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CHRISTINA DE TOLEDO ZACCARELLI OCUPAR, RESISTIR E CONQUISTAR! AS OCUPAÇÕES SECUNDARISTAS DE 2015 E POSSÍVEIS EFEITOS DE SENTIDO PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS 2018

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CHRISTINA DE TOLEDO ZACCARELLI

OCUPAR, RESISTIR E CONQUISTAR! AS OCUPAÇÕES SECUNDARISTAS DE 2015 E POSSÍVEIS EFEITOS DE SENTIDO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

2018

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CHRISTINA DE TOLEDO ZACCARELLI

OCUPAR, RESISTIR E CONQUISTAR! AS OCUPAÇÕES SECUNDARISTAS DE 2015 E POSSÍVEIS EFEITOS DE SENTIDO

Dissertação apresentada ao Centro de Linguagem e Comunicação (CLC) da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, como requisito parcial para a obtenção de mestre em Linguagens, Mídia e Arte.

Orientadora: Profa. Dra. Eliane Righi de Andrade

PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

2018

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Ficha catalográfica elaborada por Marluce Barbosa – CRB 8/7313 Sistemas de Bibliotecas e Informação – SBI – PUC-Campinas

t371.83 Zaccarelli, Christina. Z13o Ocupar, resistir e conquistar! : as ocupações secundaristas de 2015 e

possíveis efeitos de sentido / Christina de Toledo Zaccarelli. - Campinas: PUC-Campinas, 2018. 122 f. Orientadora: Eliane Righi de Andrade. Dissertação (mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Campi-nas, Centro de Linguagem e Comunicação, Pós-Graduação em Lingua-gens, Mídia e Arte. Inclui anexo e bibliografia. 1. Movimentos estudantis. 2. Ocupações. 3. Linguagem. 4. Mídia social. 5. Arte. I. Andrade, Eliane Righi de. II. Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Centro de Linguagem e Comunicação. Pós-Graduação em Linguagens, Mídia e Arte. III. Título.

CDD – 18.ed. t371.83

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Para o Alê,

Por toda música, arte, amor e doçura.

AGRADECIMENTOS

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Aos meus pais, Carlos e Maria do Carmo, por toda sabedoria e todos os

ensinamentos que me fazem querer saber mais sobre o mundo.

Ao meu sogro Antônio, meu irmão Pituta, meus cunhados Dani, Andréa e

Germano, por todo apoio e amor, mesmo nas horas mais difíceis (e a todo clã

Toledo Zaccarelli)

Ao meu titio Benedito, que sempre me incentivou no mundo das letras.

A todos os meus amigos pelas risadas, alegrias e sabedoria.

Aos meus alunos, que fazem querer melhorar como ser humano todo dia e me

dão o melhor motivo para sair da cama de manhã.

Aos professores do LIMIAR, em especial à Profa. Dra. Paula Almozara, por todo

apoio e orientações, inclusive nas horas de maior vulnerabilidade.

À minha orientadora, Profa. Dra. Eliane Righi de Andrade, com quem aprendi

MUITO nessa jornada: obrigada pela sensibilidade, amizade, paciência e

sabedoria.

Aos professores Maria de Fátima Amarante, Anna Maria Grammatico

Carmagnani, Maria José Coracini e Tarcísio Torres Silva, por aceitarem fazer

parte da construção deste trabalho com suas valiosas sugestões.

A todos os estudantes latino-americanos que lutam por uma escola melhor.

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RESUMO

Este trabalho, inscrito no mestrado interdisciplinar LIMIAR – Linguagens, mídia e

arte – pretende compreender o significado das ocupações estudantis de

novembro de 2015 em São Paulo através de três pilares: a análise discursiva

sobre o episódio, a partir de referências teóricas como Foucault e Derrida, o

estudo do enfoque da mídia, a partir de Chomsky, e a análise de material

produzido pelos estudantes, a partir de Canevacci, para que, através do método

rizomático que tem na cartografia de Deleuze e Guattari seu principal

instrumento, possa-se compreender a questão das ocupações por diferentes

olhares e perspectivas. Espera-se trazer reflexões sobre a memória dos

movimentos estudantis, bem como a maneira pela qual foi construída a memória

discursiva das ocupações – atravessada, legitimada e ressignificada pelo

discurso das mídias. Busca-se, ainda, refletir se é possível pensar nas

ocupações como acontecimento, a partir de Foucault e Derrida, a fim de

entender os efeitos de sentido que estas manifestações produziram para a

construção da memória sobre os movimentos estudantis na história, em suas

diferenças e similaridades.

Palavras-chave: movimentos estudantis; ocupações; linguagem; mídia; arte.

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Abstract

This work enrolled in the interdisciplinary master LIMIAR – Languages, media

and arts – aims to understand the meaning of the November 2015 student

occupations in São Paulo, through three pillars: the discursive analysis of the

episode, from theoretical references such as Foucault and Derrida, the study of

media based on Chomsky, and the analysis of materials produced by students,

brought up by Canevacci, so that through the cartography method of Deleuze

and Guattari, we can understand the issue of occupations from different views

and perspectives. We expect to bring reflections on the memory of the student

movement and the way discursive memory of occupations has been built –

crossed, legitimized and re-signified by the discourse of the media. We also hope

to bring reflections if it is possible to think of occupations as an event, from

Foucault’s and Derrida’s viewpoint, in order to understand the effects of meaning

that these events produced on the construction of the memory of the student

movements in History, their differences and similarities.

Keywords: Students movements; occupy; language; media; art.

Sumário

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Introdução: tomada de decisão .......................................................................... 10

I. Estudo metodológico-teórico: traçando linhas de corte ....................................17

1.1. A interdisciplinaridade como possibilidade metodológica

1.1.1 Interdisciplinaridade............................................................................17

1.1.2. Rizoma..............................................................................................19

1.1.3. Cartografia ........................................................................................24

1.1.4. A Análise do Discurso como dispositivo analítico............................ 27

1. 2. Dobra primeira - Memória e arquivo: as ocupações e a memória

discursiva dos movimentos estudantis.................................................................. 30

1. 3. Dobra segunda - Mídia e comunicação urbana: a cobertura jornalística

e as relações de poder ........................................................................................ 39

1.4. Dobra terceira – O acontecimento e a escola-outra ................................... 52

1. 4. 1. A noção de acontecimento .......................................................... 52

1. 4. 2.1. A escola disciplinar e a heterotópica...........................................60

1.4.2.1.Heterotopia .................................................................................. 56

1.4.2.2.TAZ............................................................................................... 62

II. Análise: estudando representações que emergem das linhas da costura.......64

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2.1. Ocupação x Invasão ............................................................................. 65

2.2. Estudantes (In)fames ........................................................................... 76

2.3. Escola disciplinar e heterotópica ........................................................ 94

Conclusões ........................................................................................................ 107

Referências......................................................................................................... 111

Anexo – Manual: Como tomar um colégio?........................................................ 120

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10 Introdução: tomada de decisão

Memorável Luta consciente

E coincidentemente incrível E é difícil e dói saber

E descobrir Que a única coisa

Que cresce mais que a inflação É o genocídio

Só pra deixar bem claro, irmão Não tem arrego

Você fecha a minha escola E eu tiro o seu sossego1.

(Trecho de “Ocupar e resistir” de Mc Kóka e Fabrício Ramos2)

Revendo minha trajetória pessoal, percebo que muitos fatores me

levaram ao encontro da temática das ocupações das escolas e,

consequentemente, dos movimentos estudantis.

Ainda na graduação, como projeto de Iniciação Científica, escolhi

estudar, sob orientação da Professora Astrid Karen Nillson Sgarbieri, os

movimentos de resistência à ditadura militar no Brasil, mais especificamente as

metáforas nas letras das músicas de Chico Buarque, durante o período de

vigência do AI5 - a temática da resistência à repressão advinda do Estado

sempre me tocou profundamente. Já na pós-graduação em História da Arte,

quis investigar, unindo os campos de Educação e Arte, a dimensão do sensível

no ensino de literatura, justamente com o intuito de pensar um ensino que

humanize e comunique e que vá na contramão da mecanização e

mercantilização do saber na escola.

Além disso, minha própria trajetória profissional como professora de

ensino Fundamental 2 e Médio aumentou minha percepção de urgência de um

olhar mais atento para as necessidades dessa geração de adolescentes que,

1 A letra do rap de Mc Koka e Fabricio Ramos foi escolhida para compor esta introdução justamente porque remete a temas que discutiremos em nossa trajetória: “memorável” remete à ideia de acontecimento que trabalharemos a partir das noções de Foucault e Derrida, bem como à ideia de Homens infames, também de Foucault. Os autores também se colocam como a resistência frente às relações de poder da sociedade com a frase “não tem arrego” e chegam a dirigir-se ao governador “Você fecha minha escola e eu tiro o seu sossego”. Importante frisar que os dois autores eram estudantes secundaristas em 2015 e participaram ativamente das ocupações. 2 O videoclipe da música pode ser acessado em: https://www.youtube.com/watch?v=PqiHEh1ly6U

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11 em 9 de novembro de 2015, mostrou ao país que não acataria silenciosamente

a chamada Reorganização Escolar - uma medida unilateral do governo do

Estado de São Paulo, anunciada em 26 de outubro de 2015, que teve como

justificativa a tentativa de se ampliar o número de escolas que contém apenas

um só ciclo da educação3 – Ensino Infantil, Ensino Fundamental e Médio – o

que deslocaria 311 mil alunos e 74 mil professores e fecharia 99 escolas4.

Acompanhei de perto o movimento dos alunos que lutavam, a meu ver, não

apenas contra o fechamento das escolas, mas também contra um sistema

escolar que não consegue abarcar novas formas de subjetividade de um

adolescente do século XXI, em relação, por exemplo, às demandas de uma

escola diferente a partir de atividades eleitas pelos alunos como “ideais” nesta

outra escola: a colaboração, o professor mediador, o aluno ativo, entre outras,

que foram reivindicadas nas ocupações escolares de 2015.

Acompanhei, também, muito atentamente, a cobertura da mídia sobre o

movimento. Saltava-me aos olhos como a mídia corporativa, em um primeiro

momento, teimava em criminalizar as ocupações, chamando-as de “invasões”,

claramente posicionando-se contra os estudantes. Depois, na medida em que o

movimento foi tomando o mundo digital, através das vozes dos próprios

alunos/ativistas e da chamada “mídia alternativa”, também ficou clara a

mudança de atitude da mesma mídia corporativa, que passou a apoiá-los,

talvez numa resposta à pressão da opinião pública.

Assim, ao ingressar no programa de Pós-graduação em Linguagens,

Mídia e Arte, quis inicialmente investigar a maneira pela qual a mídia legitima

(ou não) as relações de poder estabelecidas na sociedade, bem como refletir

sobre a possibilidade destes movimentos contribuírem para a desconstrução de

hegemonias e para a abertura de novos espaços de criação dentro da escola.

O olhar interdisciplinar abriu-me para possibilidades outras e fez com que

passasse a enxergar os movimentos a partir de novos olhares, como a filosofia,

a antropologia e a comunicação urbana, além de apresentar-me novas

maneiras de organizar e dispor o conhecimento científico. 3 De acordo com a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo - http://www.educacao.sp.gov.br/reorganizacao-escolar. 4 A medida foi realizada através do Decreto Lei 61.672, de 30 de novembro de 2015. O texto, na íntegra pode ser acessado em: http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2015/decreto-61672-30.11.2015.html.

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Pretendo, para este estudo, exercitar teórica e metodologicamente

aquilo que Deleuze e Guattari (2011) chamam de rizoma: para a biologia, uma

estrutura cujos brotos podem ramificar-se em qualquer ponto e transformar-se

em um bulbo ou um tubérculo; para a filosofia, uma estrutura que permite o

exercício da interdisciplinaridade de forma que todos os ramos do

conhecimento interajam, sem que haja hierarquização dos saberes.

Diferentemente da tradicional metáfora da árvore, que centraliza o

conhecimento e o divide em galhos que nascem de um tronco, o rizoma,

portanto, tem a capacidade de conectar qualquer ponto a qualquer outro ponto.

Para Ferreira (2008, p.33), o rizoma “seria uma maneira de expressar as

multiplicidades sem ter que ligá-las à unidade”, ou seja, nomear as diferenças

sem subordinar a pluralidade a uma forma unitária, mudando e formando novas

forças e configurações a cada momento.

Para este trabalho, a estrutura rizomática de análise se dá a partir das

reflexões acerca da linguagem, trazidas basicamente dos estudos do discurso,

pautando-nos principalmente nos estudos de Foucault; da memória discursiva

dos movimentos estudantis, a partir de um estudo genealógico dos movimentos

estudantis (FOUCAULT, 2004); da análise das manifestações estéticas

urbanas dos estudantes secundaristas, principalmente a partir de Massimo

Canevacci (2001); e dos estudos da mídia, a partir de Noam Chomsky (2013) e

ainda de autores que falam da convergência das mídias nas sociedades

contemporâneas digitalizadas, tais como Jenkins (2006), Bruns (2006) e Shirky

(2010).

Como corpus de análise e linhas constituintes na construção do método

rizomático, há elementos das mídias corporativa e alternativa – material sobre

as ocupações nas escolas públicas paulistas entre 9 de novembro de 2015

(data da primeira ocupação, na Escola Estadual Diadema, na Grande São

Paulo) e 7 de dezembro de 2015 (data em que o Comando das Escolas em

Luta recomenda a desocupação das 57 escolas que ainda estavam com

alunos).

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Escolhemos a Folha de São Paulo como veículo da mídia corporativa a

ser analisado em virtude de, segundo o Instituto Verificador de Comunicação5,

ser o jornal com maior circulação em todo o país e, por isso, um significativo

formador de opinião dentro da sociedade brasileira.

Além disso, optamos por analisar o comportamento da mídia “dissidente”

(CHOMSKY, 2013), especificamente as páginas Mídia Ninja e Jornalistas

Livres, que cumpriram com o papel de acompanhar o dia a dia das ocupações

por outra perspectiva. Pretendemos confrontar a mídia corporativa e a

alternativa, em um estudo transmidiático6 (JENKINS, 2006), no intuito de

buscar pistas para investigar a possibilidade daquilo que Chomsky (2013)

chama de “consenso fabricado”.

Apresentamos este estudo composto a partir de três linhas de

intensidade (DELEUZE e GUATTARI, 1995), as quais remeteram aos tópicos

teóricos desenvolvidos, e que traçaram o que chamamos de “dobras”

(DERRIDA, 2006), constituindo o primeiro capítulo desta dissertação. A relação

entre dobras gerou os intercruzamentos para a análise, que aqui apresentamos

como segundo capítulo. Além desses elementos formais, a dissertação é

composta pela introdução, conclusão, referências bibliográficas e um anexo.

Usamos no sumário a metáfora da costura para pensar nos muitos

modos de se enxergar o objeto, pensando em cada dobra do tecido como uma

disposição diferente das muitas maneiras de dar forma a este tecido. Assim

como a palavra “texto” nos remete à sua raiz latina texĕre, que deu origem à

palavra “tecer”, pensamos que ambas palavras podem representar o mesmo

processo: tecendo fios e entrelaçando cada dobra do tecido, esperamos

costurar a tessitura daquilo que compôs as ocupações estudantis. Para

Derrida, na interpretação de Silviano Santiago (1976), a dobra é “a disposição

dos fios encobrindo outra disposição que, à mostra, suplementa a primeira – é

5 De acordo com o website www.ivc.org.br acessado em 28/01/2016 às 00:09. Todavia, de acordo com a Associação Nacional dos Jornais, a Folha de S. Paulo tem em sua versão impressa a terceira maior tiragem. Informação disponível em: http://www.anj.org.br/maiores-jornais-do-brasil/. Acesso em 3 fev. de 2017. 6 Entendemos por estudo transmidiático, a partir dos conceitos de Jenkins (2006), aquele que se desenvolve por meio de múltiplas plataformas midiáticas, cada uma contribuindo de forma distinta para a compreensão do todo narrativo. Para este estudo, fazemos uso de jornais, redes descentralizadas de mídias dissidentes, artes visuais (especificamente o grafite), vídeo e cartazes produzidos pelos manifestantes.

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14 a ausência que tece” (SANTIAGO, 1976, p.26). Assim pensamos o nosso

objeto: um grande tecido que será moldado no primeiro capítulo - por meio das

várias dobras - e, então, costurado com e pelas linhas da análise, construindo,

assim, nosso objeto – nossa roupa –, em que as linhas demarcam, pela

costura, as dobras. Essas dobras, seriam, portanto, apenas possíveis modos

de se moldar o tecido, constituindo, então, nosso “objeto”7.

Salientamos que, por tratar-se de um estudo rizomático, seria

interessante não hierarquizar ou mesmo ordenar cada tópico estudado, porém

temos a limitação da escrita linear, daí a escolha de apresentar este estudo em

duas partes – as quais chamamos de capítulos: um grande capítulo

metodológico-teórico e o segundo, a análise dos recortes selecionados. No

entanto, como a escrita é necessariamente linear, nos dedicamos a uma breve

descrição de cada “dobra”: a primeira, chamado de “memória”, é dedicada ao

estudo da memória dos movimentos estudantis, desde maio de 1968 na

França, passando pelo protagonismo da UNE no Brasil, na luta contra a

ditadura no país, até, mais recentemente, o movimento dos “caras-pintadas”

durante o processo de impeachment de Fernando Collor, para enfim tecer

relações com as ocupações estudadas, no intuito de descobrir se podemos

dizer que as ocupações entraram para a memória discursiva dos movimentos

estudantis. Na segunda, dedicamo-nos ao estudo do comportamento da mídia

durante as ocupações, bem como ao estudo das manifestações estéticas dos

alunos, apoiando-nos nos estudos de Massimo Canevacci (2003). Na terceira,

nos atemos ao estudo do conceito de acontecimento para Foucault e Derrida

com o objetivo de investigarmos se as ocupações podem ser chamadas de

acontecimento, além de refletirmos sobre alguns aspectos dos novos modos de

subjetivação que emergem dos discursos dos alunos que participaram das

ocupações.

No capitulo II, nos detivemos na análise que o material discursivo

provoca (a partir das dobras), fazendo uso da Análise do Discurso de linha

francesa (especialmente a partir de Pêcheux), como dispositivo analítico.

7 De acordo com o Glossário de Derrida, sob a supervisão de Silvano Santiago (1976): “O texto, como tecido de traços, mascara outro texto, a principio oculto (...) a dobra – disposição de fios encobrindo outra disposição que à mostra suplementa a primeira – é a ausência que tece” (p.26)

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Tendo em vista todos os aspectos já mencionados e partindo do

pressuposto que as ocupações que aconteceram em novembro de 2015 nas

escolas públicas de São Paulo podem ser (re)lidas como movimentos

estudantis que, de certa forma, rompem e, ao mesmo tempo, reinterpretam os

sentidos instaurados por outros movimentos dessa natureza ao longo da

história, temos como hipótese que tais ocupações estudantis podem ser

entendidas como acontecimento em seu caráter discursivo e performativo,

gerando modos diversos de interpretação do evento pelas mídias e

manifestações estéticas pelas quais emergem pontos/indícios de novas formas

de subjetivação.

Durante nosso trajeto, nos propomos os seguintes objetivos de

pesquisa:

1. Identificar os efeitos de sentido produzidos pelo discurso dos

estudantes como possibilidades (ou não) para a caracterização do

movimento como acontecimento, segundo Foucault (2014a) e

Derrida (2001).

2. Discutir as imagens e dizeres que construíram a estética do

movimento, tais como pichações, cartazes e grafites, de modo a

entender como eles fazem parte da construção da memória do

evento e da representação de aspectos das subjetividades dos

estudantes.

3. Argumentar como as mídias corporativa e alternativa legitimam ou

resistem às relações de poder e como participam da construção dos

processos de memória.

Formulamos, assim, as seguintes perguntas de pesquisa:

1. Como as representações que emergem dos recortes analisados

constroem os arquivos e ressignificam a memória dos movimentos

estudantis e do estudante secundarista?

2. Tais ocupações estudantis podem ser entendidas como acontecimento

em seu caráter discursivo e performativo? De que modo?

3. Como, ao longo da cobertura jornalística, a imprensa legitima as

relações de poder e apresenta pontos de resistência do movimento?

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4. Como esses novos olhares trazidos pelos alunos refletem alguns

aspectos das novas formas de subjetivação presentes?

Dessa forma, nessa pesquisa, que se insere no programa Interdisciplinar

LIMIAR – Linguagens, Mídia e Arte –, cabe-nos discutir os efeitos de sentido

que emergem dos textos que relatam o evento das ocupações de novembro de

2015, no que diz respeito à memória discursiva dos movimentos estudantis,

através da análise de material produzido pelos manifestantes (cartazes,

pôsteres, desenhos, gravuras, letras de música, etc), das reflexões sobre os

estudos sobre a mídia, empreendendo uma análise da natureza de

acontecimento em sua diferença e/ou mesmidade.

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17 Capítulo I - Estudo metodológico-teórico: traçando linhas.

1.1 - A interdisciplinaridade como possibilidade metodológica

1.1.1- Interdisciplinaridade

Em entrevista ao jornal catalão La vanguardia, em 1997, José Saramago

afirmou que “a vida, que parece uma linha recta, não o é. Construímos a nossa

vida apenas nuns cinco por cento, o resto fazem-no os outros, porque vivemos

com os outros e, por vezes, contra os outros”8. Talvez a metáfora usada pelo

escritor português para explicar a vida possa ser também usada para que

compreendamos o caminho (e os olhares) da investigação que ora se

apresenta: parece uma linha reta, mas não o é.

