a prova pode ser exluída se o seu valor probatório é substancialmente sobrepujado pelo risco de preconceito injusto, de confusão do objeto do processo, ou de confundir o Júri, ou por considerações de atraso indevido, perda de tempo ou apresentação desnecessária de prova cumulativa."

A Regra 403 tem sido interpretada em numerosas ocasiões para limitar o exame cruzado de testemunhas da Acusação. Veja: United States v. Bari, 750 F.2d 1169 (2d Cir. 1984), proibindo exame cruzado sobre a história psiquiátrica de uma testemunha de acusação; United States v. Nuccio. 373 F.2d 168 (2d Cir. 1967), proibindo o exame cruzado sobre homossexualidade; United States v. Rabinowitz, 578 F.2d 910 (2d Ci9r. 1978), mantendo a recusa do juiz em permitir exame cruzado sobre ato pretérito de sodomia da testemunha da acusação e o seguido exame psiquiátrico; United States v. Glover, 588 F.2d 876 (2d Cir 1978), proibindo o exame cruzado sobre a história psiquiátrica depois de revisão "in camera", ou seja, sem o Júri, dos registros psiquiátricos; United States v. Singh, 628 F.2d 758 (2d Cir. 1980), limitando exame cruzado baseado em assuntos privados; United States v. Burke, 700

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F. 2d 70 (2d Cir. 1983), permitindo exame cruzado sobre o envolvimento da testemunha em um roubo significativo, mas proibindo o exame sobre os detalhes.

A esse respeito, deve ser argumentado (quando apropriado) que permitir à Defesa explorar informação estranha e altamente inflamatória diante da Regra 403 e, assim agindo, provocar prejuízos para a Acusação, significa levar indevidamente o foco do Júri para elementos do caráter da testemunha e que não são relevantes para a credibilidade.

Isso, no entanto, é um tema que o promotor deve tratar com cuidado. O direito de confrontar e de examinar uma testemunha é uma garantia de dimensão constitucional e uma moção liminar bem sucedida nessa área pode trazer prejuízo na fase de apelo, a não ser que seja moldada com cuidado para não privar o acusado de muita coisa. United States v. Mayer, 556 F. 2d 245 (5th Cir. 1977) deve ser lida e compilada quando você estiver pensando em erigir uma barreira protetora sobre uma testemunha criminosa. O caso Mayer estabelece a esse respeito que: "Ao exame cruzado de uma testemunha em assuntos pertinentes à credibilidade deve ser conferida a extensão mais larga possível. ... Isso é especialmente verdadeiro quando uma testemunha da Acusação teve negociações pretéritas com o promotor ou outros agentes da lei, então existindo a possibilidade de que seu depoimento tenha sido motivado por um desejo de agradar a acusação em troca da ação do promotor em retirar algumas das acusações contra a testemunha, ou em assegurar imunidade contra a acusação, ou em tentar assegurar que a testemunha receba tratamento leniente na sentença".

O Nono Circuito concorda com o Quinto. Em United Stats v. Brooke, 4. F.3d 1480, 1489 (9th Cir. 1993), o Juiz Reinhardt disse:

"Nós temos salientado previamente que 'quando o caso contra o acusado volta-se sobre a credibilidade da testemunha, o acusado tem amplos direitos no exame cruzado', United States v. Ray, 731 F.2d 1361, 1364 (9th Cir. 1984). Nós não podemos deixar de enfatizar a importância em permitir profundo e justo exame cruzado das testemunhas da acusação cujo depoimento seja importante para o resultado do caso. Devido à necessidade, a Acusação freqüentemente confia em testemunhas que se engajaram, elas mesmas, em atividade criminosa, e cujos registros de confiabilidade estão longe de ser exemplares.Essas testemunhas usualmente têm um grande interesse pessoal em sua disputa de credibilidade com o acusado. A total revelação de todas

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as informações relevantes concernentes ao seu passado e atividades através do exame cruzado ou de outros meios é sem dúvida de interesse da Justiça. Ordinariamente, essas inquirições não exigem o gasto de tempo excepcional e as Cortes não devem relutar em investir os recursos judiciais mínimos e necessários para assegurar que o Júri receba tanta informação relevante quanto for possível. Não se deve ter receios injustificados em provocar confusão no Júri. É improvável que jurados federais, dos quais se espera que acompanhem depoimentos complexos e ainda mais intrincadas instruções judiciais que são apresentadas em muitos dos nossos casos criminais, como em acusações por conspirações múltiplas, se confundam com uma inquirição feita pela Defesa sobre o preconceito e a credibilidade de uma testemunha chave da Acusação. No novo julgamento, a Corte Distrital deve garantir a Brooke uma ampla e justa oportunidade de questionar Kearney acerca de qualquer de suas atividades pretéritas e que constituem provas da credibilidade de seu depoimento bem como de qualquer preconceito que possa estar por trás dele."

Se esse tipo de moção for feita e for bem sucedida, ela obviamente tem ramificações a respeito das alegações iniciais e do que o advogado pode ou não pode dizer.

2. O exame dos jurados.

a. Deixe o Júri saber, sem fazer disso uma "grande coisa", que você vai chamar uma testemunha que vai receber algo em troca de seu depoimento. Pergunte se os jurados vão rejeitar este tipo de testemunha ou se eles vão ouvir com imparcialidade o que ela tem a dizer. Adote desde cedo uma atitude no sentido de que você não está totalmente feliz em ter que fazer isso, mas crimes não são cometidos no céu, então nem todas as testemunhas são anjos, etc. Antecipe-se à defesa. Se um juiz estiver relutante em perguntar essas questões, saliente que elas não são totalmente diferentes do que perguntar a um possível jurado se ele irá dar indevida credibilidade a um oficial de polícia apenas porque ele é um oficial de polícia, etc.

3. Alegações iniciais.

a. Apresente como uma questão de fato e com brevidade todas as "coisas ruins" incluídas no acordo, mas não se demore nele. Em seguida às coisas ruins, faça referência a questões que corroboram o que diz a testemunha. Isso é denominado, algumas vezes, de "doutrina da

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inoculação". Mas não coloque todos os ovos na cesta do cúmplice. O caso se sustenta em seus próprios dois pés. Refira-se a tantas questões de fato quanto possível. O objetivo aqui é controlar a maneira através da qual o Júri irá ouvir pela primeira vez acerca da "sujeira". Se você não fizer isso e, ao invés, deixar a oportunidade para a Defesa "revelar a lavanderia suja da Acusação", você vai ficar com problemas táticos profundos.

Uma armadilha espera por você, no entanto, a não ser que você seja cuidadoso. Se você informar insuficientemente os jurados acerca da extensão da bagagem negativa da testemunha, um advogado de defesa esperto pode acusá-lo de ocultar informação relevante ou de "dourar a pílula". No processo contra Robert Wallach, por exemplo, a Acusação referiu-se brevemente, nas alegações iniciais, ao fato de que sua testemunha principal era um criminoso múltiplo. A Defesa imediatamente contou em detalhes reveladores que a testemunha havia cometido cento e treze crimes, todos os quais, salvo um, resultaram sem sentença em virtude de sua cooperação com a Acusação. Ao Júri foi então indagado, "por qual motivo esses fatos não foram apresentados pela Acusação? Por que motivo a Acusação não é honesta com vocês sobre os fatos?" Para evitar essa armadilha, seja completo e clínico em sua apresentação.

4. Instruções para o Júri.

a. Em Banks. V. Dretke, 540 U.S. 668 (2004), a Suprema Corte, por unanimidade, determinou instruções de cautela para o Júri a respeito da credibilidade do depoimento de um informante, citando I AK. O'Malley, J Grenig & W. Lee, Federal Jury Practice and Instructions, Criminal par. 15.02 (5th ed. 2000) (instruções para o júri do Primeiro, Quinto, Sexto, Sétimo, Oitavo, Nono e Décimo Primeiro Circuito sobre cautela especial apropriada na avaliação de depoimento de informante). Você deve estar familiarizado com as instruções que abrangem cúmplices, corroboração, perjúrio, viciados em drogas, imunidade, condenações prévias, o programa de segurança de testemunha, etc. Sempre revise elas com cuidado bem antes da seleção dos jurados. Isso vai levar você a procurar meios efetivos para enfrentar as admonições de cautela que sempre aparecem quando um cúmplice ou um informante ingressa no caso. Elabore seus argumentos de Júri tão cedo quanto possível.

b. O que segue é extraído de instruções de Júri favoráveis sobre a credibilidade de cúmplices e que foram dadas no caso United States v. Stanley

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Friedman, 854 F.2d 535 (2d Cir. 1988), um caso processado com sucesso em 1987 em Connecticut e envolvendo políticos corruptos da cidade de Nova York. Uma característica significativa da instrução é que ela adverte o Júri para não reavaliar a decisão do promotor de realizar um acordo. Ela também adverte o Júri de que antipatia por uma testemunha não é fundamento suficiente para, por si só, justificar a desconsideração de seu depoimento.

"INSTRUÇÃO Eu agora volto à questão dos cúmplices. Quase todas as testemunhas importantes no caso são cúmplices de um tipo ou de outro. Um cúmplice é uma pessoa que é culpada e que poderia ser processada por qualquer crime ou crimes dos quais o acusado está sendo processado. A lei traça diversas regras para a Acusação lidar com testemunhas cúmplices. Em primeiro lugar, não é da sua conta ou minha porque a Acusação escolheu não indiciar certa pessoa ou se ela a indiciou, porque ela decidiu tratá-la com leniência. A decisão de que pessoas devem ser processadas e quais reconhecimentos de culpa serão aceitos de pessoas que são indiciadas são assuntos que a Constituição e as leis dos Estados Unidos delegaram ao Procurador Geral dos Estados Unidos, quem, por sua vez, delegou-os aos procuradores dos Estados Unidos e seus equivalentes em outros distritos judiciais. É uma responsabilidade impressionante, mas a Constituição e as leis não dão a vocês ou a mim qualquer autoridade para supervisionar o exercício dela. Além disso, como eu acredito que disse a vocês quando estavam começando a ser selecionados, se vocês chegaram à conclusão de que a testemunha cúmplice prestou um depoimento confiável, é exigido de vocês que ajam em relação a ele como vocês iriam agir em relação a qualquer outro depoimento que vocês reputassem confiável, mesmo que vocês não gostem da testemunha que o prestou. No entanto, a lei impõe a vocês exigências rigorosas de como avaliar este tipo de depoimento antes de concluir que ele é confiável. Obviamente, é muito mais agradável ser uma testemunha do que um acusado. A lei exige que vocês escrupulosamente examinem os motivos do cúmplice para persuadir a Acusação para aceitá-lo como testemunha ao invés de processá-lo como acusado. Então, você pode ter certeza de que ele não está inventando uma história para incriminar alguém ou colorindo os fatos de uma história verdadeira para fazer alguém parecer mais culpado do que realmente é. Eu vou discutir com vocês em alguns detalhes o depoimento da testemunha Lindenauer, não porque eu ache que seu depoimento é mais importante do que de qualquer outra testemunha - essa é uma questão que é de responsabilidade de vocês determinarem - mas simplesmente porque todos os advogados do caso gastaram tanto tempo neste aspecto

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particular de seu depoimento que isso leva, por si mesmo, a ilustrar os princípios envolvidos. Em primeiro lugar, Lindenauer disse a vocês que ele teve uma vida caracterizada por más ações, muitas das quais envolviam fraudes. Isso é um fator óbvio que vocês devem considerar na determinação da credibilidade de seu depoimento. Em segundo lugar, ele foi capaz de negociar um acordo que consideravelmente reduziu o alcance total da sentença que poderia ter sido imposta a ele caso fosse condenado por todas as suas más ações. E, finalmente, ele espera, como ele especificamente reconheceu, que o depoimento que ele der neste caso vai induzir o juiz perante o qual ele declarou-se culpado a ser leniente ao impor a sentença. Essas circunstâncias podem ter afetado Lindenauer de três maneiras possíveis. Elas podem ter feito ele ter inventado fatos imaginários para incriminar algum ou todos os acusados, ou elas podem ter feito ele enfeitar os fatos existentes para fazê-los parecer mais incriminadores do que de fato são. Ou, por outro lado, elas podem ter feito ele concluir que suas melhores esperanças de salvação eram a de ser capaz de convencer o juiz que irá sentenciá-lo de que ele foi escrupulosamente honesto em seu depoimento perante vocês. Vocês devem ter isso em consideração e qualquer outra possibilidade que possa lhes ocorrer na avaliação de seu depoimento. Os princípios que seguem aplicam-se em graus variados para todas as assim denominadas testemunhas cúmplices. Algumas enfrentam sentenças e algumas depõem sob garantias de vários tipos de imunidade, o que reduz grandemente a possibilidade de que sejam alguma vez processadas. Elas poderiam, de um jeito ou de outro, conceber a colaboração como sendo o melhor para eles alcançarem e reterem a boa vontade da Acusação. Agora, nessa linha, o que vocês estão preocupados é com a percepção da testemunha acerca da situação. E muito foi argumentado acerca do risco de ela cometer perjúrio se testemunhasse falsamente. Nessa situação, vocês devem olhar para a percepção dela acerca do que aconteceria com ela, e pode ser bem argumentado que a percepção dela seria a de que a melhor maneira de evitar essas coisas seria obter o favor da única pessoa que poderia processá-la por perjúrio, nomeadamente, a Acusação. Por outro lado, pode ser um resultado lógico de tal pensamento que a melhor maneira de evitar isso é a de igualmente evitar o cometimento de perjúrio. É a percepção dela que vocês devem focar, o que vocês pensam que ela pensa, como vocês imaginam que isso iria influenciar o depoimento dela. Com certeza, isso não é a única coisa que vocês devem considerar.

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Vocês devem considerar todos os elementos de credibilidade ao avaliar a testemunha, como seu depoimento se encaixa com as outras provas do caso e todas as outras coisas que eu mencionei para vocês."

5. Exame direto15.

a. Faça ele com firmeza, e, às vezes, faça ele soar ao Júri como um exame cruzado. Você não é o campeão da testemunha. Você é uma pessoa encarregada de obter a verdade e você não está embaraçado por ter que chamar para depor um criminoso para chegar a ela.

b. Traga a tona todos os problemas, como todo benefício concedido à testemunha em consideração ao depoimento dela, declarações prévias inconsistentes, etc, e confronte a testemunha com eles. Não espere pela Defesa. Você deve controlar a maneira pela qual o Júri vai ouvir primeiro a sujeira ou a sujeira vai acabar em cima de você. Parta para a ofensiva. A Seção 607 das Regras Federais sobre Provas permite que você faça isso. Veja ainda United States v. Winter, 663 F.2d 1120, 1133 (1st Cir. 1981); United States v. Hedman, 630 F.2d 1184, 1198-99 (7th Cir. 1980); United States v. Craig, 573 F.2d 513, 519 (7th Cir. 1978); United States v. Necoechea, 986 F.2d 1273, 1280, n.4 (9th Cir. 1993), para a proposição de que este tipo de antecipação é apropriado no exame direto. O Júri deve confiar em você para chegar à verdade! Se uma testemunha mentir para alguém, você deve revelar isso. Pergunte à testemunha se ela mentiu e então diga a ela para explicar o motivo de ter feito isso. Teste sua atitude acerca de prestar testemunho. Freqüentemente, pode ser convincente - se for cândida. Se houver muito desse tipo de coisa, apresente isso vagarosamente .... o que é melhor do que dar ao Júri muito para engolir em uma só mordida.

Seu objetivo a esse respeito é roubar cada pedaço do trovão legítimo que a Defesa pode ser capaz de reunir no exame cruzado. Vacine os jurados controlando a maneira através da qual eles serão expostos aos problemas. Se o Júri já ouviu sobre eles de você, eles perdem muito de seu ferrão. Coloque-os em uma perspectiva diferente, a melhor defesa que você pode providenciar para uma testemunha contra um exame cruzado rigoroso é revelar os problemas você mesmo aos jurados durante as alegações iniciais e então no exame direto. Se o Júri ouvir primeiro sobre esses temas

15 Nota do tradutor: O exame direto é o exame da testemunha pela parte que a arrolou. O exame cruzado é o exame da testemunha arrolada pela outra parte.

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problemáticos e danosos de você, a Defesa será desarmada e você vai construir sua própria credibilidade. Através de seu questionamento habilidoso, você pode apresentar esses assuntos de forma estéril, minimizando seu impacto dramático e amortecê-lo com uma explicação apropriada. Exemplos desse tipo de problemas são condenações pretéritas, garantias de imunidade ou leniência, acordos, promessas, recompensas, perjúrio, erros, inconsistências, etc. Veja United States v. Henderson, 717 F.2d 135 (4th Cir. 1983); Winter, Hedman, Craig, United States v. Oxman, et al., 740 F.2d 1298 (3d Cir. 1984); e United States v. McNeill, 728 F.2d 5 (1st Cir. 1984). Em People v. Gordon, 10 Cal. 3d 460 (1973), a Suprema Corte da Califórnia foi longe ao ponto de permitir o alerta feito por um procurador ao Júri, em alegações iniciais, de que uma de suas próprias testemunhas poderia não ser completamente confiável. A Corte afirmou que "a parte não tem necessariamente livre escolha de suas testemunhas, mas deve convocar aquelas que sabem os fatos e, portanto, não pode responsabilizar-se por ela".

Como discutido antes, coloque-se temporariamente no papel do advogado de Defesa e imagine como você iria realizar o exame cruzado de sua própria testemunha. Faça uma lista de áreas que você iria atacar e então procure meios para prevenir o ataque, neutralizando a área antes que o advogado de defesa tenha uma chance.

Se a testemunha estiver no programa federal de proteção às testemunhas e estiver recebendo pagamentos para subsistência, aborde isso no exame direto. Do contrário, a Defesa, no exame cruzado, irá perguntar "quanto você está recebendo por seu depoimento" e a resposta pode acabar com seu caso. Veja United States v. Partin 601 F.2d 1000 (9th Cir. 1979). Tenha um plano de jogo para sustentar qualquer aspecto do programa se ele for atacado como um método para comprar um depoimento. O que você vai dizer nas alegações finais?

Se você antecipar uma defesa baseada no argumento de que o informante/testemunha é realmente o autor do crime, você, depois do caso Kyles, tem, provavelmente, a opção de utilizar o exame direto para apresentar a prova, na forma de "um trabalho policial consciencioso", Kyles, 115 S. Ct. at 1572, n. 15, de que a polícia investigou essa possibilidade e concluiu que ela não era verdadeira. Ou, você pode querer esperar até o reexame direto para mostrar essas armas. O ponto aqui é que você deve ter um plano obrigatório para enfrentar essa contingência antes do início do julgamento. Mas, cuidado com a regra contrária à possibilidade de você

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responsabilizar-se pessoalmente por uma testemunha. Veja United States v. Weatherspoon, 410 F.3d 1142 (9th Cir. 2005).

