obtenção de matéria pelos seres heterotróficos

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2014/2015 UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS- MONTES E ALTO DOURO (UTAD) [OBTENÇÃO DE MATÉRIA PELOS SERES HETEROTRÓFICOS] Curso: Mestrado em Ensino de Biologia e Geologia no 3º Ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário Unidade Curricular: Seminário II Docentes: Prof. Dta. Ana Alencoão Prof. Dta. Elisa Preto Aluno: Luís Filipe Marinho Sampaio nº 33706

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Page 1: Obtenção de matéria pelos seres heterotróficos

2014/2015

UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO (UTAD)

[OBTENÇÃO DE

MATÉRIA PELOS SERES

HETEROTRÓFICOS]

Curso: Mestrado em Ensino de Biologia e Geologia no 3º Ciclo do Ensino Básico e Ensino

Secundário

Unidade Curricular: Seminário II

Docentes: Prof. Dta. Ana Alencoão

Prof. Dta. Elisa Preto

Aluno: Luís Filipe Marinho Sampaio nº 33706

Page 2: Obtenção de matéria pelos seres heterotróficos

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“Cada célula é uma nação com as suas leis, as suas populações de moléculas e a sua

economia próprias. Cada célula, como cada nação, começa na fronteira, a membrana

plasmática. Só a manutenção de um controlo de fronteira mais ou menos apertado

pode permitir a sobrevivência da célula

(Guadalupe, 1996)

Page 3: Obtenção de matéria pelos seres heterotróficos

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Índice

1. Introdução .............................................................................................................. 4

2. Obtenção de matéria pelos seres heterotróficos .................................................... 4

2.1 – Unicelularidade vs. Pluricelularidade ................................................................ 4

2.1.1 – Ultraestrutura e funções da Membrana Plasmática ....................................... 5

2.1.2 – Composição da membrana celular ................................................................ 6

2.1.3 – Estrutura da membrana celular – evolução dos modelos ............................... 8

2.2 – Movimentos transmembranares ..................................................................... 10

2.2.1 - Transporte Não Mediado .............................................................................. 11

2.2.1.1 – Difusão simples ..................................................................................... 11

2.2.1.2– Osmose ................................................................................................. 12

2.2.2 - Transporte Mediado ..................................................................................... 13

2.2.2.1 – Difusão facilitada ................................................................................... 13

2.2.2.2 – Transporte ativo .................................................................................... 14

2.2. 3 – Transporte em quantidade .......................................................................... 15

2.3 - Ingestão, Digestão e absorção ........................................................................ 16

2.3.1 Digestão intracelular ....................................................................................... 16

2.3.2 Digestão extracelular ...................................................................................... 17

2.3.2.1 – Tubo digestivo incompleto ..................................................................... 18

2.3.2.2 – Tubo digestivo completo ....................................................................... 19

Referências ................................................................................................................ 21

Page 4: Obtenção de matéria pelos seres heterotróficos

4

1. Introdução

Os seres vivos constituem sistemas abertos que trocam com o meio que os

rodeias diversos materiais. Esses materiais são transformados em substâncias

indispensáveis à formação e manutenção de estruturas celulares, ao crescimento e

reprodução. Os seres heterotróficos requerem, para elaborar as suas moléculas

orgânicas, substancias orgânicas já formadas por outros seres/organismos. Qualquer

que seja o processo de obtenção dos nutrientes, é nas células que estas substâncias

são utilizadas. É a membrana celular que controla o intercâmbio constante de

substâncias entre o meio intracelular e o meio envolvente graças à sua estrutura e

composição (Dias, et al., 2014).

2. Obtenção de matéria pelos seres heterotróficos

2.1 – Unicelularidade vs. Pluricelularidade

Todos os seres vivos necessitam de obter nutrientes do meio ambiente. Os seres

heterotróficos, visto que não têm a capacidade de sintetizar os seus próprios compostos

orgânicos, limitam-se a absorvê-los, sejam unicelulares ou pluricelulares, e processam

e utilizam estas substâncias de forma idêntica (Pereira, 2012).