Desde o início da era moderna, o desenvolvimento das ciências que

buscava compreender o mundo por um viés estritamente racional e científico,

incentivou a compartimentalização dos saberes para a compreensão dos

objetos de pesquisa. A separação do conhecimento em disciplinas e o uso

estrito da racionalidade tornou possível o desenvolvimento do saber científico,

separando-o do saber tradicional e/ou místico que prevalecia na sociedade até

então. O conhecimento passou a ser cada vez mais compartimentalizado,

segregado, delimitado, e foi justamente essa atitude que promoveu o

extraordinário avanço das ciências. Todavia, com a chegada da pós-

modernidade9 e o advento das chamadas novas tecnologias e a globalização,

esta maneira hipercompartimentalizada de olhar para o mundo passou a não

8 Disponível no site da Fundação Saramago: http://caderno.josesaramago.org/74831.html, acesso em 05 de março de 2017 às 18:43. 9 Alguns autores entendem a pós modernidade como uma ruptura das grandes narrativas totalizantes do século XIX (LYOTARD, 1998) que influenciaram o século XX. David Harvey (2005: 46) afirma que “a mescla de um pragmatismo americano revivido com a onda pós-marxista e pós estruturalista que abalou Paris em maio de 1968 produziu o que Bernstein chama de raiva do humanismo e do legado do Iluminismo”, por exemplo. Outros autores, como Peters (2000), acreditam que o pós modernismo seria uma radicalização dos ideais modernistas. O pós estruturalismo, o desconstrutivismo, e o relativismo seriam, portanto, todos consequência dessa radicalização que teve seu início na primeira metade do ano de 1968 na França.

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18 ser mais suficiente. Novas questões emergiram, novos problemas foram

postos, novas relações econômicas, políticas e culturais surgiram, de modo

que as ciências e o desenvolvimento do conhecimento viram-se impelidos a

utilizar-se da união de recursos de duas ou mais disciplinas com o intuito de

compreendê-los em diferentes aspectos. Teixeira (2008, p. 61) argumenta:

O desenvolvimento da ciência moderna é acompanhado pela permanente multiplicação das disciplinas, de departamentos e currículos acadêmicos. A história da ciência e a epistemologia já não dão conta da complexidade teórica e dos métodos científicos. O conceito de ciência hoje e a unidade da ciência estão em crise. Os processos de investigação científica são múltiplos.

Assim, a interdisciplinaridade tornou-se necessária e urgente para a

compreensão de fenômenos típicos da nossa época. A questão passou a ser,

então, como convergir áreas do conhecimento de origens epistemológicas

diversas e muitas vezes com objetivos contraditórios. A imagem da rede é,

segundo Silva (2011), frequentemente utilizada nos campos de pesquisa para

que se compreenda a natureza múltipla dos objetos estudados na pós-

modernidade: a imagem de fios que se unem entrelaçados por infindáveis nós

compostos de múltiplos atores traduz a natureza complexa de uma

investigação que vai na contramão da tradicional compartimentalização dos

saberes e procura, justamente através dessas relações, olhar o objeto de forma

multifacetada.

A complexidade é efetivamente a rede de eventos, ações, interações, retroações, determinações, acasos que constituem nosso mundo fenomênico. A complexidade apresenta-se, assim, sob o aspecto perturbador da perplexidade, da desordem, da ambiguidade, da incerteza, ou seja, de tudo aquilo que é e se encontra do emaranhado, inextricável. (MORIN, CIURANA, MOTTA, 2003 apud SILVA, 2011, p.44)

Teixeira (2007) reafirma a urgência pela implementação de olhares

interdisciplinares na pesquisa acadêmica ao afirmar que:

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19

A interdisciplinaridade impõe-se, de um lado, como uma necessidade epistemológica e, de outro lado, como uma necessidade política de organização do conhecimento, de institucionalização da ciência. (TEIXEIRA, 2007, p.60)

Importante ressaltar, ainda, que a interdisciplinaridade não possui uma

fórmula ou uma metodologia preestabelecida. Como afirma Fazenda (2008,

p.21), deve-se, todavia, distinguir a interdisciplinaridade escolar, ou

pedagógica, voltada para as estratégias de ensino em sala de aula de

conteúdo programados, da interdisciplinaridade científica, essa, sim, nosso

foco da nossa investigação, que concentra o trabalho de diferentes

especialidades para a resolução de problemas complexos. Trindade (2008,

p.73) argumenta que mais do que um método, a interdisciplinaridade requer

uma atitude do pesquisador:

Concebemos interdisciplinaridade como uma atitude de humildade diante dos limites do saber próprio e do próprio saber, sem deixar que ela se torne um limite; a atitude de espera diante do já estabelecido para que a dúvida apareça e o novo germine: a atitude de respeito ao olhar o velho como novo, ao olhar o outro e reconhecê-lo, reconhecendo-se; a atitude de cooperação que conduz às parcerias, às trocas, aos encontros, mais das pessoas do que das disciplinas, que propiciam as transformações, razão de ser da interdisciplinaridade.

Assim compreendemos o olhar para o nosso objeto de pesquisa:

investigaremos as ocupações estudantis nas escolas públicas de São Paulo

em 2015, a partir de aspectos (metodológicos e teóricos) em campos de

conhecimento diversos (discursivo, midiático, antropológico e filosófico), no

intuito de formar uma rede de saberes sobre os eventos que se entrelaçam

formando aquilo que Deleuze e Guattari chamam de rizoma (1995).

1.1.2 Rizoma

Esta maneira contemporânea de pensar as relações em rede tem como

inspiração, nesta pesquisa, o conceito de rizoma tal como formulado na obra

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20 Mil platôs (DELEUZE; GUATTARI, 1995), em que os autores apresentam

possíveis caminhos para a construção da investigação interdisciplinar. Afinal,

como nos explicam os autores, há de se fazer o múltiplo, ou seja, afirmar-se

interdisciplinar e mergulhar em seus textos teóricos não garante que a

pesquisa o seja. É preciso desenvolver estratégias e atitudes que garantam

uma abertura cada vez maior ao sistema rizomático de pensamento.

É preciso fazer o múltiplo, não acrescentando sempre uma dimensão superior, mas ao contrário, de maneira simples, com força de sobriedade, no nível das dimensões de que se dispõe (...).Um tal sistema com base subterrânea poderia ser chamado de rizoma. Um rizoma como haste subterrânea distingue-se absolutamente das raízes e radículas. Os bulbos, os tubérculos são rizomas. Plantas com raíz ou radícula podem ser rizomórficas (DELEUZE e GUATTARI, 1995, p.22).

Deleuze e Guattari trazem para a filosofia uma analogia da botânica: um

rizoma, para a biologia, é uma estrutura componente em algumas plantas cujos

brotos podem ramificar-se em qualquer ponto e transformar-se em um bulbo ou

um tubérculo. Este rizoma pode funcionar como raiz, talo ou ramo,

independentemente de sua localização na planta (2007)10. Diferentemente de

uma árvore, portanto, o rizoma tem a capacidade de conectar um ponto a

qualquer outro. Para Ferreira (2008, p.33), o rizoma “seria uma maneira de

expressar as multiplicidades sem ter que ligá-las à unidade”, ou seja, nomear

as diferenças sem subordinar a pluralidade a uma forma unitária, escapando da

lógica binária e entrando no esquema de vetores, que se ligam uns aos outros,

mudando e formando novas forças e configurações a cada momento.

Para a filosofia, o rizoma é quase a configuração de um “anti-método”:

se, usando a metáfora utilizada por Deleuze e Guattari (1995), a organização

do conhecimento no pensamento cartesiano se dá tendo em mente a imagem

da árvore – em que, a partir de uma estrutura centralizadora, ramos do

conhecimento vão se formando como galhos, que, por sua vez, não se

comunicam –, a imagem do rizoma remete a uma estrutura não hierarquizante, 10 De acordo com o glossário de termos botânicos de Rosete Batarda Fernandes (2007): Rizoma (Rhizoma) - caule subterrâneo, com aspecto de raiz, distinguindo-se desta pela anatomia e por possuir escamas e gemas. Disponível em: http://www.uc.pt/herbario_digital/glossario. Acesso em: 28/01/2016 às 21:09.

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21 cujas ramificações se comunicam de qualquer ponto, para qualquer ponto e

pretendem fugir da lógica binária para criar um sistema aberto, que se baseia

nos princípios a seguir (DELEUZE e GUATTARI, 1995, p. 22-26):

1. Princípios de conexão e heterogeneidade: qualquer ponto do rizoma é

passível de ser conectado a qualquer outro ponto do rizoma. A este tipo de

estrutura cabe a conexão entre relações de poder, elementos do campo das

artes, das ciências sociais, etc.

2. Princípio da multiplicidade: uma multiplicidade não tem objeto nem

sujeito, segundo Deleuze e Guattari. Importante salientar que o rizoma não tem

início nem fim, mas um meio, no qual a ideia da gênese mostra-se como um

devir. A multiplicidade, portanto, refere-se ao fato de que ela própria é

constituinte do rizoma.

3. Princípio da ruptura assignificante: que se dá contra cortes que

separam a estrutura ou atravessam estruturas, destacando-se o fato de que o

rizoma pode ser rompido em qualquer ponto, não há começo e fim e a linha de

fuga11 faz parte do rizoma e o ajuda a reestratificar o conjunto.

4: Princípios da cartografia e de decalcomania: mais uma vez reiterando

a ideia primordial do que é um rizoma, os autores explicitam o fato de que ele

não pode ser explicado por nenhum modelo gerativo, estrutural. O rizoma é

estranho a qualquer eixo. “Fazer o mapa e não o decalque”, nos dizem os

autores. O mapa constrói conexões abertas e é suscetível de receber

modificações constantes.

No mesmo trecho, os autores ainda abrem a possibilidade de onde pode

o “mapa” ser feito:

11 Ainda pensando na metáfora trazida da botânica, o rizoma, por ser uma raiz que cresce horizontalmente e para qualquer direção, cria linhas que escapam ainda mais da centralização e se conectam a outras raízes – o que Deleuze e Guattari chamam de linha de fuga. Dizem-nos os autores: “Todo rizoma compreende linhas de segmentalidade segundo as quais ele é estratificado, territorializado, organizado, atribuído, etc; mas também compreende linhas de desterritorialização pelas quais ele foge sem parar. Há ruptura no rizoma cada vez que linhas segmentares explodem numa linha de fuga, mas a linha de fuga faz parte do rizoma”. (DELEUZE e GUATTARI, 1995: 25-26.)

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22

Ele pode ser rasgado, revertido, suscetível de receber modificações, adaptado a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um grupo, um indivíduo, uma formação social. Pode-se desenhá-lo numa parede, como obra de arte, construí-lo como uma ação política ou como uma meditação (DELEUZE e GUATTARI, 1995, p. 30).

Em uma entrevista de 23 de outubro de 1980 para o jornal Liberatión,

Gilles Deleuze (1980; s.p) define o rizoma da seguinte maneira:

O que Guattari e eu chamamos rizoma é precisamente um caso de sistema aberto. Volto à questão: o que é filosofia? Porque a resposta a essa questão deveria ser muito simples. Todo mundo sabe que a filosofia se ocupa de conceitos. Um sistema é um conjunto de conceitos. Um sistema aberto é quando os conceitos são relacionados a circunstâncias e não mais a essências. Mas por um lado os conceitos não são dados prontos, eles não preexistem: é preciso inventar, criar os conceitos, e há aí tanta invenção e criação quanto na arte ou na ciência. (DELEUZE, 1980, s.p.)

Ferreira (2008, p.38) ainda salienta que, na utilização do método

rizomático em pesquisas científicas, há de se cuidar para não cair na armadilha

da hierarquização, em que se privilegia uma ligação rizomática em detrimento

da outra. A análise deve ser sempre simétrica, olhando a rede como um todo.

Para a formação do rizoma, todas as ligações são igualmente importantes. Diz-

nos a autora: Ao utilizarmos o rizoma como método para apreender um mundo que se produz como rede, é preciso que estejamos sempre atentos para não cairmos no esquema transcendente da árvore; isto é, o pesquisador não pode ser capturado pelo esquema classificatório e reducionista de hierarquização, já que assim estaremos criando um decalque que será supervalorizado, criando uma estagnação nas formas de agenciamentos e produzindo pré-conceitos e discursos de autoridade. Para tanto, é importante ter sempre em mente os princípios do rizoma que irão sempre orientar a cartografia. Neste processo, não se deve privilegiar nenhuma entrada e nenhuma saída, pois todos os dispositivos são válidos e influem na composição dos territórios. A análise simétrica de todos os efeitos produzidos na rede é necessária para se compor um mapa da mesma. (FERREIRA, 2008, p.38)

Pretende-se, assim, para este trabalho, a construção de um dispositivo

rizomático de análise, a partir das reflexões acerca da linguagem, trazidas

basicamente dos estudos discursivos de Foucault; da memória discursiva dos

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23 movimentos estudantis; da análise das manifestações estéticas dos estudantes

secundaristas, a partir da antropologia da comunicação urbana de Massimo

Canevacci e outros; e dos estudos da mídia, a partir de Noam Chomsky, bem

como de autores que falam da convergência das mídias e seus efeitos nas

sociedades contemporâneas, tais como Jenkins (2006), Bruns (2006) e

Shirky.(2010).

Como corpus de análise, a partir de um levantamento extensivo sobre os

movimentos de ocupação, feito entre março e junho de 2016 em redes sociais,

na Folha de São Paulo e nos veículos de mídia alternativa Midia Ninja e

Jornalistas Livres, foram selecionados recortes discursivos sobre as ocupações

nas escolas públicas paulistas entre 9 de novembro de 2015 e 7 de dezembro

de 2015.

Outra questão que se apresenta é a reflexão sobre a narrativa que os

estudantes construíram sobre si mesmos. Como os alunos se viam? Seria

como “homens infames”, conceito trazido por Foucault para designar aqueles

cujas vidas apenas sabemos por acaso, “poemas-vidas” que teriam sido

esquecidas não fosse sua relação com o poder estabelecido de sua época?

Diz-nos Foucault:

Aparentemente infames, por causa das lembranças abomináveis que deixaram, dos delitos que lhes atribuem, do horror respeitoso que inspiraram eles são de fato homens da lenda gloriosa, mesmo se as razões dessa fama são inversas àquelas que fazem ou deveriam fazer a grandeza dos homens. Sua infâmia não é senão uma modalidade da universal fama (2003, p.210).

Assim, para que possamos analisar as narrativas que os estudantes

fazem de si e a estética do movimento, constituiu-se como corpus de análise

textos verbais e não verbais de cartazes, pôsteres, grafites, pichações,

músicas, vídeos e quaisquer outras manifestações visuais produzidas pelos

alunos no período das ocupações, os quais foram selecionados das mídias

mencionadas, notadamente a partir das páginas Não fechem minha escola e O

Mal Educado, ambas páginas dos movimentos no facebook, como também

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24 páginas específicas das escolas efetivamente ocupadas como o Não mexa no

Josepha.

Todavia, assim como um explorador, de posse do mapa em suas mãos,

precisa de um meio para locomover-se, precisamos estabelecer o meio pelo

qual exploraremos todas essas relações: a cartografia.

1.1.3. Cartografia

O conceito de cartografia nos é apresentado por Deleuze e Guattari

(1995) na introdução de Mil Platôs como um dos princípios do rizoma: a

cartografia nos dá pistas de uma ruptura ao pensamento cartesiano, por se

apresentar como um sistema aberto composto por linhas que conectam e se

entrecruzam e que, respeitando as inúmeras linhas do rizoma, todos os pontos

podem comunicam-se. Questionam-nos os autores, assim, “como seria

possível que os movimentos de desterritorialização e os processos de

reterritorialização não fossem relativos se não estivessem em perpétua

ramificação, presos uns aos outros?” (1995, p.26).

A cartografia, ainda segundo os autores, é um princípio “inteiramente

voltado para a experimentação ancorada no real” (DELEUZE e GUATTARI

1995,p.21) e toma o mapeamento do conhecimento como algo a ser criado a

partir de experimentações, o que se contrapõe ao decalque, metáfora utilizada

pelos autores para explicar a abordagem que vê o mundo como já dado, a ser

apenas descoberto. O mapa, ao contrário, nos explicam os autores:

[o mapa] contribui para a conexão dos campos, para o desbloqueio dos corpos sem órgãos, para sua abertura máxima sobre um plano de consistência (...). Ele pode ser rasgado, revertido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um individuo, um grupo, uma formação social (1995, p.30).

Importante ressaltar que, de acordo com Passos, Kastrup e Escóssia

(2014) o método da cartografia não apresenta um conjunto de regras, nem

pressupõe um conhecimento pronto a ser transmitido. Cartografar, segundo os

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25 autores, se aprende no fazer, na prática, no caminho metodológico que se faz

ao seguir o mapeamento do cartógrafo entre os diferentes caminhos que o

rizoma produz. Dizem-nos os autores:

O método cartográfico se alia à discussão mais geral da crítica aos especialismos e aposta na transdisciplinaridade12 enquanto desestabilização do que se delimita como campo de uma disciplina. Atravessando diferentes domínios, provocando interlocuções, aceitando o desafio de pensar no limite entre os saberes, a transdisciplinaridade coloca em questão os objetos bem definidos e as teorias internamente consistentes, a preexistência de sujeitos do conhecimento e objetos a serem conhecidos, os campos bem demarcados das práticas discursivas, os especialistas defensores de territórios identitários de conhecimento (2014, p.202)

Para Passos e Eirado (2014), algumas pistas sobre o método da

cartografia podem ser extraídas a partir das reflexões de Deleuze e Guattari:

deve-se articular a direção metodológica a partir de três ideias: a

transversalidade, a implicação e a dissolução do ponto de vista do observador13

(2014, p.109).

O conceito de transversalidade foi desenvolvido por Guattari (1985) em

Revolução Molecular e diz respeito à mudança no eixo do padrão

comunicacional das instituições, uma espécie de terceiro eixo que nega o

horizontal e vertical e desestabiliza a hierarquia.

Passos e Eirado (2014, p.116) esclarecem que, na perspectiva da

pesquisa científica, isso significa que a produção não implica um

desvelamento, uma descoberta, já que para Guattari a transversalidade faz

variar os pontos de vista do pesquisador, que é atravessado por múltiplas

experiências. A ideia da implicação, ainda segundo os autores:

12 Piaget (1973:76-79) dizia que a interdisciplinaridade é uma forma de pensar. O epistemólogo suíço sustentava que a interdisciplinaridade seria uma forma de se chegar a transdisciplinaridade, etapa que não ficaria na interação e reciprocidade entre as ciências, mas alcançaria um estágio onde não haveria mais fronteiras entre as disciplinas (nota nossa).

13 Essa dissolução do ponto de vista do observador relaciona-se, também, com a relação de internidade e distância de Canevacci (2004), que será desenvolvida a seguir.

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26

[c]ria um constrangimento para quem defenderia a neutralidade indispensável para a objetividade científica, defenderia a distância entre sujeito e objeto, defenderia a separação entre sujeito e prática e ainda, diríamos, entre conhecimento e política (PASSOS e EIRADO, 2014, p.117).

Baseada no conceito desenvolvido por René Laurau (1994) no artigo

“Implicação-Transducção”, a ideia de implicação passa por reconhecer que o

sujeito-pesquisador está “implicado”, está inserido na sociedade em que vive, é

por ela influenciado e isso se refletirá em sua pesquisa. Laurau se distancia do

pressuposto cartesiano de que o pesquisador é uma máquina racional e neutra.

Já a ideia da dissolução do ponto de vista do observador baseia-se na

premissa de que conhecer não é uma mera aquisição, mas uma atitude ativa

do pesquisador. Tendo isso em mente e lembrando-se do pressuposto de que

o mundo, para Deleuze, não é um decalque, ou seja, não é algo pronto e

acabado a ser explorado, esta terceira ideia nos ensina que cartografar é

intervir no espaço, no objeto de pesquisa. O tradicional ponto de vista do

observador é dissolvido diante das experiências e interferências que o território

percorrido lhe proporciona. Passos e Eirado (2014) nos esclarecem:

É preciso que se escape da tentação de, frente a problemas que nos forçam a pensar, apenas buscar soluções e testar hipóteses. O cartógrafo deixa-se penetrar pela emergência de mudanças de ponto de vista que surgem no território como problemas ou crises existenciais e que podem permitir a abertura para o reconhecimento de uma maior liberdade autogestiva dos indivíduos e coletivos – isso que Guattari designou de quantum mais amplo de transversalidade (2014, p.123).

Ainda sobre o aspecto da postura do pesquisador e a dissolução de seu

ponto de vista, lembramos a polifonia de Canevacci (2004), para quem só é

possível fazer a antropologia da comunicação urbana se se adotar,

paradoxalmente, uma aproximação e um distanciamento do objeto estudado.

Canevacci comenta sobre sua própria experiência como estrangeiro em São

Paulo, afirmando que Roma se tornou mais compreensível para ele estando

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27 em São Paulo. Sobre o distanciamento/proximidade do pesquisador, afirma o

autor:

A máxima distância e a máxima internidade são dois processos mutualmente contraditórios, separados mas vinculados, e que constituem as bases metodológicas da observação antropológica nos territórios urbanos e das suas possíveis representações. O ponto de vista subjetivo e objetivo, o do observado e do observador devem estar sempre copresentes no próprio “foco” ocular: por isso, o olhar antropológico é oblíquo (2004, p.21)

Importante reforçar: a cartografia não é um conjunto de regras a ser

seguido, mas um caminho a ser traçado pelo cartógrafo e suas experiências

durante o trajeto que o território rizomático de suas investigações o fizer

seguir. Cartografar implica em ampliar o foco de atenção às subjetividades e

não pressupor que a ciência é feita por indivíduos estritamente racionais e

previsíveis. Cartografia é criação, na medida em que há uma nova e bem

vinda liberdade no ponto de vista do pesquisador e na escolha de múltiplos

caminhos (e olhares) no infinito emaranhado de nós que a rede tecida pela

interdisciplinaridade foi capaz de estabelecer. Assim, traçaremos linhas

imaginárias percorrendo o caminho da memória e dos arquivos dos

movimentos estudantis, da repercussão das ocupações nas diferentes mídias

e dos movimentos como acontecimento. Todavia, da mesma forma que o

cartógrafo precisa estabelecer uma linguagem que o orienta enquanto lê o

mapa que tem em mãos, precisamos estabelecer o gesto de leitura que nos

guia pelo acontecimento das ocupações estudantis em 2015: a Análise do

Discurso de linha francesa, que tem em Pêcheux um de seus grandes

expoentes, aproximando-nos ainda dos estudos de Michel Foucault, com

quem dialogamos aqui.