Se você gosta de escrever as questões que você pretende perguntar a uma testemunha junto com as respostas que ela disse a você que iria apresentar, tenha cuidado para não ser acusado de ter redigido falsamente o depoimento da testemunha. O que quer que você faça, não dê uma cópia desse documento para o trapaceiro. Se você der, isso pode voltar para assombrar você se o trapaceiro decidir retornar para o submundo com o "roteiro" em sua posse. Esse tipo de "roteiro" foi usado (sem sucesso) para acusar um procurador federal em Oklahoma de fabricar provas.

6. Corroboração.

a. Como eu já mencionei, quando avaliar sua prova e planejar seu caso, sempre comece pela regra provada pela experiência de que O JÚRI NÃO VAI ACEITAR A PALAVRA DE UM CRIMINOSO A NÃO SER QUE SEJA CORROBORADA POR OUTRA PROVA CONFIÁVEL (e você também não deve). Jurados vão também selecionar e escolher, aceitando a parte do depoimento do delator que é corroborada e rejeitando a parte que não é. Eu não posso enfatizar esse ponto mais fortemente. Se você vai ter que confiar na palavra de um cúmplice sem corroboração ou com corroboração fraca, volte ao campo de investigação e retorne ao trabalho. Corroboração é para o depoimento de um cúmplice o que a gasolina é para um carro: sem isso você não chega a lugar nenhum. A melhor coisa que pode acontecer para você é que as pistas fornecidas pela testemunha irão revelar tantas outras provas que você não vai ter que chamá-la para o julgamento! Decidir não usar o cúmplice, no entanto, pode ser uma decisão difícil de fazer, especialmente quando a prova por ela providenciada é muito convincente. Ocasionalmente, você pode não ter que tomar essa decisão até a parte final do julgamento, quando você pode ter uma melhor noção de como as coisas estão indo do que seria possível antes do julgamento começar. Para reter a opção de chamá-lo, simplesmente não se refira a sua identidade durante as suas declarações de abertura. Simplesmente diga, "e nós iremos provar que o acusado tomou pessoalmente a decisão de executar seu rival" sem dizer como você pretende fazê-lo. Então, se você decidir no final de seu caso que você necessita o depoimento do cúmplice, você pode usá-lo sem medo de reclamações de seu adversário de que foi enganado ou surpreendido - desde que você tenha completamente revelado suas provas e cientificado à Corte que você está retendo a possibilidade de apresentação dessa prova como uma opção. Não

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surpreenda o juiz. Alguns podem denegar essa oportunidade se você assim agir.

Com o risco de me repetir, deixe-me dar um outro exemplo deste princípio importante: a série de casos de espionagem denominados de Walker/Whitworth. Devido à evidente fraqueza do caso Whitworth, o próprio John Walker foi chamado como testemunha contra seu cúmplice. Esta tática foi bem-sucedida, mas as observações dos jurados relatadas pelo Washington Post foram bem educativas:

"Os jurados expressaram considerável simpatia por Whitworth e antipatia extrema por Walker, a testemunha principal contra o antigo colega da marinha que ele recrutou para o grupo de espionagem.Na primeira tarde de deliberações, quando eles tiveram finalmente permissão de expressar suas opiniões acerca do longo julgamento, os jurados 'liberaram seus sentimentos pessoais', disse Young, e houve uma efusão de hostilidade contra Walker.'O homem deu um novo sentido para a palavra baixo', disse a jurada Minda Amsbaugh, uma bancária.Neumann, o primeiro jurado, chamou Walter 'da pessoa mais perversa que já havia visto' e acrescentou, 'eu pessoalmente sentiria que não é justo que Walker seja solto da prisão antes que Whitworth'.'John Walker era claramente um verme, claramente uma pessoa desprezível', disse Young. 'Havia um sentimento de que era muito ruim que outra pessoa não estivesse em julgamento', ele acrescentou, referindo-se a Walker. 'Walker parece ter obtido o melhor de seu acordo e Jerry foi deixado com o problema.'Mas, ele disse, o Júri acreditou que Walker estava 'essencialmente dizendo a verdade em seu depoimento sobre a participação de Whitworth no grupo.Walker concordou em declarar-se culpado de espionagem e será sentenciado à prisão perpétua em troca de um tratamento mais leniente para seu filho, o marinheiro Michael Lance Walker, que também declarou-se culpado e será sentenciado a vinte e cinco anos.'Nós todos temos as mentiras favoritas que pensamos ter detectado no depoimento de Walker', disse Browne, 'mas no final não fazia diferença porque havia suficiente prova testemunhal de corroboração a respeito de todos os assuntos principais'. Ele disse que as tabelas de pagamento apreendidas na residência de ambos foram 'especialmente lesivas à Defesa', um fator também citado por Neumann."

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b. Prova material é a melhor. Corrobore tudo o que puder. Prove a culpa da testemunha assim como a culpa do acusado. Corroboração é o que os jurados querem e o que procuram - faça ela visível. Prepare mapas, apresente fotos, etc.

c. Ao escolher a ordem das testemunhas, quando isso fizer sentido cronológico, considere apresentar a prova da corroboração antes de colocar o delator para depor; i.e., faça o dono da loja identificá-lo primeiro como o ladrão que estava junto do acusado, para então chamá-lo para identificar o cúmplice homicida. Você está autorizado a provar a culpa de sua testemunha para estabelecer a veracidade da alegação dela de conhecer o crime em primeira mão. O fato de ele ter se declarado culpado é igualmente admissível, mas uma instrução limitadora dirigida ao Júri na consideração de tal prova é igualmente exigida. Veja United States v. Halbert 640 F.2d 1000 (9th Cir. 1981). Esse depoimento é uma situação delicada e deve ser tratado com grande cautela. A declaração de culpa da testemunha não é admitida para provar diretamente a culpa do acusado, mas apenas para refletir na credibilidade da testemunha, em seu conhecimento de primeira mão sobre o crime, ou para abafar as reclamações de que a testemunha foi deixada livre por sua cooperação. Leia United States v. Gaev, 24 F.3d 473, 476 (3rd Cir. 1994) e United States v. Johnson, 26 F.3d 669, 675-678 (7th Cir. 1994) para boas discussões sobre esse tema. O que quer que você faça, não diga "e nossa testemunha vira-casaca George Bultaco vai dizer a vocês que declarou-se culpado pelo mesmo crime pelo qual o acusado está sob julgamento".

Se ele vai testemunhar sobre sua prisão, coloque o agente que efetuou a prisão antes para dizer ao Júri o que aconteceu. Se os jurados tiverem ouvido antes de outra pessoa, é mais facilmente aceitável por eles a mesma coisa quando vier do delator.

7. Preparação da testemunha para o exame cruzado.

a. Prepare a testemunha para o exame cruzado, mas seja cuidadoso para não criar uma testemunha orientada que pode ser desmascarada como tal pela Defesa. Sua testemunha deve ser capaz de sobreviver a um vigoroso exame cruzado a fim de que mantenha um valor substancial para os olhos dos jurados. A orientação de uma testemunha é um processo que pode ter que ser revelado na fase da abertura de provas, especialmente se existir uma transcrição ou gravação da sessão. Se você tentar remodelar uma história confusa de uma testemunha antes dela se tornar um depoimento, você

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estará cavando uma cova para você e para testemunha, especialmente se a testemunha então declarar sob juramento que não foi orientada. Leia Banks v. Dretke, 540 U.S 668 (2004) para relembrar essa armadilha.

b. A idéia principal que deve ser colocada na cabeça da testemunha é que ela não deve brincar de jogos com o advogado de defesa ou permitir-se ficar alterada. As únicas instruções que eu sempre dei às testemunhas eram de lembrar que testemunhar não tem por objetivo "pegar alguém" ou proteger a si mesmo, é um momento de dizer "a verdade sobre tudo não importa quem faz as questões - eu, a defesa ou o juiz". Se o advogado de defesa perguntava a essa testemunha o que eu havia dito a ela para dizer sob juramento, a respostar era "o promotor disse-me para responder todas as perguntas com veracidade não importa quem as fizesse, o promotor, você (referindo-se ao advogado de defesa), ou o juiz". Além disso, a testemunha não deve brincar com os jurados olhando para eles. Os jurados não gostam disso.

8. Perjúrio e falso testemunho.

a. Em Mooney v. Holohan, 294 U.S. 103 (1935), a Suprema Corte estabeleceu que o abuso consciente por um promotor do perjúrio constitui uma violação do devido processo legal. Em Alcorta v. Texas, 335 U.S 28 (1957), a Corte condenou a conduta de um promotor que disse a uma testemunha de acusação para que não apresentasse, voluntariamente, certa informação obviamente favorável ao acusado, mas que se fosse especificamente indagado, que dissesse a verdade sobre isso. A testemunha mentiu, deixando a informação conhecida pelo promotor fora de seu depoimento. O promotor não tomou qualquer providência para corrigir o depoimento da testemunha e a Corte concluiu que ao peticionário foi denegado o devido processo legal.

O Segundo Circuito estendeu o alcance deste entendimento em um caso no qual o informante mentiu no exame direto quanto a ter parado de jogar compulsivamente. De fato, a Acusação denunciou sua testemunha depois do julgamento por perjúrio e ela foi condenada pelo crime. A Acusação alegou, no entanto, que só descobriu que o informante havia mentido após o julgamento.

O Segundo Circuito não ficou impressionado e revisou a condenação original do alvo, estabelecendo, com base nos fatos, que a Acusação deveria saber que sua testemunha estava mentindo. United States v. Wallach, 935

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F.2d 445 (2d Cir. 1991). Isso significa que um promotor deve estar vigilante durante o depoimento de um informante para eliminar qualquer declaração surpreendente que não seja verdadeira e para identificar isso também para a defesa.

Ainda, um promotor, tendo motivo para acreditar que uma testemunha cooperante pode estar se preparando para cometer perjúrio ou que ela tenha solicitado a outros para fazer o mesmo, tem a obrigação constitucional do devido processo de investigar e evitar essa possibilidade. Um promotor não pode deixar de agir diante dessas circunstâncias. Commonwealth v. Bowie, 243 F.3d 1109 (9th Cir. 2001); Banks v. Dretke, 540 U.S. 668 (2004).

No entanto, isso não significa que um promotor está impedido de chamar uma testemunha para depor e que tem a intenção de mentir, mas cujas mentiras irão servir como pretexto para a introdução de declarações inconsistentes pretéritas ou coisa semelhante. A chave é a total revelação das provas para a Corte e para o advogado de defesa.

9. Alegações finais.

a. Dê ênfase à corroboração. Rebata a Defesa. Diga ao Júri, "nós sabemos isso". Eu disse a vocês tudo isso durante meus argumentos iniciais e ainda de novo durante o exame direto! A questão nesse caso não é se Terry Miller é um canalha com uma condenação criminal prévia e que teria mentido à polícia depois de sua prisão. A questão que vocês devem decidir é se ele disse a verdade sob juramento aqui na Corte sobre seu parceiro de crime (aponte o acusado), Alfred Mason, o acusado. E com isso em mente, vamos falar da prova que corrobora seu depoimento e que "prova independentemente e conclusivamente que Alfred Mason matou David Kernan".

Uma tática excelente é reconhecer o valor das instruções de cautela ao Júri e então sugerir aos jurados que deixem de lado, quando forem deliberar, o depoimento do cúmplice, com o propósito de testar o caso com base no resto da prova. O Júri irá fazer isso de qualquer jeito e essa abordagem lhe habilita a argumentar que o caso é "sólido" sem a prova do delator, mas que com seu depoimento para corroborar, toda dúvida foi eliminada. Você chamou essa testemunha obviamente imprópria para não deixar nenhuma pedra não-remexida para provar o que aconteceu.

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"Vamos supor que Terry Miller [a testemunha cúmplice], ela mesmo, foi morta durante o tiroteio e nunca tenha entrado nesta Corte", eu disse aos jurados, "e vamos ver o que o resto das provas mostra". Então eu adotei uma abordagem do tipo de Sherlock Holmes para "solucionar o caso" e os jurados usualmente adoram isso. Eles desejam ser detetives e não apenas jurados. Convide-os a solucionar o caso com você. Trabalhe com a força das provas circunstanciais. Então depois que eu descrevi um caso bem provado contra o acusado, eu disse aos jurados para acrescentar o depoimento do cúmplice na mistura e a culpa do acusado é provada não apenas além de uma dúvida razoável, mas com absoluta certeza. "O depoimento de Terry Miller é apenas enfeite no bolo; ele não é a 'testemunha chave' da acusação, como a defesa quis que vocês acreditassem", ele foi a escolha de Mason para cúmplice.

Ao fazer esse argumento, você pode moldar a prova circunstancial e corroboradora em uma teia que aponte na direção do acusado e o enrede. Se você trabalhar por esse argumento desde o começo da preparação de seu caso, ele vai freqüentemente se encaixar fácil no seu lugar. Seu propósito, entre outras coisas, é dar ao Júri um instrumento para alterar o foco, passando do passado de sua testemunha para o acusado e para a prova incriminadora e de corroboração. Não compre a tese da defesa quanto ao conteúdo do caso.

b. Não desperdice a oportunidade de transformar em vantagem o resultado de um agressivo exame cruzado que fez sua testemunha parecer uma pessoa horrível. Em outras palavras, vire a mesa. Quanto pior a defesa fizer parecer o antigo melhor amigo e parceiro do acusado com crimes, uso de drogas, sonegação fiscal, mentiras, e coisas similares, mais você será capaz de contra-atacar, apontando - provavelmente como argumento final e depois que sua testemunha tiver sido explorada com selvageria - que os acusados escolheram ele como um parceiro para passar o tempo e não a Acusação. Se a testemunha é tão horrorosa e corrupta, o que dizer sobre seus companheiros, os acusados, que formavam um bando de gente da mesma laia?

Se os próprios fatos levam a esta réplica, você poderá deixar o trabalho de base para o exame direto de sua testemunha. Além disso, se o acusado for depor, você terá uma oportunidade de ouro para desenvolver em grandes detalhes a extensão da relação entre a testemunha e o acusado.

Esse argumento também serve para tirar o holofote de sua

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testemunha e focá-lo no lugar ao qual pertence - nos acusados. A Força de Combate ao Crime Organizado usou esta tática com grande vantagem com sua testemunha mafiosa cooperante Henry Hill. Quanto pior os acusados fizeram Hill parecer, tanto pior os acusados pareceram. Além disso, quem sabe mais sobre crimes do que criminosos? Você espera que testemunhas em casos de homicídio/drogas/terrorismo venham das Freiras da Caridade?

c. Durante sua réplica, esteja preparado para justificar e defender qualquer acordo que você fez, mas não se responsabilize pela testemunha! Leia United States v. Rudberg, 122 F.3d 1199 (9th Cir. 1997) para ver o que você pode e o que não pode dizer para um Júri a esse respeito. Saliente que criminosos não cometem usualmente seus crimes em vídeo-tape e deixam cópias espalhadas para serem vistas por todo mundo. Argumente ainda que nós não podemos ir a agência de empregos para selecionar nossas testemunhas. Nós temos que ir às pessoas que sabem algo sobre o crime e que infelizmente algumas dessas pessoas serão, elas mesmas, criminosos. Você não escolheu as testemunhas, o acusado as escolheu, recrutando-as para dentro do esquema. Elas não são amigos da Acusação, são os amigos do acusado!

Você não está inteiramente feliz de ter tido que fazer o acordo, mas você também não está se desculpando por ele. "A integridade da Acusação assim exige. Não é aceitável condenar somente o carregador da mala e deixar o político desonesto de fora. Se nós nunca fizermos acordo com os peixes pequenos, o grande peixe esperto vai sempre escapar. É isso que você quer que aconteça?" Mais uma vez, tire o holofote de sua testemunha e redirecione para o verdadeiro canalha.

Essa é também uma boa hora para espalhar o experimentado e verdadeiro argumento de que, quando um advogado de defesa tem a lei ao seu lado, ele fala da lei, quando tem os fatos, ele fala dos fatos, mas quando não tem nada, ele ataca o promotor e a Acusação. Alguns advogados de defesa chamam isso de "a tática de Mark Furman".

d. Um aspecto da testemunha que você pode enfatizar é o motivo dela em dizer a verdade. Argumente que ele só pode ter motivos para dizer a verdade porque é o que vai permitir que consiga o que deseja. Mentiras vão somente destruir o acordo e gerar processos por perjúrio. "Ele deseja ficar fora da cadeia. Tudo o que tem de fazer para ficar fora é dizer a verdade e não a mentira. Mentiras irão colocá-lo onde ele não deseja estar, na prisão. Seu

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motivo, baseado nas provas e nos registros, só pode ser dizer a verdade!" A isso você pode acrescentar que "por ter ido adiante e contado a verdade acerca do que sabe, ele fez de si mesmo publicamente um informante, um delator". Você acredita que uma pessoa faça isso alegremente? Com certeza, não. Isso não é uma coisa que uma pessoa iria desejar fazer se quisesse que acreditassem nela.

e. Seja muito cuidadoso em como usar o acordo de colaboração. De novo, você não deve responsabilizar-se pela testemunha. Em um número de casos significativos em diferentes circuitos, promotores foram criticados severamente pelo mau uso de termos de um acordo de colaboração, referindo-se ao polígrafo, etc. Para uma visão compreensiva dos problemas nesta área, leia United States v. Brown, 720 F.2d 1059 (9th Cir. 1983); United States v. Kerr, 981 F.2d 1050 (9th Cir. 1992); United States v. Smith, 962 F.2d 923 (9th Cir. 1992); United States v. Perez, 67 F.3d 1371 (9th Cir. 1995), opinião revisada em parte, 116 F.3d 840 (9th Cir. 1997).

