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João Felinto Neto Obscuro Poemas – 1ª Edição – Mossoró - 2007

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João Felinto Neto

Obscuro

Poemas – 1ª Edição – Mossoró - 2007

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2007 © Copyright by João Felinto Neto

F315o Felinto Neto, João.

Obscuro / João Felinto Neto. – Mossoró, 2007.

120p. ( 1ª Edição)

ISBN: 978-85-60656-15-8

1. Literatura brasileira – Poesia 2. Poesia norte-riograndense I. Título

CDD: B867.1 CDU: 82 (813.1) - 1

João Felinto Neto Rua: Francisco de Assis Silva, 1001 - Santa Delmira I

– Mossoró, RN CEP: 59 615 – 790

Fone – (0XX84) 3318 4245 e-mail: [email protected] Site: joaofelintoneto.xpg.com.br Site: joaofelintoneto.xpg.com.br Site: joaofelintoneto.xpg.com.br Site: joaofelintoneto.xpg.com.br

Proibida a reprodução total ou parcial, por

quaisquer meios. A violação dos direitos do autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do código

penal. Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Lei nº.

10994 de 14 de dezembro de 2004.

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Índice

Dedicatória 09 Prefácio 11 Obscuro 13 Lágrimas 15 A fenda 16 A fuga 17 Interpretação 18 Sinto saudade 19 Pra ficar na história 20 Semelhança 21 Embriaguez 22 Telepaticamente 23 Enxurrada 24 Tiquetaquear 25 Amor carnal 26 Entre limites 27 O vício 28 Uma frase 29 Carpideira 30

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Conselheiro 31 Átomo 32 Sangradura 33 Esqueça que te escrevi 34 Questões 35 Depois da chuva 36 Parto 37 Por tantos anos 38 Frações 39 Lupino 40 Sempre moderna 41 Os que vivem à margem 42 Jovem 43 Putrefação e silêncio 44 Também 45 Sobreviventes 46 Eleitos 47 Pistolão 48 Menor abandonado 49 Alguma filosofia 50 Tudo não passa de arte 51

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O eu 52 Sem percepção, nem pranto 53 Último amanhecer 54 Ópio 55 Dor 56 Desabafo de um feto 57 Passos incertos 58 A crítica 59 A frase 60 Mais um 61 Belo quadro 62 O ancião 63 Momento de raiva 65 Contradição 66 Através da porta 67 Em três 68 Brasileiro 69 Mandriice 70 Moda 71 Perguntas freqüentes 72 Esmoleiro 73

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Abstrato 74 Em parte 75 Preces alheias 76 Oculto II 78 Criatura 79 Solidão vazia 80 Vendedor de ilusões 81 Demônio 82 Sombria 83 Figura pálida 84 Como um fantasma 85 Talento 86 A ninguém vou confessar 87 Abstrata realidade 88 Conhecidos 89 Viva 90 Fruto do engano 91 O ceifador 93 Relação 95 Amo você 97 Canto 99

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A fortaleza 101 Testemunha 103 Café 104 Espanto 105 Voltar para mim 106 Anatomia 107 Palavras vazias 108 Daltônico 109 Magríssima 110 Eu mesmo 112 Sarcástico 113 Vale a pena amar? 114 De pé no chão 115 Ante a fome 116 Queixas momentâneas 117 De nós dois 118 Pedindo perdão 119 Literato 120

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Dedicatória

Aos que amam sem saber por que. Aos que se soubessem, amariam mais. Aos que se amassem, não se perderiam no obscuro.

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Prefácio

Não conheço o poeta em pessoa, eis uma obscuridade. Mas vale salientar que conheço sua poesia, seus versos intimistas e transgressivos que se transportam ao leitor. O “Eu” é mais que uma citação pessoal, o poeta deixa ao leitor sua essência; “Eu”, torna-se aquele que lê. Verifica-se um corte de expressão em alguns versos, suspendendo conceitos e idéias e ao mesmo tempo estendendo à compreensão, o contexto. Obscuro é alguns versos e conseqüentemente poemas que deixam o leitor perdido. No entanto, ao tornar-se personagem e autor, há um reencontro de entendimento dentro da obscuridade. A leitura de Obscuro é essencialmente relevante no tocante à poesia assimétrica entre poemas dissonantes em sua entonação ao serem declamados,

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embora a harmonia seja, via de regra, compassada há um desprendimento no que concerne ao seu entalhe descritivo. Não quero compelir o leitor a situar-se ante a leitura de Obscuro, porém, saliento a melhor maneira que encontrei de atingir o alvo. Alvo este, o verdadeiro sentido do poema, a leitura introspectiva dos versos.