1.1.4. A Análise do Discurso como dispositivo analítico

A Análise do Discurso se preocupa com as relações entre linguagem,

estrutura e história. Como somos todos perpassados por ideologias que se

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28 manifestam nos enunciados que produzimos, a AD contribui para fazer

emergir na e pela interpretação as formações ideológicas que perpassam os

discursos, com o objetivo de fazer uma reflexão sobre a materialidade

linguística na relação com a História. Orlandi (2005) esclarece que o discurso

é concebido como um lugar particular em que essa relação ocorre e, pela

análise do funcionamento discursivo, objetiva-se explicar os mecanismos de

determinação histórica dos processos de significação.

Pêcheux (1997) utiliza-se do acontecimento da eleição de Mitterand em

1981 e seu famoso enunciado “On a gagné” (ganhamos) para refletir sobre a

questão do discurso como estrutura e como acontecimento. O momento do

anúncio da eleição inesperada de Mitterand para presidente da França em

1981 foi reportado, segundo Pêcheux (1997), por enunciados como: “F.

Mitterand é eleito presidente da República Francesa”; “A esquerda francesa

leva a vitória eleitoral dos presidenciáveis”; “A coalização socialista-comunista

se apodera da França”. Partindo daí, nos esclarece Pêcheux que, apesar de

se referirem ao mesmo fato, os três enunciados “não constroem as mesmas

significações” (1997, p.20).

Pêcheux (1997) passa, em seguida, a fazer uma breve análise do

famoso enunciado “on a gagné” que foi entoado coletivamente pelos eleitores

de Mitterand na praça da Bastilha para celebrar a vitória eleitoral. De acordo

com o autor:

A materialidade discursiva desse enunciado coletivo é absolutamente particular: ela não tem o conteúdo nem a forma nem a estrutura enunciativa de uma palavra de ordem de uma manifestação ou de um comício político. “On a gagné” [ganhamos] cantado com um ritmo e melodia determinados (on-a-ga-gné/dó-dó-sol-dó) constitui a retomada direta, no espaço do acontecimento político, do grito coletivo de torcedores de uma partida esportiva cuja equipe acaba de ganhar (1997, p.21).

Assim, utilizaremos conceitos da Análise do Discurso como formações

discursivas e memória discursiva, além de tomar a materialidade linguística

como possibilidade de adentrar o corpus de análise, utilizando-nos de alguns

recursos linguísticos para interpretar os recortes discursivos que o constituem,

tais como o uso de dêiticos, tempos verbais, a adjetivação e a nominalização.

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29 Tais procedimentos expõem, portanto, o olhar discursivo para o material de

análise, que permite articular língua e história e a perspectiva de

acontecimento discursivo.

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30 1.2. Dobra primeira - Memória e arquivo: as ocupações secundaristas e a memória discursiva dos movimentos estudantis

Quando, em 22 de março de 1968, os estudantes da faculdade de Letras

de Nanterre, nos arredores de Paris, ocuparam o prédio da administração da

cidade em protesto contra a prisão de estudantes que se manifestavam contra

a guerra do Vietnã e iniciaram o “movimento 22 de março”, talvez não

pudessem prever que aquela se transformaria na maior e mais importante

manifestação estudantil organizada da história – a qual viria a culminar em

maio daquele ano e que, até hoje, é a grande referência quando o assunto são

manifestações estudantis no mundo (o que nos remete à ideia de

acontecimento, tanto em 1968, quanto em 2015).

Para se ter uma ideia do tamanho e da importância do movimento, em

13 de maio de 1968, com o apoio da classe trabalhadora francesa, entre 6 e

10 milhões de grevistas pararam o país em apoio aos estudantes. Os operários

da Renault e da Rodia ocuparam as fábricas em que trabalhavam e intelectuais

e artistas ocuparam o teatro Odeon - foi a primeira vez na história que

operários, intelectuais e estudantes uniram-se em uma causa comum. Sobre

isso, diz-nos Hobsbawm:

De todos os acontecimentos inesperados dos últimos anos da década de 1960, período notavelmente ruim para os profetas, o movimento de maio de 1968 foi, sem dúvida, o mais surpreendente e para os intelectuais de esquerda, provavelmente o mais empolgante. Pareceu demonstrar o que praticamente nenhum outro revolucionário acima de vinte e cinco anos, incluindo Mao-Tse-Tung e Fidel Castro, acreditava, isto é, que era possível fazer uma revolução em um país industrial avançado em condições de paz, prosperidade e aparente estabilidade política (2015, p. 301).

O ano de 68 foi, aliás, especialmente importante para os movimentos

estudantis como um todo. De acordo com Carmo (2000), naquele ano a

Organização das Nações Unidas chegou a contabilizar manifestações

estudantis em cerca de 50 países em todo o mundo. Desde a Passeata dos

100 mil, aqui no Brasil, em 26 de junho, até o trágico Massacre Tlateloco, no

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31 México, com o assassinato de 300 estudantes que faziam uma passeata no

centro da Cidade do México em 2 de outubro. Assim, a força das

manifestações francesas parecia inspirar estudantes em todo o mundo. Não à

toa, Carmo afirma que:

[o] ano de 1968 simboliza o sonho de uma transformação social. A partir da expansão descontrolada da revolta estudantil, com greves e barricadas detonadas na França, a rebelião explodiu em diversas partes do mundo e teve características distintas em cada país. A rebelião da chamada “nova esquerda” encampou ideologias diversas, rejeitando tudo o que envolvia o conservadorismo burguês (CARMO, 2000, p.301).

Todavia, muito se discute sobre os efeitos dessas manifestações.

Hobsbawm chega a afirmar que elas “malograram” (2000, p.75), mas outros

autores, como Edgar Morin, em 1978 (dez anos, portanto, após o início dos

movimentos na França), entendem que os efeitos são maiores do que a

derrubada (ou não) do governo francês de De Gaulle. Refletindo sobre os

(ainda) possíveis efeitos das manifestações, o autor afirma que:

[o] essencial é o seguinte: maio de 68 ensinou que o subsolo da sociedade está minado. Antes de 68, vivíamos em uma sociedade que acreditava repousar em um terreno sólido, maciço. A sociedade industrial triunfava, era capaz de resolver todos os problemas do homem moderno – a fome, a miséria, a servidão (....). Agora, depois de 68, uma ansiedade, uma inquietação, pairam sobre a sociedade industrial. Maio de 68 marca, assim, uma ruptura. Antes desse acontecimento, a sociedade industrial não duvidava de si mesma, estava como que anestesiada com o próprio êxito. Desde então, ela sabe que seu subsolo é poroso, oco (MORIN, 1978, p. 34 apud Cohn e Pimenta, 2008).

Todavia, é importante recordar que Maio de 68 não aconteceu por

acaso: desde 1964, estudantes começaram a se reunir em manifestações em

diferentes lugares do mundo: os manifestos contra a guerra do Vietnã, nos

Estados Unidos; as manifestações na Alemanha, desde 1967, com o

assassinato do estudante Benno Obnesorg; e, em abril de 1968, com o

atentado contra o líder estudantil Rudi Dutschke, fatos que criaram algumas

das condições para que os movimentos na França florescessem: toda uma

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32 geração parecia querer lutar contra o conservadorismo, a favor dos direitos

civis, da revolução sexual e pela criação do movimento pelo meio ambiente.

Aqui no Brasil, com o silêncio imposto pela ditadura militar a todos os

setores da sociedade, o protagonismo dos estudantes contra o regime ficou

cada vez mais evidente: ao longo de 66 e 67, várias greves e passeatas foram

organizadas a partir de Centros Estudantis e, em 1968, a morte do estudante

Edson Luís, no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, foi o estopim para

uma série de manifestações contra a repressão militar, como a Passeata dos

Cem mil, em 26 de junho de 1968, que contou com a presença de artistas e

intelectuais, como Caetano Veloso, Chico Buarque, Nara Leão e Clarice

Lispector, entre outros.

Figura 1 - Passeata dos Cem mil, 26 de junho de 1968. Disponível em www.memoriasdaditadura.org.br. Acesso em 21 de dezembro de 2017.

Assim como no resto do mundo, as manifestações no Brasil tiveram,

além do caráter político, o papel de desafiar as regras de costumes. Conta-nos

Zuenir Ventura, que também estava na Passeata dos Cem Mil, que

“questionavam-se os valores institucionais do casamento burguês: monogamia,

fidelidade, ciúme, virgindade” (1988, p.51).

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Porém, com a decretação do Ato Institucional número 05 (AI-5), que

estabelecia, entre outras medidas, a dissolução do Congresso Nacional, a

repressão aumentou significativamente e os movimentos estudantis

radicalizaram-se, indo para clandestinidade: A UNE (União Nacional dos

Estudantes), as UEEs (Uniões Estaduais dos Estudantes) e os DCEs

(Diretórios Centrais Acadêmicos) foram postos na ilegalidade e uma parte do

movimento estudantil acabou se transformando em base para a guerrilha

urbana, dando suporte a grupos armados como a VPR (Vanguarda popular

revolucionária) e a ALN (Aliança libertadora Nacional). Segundo o grupo

Memórias da Ditadura14, ligado à comissão da verdade, 6% de todos os mortos

e torturados na ditadura militar no Brasil eram estudantes.

Os movimentos estudantis retornaram à legalidade apenas em 1977,

com Ernesto Geisel na Presidência e com a retomada das manifestações

estudantis nas ruas de todo país. Em 1979, a UNE foi refundada.

Figura 2 - Congresso de reconstituição da UNE, em 1977 Foto disponível em www.une.org.br. Acesso em 21 dez 2017.

14Disponível em http://memoriasdaditadura.org.br/. Acesso em 23 de dez. 2017

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34

Outro momento em que os estudantes foram colocados como

protagonistas de mudanças sócio-políticas aconteceu nos anos 90, durante a

campanha pelo impeachment de Fernando Collor de Mello, o primeiro

presidente eleito democraticamente após a ditadura militar.

Após denúncias publicadas na revista Veja, em 27 de maio de 1992,

feitas pelo irmão do presidente, Pedro Collor, de que o presidente e seu

tesoureiro de campanha, Paulo Cesar Farias, estariam envolvidos em lavagem

de dinheiro, evasão e divisas e trafico de influências, a UNE (União Nacional

dos Estudantes) voltou a assumir o protagonismo realizando um fórum pelo

afastamento do presidente, em 29 de maio de 1992. A partir daí eles ficaram

conhecidos como os “caras-pintadas”, pois saíam às ruas com tinta no rosto.

Em 14 de agosto, o Presidente foi à TV pedindo que os brasileiros

fossem às ruas vestindo verde e amarelo como demonstração de apoio ao seu

governo, mas o que se viu foi justamente o contrário: os jovens se vestiram de

preto, em sinal de luto e o dia ficou conhecido como “domingo negro”.

Figura 3 - Os caras-pintadas, em 1992. Imagem disponível em http://acervo.oglobo.globo.com/fotogalerias/jovens-de-caras-pintadas-9666114, acesso em 21 dez 2017

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Em 25 de agosto, cerca de 400 mil estudantes protestaram em frente ao

MASP, 80 mil em Salvador e 100 mil no Recife, fazendo pressão sobre o

Congresso Nacional que apurava as denúncias através de uma CPI. Em 29 de

setembro a Câmara votou pelo afastamento do presidente e, em 29 de

dezembro de 1992, Fernando Collor de Mello renunciou à presidência.

Mas trazendo esses fatos históricos para nosso estudo sobre as

ocupações estudantis de 2015, em que aspectos podemos afirmar

similaridades entre os movimentos? Podemos dizer que os movimentos das

ocupações de 2015 se inscrevem na memória dos movimentos estudantis?

Em primeiro lugar, é preciso pensar no que queremos dizer com

“memória discursiva”. Segundo Coracini (2011, p.32),

[a] perspectiva discursiva desloca a memória como lembrança ou recordação como algo que se supõe ter realmente acontecido para a constituição dos sujeitos e dos discursos: uma forma de o sujeito se dizer e dizer o mundo. (...) Abarcando outros dizeres historicamente construídos, que o sujeito reatualiza em seu discurso e recebida por herança ou por experiências vivenciadas, a memória discursiva diz respeito à existência histórica do enunciado no seio das práticas discursivas já que marca a relação do homem com a linguagem.

Para Foucault (2013), que também trata a memória sob uma perspectiva

discursiva, a noção de arquivo não é nem o conjunto de documentos que uma

cultura tem, nem a instituição encarregada de guardar esses documentos, mas

“a lei do que pode ser dito. O sistema que rege o surgimento dos enunciados

como acontecimentos singulares” (FOUCAULT, 2013, p.170) e que faz com

que interpretemos os arquivos segundo um tempo-espaço, dentro das relações

de poder que o constituem. Em A arqueologia do saber, Foucault (2015) nos

propõe sua visão de arquivo:

Não entendo por este termo a soma de todos os textos que uma cultura guardou em seu poder, como documentos de seu próprio passado, ou como testemunho de sua identidade mantida: não entendo, tampouco, as instituições que, em determinada sociedade, permitem registrar e conservar os discursos de que se quer ter lembrança e manter a livre disposição. Trata-se antes, e ao contrário, do que faz com que

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tantas coisas ditas por tantos homens, há tantos milênios, não tenham surgido apenas segundo as leis do pensamento, ou apenas segundo o jogo das circunstâncias, que não sejam simplesmente a sinalização, no nível das performances verbais, do que se pôde desenrolar na ordem do espírito ou na ordem das coisas: mas que tem aparecido graças a todo um jogo de relações que caracterizam particularmente o nível discursivo (2015, p.158)

Ou seja, para Foucault, é o conjunto de enunciados efetivamente ditos em

determinada época. Em Ditos e Escritos I (2014, p.499), o autor ainda nos

esclarece que entende por arquivo o conjunto de “discursos pronunciados”,

considerando que esse conjunto continua funcionando e se transformando

através da história, e que se trata da possibilidade de surgir através de novos

discursos.

Coracini, todavia, complementando o pensando foucaultiano em relação à

memória esclarece que:

[c]abe aqui um esclarecimento: não se pode lembrar se o que aconteceu não tiver sido esquecido, porque recordar é sempre interpretar. A memória, é portanto, sempre um esquecimento, pois é sempre uma interpretação de algo que já passou; passado que se faz presente, presente que a todo momento já é futuro (2007, p.16)

Partindo para a discussão das ocupações como elemento constitutivo dos

arquivos de memória, um episódio acabou por elucidar questões ligadas à

memória dos acontecimentos de forma quase espontânea: um vídeo, publicado

na página Não mexa no Josepha,15 mostrava uma aluna/manifestante sendo

entrevistada por um repórter da Rede Globo de televisão. O repórter pergunta:

quanto tempo vocês pretendem manter a invasão da escola? E a garota

responde: em primeiro lugar, gostaria de fazer uma correção: isso aqui é uma

ocupação, não uma invasão. A resposta, um tanto inusitada para uma

adolescente que obrigatoriamente não precisava estar “consciente” da memória

discursiva dos movimentos de que participava, colocou em pauta para a

15 https://www.facebook.com/naomexanojosepha/videos/186127448394455/. Acesso em 21 dez. 2017.

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37 sociedade a importância da nomeação dos eventos indo ao encontro do que

Foucault (2013, p.170) chamou de “a lei do que pode ser dito”, ou seja, da

ordem do discurso nos quais se inserem os arquivos. Conforme Coracini:

[o] discurso é o lugar em que o poder se exerce, mas é também o lugar da resistência do sujeito a esse mesmo poder, resistência que, diga-se de passagem, se encontra, prevista ou dissimulada, no próprio dispositivo de poder (2007, p.17).

Assim, quando a adolescente “corrige” o repórter da Rede Globo, o que

ela acaba por fazer é reposicionar a nomeação dos acontecimentos, retirando-

o da esfera criminal, ilegítima (invasão), e posicionando-o juntamente à

memória discursiva dos movimentos estudantis e sociais – a ocupação como

uma tática de manifestação16 (em conjunto com outros eventos como a

ocupação das universidades de Nanterre e Sorbonne, em 1968, ou movimento

Occupy Wall Street, em 2011, entre outros).

Outro aspecto que chama atenção nos movimentos paulistas de 2015 é

que eles se colocam como seguidores dos movimentos estudantis chilenos. No

Chile, os movimentos tiveram dois momentos: um primeiro, em 2006, com a

criação da Cartilha “como tomar seu colégio” (que pode ser lida na íntegra no

anexo deste trabalho) e um segundo, ainda maior e que ficou conhecido

como a Revolta dos Pinguins, de 2011 (referência ao uniforme escolar

chileno), A cartilha acabou “guiando” as manifestações brasileiras e argentinas

de 2015 pois trazia diretrizes para todos os aspectos das manifestações

(limpeza e organização das escolas, declarações para a mídia, aspectos

jurídicos, repressões policiais, etc). Ou seja, os movimentos brasileiros se

colocam como parte de uma tradição de manifestações que tem por tática a

ocupação de locais públicos para forçar o diálogo com as autoridades e

constituir uma forma de resistência às relações de poder dentro de um certo

contexto sócio-histórico.

16 De acordo com Andrew Boyd e Dave Oswald Mitchell (2013, p.42), as ocupações são uma tática popular utilizada pelos movimentos sociais para tomar e defender espaços.(...). A lógica de ação de muitas dessas ocupações é a de que as pessoas estão retomando espaços que são seus, o que expõe grandes roubos. Essa mesma lógica pode ser aplicada a estudantes que tomam um prédio que deveria servir a eles (por exemplo, no final dos anos 60, quando estudantes afro-americanos ocuparam prédios de universidades em todo o país, levando à criação de muitos departamentos de Estudos Afro-americanos/Étnicos).

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Apesar de parecidos, os movimentos latino americanos traziam diferenças

em suas pautas reivindicatórias: o movimento chileno pedia a gratuidade do

exame de seleção para a universidade, passe escolar grátis e o fim das

restrições de horário para o transporte municipal, melhoria da merenda, além

da reforma e das condições das instalações sanitárias escolares. Os

movimentos argentinos surgiram principalmente depois da aprovação do

“protocolo antipiqueteiro”, uma resolução do governo Macri que autorizava a

repressão e a criminalização de quem protestar em vias públicas. Já os

movimentos paulistas se iniciaram com o anúncio da Secretaria Estadual da

Educação em reorganizar as escolas em ciclos, separando-as em três níveis

de Ensino: anos iniciais do Ensino Fundamental (1º. ao 5º. ano), anos finais do

Ensino Fundamental (6º. ao 9º. ano) e escolas para o Ensino Médio (1º. ao 3º.

ano). A reorganização da rede tinha como proposta, para 2016, transformar

754 escolas em ciclo único, focadas em uma única faixa etária. Assim, 2.197

escolas em todo o Estado (43% do total) passariam a funcionar neste modelo.

Além disso, 94 escolas seriam fechadas, ou seja, deixariam de ser destinadas

à oferta de educação básica e disponibilizadas, segundo a secretaria de

Educação, para outras atividades. Essa medida envolveria a transferência de

311 mil alunos para outras escolas.

Assim, apesar de apresentarem pautas diferentes, os movimentos latino-

americanos trouxeram alguns pontos em comum: a defesa da educação

pública de qualidade e de melhoria nas condições para que essa educação

seja efetivamente exercida e, assim como em 1968 e 1992, mostraram que a

juventude é uma força motriz essencial para que as mudanças sociais

aconteçam.

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39 1.3. Dobra segunda - Mídia e comunicação urbana: a cobertura jornalística e as relações de poder

Para este trabalho, baseamo-nos nas definições de sincretismo (2013) e

de polifonia (2004), de Massimo Canevacci, no sentido de perceber os muitos

olhares sobre a cidade a partir de um “perder-se” como procedimento

metodológico da comunicação urbana. O autor se utiliza desses conceitos para

construir o que chama de “paradigma inquieto”: uma mistura de diversas

técnicas interpretativas que nos levam a conhecer um determinado momento

da vida na grande metrópole. O autor enfatiza que a comunicação ocorre na

“zona cinzenta”, formada pela interação entre as diferentes construções da

cidade e utiliza-se do conceito de antropofagia e do procedimento da

comunicação urbana para definir esse processo.

A antropofagia é sincrética, a subjetividade, diaspórica, as antropologias, híbridas. Elas praticam a remastigação de todo código que chega de qualquer parte geográfica, selecionam atentamente as partes conceituais a devorar, cospem zonas carnais ou sintaxes confusas porque consideradas saborosas e que, ao contrário, se revelam pútridas, saboreiam o bolo antes de engoli-lo definitivamente, defecam histórias depois de ter absorvido toda nutrição possível e, como extrema ratio, vomitam simbólicos pedaços nojentos. A antropologia degusta a antropofagia (CANEVACCI, 2013, p.23).

Isso significa dizer que entender a São Paulo do século XXI só é possível

se se abandonar o método positivista do século XIX e passar a abraçar o

híbrido, o pastiche, o instável, o líquido do século XXI, ou seja, se se trouxer

para a questão das ocupações, o olhar híbrido sobre um adolescente

influenciado pelas mídias de massa e pelas redes sociais, que aprendeu com o

movimento estudantil chileno uma tática de manifestação que já foi usada em

maio de 68 na França e que hoje se expressa através do hip hop e do grafite

(originalmente) norte americanos, com seu smartphone produzido na China.

Isso é o que também Canevacci (2013) conceitua quando usa o termo “glocal”,

união de global com local.