Nos seres unicelulares a absorção das substâncias dá-se através da membrana

celular. As substâncias podem atravessar a membrana diretamente ou podem ser

incorporadas na célula em vesículas. Depois desta absorção, dá-se a digestão

intracelular das substâncias (Matias & Martins, 2003).

Alguns seres pluricelulares pouco complexos podem absorver as substâncias do

meio diretamente para as suas células. Contudo, a maioria destes seres ingere

alimentos complexos, que necessitam de sofrer uma digestão até que se transformem

em substâncias mais simples, capazes de serem absorvidas. Após esta digestão, os

nutrientes podem passar diretamente para as células ou, como acontece nos

organismos mais complexos, podem ser transportados até às células pelo sangue ou

por outros fluidos (Seeley , Stephens , & Tate, 2011).

Para entender os mecanismos que garantem a obtenção de matéria a nível celular,

é necessário conhecer as estruturas responsáveis por tal fenómeno (Matias & Martins,

Biologia 10/11, 2007)

Page 5: Obtenção de matéria pelos seres heterotróficos

5

2.1.1 – Ultraestrutura e funções da Membrana Plasmática

Existe, na superfície das células, uma membrana — denominada plasmática ou

celular - que separa o meio intracelular do extracelular, e é a principal responsável pelo

controle da entrada e saída de substâncias da célula. Por causa da sua diminuta

espessura, a membrana plasmática não é visível ao microscópio de luz, só podendo ser

vista no microscópio eletrónico (Fig.1) (Junqueira & Carneiro, 1987).

Figura 1- Microfotografia em microscópio eletrónico de transmissão de uma membrana plasmática, com a membrana indicada com setas azuis (Seeley , Stephens , & Tate, 2011)

Todavia, a sua existência já era reconhecida antes do microscópio eletrónico

graças à aplicação de técnicas indiretas. Um dos primeiros indícios da existência da

membrana celular decorreu da observação de que o volume das células se altera de

acordo com a concentração das soluções em que são colocadas (Fig. 5.1) (Junqueira &

Carneiro, 1987).

A membrana plasmática participa de numerosas funções celulares. Entre as

quais se encontram as seguintes (Silverthorn, 2010):

Isolamento físico. A membrana celular é uma barreira física que separa o

líquido intracelular dentro da célula do líquido extracelular que a circunda.

Regulação das trocas com o seu meio externo. A membrana celular

controla a entrada de iões e nutrientes na célula, a eliminação de resíduos

celulares e a libertação de produtos da célula.

Comunicação entre a célula e seu meio externo. A membrana celular

contém proteínas que permitem à célula reconhecer e responder a moléculas

ou a mudanças no seu melo externo. Qualquer alteração na membrana

celular pode afetar as atividades celulares.

Suporte estrutural. Proteínas da membrana celular fixam o citoesqueleto,

uma rede estrutural do interior das células para manter a forma celular.

Page 6: Obtenção de matéria pelos seres heterotróficos

6

Proteínas de membrana também criam junções especializadas entre células

adjacentes ou entre células e a matriz extracelular (extra-, externo), que é

um material extracelular sintetizado e segregado pelas células. (Secreção é

o processo pelo qual uma célula libera uma substância no espaço

extracelular.) Junções célula-célula e célula-matriz estabilizam a estrutura

dos tecidos.

2.1.2 – Composição da membrana celular

A membrana plasmática é constituída por 45- 50% de lípidos, 45-50% de

proteínas e 4-8% de glícidos (figura 3.2). Os glícidos combinam-se com os lípidos para

formar glicolipídeos e com as proteínas para formar glicoproteínas. O glicocálice

corresponde ao conjunto de glicolípidos, glicoproteínas e glícidos na superfície externa

da membrana plasmática. O glicocálice também contém moléculas absorvidas do meio

extracelular, pelo que nem sempre existe uma fronteira precisa entre o término da

membrana plasmática e o meio extracelular (Seeley , Stephens , & Tate, 2011).

Os fosfolípidos são as moléculas lipídicas que se encontram em maior

abundância nas membranas biológicas (Fig. 2).