Paulo André

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Obscuro Obscuro Tal passado não lembrado, Tal futuro desejado, Mas incerto. Obscuro Como o muro e o telhado No escuro assombrado De uma noite de inverno. Obscuro Tal telúrico inferno Imaginado. Obscuro Como minhas mãos no barro, Como o germe inoculado Em meus versos. Obscuro Tais poemas rejeitados, Entre páginas, dobrados, Sem sucesso. Obscuro Tal viagem sem regresso,

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Como o livro apagado, Reimpresso, Novamente intitulado; Tal magia de um mago, Tal a escuridão de um cego, Tal o silêncio de um surdo, Obscuro.

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Lágrimas As lágrimas diluem a tristeza Que aos olhos se revela. Lágrimas essas, Que trazem brilho ao olhar Quando a alegria desperta E o sorriso então, se apressa Em se expressar. Que mistério Às lagrimas, impera Duas formas tão diversas De chorar.

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A fenda Na fronteira do saber, Abre-se uma fenda: A ignorância. Onde a própria consciência Não alcança O mais débil pensamento. Na escuridão, Não há tempo Para o mais sutil lampejo. Pois que prevalece o medo Da luz do conhecimento.

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A fuga Quando ouço que a loucura É a salvação do homem, Sinto os pés na sepultura. Pois que louco sou, de longe. Há muito tempo eu nego No recôndito de meu cérebro, Que o mundo irá se acabar. Nem os loucos, eu espero. Eu prefiro aqui ficar. Seja céu, seja inferno, O melhor é o regresso Para a terra, o meu lar. Todavia, se eu não estiver [certo, Eu fujo para o deserto, Não sou louco pra esperar.

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Interpretação Toda dúvida que paira na [certeza É a única centelha De razão. Posto a emoção ser cega. Como o mito da caverna De Platão, A realidade é interpretação. A ilusão uma aresta Sem nenhuma digressão. Qual teoria está certa? Toda aquela Que duvida de sua própria [explicação.

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Sinto saudade Sinto na realidade Do presente, Saudade De um tempo inusitado Que se encontra em meu [passado, Que passou à minha frente. Sou um velho sorridente Que se cala E sentado à calçada, Vê seu mundo diferente.

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Pra ficar na história Quanto resto É jogado fora. Tanta sobra, E o brasileiro É sempre o primeiro, A pedir esmola. Quanta fome Nos consome agora. Quanto o Homem Ao Homem, explora. Eis a glória De ser brasileiro, É não sentir medo De morrer mais cedo E ficar na história.

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Semelhança Minha dor seria sempre a [mesma Se a tristeza Não fosse meu consolo. Não escolho Ser dessa maneira, Nem que eu seja Apenas um estorvo. O meu rosto, Sei que se assemelha, Quando espelha Ao mundo todo.

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Embriaguez O fim de semana É a prova humana Da evolução. Poucos estão lendo. Alguns estão morrendo, E o pior, em vão. Todavia, a maioria Busca a alegria Na doce ilusão Que entre um gole e outro, Vão subindo aos poucos Em satisfação. Esquecem os danos Dessa estupidez. Não sabem, talvez, Que a embriaguez É o passar dos anos.

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Telepaticamente Vivo na obscuridade De meus pensamentos Que ninguém lê Telepaticamente. Imagino uma linguagem [diferente, Onde não houvesse mentira, Nem como esconder os [sentimentos. Seriamos mais queridos Ou plenamente odiados. Um livro aberto, Um quadro exposto. Não poderia o rosto, Disfarçar os pecados.