Pós-escrito

Em 1883, mais de um século atrás, o promotor William H. Wallace assumiu a tarefa de processar criminalmente o infame Frank James, irmão de Jesse, por homicídio. Para fazê-lo, Wallace convocou um membro da gangue de James para depor, um tal de Dick Liddil. Liddil era um ladrão de cavalo condenado, um acusado de homicídio, um traidor para o bando e estava tentando escapar da punição que os crimes mereciam. Como poderia ser antecipado, a credibilidade e o caráter de Liddil foram submetidos a ataque rigoroso pela defesa, assim como o Estado por "sua má conduta" em realizar um acordo profano contra ele. Aqui está a réplica do promotor Wallace ao Júri. Apesar de parte dele ser certamente inapropriada aos parâmetros de hoje, você pode achar a maior parte dele útil:

"Dick Liddil era um membro de uma quadrilha de assaltantes de trens, conhecida como a gangue de James. Isso ninguém nega. Se ele não fosse, ele não poderia ter fornecido ao Estado o vasto benefício que forneceu. Quando homens estão para cometer um crime, eles não tocam um trompete. Eles fazem o seu trabalho em segredo e na escuridão. Quando eles estão formando bandos para saquear ou matar, também não selecionam cidadãos honestos e conscienciosos para o complô. Um homem, planejando um homicídio, não diria 'venham, Sr. Gilbrath ou Sr. Nance [ambos jurados], juntem-se a mim na minha tarefa diabólica'. Seu trabalho é realizado enquanto homens honestos, respeitadores da lei, estão adormecidos, e 'as bestas saem para arrepiar'. Por essa razão,

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quando o Estado vai quebrar um bando de criminosos, ele depende da assistência de um de seus pares no crime para fazê-lo. Por isso, é um costume, tão velho quanto a lei, selecionar, de um bando desesperado, um de seus membros e usá-lo como um guia para abater os outros. Nenhum homem honesto, respeitador da lei, tem objeções a isso. Quando os homens são apanhados quando isso é feito, gritando 'perfídia', 'traidor', 'traição', você pode derrubá-los como os inimigos do bom governo ou então afundar no preconceito de que eles não sabem nada do que fazem. Liddil, o menos depravado no mais secreto e desesperado bando que o mundo jamais tinha visto, foi então usado. E o Estado escolheu também chamá-lo como uma testemunha no caso. Montanhas de abuso foram amontoadas sobre ele. A língua inglesa foi vasculhada por termos de vilificação. Na época, quando ele era um assaltante de trem, ele foi um esplêndido companheiro, esplêndido o suficiente para ser o bondoso companheiro de um homem tão puro e grandioso como Frank James. Você se lembra de que o acusado, ele mesmo, declarou que Liddil, usando um cognome, foi seu convidado, comeu na sua mesa e dormiu sob o seu telhado. Liddil era um dos heróis sobre os quais nós ouvimos tanto. Mas subitamente ele mudou. Ele deixou as sombras do crime e veio para a luz da lei e da ordem. E, de súbito, é estranho dizer, ele foi transformado em uma víbora, um 'vilão', um 'patife', um 'demônio', ou uma 'forma execrável', como o advogado de seu antigo tutor pôde denominá-lo. Mas deixe o advogado de defesa prosseguir com seu abuso. É parte de seu trabalho. Eu não vou retaliar chamando o acusado de uma víbora, um 'perjurador', um 'demônio' e coisas assim... É dito que Dick Liddil rendeu-se e barganhou com o Governador do Estado e [o Comissário de Polícia] Craig e [o Serife] Timberlake para condenar Frank James, culpado ou inocente, a fim de obter imunidade para si mesmo. Eu nego isso. Não há nenhuma prova sobre isso e eu tenho o direito, na resposta, de enfaticamente e positivamente negá-lo. O único contrato com Liddil foi aquele sempre feito com as pessoas que transformam-se em prova do Estado, como nós os chamamos, nominalmente. Foi feito acordo através do qual ele deve dizer toda a verdade e nada além da verdade e que se ele disser uma mentira ele faz isso a seu risco e o contrato é encerrado." (Para as alegações finais do Promotor William H. Wallace, State v. Frank James, Homicídio, Gallatin, Condado de Daviess, Missouri Setembro, 1883).

Eu peço desculpas por relatar o final desta história: Frank James foi absolvido. Por que? Porque a única prova ligando ele ao homicídio veio de Dick Liddil. Então, não há nada de novo para a minha afirmação de que a falta de corroboração será fatal para o seu caso. Veja William A. Settle, Jr., Jesse James was his Name, 129-144 (1966).

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Finalmente, e eu repito, nunca, em tempo algum, perca o controle sobre a testemunha. Ela vai tentar manipulá-lo se ela quiser, pensando que você precisa dela e não vice-versa. Esteja preparado para dizer "não" para pedidos bizarros e deixe ela saber, todo o tempo, que você está no controle. Isso pode ser feito educadamente, mas deve ser feito com firmeza, e, acredite ou não, ela usualmente vai respeitá-lo por isso. Ela deve confiar em você até certo grau, mas não vai machucá-la ter um elemento de medo fundado em confiança e respeito. Você não quer deixá-la pensar que ela pode passar por cima de você e abandoná-lo com isso. Se ela cometer perjúrio, processe-a por isso. É o seu dever. A verdade é a sua mercadoria de troca!

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6.3 Roteiro de negociação de acordo de colaboração processual

SUGESTÃO DE ROTEIRO PARA O PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO DE UMA COLABORAÇÃO PROCESSUAL1

a) análise do caso;

b) primeira reunião:- vantagens para o delator (crimes investigados e penas correspondentes)- colaboração processual não é confissão- colaboração depende de resultados, não de arrependimento ou boas intenções- a avaliação da colaboração se dá pela sua relevância: obtenção de informações, provas e ativos que de outra maneira não seriam alcançados;- o grau do benefício obtido ao final dependerá: dos resultados e da relevância- é fundamental que existam provas ou indicação de onde estas provas podem ser obtidas: o testemunho do colaborador tem valor relativo e é isoladamente insuficiente- é essencial o abandono da atividade delitiva, salvo se foro caso de infiltração do colaborador com autorização judicial- crimes do colarinho branco: multa compensatória- destaque, nos termos do caso concreto, eventuais pontos que possam interessar ao MP para um eventual acordo- destaque da importância do sigilo para: garantir a efetividade de eventuais medidas decorrentes da colaboração – a publicidade prejudicará o colaborador- exemplifique outros casos de colaboração bem sucedidos- o Ministério Público tem sempre a última palavra em relação ao acordo- colheita do depoimento (pré-acordo?)- agende uma segunda reunião

c) análise do conteúdo do depoimento- prerrogativa de foro- identificação de informações de interesse- submissão da histórica do colaborador a intenso escrutínio

1 Adaptação de material fornecido pelo Procurador da República DELTAN MARTINAZZO DALLAGNOL, fornecido por ocasião do “Curso novas formas de criminalidade”.

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- o quanto é necessária a colaboração: o depoimento revela crimes próprios ou de terceiros?- deflagração de medidas cabíveis a partir do depoimento

d) segunda reunião- Caso não haja perspectiva de novidade, relevância ou utilidade, explique isso ao colaborador e seu advogado, ressalvando que ele poderá, de qualquer modo, colaborar espontaneamente por sua conta e risco, e que eventuais resultados serão medidos pelo juiz ao final. Pergunte se eles preferem que você simplesmente ignore o termo de declarações, ou se preferem que apresente tudo ao Juízo, em petição para formação de autos apartados, explicando o motivo pelo qual a colaboração não se mostra interessante, sem prejuízo da colaboração espontânea por conta e risco do réu. Faça uma ata da reunião e da preferência externada pelo advogado e cliente.- acordo escrito de colaboração: colheita do depoimento – preferencialmente, um depoimento para cada fato- colaborador preso: requerer medidas de proteção do artigo 15, da Lei nº 9.807/99- havendo risco à vida do colaborador: em sendo possível, não usar o depoimento- apresentar o acordo ou os termos de declarações em autos apartados- conferir trâmite normal aos autos principais- Se houver mais de um processo penal contra o delator, se possível, opte pela aplicação de toda a pena pretendida em um dos processos, e na suspensão do outro por tempo indeterminado, até a prescrição, o que lhe dará uma maior garantia da manutenção da colaboração e da aplicação de pena adicional no caso de quebra de acordo.

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6.4 Modelo – Proffer Agreement Model

PROFFER AGREEMENT

With respect to the meeting of ___________ (“Client”) and his attorney, _________, Esq., with Assistant United States Attorney _______________ to be held at the Office of the United States Attorney for the Southern District of New York on [Meeting Date] (“the meeting”), the following understandings exist:

(1) THIS IS NOT A COOPERATION AGREEMENT. The Client has agreed to provide the Government with information, and to respond to questions, so that the Government may evaluate Client’s information and responses in making prosecutive decisions. By receiving Client’s proffer, the Government does not agree to make a motion on the Client’s behalf or to enter into a cooperation agreement, plea agreement, immunity or non-prosecution agreement. The Government makes no representation about the likelihood that any such agreement will be reached in connection with this proffer.

(2) In any prosecution brought against Client by this Office, except as provided below the Government will not offer in evidence on its case-in-chief, or in connection with any sentencing proceeding for the purpose of determining an appropriate sentence, any statements made by Client at the meeting, except (a) in a prosecution for false statements, obstruction of justice or perjury with respect to any acts committed or statements made during or after the meeting or testimony given after the meeting; or (b) if, at any time following the meeting, Client becomes a fugitive from justice.

(3) Notwithstanding item (2) above: (a) the Government may use information derived directly or indirectly from the meeting for the purpose of obtaining leads to other evidence, which evidence may be used in any prosecution of Client by the Government; (b) in any prosecution brought against Client, the Government may use statements made by Client at the meeting and all evidence obtained directly or indirectly therefrom for the purpose of cross-examination should Client testify; (c) the Government may also use statements made by Client at the meeting to rebut any evidence or arguments offered by or on behalf of Client

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(including arguments made or issues raised sua sponte by the District Court) at any stage of the criminal prosecution (including bail, all phases of trial, and sentencing) in any prosecution brought against Client; and (d) the Government may use information derived directly or indirectly from the meeting for purposes of evaluating whether Client meets the criteria specified in the Department of Justice’s August 12, 2013, policy on charging mandatory minimum sentences and recidivist enhancements in certain drug cases.

(4) The Client understands and agrees that in the event the Client seeks to qualify for a reduction in sentence under Title 18, United States Code, Section 3553(f) or United States Sentencing Guidelines, Sections 2D1.1(b)(16) or 5C1.2, the Office may offer in evidence, in connection with the sentencing, statements made by the Client at the meeting and all evidence obtained directly or indirectly therefrom.

(5) To the extent that the Government is entitled under this Agreement to offer in evidence any statements made by Client or leads obtained therefrom, Client shall assert no claim under the United States Constitution, any statute, Rule 410 of the Federal Rules of Evidence, or any other federal rule that such statements or any leads therefrom should be suppressed. It is the intent of this Agreement to waive all rights in the foregoing respects.

(6) If this Office receives a request from another prosecutor’s office for access to information obtained pursuant to this Proffer Agreement, this Office may furnish such information but will do so only on the condition that the requesting office honor the provisions of this Agreement.

(7) It is further understood that this Agreement is limited to the statements made by Client at the meeting and does not apply to any oral, written or recorded statements made by Client at any other time. No understandings, promises, agreements and/or conditions have been entered into with respect to the meeting other than those set forth in this Agreement and none will be entered into unless in writing and signed by all parties.

(8) The understandings set forth in paragraphs 1 through 7 above extend to the continuation of this meeting on the dates that appear below.

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(9) Client and Attorney acknowledge that they have fully discussed and understand every paragraph and clause in this Agreement and the consequences thereof.

Dated: New York, New York

PREET BHARARA United States Attorney for the Southern District of New York

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6.5 Modelo – Interceptação Telefônica

EXCELENTÍSSIMO (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DO FORO REGIONAL DE ARAUCÁRIA, COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA – PARANÁ

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por meio de seus agentes deste Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado que ao final subscrevem, vem mui respeitosamente perante Vossa Excelência, amparado nos elementos de convicção dos autos de Procedimento Investigatório Criminal n. (NÚMERO) e com fundamento no artigo 3º, inciso II, da Lei n. 9.296/1996, apresentar

PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA INTERCEPTAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS e PEDIDO DE QUEBRA DO SIGILO DE DADOS

em face de

(NOME), (NACIONALIDADE), (NATURALIDADE), (DATA DE NASCIMENTO), carteira de identidade RG n. (NÚMERO) e CPF n. (NÚMERO), filho de (FILIAÇÃO), residente na rua (ENDEREÇO);

(NOME), NACIONALIDADE), (NATURALIDADE), (DATA DE NASCIMENTO), CPF n. (NÚMERO), residente na rua (ENDEREÇO), titular do terminal telefônico n. (NÚMERO);

(NOME), NACIONALIDADE), (NATURALIDADE), (DATA DE NASCIMENTO), carteira de identidade RG n. (NÚMERO) e CPF n. (NÚMERO), filho de (FILIAÇÃO), residente na (ENDEREÇO);

(NOME), (NACIONALIDADE), (NATURALIDADE), (DATA DE NASCIMENTO), carteira de identidade RG n. (NÚMERO) e CPF n. (NÚMERO), filho de (FILIAÇÃO), residente na Rua (ENDEREÇO), pelas razões de fato e de direito adiante expostas:

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I – DOS FATOS

(FATOS)

II – DO DIREITO

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, incisos X e XII, prescreve que:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(...)X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;(...)XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (...)” (sem os destaques na redação original).

Verifica-se que o legislador constituinte, embora estabelecendo como regra a inviolabilidade da honra, da vida privada e do sigilo das comunicações telefônicas, abriu exceções à regra, permitindo interceptações das comunicações telefônicas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, nos termos previstos em lei.

A legitimidade do Ministério Público para pleitear judicialmente a interceptação das comunicações está expressamente prevista no artigo 3º, inciso II, da Lei n. 9.296/96:

“Art. 3º A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento: (...) II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal”.

A investigação criminal, como se sabe, é o gênero do qual o inquérito policial, os procedimentos investigatórios criminais, as peças de informação,

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dentre outros, são meras espécies.

No entanto, nem a Constituição Federal nem a lei n. 9.296/96 exigem a instauração de um inquérito policial prévio ao requerimento da medida, que pode ser decretada no curso de investigação criminal. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.1

1 “CRIMINAL. HC. EXTORSÃO MEDIDANTE SEQÜESTRO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. IRREGULARIDA-DES. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. LEGALIDADE DA PROVA. CONDENAÇÃO BASEADA EM OUTROS ELEMENTOS DO CONJUNTO PROBATÓRIO. BUSCA E APREENSÃO. MANDADO. EXISTÊNCIA. EXISTÊNCIA DE OUTROS DELITOS DE CARÁTER PERMANENTE. FLAGRANTE. ORDEM DENEGADA. I. A interceptação telefônica para fins de investigação criminal pode se efetivar antes mesmo da instauração do inquérito policial, pois nada impede que as investigações precedam esse procedimento. “A providência pode ser determinada para a investigação criminal (até antes, portanto, de formalmente instaurado o inquérito) e para a instrução criminal, depois de instaurada a ação penal.” (...) IX. Ordem denegada.” (HC 43.234/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 03/11/2005, DJ 21/11/2005, p. 265) (grifos nossos).

“CRIMINAL. HC. QUEBRA DE SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL, TELEFÔNICO E TELEMÁTICO. QUEBRA BASEADA NAS DECLARAÇÕES DE UMA SÓ PESSOA. ANÁLISE RESTRITA À SUA CAPACIDADE DE CONFIGURAR INDÍCIO DE AUTORIA E PARTICIPAÇÃO. APTIDÃO NÃO-ATACADA. INEXISTÊNCIA DE OUTROS MEIOS DE PROVA. DISPONIBILIZAÇÃO ESPONTÂNEA DE INFORMAÇÕES PELO PACIENTE. DESNECESSIDADE AFASTADA EM RELAÇÃO AOS SIGILOS TELEFÔNICO E TELEMÁTICO E FALTA DE INTERESSE JURÍDICO EM RELAÇÃO AOS SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL. INSTALAÇÃO PRÉVIA DE INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. VIOLAÇÃO À LIBERDADE DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL. INOCORRÊNCIA. PARTICIPAÇÃO DEVIDO A FATORES DE ORDEM FAMILIAR E PESSOAL. PRERROGATIVAS QUE NÃO PODEM ACOBERTAR DELITOS. NATUREZA ABSOLUTA INEXISTENTE. DIVULGAÇÃO DE DADOS DECORRENTES DAS QUEBRAS. DETERMINAÇÃO EM CONTRÁRIO. ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO DA DENÚNCIA. IMPROPRIEDADE. CRIMES DIVERSOS DOS ORA ANALISADOS. LEGALIDADE DA MEDIDA DEMONSTRADA. LIMINAR CASSADA. ORDEM DENEGADA. Não prospera o argumento de ilegalidade da quebra, por ser baseada nas declarações de uma só pessoa, pois tal alegação nada diz com relação à legalidade ou ilegalidade da medida. O que deve ser analisado é se a declaração trazida aos autos tem a capacidade de configurar indício razoável de autoria ou participação em infração penal, sendo certo que a impetração não atacou a sua aptidão para tanto. Se o depoimento que originou a quebra de sigilos narra comunicações por telefone, e-mails e fac-símiles, sendo que os encontros ocorriam em ambientes particulares e entre específicas pessoas, não se pode cogitar da produção de outros meios de prova para a apuração da veracidade das informações. (...) Não se pode condicionar a quebra do sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático à instauração prévia do procedimento investigatório, devendo-se exigir, apenas, que a necessidade de sua realização para a apuração da infração penal seja demonstrada, em consonância com os indícios de autoria ou participação no ilícito e desde que a prova não possa ser feita por outros meios disponíveis. A legislação fala em “investigação criminal”, não prevendo, para a interceptação telefônica, a instalação prévia de inquérito policial. (...) Não há ilegalidade na decisão que decreta a quebra dos sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático do paciente, se devidamente demonstrada tanto a presença de indícios suficientes de participação em crime, como a peculiaridade de ser a única forma eficaz e disponível para a elucidação dos fatos Ordem denegada, cassando-se a liminar anteriormente deferida.” (HC 20.087/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 19/08/2003, DJ 29/09/2003, p. 285) (grifos nossos).

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II. a) DOS REQUISITOS LEGAIS PARA O DEFERIMENTO DA INTERCEPTAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS

A medida de interceptação das comunicações telefônicas, inicialmente se restringe ao número fornecido por (NOME) a (NOME), para fins de contatos entre ambos e para agendar encontros.2 Referido terminal telefônico está registrado em nome de (NOME), esposa de (NOME).

Prescrevem o artigo 2º, inciso I a III e 4º, “caput”, da Lei n. 9.296/96:

“Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

“Art. 4º O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados. (...)”.