Figura 2- Fórmula estrutural e modelo espacial dos fosfolípidos (Dias, et al., 2014)

Como moléculas antipáticas que são, os fosfolípidos são constituídos por duas

extremidades que reagem diferentemente a presença de água: uma hidrofílica ou polar

e outra hidrofóbica ou apolar, sendo esta última constituída por duas caudas de ácidos

Page 7: Obtenção de matéria pelos seres heterotróficos

7

gordos. Em presença de água, os fosfolípidos antipáticos orientam-se de modo a

evitarem o contacto das suas extremidades hidrofóbicas com moléculas de água. Por

esta razão se organizam espontaneamente em pequenas formações esféricas - as

micelas - ou, tal como é observado nas membranas biológicas, em bicamadas, com as

extremidades hidrofóbicas dos fosfolípidos orientadas face a face, e para o interior da

membrana. Cria-se assim um espaço interior a bicamada fosfolipídica, que é hidrofóbico

e se furta ao contacto com a água (Azevedo, 2005).

Apesar de a estrutura básica da membrana plasmática e de algumas das suas

funções serem determinadas pelos seus lípidos, muitas das funções da membrana

plasmática são determinadas pelas suas proteínas. A camada lipídica atua como um

líquido no qual outras moléculas, como as proteínas, estão em suspensão. A natureza

fluída da dupla camada lipídica tem várias consequências importantes. Constitui um

importante meio de distribuição de moléculas dentro da membrana plasmática. Para

além disso, pequenos danos na membrana podem ser reparados, já que os fosfolípidos

tendem a reagrupar-se em torno das zonas lesadas, selando-as. Adicionalmente, a

natureza fluida da bicamada lipídica permite as membranas fundiram-se entre si.

Algumas moléculas proteicas, as proteínas integrais ou intrínsecas, penetram

profundamente na bicamada lipídica, estendendo-se, em muitos casos, de uma

superfície até a outra, enquanto outras, as proteínas periféricas ou extrínsecas,

encontram-se ligadas a superfície interna ou externa da dupla camada. As proteínas

integrais consistem em regimes de aminoácidos com grupos R hidrofóbicos de

aminoácidos com grupos R hidrofílicos. As regiões hidrofóbicas localizam-se dentro da

parte hidrofóbica da membrana; as regiões hidrofílicas localizam-se nas superfícies

interna e externa da membrana ou revestem os canais que a atravessam. Geralmente,

as proteínas periféricas encontram-se ligadas a proteínas integrais. As proteínas

membranares são marcadores, sítios de ligação, canais, recetores, enzimas ou

transportadoras. A sua capacidade de funcionamento depende da uma estrutura

tridimensional e das suas características químicas (Seeley , Stephens , & Tate, 2011).

Assim, as proteínas membranares podem ter uma função estrutural ou intervir

no transporte de substâncias através da membrana. Funcionam igualmente como

recetores de estímulos químicos vindos do meio extracelular ou como enzimas,

catalisando reações que ocorrem na superfície da célula. A Figura 3 ilustra as diversas

funções desempenhadas pelas proteínas presentes na membrana plasmática (Pereira,

2012):

Page 8: Obtenção de matéria pelos seres heterotróficos

8

Figura 3- Diferentes funções das proteínas membranares (Pereira, 2012).

2.1.3 – Estrutura da membrana celular – evolução dos modelos

Desde finais do século XIX que numerosos investigadores têm vindo a propor

modelos para a estrutura e composição química da Membrana Plasmática (Fig.4).

Figura 4- Alguns modelos de Ultraestrutura da membrana plasmática propostos ao longo do

tempo (Matias & Martins, 2003).

Os primeiros dados que sugeriram a composição da Membrana Plasmática,

foram obtidos por Charles Ernest Overton, em 1895 e eram de natureza funcional

(Becker, Kleinsmith, & Hardin, 2007). Em 1899, Overton, deduziu que a membrana

deveria ser formada por lípidos, por se destruir ao entrar em contato com solventes

lipídicos (Matias & Martins, Biologia 10 - Parte 1, 2003).

Page 9: Obtenção de matéria pelos seres heterotróficos

9

Irving Langmuir, com base nas suas descobertas, em 1917, propôs um modelo

em que previu que a membrana seria constituída por uma camada de fosfolípidos, com

uma extremidade voltada para a água e a outra para o ar (Becker, Kleinsmith, & Hardin,

2007) (Fig. 4).