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Enxurrada Entre pegadas, Eu deslizo na areia Com a mão cheia De sementes pra plantar. Espero as águas. Quase morro de esperar. Na terra seca, A enxurrada que goteja, Provém das lágrimas Que acabo de chorar.

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Tiquetaquear Na solidão, Preciso de silêncio Para escutar A imensidão do tempo No tiquetaquear. E devagar, Me perco em pensamentos. Sou resumido A um simples elemento. Tento despertar, Pois já não me percebo, E tenho medo De não poder voltar. O tiquetaquear Por mim reclama, Quer reacender a chama Que teima em se apagar. Nessa hora, eu estremeço, De mim esqueço, E paro de pensar.

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Amor carnal O que é afinal, Um amor imortal, Senão o que eu sinto? Acredite, não minto. Meu amor é carnal. Sendo carne é real. Ele é físico, É matéria Que em decomposição, Passa do meu coração Para a terra. Eis que um dia, irá brotar Numa flor que se abrirá Na estação da primavera.

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Entre limites Numa trajetória, não alinho O percurso desenhado. Estou cansado De traçar o meu caminho. Viajar entre limites De um mapa contornado, Não me tira o desamparo De estar sempre sozinho. Dentre curvas infinitas De um cenário imaginário, Eu levo a vida. Sinto que a despedida É o sono que me tira Do trabalho.

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O vício Eu ouço a horas, Tal um choro reprimido De alguém que usa drogas. Na mesma hora, Eu consigo ouvir o riso Desse mesmo alguém que [chora. A mesma história. O mesmo vício. Um sacrifício que a todos [incomoda.

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Uma frase Ao ver seu filho dormindo, Eis que o poeta, sorrindo, Assim, diz: É minha vida Resumida Na criatura mais bonita Que eu já vi.

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Carpideira Sou mercenária, Não sou tão feia. Não dá cadeia, O meu negócio; Pranteio mortos. As minhas lágrimas, Não são meus ais. Entre velas e castiçais

De funerais, Não me consolo. Por isso choro A morte alheia. Sou carpideira.

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Conselheiro Levante a cabeça, Siga em frente. Seu olhar vai simplesmente, O erguer. E para se manter A cabeça erguida, Nada melhor que a vida Para viver. Conselho, Talvez não lhe dê prazer. Procure entender o conselheiro E terá o mundo inteiro Para aprender.

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Átomo Estou por dentro De tudo que é inteiro. Sou em pedaço, Aquilo que se quebrou. Enquanto átomo, A flor que está no canteiro, O barro, o jarro, Até mesmo o jardineiro E aquele que comprou. Não sou visível, Porém sou tão verdadeiro Quanto tudo que eu sou.

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Sangradura O poeta só sangra Quando chora. Quando ele se corta, Apenas se fere. À ferida suporta Até que cesse O ardor que incomoda. Porém, o choro sufoca. E o poeta padece. Quando enfim, não mais chora, Sua dor permanece.

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Esqueça que te escrevi A minha carta Tinha letra feia, Lindas palavras Que eu mesmo escolhi. Você me fez tamanha desfeita, Não deu resposta; Tornou-se alheia Ao que te pedi. Exasperado, Com a mão na cabeça, Peço que esqueça Que te escrevi.

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Questões O meu fracasso É tratado com desdém. Eu vou além Do que alcança o meu braço. Não há espaço Para as perguntas que eu faço, Para as questões que o mundo [tem.

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Depois da chuva Ando pela estrada vazia, A conversar sozinho. O meu caminho, Dessa forma, se encurta. Penso poesia Todas as horas do dia, Todos os dias do ano, Todos os anos que tenho de [vida. E toda a vida que tenho, Não passa de um sereno Disperso, depois da chuva.

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Parto Lembro O aterrorizado momento De nascer. Estavam mascarados E me fizeram chorar. Um cheiro adocicado Impregnava o lugar. E me puseram junto a você Pelo lado de fora, Onde eu me encontro, agora. Será que é igual a morrer?

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Por tantos anos Não espero ficar acordado Por tantos anos. Mas acordado, eu sonho Que estou a dormir. E dormindo, eu me acho. E me achando, eu me castro Da vontade de ir.