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Nesses redemoinhos flutuantes e plurais, de panoramas glocais, emerge com força a produção, a difusão e o consumo de sincretismos culturais. Tal palavra é fruto de recíprocas contaminações entre global cunhada justamente para abarcar a complexidade multidirecional dos processos atuais (...) O sincretismo é glocal (CANEVACCI, 2013, p.46).

Todavia, a notícia sobre esses sincretismos é produzida com os

midiascapes,17 que não são unilaterais ou neutros - e, hoje, importante

lembrar essa notícia é construída por vários sujeitos em seu entremeio: o autor,

o expectador, que também pode passar a ser autor, que terá outros

expectadores e, assim por diante, “[n]inguém é mais só expectador e muito

menos deseja sê-lo. Expect-atoro” (CANEVACCI, 2013, p.45).

Importante, entretanto, salientar que a definição usual que se tem sobre

mídia vem da teoria da comunicação e diz respeito à sua origem latina “media”,

como plural de “medium”, ou meios: aquilo que generalizadamente chamamos

de mídia (por vezes como sinônimo de imprensa ou meios de comunicação de

massa) seria uma espécie de instituição intermediária entre o fato e o

espectador (GUAZINA, 2007). Todavia, para este trabalho, assumimos uma

concepção outra do que esta apresentada pela teoria da comunicação. A

mídia, aqui, participa de um processo de subjetivação que caracteriza um modo

de ser sujeito na contemporaneidade. Daí o termo cultura midiatizada, assim

como sujeito midiatizado. Thompson (2011) esclarece essa distinção logo na

introdução de A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia, ao afirmar

que:

17 O termo midiascape foi cunhado por APPADURAI (1996) para designar as “paisagens midiáticas”, ou seja, o fluxo imagético global criado a partir de revistas, jornais, televisão e principalmente publicidade, que impacta diretamente na paisagem através de pôsteres, outdoors, vídeos e ferramentas eletrônicas.

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Só podermos entender o impacto social do desenvolvimento das novas redes de comunicação e do fluxo de informação se pusermos de lado a ideia intuitivamente plausível de que os meios de comunicação servem para transmitir informação e conteúdo simbólico a indivíduos cujas relações com os outros permanecem fundamentalmente inalteradas. (...) [a]o invés, que o uso dos meios de comunicação implica a criação de novas formas de ação e de interação com o mundo social, novos tipos de relações sociais e novas maneiras de relacionamento dos indivíduos com os outros e consigo mesmo (2011, p.13).

Mais do que investigar o meio, focamos este estudo no fenômeno

chamado de midiatização do sujeito, conceito trazido por Hjarvard (2014), que

apresenta as mídias como estruturas capazes de condicionar e permitir a ação

humana reflexiva. Diz-nos Hjarvard:

Hoje, experimentamos uma midiatização intensificada da cultura e da sociedade que não está limitada ao domínio da formação da opinião pública, mas que atravessa quase toda instituição, social e cultural, como família, trabalho, política e religião. As mídias são coprodutoras de nossas representações mentais, de nossas ações e relacionamentos com outras pessoas em uma variedade de contextos privados e semiprivados, e deveríamos considerar essa uma revolução significativa também (2014, p. 23).

Isso significa dizer que este trabalho não foca necessariamente em um

veículo individualizado da mídia (ainda que tenhamos que discursivamente

selecionar material de alguns deles), mas que deslocamos o foco para seu

papel nos modos de subjetivação e nas relações desse sujeito midiatizado com

a sociedade. Nesta perspectiva, o sujeito midiatizado não se caracteriza como

receptor de informações por estes meios, pois, ao mesmo tempo que recebe

conteúdo midiático por vias diversas, graças ao poder disseminador cada vez

maior das mídias digitais, também é produtor de conteúdo dentro daquilo que

Bruns (2006) chama de produser, ou seja, aquele que é receptor e produtor de

conteúdo midiático ao mesmo tempo.

Um bom exemplo da ação de produser ocorreu justamente durante as

ocupações em 2015. Durante os primeiros dias do movimento, o jornal Folha

de São Paulo publicou uma série de reportagens em que tratava do tema,

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42 procurando ouvir os dois lados envolvidos (a Secretaria de Educação e os

alunos), mas que ainda se posicionava, mesmo que de forma sutil, contra as

manifestações, como se pode notar a partir de alguns recortes18 do texto da

Folha on line, publicado em 17 de novembro de 201519que traremos como

exemplos para ilustrar este posicionamento. Nele se lia o seguinte título:

“Invasão de 25 escolas atinge ao menos 26 mil alunos em São Paulo”.

Exemplo 1:

Observe-se que, nos trechos “Porque não fazem em outro lugar? Assim

atrapalham as aulas” e “Não tenho quem fique com meu filho”, o jornalista, para

(re)contar os fatos, relata como o movimento prejudicou os alunos e suas

famílias, em vez, por exemplo, de mostrar as reinvindicações do movimento.

Discutiremos isso mais adiante.

Os estudantes, no entanto, não satisfeitos com a maneira pela qual a

mídia corporativa os havia retratado, tomaram a decisão de relatar sua própria

experiência através das redes sociais. Páginas como O mal educado e Não

fechem a minha escola passaram a receber conteúdos produzidos pelos

manifestantes diariamente, numa tentativa de construir uma narrativa sobre os 18 Importante salientar que não se tratam de recortes discursivos, mas exemplos que ilustram os diferentes olhares da mídia sobre os acontecimentos. 19 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/11/1707369-invasao-de-25-escolas-estaduais-atinge-ao-menos-26-mil-alunos-em-sp.shtml. Publicado em 17 de nov. 2015. Acesso em 09 mai. 2017.

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43 acontecimentos que se opunha à narrativa trazida pela mídia corporativa (e,

por vezes, desafiava sua “autenticidade”). O recorte abaixo foi retirado da

página do Facebook Não fechem a minha escola, publicado em 26 de

novembro de 201620:

Exemplo 2:

21DIA 4 – 26 DE NOVEMBRO DE 2015 – 209 ESCOLAS OCUPADAS!

Esse é o boletim informativo da página Não fechem minha escola, construído

do muros de dentro das escolas para fora, organizando os principais

acontecimentos do dia nas Escola Ocupadas do Estado de São Paulo e da

mobilização que está sendo construída contra a “desorganização escolar” e o

20 Disponível em: https://www.facebook.com/naofechemminhaescola/photos/a.1485520751742887.1073741829.1485355621759400/1495929504035345/?type=3&theater. Publicado em 26 de nov. 2015. Acesso em 09 de maio de 2017. 21Para este trabalho, tomamos a decisão de digitar o texto das páginas impressas que estão, de algum modo, com a leitura dificultada, seja pelo tamanho ou pela qualidade da imagem.

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44 fechamento das escolas. Quer noticiar eventos, posicionamentos, vídeos, fotos

da ocupação que você constrói? Entre em contato conosco!

Participe do Encontro das Escolas de Luta, esse sábado, 28 de Novembro!

Atente-se ao fato de que a publicação convoca alunos (e quaisquer

pessoas que estejam lendo a página) a noticiar “eventos, posicionamentos,

vídeos e fotos das ocupações”, indo ao encontro do que Bruns (2006)

conceitua como produser.

In such models, the production of ideas takes place in a collaborative, participatory environment which breaks down the boundaries between producers and consumers and instead enables all participants to be users as well as producers of information and knowledge, or what I have come to call produsers (also see Bruns 2005a). These produsers engage not in a traditional form of content production, but are instead involved in produsage – the collaborative and continuous building and extending of existing content in pursuit of further improvement. (BRUNS, 2006, p. 02)22

Noam Chomsky (2013), que classifica nossa sociedade como “uma

democracia de espectadores”, nos reconta um episódio relatado por Walter

Lippmann, decano dos jornalistas americanos, sobre o que ele acabou por

chamar de mecanismo de “consenso fabricado” pela imprensa. Segundo

Chomsky, Lippmann defendia que a imprensa poderia ser responsável por uma

revolução no sentido de conduzir a opinião pública na construção de um

consenso sobre temas considerados mais importantes, através de técnicas de

propaganda política. Chomsky passa, então, a narrar um episódio para

demonstrar como a fórmula de Lippmann passou a ser efetivamente utilizada em

casos em que interessavam aos poderes hegemônicos. A técnica consistiu em

divulgar largamente na imprensa como a greve dos trabalhadores da Steel, no

oeste da Pensilvânia, em 1937, prejudicava o andamento de toda a sociedade, 22 Em tradução livre: “Nesses modelos, a produção de ideias acontece em um ambiente colaborativo e participativo, que quebra as barreiras entre produtores e consumidores e propicia, ao contrário, que todos os participantes sejam usuários tanto quanto produtores de informação e conhecimento, ou, como eu passei a chamá-los, produsers (veja também Bruns 2005a). Estes produsers envolvem-se de um jeito não tradicional de produção de conteúdo mas, ao contrário, envolvem-se em produsage – a construção contínua do conteúdo existente no intuito de aperfeiçoá-lo.”

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numa tentativa de colocar a opinião pública contra os grevistas. O plano foi tão

eficiente que depois acabou sendo largamente usado e conhecido como a

“fórmula do Vale do Mohawk”, ou “método científico para por fim a greves”.

Segundo Chomsky:

[o] plano era imaginar formas de colocar a população contra os grevistas, apresentando-os como desordeiros, nocivos à população e contrários ao interesse geral. O interesse geral é “nosso”, o do homem de negócios, do trabalhador, da dona de casa. Todos esses somos “nós”. (2013, p.25)

Assim como o primeiro exemplo trazido acima enfatizava os prejuízos

trazidos pelas ocupações (reportagem que foca as dificuldades da mãe e que

enfatiza o fato de ela ser uma empregada doméstica e, portanto, alguém de uma

classe desfavorecida diante da situação da suspensão das aulas), tratando os

manifestantes como nocivos (de acordo com “a fórmula do Vale do Mohawk”),

encontramos a mesma postura da mídia corporativa em outros momentos, tais

como no exemplo abaixo, em que a diretora da escola Fernão Dias Paes afirma

que: “Esse grupo não quer diálogo e está prejudicando os alunos” ou, como na

reportagem de 23 de novembro de 2015, cuja manchete é “Governo paulista

cancela prova em escolas invadidas23”

Exemplo 324:

23 Disponível em: Folha de São Paulo, 23 de novembro de 2015. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/11/1709920-governo-paulista-cancela-prova-estadual-em-escolas-invadidas.shtml. Acesso em 11 mai. 2017 24 Disponível em Folha de São Paulo, 11 de novembro de 2015. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/11/1704798-estudantes-mantem-ocupacao-de-escola-estadual-em-sp.shtml. Acesso em 10 mai. 2017.

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46 Exemplo 425:

No exemplo 4, a mesma estratégia é utilizada contra os manifestantes: a

reportagem mostra que há uma vontade da Secretaria da Educação em

dialogar, porém não há reciprocidade dos manifestantes (o que sugere que

eles são “intransigentes” ou “não abertos ao diálogo”). Ou seja, mais uma vez,

usando a “fórmula do Vale do Mohawk”, a imprensa tenta construir um

consenso mostrando como movimentos reivindicatórios prejudicam a vida de

todos. A reportagem afirma que a Secretaria da Educação não apoia “atos de

vandalismo”, desqualificando os manifestantes como “baderneiros” ou

“vândalos” - mais uma vez na linha do consenso fabricado.

Porém, este “consenso fabricado” - conceito criado por Noam Chomsky

para determinar essa espécie de voz única entre os veículos da mídia

corporativa, dentro do que o próprio autor chama de “monopólio coletivo”

(CHOMSKY, 2013, p. 29) - encontra saída naquilo que o autor chama “cultura

da dissidência’. Em entrevista para o programa brasileiro Roda Viva, Chomsky

explicou em que consistiria essa cultura da dissidência:

25 Disponível em: Folha de São Paulo de 13 de novembro de 2015. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/11/1705853-sobe-para-7-o-numero-de-escolas-estaduais-invadidas-na-grande-sp.shtml. Acesso em 11 mai. 2017.

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47

Há muito que se pode fazer (...) Os [jornalistas independentes] tentam pressionar a abertura até o limite, frequentemente fazendo coisas interessantes (...). A mídia deveria envolver a participação popular. Na verdade, o modelo já existe. Eu vi coisas interessantes no Rio há alguns dias, quando fui ao subúrbio de Nova Iguaçu e assisti à TV popular. Eles recebem equipamento e apoio técnico para grupos populares e produzem sua própria TV. 26

Chomsky concedeu esta entrevista em 1996. O que aconteceu nas

próximas décadas veio a fortalecer essa cultura das dissidências. A

popularização da tecnologia digital permitiu que durante as ocupações, por

exemplo, muito do material que circulava nas redes provinha de sites de

jornalismo independentes (como Mídia Ninja, ou Jornalistas Livres), mas

também de canais no You Tube ou no Facebook produzidos pelos próprios

manifestantes, que não se contentavam com a mídia corporativa e se

propunham a produzir uma outra narrativa. Daí nasceram páginas como Não

fechem minha escola, O Mal educado e Escolas em luta, todas com a missão

de transmitir a visão dos alunos sobre os eventos e que constituem rica fonte

de análise para o estudo do discurso dessa nova mídia.

A partir do olhar das mídias dissidentes e das páginas dos próprios

alunos, portanto, a opinião pública teve acesso a um outro olhar sobre as

ocupações, como os exemplos a seguir:

26 Entrevista realizada em 1996. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6HvZfzHhW5k. Acesso em 09 mai. 2017.

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48 Exemplo 527:

O Fernão, como é conhecida no bairro de Pinheiros, é uma das escolas

programadas para ter o Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) fechado a partir do

ano que vem pelo Governo do Estado de São Paulo.

Sim, aquele governo que constrói presídios e fecha escolas.

O governo que esconde da população os atos obscuros que pratica,

ocultando informações sobre o Metrô, o governo que esconde da população

dados estatísticos sobre as mortes cometidas por policiais militares fora do

serviço, policiais que pertencem a uma corporação que, segundo a própria

corregedoria da Polícia Militar “é uma corporação que tem entre seus quadros

uma organização criminosa que se organiza em grupos de extermínio”.

27 Jornalistas Livres, em 11 nov. de 2015. Disponível em: https://jornalistaslivres.org/2015/11/a-sao-paulo-sem-educacao-que-restara-para-nossos-filhos/. Acesso em: 12 mai. 2017.

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49

Exemplo 628:

No exemplo 5, publicado no mesmo dia (11 de novembro de 2015) do

exemplo 3 – parte da matéria da Folha de S. Paulo trazida anteriormente -,

ressalta-se a formação discursiva do jornalista da mídia dita alternativa, a qual

diverge totalmente do olhar corporativo: foca nas razões que levaram os

estudantes a realizarem as manifestações e critica veementemente o governo

do Estado de São Paulo e a Polícia Militar, que chega a chamar de “grupo de

extermínio”. Já no exemplo 6, vê-se a primeira publicação da página

“Secundaristas em luta de São Paulo”. O objetivo da página é divulgar à

opinião pública os motivos pelos quais os estudantes estavam em luta,

divulgar decisões obtidas durante as assembleias nas escolas ocupadas e

também trazer uma narrativa outra sobre o que estava acontecendo nas

ocupações, por isso, o panfleto traz, em caixa alta, “OS ESTUDANTES ESTÃO

MELHORANDO AS ESCOLAS OCUPADAS, NÃO DANIFICANDO” e o texto

começa com “nas escolas ocupadas não há bagunça”, além de “fizeram faxina

em lugares que nunca eram limpos”, em uma disputa de narrativas com o

governo de São Paulo.

28 Materiais retirados da página Secundaristas em luta de SP. Disponíveis em: https://www.facebook.com/luta.secundas/photos/a.774610605994457.1073741828.774315626023955/777691639019687/?type=3&theater. Acesso 17 set. 2017.

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O impacto de páginas como Secundaristas em luta só foi possível graças

à popularização das tecnologias digitais e das redes sociais, indo ao encontro

ao que Jenkins (2006) e Shirky (2010) chamam de “cultura participativa” –

Shirky, inclusive, nos alerta para o fato de que a cultura participativa não é

exatamente uma novidade, mas que o fato da automização da vida social do

século XX ter nos afastado tanto deste tipo de cultura, fez com que tivéssemos

que criar uma expressão para nominá-la. Se isso fosse feito no século

passado, seria, provavelmente, uma tautologia (2010, p.23). As tecnologias

digitais desordenaram as noções antes estabelecidas entre consumidores e

produtores de mídia. Diz-nos Jenkins:

A expressão “cultura participativa” contrasta com noções mais

antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de

comunicação. Em vez de falar sobre produtores e

consumidores de mídia como ocupantes de papeis separados,

podemos agora considera-los como participantes interagindo

de acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de

nós entende por completo (JENKINS, 2006, p. 28).

Tanto a mídia alternativa - ou “dissidente”, nas palavras de Chomsky

(2013) -, quanto as páginas criadas pelos próprios alunos tiveram um impacto

tão grande na opinião pública que houve uma nítida mudança de

comportamento da mídia corporativa: em 3 de dezembro de 2015, a TV Folha

publicou na rede um vídeo em que relatava de forma positiva as ocupações –

era possível assistir aos alunos das ocupações explicando seus argumentos

para o movimento, a organização das escolas, o material sucateado pela

diretoria das próprias unidades e a manutenção dada, então, pelos alunos

ocupantes. O vídeo imediatamente viralizou nas redes sociais e, curiosamente,

foi apagado do site da TV Folha em menos de 24 horas. Segundo denúncia

feita pelo site de mídia alternativa Revista Forum, o vídeo foi apagado logo

após visita do governador à redação da Folha de São Paulo29.

29 Tanto o vídeo quanto as denúncias sobre os motivos da retirada do vídeo da TV Folha estão disponíveis em: http://www.revistaforum.com.br/2015/12/03/podemos-tirar-se-achar-melhor-folha-retira-video-de-ocupacoes-de-estudantes-do-ar-apos-visita-de-alckmin/. Publicado em 03 de dez. 2015. Acesso em 13 de mai. 2017.

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De qualquer forma, o que este e outros episódios ilustram é que se pode

observar que não é mais possível afirmar que exista um “consenso fabricado” -

Chomsky (1996) - porque a “cultura da dissidência” (também Chomsky, 1996)

impacta a opinião pública significativamente, graças à popularização da cultura

da convergência, empoderada pelas novas tecnologias.

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52 1.4: Dobra terceira: O acontecimento e a escola-outra

Uma das questões que norteiam este estudo é saber se as ocupações

estudantis de 2015 podem ser consideradas um acontecimento, no sentido em

que nos trazem Foucault e Derrida. Para isso, conceituaremos as noções dos

dois pensadores e depois as confrontaremos com os fatos ocorridos em 2015.

1.4.1. A noção de acontecimento

Em A ordem do discurso, livro que reproduz a aula inaugural de Foucault

(2014a) no Collège de France, o pensador francês nos alerta para o fato de

que a noção de acontecimento é paradoxal, já que há, num primeiro momento,

dois sentidos deste termo: o acontecimento como novidade ou diferença e o

acontecimento como prática histórica ( FOUCAULT, 2014a: p. 59).

No sentido de novidade ou diferença, Foucault fala de "acontecimento

arqueológico", ou seja, uma novidade histórica, algo que seria tomado como

imprevisível, inesperado dentro das condições de produção existentes. A

mutação de uma episteme a outra é pensada como acontecimento radical que

estabelece uma nova ordem do saber; desse acontecimento só é possível

seguir os signos, os efeitos. Por isso, a arqueologia deve percorrer o

acontecimento em sua disposição manifesta (FOUCAULT, 1999, p. 573). O

acontecimento que produz a mutação da episteme é apresentado como

abertura. Neste sentido, o autor fala de acontecimento arqueológico.

Já como prática histórica, Foucault fala de "acontecimento discursivo", em

que se leva em conta a regularidade histórica das práticas, ou "séries

homogêneas". É sobre este segundo sentido que tratam as descrições

arqueológicas foucaultianas, modo de análise histórica que trata dos

acontecimentos discursivos. A arqueologia descreve os enunciados como

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53 acontecimentos. Foucault faz uma oposição entre a análise discursiva em

termos de acontecimento às análises que descrevem o discursivo desde o

ponto de vista da língua ou sentido, da estrutura ou do sujeito. A descrição em

termos de acontecimento, em lugar das condições gramaticais ou das

condições de significação, leva em consideração as condições de existência

que determinam a materialidade própria do enunciado.