Gorter e Grendel, em 1925, extraíram lípidos das membranas dos glóbulos

vermelhos e concluíram que existiam lípidos suficientes para formar uma bicamada

lipídica, sendo que as extremidades hidrofóbicas ficariam viradas para o interior e as

cabeças hidrofílicas viradas para o exterior (Fig.4) (Matias & Martins, Biologia 10 - Parte

1, 2003).

Em 1932, Kenneth Stewart Cole, ao estudar as membranas de ouriços-do-mar,

constatou que estas apresentavam valores de tensão superficial demasiado baixos.Com

base nestes resultados, posteriormente, James Frederic Danielli e Edmund Newton

Harvey propuseram um modelo no qual para além de lípidos existiam também

proteínas, estando estas colocadas na porção externa da membrana sendo dessa forma

responsáveis pela descida da tensão superficial (Becker, Kleinsmith, & Hardin, 2007).

Em 1935, o mesmo J. F. Danielli juntamente com Hugh Davson constataram que a

existência de proteínas em apenas um dos lados da membrana levaria a uma

instabilidade tal, que resultaria na desagregação da mesma. Propuseram então que, as

duas camadas fosfolipídicas estariam envolvidas por uma camada de proteínas (Matias

& Martins, Biologia 10 - Parte 1, 2003). Em meados de 1950, Davson e Danielli

reformulam o seu modelo. Este facto resulta da constatação de que certas substâncias

polares essenciais à célula, não ultrapassariam a membrana. Propuseram, mais tarde,

que as 2 camadas de proteínas apresentavam espaços, de onde a onde, interrompendo

a bicamada lipídica – estes poros encontrar-se-iam rodeados por moléculas proteicas

que permitiriam a passagem das diferentes substâncias polares. As substâncias não

polares passariam diretamente através da membrana (Fig. 4) (Becker, Kleinsmith, &

Hardin, 2007).

Surge então o modelo de mosaico fluido (Fig.5) de S. J. Singer e G. L. Nicholson,

em 1972, sendo este o modelo atualmente aceite. Este modelo admite uma estrutura

membranar não rígida, permitindo uma fluidez das suas moléculas.

Os fosfolípidos não estão estáticos nas camadas, podendo mover-se

lateralmente trocando de posição com outros fosfolípidos na mesma camada e

ocasionalmente, sofrendo transversões (do inglês “flip-flop”) de uma camada para a

outra (Fig. 6) (Alberts, et al., 2010).

Page 10: Obtenção de matéria pelos seres heterotróficos

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Figura 5- Modelo de mosaico fluido da membrana plasmática. A membrana é composta por

uma bicamada de fosfolípidos e colesterol com proteínas "flutuando" na membrana. A porção

apolar hidrofóbica de cada molécula de fosfolípido dirige-se para o centro da membrana e a

parte polar hidrofílica dirige-se para o meio aquoso dentro e fora da célula (Seeley , Stephens ,

& Tate, 2011).

Figura 6- Mobilidade das moléculas de fosfolipídios em uma camada lipídica artificial (Alberts, et

al., 2010)

2.2 – Movimentos transmembranares

Como já foi referido, a membrana plasmática é uma estrutura que separa o meio

intracelular do meio extracelular, permitindo a passagem de diversas substâncias nos

dois sentidos. De acordo com Seeley et al. (2011), a membrana apresenta maior

Page 11: Obtenção de matéria pelos seres heterotróficos

11

permeabilidade para umas substâncias em relação a outras. É, portanto uma

permeabilidade seletiva.

O material intracelular apresenta uma composição diferente do material

extracelular e a sobrevivência da célula depende da manutenção dessas diferenças. No

interior da célula encontram-se substâncias tais como enzimas, outras proteínas,

glicogénio e iões de potássio em concentrações mais elevadas, enquanto os iões de

sódio, cálcio e cloro estão em concentrações mais elevadas no meio extracelular

(Pereira, 2012).

Seeley et al. (2011) menciona que os nutrientes devem entrar de forma constante

na célula, assim como os produtos de excreção também têm de ser continuamente

eliminados. Desta forma o volume celular conservar-se inalterado, ou seja, devido às

características de permeabilidade da membrana plasmática e à sua capacidade de

transportar moléculas de forma seletiva, a célula mantém a sua homeostasia.