Estão presentes indícios razoáveis de autoria e materialidade, eis que as vítimas (NOMES) reconheceram a pessoa de (NOME), como a pessoa que solicitava dinheiro indevidamente, com a anuência e concurso de (NOME) e (NOME), sob a ameaça de represálias.

Todavia, as provas plenas de tais condutas, suas circunstâncias e do concurso de outras pessoas, dificilmente serão obtidas pelos meios comuns de prova.

Os crimes de concussão, corrupção ativa, corrupção passiva, dentre outros assemelhados, ocorrem de forma discreta, sem deixar vestígios

2 Conforme documento de fl. (NÚMERO).

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materiais das referidas tratativas, máxime diante das cautelas adotadas por seus autores no presente caso, que sabem – justamente por força de suas atividades – quais os vestígios deixados por um crime e, portanto, sabem como não deixar rastros ou como ocultar eventuais vestígios.

Logo, inviável a colheita de robustos elementos de prova – aptos a embasar uma futura sentença condenatória – somente com base em outros meios de prova disponíveis.

A investigação e prova de delitos dessa natureza, torna-se praticamente inviável sem o uso de métodos investigativos como o ora pleiteado, afinal as tratativas consistentes na exigência e recebimento de dinheiro por parte de agentes públicos, ocorrem às escondidas, geralmente na presença apenas das partes envolvidas, isto é, na presença de quem exige ou recebe a vantagem indevida e na presença de quem oferece referida vantagem.

Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal:

“Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. INSTRUÇÃO CRIMINAL. INTERCEPTAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS. DECRETAÇÃO. ILEGALIDADE. ALEGAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. NECESSIDADE DA MEDIDA. DEMONSTRAÇÃO. INDÍCIOS DE AUTORIA. EXISTÊNCIA. APURAÇÃO DA PRÁTICA DOS CRIMES DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA E DE CONCUSSÃO. LEI 9.296/1996. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. ORDEM DENEGADA. I – Consoante assentado pelas instâncias antecedentes, não merece acolhida a alegação de ilicitude da interceptação telefônica realizada e, por conseguinte, das provas por meio dela obtidas. II – A necessidade da medida foi devidamente demonstrada pelo decisum questionado, bem como a existência de indícios suficientes de autoria de crimes punidos com reclusão, tudo em conformidade com o disposto no art. 2º da Lei 9.296/1996. III – Como é cediço, em crimes como o de concussão, o réu não age às claras, ao contrário, perpetra sua ação na surdina, de modo que a coleta da prova da prática do fato típico torna-se mais difícil, o que justifica, dessa forma, a decretação da questionada interceptação telefônica, porque seria o único meio de prova possível no caso. Precedentes. IV – Improcedência da afirmação de que a decisão que decretou a interceptação telefônica teria se baseado unicamente em denúncia anônima. V - Ordem denegada.” (HC 113597, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 05/03/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-161 DIVULG 16-08-2013 PUBLIC 19-08-2013) (grifos nossos).

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É nítida, pelas razões anteriormente expostas, a indisponibilidade de outros meios de prova, em especial quando se está em busca de uma prova plena, apta a sustentar um decreto condenatório, conforme já destacado.

Por fim, a infração penal cuja prática se pretende investigar é apenada com reclusão, conforme previsto no artigo 316, “caput”, do Código Penal (artigo 2º, inciso III, da Lei n. 9.296/96).

A falta de outros elementos de convicção não pode representar óbice ao deferimento da medida aqui pleiteada, afinal, a escassez de elementos de convicção e as dificuldades probatórias, são justamente as razões que levam ao presente pedido.

Caso existissem outros e melhores meios de prova disponíveis, não haveria razão para a propositura do presente pedido.

A necessidade da medida (artigo 4º, “caput”, da Lei n. 9.296/96), restou demonstrada anteriormente, em especial quando se sustentou a ausência de outros meios de prova disponíveis e as dificuldades na descoberta de provas contundentes pelos meios de prova comuns (prova testemunhal, documental, dentre outros).

Os meios a serem empregados para a concretização das medidas, caso deferidas por Vossa Excelência, estão descritos no tópico adiante exposto.

II. b) DO PEDIDO DE QUEBRA DE SIGILO DE DADOS

Com relação ao pedido de quebra do sigilo de dados, este sim é formulado em relação aos suspeitos (NOME), (NOME) e (NOME), sem prejuízo, ainda, da quebra de sigilo de dados do terminal telefônico n. (NÚMERO), utilizado por (NOME) para as tratativas ilícitas.

Importante ressaltar que as informações a serem obtidas junto à prestadora dos serviços de telefonia, contribuirão para a formação de um quadro probatório ainda mais consistente, bem como ajudarão a esclarecer a frequência, os dias, horários das chamadas telefônicas estabelecidas tanto entre (NOME) e as vítimas (NOMES), como entre (NOME) e os demais envolvidos, permitindo inclusive o acesso aos registros de chamadas pretéritas entre os suspeitos e vítimas.

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Ademais, até mesmo a localização dos suspeitos e das vítimas – à época em que os encontros ocorreram – poderá ser descoberta por meio das informações registradas pelas empresas prestadoras dos serviços de telefonia, mediante a identificação das ERB’s (Estações Rádio Base) utilizadas pelos terminais telefônicos dos suspeitos no dia das ligações.

Prescreve o artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal:

“(...) XII - é inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”(sem os destaques na redação original).

Não é demais ressaltar que os direitos previstos no artigo 5º da Carta Magna não são absolutos.

O acesso aos dados (registros de ligações, mensagens de texto armazenadas, dentre outras informações) constantes dos bancos de dados dos investigados junto às empresas prestadoras dos serviços de telefonia é medida diversa da interceptação das comunicações telefônicas:

Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal:

“HABEAS CORPUS. NULIDADES: (1) INÉPCIA DA DENÚNCIA; (2) ILICITUDE DA PROVA PRODUZIDA DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL; VIOLAÇÃO DE REGISTROS TELEFÔNICOS DO CORRÉU, EXECUTOR DO CRIME, SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL; (3) ILICITUDE DA PROVA DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS DE CONVERSAS DOS ACUSADOS COM ADVOGADOS, PORQUANTO ESSAS GRAVAÇÕES OFENDERIAM O DISPOSTO NO ART. 7º, II, DA LEI 8.906/96, QUE GARANTE O SIGILO DESSAS CONVERSAS. VÍCIOS NÃO CARACTERIZADOS. ORDEM DENEGADA. 1. Inépcia da denúncia. Improcedência. Preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP. A denúncia narra, de forma pormenorizada, os fatos e as circunstâncias. Pretensas omissões – nomes completos de outras vítimas, relacionadas a fatos que não constituem objeto da imputação –- não importam em prejuízo à defesa. 2. Ilicitude da prova produzida durante o inquérito policial - violação de registros telefônicos de corréu, executor do crime, sem autorização judicial. 2.1 Suposta ilegalidade decorrente do fato de os policiais, após a prisão em flagrante do corréu, terem realizado a análise dos últimos registros telefônicos dos dois aparelhos celulares apreendidos. Não ocorrência. 2.2 Não se confundem comunicação telefônica e

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registros telefônicos, que recebem, inclusive, proteção jurídica distinta. Não se pode interpretar a cláusula do artigo 5º, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito registral. A proteção constitucional é da comunicação de dados e não dos dados. (...)4. Ordem denegada.” (HC 91867, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-185 DIVULG 19-09-2012 PUBLIC 20-09-2012) (grifos nossos).

No mesmo sentido o Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL - CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - ART. 535 DO CPC - AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS - EFEITOS INFRINGENTES - CONCESSÃO - EXCEPCIONALIDADE- NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO - INOCORRÊNCIA - SESSÃO DE JULGAMENTO DO MANDAMUS - COMPOSIÇÃO DO ÓRGÃO JULGADOR - OBSERVÂNCIA DO QUORUM MÍNIMO - CONVOCAÇÃO DE JUÍZES DE DIREITO - LEGALIDADE - PRELIMINAR REJEITADA - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - APURAÇÃO DE FALTAS ATRIBUÍDAS A MAGISTRADO - IRREGULARIDADES - INEXISTÊNCIA - JULGAMENTO PRELIMINAR ADIADO - RENOVAÇÃO DA INTIMAÇÃO - DESNECESSIDADE - SESSÃO QUE INSTAUROU A AÇÃO DISCIPLINAR - DELIBERAÇÃO POSITIVA DO TRIBUNAL PLENO - ACÓRDÃO - DISPENSABILIDADE NOS TERMOS LEGAIS - CERCEAMENTO DE DEFESA - NÃO CONFIGURADO - PROVAS REQUERIDAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMADAS PELO INTERESSE PÚBLICO E GRAVIDADE DOS FATOS - QUEBRA DO SIGILO DOS DADOS TELEFÔNICOS - PROCEDIMENTO QUE NÃO SE SUBMETE À DISCIPLINA DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS - INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO - EMBARGOS REJEITADOS.(...)VIII - A quebra do sigilo dos dados telefônicos contendo os dias, os horários, a duração e o números das linha chamadas e recebidas, não se submete à disciplina das interceptações telefônicas regidas pela Lei 9.296/96 (que regulamentou o inciso XII do art. 5º da Constituição Federal) e ressalvadas constitucionalmente tão somente na investigação criminal ou instrução processual penal. (...)XII - Embargos de declaração rejeitados.” (EDcl no RMS 17.732/MT, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 23/08/2005, DJ 19/09/2005, p. 353) (grifos nossos).

“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. (1) IMPETRAÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) QUEBRA DO SIGILO TELEFÔNICO. PROVIDÊNCIA QUE NÃO

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SE CONFUNDE COM A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. MOTIVAÇÃO DA MEDIDA. OCORRÊNCIA. ILEGALIDADADE. NÃO RECONHECIMENTO.1. No contexto de racionalização do emprego do habeas corpus, mostra-se indevida a sua utilização como sucedâneo recursal.2. Não se confundem as medidas de quebra de sigilo telefônico com a interceptação de comunicação telefônica, esta última albergada, ademais, pela cláusula de reserva de jurisdição. Daí, não são exigíveis, no contexto da quebra de sigilo de dados, todas as cautelas insertas na Lei 9.296/1996. In casu, o magistrado, em cumprimento do inciso IX do artigo 93 da Constituição da República, motivou a quebra do sigilo de dados, com base na intensa utilização de certo terminal telefônico, havendo a franca possibilidade de se desvendar, com base em dados cadastrais oriundos das registros de companhia telefônica, a autoria de um quarto agente no concerto delitivo. 3. Ordem não conhecida.” (HC 237.006/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 27/06/2014, DJe 04/08/2014) (grifos nossos).

Verifica-se, pois, que a medida de quebra de sigilo de dados, além de possuir regramento diverso é mais tênue que a interceptação das comunicações telefônicas e pode ser deferida até mesmo em procedimentos diversos, não necessariamente da esfera criminal.

O acolhimento deste pedido permitirá a elucidação das condutas praticadas e, conforme já destacado, permitirá a colheita de elementos de prova que revelem registros de comunicações ou contatos anteriores entre os investigados e referidas vítimas.

No mesmo sentido o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

“HABEAS CORPUS. CRIMES DOS ARTS. 288 E 155, §4º, I, II E IV, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS TELEFÔNICOS E INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. DECISÃO QUE DEFERE A QUEBRA `RETROATIVA’ SOMENTE DO SIGILO DE DADOS E NÃO DAS LIGAÇÕES. POSSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÕES DEFERIDAS, FUNDAMENTADAMENTE, POR DECISÃO JUDICIAL, PARA MOMENTO POSTERIOR. OBSERVÂNCIA DA LEI N° 9.296/96. PRESENÇA DE PROVA DA MATERIALIDADE E DE INDÍCIOS DE AUTORIA. JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. DENEGAÇÃO DA ORDEM. a) É da própria natureza da quebra do sigilo de dados telefônicos a retroatividade, uma vez que o intuito é a descoberta de chamados e registros já realizados, porque “Uma coisa é a `comunicação telefônica’ em si, outra bem diferente são os registros (escritos) pertinentes às comunicações telefônicas,

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registros esses que são documentados e armazenados pela companhia telefônica (operadora), tais como: data da chamada telefônica, horário, número do telefone chamado, duração do uso, valor da chamada etc. Esses registros configuram os “dados” escritos correspondentes às comunicações telefônicas. (...) A interceptação de uma comunicação telefônica versa sobre algo que está ocorrendo, atual; já a quebra do sigilo de dados telefônicos relaciona-se com chamadas telefônicas pretéritas, já realizadas.” (in Legislação Criminal Especial. Vol. 6. Coord. Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2009, p. 422, grifei). b) Não se vislumbra ilegalidade quanto às interceptações telefônicas, que foram deferidas para momento posterior à decisão judicial. c) Havendo prova suficiente da materialidade e indícios de autoria, não há que se falar em trancamento da ação penal.” (TJPR - 3ª C.Criminal - HCC - 852023-2 - Toledo - Rel.: Rogério Kanayama - Unânime - - J. 15.12.2011) (sem os destaques na redação original).

III – DO PEDIDO

Diante do exposto o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, dentro do mais absoluto segredo de Justiça, por meio dos agentes deste Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado que ao final subscrevem, requer sejam deferidos os pedidos de interceptação das comunicações telefônicas e de quebra de sigilo de dados, a fim de que:

a) sejam expedidos ofícios às empresas prestadoras dos serviços de telefonia móvel e fixa (TIM, VIVO, CLARO, EMBRATEL, GVT, OI e NEXTEL), requisitando, no prazo máximo de 15 (quinze) dias:

(1) a lista de todos os terminais telefônicos registrados em nome de (NOME) (CPF n. NÚMERO),3 (NOME) (CPF n. NÚMERO)4 e (NOME) (CPF n. NÚMERO)5 buscando identificar os terminais telefônicos utilizados pelos suspeitos;

(2) simultaneamente à identificação de seus terminais telefônicos, seja requisitada a lista de todas as ligações efetuadas e recebidas pelos terminais telefônicos identificados, na forma do item anterior, requisitando-se inclusive e principalmente os endereços das ERB’s utilizadas no momento

3 Conforme documento de fl. (NÚMERO).

4 Conforme documento de fl. (NÚMERO).

5 Conforme documento de fl. (NÚMERO).

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das respectivas chamadas (no caso dos terminais telefônicos móveis), identificando-se, também, os IMEI’s dos aparelhos utilizados para tais chamadas, no período compreendido entre (DATA)6 e (DATA);

(3) sejam requisitadas todas as mensagens de texto e de voz enviadas e recebidas, pelos terminais telefônicos identificados em nome dos requeridos (na forma do item 1), no período compreendido entre (DATA)7 e (DATA);

b) seja autorizada a interceptação das comunicações telefônicas, pelo prazo de 15 (quinze) dias, das chamadas telefônicas efetuadas e recebidas pelo terminal telefônico (NÚMERO);8

c) seja autorizada a quebra do sigilo do número serial ou I.M.E.I. (International Mobile Equipment Identifier), do terminal telefônico celular alvo, assim caso o usuário do aparelho móvel utilize o sistema GSM, que também seja monitorado o aparelho, para que no caso de troca de chip não seja prejudicada a continuidade das investigações;

d) que, caso o numeral interceptado sofra o evento da portabilidade no decorrer da quinzena de interceptação, seja determinado à operadora que comunique imediatamente tal fato via e-mail (endereço de e-mail dos responsáveis pela investigação), aos responsáveis pela investigação (Capitão QOPM Cristiano Lúcio Machado e ao 3º Sargento Leandro Gomes da Silva) acerca da abertura do pedido de portabilidade e que o ofício inicialmente encaminhado à operadora que iniciou a interceptação (doadora) continue e a produzir seus efeitos junto à operadora para a qual o número foi transferido (receptora), inclusive com a determinação de imediata interceptação telefônica do referido numeral pelos dias restantes da quinzena de interceptação;

e) seja determinada a expedição de ofício à respectiva operadora de telefonia (TIM), para que disponibilize o cadastramento de senhas pessoais e intransferíveis, permitindo ao Capitão QOPM Cristiano Lúcio Machado

6 Esta data de início se deve à data aproximada em que as vítimas começaram a ser procuradas por (NOME) e pelos envolvidos, nos termos da notícia-crime (fl. NÚMERO).

7 Esta data de início se deve à data aproximada em que as vítimas começaram a ser procuradas por (NOME) e demais envolvidos.

8 Conforme documentos de fls. (NÚMERO).

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(carteira de identidade RG n. 5.939.337-5) e ao 3º Sargento Leandro Gomes da Silva (carteira de identidade RG n. 9.133.215-1), a qualquer hora do dia e da noite (24 horas por dia) o acesso imediato: (1) aos históricos das chamadas e mensagens de texto enviadas e recebidas, com indicação das Estações Rádio Base (ERB) dos terminais telefônicos interceptados e seus interlocutores; (2) ao conteúdo das tecnologias MMS, WAP, WEB e CONEXÕES; (3) aos históricos das chamadas das Estações Rádio Base (ERB), em tempo real, dos terminais interceptados; (4) ao extrato das Estações Rádio Base (ERB), em tempo real, referente à localização dos terminais interceptados; (5) aos dados cadastrais dos terminais interceptados e de seus interlocutores (inclusive consulta de linhas por CPF); e (6) acesso ao sistema VIGIA, quando disponível, ou o envio de tais informações obrigatoriamente para o e-mail (endereço de e-mail dos responsáveis pela investigação);

f) sejam os áudios gravados pelo Departamento de Inteligência do Estado do Paraná – DIEP (SESP/PR) e que os desvios respectivos sejam definidos pelo Capitão QOPM Cristiano Lúcio Machado, o qual ficará encarregado pela investigação;

g) que em caso de deferimento dos pedidos, sejam os ofícios entregues pessoalmente ao Capitão QOPM Cristiano Lúcio Machado (carteira de identidade RG n. 5.939.337-5) ou ao 3º Sargento Leandro Gomes da Silva (carteira de identidade RG n. 9.133.215-1), até mesmo pelo e-mail (endereço de e-mail dos responsáveis pela investigação) e que seja determinado às operadoras dos serviços de telefonia que quaisquer comunicações referentes ao cumprimento de Vossas ordens judiciais ou referentes à implementação ou término das medidas, sejam comunicadas via e-mail a Vossa Excelência e ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado no mesmo e-mail (endereço de e-mail dos responsáveis pela investigação), a fim de evitar que referidas comunicações sejam objeto de ofícios ao cartório, eis que eventual extravio ou equívoco na qualificação do destinatário perante o serviço de correios, poderia prejudicar o sigilo da medida;

h) seja fixado prazo de 24 (vinte e quatro) horas, para que as respectivas operadoras cumpram as diligências pleiteadas, caso deferidas por Vossa Excelência.