Em Ditos e escritos IV, Foucault (2015), nos explica que:

Utilizo a palavra 'arqueologia' por duas ou três razões principais. A primeira é que é uma palavra com a qual se pode jogar. Arche, em grego, significa "começo". Em francês, também usamos a palavra 'arquivo' que designa a maneira como os elementos discursivos foram registrados e podem ser extraídos. O termo 'arqueologia' remete, então, ao tipo de pesquisa que se dedica a extrair os acontecimentos discursivos como se eles estivessem registrados em um arquivo (...). Assim, meu projeto não é o de fazer um trabalho de historiador, mas descobrir por que e como se estabelecem relações entre os acontecimentos discursivos. Se faço isso, é com o objetivo de saber o que somos hoje. (...) Somos inextricavelmente ligados aos acontecimentos discursivos. Em um certo sentido, não somos nada além do que aquilo que foi dito há séculos, meses, semanas... (2015, p. 252)

Já em As palavras e as coisas (1999), Foucault toma o acontecimento

como uma ruptura radical da episteme30, só manifesta por seus efeitos. Assim,

Foucault coloca a noção de acontecimento entre a novidade e o acontecimento

como regularidade. Em A Ordem do Discurso (2014a) o termo acontecimento

adquire um terceiro sentido: um acontecimento como relação de forças,

conceito que se entrelaça com o conceito de atualidade. Diz-nos Foucault:

As noções fundamentais que se impõem agora não são mais aquelas da consciência e da continuidade (com os problemas que lhe são correlatos, da liberdade e da causalidade), nem são tampouco aquelas que do signo e da estrutura: são o acontecimento e a série, com o jogo de noções que lhe são

30 Para Foucault, O paradigma geral segundo o qual se estruturam os pensamentos científicos em determinada época que por esta razão compartilham certas formas ou características. O surgimento de uma nova episteme estabelece uma forte ruptura epistemológica que abole a totalidade de métodos e de modos cognitivos anteriores, o que implica uma concepção fragmentária e não evolucionista da história da ciência. (2009, p. 301)

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ligadas: regularidade, aleatoriedade, descontinuidade, dependência e transformação (2014a, p. 53)

Em Ditos e Escritos III, Foucault (2009) nos diz que "[d]ito de outra forma,

nós estamos atravessados por processos, movimentos, de forças: nós não os

conhecemos, e o papel do filósofo é ser, sem dúvida, o diagnosticador destas

forças, de diagnosticar a realidade" (2009, p. 573). Aqui aparece na obra de

Foucault um quarto sentido para palavra acontecimento que parte da palavra

"événementaliser" ou "acontencimentalizar", como método de trabalho

histórico. Com a criação deste neologismo, Foucault faz surgir na análise

histórica uma nova ruptura: observar uma singularidade onde antes se observa

uma constante histórica. Importante ressaltar, ainda, que Foucault opõe a

noção de acontecimento com a noção de criação. Em a A Ordem do Discurso,

o autor nos esclarece que:

Quatro noções devem servir, portanto, de principio regulador para a análise: a noção de acontecimento, de série, a de regularidade, a de condição de possibilidade. Vemos que se opõem termo a termo: O acontecimento à criação, a série à unidade, a regularidade à originalidade e a condição de possibilidade à significação (FOUCAULT, 2014a, p.51).

Por fim, em Ditos e escritos IV, Foucault (2005) nos esclarece que podemos

considerar como uma filosofia do acontecimento não só a arqueologia dos

discursos, mas também a ontologia do presente. Diz-nos o autor:

Para dizer as coisas claramente: meu problema é saber como os homens governam (a si mesmos e aos outros) através da produção de verdade (repito-o mais uma vez, por produção de verdade não entendo a produção de enunciados verdadeiros, mas o ajuste de domínios onde a prática do verdadeiro e do falso pode ser, ao mesmo tempo, regrada e pertinente). Acontecimentalizar (événementialiser) os conjuntos singulares de práticas, para fazê-los aparentemente bárbaros o que eu queria fazer. Vocês veem que não é nem uma história dos acontecimentos, nem uma análise da racionalidade crescente que domina nossa sociedade, nem uma antropologia das codificações que regem nosso comportamento sem que o saibamos. Eu queria, definitivamente, ressituar o regime de produção do verdadeiro e do falso no coração da análise histórica e da criação política (FOUCAULT, 2005, p.27).

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Já para Derrida (2004), em Papel Máquina, a noção de acontecimento

vem entrelaçada com as noções de sensibilidade, de afecção estética e

presunção de organicidade viva. O acontecimento vem para interromper o

curso do possível, é imprevisível e cria uma experiência. Diz-nos Derrida:

Um acontecimento apenas advém se sua irrupção interrompe o curso do possível, e, como impossível mesmo, surpreende toda a previsibilidade. (...) Ora, é difícil conceber um vivente A QUEM ou ATRAVÉS de quem algo acontece sem que alguma afecção venha a se inscrever de maneira sensível, estética, diretamente em algum corpo ou em alguma matéria orgânica. Por que orgânica? Porque parece não haver pensamento do acontecimento sem uma sensibilidade, sem uma afecção estética e alguma presunção de organicidade viva (2004, p. 35).

É precisamente neste ponto em que os dois pensadores divergem. Para

Foucault, o acontecimento é discursivo, produz novos efeitos de sentido. Já

para Derrida, o acontecimento é performativo, ou seja, utiliza-se da afecção do

corpo orgânico para existir. Em A Ordem do Discurso (2014a), Foucault nos

explica que:

Certamente o acontecimento não é nem substancia nem acidente, nem qualidade, nem processo; o acontecimento não é da ordem dos corpos. Entretanto, ele não é imaterial; é sempre no âmbito da materialidade que ele se efetiva, que é efeito; ele possui seu lugar e consiste na relação, coexistência, dispersão, recorte, acumulação, seleção de elementos materiais; não é ato nem a propriedade de um corpo; produz-se como efeito de e em uma dispersão material (2014a, p.54) (destaques nossos)

Para Derrida, a condição de possibilidade paradoxalmente impossibilita o

acontecimento, como também a experiência da qual ela se pretende condição.

O im-possível pressupõe o im-previsível em relação ao horizonte de

expectativa do sujeito. Um acontecimento, explica Derrida, não chega nunca

“na horizontal”, ele não se perfila no horizonte donde se poderia prevê-lo; um

acontecimento vem do alto, na vertical, como surpresa absoluta:

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O acontecimento como aquilo que chega é o que verticalmente me cai em cima, sem que eu possa vê-lo vir; o acontecimento não pode me aparecer antes de chegar senão como impossível. O acontecimento é o que ocorre e, ao ocorrer, acontece de me surpreender, de surpreender e de suspender a compreensão; o acontecimento é de imediato o que não compreendo. Ou melhor, o acontecimento é de imediato que eu não compreenda. (DERRIDA, 2012, p.242).

Exatamente por isso que Derrida se utiliza da expressão a “possibilidade

impossível de dizer o acontecimento”: algo tão fora da ordem do previsível que

a nomeação (de tal evento) se faz difícil (Invasão? Ocupação? Manifestação?).

Tendo esses conceitos em mente, nos perguntamos: teriam sido as

ocupações estudantis de 2015 um acontecimento? Que vestígios os fatos nos

deixaram para que cheguemos a uma conclusão? Seguindo essa trilha com o

intuito de descobrir se as ocupações constituíram um acontecimento, propomos

um breve caminho pelas razões que fizeram as ocupações significarem uma

resistência à medida do governo, bem como um manifesto à incompatibilidade

desses estudantes com a instituição escolar.

1.4.2. A escola disciplinar e a heterotópica

As ocupações fizeram emergir questões outras a respeito da escola, que

acabaram por ir além da proposta de reorganização. Além do visível

descontentamento com a medida do governo estadual, a maneira como foram

ocupados os espaços escolares escancarou, também, uma insatisfação com a

maneira como a escola é gerida e com o modelo pedagógico adotado pela

escola pública.

Durante as ocupações, os alunos organizaram, além do espaço escolar,

dinâmicas de ensino-aprendizagem que chamaram de “oficinas”, além de

palestras, debates e assembleias, ou seja, os alunos acabaram por criar um

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57 modelo de escola que gostariam de ter, e que está longe do modelo baseado

no século XIX que ainda usamos.

Althusser (1980) nos alerta para o fato de que a escola faz parte daquilo

que ele chama de “aparelho ideológico do Estado”, uma instituição criada pela

classe dominante, com o intuito de perpetuar as condições sociais e manter o

status dessa mesma classe através da transmissão da ideologia. A escola seria

o principal reprodutor da qualificação da força de trabalho no sistema

capitalista. Diz-nos Althusser:

A escola (mas também outras instituições do estado como a igreja ou o exército) ensinam “saberes práticos” mas em moldes que asseguram a sujeição à ideologia dominante ou o manejo da prática desta. Todos os agentes da produção, da repressão, da exploração, não falando dos profissionais da ideologia (Marx) devem estar de uma maneira ou de outra “penetrados” dessa ideologia para desempenharem “conscienciosamente” a sua tarefa – quer de explorados (proletários) quer de exploradores (capitalistas), quer de auxiliares da exploração (seus “funcionários”) etc. (1980, p. 21).

Isso significa dizer que, para Althusser (1980), a escola funciona como

um aparelho de submissão à ideologia do Estado, mas essa submissão se dá

pela palavra, e, por isso, a escola tem a função, desde a fundação da

sociedade industrial, de instruir, civilizar, moralizar e disciplinar seus alunos

(SIBILIA, 2012).

Cabe à escola a função de ensinar “saberes práticos” que conduzem o

individuo para o mercado de trabalho, bem como ensiná-lo o “bom

comportamento” neste mesmo ambiente.

Isso vai ao encontro daquilo que Foucault (2009) chama de relações de

poder e saber: apesar do filósofo francês não considerar o poder como algo

necessariamente ruim, pois para ele o poder incita e pro(se)duz, amplia os

limites para novas práticas, ao mesmo tempo destaca que nenhum poder

emana unicamente do indivíduo, mas de uma rede de relações de poder que

constituem o sujeito, como o discurso. O poder é concebido como uma rede,

não nasce por si só, mas por relações que submetem o indivíduo. Por isso, a

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58 Escola faz parte dessa grande rede, que enfatiza o autodisciplinamento – os

estudantes aprendem na escola que devem disciplinar a si mesmos e a seus

pares. Diz-nos Foucault:

Uma relação de fiscalização, definida e regulada está inserida na essência da prática de ensino: não como uma peça trazida ou adjacente mas como um mecanismo que lhe é inerente e que multiplica sua eficiência (2015, p. 158)

Ou seja, para Foucault a disciplina é uma forma de dominação e controle

com o intuito de vigiar e domesticar comportamentos.

Em Vigiar e Punir (2014b) Foucault cita o conceito de panóptico de

Bentham para delinear alguns aspectos que se referem a instituições

disciplinares, como a prisão e a escola: o panóptico é uma estrutura circular

com ponto de observação no meio. Os prisioneiros das celas são “vistos sem

ver”. Dessa forma, os prisioneiros experimentam um sentimento constante de

incerteza, que acarreta, cedo ou tarde, em paranoia e auto-vigilância. Segundo

Foucault:

O panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver

sem parar e reconhecer imediatamente. A plena luz e o olhar

de um vigia captam melhor que a sombra, que finalmente

protegia. A visibilidade é uma armadilha (FOUCAULT, 2014b,

p.194).

A partir disso, pode-se questionar aspectos básicos pensando nas

relações de poder dentro da escola: qual saber é valido? Que tipo de saber é

valorizado nas escolas? Que tipo de saber é produzido? É por isso que o autor

afirma que “toda forma de saber produz poder” (2014b, 143).

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59

Figura 4- Panóptico de Bentham – disponível em http://humanitats.blogs.uoc.edu/files/2016/06/panoptico-de-bentham.jpg. Acesso em 05 jan 2018.

A instituição escolar tornou-se central dentro do que Foucault (2014e)

chamou de sociedade disciplinar: teve a função primordial de disciplinar os

alunos, exercer o controle e o poder diretamente sobre seus corpos, exigindo

uma certa normatização do comportamento enquanto garantia o domínio da

cultura letrada. A sociedade disciplinar surgiu, ainda segundo o autor, com a

decadência do poder soberano no século XVIII, e é formada por instituições

que são responsáveis por internalizar as regras de convívio social (através do

que ele denominou de técnicas de si), pela vigilância ao cumprimento dessas

mesmas regras, bem como à punição dos que não a cumprem. Diz-nos o autor:

O poder disciplinar é [...] um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar”: ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. [...] “Adestra” as multidões confusas [...] (FOUCAULT, 2014e, p.143).

Assim, o ideal de que, para se inserir na sociedade contemporânea (ou

seja, tornar-se “cidadão”), o indivíduo precisa ser alfabetizado, pode ser uma

das manifestações desse tipo de poder, já que esse indivíduo assujeita-se a

uma instituição – a escola – que o disciplina, o vigia e o pune.

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Entretanto, a sociedade do século XXI trouxe, junto com o advento das

novas tecnologias digitais, novas formas de subjetivação que não se

encontram mais nas frias carteiras das escolas do século XIX. Sobre isso,

Sibilia diz que:

Existe uma incompatibilidade entre os corpos infantis e adolescentes com as antiquadas normas colegiais. Não parece haver uma maneira de se estabelecer o diálogo entre estas inquietas subjetividades tão contemporâneas, com seus próprios sonhos e ambições, seus estilos de vida e suas realidades cotidianas de um lado e, de outro, a parafernália escolar, com seus rançosos ritos disciplinares, e sua inútil insistência nas diferenças hierárquicas, seu respeito surrado pela tradição letrada e sua aposta no valor do esforço a longo prazo (SIBILIA, 2012, p.203).

Ou seja, o aluno do século XXI não enxerga mais o professor como uma

fonte incontestável de saber e têm dificuldade em aceitar as hierarquias e os

ritos escolares. Isso provoca uma crise na instituição escolar, justamente

porque, entre outros fatores, os alunos mudaram, mas a escola, não. A escola

ainda privilegia a hierarquia e a disciplina para que se alcance aquilo que

Foucault (2014e) chama de “corpos dóceis”, ou seja, ela ainda é um reflexo da

sociedade disciplinar do século XIX.

Outro ponto importante trazido por Sibilia (2012) é influência das

relações de consumo no ambiente escolar: a lógica do mercado perpassa a

escola e os alunos, mas não oferece os mesmos múltiplos atrativos que o

mundo virtual oferece, por meio das variadas tecnologias digitais. Isso faz da

escola uma instituição ligada a valores indesejados às novas formas de

subjetivação vigentes. Daí não é de se estranhar que, quando em 23 de

setembro de 2015, o governador de São Paulo anunciou a chamada

reorganização do ensino, com o fechamento de 93 escolas, os alunos

organizaram-se porque queriam ser ouvidos, não só em relação ao projeto de

reorganização, mas também à escola que desejavam, em confronto com a que

eles realmente tinham.

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61

1.4.2.1. Heterotopia O projeto de reorganização pode ter sido o estopim que deu o ponta pé

inicial nas ocupações, mas lembremos que foram realizadas por uma geração

que não tinha identificação com o próprio ambiente escolar e que parecia

desejar construir um outro tipo de escola. É sobre este “espaço outro” que os

alunos construíram dentro do espaço da escola, durante as ocupações, que

discutiremos a seguir: o conceito foucaultiano de heterotopia.

Foucault dissertou sobre heterotopia apenas três vezes: a primeira, no

prefácio de As Palavras e as Coisas, em 1966; a segunda, em uma conferência

radiofônica intitulada As heterotopias, também em 1966, e a terceira, na

conferência Outros Espaços, proferida em 1967 e que está no livro Ditos e

Escritos volume III (2005), cuja primeira publicação se deu em 1994. Em todas

as oportunidades, Foucault traz a ideia de heterotopia como um “espaço-outro”

em contraste com o “outro-espaço”, ou seja, as múltiplas camadas de

significação de um mesmo lugar, que Foucault chama de contraespaços. Diz-

nos o autor:

As crianças conhecem perfeitamente esses contraespaços, essas utopias localizadas. É o fundo do jardim, com certeza, é com certeza o celeiro, ou melhor ainda, a tenda de índios erguida no meio do celeiro, ou é então – na quinta feira à tarde – a grande cama dos pais. É nessa grande cama que se descobre o oceano, pois nela se pode nadar por entre as cobertas, depois essa grande cama é também o céu, pois se pode saltar sobre as molas; é a floresta, pois pode-se nela esconder-se; é a noite, pois ali se pode virar fantasma entre os lençóis (FOUCAULT, 2013, p.20).

As heterotopias são, assim, uma construção de um espaço-outro sobre

um determinado espaço “real”. É o que ocorre no teatro, por exemplo, que

Foucault chama de ‘heterotopia por excelência’: de repente, ao abrirem-se as

cortinas, o espaço de madeira e cimento passa a significar o espaço-outro

desejado pelo enredo que se encena.

Importante ainda salientar que o próprio autor diferencia a heterotopia e a

utopia: o nome utopia, nos esclarece, deve ser reservado àquilo que não existe

de fato, o não-lugar, em oposição ao lugar-outro, possível e real da heterotopia.

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62

Segundo este olhar, Foucault nos explica, ainda, que as heterotopias

podem existir em dois modos possíveis: recriando minuciosamente um mundo

ideal ou criando uma ilusão que desvenda a todo o resto como uma ilusão. Diz-

nos o autor:

E aí que encontramos o que há de mais essencial nas heterotopias. Elas são a contestação de todos os outros espaços, uma contestação que pode ser exercida de duas maneiras: ou como nas casas de tolerância (...) criando uma ilusão que denuncia todo o resto da realidade como uma ilusão ou, ao contrário, criando um espaço real tão perfeito tão meticuloso, tão bem disposto quanto o nosso é desordenado, mal posto e desarranjado” (FOUCAULT, 2013, p. 27).

Poderíamos nos questionar, então, se a relação dos manifestantes com o

espaço das escolas ocupadas constituiria uma heterotopia foucaultiana, uma

vez que os alunos estariam construindo um espaço-outro dentro daquilo que

consideraram um espaço escolar obsoleto e ameaçado pelas medidas

formuladas pelo Governo do Estado.

1.4.2.2. TAZ

Tentando entender a relação da heterotopia com a criação de uma escola

outra durante as ocupações de 2015, aproximamo-nos do conceito de Zona

Autônoma Temporária (ou T.A.Z., seguindo sua sigla em inglês), criado pelo

escritor anarquista norte americano Hakin Bey (1985) - codinome de Peter

Lamborn Wilson - cuja principal ideia é a de criar espaços para o exercício

pleno da liberdade longe do alcance do Estado, o que seria próximo ao que

concebemos como levante31. Bey justifica a ação, afirmando que todas as

31 Para Bobbio, Matteucci e Pasquino, “podemos distinguir a existência de duas correntes na reflexão dos clássicos. De um lado estão os que, como Le Bon, Tarde e Ortega y Gasset, se preocupam com a irrupção das massas na cena política e vêem nos comportamentos coletivos da multidão uma manifestação de irracionalidade, um rompimento perigoso da ordem existente; antecipam assim os teóricos da sociedade de massa. De outro lado estão os que, como Marx, Durkheim e Weber, se bem que com alcance e implicações diversos, vêem nos movimentos coletivos um modo peculiar de ação social, variavelmente inserida ou capaz de se inserir na estrutura global da sua reflexão, quer eles denotem transição para formas de solidariedade

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63 revoluções como as conhecemos terminaram com a ascensão de uma força

opressora ainda maior, além do fortalecimento do Estado e que, por isso, a

TAZ teria este caráter efêmero e não hierárquico. Segundo o autor:

A TAZ é uma espécie de rebelião que não confronta o Estado diretamente, uma operação de guerrilha que libera uma área (de terra, de tempo, de imaginação) e se dissolve para se refazer em outro lugar e outro momento, antes que o Estado possa esmagá-la. Uma vez que o Estado se preocupa primordialmente com a Simulação, e não com a substância, a TAZ pode, em relativa paz e por um bom tempo, "ocupar" clandestinamente essas áreas e realizar seus propósitos festivos. Talvez algumas pequenas TAZs tenham durado por gerações - como alguns enclaves rurais – porque passaram desapercebidas, porque nunca se relacionaram com o Espetáculo, porque nunca emergiram para fora daquela vida real que é invisível para os agentes da Simulação. (BEY, 1985, p.6.)

A TAZ, portanto, leva o caráter de insurgência a espaços ocupados

clandestinamente, sempre de forma efêmera: quando uma TAZ é descoberta e

dominada pelo Estado, outra, instantaneamente, aparece em outro espaço

igualmente clandestino e libertário, já com intuito de se dissolver

posteriormente, ao menor sinal de interferência do Estado. O mesmo

mecanismo parece ter ocorrido durante as ocupações, e aqui arriscamos uma

interpretação menos ortodoxa da obra de Foucault (2013), indo ao encontro da

teoria de Hakim Bey (1985), uma vez que a escola tornou-se um espaço

ocupado temporariamente de modo clandestino com dois objetivos distintos:

primeiramente, pressionar o governo do Estado para que recuasse na decisão

de instaurar o projeto de “reorganização escolar” e o segundo, criando um

espaço-outro, uma escola que fosse ao encontro dos desejos e aspirações dos

alunos e que, por isso, exponha a ineficiência do estado ao geri-la. Um escola-

outra dentro da própria escola: uma heterotopia.

mais complexas, a transição do tradicionalismo para o tipo legal-burocrático, quer o início da explosão revolucionária.” (1998,p.787). Para o dicionário Léxico on line, levante é o mesmo de rebelião, insurreição ou motim. Disponível em: https://www.lexico.pt/levante/. Acesso em 06 jan. 2018.

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64 II. Análise: estudando representações que emergem das linhas do tecido

Para esta seção, utilizaremos a Análise do Discurso de linha francesa

como dispositivo de análise. Para este estudo, ainda, gostaríamos de utilizar o

conceito de linguagens líquidas trazido por Lucia Santaella (2007). Para a

autora, estamos na era da fluidez, em estado de “permanente devir” e

constante autotransgressão, devido à aceleração do mundo industrializado –

não há mais o sentimento de estabilidade de nossos limites corporais (2007,

p.18). Santaella leva para a linguagem a “modernidade líquida”, conceito

consagrado por Bauman (2003) para descrever um período do capitalismo –

que Bauman chama de “leve” ou “flexível” -, cuja principal característica seria a

fluidez, responsável pela incerteza e fugacidade das relações sociais que se

baseiam no consumo. Santaella (2007) nos explica:

Linguagens antes consideradas do tempo – verbo, som, vídeo, – espacializam-se nas cartografias líquidas e invisíveis do ciberespaço, assim como as linguagens tidas como espaciais – imagens, diagramas, fotos – fluidificam-se nas enxurradas e circunvoluções dos fluxos. Já não há lugar, nenhum ponto de gravidade de antemão garantido para qualquer linguagem, pois todas entram na dança da instabilidade. Texto, imagem e som já não são o que costumavam ser. Deslizam uns para os outros, sobrepõem-se, complementam-se, confraternizam-se, unem-se, separam-se e entrecruzam-se (2007:24).