No entanto, a passagem de substâncias através da membrana está dependente

da configuração molecular dessas mesmas substâncias, entre outros fatores. Assim, o

movimento dessas partículas através da membrana pode ocorrer sem intervenção de

moléculas transportadoras – transporte não mediado – ou com intervenção de

moléculas transportadoras – transporte mediado (Pereira, 2012).

Seeley et al. (2011) evidencia, ainda, que a possível rotura da membrana, a

modificação das suas características de permeabilidade ou a inibição dos mecanismos

de transporte, podem modificar as diferenças de concentração normais, ao longo da

membrana e levar à morte celular.

De uma maneira geral, as moléculas e iões deslocam-se através da membrana

plasmática de quatro formas: diretamente, através da membrana de dupla camada

fosfolipídica; por canais proteicos membranares; proteínas de transporte e vesículas

(Pereira, 2012).

2.2.1 - Transporte Não Mediado

2.2.1.1 – Difusão simples

As moléculas movimentam-se do meio onde a sua concentração é mais elevada,

para onde a sua concentração é mais baixa, ou seja, a favor do gradiente de

concentração. Quando se atinge o equilíbrio de concentrações o movimento de

partículas prossegue, mas a quantidade de partículas que passam num sentido é igual

Page 12: Obtenção de matéria pelos seres heterotróficos

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á quantidade que passa em sentido contrário, tornando-se um equilíbrio dinâmico

(Kimball, 1976).

Este tipo de transporte passivo é classificado como o movimento cinético molecular

de moléculas ou iões através membrana ou dos espaços intermoleculares, sem

necessidade de fixação a proteínas transportadoras da membrana. Sua velocidade é

determinada pela quantidade existente da substância a ser transportada, pela

velocidade do movimento cinético e pelo número de “canais” da membrana através dos

quais a molécula ou ião pode passar. A difusão simples permite o transporte de

moléculas pequenas não polares, solventes orgânicos, substâncias lipossolúveis e

pequenas moléculas polares sem carga (Guyton, 1984).

2.2.1.2– Osmose

A Osmose é um caso especial da difusão. Os químicos definem a osmose como a

difusão de qualquer solvente através de uma membrana diferencialmente permeável.

As membranas celulares são essencialmente permeáveis quando possuem poros que

permitem a passagem de algumas moléculas, mas evitam a passagem de outras. O

solvente universal dos seres vivos é a água, portanto, neste caso podemos definir a

osmose como a difusão da água através de membranas semipermeáveis do meio mais

concentrado para o meio menos concentrado. Note-se que a concentração refere-se ao

solvente, isto é, água, e não a concentração de moléculas e iões, que podem estar

dissolvidas em água. A troca de água entre a célula e seu ambiente é tão importante no

funcionamento da célula que se justifica o nome especial, osmose, com que esse

fenómeno é conhecido (Kimball, 1976).

A pressão osmótica é a pressão necessária para contrabalançar a tendência da

água para se mover da região onde há maior quantidade de água para onde há menor

quantidade. Então uma solução com elevada concentração de soluto e portanto baixa

quantidade de água, tem uma elevado pressão osmótica, e uma solução com baixa

concentração de soluto e portanto elevada quantidade de água, tem uma baixa pressão

osmótica (Seeley , Stephens , & Tate, 2011).

Numa célula animal em meio hipertónico, a água tende a sair da célula por osmose,

diminuindo o volume celular. Neste caso diz-se que a célula fica num estado de

plasmólise. Num meio hipotónico, a água entra por osmose, levando a um aumento do

volume celular, entrando a célula num estado de turgescência. Numa célula animal

túrgida, quando a entrada ultrapassa a capacidade elástica da membrana, ocorre a lise,

ou destruição, celular.