Curitiba, (DATA).

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(NOME)

Promotor de Justiça

(NOME)

Promotor de Justiça

(NOME)

Promotor de Justiça

(NOME)

Promotor de Justiça

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6.6 Modelo – Interceptação Telemática

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____ VARA CRIMINAL DA COMARCA DE GOIÂNIA/GO.

TRAMITAÇÃO SOB SEGREDO DE JUSTIÇA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, pelos Promotores de Justiça infra-assinados, nos termos do artigo 129, inciso I, da Constituição Federal; e artigo 25, inciso III, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com esteio no Procedimento de Investigação Criminal nº , regulamentado pela Resolução nº 08/2014 do Colégio de Procuradores de Justiça do Ministério Público do Estado de Goiás, bem como pela Resolução nº 36/2009 do Conselho Nacional do Ministério Público, com autorização determinada pela Lei n° 9.296/1996, requer o afastamento do SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEMÁTICAS, fazendo-o com esteio nas razões de fato e de direito a seguir aduzidas:

I) DOS REQUERIDOS

1. Fulano de Tal, nacionalidade, naturalidade, nascimento, filho de , atualmente, usuário da linha telefônica nº , domiciliada em local incerto na cidade de Brasília/DF, titular da Conta-corrente nº, Agência nº, banco.

2. Fulano de Tal, nacionalidade, naturalidade, nascimento, filho de , atualmente, usuário da linha telefônica nº , domiciliada em local incerto na cidade de Brasília/DF, titular da Conta-corrente nº, Agência nº, banco.

II) DOS FATOS

É do conhecimento deste juízo a instauração do Procedimento de Investigação Criminal nº, no bojo do qual este órgão ministerial amealhou provas suficientes acerca da existência de XXX sediada em XXX.

Com efeito, como procedimento necessário à devida continuidade das e sucesso das investigações, o parquet requer o afastamento do SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEMÁTICAS dos investigados, sendo todas as

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comunicações de dados trafegados via ADSL – linha digital assimétrica para assinante VOIP (voz sobre IP, internet protocolo) -; comunicações de e-mail, chat (mensagem instantâneas); sites acessados; imagens, por meio do espelhamento das ADSL'S habilitadas nas linhas telefônicas abaixo indicadas, possibilitando a captura dos sinais por placas de rede na plataforma de interceptação responsável pela decodificação indicada pelo Centro de Inteligência – CI - do Ministério Público de Goiás.

Para viabilidade da interceptação as operadoras xxx e xxx, deverão disponibilizar, respectivamente, o referido espelhamento ao Centro de Inteligência – CI - do Ministério Público de Goiás e a este subscritor, sem ônus para os cofres públicos, uma vez que servem unicamente para a recepção de dados telemáticos interceptados, assim como acontece com as interceptações telefônicas.

TELEFÔNICA – INÍCIO – INTERCEPTAÇÃO TELEMÁTICA

USUÁRIO TELEFONE/IMEI

BRASIL TELECOM FIXO – INÍCIO - INTERCEPTAÇÃO TELEMÁTICA

USUÁRIO TELEFONE/IMEI

É necessário que seja identificado o número de telefone pelo qual o alvo faz uso da Internet, ou seja, a linha telefônica pela qual o usuário recebe o serviço de ADSL da companhia telefônica, NÚMERO DO SMARTPHONE ou WEBMODEM. Para isso você pode fazer consultas a companhia com intuito de identificar pelo nome, CPF e etc, qual linha utilizada pelo alvo possui o serviço de ADSL. A companhia lhe disponibilizará os dados gravados, isso varia de companhia para companhia e ainda de cidade para cidade. De posse dos dados você precisará usar um software para fazer a remontagem (decodificação) dos dados, páginas navegadas, seções de chats (MSN) Indicar

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o endereço de e-mail que se quer interceptar.

3 – Para o cumprimento das medidas acima requeridas, requer o Ministério Público a expedição de ofícios judiciais, destinados a cada uma das operadoras supramencionadas, determinando a elas o que se segue:

Proceda a interceptação dos serviços de telemática3.(A). que programem, sem ônus para os cofres públicos, a interceptação de todos os serviços de telemática atribuídos aos acima requeridos, conforme parâmetros informados pelo Centro de Inteligência – CI - do Ministério Público de Goiás;

3.(B) Que forneçam ao Centro de Inteligência – CI - do Ministério Público de Goiás, no endereço eletrônico [email protected], os dados cadastrais, IP’S e arquivos de logs de criação e acesso do usuário que institui o (s) endereço(s) eletrônico (s) xxxxx@xxxx;

3 (C) Que indique ao CI, no endereço eletrônico [email protected], se há outras contas de e-mail associadas à(s) caixa (s) retromencionadas;

3 (D) Que forneça, também aos cuidados do CI, no endereço eletrônico [email protected], e conforme indicado por seus coordenadores, todas a mensagens armazenadas nas caixas- postal enviadas, recebidas e de rascunho em formato EML.

3.(E) Que duplique os e-mails enviados e recebidos, no formato EML, pelo prazo de 15 (quinze) dias aos cuidados do CI, no endereço eletrônico [email protected], ou, em caso de impossibilidade técnica, para o endereço criado pelo provedor para tal finalidade, mediante de login e senha ao Ministério Público por meio do Centro de Inteligência – CI - do Ministério Público de Goiás;

3 (F) Que seja preservado, independente da retransmissão dos e- mails; do acesso, por senha, a uma caixa postal específica ou ainda, pelo direcionamento dos dados para plataforma de decodificação, em procedimento de interceptação em tempo real, todos os dados de comunicação ( tanto dados de conexão e/ou conteúdo)

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3.(G). Que seja autorizado o acesso |às informações o (s) subscritor(s) , o (s) assessores xxxxxxxx, os promotores José Carlos Miranda Nery Júnior, matr. 7.994 e Denis Augusto Bimbati Marques, matr. 19.985, respectivamente, coordenador e subcoordenador do CI, bem como os servidores lotados no CI: Bruno Peixoto Nunes, Mat. 25828; Fábio do Nascimento Peixoto, matr. 25254,Giscar Fernandes Vicente de Paiva, Matr. 27.162, Glauciney Faleiro da Silva, matr, 30597, Gustavo de Marque Vieira, matr. 25089,,Jairson Santiago de Oliveira Junior, Mat. 28856; João Álvaro de Almeida, MAT. 38.520; José Carlos Miranda Nery Júnior, MAT. 7.994; Josy de Almeida Perillo, Mat. 20.656; Luciano de Souza Vaz Reis, matr. 29378, Marcos Leonardo Lemos Fernando, Mat. 42898; Maria Célia Fernandes, matr. 26107 Natália Aparecida Oliveira, Mat. 37869; Paulo Vitor Vilela Brito, Mat. 3244; Ricardo de Oliveira Dias, Mat. 24.830; Sérgio Renato Marcondes de Oliveira, Mat. 90000728; Thiago Teixeira Guimarães Paixão Mat. 36.455; Valmison Joaquim de Paula, MAT. 24.767; Vânia Spíndola Arantes da Silva, Mat. 32999, Carlos Antônio de Oliveira, matr. 43919 e Willian Moreira Farias, Mat. 27359,cujos nomes serão declinados por ocasião da remessa do auto circunstanciado a que faz menção o § 2º do art. 6º da Lei 9296/1996.

(SEMPRE LIGAR NO CI PARA CONFIRMAR OS NOMES)

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6.7 Modelo – Quebra de sigilo telemático

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____ VARA CRIMINAL DA COMARCA DE GOIÂNIA/GO.

Em apenso aos autos n...................... TRAMITAÇÃO SOB SEGREDO DE JUSTIÇA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, pelo Promotorde Justiça infra-assinado, titular da... Promotoria de Justiça, nos

termos do artigo 129, inciso I, da Constituição Federal; e artigo 25, inciso III, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, baseado no Procedimento de Investigação Criminal PIC n..../...., regulamentado pela Resolução n. 04/2005, do Colégio de Procuradores de Justiça do Estado de Goiás, fundamentado no artigo 1º, § 4º, da Lei Complementar n.º 105/2001 e no artigo 1º, parágrafo único, da Lei n. 9.296/96, requerer AUTORIZAÇÃO PARA REALIZAR INTERCEPTAÇÃO TELEMÁTICA e QUEBRA DE SIGILO TELEMÁTICO das pessoas físicas abaixo nominadas, fazendo-o pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.

OS REQUERIDOS

X, pessoa jurídica, inscrita no CNPJ sob o n............., com sede na................, telefone;

XXX, brasileiro, estado civil, profissão, nascido aos../../...., em....../GO, filho de............. e.............., portador da Cédula de Identidade n......................, inscrito no CPF sob o n...................., residente................................., Goiânia/GO, telefone xx;

OS FATOS

Como é do conhecimento deste juízo, o Ministério Público do Estado de Goiás, pelo Promotor de Justiça titular da ..... PJ, está investigando possíveis e diversos esquemas criminosos que tem o........................... como principal centro de irradiação e dentre eles podem ser destacadas práticas fraudulentas relacionadas à..............................................................., dentre outras.

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De idêntico modo, investiga-se a possível existência de esquema criminoso......, que permitiria.....Tal prática somente seria viável com ...............

Para a obtenção de provas dos mencionados esquemas criminosos tornouse necessária a utilização do monitoramento telefônico dos investigados, providência que foi prontamente deferida por esse ilustrado juízo, inclusive com prorrogações.

Durante as interceptações foram registrados diversos diálogos comprometedores e indicativos de que os fatos que motivaram a investigação realmente tem procedência.

Tal constatação pode ser obtida pela leitura das transcrições de diálogos encaminhadas em mídia pelo Centro de Inteligência do Ministério Público do Estado de Goiás (CI/MPGO) a esse juízo.

Analisando os áudios interceptados, bem como as próprias degravações, infere-se que..................

Nada obstante, o completo deslinde das atividades da organização criminosa depende de quebra do sigilo bancário e de interceptação telemática, visto que os áudios corroboram a utilização de movimentação bancária e envio de mensagens por email para a concretização da ilicitude.

A Constituição Federal erigiu à categoria de direito fundamental a inviolabilidade da intimidade e vida privada, nos seguintes termos:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, á segurança e à propriedade, nos termos seguintes: X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Os direitos individuais, conforme há muito assentado, não podem constituir salvaguarda para a prática de atos lesivos à coletividade, ao patrimônio público, à moralidade administrativa e à ordem social.

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DA NECESSIDADE DO MONITORAMENTO DO E-MAIL

A lei n. 9.296/96 regulamentou o contido no inciso XII, parte final, do artigo 5º, da Constituição Federal, dispondo sobre a interceptação das comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal.

Estão legitimados a requerê-la, nos termos do artigo 3º da Lei n. 9.296/96, a autoridade policial (inciso I), na investigação criminal, e o Ministério Público (inciso II), na investigação criminal e na instrução processual penal.

No presente caso, o requerimento é feito incidentalmente em investigação criminal instaurada pela...... PJ, nos termos da Resolução n. 004/2005, do Colégio de Procuradores de Justiça do Estado de Goiás, conforme documento anexo (v. portaria inicial). O artigo 4º da Lei n. 9.296/96 dispõe o seguinte:

Art. 4° O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados. Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

Tratando-se de restrição a direito fundamental (artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal), o legislador ordinário exigiu para o deferimento da autorização da interceptação das comunicações telemáticas, que seja demonstrada a sua imprescindibilidade e indicados os meios a serem empregados.

A interceptação das comunicações telemáticas dos requeridos é meio apto a corroborar a fraude antes noticiada.

Como já se disse, os diversos esquemas investigados pelo Ministério Público vem sendo gradativamente materializados, merecendo aprofundamento a investigação referente à.......................................................................

Como pressupostos, a contrário senso da análise do artigo 2º da citada lei, para o deferimento da autorização para a interceptação das

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comunicações telemáticas, não se pode prescindir dos seguintes:

• indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;• a prova somente puder ser feita por esse meio; e• o fato investigado constituir infração penal punida com reclusão.

No caso sub examen, entende-se que os pressupostos supracitados encontram-se presentes.

As interceptações telefônicas autorizadas por este douto juízo permitiram elucidar que os requeridos.................. utilizavam-se da conta de e-mail...para a concretização da fraude..........., com o envio da documentação pertinente por meio da comunicação telemática.

Os diálogos a seguir transcritos comprovam a utilização da conta de email..... para a consumação da falsidade: xxx

Os crimes que possivelmente estariam sendo praticados pelo esquema de................. encontram-se inseridos no rol daqueles punidos com reclusão. Em princípio, poderiam ser citados os de falsificação de documento (artigo 297 do Código Penal Brasileiro) corrupção passiva (artigo 317 do Código Penal Brasileiro), corrupção ativa (artigo 333 do Código Penal) e, até mesmo, o de formação de quadrilha ou bando (artigo 288 do Código Penal Brasileiro).

Vê-se, portanto, que o presente pleito encontra-se adequado ao disposto na regulamentação do dispositivo constitucional, sendo passível de deferimento.

Em caso do deferimento da autorização que se pleiteia, o provedor deverá ser intimado para que encaminhe ao CI/MPGO todos os emails (e documentos anexados): contidos em todas as pastas (caixa de entrada; enviadas; rascunhos; etc) vinculadas ao referido email (todos os existentes até a chegada da pleiteada decisão), bem como, intercepte todos os dados enviados e recebidos pelo referido endereço eletrônico, pelo prazo de 15 dias a partir do início da interceptação.

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OS REQUERIMENTOS

Em vista do que foi exposto e estando devidamente demonstrada a imprescindibilidade da produção das provas pelos meios pretendidos, o Ministério Público requer:

1 – a decretação da quebra do sigilo de comunicações telemáticas do requerido..................., com a consequente determinação à MICROSOFT CORPORATION¹ , aos cuidados da MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA, com sede na Av. Nações Unidas, n. 12.901, 27º andar, Torre Norte, São Paulo/SP, telefone (11) 5504- 4936, a fim de que:

a) forneça, no prazo de 10 dias, aos cuidados do CI/MPGO, através do email [email protected] os dados cadastrais e arquivos de logs de criação e acesso do usuário que instituiu o endereço eletrô[email protected];

b) forneça, no prazo de 10 dias, também aos cuidados do CI/MPGO, através do email [email protected] todas as mensagens armazenadas na caixa postal [email protected], nas pastas de enviadas, recebidas, rascunho e demais existentes, no período de .......... até o término da interceptação telemática ora pleiteada.

c) intercepte os e-mails enviados e recebidos pela referida caixa postal pelo prazo de 15 dias, encaminhando as cópias de tais mensagens eletrônicas ao CI/MPGO, através do email [email protected] ou por outro método que a respectiva Provedora entender mais eficaz, podendo contactar o CI/MPGO através do Fone: (62)3239-4823 ou do próprio email supramencionado.

2 – Ainda, requer que, com o término das diligências, sejam os autos remetidos a esta Promotoria de Justiça, para apensamento ao procedimento de investigação criminal n....../..... ou instrução processual penal n......., que se encontra em trâmite.

3 - que terão acesso aos respectivos dados, além deste subscritor, os Promotres de justiça DENIS AUGUSTO BIMBATI MARQUES, MAT. 19.895 e JOSÉ CARLOS MIRANDA NERY JÚNIOR, MAT. 7.994, bem como os seguintes servidores: Thiago Teixeira Guimarães Paixão, Mat. 36455; Bruno Peixoto Nunes, Mat. 25828; Willian Moreira Farias, Mat. 27359; Flávio

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Eduardo ramos Azevedo, Mat. 42041, Paulo Vitor Vilela Brito, Mat. 3244; Sérgio Renato Marcondes de Oliveira, Mat. 90000728; Marcos Leonardo Lemos Fernando, Mat. 42898; Daniel Machado Pires, Mat. 33693; João Álvaro de Almeida MAT 38520; Valmison Joaquim de Paula, MAT. 24767; Luciano de Souza Vaz dos Reis, MAT. 29378; Gustavo de Marque Vieira, MAT. 25089 ; Giscar Fernandes Vicente de Paiva, MAT. 27162; Fábio Nascimento Peixoto, MAT. 29254.

4 – Finalmente, requer que as intimações e demais comunicações referentes ao presente pleito sejam encaminhadas, sempre em envelopes lacrados e grafados com a identificação de “SIGILOSO”, a esta Promotoria de Justiça, instalada na rua............., cidade, Estado de Goiás.

Termos em que, pede deferimento.

Local e data

Promotor de Justiça

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6.8 Modelo – Quebra de sigilo – e-mail

Excelentíssima Senhora Doutora Juíza de Direito da 4ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, através de seus representantes infrafirmados, no uso de suas atribuições legais, com fundamento no artigo 22 da Lei nº 12.965/14, vem com o devido acatamento e respeito perante Vossa Excelência requerer

QUEBRA DE SIGILO TELEMÁTICO

pelas seguintes razões de fato e de direito

1.) DOS FATOS

(FATOS)

2.) DO DIREITO

Os dados transmitidos por e-mails são protegidos pela ordem constitucional, tratando-se, indubitavelmente, de matéria afeta ao âmbito da intimidade do cidadão.

Todavia, como todo e qualquer direito individual, não é ele absoluto, devendo ceder em face do superior interesse público. Ou seja, quando para apuração de delitos se fizer necessário afastar a proteção à intimidade, tal deve ocorrer, pois o interesse à eficiente persecução penal se sobrepõe à inviolabilidade das comunicações. É exatamente o que ocorre no presente caso.

O presente pedido encontra amparo no artigo 10,§1º, da Lei nº 12.965/2014:

“Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta

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Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.

§ 1o. O provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros mencionados no caput, de forma autônoma ou associados a dados pessoais ou a outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, mediante ordem judicial, na forma do disposto na Seção IV deste Capítulo, respeitado o disposto no art. 7o.”

Na mencionada seção IV, explicita o artigo 22 damesma Lei que:

“Art. 22. A parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, requerer ao juiz que ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet.

Parágrafo único. Sem prejuízo dos demais requisitos legais, o requerimento deverá conter, sob pena de inadmissibilidade:

- fundados indícios da ocorrência do ilícito;- justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins

de investigação ou instrução probatória; e- período ao qual se referem os registros.”