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Frações Abro a porta do quarto E o vejo tão inteiro Que não encontro um meio De dividi-lo a dois. Você e eu, depois. Ele será o terceiro. O meu nome em segundo. Ele vem para o mundo, Uma fração de nós dois.

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Lupino Tenho a mesma bondade Que as lobas ferozes Com seus filhotes. Eu dilacero presas, Deixo insepultos, corpos. E entre mortos, Dou aos lobachos, Minhas tetas.

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Sempre moderna Talvez um dia, Eu seja restaurado Em um livro envelhecido, Por estar descuidado Numa caixa sob velhas [prateleiras. Nesse dia, Alguém reconhecerá, não [minha letra, Mas meu estilo, Minha maneira De versar. Nesse dia quem sabe, Irão brindar A nova descoberta: A de um velho poeta Que tem sempre moderna, Sua forma de pensar.

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Os que vivem à margem Os que vivem à margem Também vivem. São tristes, são felizes, São gente de bem. O que eles não têm, Sobra em sua casa. Pasme ante a desgraça: Você põe no lixo. A fome é um bicho Que come também. Come sua alma, Todo o amor que tem.

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Jovem Olhe para dentro desses olhos [jovens, Olhe atentamente. Veja que há um mundo à sua [frente. Veja o que ele pode. Jovem, O espelho simplesmente Mostrar-lhe-á o seu limite. Não fique triste, A lágrima que cair, insiste, Será um dia sorridente.

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Putrefação e silêncio O mundo é desonesto com sua [prole, Mantém seus corpos cerrados. Putrefação e silêncio. No entanto, é justo a contento. Quer seja rico, Quer seja pobre, A mesma terra os cobre. Putrefação e silêncio.

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Também Sonho que a necessidade [encontra Uma rua De fartura E tolerância, Onde a pujança Doa-se à miséria, E as pessoas que tem muito, Dividem um pouco Do que tem. Talvez esteja louco Também.

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Sobreviventes Não me liberto Desse cárcere subjetivo. Entre paredes de vidro Transparente, Eu vejo ao meu redor Toda essa gente. Nesse casulo enorme, Plebeus e nobres São meros sobreviventes.

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Eleitos Queixo-me da falta de [vergonha Dos homens que foram eleitos. Excelentíssimos senadores e [prefeitos; Deputados que na câmara, Esquecem das promessas de [campanha; Vereadores, Os senhores Vão aonde o dinheiro manda. Até o presidente, Minha gente, Conquistou a mesma fama.

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Pistolão Existe uma arma Tão promíscua e corrupta, Que fere mais do que pistola. É o pistolão Que aprova e desaprova Nossa estúpida Educação. Uma arma Onde a pátria sai ferida, Onde a vaga É ocupada Por figura conhecida.

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Menor abandonado Não tive tempo De rever meus atos, E quando leram os autos, Não pude me defender. A lei não sabe me dizer O que é errado, Pois anda sobre o muro do [acaso, Entre justiça e poder. Eu vejo um inocente [condenado E ouço um culpado Se gabar por não morrer. Assisto na TV Um triste caso, De um bebe despedaçado. Um menor abandonado Fica impune até crescer.

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Alguma filosofia O que um professor me [ensinaria Que eu não aprenderia Com o mundo? Nem sempre seguir rumo É saída. Às vezes, essa vida Vai tão fundo Que é preciso um segundo De alguma filosofia.

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Tudo não passa de arte Sou microscópica parte Na imensidão do universo. Se faço errado ou certo, Tudo não passa de arte Que só o homem conhece. O homem faz tanta prece, Que esquece da verdade. Parece até que a verdade Enlouquece Esse mundo sem coragem. Serei carcaça e vermes Na podridão do futuro. O homem se enfurece Acreditando ser fruto De um mito que ele venera. Seremos pó numa esfera Que ficará no escuro.

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O eu Esse eu que em mim existe, Tanto insiste E quer saber, Se eu sou esse vulto triste Ou se eu sou o que se vê? Eu seria por não ser, Ambos os que em mim estão: O eu que tenta entender; O eu que parece são.