Page 13: Obtenção de matéria pelos seres heterotróficos

13

Numa célula vegetal, os processos são semelhantes, mas com uma pequena

diferença no comportamento. Segundo Pereira (2012), citando Randall et al. (2002), se

uma célula vegetal for colocada em meio hipertónico, dá-se um movimento da água do

vacúolo para o exterior da célula, o que faz com que o vacúolo diminua de volume,

ficando a célula plasmolisada. Se a célula for colocada em meio hipotónico, a água

entra para o vacúolo, aumenta de volume, comprime o núcleo e o citoplasma contra a

parede celular, ficando túrgida. No entanto, precisamente devido à existência de parede

celular nas células vegetais, não ocorre lise celular. A Figura 7 exemplifica o

comportamento em duas células, uma animal e outra vegetal, perante o processo de

difusão por osmose:

Figura 7- Osmose em células animais e vegetais (Dias, et al., 2014)

2.2.2 - Transporte Mediado

2.2.2.1 – Difusão facilitada

A difusão facilitada e o processo de transporte mediado de substâncias para

dentro ou para fora das células, da região de concentração mais elevada para a menos

elevada. A difusão facilitada não necessita de energia metabólica para transportar as

substâncias através da membrana plasmática. A velocidade com que as moléculas são

transportadas é diretamente proporcional ao seu gradiente de concentração até ao

ponto de saturação, quando todas as proteínas de transporte estão a ser utilizadas. A

partir de então a velocidade de transporte mantem-se constante na sua velocidade

máxima (Seeley , Stephens , & Tate, 2011).

A difusão facilitada ocorre segundo as seguintes etapas ilustradas na figura 8:

A. Combinação da molécula com a proteína transportadora, na face externa da

membrana.

B. Alteração da forma da permease, o que permite a transferência da molécula

através da membrana.

C. Separação da permease e da molécula após o transporte. A permease volta à

sua forma original.

Page 14: Obtenção de matéria pelos seres heterotróficos

14

Figura 8 – Etapas da difusão facilitada (Dias, et al., 2014)

2.2.2.2 – Transporte ativo

O transporte ativo é um processo de transporte mediado que requer energia

fornecida pelo ATP. O movimento da substância transportada para o lado oposto da

membrana, seguido da sua libertação pela proteína de transporte, a alimentado pela

degradação de ATP. A velocidade máxima a que o transporte ativo ocorre depende do

número de proteínas de transporte na membrana plasmática e da disponibilidade de

ATP adequado. Os processos de transporte ativo são importantes uma vez que podem

deslocar substâncias contra os seus gradientes de concentração, isto e, da menor para

a maior concentração. Consequentemente, tem a capacidade para acumular

substâncias num dos lados da membrana plasmática em concentrações muito

superiores às do outro lado. O transporte ativo também pode transferir substâncias de

concentrações maiores para menores. Alguns mecanismos de transporte ativo trocam

uma substância por outra. Por exemplo, a bomba de sódio e potássio transporta o sódio

para o exterior da célula e o potássio para a seu interior (fig. 9).

Page 15: Obtenção de matéria pelos seres heterotróficos

15

Figura 9 – Funcionamento da bomba sódio-potássio (Dias, et al., 2014)

O resultado é a uma concentração mais elevada de sódio no exterior da célula e

uma concentração de potássio mais elevada no seu interior (Seeley , Stephens , & Tate,

2011).

2.2. 3 – Transporte em quantidade

A endocitose, ou internalização de substâncias, inclui os processos de

fagocitose e de pinocitose e refere-se à entrada de material volumoso na célula

através da membrana plasmática por formação de uma vesicula. Uma vesicula a um

sáculo limitado por uma membrana que se encontra no citoplasma celular. Uma porção

da membrana plasmática invagina-se em torno de uma partícula ou gotícula, fundindo-

se de forma a envolvê-la completamente. Seguidamente, essa porção da membrana

destaca-se de tal forma que a partícula ou gotícula envolvida pela membrana fica

incluída no citoplasma e a membrana plasmática permanece intacta. Fagocitose

significa, literalmente, alimentação da célula e aplica-se à endocitose quando são

ingeridas partículas sólidas, formando-se vesiculas fagocíticas. Os glóbulos brancos e

algumas outras células fagocitam bactérias, detritos celulares e partículas estranhas ao

organismo. Por isso mesmo, a fagocitose é importante na eliminação de substâncias

nocivas do organismo. Pinocitose significa ingestão de líquidos pela célula e distingue-

se da fagocitose porque as vesiculas formadas são menores e contem moléculas

dissolvidas em líquido e não partículas. A pinocitose forma frequentemente vesiculas

perto dos extremos de invaginações profundas da membrana plasmática. Constitui um

mecanismo comum de transporte em muitos tipos de células e ocorre em certas células

dos rins, em células epiteliais do intestino, em células do fígado e em células das

paredes capilares. A endocitose pode exibir especificidade. Por exemplo, as células que

fagocitam bactérias e tecidos necróticos não fagocitam células saudáveis (Seeley ,