Os fundados indícios da ocorrência dos ilícitos estão demonstrados e indicados nos autos nº (NÚMERO), todos de conhecimento deste d. Juízo, aos quais, por brevidade e para se evitar repetições desnecessárias, remetemo-nos.

Como já dito acima, os registros podem ser de grande utilidade, posto que demonstrado no decorrer das investigações já encetadas (interceptação telefônica e prova documental) que os envolvidos fazem uso de e-mail para se comunicarem e transmitirem documentos afetos aos negócios efetuados, relacionados com a lavagem de dinheiro apurada.

Por fim, pretende-se obter os dados existentes desde o ano 2000, até o presente momento.

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Desta forma, o presente pedido encontra amparo tanto fático quanto legal, sendo em tudo pertinente para o bom andamento da presente investigação e compreensão completa dos negócios efetuados para o branqueamento de capital.

3.) DO PEDIDO

De tudo quanto exposto, o Ministério Público requer seja determinada a quebra de sigilo telemático dos seguintes e- mails:

[endereço de e-mail];[endereço de e-mail];[endereço de e-mail];[endereço de e-mail];

Acaso deferido o presente pleito, requer-se seja oficiado à empresa HOTMAIL/MESSENGER/MICROSOFT, Departamento Jurídico, na Cidade de São Paulo – SP, determinando o envio em meio magnético (CD ou DVD) a este d. Juízo de toda a movimentação de e-mails das contas [endereços de e-mail], no período de 01º de janeiro de 2000 até a data do envio do ofício contendo todos os e-mails recebidos e enviados, com seus respectivos anexos, inclusive aqueles arquivados em eventuais pastas criadas pelo usuário e nos itens excluídos.

Acaso deferido o presente pleito, requer-se seja oficiado à empresa UOL/BOL/UNIVERSO ONLINE, Departamento Jurídico, na Cidade de São Paulo – SP, determinando o envio em meio magnético (CD ou DVD) a este d. Juízo de toda a movimentação de e-mails das contas [endereço de e-mail @uol.com.br], no período de 01º de janeiro de 2000 até a data do envio do ofício contendo todos os e-mails recebidos e enviados, com seus respectivos anexos, inclusive aqueles arquivados em eventuais pastas criadas pelo usuário e nos itens excluídos;

Nestes Termos, Pedem Deferimento.

Curitiba, (DATA)

(NOME) PROMOTOR DE JUSTIÇA

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6.9 Modelo – Pedido de Registro de Conexão

Excelentíssimo(a) Senhor(a) Dr.(a) Juíz(a) de Direito da Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, através de seus representantes infrafirmados, no uso de suas atribuições legais, com fundamento no artigo 22 da Lei nº 12.965/14, vem com o devido acatamento e respeito perante Vossa Excelência requerer o fornecimento de

REGISTROS DE CONEXÃO DE E-MAIL

pelas seguintes razões de fato e de direito

1.) DOS FATOS

(...)

2.) DOS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO EXISTENTES

2.1) DA RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE OS ENVOLVIDOS

(...)

3.) DO OBJETO DO PRESENTE PEDIDO

O objeto do presente pedido possui relação justamente com o referido e-mail.

A origem deste e-mail precisa ser melhor averiguada, haja vista a confirmação de ambas as senhoras em tese envolvidas na comunicação de que possuíam a senha do e-mail da conta remetente.

De acordo com o manual “Crimes Cibernéticos – Manual Prático de Investigação”, elaborado pelo Ministério Público Federal, mais precisamente pela Procuradoria da República de São Paulo, para análise de e- mails, as seguintes providências devem ser realizadas:

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“Quando a evidência investigada for um e-mail (por exemplo, uma mensagem que contenha arquivos com pornografia infantil anexados) é preciso não apenas preservar o conteúdo da mensagem, como também identificar o cabeçalho do e-mail, ou seja, a parte do e- mail que informa os dados do remetente e do destinatário da mensagem. O objetivo é aquele já mencionado: descobrir o número do IP, a data e a hora da transmissão e a referência à hora GMT.

(...)É comum um cabeçalho possuir várias linhas que começam com a

palavra “received”. A palavra marca por quantas estações (ou servidores) a mensagem passou antes de chegar ao destinatário. O parágrafo que interessa é sempre o último “received”10; é ele quem indica a primeira máquina que originou a mensagem, isto é, o computador do remetente.”

O referido e-mail foi submetido a análise pelo Instituto de Criminalística, sendo, que da análise do cabeçalho do e-mail - nomeado no laudo pericial como “anexo (metadados do email) – obteve-se o seguinte IP da máquina na qual foi enviada a comunicação: [número do IP].

Consultando-se o site “ip-address- lookup”, logrou-se apurar que o servidor utilizado pelo referido IP foi o Net-Virtua, o qual inclusive possui escritório nesta Capital:

(PRINT DA IMAGEM DO SITE)

Deste ponto para frente faz-se necessária autorização judicial, pois o que se pretende é que o servidor da conexão (Net-Virtua) informe qual o seu cliente que fez uso daquele IP quando do envio do e-mail. Com esta informação, espera-se confirmar ou a versão de (NOME) (de que o e-mail foi enviado foi por (NOME), o que traz relevante dado acerca da prática do ato ímprobo) ou a versão de (NOME) (de que o e-mail foi enviado por (NOME)). Tal pode ser possível conforme a informação do servidor acerca do local em que o e-mail foi enviado.

No caso em tela, face o conteúdo do referido e-mail, simplesmente não há como desconsiderar sua existência e não buscar apurar quem efetivamente o enviou, dado este que somente será possível obter com a presente medida.

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4.) DO DIREITO

A presente matéria encontra regulação na Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), mais precisamente em seu artigo 22:

“Art. 22. A parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, requerer ao juiz que ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet.

Parágrafo único. Sem prejuízo dos demais requisitos legais, o requerimento deverá conter, sob pena de inadmissibilidade:

- fundados indícios da ocorrência do ilícito;- justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória; e- período ao qual se referem os registros.”

Os fundados indícios da ocorrência do ilícito estão indicados no item 2 do presente arrazoado.

A utilidade dos registros solicitados para fins de investigação está indicada no item 3 deste arrazoado, sendo que somente com a presente medida poderá se saber quem efetivamente enviou a referida comunicação eletrônica, a qual sugere a prática dos atos ilícitos investigados no inquérito civil nº (...).

O período que se pretende a informação é tão somente o indicado no mencionado e-mail, ou seja, o referente ao IP (...), conexão esta utilizada no dia (...), às (HORÁRIO).

Tem-se, portanto, que todas as exigências legais para o acatamento da presente medida estão atendidas, sendo de fundamental importância para o deslinde da investigação o deferimento do presente pleito.

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5.) DO PEDIDO

De tudo quanto exposto, o Ministério Público requer seja requisitado ao provedor Net-Virtua que informe qual o seu cliente que fez uso do IP (...), no dia (...), às (HORÁRIO), informando, ainda, todos os dados cadastrais do referido cliente.

Nestes Termos, Pede Deferimento.

Curitiba,

(NOME DO PROMOTOR) PROMOTOR DE JUSTIÇA

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6.10 Cadeia de Custódia – Portaria 82-2014/SENASP

PORTARIA SENASP Nº 82, DE 16 DE JULHO DE 2014

Estabelece as Diretrizes sobre os procedimentos a serem observados no tocante à cadeia de custódia de vestígios.

A SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, no uso das atribuições que lhe conferem o art. 45, do Anexo I, do Decreto nº 6.061, de 15 de março de 2007 e o art. 40, do Regimento Interno aprovado pela Portaria nº 1.821, de 13 de outubro de 2006, do Ministério da Justiça; e

Considerando que a cadeia de custódia é fundamental para garantir a idoneidade e a rastreabilidade dos vestígios, com vistas a preservar a confiabilidade e a transparência da produção da prova pericial até a conclusão do processo judicial;

Considerando que a garantia da cadeia de custódia confere aos vestígios certificação de origem e destinação e, consequentemente, atribui à prova pericial resultante de sua análise, credibilidade e robustez suficientes para propiciar sua admissão e permanência no elenco probatório; e

Considerando a necessidade de instituir, em âmbito nacional, a padronização da cadeia de custódia, resolve:

Art. 1º - Ficam estabelecidas, na forma do Anexo I desta Portaria, Diretrizes sobre os procedimentos a serem observados no tocante à cadeia de custódia de vestígios.

Art. 2º - A observância da norma técnica mencionada no artigo anterior passa a ser de uso obrigatório pela Força Nacional de Segurança Pública.

Art. 3º - O repasse de recursos pela Secretaria Nacional de Segurança Pública para fortalecimento da perícia criminal oficial nos Estados e no Distrito Federal levará em conta a observância da presente norma técnica.

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Art. 4º - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

REGINA MARIA FILOMENA DE LUCA MIKI

ANEXO I

DIRETRIZES SOBRE CADEIA DE CUSTÓDIA

1. Da cadeia de custódia

1.1. Denomina-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.

1.2. O início da cadeia de custódia se dá com a preservação do local de crime e/ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio.

1.3. O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação.

1.4. A busca por vestígios em local de crime se dará em toda área imediata, mediata e relacionada.

1.5. A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestígio nas seguintes etapas:

a. reconhecimento: consiste no ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial;

b. fixação: é a descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, ilustrada por fotografias, filmagens e/ou croqui;

c. coleta: consiste no ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial respeitando suas características e natureza;

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d. acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma individualizada, de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas, para posterior análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento;

e. transporte: consiste no ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizando as condições adequadas (embalagens, veículos, temperatura, etc.), de modo a garantir a manutenção de suas características originais, bem como o controle de sua posse;

f. recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio que deve ser documentado com, no mínimo, as seguintes informações: número de procedimento e unidade de polícia judiciária relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza do exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem recebeu;

g. processamento: é o exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo com a metodologia adequada às suas características biológicas, físicas e químicas, a fim de se obter o resultado desejado que deverá ser formalizado em laudo;

h. armazenamento: é o procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado, com vinculação ao número do laudo correspondente;

i. descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial.

2. Das etapas da cadeia de custódia

2.1. As etapas da cadeia de custódia se distribuem nas fases externa e interna.

2.2. A fase externa compreende todos os passos entre a preservação do local de crime ou apreensões dos elementos de prova e a chegada do vestígio ao órgão pericial encarregado de processá-lo, compreendendo, portanto:

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a. preservação do local de crime;

b. busca do vestígio;

c. reconhecimento do vestígio;

d. fixação do vestígio;

e. coleta do vestígio;

f. acondicionamento do vestígio;

g. transporte do vestígio;

h. recebimento do vestígio.

2.3. A fase interna compreende todas as etapas entre a entrada do vestígio no órgão pericial até sua devolução juntamente com o laudo pericial, ao órgão requisitante da perícia, compreendendo, portanto:

a. recepção e conferência do vestígio;

b. classificação, guarda e/ou distribuição do vestígio;

c. análise pericial propriamente dita;

d. guarda e devolução do vestígio de prova;

e. guarda de vestígios para contraperícia;

f. registro da cadeia de custódia.

3. Do manuseio do vestígio

3.1. Na coleta de vestígio deverão ser observados os seguintes requisitos mínimos:

a. realização por profissionais de perícia criminal ou, excepcionalmente, na falta destes, por pessoa investida de função pública, nos termos da legislação vigente;

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b. realização com a utilização de equipamento de proteção individual (EPI) e materiais específicos para tal fim;

c. numeração inequívoca do vestígio de maneira a individualizálo.

3.2. O recipiente para acondicionamento do vestígio será determinado pela natureza do material, podendo ser utilizados: sacos plásticos, envelopes, frascos e caixas descartáveis ou caixas térmicas, dentre outros.

3.3. Todos os recipientes deverão ser selados com lacres, com numeração individualizada, de forma a garantir a inviolabilidade e idoneidade do vestígio durante o transporte.

3.4. O recipiente deverá individualizar o vestígio, preservar suas características, impedir contaminação e vazamento, ter grau de resistência adequado e espaço para registro de informações sobre seu conteúdo.

3.5. Todos os vestígios coletados deverão ser registrados individualmente em formulário próprio no qual deverão constar, no mínimo, as seguintes informações:

a. especificação do vestígio;

b. quantidade;

c. identificação numérica individualizadora;

d. local exato e data da coleta; e. órgão e o nome /identificação funcional do agente coletor;

f. nome /identificação funcional do agente entregador e o órgão de destino (transferência da custódia);

g. nome /identificação funcional do agente recebedor e o protocolo de recebimento; h. assinaturas e rubricas;

i. número de procedimento e respectiva unidade de policia judiciária a que o vestígio estiver vinculado.

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3.6. O recipiente só poderá ser aberto pelo perito que vai proceder à análise e, motivadamente, por pessoas autorizadas.

3.7. Após cada rompimento de lacre, deve se fazer constar na ficha de acompanhamento de vestígio o nome e matrícula do responsável, a data, o local, a finalidade, bem como as informações referentes ao novo lacre utilizado.

3.8. O lacre rompido deverá ser acondicionado no interior do novo recipiente.

4. Da central de custódia

4.1. Todas as unidades de perícia deverão ter uma central de custódia destinada à guarda e controle dos vestígios. A central poderá ser compartilhada entre as diferentes unidades de perícia e recomendase que sua gestão seja vinculada diretamente ao órgão central de perícia.

4.2. Na central de custódia, a entrada e a saída de vestígio deverá ser protocolada, consignando-se informações sobre a ocorrência/ inquérito que a eles se relacionam.

4.3. Todas as pessoas que tiverem acesso ao vestígio armazenado deverão ser identificadas e deverá ser registrada data e hora do acesso.

4.4. Quando da tramitação do vestígio armazenado, todas as ações deverão ser registradas, consignando-se a identificação do responsável pela tramitação, destinação, data e horário da ação.

4.5. O procedimento relacionado ao registro deverá:

a. ser informatizado ou através de protocolos manuais sem rasuras;

b. permitir rastreamento do objeto/vestígio (onde e com quem se encontra) e a emissão de relatórios;

c. permitir a consignação de sinais de violação, bem como descrevê-los;

d. permitir a identificação do ponto de rompimento da cadeia de custódia com a devida justificativa (responsabilização);

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e. receber tratamento de proteção que não permita a alteração dos registros anteriormente efetuados, se informatizado. As alterações por erro devem ser editadas e justificadas;

f. permitir a realização de auditorias.

5. Das disposições gerais

5.1. As unidades de polícia e de perícia deverão ter uma central de custódia que concentre e absorva os serviços de protocolo, possua local para conferência, recepção, devolução de materiais e documentos, possibilitando a seleção, classificação e distribuição de materiais. A central de custódia deve ser um espaço seguro, com entrada controlada, e apresentar condições ambientais que não interfiram nas características do vestígio.

5.2. O profissional de perícia poderá devolver o vestígio em caso de não conformidade entre o conteúdo e sua descrição, registrando tal situação na ficha de acompanhamento de vestígio.

5.3. Enquanto o vestígio permanecer na Delegacia de Polícia deverá ser mantido em embalagem lacrada em local seguro e apropriado a sua preservação. Nessa situação, caso haja necessidade de se abrir o lacre para qualquer fim, caberá à Autoridade Policial realizar diretamente a abertura ou autorizar formalmente que terceiro a realize, observado o disposto no item 3.7.

ANEXO II

GLOSSÁRIO

AGENTE PÚBLICO: todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função pública.

ÁREA IMEDIATA: área onde ocorreu o evento alvo da investigação. É a área em que se presume encontrar a maior concentração de vestígios relacionados ao fato.

ÁREA MEDIATA: compreende as adjacências do local do crime. A área intermediária entre o local onde ocorreu o fato e o grande ambiente exterior

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que pode conter vestígios relacionados ao fato sob investigação. Entre o local imediato e o mediato existe uma continuidade geográfica.

ÁREA RELACIONADA: é todo e qualquer lugar sem ligação geográfica direta com o local do crime e que possa conter algum vestígio ou informação que propicie ser relacionado ou venha a auxiliar no contexto do exame pericial.

CÓDIGO DE RASTREAMENTO: trata-se de um conjunto de algarismos sequenciais que possui a capacidade de traçar o caminho da história, aplicação, uso e localização de um objeto individual ou de um conjunto de características de um objeto. Ou seja: a habilidade de se poder saber através de um código numérico qual a identidade de um objeto e as suas origens.

CONTRAPERÍCIA: nova perícia realizada em material depositado em local seguro e isento que já teve parte anteriormente examinada, originando prova que está sendo contestada.

CONTRAPROVA: resultado da contraperícia.

Equipamento de Proteção Individual (EPI): Todo dispositivo ou produto, de uso individual, destinado à redução de riscos à integridade física ou à vida dos profissionais de segurança pública.

Ficha de Acompanhamento de Vestígio: é o documento onde se registram as características de um vestígio, local de coleta, data, hora, responsável pela coleta e demais informações que deverão acompanhar o vestígio para a realização dos exames.

LACRE: meio utilizado para fechar uma embalagem que contenha algo sob controle, cuja abertura somente poderá ocorrer pelo seu rompimento. Ex.: lacres plásticos, lacre por aquecimento, fitas de lacre e etiqueta adesiva.

PESSOA INVESTIDA DE FUNÇÃO PÚBLICA: indivíduo em relação ao qual a Administração confere atribuição ou conjunto de atribuições.

PRESERVAÇÃO DE LOCAL DE CRIME: manutenção do estado original das coisas em locais de crime até a chegada dos profissionais de perícia criminal.

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PROFISSIONAIS DE PERÍCIA CRIMINAL: profissionais que atuam nas diversas áreas da perícia criminal, como médicos legistas, peritos criminais, papiloscopistas e técnicos de perícia.

VESTÍGIO: é todo objeto ou material bruto, de interesse para elucidação dos fatos, constatado e/ou recolhido em local de crime ou em corpo de delito e que será periciado.

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6.11 Guia Rápido de Arrecadação de Equipamentos Computacionais

1. TIPOS DE EQUIPAMENTOS COMPUTACIONAIS.

Equipamentos computacionais podem tomar várias formas, como portáteis (laptop, notebook, netbook, ultrabook, booktop, wearable, tablet, PDAs, smartphones), desktops (torre, mini-torre, dockstation), servidores (racks, torres, main-frames), all-in-one (tudo em um), smart tv.

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A. COMPUTADOR DESKTOP -> ARRECADAÇÃO DO DISCO RÍGIDO.

B. COMPUTADORES PORTÁTEIS, SMART TV, ALL-IN-ONE -> ARRECADAÇÃO INTEGRAL.

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C. MÍDIAS DE ARMAZENAMENTO COMPUTACIONAL -> ARRECADAÇÃO COM TRIAGEM

Mídias de Armazenamento computacional podem tomar várias formas, inclusive “camufladas”.