Isso significa dizer que, para este estudo, escolhemos um olhar pós-

moderno para as questões da linguagem, usando a imagem, além do texto

verbal, como materialidade linguística (seguindo um olhar interdisciplinar): A

imagem será tratada como recorte discursivo pois remete à memória

discursiva, a outros discursos já ditos e a outros textos que fazem parte da

memória, ou seja, são modos outros de se entrar no arquivo – e este é

constituído por outras linguagens –, pois o humano tem essa capacidade de

estetizar e de se expressar de várias formas (na sua relação com a tecnologia,

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65 com as artes etc). Além disso, fazemos o uso do conceito de convergência das

mídias (Jenkins, 2006) para pensar nas diferentes linguagens que se cruzam e

interagem em meios diversos, tais como fotos, grafites, cartazes, entre outros,

utilizados para constituir o discurso, na sua relação materialidade linguística e

História e os modos de subjetivação na contemporaneidade.

Tendo isso em mente, trazemos três linhas de análise para este trabalho:

a primeira, chamamos de Invasão ou Ocupação, que tem a finalidade de

discutir alguns efeitos de sentido usados pela nomeação dos fatos em torno

dos movimentos estudantis dessas duas maneiras. O segundo, que chamamos

de Estudantes (In)fames, é inspirado no texto A vida dos homens infames, de

Foucault (2015), que será brevemente introduzido na linha 2 e que traz a

discussão de como os estudantes viam a si mesmos e ganharam notoriedade,

apesar das circunstâncias adversas, exatamente como escreveu Foucault. O

última linha de análise, chama-se Escola disciplinar e escola heterotópica e

pretende trazer indícios do que chamamos de escola-outra, pensada pelos

alunos durante as ocupações e discutida na dobra 3 deste trabalho. Importante

salientar que todas as linhas de análise estão permeadas pelas noções de

acontecimento (nos sentidos foucaultiano e derridiano), o que nos permite fazer

a leitura do objeto por entradas diferentes. Ressaltamos, ainda, que todas as

linhas de análise estão permeadas pelo olhar polifônico32 e sincrético que nos

traz Canevacci (2004; 2013), por se tratar de uma maneira instável, líquida

(retomando Santaella e Bauman) e pós moderna de olhar para os fenômenos

contemporâneos.

2.1. Ocupação x Invasão

A primeira linha trata da questão de como foram nomeados pela mídia e

pelos manifestantes os acontecimentos de 2015. A nomeação destes

acontecimentos se faz importante na medida em que inscreve-os na memória

discursiva da sociedade, bem como faz transparecer a formação discursiva de

quem nomeia, como veremos a seguir. 32 Lembrando que para Canevacci (2004) polifonia está atrelada com a comunicação da cidade através de “vozes” diversas e atuantes – por isso a cidade é polifônica – e para interpretar essas vozes é necessária uma metodologia que comporte essa diversidade, que ele chama de “paradigma inquieto”.

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66

Começamos com uma breve análise do material publicado na Folha de S.

Paulo on line, um dia após a primeira ocupação estudantil, na Escola Estadual

Diadema, em 10 de novembro de 2015:

Recorte 1

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/11/1704401-estudantes-

ocupam-e-trancam-escola-em-ato-contra-fechamentos-em-sp.shtml. Acesso em 01 abril

2017.

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67

O que inicialmente chama a atenção, e que se observará com

regularidade nas imagens sobre as ocupações, é a presença de grades que

isolam os manifestantes de toda a sociedade. O olhar da formação discursiva

da Folha é exterior aos movimentos, ao lado da Polícia Militar, o que faz com

que o leitor perceba os estudantes como “bandidos” que se encarceram - o que

nos remete à ideia de presídio, ou até aos espaços de exclusão, como nos

explica Foucault (2014) -, indivíduos cujas condutas não são aceitas pela

sociedade e, por isso, são forçados ao isolamento (como hospícios, prisões

etc). Interessante notar, entretanto, que se trata de um isolamento voluntário e

que os alunos são constituídos também por este olhar da sociedade disciplinar

que isola e domestica – adestra os corpos, os confina e tranca o pensamento.

A manchete da Folha descreve que os alunos “invadiram” e “trancaram” a

escola. Assim, podemos refletir brevemente sobre o uso dos termos usados a

partir de uma breve reflexão a partir do dicionário33:

Invasão: ato ou efeito de invadir 1 ato de penetrar (em local, espaço etc.), ocupando-o pela força migração acompanhada de violência e devastações ‹i. dos povos nômades› ‹i. dos bárbaros› 2 ato de alastrar-se e difundir-se maciça e rapidamente ‹i. de formigas› ‹i. de pragas no jardim› 3 fig. Difusão de largo alcance, propagação de alguma coisa de cunho abstrato ‹uma i. de ideias exóticas› 4 fig. desrespeito, desconsideração, esp. em relação à vida pessoal de outrem; usurpação ‹aquelas perguntas caracterizavam uma i. em sua vida particular 5 terreno, área ilegalmente ocupada por moradias populares 6 DIR.INT.PÚB entrada, sem prévia autorização, de forças armadas estrangeiras em território de um Estado 7 crime que consiste na entrada, sem autorização, em estabelecimento de trabalho com o objetivo de prejudicar as atividades normais ou danificar o próprio estabelecimento

Assim, atentemo-nos ao fato de que o enunciado da Folha de S.

Paulo (Recorte 1) pode sugerir a ideia de crime, de invasão, nos moldes

33 De acordo com o Dicionário Houaiss on line, consultado em 04 de setembro de 2017. Disponível em: https://houaiss.uol.com.br/pub/apps/www/v3-2/html/index.php#2

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68 dos bárbaros e ilegítimos, de uma ação delituosa por parte dos

estudantes.

Já o verbo trancar traz a seguinte definição no mesmo dicionário34:

1 t.d. fechar (porta, banheiro, casa, cofre etc.) com tranca; atrancar 2 t.d. e pron. (prep.: em) manter(-se) em recinto fechado com ou sem tranca (no sentido de 'retranca', 'artefato') ‹trancou o cão de guarda por causa das crianças› ‹trancou-se no quarto para meditar› 3 t.d.bit. (prep.: em) prender (alguém) em (penitenciária, cela etc.); encarcerar, trancafiar

Portanto, os verbos trancar e invadir sugerem a ideia de algo da

esfera criminal e que, por esse motivo, compete à polícia resolver: alguém

que não pertence àquele espaço entra à força e cabe à força policial

resolver a questão.

Na reportagem, percebe-se que uma das demandas dos

manifestantes é justamente a de ‘serem ouvidos’ (queremos ser ouvidos,

e esse foi o jeito que conseguimos. Ninguém ouve a gente porque a gente

é adolescente), o que nos remete ao estudo da linha de análise n. 2 deste

trabalho, chamado de Estudantes (In)fames. Reforça-se, também, o

tempo todo, a ideia de que são adolescentes imaturos, que precisam da

autorização dos pais para ali ficarem, que se trata de um número

insignificante de manifestantes (menos que 10) e que “não estavam lá

para estudar”. A reportagem ainda reforça a ideia difundida pelo Governo

do Estado de que as escolas não seriam simplesmente fechadas, mas

dariam lugar a outros segmentos como ensino técnico ou creche, e que

os alunos-manifestantes seriam transferidos para um local próximo (1,5

km), o que acaba por deslegitimar a pauta levantada pelos manifestantes

(o fechamento das escolas).

Todavia, o site O mal educado, escrito e editado pelos estudantes

manifestantes, na mesma data de 10 de novembro de 2015, trazia a

seguinte reportagem: 34 De acordo com o Dicionário Houaiss on line, consultado em 04 de setembro de 2017. Disponível em: https://houaiss.uol.com.br/pub/apps/www/v3-2/html/index.php#2

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Recorte 2

10 NOV 2015 (BR-SP) O Mal Educado: E.E. Diadema e E.E Fernão

Dias ocupadas!

Escola Estadual Diadema ocupada por estudantes!

ESTUDANTES, PAIS E PROFESSORES DA E.E. DIADEMA ESTÃO

DENTRO DA ESCOLA AGORA E DIZEM QUE NÃO VÃO SAIR EM

FORMA DE PROTESTO.

Após tentar outras formas de luta contra a reorganização escolar do

governo estadual, com vários atos espalhados pelo estado de SP ao

longos desses últimos meses e percebendo que existiria outra maneira de

serem ouvidos os estudantes da E.E. Diadema acabaram de ocupar sua

escola.

Disponível em http://www.passapalavra.info/2015/11/106753. Acesso em 01 abr. 2017.

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O olhar do fotógrafo da página da Internet, neste recorte, é de dentro

da escola e a reportagem não traz imagens de ações policiais ou grades,

mas, ao contrário, de atividades diversas dos alunos dentro do ambiente

escolar. O texto é assinado pelo coletivo “Movimentos em luta”, o que

levanta aqui uma observação sobre a questão da autoria. Para Foucault

(2002), a questão da autoria refere-se a uma função discursiva, não a um

indivíduo, e é por isso que Foucault fala de função-autor e de como esta

função se torna importante dentro do conjunto de ordens discursivas. Diz-

nos Foucault:

Um nome de autor não é simplesmente um elemento de um discurso (que pode ser um sujeito ou complemento, que pode ser substituído por um pronome, etc), exerce certo papel com respeito aos discursos: assegura uma função de classificação, um nome desse tipo permite agrupar um certo número de textos, de delimitá-los, excluir alguns, opô-los a outros (...) A função-autor é, pois, característica do modo de existência, de circulação e de funcionamento de alguns discursos dentro da sociedade (FOUCAULT, 2002, p. 798)

O site Passa Palavra é escrito pelo coletivo, sem que um deles

assuma a responsabilidade de seu conteúdo, como uma autoria coletiva.

O site enfatiza que os alunos “tentaram outras formas de luta” e que as

ocupações teriam sido, assim, a única forma encontrada para resistir ao

Poder Público, que insistia em reprimir violentamente os secundaristas.

Interessante perceber que o campo semântico de “luta” remete-nos à

guerra, ou seja, quem luta, luta contra alguém ou algo: no caso dos

estudantes, a luta é contra todos os aparelhos do Estado, com seus

obstáculos, ameaças e intransigências.: luta é vocabulário do campo das

guerras ou das disputas esportivas35, além de ser vocabulário próprio do

âmbito das ideias marxistas, como em luta de classes.

35 No entanto, interessante notar que mesmo a ideia de luta dentro do campo semântico dos esportes é uma derivação, um deslizamento de sentido a partir do campo semântico da guerra: as disputas desportivas trazem, ainda, um caráter bélico – e isso pode explicar as chamadas “guerras de torcidas” (conforme explica Pêcheux, 1997)

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A reportagem da Folha de São Paulo (Recorte 1) traz a ideia de que

o movimento é criminoso e que, portanto, tem que ser resolvido pela

polícia; neste segundo recorte, a ideia é a de que a ação dos alunos é

legítima e a forma como o Estado encara o movimento (de maneira

“autoritária”, “arbitrária” e “despótica”) - usando inclusive um aparelho de

repressão do Estado - bem como a reorganização do ensino é que são

criminosas (ofensiva criminosa), já que usam armas contra adolescentes

“indefesos”, não dialogam e usam a força policial para reprimir as

manifestações.

Há, também, o uso do dêitico “agora”, que nos remete à

característica síncrona das redes sociais e àquilo que Santaella (2013)

chama de ubiquidade: o leitor ubíquo, segundo a autora, é aquele que se

fragmenta e se movimenta em meio ao caos, que tem a atenção sempre

parcial contínua e que responde a muitos estímulos simultaneamente.

Focamos, ainda, na escolha da palavra “ocupação”, contrapondo-se

à ideia de “invasão” trazida pelo Recorte 1. De acordo com o mesmo

dicionário36, ocupar sugere um efeito de sentido diverso:

Ocupação: substantivo feminino 1 ato de apoderar-se de algo ou de invadir uma propriedade; posse 2 ato de trabalhar em algo; o próprio trabalho a ser executado ou que se executou; serviço 3 atividade, serviço ou trabalho principal da vida de uma pessoa 4 obrigação a cumprir, papel a desempenhar em determinados setores profissionais ou não; cargo, função, ofício etc., que estava livre); preenchimento 6JUR modo de aquisição da propriedade de coisa móvel sem dono ou abandonada; apropriação.

Ocupação, no recorte 2, já não remete à ideia de ilegalidade, com

exceção do primeiro sentido, mas à ideia de trabalho, de atividade e de

apoderar-se produtivamente de algo abandonado. Ao invés de

imaginarmos bárbaros depredando uma escola pública, o uso dessa

palavra parece-nos remeter à imagem de estudantes ocupando-se do

3636 Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa on line. Acesso em 04 de set. de 2017.

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72 trabalho da escola, como é sugerido pela foto que acompanha o texto do

Passa palavra. Passa palavra, aliás, nome escolhido pelos alunos para o

site que comunica os acontecimentos de acordo com o olhar de quem

está no movimento, é um nome que parece nos remeter à ideia de

democracia, de movimento social, bem como à ideia de que “mídia

dissidente” de Chomsky (2013) no sentido de que os manifestantes

podem construir uma narrativa outra que não aquela trazida pelas

grandes mídia corporativas.

Portanto, a partir desse breve exemplo dos enunciados utilizados

pela mídia corporativa e pela mídia dita alternativa, pode-se apreender

que partimos de formações discursivas diversas e que poderemos

observar como as formações ideológicas se manifestam dentro do

discurso (como formações discursivas) legitimando ou questionando

relações de poder estabelecidas.

No entanto, à medida em que as manifestações foram ocorrendo e

ganharam apoio da opinião pública, foi mudando, também,

paulatinamente, o comportamento da mídia corporativa, que passou a

adotar o uso da palavra “ocupação”, apesar de, por muitas vezes, ainda

criminalizar o movimento. Um bom exemplo disso é o recorte abaixo,

retirado da mesma Folha de São Paulo, mas em 24 de novembro de

2015, ou seja, 15 dias após o início das primeiras manifestações.

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Recorte 3

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/11/1710194-estudantes-

ocupam-escola-estadual-na-zona-leste-de-sao-paulo.shtml. Acesso em 09 abr. 2017.

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Podemos perceber que, aqui, apesar do jornal já nomear as

manifestações como “ocupações”, ao contrário do que fazia no início do

movimento, já no primeiro parágrafo volta a chamá-las de invasões. Mais uma

vez, temos a imagem de uma aluna-manifestante atrás das grades da escola e

um olhar externo ao movimento, remetendo a escola a um espaço de

segregação (para nomear as ações, a Folha utiliza-se dos substantivos onda,

invasão, manifestação e protesto. Para indicar as ações, utiliza-se dos verbos

ocupar e invadir).Também é importante perceber que, se no recorte anterior a

Folha trazia o movimento como irrelevante por se tratar de “menos de 10

alunos”, agora fala-se em 108 escolas, o que altera a posição discursiva do

veículo, dando-lhe maior relevância.

No segundo parágrafo, notamos que a Folha tem atitudes diferentes em

relação às duas partes do conflito: quando os manifestantes afirmam algo, é a

polícia que deve “confirmar” determinada informação, ou seja, a Polícia é

usada como uma instituição de legitimação das informações (“a Polícia Militar

não confirma este número”), portanto, o dizer dos alunos não é (a)creditado.

Já o terceiro parágrafo traz uma nomeação curiosa: o uso da palavra

“onda” para designar a ocorrência da disseminação da tática de ocupação das

escolas. Tal vocábulo parece remeter a uma moda, a algo que é mimetizado

acriticamente, como um julgamento a uma atitude adolescente inconsequente

e, mais uma vez, volta a chamar de “invasão” o movimento, levando o leitor a

criminalizar a atitude dos manifestantes, o que os levou a criar estratégias para

comunicar-se diretamente com a sociedade (remetendo-nos ao gênero

discursivo do manifesto), como as páginas do Facebook e cartazes colocados

em frente às escolas ocupadas, como o Recorte 4, que trazemos abaixo:

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Recorte 4

Disponível em: https://www.facebook.com/pg/Ocupa%C3%A7%C3%A3o-E-E-Antonio-

Manoel- Alves-de-Lima-637379003071727/photos/?ref=page_internal. Acesso em 15

abr. 2017

O Recorte 4 traz uma foto do portão de uma das escolas ocupadas, no

qual os manifestantes resolveram pendurar um aviso aos que estavam do lado

de fora, para justificar a atitude de ocupar a escola.

O primeiro aspecto que chama a atenção é o formato deste aviso:

intitulado “Por que ocupamos o Antonio” ( em referência à Escola Estadual

Antonio Manuel Alves de Lima), o texto se apresenta em formato de manifesto,

gênero tantas vezes usado na história, tanto no mundo das artes como em

manifestações em outros campos discursivos (lembremos do Manifesto

Antropofágico, de Oswald de Andrade, O Manifesto Comunista de Marx, ou o

Manifesto Surrealista, de André Breton), com o propósito de convencer o leitor

e trazer de forma clara e sucinta, em tópicos, o posicionamento e as

justificativas dos autores em relação a suas ideias.

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76

Todo manifesto é escrito em linguagem formal e este não foge à regra

(com o uso de palavras como “exigimos”, “permanência” ou “mesa de

negociação”). Todavia, há momentos de informalidade, como que em um

“escape” da língua: primeiramente, com o uso do verbo “mexer” e,

posteriormente, com o uso de gírias, na última linha do manifesto: ‘Por que nóiz

é chave e tamo fervendo!!!” . Segundo o dicionário de gírias on line37, chamar

alguém de “chave” significa dizer que a pessoa é estilosa, bonita, legal,

interessante. Já “fervendo”, segundo o mesmo dicionário, significa estar

animado, exaltar-se, estar cheio de energia. Ou seja, a última linha do

manifesto traz algumas representações dos estudantes sobre si mesmos:

estilosos, legais e cheios de energia. Assim, começamos a desenhar um

pequeno esboço da próxima linha de análise – os estudantes infames – no

intuito de investigar quais imagens os alunos guardavam de si mesmos e quais

representações desses alunos as diferentes mídias construíram sobre eles e

suas ações.

Na segunda linha do manifesto, pode-se ler também “Porque o ‘senhor

Alckmin’ mexe na educação sem consultar os alunos”. Neste trecho, existe a

personalização do movimento contra a figura de Geraldo Alckmin – não há

referência ao governo e sequer o chamam de governador. A palavra senhor

aparece em letra minúscula e o fato de “senhor Alckmin” estar grifado entre

aspas pode sugerir uma ideia de ironia ou até mesmo ofensa.

Assim, percebemos que os estudantes não se veem representados pelos

agentes do governo, já que não se sentem ouvidos pelo aparato estatal e

tomam a palavra em forma de protesto, de ocupação do espaço da escola.

Desta forma, passaram a ter voz, a ter “fama”, como veremos na próxima linha

de análise.

2.2. Estudantes (In)fames Foucault (2003) utiliza-se do termo “homens infames” para descrever

aqueles “poemas-vidas”, indivíduos cujas vidas teriam perecido na memória de

nossa sociedade não fossem sua exposição junto às instâncias do poder: são

37 Disponível em: www.dicionarioinformal.com.br. Acesso em 05 jun.2017

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77 vidas simples, porém singulares, que estariam destinadas a não figurar nos

registros da História (aquela contada pelas grandes personagens), a não ser

pelo fato de serem infames, desonradas, vidas essas cujos rastros percebemos

através de documentos, cartas, petições, que Foucault chama de “antologia da

existência”. Diz-nos o autor:

Aparentemente infames, por causa das lembranças abomináveis que deixaram, dos delitos que lhes atribuem, do horror respeitoso que inspiraram, eles são de fato homens da lenda gloriosa, mesmo se as razões dessa fama são inversas àquelas que fazem ou deveriam fazer a grandeza dos homens. Sua infâmia não é senão uma modalidade universal da fama (FOUCAULT, 2003, p.210).

Assim como aconteceu com os “poemas-vidas” analisados por Foucault

(2003), a fama - de certa forma “infame” - atingiu os manifestantes: suas vidas

ganharam notoriedade através do choque com o poder e estariam fadadas a

serem esquecidas não fossem os acontecimentos do final de 2015. Vejamos:

Recorte 5

Disponível em:

https://www.facebook.com/mal.educado.sp/photos/a.291836464283439.1073741

825.291834600950292/726116010855480/?type=1&theater. Acesso em 11 set

2017.

Esta é a foto que foi escolhida por um grupo do Facebook para ser o

ícone do movimento. A garota está em um protesto de rua, embora não

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78 possamos ver o contexto geral em que a foto foi tirada. A menina segura um

cartaz com o que se tornaria o nome de uma vertente do movimento: “o mal

educado”, que nos remete a alguns efeitos de sentido: um deles, refere-se à

criança que desobedece aos pais; um segundo, à ideia de quem não recebeu

educação de uma forma considerada apropriada. Ambas as ideias estão

ligadas aos movimentos de ocupação descritos: a primeira por ser uma

provocação à ideia de autoridade e a segunda por se tratar de um movimento

que também reivindica a melhoria da educação. Outro ponto a ser observado é

o uso do substantivo “prazer”, no início do cartaz: remete-se à ideia de uma

apresentação formal, como se os estudantes estivessem apresentando-se à

sociedade (ou às autoridades, ou até mesmo ao governador), como se a

sociedade não os conhecesse antes e agora fosse ‘obrigada’ a enxergá-los, a

ouvi-los.

Também chama a atenção o uso da hashtag (referência a mecanismos

de busca da internet) escola de luta, que remete à adoção, por parte dos

manifestantes, do discurso ideológico marxista. Isso nos remete à questão da

convergência das mídias, conceito desenvolvido por Jenkins (2006) e

trabalhado na dobra 2 deste trabalho, no sentido de que através das hashtags

a busca por assuntos na internet tornou-se direta e simplificada – e é

justamente essa a ideia de divulgar a hashtag nas ruas – facilitar o encontro

das manifestações nas redes sociais.