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Sem percepção nem pranto Não são muitos os que lêem o [que escrevo. Meu desejo É que o mundo inteiro Leia. O meu louco pensamento Ainda vagueia Em silêncio, Tal uma teia de aranha Ao vento, Sem percepção nem pranto. Meu veneno destilado É portanto, Traduzido em versos quase [apagados, Que só olhos aguçados Podem ver que tem encanto.

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Último amanhecer Vivo o hoje, intensamente. O amanhã é utopia. Vivo cada dia, Simplesmente. Pois se vivo é presente, Amanhã eu viveria. Vivo cada amanhecer Como se hoje fosse ser O último dia. Vivo pelo tanto que vivi Com tristeza e alegria E novamente viveria Pelo mesmo que senti.

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Ópio Deus é uma droga Que vicia ao que crê, Que não deixa à verdade [perceber E que acha que o mundo não [importa. Não existe prova Que o faça entender Que essa droga Vai fazê-lo enfim, perder A sua vida E a coisa mais sagrada e bonita Que é saber como viver.

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Dor É tão difícil acalentar a dor [humana, Seja dor física, Seja dor de emoção. A dor pode ser tamanha Que supera a razão. Tudo é em vão Quando a dor nos põe de [cama. E se engana Aquele que diz suportar. Quando a dor persiste em [continuar, Não há no mundo quem reaja Sem chorar.

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Desabafo de um feto Aprovo sua decisão tomada, Foi acertada, Foi o mais certo a fazer. Amo você. Sei que também me amava. Mas, meu pai a estuprara; Tinha o direito a escolher. Além do mais, Uma deformação me aleijava, Meu cérebro lentamente [definhava, Em pouco tempo iria morrer. Apenas a faria sofrer. Como uma aberração que não [chorava, Não sorria, não mamava, Não deveria viver.

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Passos incertos Todos os meus passos são [incertos Por não ter certeza aonde ir. Sei que não é perto; Longe, e decerto Sem ninguém para me ouvir. Todas as razões só me [carregam A distanciar-me dos doutores. Não discuto fórmulas, nem [valores. Tento a existência, resumir. Os meus toscos versos Que se perdem aqui, Serão descobertos No porvir.

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A crítica Quem criticou a poesia e o [poeta, Que ela imita E ele expressa os demais? Se cada verso que faço Não me explica, Não justifica meus ódios e [meus ais, Que eu seja todos os outros Em resumo, Que o mundo leia o esboço Dos imortais E que o crítico Seja humilde E volte atrás.

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A frase O fundamentalismo moral Não está em Deus, Mas na evolução cultural [humana. Deus não evolui, O homem sim. Essa frase, digo enfim, Como um poeta que ama A capacidade humana De ser bom e ser ruim.

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Mais um O que faço sob esse céu azul, Senão caminhar a esmo E nunca chegar a lugar [nenhum? Do cansaço ao desespero, Desconheço Se sou último ou primeiro, Ou se apenas sou mais um. Talvez, eu seja tão comum Que a mim mesmo Desconheça, Ou talvez eu me pareça Com mais um.

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Belo quadro Que estupenda visão, Que belo quadro, O céu parece pintado; Mas por qual mão? O sol por trás do telhado Se esconde agora, acanhado. Enquanto eu, aqui deitado, Vejo o céu avermelhado, Mergulhar na escuridão.

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O ancião Comemoro Meus cem anos de idade, Com secular sobriedade E pesar no coração. Por ver meu mundo andar na [contramão E explorar sua própria [necessidade. Sinto saudade Do compadre, Da comadre, Do bom-dia, boa-tarde, Do velho aperto de mão, Do boa-noite desejado no [portão Após a prosa começada ao fim [da tarde. Sepultei todas as minhas [amizades.

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Mas garanto de verdade, Que há pior solidão. A de quando levado a ser o [primeiro Por algum direito Que alguém conquistou Em filas onde falta o respeito A um ancião Que como cidadão, Ainda tem valor.

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Momento de raiva Não meço minhas palavras, Não modero meus insultos. Quando expresso minha raiva, Qual serpente, faço uso Da saliva peçonhenta Que a cabeça alimenta, Que na boca Eu desfruto. Sofro por ser tão sujo Quanto aquele que me [enfrenta. Mas não posso ficar mudo Quando um merda sem [escrúpulo, Me acusa de indecência.