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Referências

SETEC/PR/SR/DPF. Guia Rápido de Apreensão de Informática. Curitiba: 2010.

NIJ. Eletronic Crime Scene Investigation: A guide for first responders. 2º ed. Washington, 2008. CNJ. Manual de bens apreendidos. Brasília: 2011.

TJPR. Vara de inquéritos policiais. Bens Apreendidos. Portaria nº 001/2012 de 11 de outubro de 2012.

SENASP. Portaria nº 82 de 16 de julho de 2014. Disponível em: <http://www.lex.com.br/legis_25740023_PORTARIA_N_82_DE_16_DE_JULHO_DE_2014>.

PGE-PR. Parecer nº 963/2015 da Procuradoria Geral do Estado do Paraná.

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6.12 Modelo – Termo de Declarações – Sistema Audiovisual

TERMO DE DECLARAÇÕES – SISTEMA AUDIOVISUAL

Às 16h10min, do dia 14 de abril de 2015, na Sede do GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO - GAECO - NÚCLEO REGIONAL DE CURITIBA, localizado na Rua Brasilino de Moura, nº 818, Bairro Ahú, nesta cidade de Curitiba/PR, compareceu ARI ANTONIO ALVES SOBRINHO, brasileiro, divorciado, comerciante e agente político, RG nº 2.329.817-1/PR, CPF nº 628.571.349-91, nascido aos 02/10/1965, natural de Joaçaba/SC, filho de Domingos Alves Sobrinho e de Maria Izaura da Silva, residente na Rua Valdir Muller, nº 637 Matinhos-PR - PR, tel. (41) 9754-0320, que prestou declarações que foram registradas em sistema audiovisual, as quais seguem no DVD em anexo.

ARI ANTONIO ALVES SOBRINHODeclarante

ANDRÉ TIAGO PASTERNAK GLITZPromotor de Justiça

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6.13 Modelo – Termo de Declarações

TERMO DE DECLARAÇÕES

Às 16h15min, do dia 20 de março de 2013, na Sede do GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO - GAECO - NÚCLEO REGIONAL DE CURITIBA, localizado na Rua Brasilino de Moura, nº 818, Bairro Ahú, nesta cidade de Curitiba/PR, compareceu EVAIR BONFIM CORDEIRO, brasileira, viúva, vendedora, RG nº 5.960.397-3/PR, CPF nº 742.897.809-20, natural de Quatro Barras/PR/PR, nascida aos 11/01/1964, filha de Aguinaldo Pires Cordeiro e de Divair Bonfim Cordeiro, endereço Rua das Azaleias, nº 314, Jardim Itapira II, Quatro Barras/PR, tel. (41) 9840-9010, acompanhada de advogada Dra. Jucimeri Bandeira de Souza OAB/PR 21.840, que passou a declarar que segue: “que presenciou Wenilton Hinhander Ribeiro ser agredido no dia 12 de março de 2013, no período da tarde, nas proximidades da Rua Amilton João Busnardo, Jardim Orestes Thá, em Quatro Barras/PR; que na ocasião dos fatos estava vendendo produtos Nestle de porta a porta; que encontrou Wenilton na rua minutos antes de sua prisão e inclusive se cumprimentaram como de costume e que Wenilton não aparentava qualquer tipo de lesão, mas apresentava agitação, alteração de comportamento e nervosismo; que conhece Wenilton aproximadamente 15 anos; que logo após viu Wenilton ingressar no terreno da sua casa e que o carro do 156 estava no local; que em seguida chegou uma viatura com policiais ingressaram no terreno da residência e derrubaram Wenilton no chão para imobiliza-lo, sem justificativa de forma agressiva; que um dos policiais de estatura média, pele clara e gordo, apresentou comportamento agressivo e agiu com violência em relação a Wenilton sem necessidade; que este policial pisou na região do peito de Wenilton e com auxilio de outro policial colocaram-no de bruços e o algemaram; que no caminho até a viatura viu Wenilton ser agredido com chutes pelo policial que usa óculos, de estatura magra e clara e cavanhaque; que Wenilton foi jogado como um porco no porta malas da viatura e levado para a delegacia; que as pessoas que presenciaram a abordagem bem como a declarante insistentemente diziam aos policiais que Wenilton estava com problemas psicológicos e na verdade necessitava de tratamento médico, ou seja, ser levado por uma ambulância e não se tratava de caso de polícia. Nada mais.

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EVAIR BONFIM CORDEIRODeclarante

JUCIMERI BANDEIRA DE SOUZA OAB/PR 21.840

ANDRÉ TIAGO PASTERNAK GLITZPromotor de Justiça

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6.14 Modelo – Infiltração de Agente

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _____ VARA CRIMINAL DA COMARCA DE LONDRINA.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seus agentes adiante firmados, no exercício de suas atribuições perante o GAECO – Núcleo Regional de Londrina, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com fulcro nas disposições da Lei n.º 9.296/96 e da Lei nº 12.850/13 (Lei do Crime Organizado) formular o presente pedido de interceptação telefônica, de autorização para ação controlada, de infiltração policial e de captação de sinais eletromagnéticos, ópticos e/ou acústicos, expondo, para tanto, o seguinte:

I - Breve histórico

Este Núcleo Regional do GAECO instaurou, nesta data, o Procedimento Investigatório Criminal nº MPPR-0078.14.001698-7 (cópia de portaria em anexo) com vistas a apurar fato de corrupção ativa que, segundo se pode inferir, pode estar sendo protagonizado por eventual organização criminosa que estaria pretendendo proteger suas atividades criminosas a partir da obtenção de informações privilegiadas que seriam extraídas de órgão de repressão ao crime organizado.

Tal procedimento foi instaurado em virtude do conteúdo da informação agora acostada, datada de hoje, subscrita pelo investigador de polícia Mateus Calabresi Liutti, vinculado a este Núcleo Regional do GAECO, o qual narra com detalhes ter sido procurado por outro investigador de polícia, chamado ANDRÉ LUIS SANTELLI, atualmente lotado no 1º Distrito Policial de Londrina, que lhe ofereceu (a Mateus) vantagem indevida em troca do fornecimento de informações privilegiadas que poderiam ser obtidas no interior do próprio GAECO.

ANDRÉ LUIS SANTELLI primeiramente ofereceu ao investigador lotado no GAECO a importância de R$ 500,00 (quinhentos reais) por mês e, em seguida, importâncias imprecisas a serem pagas esporadicamente, desde que o agente vinculado a este Núcleo se dispusesse a repassar informações a respeito de investigações que tivessem por objeto ações criminosas praticadas por integrantes da Receita Estadual.

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Segundo ANDRÉ LUIS SANTELLI afirmou ao investigador lotado neste GAECO, integrantes dos quadros da Delegacia Regional da Receita sediada em Londrina, dentre eles um indivíduo que seria seu (de ANDRÉ) companheiro de Loja Maçônica, estariam preocupados com as atividades de investigação deste GAECO que tivessem como objeto ações ilícitas daqueles mesmos agentes fiscais e já teriam se programado para obter informações a respeito de tais eventuais investigações.

Tal programação teria incluído, num primeiro momento, o fornecimento dessas informações sigilosas pelo próprio ANDRÉ LUIS SANTELLI, por ocasião de sua designação para trabalhar neste GAECO, e, depois, com a sua recusa para integrar este Núcleo, teria evoluído para cooptar um dos policiais que compõe o Grupo.

Nessa perspectiva, como ANDRÉ LUIS SANTELLI conhece o investigador Mateus – por terem participado de alguns trabalhos comuns, e antevendo a possibilidade de colocar em curso o plano articulado em concurso com integrantes da Receita Estadual, passou a manter contatos, que tiveram lugar no período de 17 a 20/06/2014, os quais culminaram nas propostas de vantagens indevidas acima mencionadas.

Como consta da Informação em anexo, o investigador Mateus, surpreso com as propostas de ANDRÉ LUIS SANTELLI, em princípio refutou-as de maneira cabal. Todavia, ANDRÉ deixou em aberto a possibilidade de retomar os contatos com vistas a prosseguir em seu desiderato, o que justifica, desde logo, a urgente adoção de providências investigatórias, de modo a permitir angariar provas acerca da corrupção ativa pratica e, sobretudo, identificar os agentes fiscais aos quais ANDRÉ estaria vinculado.

A propósito da informação de ANDRÉ, cumpre anotar os fatos assentados no relatório policial em anexo, os quais conferem idoneidade à suspeita de que ANDRÉ LUIS SANTELLI integraria organização criminosa composta por agentes fiscais da Receita Estadual e, portanto, justificam as medidas abaixo requeridas.

Por primeiro, é necessário registrar que obviamente é do conhecimento de integrantes da Delegacia local da Receita Estadual que este Núcleo do GAECO tem procurado exercitar a persecução de crimes praticados por agentes fiscais no exercício de suas funções. Inclusive por estarem estruturalmente unidas, as Promotoria de Combate à Sonegação Fiscal e do

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GAECO estão, constantemente, procurando evidências de corrupção naquela Delegacia.

Além de diversas providências de cunho investigatório e de procedimentos instaurados, vários agentes fiscais foram denunciados por corrupção passiva ou concussão, sendo que ao menos cinco deles foram presos em flagrante por Policiais do GAECO, tornando-se notório que o mau comportamento funcional desses agentes fiscais passou a ser objeto de preocupação constante deste Núcleo Regional. Consigne-se, a esse propósito, que há rumores contundentes acerca da existência de elevado índice de corrupção em tal Delegacia, nada obstante sua comprovação seja bastante difícil.

Justamente pela notoriedade das atividades deste GAECO, um certo empresário procurou este Núcleo, há poucos meses, com o pretenso fim de “denunciar” graves fatos de corrupção envolvendo agentes fiscais da Delegacia Regional da Receita Estadual sediada em Londrina. Ocorre que, após narrar verbalmente, na presença de seu advogado, fatos alarmantes a respeito de vários agentes de tal Delegacia, tal indivíduo se comprometeu a voltar a este Núcleo com documentos e para reduzir a termo sua narrativa.

Contudo, de maneira sintomática, referido indivíduo não mais retornou ao GAECO e seu advogado, instado a comparecer pelos integrantes deste Núcleo, apresentou justificativas pouco críveis, evitando manter novos contatos, o que chamou a atenção e despertou a desconfiança de que tais pessoas poderiam estar fazendo uma espécie de “jogo duplo”, ou seja, ameaçando delatar a corrupção de agentes fiscais a este GAECO e, ao mesmo tempo, mantendo negociações espúrias com os mesmos agentes fiscais, atemorizando-os com a perspectiva de atuação deste Núcleo.

Tais circunstâncias, quando cotejadas com a informação agora acostada, permitem inferir que, de fato, há agentes fiscais que estariam sobremaneira interessados nas atividades investigatórias do GAECO e que, por tal razão, estariam dispostos a corromper policiais em troca de informações sigilosas e privilegiadas a respeito das investigações em curso neste Núcleo.

Também corrobora o conteúdo da informação o fato de que o ora investigado, ANDRÉ LUIS SANTELLI, de fato chegou a ser indicado formalmente para prestar seus serviços neste GAECO. Por meio da Resolução

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GS nº 272/2013, assinada pelo então Secretário de Segurança Pública do Estado do Paraná, ANDRÉ foi designado para desempenhar suas atividades neste Núcleo.

Ocorre que, a bom tempo (agora isto fica mais evidente), referido investigador não foi aceito neste Núcleo, já que os integrantes deste não haviam sido consultados a respeito de sua designação. Como mostra a cópia do ofício nº 296/13, em anexo, ANDRÉ LUIS SANTELLI foi formalmente recusado pelos membros do Ministério Público lotados neste GAECO. Por ocasião de tal ofício, consignou-se expressamente que “ANDRÉ LUIS SANTELLI é completamente desconhecido dos integrantes deste Núcleo Regional, não havendo informações seguras a respeito de quem o tenha indicado para aqui trabalhar e muito menos que tal servidor reúna os atributos necessários para sua integração ao GAECO”.

Todavia, de modo surpreendente, ANDRÉ LUIS SANTELLI compareceu à sede do GAECO em seguida a tal Resolução, a pretexto de se apresentar para trabalhar, acabando por ter uma altercação com as pessoas que trabalham na recepção deste órgão, ocasião em que chegou a exibir sua arma como pretensa “identificação funcional”, fato este que gerou a comunicação de sua conduta à Corregedoria da Polícia Civil pela Autoridade Policial vinculada a este Núcleo (cópia inclusa).

Tais fatos, a par de revelarem a audácia de ANDRÉ LUIS SANTELLI, agora exponencialmente replicada ao oferecer vantagem indevida a investigador lotado neste Núcleo, coadunam com perfeição com a conversa que protagonizou com o investigador Mateus. Especialmente na parte em que, como consta da informação inclusa, “ele prosseguiu dizendo que não deu certo de ele ir para o Gaeco, que ele já trabalhou na receita estadual , onde tem muitos amigos, e que iria me passar uma mensalidade de R$ 500,00 contudo eu deveria repassar informações sobre investigações do Gaeco, que envolvesse fiscais da Receita Estadual”, e, também, do complemento em que atesta que “o pessoal da Receita Estadual estaria contando com essa ajuda, pois estava certo dele (Andre) trabalhar no Gaeco, porém não se concretizou. Além do mais, Andre mencionou que os fiscais têm muito dinheiro de propina e que eles não mediriam esforços para ter um informante dentro do Gaeco”. (grifos nossos).

Portanto, todo o conteúdo da informação acostada está bastante alicerçado nos fatos ocorridos, notadamente na vocação deste GAECO para

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investigar fatos criminosos de integrantes da Receita Estadual, nas ações já desenvolvidas, na perspectiva de uma “denúncia” grave que seria feita pelo empresário citado e, em especial, na frustrada tentativa de emplacar ANDRÉ LUIS SANTELLI como integrante deste Grupo.

Assim, há indicativos consistentes de que ANDRÉ LUIS SANTELLI esteja falando a verdade ao oferecer propina para integrante deste GAECO, ou seja, que representa grupo de agentes fiscais que querem monitorar as ações deste Núcleo e, para tanto, usa a estratégia de corrupção de policiais para obter as informações pretendidas, contexto este inequivocamente conducente à suspeita de criminalidade organizada nos termos da Lei nº 12.850/2013.

2. Providências investigatórias necessárias

Numa primeira análise, percebe-se que há fundamentos contundentes para cogitar da prática dos crimes de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal), corrupção passiva (art. 317 do Código Penal – o próprio ANDRÉ teria se corrompido), associação criminosa (art. 288 do Código Penal) ou mesmo de constituição de organização criminosa (art. 2º da Lei nº 12.850/13).

Em suma, agentes fiscais desonestos teriam se reunido para corromper ANDRÉ LUIS SANTELLI e, por meio dele, cooptar e corromper outros policiais, com vistas a obter informações sigilosas de investigações e operações do GAECO, agregando ao grupo criminoso agentes públicos que tenham concordado em prestar serviços ilícitos em troca de dinheiro, o que indicaria a existência de organização.

Portanto, afigura-se como providências mais adequadas a de monitoramento e acompanhamento das atividades desse grupo ou organização criminosa, da melhor maneira possível, para que seja possível identificar os autores dos delitos de corrupção ativa que já tenham ocorrido e do plano de cooptar e corromper agentes públicos, visando obter informações por meio de violação de sigilo funcional destes últimos.

Atualmente, com a evolução legislativa (nem sempre perfeita, é verdade), o ordenamento vigente apresenta a possibilidade de utilização de diversos procedimentos investigatórios que permitem acompanhar e monitorar as atividades de organizações criminosas. Dentre elas, destacam-

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se algumas que, ao exame da situação concreta ora investigada, revelam-se mais adequadas para a persecução dos delitos em referência. Imperioso salientar, a propósito, que a urgência da situação, que está em pleno e célere curso, e a gravidade dos fatos, impõe que se recorra aos mecanismos legais mais úteis e eficazes, estatuídos nas leis supra epigrafadas.

2.1 – Da ação controlada – Não atuação policial no primeiro momento

Por primeiro, entende-se conveniente seja autorizado judicialmente que o investigador Mateus Calabresi Liutti, lotado neste GAECO, que já se dispôs a colaborar integralmente com a elucidação dos fatos, efetivamente confirme que poderá se prestar à participação criminosa desejada por ANDRÉ LUIS SANTELLI. E que, inclusive, possa até aceitar a proposta de pagamento ou o próprio pagamento oferecido por ANDRÉ ou outros integrantes do grupo investigado, recebendo eventual importância (que deverá ser imediatamente apreendida para futura comprovação dos delitos).

Essas tratativas devem ser monitoradas de perto por Policiais do GAECO, através da execução de plano de operação já em elaboração (que envolveria filmagens, gravações ambientais e especialmente a infiltração do próprio investigador Mateus ou de outros Policiais do próprio Grupo que, disfarçados de comparsas, poderiam testemunhar os crimes que venham a acontecer).

De todo modo, a observação e acompanhamento das atividades criminosas da aventada organização integrada por ANDRÉ LUIS SANTELLI deve ser permeada por ação controlada da Polícia, com o retardamento de sua interdição e com a sua não-atuação num primeiro momento, nos exatos moldes previstos nos artigos 8º e 9º da Lei nº 12.850/13 (Lei do Crime Organizado), ou seja, não haveria a imediata prisão em flagrante dos investigados caso tornassem a efetuar propostas ou fizessem a entrega de valores, tudo com o fim de busca esclarecimentos a respeito dos demais envolvidos. A tal propósito, calha mencionar que, sem a manutenção das conversas de ANDRÉ LUIS SANTELLI com o investigador Mateus Liutti, outras medidas para coibir os ilícitos possivelmente não teriam o mesmo sucesso.

2.2 – Da infiltração de Policiais e do monitoramento do envolvimento do colaborador

Além disso, o diploma há pouco referido (Lei nº 12.850/13 – Lei

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do Crime Organizado), admite plenamente seja judicialmente autorizada a infiltração de agentes policiais em organizações criminosas (artigos 10 a 14).

Portanto, diante do quadro de gravidade até agora constatado, é imprescindível que se autorize que Policiais vinculados a esta Promotoria e, principalmente, que Mateus Calabresi Liutti, se liguem a ANDRÉ LUIS SANTELLI e, por meio dele, a quaisquer outros indivíduos integrantes da organização em investigação, coletando todos os dados e elementos de prova possíveis, mediante constante e ininterrupta prestação de contas a esta Promotoria e a esse Juízo acerca de suas atividades, para que tudo reste documentado e formalmente registrado.