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79 Recorte 6

Disponível em:

https://www.facebook.com/mal.educado.sp/photos/a.887695618030851.1073741846.2

91834600950292/887695691364177/?type=3&theater. Acesso em 22 abr 2017

A foto acima, retirada da página dos manifestantes no Facebook, o Mal

Educado, mostra um garoto, cujo rosto não se pode ver, mas em posição de

combate como um atirador de elite ou um fora da lei que não quer ser

identificado. O garoto simula uma posição de ataque com arma de fogo.

Contudo, em vez de uma arma, vê-se um livro: uma provável alusão de que o

conhecimento, a leitura, é a melhor “arma” que o estudante pode ter e que

talvez seja (também) contra isso que se protesta: além do fechamento das 99

escolas, a precarização do ensino e do acesso ao conhecimento.

Um detalhe chama atenção na foto em questão: o livro que o garoto

segura não é um livro qualquer, mas a Propriedade Privada é um roubo, do

escritor anarquista russo Pierre Joseph Proudhon, publicado em 1840. O

“flerte” com os anarquistas não é mera coincidência: as ocupações brasileiras

seguiram uma cartilha criada em 2012 no Chile, intitulada Como tomar a tu

colégio, escrita pelo grupo Agrupación política frente de estudiantes libertários

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80 (FEL), o qual se define como anarquista marxista38. Assim, o fato de o grupo

prezar pela autogestão, pela organização horizontalizada (não há um líder que

se apresente e fale em nome do grupo) e pelo choque com o poder

estabelecido, sugere que essas ações têm, de fato, uma inspiração nos

modelos pensados pelos teóricos anarquistas.

Proudhon, que foi o primeiro pensador a se autodenominar anarquista,

viveu no século XIX e se opôs radicalmente à posse de terras e ao acúmulo de

capitais. Para o autor, o direito de posse só seria legítimo se nascesse da

ocupação e fosse sancionado pela lei e, por isso, o direito do produto do

trabalho deve ser exclusivo de quem o produz (e não do capitalista, portanto),

conceito que, aliás, serviu de inspiração para a escrita da cartilha chilena usada

nas manifestações de São Paulo. Este último pensamento, aliás, remete-nos

ao conceito Marxista de alienação, utilizado pelos manifestantes, como no

recorte a seguir:

38 De acordo com o site: https://felestudiantil.org/la-fel/. Acesso 17 mai 2017. O texto da cartilha se encontra no Anexo deste trabalho.

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81 Recorte 7

Disponível em: https://www.facebook.com/pg/Ocupa-E-E-Diadema-

1505790296409080/photos/?tab=album&album_id=1505902653064511. Acesso em 15

abr. 2017.

A foto mostra um dos manifestantes segurando um cartaz em que se lê

“não seremos mais uma geração de alienados!”, o que acaba por transparecer

um pouco sobre o que os alunos/manifestantes pensavam sobre si, bem como

o que pensavam sobre as gerações que os antecederam. O uso do advérbio

“mais” funciona provavelmente como uma crítica às gerações anteriores que

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82 frequentaram a escola pública, bem como levanta o questionamento do que

seria, para estes manifestantes, uma geração “alienada”: lembramos, mais uma

vez, que os movimentos paulistas se inspiraram nos movimentos latino-

americanos que se definiam como “comunistas libertários” ou “marxista-

anarquistas”, segundo seu próprio website39, o que nos remete ainda à

definição de alienação em Marx.

Em Manuscritos econômicos-filosóficos (MARX, 2008, p. 46), o autor

coloca o trabalho como uma atividade privilegiada da atividade humana: a

capacidade de construir ferramentas que sejam capazes de ajudá-lo a

modificar o ambiente em que vive. Todavia, com o advento do capitalismo, o

homem passou a separar-se cada vez mais do produto de seu trabalho, a

reconhecer-se cada vez menos naquilo que fabrica. Isso geraria uma série de

problemas: o homem passaria a não ter mais o domínio de processo de

produção, haveria uma quebra da percepção de que o individuo é membro de

uma comunidade, o que o impediria de guiar-se (e a seus companheiros) e de

assumir as responsabilidades da sociedade que habita – o sujeito alienado é,

em última análise, aquele que não consegue perceber a possibilidade de

mudança através da mobilização coletiva, pois não se reconhece no produto do

trabalho que faz.

Ao afirmar “não seremos mais uma geração de alienados”, o

estudante/manifestante coloca-se como consciente da exploração do trabalho

na sociedade capitalista e opõe-se, justamente, à esta exploração que é levada

à Escola. Daí podemos entender a necessidade da criação de inúmeras

oficinas durante as ocupações – uma maneira de produzir as próprias

ferramentas, fugir do fetiche do consumo e afastar-se da alienação.

39 De acordo com o website do movimento: https://felestudiantil.org/, acesso em 11 de set. 2017.

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83

Recorte 8

Disponível em:

https://www.facebook.com/pg/mal.educado.sp/photos/?ref=page_internal. Acesso em 15

abr 2017.

Na foto acima, dois manifestantes, que usam o uniforme de suas

escolas, seguram cartazes. No primeiro, lê-se: “A gente quer ter voz ativa, no

nosso destino mandar” e no segundo lê-se: “Não adianta muita fé e pouca luta

#vem pra rua contra o Geraldo”.

O primeiro cartaz faz uso de intertextualidade e interdiscursividade ao

citar uma passagem da música Roda Viva de Chico Buarque, referência

interessante tendo em vista os movimentos estudantis contra a ditadura militar

no Brasil na década de 60, além de uma revisita à memória dos movimentos

estudantis no Brasil, já que abre de novo o arquivo e reinterpreta-o segundo um

novo contexto social, ao mesmo tempo em que traz a importância da ideia de

futuro, justamente uma das reivindicações das manifestações pela educação.

Já o segundo, que chama os manifestantes para a ação, traz embutida

uma crítica ao pensamento religioso, fazendo, portanto, uso da

interdiscursividade, ao criticar manifestantes que têm “fé” mas não lutam

efetivamente pelo que acreditam. Mais uma vez, há a alusão à linguagem da

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84 internet com o uso da hashtag (#) que chama novamente os manifestantes

para a prática. Interessante notar que o segundo cartaz chama os

manifestantes contra “o Geraldo”, personificando as manifestações na figura do

governador mais uma vez (como ocorreu no Recorte 4), ao invés de apontar

uma instituição como o governo do Estado ou a Secretaria da Educação:

personificar a luta é necessário no sentido de delinear um inimigo claro no

combate, direcionar toda a força contra e para um alvo único, a fim de não

dispersar o movimento – o governador representa o poder, mas ele é também

conservador e religioso, formações discursivas política e religiosa que, de certa

forma, são representadas em sua figura.

Podemos perceber, ainda, que, além da referência à memória das

manifestações estudantis a partir da intertextualidade com o trecho da música

de Chico Buarque, há também a referência aos ‘caras-pintadas’, movimento

dos anos 90 a favor do impeachment de Fernando Collor, com o uso de tinta no

rosto dos dois manifestantes, o que pode demonstrar uma intenção dos

alunos/manifestantes em se inserir na memória desses movimentos ou trazê-

los à tona, já que o movimento dos “caras-pintadas”, por exemplo, foi tido

como vitorioso, atingindo o objetivo de fazer pressão popular para retirar

Fernando Collor da presidência, evocando, assim a memória de vitória

também.

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85

Recorte 9

Disponível em:

https://www.facebook.com/pg/mal.educado.sp/photos/?ref=page_internal. Acesso em 18

abr. 2017.

Nesta fotografia, temos a imagem de uma adolescente que levanta um

cartaz, durante uma manifestação dos alunos em que se lê: “Desculpa, mãe,

hoje a aula é na rua”. Alguns aspectos chamam a atenção: primeiramente, a

necessidade de reportar-se à mãe, à autoridade, à instituição familiar, apesar

de os manifestantes se denominarem ‘mal educados’ (conforme discutimos

anteriormente). A aluna manifesta-se contra a autoridade nas ruas, mas vê a

necessidade de desculpar-se perante à autoridade familiar. Outro aspecto é a

imagem que a aluna/manifestante demonstra ter da própria instituição escolar:

aprender ainda é ter aula e esta parece não poder ser feita fora do espaço de

confinamento que a escola se tornou (mais uma vez, a imagem da escola como

espaço de isolamento, de “se estar atrás das grades”) – o que pode demonstrar

uma visão até conservadora da escola e por conseguinte dos métodos de

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86 ensino utilizados (assunto que discutiremos na linha de análise 3 – a escola

disciplinar e a escola heterotópica).

Recorte 10

Disponível em:

https://www.facebook.com/pg/mal.educado.sp/photos/?ref=page_internal. Acesso em 18

abr. 2017.

Na fotografia acima, vemos uma representação teatral de duas

alunas/manifestantes: elas se deitam no chão, simulando uma morte violenta,

através do uso de tinta vermelha que lembra sangue humano espalhado por

suas roupas. A cena traz uma lousa escolar com os dizeres “Geraldo Alckmin,

o exterminador de futuro”, alusão a uma série de filmes hollywoodianos em que

o enredo traz um robô assassino (o exterminador) que tem a missão de matar

humanos, portanto, intertextualidade e interdiscursividade com o cinema, já que

há referência a um outro texto e uma “conversa” entre dois discursos (o do

cinema e o do teatro).

Algumas coisas chamam a atenção do expectador: em primeiro lugar, a

escolha por uma representação teatral – nota-se, durante todo o período das

ocupações, a presença das artes permeando as atividades dos alunos – o que

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87 nos remete, também, à ideia de simulacro e da sociedade do espetáculo, do

pensador marxista Guy Debord (2016) .

Debord chamou de sociedade do espetáculo aquela constituída por

imagens que se colocam como produto de consumo, em que o espetáculo é o

meio pelo qual a burguesia domina o proletariado em todos os seus aspectos –

tanto na esfera privada, quanto nos aspectos profissionais dos cidadãos.

Viveríamos, portanto, no simulacro, constituídos por essas imagens. Os

estudantes utilizaram-se de imagens (de si, do governador e de ícones da

cultura contemporânea) o tempo todo para conseguir comunicar-se com a

opinião pública – até o ponto de usar o vídeo como “arma” contra a repressão

policial – contando com o poder das redes sociais. Diz-nos Debord:

Nunca a tirania das imagens e a submissão alienante ao império da mídia foram tão fortes como agora. Nunca os profissionais do espetáculo tiveram tanto poder: invadiram todas as fronteiras e conquistaram todos os domínios – da arte à economia, da vida cotidiana à política -, passando a organizar de forma consciente e sistemática o império da passividade moderna. (Debord, 2016, p.132)

O título do filme também se refere a (im)possibilidade de um futuro

melhor para os alunos que teriam suas escolas fechadas, daí a referência ao

termo “extermínio”, ou aniquilamento, morte, destruição veiculada na

representação realizada pelas manifestantes. Abaixo dos dizeres, mais uma

vez fazendo o uso da linguagem da internet, e da convergência de mídias com

seu potencial disseminador das redes sociais, a hashtag (#) “não fechem a

minha escola” parece demonstrar uma outra característica dessa geração: a

preocupação com o numero de hits que determinado assunto tem nas redes,

levando-se em consideração que as redes sociais acabaram por ser as

grandes divulgadoras das pautas dos manifestantes.

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88 Recorte 11

Disponível em:

https://www.facebook.com/pg/mal.educado.sp/photos/?ref=page_internal. Acesso em 18

abr. 2015.

O cartaz registrado na fotografia que aparece no site O Mal Educado

estabelece uma atmosfera de ironia que consiste em perceber que a charge

exibida pelos manifestantes traz a figura do governador, que conduz a policia

militar como marionetes, posicionada justamente na frente de uma linha da

Polícia Militar.

A ironia, de acordo com Andrade (2007), “aponta sempre para a dialética

da construção discursiva, para a ideia de contradição, de duplicidade como um

traço essencial a um discurso dialeticamente articulado”. Ou seja, a

justaposição de elementos discursivos que remetem a formações discursivas

diversas (BRAIT, 1996) provoca o efeito que constrói a ironia.

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89

No recorte o governador diz: “A mídia vai omitir, a polícia vai reprimir e

os coxinhas vão aplaudir”, num paralelismo linguístico com o uso do verbo ir

conjuntamente com outro, no infinitivo, sugerindo, talvez, que a mídia seja mero

instrumento a serviço do governador, ajudando-o no propósito de instituir

políticas públicas conservadoras e colocar a opinião publica a seu favor. A

charge novamente traz o reflexo da polarização política no país por meio do

uso da palavra “coxinha” para denominar uma elite que apoia o governador do

PSDB e também os aparelhos repressores do Estado (como a polícia),

colocando o movimento, então, ao lado dos “mortadelas”, ou seja, no espectro

político de esquerda (ideia essa reforçada na Cartilha Chilena).

A charge é um gênero textual que se insere no universo jornalístico

através da combinação da crítica a algum fato social ou politico de relevância,

da imagem e do uso da ironia. Tem suas origens no francês charger que pode

significar carga ou ataque violento. Esta pode ser colorida ou em preto e

branco, e as linhas do desenho tem características simples, como um texto de

panfletagem, e guarda em si algumas características do gênero cartaz: tem o

objetivo de informar e convencer o interlocutor, cumprindo, assim, com as

funções informativa e apelativa.

Há, aqui, um posicionamento político: o governador é retratado com “nariz

de Pinocchio” (uma insinuação de que seria um mentiroso) e traz, em seu

paletó, dois crachás em que se leem: “exterminador de futuros” (mais uma vez

a referência ao filme hollywoodiano, como no recorte 10) e “exterminador da

água”, uma revisitação aos arquivos de memória sobre a crise hídrica40 no

Estado de São Paulo que constituem os paulistas e que estão sendo

ressignificados por um olhar atual, conforme o conceito de arquivo-monumento

de Foucault (FOUCAULT, 2004).

O governador manobra os policiais como marionetes, que seguram

símbolos de violência e repressão: três disparam armas de fogo, um deles joga

40 Período em que o governador foi duramente criticado por setores da sociedade por não ter realizado obras de infraestrutura necessárias para a distribuição de água no Estado em caso de escassez severa – o que veio a acontecer em 2013 e 2014.

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90 um objeto que parece ser uma bomba de gás e um quarto policial está de mãos

vazias, porém com um balão em que se representa o seu pensamento: algo

que lembra uma coxinha. A imagem, aliás, provoca questionamentos: por que o

policial pensa em uma coxinha? Estaria o autor da charge insinuando que os

manifestantes veem a polícia como marionetes dos coxinhas? Outro aspecto

instigante: na parte inferior direita do cartaz, há a representação de um rapaz

com um boné típico da corporação e a assinatura “Tavarez”. Seria esta imagem

um autorretrato do artista ou uma menção à policia militar?

O Recorte a seguir traz outra charge produzida por apoiadores das

ocupações.

Recorte 12

Disponível em:

https://www.facebook.com/pg/mal.educado.sp/photos/?ref=page_internal. Acesso em 22

abr 2017.

A imagem mostra uma menina, com expressão serena, segurando um

cartaz em que se lê “Não fechem a minha escola”, enquanto um policial militar

fortemente armado aponta uma arma para a criança. A charge trabalha o

tempo todo com a contradição entre os manifestantes e a força policial: há o

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91 contraste entre luz e sombra, preto e branco, serenidade e violência, inocência

e repressão, bem e mal, o que acaba por marcar mais uma vez a polarização

constante entre as formações discursivas direita x esquerda ou “coxinhas” x

“mortadelas” – há uma disjunção, ou seja, a constituição de uma lógica que

nega a possibilidade de um pensamento que inclui (a ideia de um “e”),

trazendo a ideia de um “ou” que exclui, o que é discutido por Derrida (1997),

em seu livro A farmácia de Platão, a partir da imagem do phármakon utilizada

no texto. Para o autor, não há um sentido único para a palavra phármakon – ao

contrário, ela deve ser tomada por uma cadeia de significações (DERRIDA,

1997, p.43). O pharmakon pode ser droga, remédio, veneno; a substância e a

antissubstância.

Além disso, o sujeito enunciador parece sugerir quão desproporcional é a

reação do Estado aos movimentos de ocupação, opondo a imagem de uma

criança (imagem idealizada de inocência, uma menina, o que também nos

remete à questão de gênero - já que se trata do socialmente desfavorecido)

que não representa ameaça alguma, e o policial, visivelmente transtornado e

fortemente armado.

Interessante notar que, ao contrário da charge anterior, esta faz o uso dos

tons variados das cores preta e branca: tanto o fundo quanto o policial são

representados em tons de preto e o único ponto claro da charge é exatamente

a menina com seu cartaz, trazendo mais uma vez a oposição de luz e sombra,

bem e mal, opostos que demonstram a polarização do debate.

Outro ponto importante é o uso do imperativo no cartaz “não fechem a

minha escola”. O uso do modo imperativo indica uma ordem direta e a

conjugação do verbo na terceira pessoa do plural sugere que, aqui, não se

responsabiliza apenas a pessoa do governador diretamente, mas um sujeito

diluído que lê a charge como em um pedido de socorro.

Passemos então para a representação de um grafite sobre os

movimentos como próximo recorte.

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92

Recorte 13

Grafite do artista GregOneBr. Publicado na página do facebook Não fechem minha

escola em 8 de dezembro de 2015. Disponível em:

https://www.facebook.com/naofechemminhaescola/photos/a.1485520751742887.1073

741829.1485355621759400/1498581373770158/?type=3&theater. Acesso em

22/04/2017.

A imagem, dividida em três partes para que se possa observar com mais

clareza, é, na verdade, um grafite em um único muro na zona sul de São Paulo.

Apesar do grafite ter suas raízes na Roma antiga (em que manifestações

populares eram feitas nas paredes da cidade com o uso de grafite – daí o

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93 nome) o grafite moderno teria surgido em Nova Iorque, mas popularizado entre

os jovens a partir das manifestações de maio de 68 na França, como inscrições

caligrafadas ou desenhos pintados em espaços públicos, geralmente em

suportes que não foram destinados originalmente a esta finalidade. O grafite já

foi visto como contravenção, mas está, a passos largos, ganhando legitimação

no mundo das artes, que expõe seus principais artistas em galerias de street

art (ou arte urbana) ou em conceituados museus de arte contemporânea pelo

mundo (como a Tate Modern, em Londres).

Na imagem, há a representação do governador de São Paulo

manipulando uma espécie de animal monstruoso que, por sua vez, ataca os

estudantes, que se defendem usando dois objetos do dia a dia escolar: o lápis

(que é utilizado como uma lança) e o caderno (que é utilizado como um

escudo), o que pode sugerir, em primeiro lugar, a desigualdade de armas da

luta (a truculência do Estado que ataca, em contraste com a fragilidade juvenil,

desarmada, que se defende) e também que o conhecimento, representado

pelos materiais escolares, pode ser uma proteção contra a tirania e a violência.

Os alunos, que se posicionam do lado direito da imagem, são

apresentados como heróis que enfrentam esse monstro invencível, usando

lápis e cadernos como armas. Todavia, notamos que, ao mesmo tempo que os

alunos enfrentam o “monstro” do governador, são representados usando o

uniforme escolar – símbolo da sociedade disciplinar contra a qual,

aparentemente, também se manifestam, mas na qual são também constituídos

– há uma (con)fusão de ideias novas e velhas que se confrontam em sua

formação subjetiva.

Outras coisas também chamam a atenção na imagem: o fato de o

governador ser o manipulador de um “monstro” de duas cabeças, que carrega

a bandeira do Estado de São Paulo, remete-nos a imagem da Hidra de Lerna,

monstro da mitologia grega que tinha corpo de dragão e três cabeças de

serpente. O monstro era considerado invencível, pois, a cada cabeça cortada,

duas novas nasciam em seu lugar. Na imagem, o corpo tem o formato de uma

espécie de dragão e a cabeça, humana, traz a inscrição “Non ducor, duco” (não

sou conduzido, conduzo), uma referência ao brasão da cidade de São Paulo,

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94 que também pode fazer alusão à atitude de ‘conduzir-se’ (e da condução do

movimento ao qual estão vinculados). Assim, podemos inferir como efeito de

sentido que, ao invés de se deixaram levar pelas autoridades, eles pretendem

“conduzir” as próprias escolhas - o que nos remete à terceira linha desta

análise, a heterotopia, em que os alunos desejam construir uma “escola-outra”,

que lhes permita uma participação mais ativa nas decisões escolares.

2.3. Escola disciplinar e escola heterotópica

As heterotopias são um conceito criado por Foucault (2013), para

designar espaços que, graças à criação humana, passaram a ter múltiplas

camadas de significação, que o autor chama de contraespaços. Esses espaços

seriam alteridades, ou seja, são, ao mesmo tempo físicos e mentais.

Todavia, importante lembrar, que o próprio autor diferencia a heterotopia e

a utopia: o nome utopia, nos esclarece, deve ser reservado àquilo que não

existe de fato, o não-lugar, em oposição ao lugar-outro, possível e real da

heterotopia.

Vejamos, então, alguns recortes em que relacionamos os movimentos

estudantis à possibilidade de criação de um espaço de heterotopia nas escolas

ocupadas.

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95

Recorte 14

Disponível em: http://www.envolverde.com.br/1-1-canais/zeramos-a-escola-jovens-

criam-espacos-vivos-de-aprendizado-dentro-das-ocupacoes/. Acesso em: 3 de nov.

2016.

Na foto do grafite, que representa a tradicional lousa escolar, vemos

duas colunas: a da esquerda, com substantivos que os alunos usam para

descrever a escola “normalmente”: Nela, se lê: “opressão, avaliação (provão,

Saresp, pesquisas), tédio, obrigação e rotina”. Do lado direito, aparecem

palavras com as quais os manifestantes caracterizam a escola “ocupada”. Nela

pode-se ler: “lazer (jogos, filmes, debates), cultura (música, sarau, circo, teatro,

arte – grafite, telas...), esporte, aulas temáticas, alegria, amor e união”.