Stephens , & Tate, 2011) (Fig. 10).

Em algumas células há acumulação de secreções dentro de vesiculas. Estas

vesiculas de secreção deslocam-se posteriormente para a membrana plasmática, com

a qual as vesiculas se fundem, sendo o conteúdo da vesicula expelido para fora da

célula. Este processo é denominado exocitose. A secreção de enzimas digestivas pelo

pâncreas, de muco pelas glândulas salivares e de leite pelas glândulas mamárias são

exemplos de exocitose. Em alguns aspetos, o processo é semelhante ao da fagocitose

e pinocitose, mas dá-se no sentido oposto (Seeley , Stephens , & Tate, 2011).

Page 16: Obtenção de matéria pelos seres heterotróficos

16

Figura 10 – Processo de endocitose e exocitose (Pereira, 2012)

2.3 - Ingestão, Digestão e absorção

A ingestão é o processo que leva à introdução dos alimentos no ser vivo, a

digestão é como já referimos e como já estudaste o conjunto de processos que leva à

simplificação de macromoléculas em micromoléculas por reações de hidrólise

catalisadas pelas enzimas e a absorção é a passagem destes nutrientes simples através

das membranas celulares, de forma a poderem ser utilizadas no metabolismo celular.

A digestão pode ocorrer no interior da célula (DIGESTÃO INTRACELULAR) e no

exterior da célula (DIGESTÃO EXTRACELULAR) (Santo, 2012).

2.3.1 Digestão intracelular

A digestão intracelular ocorre em vacúolos digestivos, que resultam da fusão dos

lisossomas com vesiculas endocíticas ou com vesiculas originadas no interior do

citoplasma. Por ação de enzimas digestivas, as moléculas complexas existentes no

interior dos vacúolos digestivos são desdobrados em moléculas mais simples, que

podem transpor a sua membrana para o citoplasma por diferentes processos de

transporte. Os resíduos resultantes da digestão são expulsos para o meio extracelular

Page 17: Obtenção de matéria pelos seres heterotróficos

17

por exocitose (Fig.11). É também importante referir que os lisossomas intervêm nas

digestões das substâncias que foram endocitadas (fagocitose e pinocitose) -

HETEROFAGIA e também participam na digestão de organelos que necessitam de ser

renovados, formando um vacúolo autofágico – AUTOFAGIA (Matias & Martins, Biologia

10 - Parte 1, 2003).

Figura 11 – Processo de digestão intracelular (Santo, 2012)

2.3.2 Digestão extracelular

Na maioria dos heterotróficos mais complexos a digestão é feita fora das células,

extracelular, sendo que há seres em que a digestão é fora do corpo (digestão

extracorporal), como por exemplo acontece com alguns fungos (Santo, 2012). As hifas

do fungo elaboram enzimas digestivas que são lançadas sobre o substrato, ocorrendo

aí a digestão de moléculas complexas. As moléculas mais simples resultantes são,

entretanto, absorvidas pelas hifas (Dias, et al., 2014).

A evolução dos sistemas digestivos foi no sentido do aumentar da complexidade do

sistema digestivo e com órgãos anexos, o que permite um maior consumo e maior

aproveitamento dos alimentos.

Nos animais, a digestão é, em regra, também extracelular, mas efetua-se no

interior do corpo, ou seja, ocorre digestão intracorporal. Ocorre, maioritariamente, em

cavidades ou órgãos especializados que, apesar de se localizarem no interior do

Page 18: Obtenção de matéria pelos seres heterotróficos

18

organismo, correspondem a prolongamentos do meio exterior no interior do corpo (Dias,

et al., 2014).