Dentro desse contexto, seria necessário autorizar que Mateus Calabresi Liutti, apoiado por outros eventuais Policiais infiltrados, fizesse todos os contatos necessários com a organização criminosa (em especial com ANDRÉ LUIIS SANTELLI), com o propósito de aceitar participar do grupo que deseja obter informações sigilosas acerca de investigações do GAECO, de concordar com a corrupção que lhe está sendo proposta e de manter canal aberto para descoberta de todas as circunstâncias necessárias para seu desmantelamento e prisão dos envolvidos.

Com a infiltração dos agentes policiais, notadamente de Mateus Calabresi Liutti, aparenta ser possível farta coleta de provas por todos os mecanismos legais possíveis, inclusive com a captação ambiental de sinais acústicos, óticos e etc., a seguir descrita.

Ressalte-se, por ser fundamental, que a aceitação de vantagem agora apontada não se confunde com a provocação ou estimulação, por parte de Mateus ou de qualquer outro, para que seja efetuado o pagamento, mas tão somente de concordar com eventual renovação da oferta que venha a ser feita (evitando hipótese de crime preparado).

2.3 – Da captação e interceptação ambiental

Para tanto, com base no art. 3º, inciso II, da Lei nº 12.850/13, e visando o integral aproveitamento como prova, é necessário que, especialmente aos agentes policiais infiltrados (sem descurar da extensão a todos os que participarem da investigação, notadamente Mateus Calabresi Liutti), seja autorizada a captação de sinais ópticos (mediante filmagens e fotografias) e acústicos (mediante gravações por equipamentos diversos)

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de ações ou de conversações que sejam mantidas entre ou por integrantes da organização criminosa, notadamente, num primeiro momento, aquelas que sejam protagonizadas por Mateus e ANDRÉ LUIS SANTELLI e/ou agentes fiscais. Trata-se de diligências que, se obtiverem êxito, podem colaborar para a elucidação das atividades ilícitas da aventada organização em questão.

2.4 – Interceptação telefônica

Pelo que foi narrado, há elementos suficientes para suspeitar que ANDRÉ LUIS SANTELLI faça uso dos telefones celulares (43) 9651-0444 (TIM) e (43) 043 8408-0797 (TIM), bem como do telefone fixo (43) 3342-4000 (SERCOMTEL S/A), este último do 1º Distrito Policial, para a execução dos crimes de associação criminosa (art. 288) ou formação de organização criminosa (art. 2º da Lei nº 12.850/13), corrupção ativa (art. 333) e/ou passiva (art. 317), todos do Código Penal, tudo com a possível incidência das disposições previstas na Lei nº 12.850/13, promovendo conversações acerca das infrações mencionadas, estando perfeitamente demonstrados os requisitos previstos nos incisos I e III do art. 2º da Lei nº. 9.296/96.

Pela natureza ilícita das práticas antes referidas, bem como pelas circunstâncias de toda situação, é possível que os investigados estejam promovendo telefonemas que, se interceptados, podem vir a colaborar sobremaneira com a elucidação dos fatos. Em razão de tais telefonemas podem ocorrer muitas revelações, notadamente quanto à exata definição de sua natureza do delito que por eles vem sendo protagonizados ou mesmo quanto à identidade de eventuais indivíduos aos quais os investigados estejam mancomunados e que tenham relação com os fatos sob investigação, especialmente outros agentes públicos, resultados que não se alcançarão senão por meio da interceptação que ora se pleiteia.

Ao se monitorar as ligações dos telefones indicados, gravando as conversações, há grande possibilidade de que aflorem com a clareza necessária provas contundentes da prática das aludidas infrações ou de novos crimes e identifiquem-se todos os agentes que tenham participação nos supostos delitos.

Destarte, remanesce com clareza a conclusão de que nenhum outro meio de investigação seria eficaz ou concretamente produtivo como a interceptação ora pleiteada.

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A obtenção de testemunhos acerca dos fatos é bastante difícil e até improvável, dada a própria natureza dos delitos, o temor infundido pelos cargos públicos ocupados pelos investigados e também diante do fato de que a sua prática envolve exclusivamente, no mais das vezes, os próprios delinquentes, como é o caso da corrupção. Vê-se demonstrado, com clareza, o requisito do inciso II do art. 2º acima mencionado, estando evidenciado o caráter de imprescindibilidade da medida ora pleiteada.

A captação de evidências quanto à corrupção em casos semelhantes é dificílima. Isto porque a corrupção, em tais situações, interessa a todos os implicados. Portanto, somente a interceptação é que pode permitir obter dados a respeito do relacionamento criminoso que tenha sido estabelecido entre os envolvidos.

Anota-se que, por ora, só se tem conhecimento dos telefones utilizados pelo investigado ANDRÉ LUIS SANTELLI acima indicados, por meio dos quais telefonou para o investigador Mateus. Porém, assim que se obtiverem informações a respeito de seus eventuais comparsas, a mesma medida de interceptação poderá ser estendida a estes.

Para efetividade das medidas de interceptação, algumas providências são imprescindíveis, sob pena de restar inviabilizado ou dificultado o trabalho de apuração dos fatos criminosos antes apontados.

A primeira delas é que, com relação à interceptação agora pleiteada, é fundamental que seja determinado que conste dos respectivos ofícios que as medidas devem ser iniciadas pelo número do celular, mas que as operadoras devem manter a interceptação pelo número do serial do aparelho (ESN ou IMEI), tendo em vista o fato de que é comum na criminalidade atual, p. ex., que os telefones que usem a tecnologia GSM tenham seus “chips” ou SIM CARDS trocados constantemente por seus usuários (para impedir exatamente o monitoramento de suas conversas), provocando a alteração do número do celular e a consequente inviabilização da investigação. Portanto, é necessário que a operadora mantenha a interceptação tanto pelo número do aparelho (chip), quanto por seu IMEI.

A segunda é que o histórico de chamadas do(s) telefone(s) interceptado(s) deve ser disponibilizado, em tempo real e intermitente, a este GAECO, por intermédio de e-mail a ser fornecido à operadora pelos Policiais a ele vinculados. Tal e-mail deve ser especificado em expediente em

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separado, a ser encaminhado por este GAECO, tendo em vista que referido e-mail será o do Policial encarregado do acompanhamento da interceptação, consoante distribuição interna dos serviços. Portanto, é imprescindível que conste do ofício que o e-mail respectivo será fornecido diretamente pelo GAECO.

A terceira é que é imprescindível que seja fornecida senha a Policiais vinculados ao GAECO, consoante indicação a ser feita em expediente em separado, para que possam ter acesso a:

a) dados cadastrais referentes às pessoas que mantiverem contatos com o(s) telefone(s) interceptado(s) e que tenham efetivo interesse para a investigação em curso neste GAECO;

b) histórico de chamadas das linhas de interesse nas investigações em curso neste GAECO (referentes àquelas linhas que tenham pertinência com a investigação, notadamente com conversação com o(s) telefone(s) interceptado(s);

c) localização de ERBs das linhas de interesse nas investigações em curso neste GAECO.

Estas últimas providências são necessárias porque o combate a determinadas modalidades de delinquência, como aquela agora enfocada, por suas características, exige, para sua efetividade, a obtenção de respostas rápidas e precisas. Nesses casos, a observância ao princípio da oportunidade pode ser o diferencial entre o sucesso e o fracasso da ação investigativa.

Estas informações, quando oportunamente recebidas e devidamente avaliadas, podem contribuir decisivamente em casos onde outros métodos de investigação, frente à organização e preparo da marginalidade contemporânea, se mostrariam ineficazes. Todavia, os dados anteriormente citados são mantidos em sigilo pelas empresas Operadoras, que somente os fornecem mediante autorização judicial.

É fundamental para êxito de uma investigação que as ramificações e/ou contatos dos usuários dos telefones interceptados sejam imediatamente identificados. Não raro há ajustes de práticas delitivas de modo imediato, que exigem que não haja intervalo de tempo para a identificação de pessoas ou de endereços, a fim de permitir eficaz atuação repressiva ou mesmo preventiva.

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Grandes dificuldades têm sido enfrentadas pela morosidade natural inerente à movimentação das estruturas do Estado (Ministério Público, Poder Judiciário e etc.) para a obtenção de informações vitais para a prevenção ou repressão de um delito.

Isto costuma ocorrer e a experiência demonstra, em casos de monitoramento de telefones que mantém contatos com interlocutores ainda não identificados, mas que são as pessoas encarregadas de ações criminosas imediatas. Até se conseguir a identificação dessas pessoas, de seus telefones, de seus dados cadastrais, históricos de chamadas, ou ERB’s utilizadas, muitas vezes a oportunidade de uma intervenção policial já desapareceu.

Destarte, o instrumental posto à disposição de uma investigação que versa acerca de crime organizado, com a possibilidade de enfrentamento de associações criminosas especializadas, deve ser também minimamente adequado, como, p. ex., com a obtenção dos dados acima referidos (letra “c”).

2.5 – Quebra de sigilo dos dados telefônicos

A par da interceptação telefônica mencionada, é essencial que sejam obtidos dados das ligações telefônicas efetuadas pelos números antes mencionados, durante o período em que antecedeu e mesmo no período dos fatos.

A Informação em anexo narra que ANDRÉ LUIS SANTELLI tentou estabelecer contatos com o investigador Mateus a partir de 17/06/2014, prosseguindo até 20/06/2014, originando chamadas dos telefones celulares (43) 9651-0444 (TIM) e (43) 043 84080797 (TIM), bem como do telefone fixo (43) 3342-4000 (SERCOMTEL S/A), este último do 1º Distrito Policial.

Assim, é essencial que sejam obtidas relações de chamadas efetuadas e recebidas por tais telefones, não só do mencionado período (17 a 20/06), mas também de um certo tempo antes, reputando-se razoável o prazo de 15 dias antes do primeiro contato. Tal medida se justifica pelo fato de que é bem provável que ANDRÉ LUIS SANTELLI, dias antes (e também depois) do contato com o investigador Mateus, tenha mantido conversações com seus supostos comparsas, originando ou recebendo chamadas nos mesmos telefones com os quais ligou para Mateus, sendo certo que a relação de chamadas pode permitir a identificação desses pretensos integrantes da aventada organização criminosa.

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Dessa forma, convém oficiar às operadoras para que forneçam os dados cadastrais e as relações de chamadas originadas e recebidas pelos aludidos telefones, a partir do dia 02/06/2014 e até a efetiva implantação das medidas de interceptação telefônica.

2.6 Do sigilo necessário

Evidentemente, as diligências ora almejadas só surtirão efeito se acobertadas por inquebrantável sigilo, inclusive para segurança do agente penitenciário Mateus e dos Policiais que venham a se infiltrar na associação/organização criminosa. Quanto mais restrito o grupo de pessoas que dela tenham conhecimento, maior a possibilidade de êxito. Sendo assim, considerando a inegável possibilidade de que, voluntariamente ou não, as informações ora em exame sejam espalhadas caso o presente requerimento tramite em Cartório, com fundamento no art. 23 da Lei nº 12.850/13, pede-se seja decretado o sigilo das investigações.

3. Pedido

Em razão do exposto, o Ministério Público requer o seguinte:

a) seja deferida autorização, com base nos artigos 8º e 9º da Lei nº 12.850/13 (Lei do Crime Organizado), para o exercício, no caso específico e exclusivo de necessidade das investigações e visando responsabilizar maior número de integrantes da organização criminosa ora investigada, a ação controlada, isto é, o retardamento da ação policial e/ou a momentânea não-atuação policial sobre os corruptores que estejam articulando a cooptação de agentes públicos e obtenção de informações do GAECO, tudo sob o monitoramento direto deste Núcleo Regional.

b) seja deferida, com base nos artigos 10 a 14 da Lei nº 12.850/13, autorização para infiltração de Mateus Calabresi Liutti ou outros eventuais Policiais do GAECO, a fim de façam todos os contatos necessários com a organização criminosa (em especial com ANDRÉ LUIIS SANTELLI), com o propósito de aceitar participar do grupo que deseja obter informações sigilosas acerca de investigações do GAECO, de concordar com a corrupção que lhe está sendo proposta e de manter canal aberto para descoberta de todas as circunstâncias necessárias para seu desmantelamento e prisão dos ligando-se a ANDRÉ LUIS SANTELLI e a quaisquer outros indivíduos integrantes da associação em questão, coletando todos os dados e elementos de prova

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possíveis, mediante constante e ininterrupta prestação de contas a este Núcleo Regional e a esse Juízo acerca de suas atividades.

Para tanto, é essencial que a decisão judicial deferindo a infiltração contemple autorização para que o investigador Mateus Calabresi Liutti, lotado neste GAECO, que já se dispôs a colaborar integralmente com a elucidação dos fatos, efetivamente confirme que poderá se prestar à participação criminosa desejada por ANDRÉ LUIS SANTELLI, e que, inclusive, possa até aceitar a proposta de pagamento ou a própria entrega de valores que venha a ser novamente oferecida por ANDRÉ ou por outros integrantes do grupo investigado, recebendo eventual importância (que deverá ser imediatamente apreendida para futura comprovação dos delitos), consignando-se expressamente que a aceitação de vantagem agora apontada não poderá se confundir com a provocação ou estimulação, por parte de Mateus ou de qualquer outro, para que seja efetuado o pagamento, mas tão somente de concordar com eventual renovação da oferta que venha a ser feita (evitando hipótese de crime preparado);

c) com base no art. 3º, inciso II, da Lei nº 12.850/13, e visando o integral aproveitamento como prova, é necessário que, especialmente aos agentes policiais infiltrados (sem descurar da extensão a todos os que participarem da investigação, notadamente Mateus Calabresi Liutti), seja autorizada a captação de sinais ópticos (mediante filmagens e fotografias) e acústicos (mediante gravações por equipamentos diversos) de ações ou de conversações que sejam mantidas entre ou por integrantes da organização criminosa, notadamente, num primeiro momento, aquelas que sejam protagonizadas por Mateus e ANDRÉ LUIS SANTELLI e/ou agentes fiscais;

d) com base no art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal, e artigos 1º e 2º da Lei nº. 9296/96, seja deferida a quebra de sigilo de dados e das comunicações, através da interceptação das conversações telefônicas, inclusive mensagens de texto, dos telefones celulares (43) 9651-0444 (TIM) e (43) 043 8408-0797 (TIM), bem como do telefone fixo (43) 3342-4000 (SERCOMTEL S/A), este último do 1º Distrito Policial, pelos motivos já expostos pelo prazo de quinze dias a contar de sua efetiva implantação, com a adoção das seguintes providências:

d.1) que a(s) operadora(s) forneça(m), guardado absoluto sigilo, todos os meios práticos, serviços (inclusive equipamentos) e técnicos especializados pertinentes (art. 7º da mesma lei) e que todas as ligações

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recebidas ou originadas do(s) telefone(s) em questão sejam gravadas na DIVISÃO DE SERVIÇOS DE TELEMÁTICA E DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - SESP/DIEP/DSTIT e monitoradas pelo GAECO – Núcleo Regional de Londrina, situado na Rua Capitão Pedro Rufino, 605, Jd. Europa, na cidade de Londrina consoante indicação deste GAECO (inclusive para desvio de áudio);

d.2) seja determinado à(s) operadora(s) que forneça(m) aos policiais encarregados do acompanhamento da interceptação, por meio eletrônico (e-mail ou outro – a ser fornecido em expediente em separado encaminhado pelo próprio GAECO), de maneira intermitente e em tempo real, histórico de chamadas do(s) telefone(s) interceptado(s), para que se possa, de imediato, visualizar a origem e o destino das ligações efetuadas pelo telefone interceptado;

d.3) seja determinado à(s) operadora(s) que forneça(m) senha a Policiais vinculados ao GAECO (consoante indicação a ser feita em expediente em separado, pelo próprio GAECO), para que possam ter acesso a: 1) dados cadastrais referentes às pessoas que mantiverem contatos com o(s) telefone(s) interceptado(s) e que tenham efetivo interesse para a investigação em curso neste GAECO; 2) histórico de chamadas das linhas de interesse nas investigações em curso neste GAECO (referentes àquelas linhas que tenham pertinência com a investigação, notadamente com conversação com o(s) telefone(s) interceptado(s); 3) localização de ERBs das linhas de interesse nas investigações em curso neste GAECO;

d.4) com base no art. 1º, parágrafo único, da Lei nº. 9.296/96, seja determinado à(s) operadora(s) que promovam a interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática que todos os investigados acima elencados mantenham por meio do acesso à internet através dos smartphones ou similares determinando-se às operadoras que repliquem e façam a transmissão para este GAECO de todo fluxo de comunicação de dados por internet que ocorram por meio de tais telefones ou do acesso à internet que estes possuam, inclusive emails, outros programas ou aplicativos de comunicação ou quaisquer outros acessos à internet.

d.5) seja determinado à(s) operadora(s) que entrando em vigor a portabilidade e estando o telefone monitorado, que seja encaminhado o ofício a operadora receptora, imediatamente, informando o prazo já interceptado, resguardando a operadora receptora o SEGREDO DE JUSTIÇA.

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d.6) para tanto, seja determinado às OPERADORAS DE TELEFONIA que a transmissão ou desvio de cópia de tais fluxos de comunicação de dados sejam encaminhado para o email [email protected], pertencente a este GAECO, em tempo real;

d.7) Por fim, requer seja observada integralmente a Resolução nº. 59 do Conselho Nacional de Justiça.

e) seja oficiado às operadoras para que forneçam os dados cadastrais e as relações de chamadas originadas e recebidas pelos aludidos telefones (celulares (43) 9651-0444 (TIM) e (43) 043 8408-0797 (TIM), bem como do telefone fixo (43) 3342-4000 (SERCOMTEL S/A), a partir do dia 02/06/2014 e até a efetiva implantação das medidas de interceptação telefônica acima requeridas.

f) Para que não haja a possibilidade de violação de sigilo das comunicações ou do teor das informações ora apresentadas, inclusive para preservar a própria privacidade e intimidade dos investigados e para que não se denigra injustamente a sua honra, requer seja adotado o mais rigoroso segredo de justiça, não permitindo o acesso aos autos a quem quer que seja, exceto ao próprio requerente.

Termos em quePede deferimento.

Londrina, 23 de junho de 2014.

Cláudio Rubino Zuan Esteves

Promotor de Justiça

Jorge Fernando Barreto

Promotor de Justiça

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