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Contradição Por mais que eu refaça meus [passos, Nada sai do mesmo jeito. O que foi defeito Em dado momento, Tornou-se correto. O que fora exemplar e reto, Tem agora, imperfeição. O que estava em minha mão, Já não mais o alcanço. Onde canso, Antes foi disposição. Todos os meus passos São passados. Mas se um dia os refaço, Terminam em contradição.

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Através da porta O que posso descrever Nesse exato momento É à força do vento, A areia arrastada lá fora. Amanhã irei embora. Hoje à noite, há essa hora, Vejo as casas alheias, Uma bela, a outra feia. Há um poste distante, Uma luz ofuscante, Uma paz, Uma estrada vermelha. Lá no céu, há estrelas; Aqui dentro, meus ais. Eu não quero ser mais Do que sou.

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Em três Dentro de casa, As cadeiras se encostam, As redes se dependuram, A cama repousa Em um canto da sala. Somos em três: Eu, Nós dois E vocês.

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Brasileiro Eu me pareço Com José, com Antônio, com [Francisco. Por muitas vezes, Fui por eles, confundido. E cumprimento com um aceno [de mão, Por humildade e educação. Eu nunca vou saber Quem são os seus amigos, Talvez jamais conhecê-los. Porém, há algo em comum. Não por ser um, Posto não sermos o mesmo. Mas somos nós, cada um, Um brasileiro.

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Mandriice Sinto O ranger de meus ossos No ataúde; Tão precária está minha saúde, Apesar de todos os esforços. Levantar-me da rede, Já não posso. Sinto fome e sede, Vou rezar o pai-nosso. A mulher diz que tenho [indolência. - É o que diz a ciência. Eu disfarço e coço. Irritada e arisca: - Isto significa Que o que tens é preguiça Seu troço.

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Moda Às avessas, A roupa se acomoda. Mas incomoda Na opinião alheia, Por ficar feia Com a costura de fora. Se fosse moda, Seria uma glória De charme e beleza.

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Dúvidas freqüentes As perguntas que faço A mim, Ainda me embaraçam. Compensação do que acho E do que faço, Enfim. As dúvidas são tão freqüentes Que me pergunto: - Ser gente É ter os braços cruzados E aceitar o seu fim?

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Esmoleiro Estendo meu chapéu A cada um que passa. Esmolas escassas Numa calçada vazia, Apesar de tanta vida. Num movimento frenético, Onde eu sou o mais cético Por que via. A miséria é um vão, Onde apenas um tostão Nos alivia. Sei que a maioria Pede por mania E uma minoria Dá por compaixão.

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Abstrato Eu tenho minha tez enegrecida Pelas sombras do passado. Ajoelhado, Sustentei tanta mentira. Meus olhos sintetizam agonia Nas vias Do que fora eu de fato: Retrato De uma honra esquecida, Descida A um mundo abstrato.

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Em parte Sou forte E espero em minha raia, Um novo alvorecer. Numa competição tão [disputada, Que só sobrevive Quem vencer. Uma saída tão inesperada; Pois não havia chegada. Em parte, não iria nascer. Caio na mão que ejacula o [prazer, Vindo a morrer Na água que é desperdiçada.

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Preces alheias Tenho os meus olhos [marejados, Não pelo sol que me queima, Mas pela teima Em viver do meu roçado. Onde está o inverno esperado? Quem sabe em preces alheias? Os meus lábios já cansados De murmúrios desolados, Estão cheios de poeira. Tenho os meus pés calejados Como uma velha romeira, Pela lida do roçado, Pelo tanto que é suado No abre-abre de porteira. Onde está o meu pecado? Quem sabe em maldades [alheias?

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Os meus dias profanados Por um solo que é sagrado, Mas que sangra pela seca. Sinto o gume do machado Cortar a minha cabeça, Quando o dia da colheita Que há muito fora marcado Na folha do calendário, Voa por ser destacado Pela mão que só peleja.