Alguns efeitos de sentido são provocados pela imagem. Primeiramente,

temos o olhar do aluno para a própria escola - apesar de terem sido

movimentos pela melhoria na educação, o grafite retrata uma lousa antiga de

uma escola tradicional, revelando que os alunos ainda mantem uma visão

disciplinar do espaço escolar, remetendo-nos ao que foi discutido no Recorte

1: a escola como cárcere, como lugar de aprisionamento do pensamento e da

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96 formatação dócil dos corpos dos alunos, onde há repressão ao invés de

liberdade.

A coluna da esquerda é denominada de “normalmente” (portanto, um

advérbio de modo) e a segunda, “ocupada” (portanto, um adjetivo), como se a

escola anterior às ocupações não precisasse ser adjetivada - fosse tão

conhecidamente cristalizada, que se tornara uma inominável fonte de

“opressão”, “tédio” e “rotina”. Já a escola que os alunos criaram durante a

ocupação seria, em primeiro lugar, “participativa”, “alegre” e “cheia de união”.

Estariam estas mudanças no campo do imaginário ou o grafite é uma espécie

de relato da situação das escolas ocupadas? De qualquer forma, a ideia de

que a escola seria “normalmente” cristalizada em “tédio”, “opressão” e “rotina” é

quebrada a partir do momento em que se percebe que as palavras

“normalmente” e “ocupação” se referem à palavra “situação”, que é algo

provisório, e que nos remete à noção de acontecimento, conforme Foucault

(2014) e Derrida (2001). Assim, além de trazer o enunciado “ocupações

estudantis” para o arquivo de nossa sociedade, o grafite nos dá pistas sobre a

escola heterotópica que os alunos construíram. Note-se que a escola da

sociedade disciplinar (descrita pelos alunos como “normalmente” ) é descrita

como aquela que oprime e é entendiante. E a escola heterotópica é

participativa e alegre, segundo os alunos, apesar de conter, também,

elementos da sociedade disciplinar, como a representação da lousa tradicional

demonstra.

Os próprios alunos nos falam sobre esse encadeamento de sentidos:

como também se verá no Recorte 15, a escola ocupada tem afinidades com a

“Escola Ativa”, programa do Ministério da Educação que privilegia estratégias

vivenciais que objetivam a participação, estimulando hábitos de colaboração,

solidariedade e gestão da escola pelos alunos41. Note-se que este programa foi

desenvolvido durante a gestão de um governo de formação discursiva diferente

da do governo de São Paulo – a iniciativa data de 2005, durante o governo Lula

- o que reabre o debate da polarização esquerda x direita nas manifestações

41 De acordo com http://portal.mec.gov.br/escola-ativa/escola-ativa. Acesso em 18 de set. 2017.

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97 estudantis. Observa-se que os manifestantes escolheram privilegiar atividades

em que o aluno tem um papel ativo e colaborativo.

Recorte 15

Disponível em:

https://www.facebook.com/mal.educado.sp/photos/a.301502323316853.107374

1829.291834600950292/720862224714192/?type=3&theater. Acesso em: 03

de nov de 2016.

No cartaz afixado na E. E. Salvador Allende, lê-se: “Programação de sábado:

assembleia, teatro, sarau, almoço, assembleia, maracatu, oficina de camisetas,

debate sobre a reorganização, jantar, assembleia, filme”. Podemos observar,

num exercício de acesso aos arquivos existentes e que constituem a nossa

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98 memória, primeiramente, que o nome da escola é uma homenagem ao

presidente socialista chileno que governou o país até ser deposto em 1973 pelo

general e ditador Augusto Pinochet. Os alunos estariam cientes da história

desse homenageado? E, em caso afirmativo, a memória desse acontecimento

sul-americano teria influenciado essa geração que usou a cartilha chilena para

organizar-se nas ocupações?

Retornando a Foucault (2014b) e à ideia de sociedade disciplinar ao

analisar as atividades sugeridas pelos alunos que ocuparam a escola,

observamos que elas são, em sua maioria, descentralizadas, realizadas em

cooperação entre os membros – ou seja, não há, como no modelo tradicional,

um professor que seja (a fonte de toda a informação e que exige um

comportamento passivo dos alunos. Ao contrário, atividades como assembleias

e debates valorizam a opinião de cada aluno e tiram do centro a figura do

professor. Em todas, os alunos têm um papel ativo e colaborativo, em contraste

com a tradicional hierarquia da sociedade disciplinar, que teimaria em adestrar

os corpos e comportamentos.

Levando-se em consideração esta imagem como forma de expressão de

seus desejos, os alunos parecem querer caminhar em direção a um sociedade

que se autogere, o que nos remete às formas de poder vigentes em uma

sociedade que Deleuze chamou de controle (DELEUZE, 1992, p. 220). Nela há

uma recusa em se aceitar formas de confinamento que gerem um sistema

fechado sobre si, lembrando a configuração em rede do mundo virtual. No

entanto, é preciso esclarecer, como faz o autor, que os controles são uma

forma de “modulação”, que ocorre continuamente, a todo instante, o que

implica um “estar em formação permanente”, o que ocorre numa sociedade

capitalista.

Ao contrário da sociedade disciplinar, a sociedade de controle seria

marcada pela interpenetração dos espaços, por sua suposta ausência de

limites definidos e pela instauração de um tempo contínuo, no qual os

indivíduos nunca conseguiriam terminar coisa nenhuma, pois estariam sempre

enredados numa espécie de formação permanente, de dívida impagável,

prisioneiros em um campo aberto. O que haveria nessa situação, segundo

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99 Deleuze (1990), seria uma espécie de modulação constante e universal que

atravessaria e regularia as malhas do tecido social.

A sociedade de controle seria, portanto, uma ampliação nas relações da

sociedade disciplinar de Foucault. Ela funcionaria em rede e possuiria controle

aberto e contínuo, o que significa dizer, também, descentralizado e aberto,

remetendo à constituição em redes.

Recorte 16

Disponível em: https://jornalistaslivres.org/2015/11/ocupando-o-que-e-seu-por-direito-a-

radicalizacao-da-democracia-na-medida-certa/. Acesso em 30 abr. 2017.

A imagem acima é a manchete de um artigo dos Jornalistas Livres, mídia

dita alternativa, veiculado no começo das ocupações, em 22 de novembro de

2015. Nela observam-se duas imagens sobre fundo vermelho: na parte

esquerda lê-se Contra a reorganização e na parte direita há o complemento

Ocupe sua escola. Interessante perceber, primeiramente, que o fundo da

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100 imagem, em vermelho, remete à cor adotada pelos movimentos sociais que se

identificam com as ideias políticas de esquerda, como uma identificação

ideológica imediata. No campo esquerdo da imagem, veem-se carteiras

escolares “arrumadas” antes da ocupação: note-se, todavia, que há carteiras

sem o encosto da coluna, quebradas, sem a braçadeira usada para escrever.

Ou seja, a imagem reproduz uma escola imperfeita, decadente, sem

manutenção. Já a imagem da direita, reproduz as mesmas carteiras da parte

esquerda da imagem, porém amontoadas, como uma barricada de guerra ou,

também, como uma disposição anárquica do espaço escolar. Se fizermos a

leitura de acordo com a primeira hipótese (uma barricada), mais uma vez

teremos a menção a um campo semântico de guerra, luta, disputa – os

estudantes poderiam estar encarando a escola como campo de batalha contra

o governo do estado. Já se fizermos uma possibilidade outra de leitura

pensando em uma disposição anárquica das carteiras, podemos mais uma vez

remeter-nos à ideia de quebra da escola como instituição disciplinar nos

moldes de Foucault, ou seja, os alunos estariam sinalizando que a escola que

consideram ideal, a escola heterotópica a ser criada por eles, tem relação com

o caos criativo, com a quebra do disciplinar.

Outro ponto interessante é o uso do imperativo “Ocupe sua escola!”, uma

ordem ao leitor do texto, o ocupar como única saída para o enfrentamento à

reorganização. A pontuação exclamativa aqui marca um chamamento à

participação no movimento, uma tomada de consciência em relação ao evento.

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101

Recorte 17

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/12/1713326-alunos-

interditam-parte-da-ponte-joao-dias-contra-reorganizacao-de-escolas.shtml. Acesso

em 30 set 2017.

A foto acima acabou se tornando uma das mais emblemáticas sobre os

movimentos de 2015. Trata-se de uma manifestação contra a reorganização

escolar, ocorrida em 30 de novembro de 2015, em que alguns estudantes

bloquearam a Marginal Tietê, usando as carteiras escolares como instrumento

de protesto. Note-se que, apesar de haver um discurso por parte dos

manifestantes que remetem às praticas anarquistas, há, nesta foto, uma

representação do que há de mais tradicional no ensino: os alunos enfileirados,

sentados, com os “corpos domados”, como diria Foucault, e uma estudante que

estaria numa posição de liderança, como se fosse uma professora

comandando seus alunos. No entanto, a aluna professora empenha o punho

em referência à luta, revelando que várias formações discursivas se

entrecruzam na constituição subjetiva desse estudante.

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102

Recorte 18

Disponível em:

https://www.facebook.com/mal.educado.sp/photos/a.301502323316853.1073741829.2

91834600950292/724969134303501/?type=3&theater. Acesso em 30 set 2017.

A imagem mostra um punho com paletó e camisa, numa provável

representação do governador de São Paulo (já que se observam penas azuis

de tucano ao lado desse punho, uma provável referência ao seu partido, o

PSDB), colocando dinamites dentro de uma escola ocupada. As três dinamites

têm as inscrições: Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e O Globo, ou

seja, os nomes dos três jornais de maior circulação no país e que representam

as grandes mídias corporativas. O sujeito-autor parece indicar que o

governador faz uso da grande mídia para destruir, aniquilar, os movimentos de

ocupação, o que nos remete ao conceito de Consenso Fabricado, de Noam

Chomsky (2013), uma espécie de voz única entre os veículos da mídia

corporativa, dentro do que o próprio autor chama de “monopólio coletivo”

(CHOMSKY, 2013, p. 29), que sabemos, hoje, é desafiada pela cultura da

dissidência que se encontra nas produções da rede mundial de computadores.

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103

Na imagem, a mão desproporcionalmente grande do governador parece

manejar e direcionar a destruição de uma pequena e frágil escola ocupada, de

modo que a grande mídia serviria como instrumento dessas pretensões e que

também nos remete à imagem que a escola pública parece ter para a

sociedade: frágil, vulnerável, pequena e, portanto, instituição manipulável pelos

que estão no poder.

Recorte 19

Disponível em:

https://www.facebook.com/naofechemminhaescola/photos/a.1485520751742887.1073

741829.1485355621759400/1495240494104246/?type=3&theater. Acesso em 30 set

2017.

A charge acima, intitulada “Escola dos tempos modernos”, em clara

referência ao filme de 1936, estrelado por Chaplin, representa bem a ideia de

que a escola atual não consegue abranger as subjetividades dos alunos do

século XXI: O título irônico e a imagem mostram uma linha de produção

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104 industrial nos moldes do começo do século XX que, ao invés de produzir

peças, reproduz avaliações de múltipla escolha, fazendo uma referência talvez

aos modelos avaliativos institucionais (Prova Brasil, ENEM), que são

constituídos por provas com respostas alternativas, usadas para medir

conhecimentos de forma quantitativa e estatística. A imagem se complementa

com a presença de um aluno, com chapéu e bigode, que remete a Carlitos,

personagem de Charlie Chaplin, numa clara interdiscursividade com o cinema

e com o uso da memória discursiva. O aluno preenche as respostas das

avalições pressionado por dois fatores: o tempo e um professor colérico e

tradicional, que o ameaça.

A imagem faz uma crítica àquilo que Foucault nos advertiu em Vigiar e

Punir (2014b): tendo como modelo a prisão, a escola criada pelas sociedades

industriais concebe os corpos como peças de um maquinário, forçando os

corpos infantis à disciplina necessária à produção industrial, como em um

adestramento. Ao mesmo tempo, sugere-se a crítica a falta de reflexão na

escola quando se aponta que esta mesma linha de montagem é uma “linha de

montagem de respostas”, o que remete a uma sociedade de iguais,

homogeneizadora. Além disso, a linha de montagem remete ao modelo fordista

industrial, a um produto capitalista, portanto, a escola como mercadoria,

conforme descrito por Sibilia (2012). A escola, aqui, é vista como um “chão de

fábrica” em que o professor se torna uma espécie de capataz ou o chefe da

seção, remontando à ideia de alienação do discurso marxista: o rodar dessa

linha de produção para o dono dos meio de produção, que aqui aparece como

o Estado e seu conluio com as empresas: uma escola que prepara mão de

obra barata para as mesmas: o trabalho automatizado, a alienação dos meios

de produção e do produto final. É justamente o romper com esse modelo

escolar que levou os militantes para as ocupações e as ruas, como um sonho

de uma escola participativa, alegre e não ancorada no século XIX, como se

pode ver no recorte a seguir.

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105

Recorte 20

Disponível em: https://jornalggn.com.br/noticia/eu-tenho-em-mim-todos-os-sonhos-do-

mundo. Acesso em 30 set 2017.

A fotografia acima retrata um dos aspectos de maior destaque durante as

ocupações escolares: a repressão policial. Lembrando-nos de Althusser (1980)

e sua definição de Aparelhos Ideológicos e Repressivos do Estado, vemos um

aluno/manifestante, aparentemente desarmado, de costas para o fotógrafo e de

frente para o batalhão de choque da polícia militar, ou seja, um manifestante

que deseja romper com a escola de que mata o sonho e formata os alunos e

que por isso mesmo esbarra com a força do aparelho repressivo do Estado.

Logo percebemos o contraste entre o garoto e a rigidez da tropa policial. Em

sua camiseta, em intertextualidade e interdiscursividade com a poesia, lemos a

célebre frase de Fernando Pessoa “Tenho em mim todos os sonhos do

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106 mundo...”, do poema “Tabacaria”, trazendo a ideia de um sonho coletivo, uma

exposição de seu interior para fora, comum no sujeito contemporâneo.

O texto de Pessoa traz quais seriam esses sonhos contidos no poeta - a

primeira estrofe do poema contém: “Não sou nada/Nunca serei nada/Não

posso querer ser nada” – seria este um grito para romper com o “ser nada” ou

a justificativa da luta? A ideia de que o estudante das ocupações usa a

camiseta com a frase que é precedida por estas afirmações também nos

remete, mais uma vez, à ideia dos “homens infames” de Foucault (2003):

indivíduos cujas memórias seriam irrelevantes não fosse o choque com o

poder vigente (aqui representado pela força policial) e que passa a ter uma

existência a partir do momento que cai na notoriedade.

O ideal dos jovens manifestantes parece consistir em melhorar a

educação no país, em construir uma escola utópica, daí remeter a um sonho,

ou heterotopia, que pense a escola em transformação, que desobedeça, de

certa forma, às instituições disciplinares (como a polícia) e sirva como

resistência à truculência do Estado, constituindo, assim, talvez, uma zona

autônoma temporária (BEY, 1985), clandestina e que sirva para o exercício da

liberdade, mas que também sirva como inspiração para uma escola

heterotópica que vá ao encontro do desejo desse sujeito na

contemporaneidade.

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107

Conclusões

Em uma enorme faixa colocada em frente ao edifício central da

Universidade de Sorbonne, em Paris, durante as manifestações em maio de

1968, lia-se: “Os estudantes estão inventando um mundo novo e original. A

imaginação está tomando o poder”. O mundo mudou, a cultura de massa e as

redes sociais influenciam de forma decisiva toda a sociedade, mas, talvez a

mesma faixa pudesse ser colocada em uma das mais de 200 escolas

ocupadas em 2015, em São Paulo, exatamente por trazer à memória o que

há de mais vivo em todos os movimentos estudantis: o fervor pela mudança.

Se o ano de 1968 simbolizou um sonho de transformação social, um

grito contra o conservadorismo burguês das arcaicas instituições francesas, o

ano de 2015 mostrou que este sonho está vivo e mora nas escolas públicas

de uma América Latina que se comunica na velocidade de um clique. Há

diferenças, é claro: em 1968, os estudantes se manifestavam “e estavam

muito mais descontentes com certo modo de existência social do que com

carências materiais” (CARMO, 2000, p.79); em 2015, as manifestações

sonhavam também com uma “utopia escolar”, mas puseram em prática

medidas provisórias de gestão escolar que expuseram a ineficiência do

governo – tudo de forma organizada e pragmática. Pragmatismo, aliás, que

também se podia observar nos caras-pintadas: em 1992, como em 2015, o

objetivo era pontual e preciso: lá, a queda do presidente; aqui, o fim da

reorganização escolar. Mas se, em 1992, os caras-pintadas levaram para

grandes avenidas de todo país a indignação estudantil, 2015, por muitas

vezes, fez um movimento inverso: levou o pequeno cotidiano escolar de cada

ocupação para milhares de olhos, graças ao poder disseminador das redes,

movimentando o olhar da sociedade para dentro e para fora, numa dobra que

se refazia a cada momento.

Levando-se em consideração que, para Foucault (2014a), o arquivo

representa o conjunto dos dizeres efetivamente pronunciados por

determinada sociedade em determinado período, o arquivo da nossa

sociedade a partir de 2015 ficará marcado como aquele que, em virtude de

suas condições sócio-históricas, consolidou o enunciado “ocupações

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secundaristas” como parte da memória dos movimentos estudantis, e por

isso, passou a constituir um acontecimento foucaultiano (acontecimento

discursivo), no sentido de que as condições de existência determinaram a

materialidade própria do enunciado.

No sentido derridiano, as ocupações também podem ser descritas como

acontecimento: para Derrida (2001) a noção de acontecimento está

entrelaçada com as noções de sensibilidade, de afecção estética e presunção

de organicidade viva. As ocupações foram um acontecimento derridiano

justamente por serem impossíveis e, exatamente por isso, não é de se

estranhar o fato de a mídia não saber lidar com tais eventos: no começo das

manifestações, especialmente nos meses de outubro de novembro,

percebemos uma divergência entre as mídias corporativa e dissidente:

enquanto a mídia corporativa dava voz às autoridades do Estado e à força

policial, criminalizando o movimento, a mídia dissidente tratava de enxergar

os movimentos a partir do ponto de vista dos manifestantes.

O olhar dissidente, aliás, pode ser apontado como – juntamente com as

páginas feitas pelos próprios alunos - um dos fatores que fizeram com que a

opinião pública ficasse cada vez mais inclinada na direção dos manifestantes,

interrompendo aquilo que Chomsky (2013) chamou de “consenso fabricado”

e que, graças às redes, tornou-se muito difícil na sociedade atual, tendo se

tornado mais um elemento de resistência nas relações de poder da

sociedade: antes, como aponta Chomsky (2013), manipulava-se a opinião

pública através de estratégias como a conhecida “fórmula do Vale de

Mohawk” (1936/37), hoje, tanto a mídia dissidente quanto as redes sociais

fazem com que a opinião pública seja alimentada com olhares diversos sobre

o mesmo fato e que, portanto, o antigo consenso não seja mais possível.

Através do olhar dos próprios manifestantes disseminado nas redes

sociais, vimos a construção de uma escola-outra: a geração que ocupou as

escolas paulistas protestou não apenas contra a reorganização escolar mas

contra toda uma instituição disciplinar, ainda moldada nos ideais do século

XIX e que não mais representa as formas de subjetivação do adolescente do

século XXI. A escola-outra, construída a partir dos desejos dos manifestantes,

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tem o aluno como protagonista, ativo no processo de aprendizagem, prioriza

atividades culturais, debates mas se baseia também na ideia de que a escola

deve alinhar-se com uma sociedade mais voltada ao espetáculo (DEBORD,

2016), vivendo através do simulacro42 e promovendo aprendizagem através

de eventos e oficinas.

Os alunos/manifestantes construíram, assim, aquilo que Foucault (2013)

chama de heterotopia: um contraespaço, um espaço outro em que predomina

a criação dentro de um determinado espaço, indo também ao encontro

daquilo que o escritor anarquista Hakim Bey (1985) chamou de Zona

Autônoma Temporária (TAZ, em inglês): um contraespaço de insurgência,

temporário e clandestino, cuja criação se dá de forma horizontalizada e que

se destina ao exercício da liberdade.

Temos, assim, dois movimentos: o primeiro, reivindicatório e pragmático,

que propunha as ocupações como tática para pressionar o poder público a

retirar o projeto de reorganização escolar. O segundo, mais contestatório,

criava uma heterotopia foucaultiana para expor a ineficiência da gestão

escolar do governo do estado, bem como para criar uma escola quase utópica

de acordo com os desejos dos alunos/manifestantes. O resultado, como se

sabe, foi a vitória dos alunos em relação ao primeiro movimento: a renúncia

do secretário de Educação e o recuo do governo do Estado quanto ao projeto

de reorganização escolar. O segundo movimento, mais utópico, simbolizou o

desejo de transformação social - o que nos remete a 1968 e 1992 - e que

chegou a essa geração, por Santiago e Buenos Aires, trazendo o desejo de

mudanças, e, por isso, não pode ser medido factualmente, mas deixa

algumas pistas para nos guiar no sentido de qual caminho tomar para que

possamos nos aproximar cada vez mais de um “ideal”: uma escola outra, um

aluno outro, que não cabe mais na escola que conhecemos: uma escola que

ainda privilegia uma subjetividade formatada quase que exclusivamente de

modo disciplinar e que afasta a possibilidade de lidar com as diferenças de

maneira produtiva e criativa. 42 Simulacro aqui entendido como simulação da realidade, ou como define Baudrillard, ao refletir sobre realidade, símbolos e sociedade: “O Simulacro nunca é aquilo que esconde a verdade – é a verdade que esconde que não existe. O simulacro é verdadeiro” (BAUDRILLARD, 1991, p. 72)

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119 ANEXO43

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