Segundo Santo, (2012), conforme a complexidade do ser vai aumentando, também

os sistemas digestivos vão evoluindo de forma a um maior aproveitamento dos

alimentos. Nos animais o tubo digestivo pode apresentar diferentes graus de

complexidade, e podem ser agrupados em dois grandes grupos. O tubo digestivo

incompleto possui apenas uma abertura, que funciona como boca e ânus, mas a

cavidade digestiva apresenta alguma diferenciação. O tubo digestivo completo possui

duas aberturas independentes, a boca e o ânus.

2.3.2.1 – Tubo digestivo incompleto

Os sistemas digestivos quer dos Cnidaria quer dos Plathelminte apresentam

apenas uma abertura, que estabelece a comunicação entre o exterior e a cavidade

gastrovascular.

A Hidra tem boca circundada por tentáculos e está ligada a uma cavidade em

forma de saco (cavidade gastrovascular - funções digestivas e absorção dos nutrientes

para as células) onde ocorre a digestão extracelular (Fig.12). Os produtos gerados na

digestão extracelular são absorvidos por todas as células onde ocorre a digestão

intracelular. Os produtos excretados pelas células passam para a cavidade através da

exocitose e são expulsos através da contração do corpo (Santo, 2012).

Figura 12 – Estrutura da parede do corpo da hidra de água doce (Dias, et al., 2014).

O sistema digestivo da Planária é semelhante ao da Hidra, no entanto, já

apresenta alguma diferenciação. A seguir à boca tem uma faringe musculosa que se

pode projetar para o exterior e captar o alimento. A cavidade gastrovascular é

ramificada, aumentando assim, a área de digestão e absorção. A digestão, tal como na

Hidra, começa na cavidade e depois completa-se nas células (Santo, 2012).

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2.3.2.2 – Tubo digestivo completo

Os animais mais complexos apresentam um tubo digestivo completo. Os seres

que possuem sistemas digestivos completos têm vantagem dado que o percurso dos

alimentos ocorre num só sentido aumentando a eficiência da digestão e absorção; A

digestão pode ocorrer em vários órgãos especializados para a digestão específica de

determinados nutrientes; A absorção ao dar-se num tubo é mais eficiente e os produtos

de excreção são expulsos por um outro orifício (o ânus) (Santo, 2012).

Na minhoca, por exemplo, que se alimenta de detritos vegetais e microrganismos

do solo, apresenta o tudo digestivo diferenciado em órgãos especializados onde os

alimentos são processados sequencialmente (Fig.13) (Dias, et al., 2014).

Figura 13 – Secção transversal da minhoca ao nível do intestino, mostrando a prega dorsal (Dias,

et al., 2014).

Os vertebrados são os seres mais complexos e o seu sistema digestivo

acompanha esta complexidade. Todos apresentam dois órgãos anexos (fígado e

Pâncreas), produtores de substâncias que são lançadas no intestino (bílis do fígado e

enzimas do Pâncreas) e misturadas com os produtos alimentares. Alguns têm glândulas

salivares (Santo, 2012).

No Homem a digestão começa na boca, continua no estômago e só termina no

intestino delgado (local onde a digestão é mais importante devido à grande diversidade

de enzimas que fazem parte dos sucos digestivos e são produzidas por glândulas de

certos órgãos do tubo digestivo, ou por outros órgãos anexos ao tubo digestivo (Dias, et

al., 2014).

A absorção ocorre essencialmente ao nível do intestino delgado. A absorção

dos nutriente sé eficiente devido à enorme superfície da parede intestinal, que resultado

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grande comprimento do intestino e da existência de pregas (válvulas coniventes)

recobertas por vilosidades (Fig. 14) (Dias, et al., 2014).

Figura 14- Estrutura da parede do intestino delgado (Dias, et al., 2014)

Por sua vez, as células do epitélio intestinal possuem microvilosidades que

aumentam ainda mais a superfície de absorção. A existência destas estruturas torna a

superfície interna do intestino delgado extraordinariamente maior do que as suas

dimensões aparentam, facilitando assim a passagem de uma maior quantidade de

nutrientes para o sangue (Dias, et al., 2014).

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