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Oculto II Se todos os meus passos Fossem brutos, Eu não seria mais eu. Esse eu que me desculpo Por não velar quem morreu; Que à sombra De um deus que culpo, Aos meus olhos oculto, Finjo que me convenceu.

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Criatura Os teus braços Cingindo-me a cintura, Faz surgir a criatura Que sou eu; Uma réplica à altura Desse ser que se afigura Ao meu.

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Solidão vazia Eu enlouqueço Dia após dia, Na ironia De satíricos pensamentos. E envelheço Na mais triste felonia De vãos momentos. Eu amanheço Com a trágica alegria De meus tormentos. E enfim, adormeço Sob a solidão vazia Que aos poucos me alicia No silêncio.

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Vendedor de ilusões Saí de casa, Onde não havia pão, Onde a água era escassa. Eu vivia de ilusão. Peguei a estrada, Minha voz meio acanhada Pela garganta afetada Com a poeira do sertão. Não vendo enxada, Carne seca e carvão. Não vendo nada, Pois só vendo ilusão.

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Demônio O seu cadáver putrefato Da cova exumado Levou-me a lamentar Por que amar Tinha que ser um fado? De olhos lacrimejados Começo a chorar Mas minhas lágrimas não são [de pranto São desse demônio Que ante teu encanto Pôde te matar.

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Sombria Triste sombra alheia Que queres ao me acompanhar As tuas chagas Que parecem feias Não conseguem te parar Entre alamedas Caminho sob o sol Mas esta sombra Está em minhas veias Tal as labaredas Que queimam o paiol Busco esquecê-la Todavia, a mesma Tende a me encontrar Por te adorar Numa sombria seita Minha alma aceita Esse meu penar.

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Figura pálida Criança descorada, Uma chama ardente Que a fome apaga. Uma mãe que chora [compulsivamente. Talvez nem saiba, Ante o vazio Que assola sua alma. Assim, retrato Esse ser ausente, Como uma figura pálida.

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Como um fantasma O meu amor é tão presente, Embora esteja no passado, Que permanece ao meu lado Como um fantasma [permanente. Em letras tristes e apagadas, De uma carta comovente, Esse amor já sem palavras, Lê o futuro à minha frente. Amor ardente Que não me deixa em solidão. Talvez pra sempre, Humildemente, Exista no meu coração.

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Talento Deixar à mercê do tempo. Mas se o tempo é mercenário O quanto o árbitro É arbitrário, Onde fica o talento? Nesse momento, Ao esporte é necessário O intento De vencer o adversário, Superar seu desempenho. O torcedor, temerário Ante a atuação do árbitro, Vê perder, Aquele que de fato, Tem talento.

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A ninguém vou confessar Aos que teimam em se [encantar, Eu escrevo com desvelo Sobre os medos, Os segredos, Os anseios de sonhar. Aos que tentam se encontrar, Falo sobre os desenganos Que por anos, Entre sonhos, Não consiga realizar. A ninguém vou confessar Que me encanto, Que me engano, E talvez, por sonhar tanto, Jamais, venha me encontrar.

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Abstrata realidade Sempre quis acreditar Que meu mundo existia. Não uma mera utopia, Mas uma nítida verdade. Desse mundo, A saudade É bem mais que nostalgia, É a mais concreta alegria De uma abstrata realidade.

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Conhecidos Não me fale de pessoas [conhecidas. Pois estas, sei quem são. Descobertos, Somos mera diversão De uma satírica torcida. Nossa cara, Totalmente desprovida De afetação, Não comove mais o rude [coração Do amigo, Da amiga.

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Viva Não importa o que faça da [vida, Faça o melhor que aprouver. O pecado advindo da fé, Não valida Dispensar toda sua energia, Tudo que você é. Cada um sabe em si, O que quer E ao que objetiva. Então viva. E quem sabe enfim, realiza Tudo que mais precisa: Que é ter o que quer.

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Fruto do engano Observo, esse rapaz Por trás Das grades; violento. Conheci-o há muito tempo, Era amigo de seu pai. Ele sorria demais. Era um bebê sereno. Esses olhos de veneno, Não havia. Só nos transmitiam paz. O que houve por detrás Daquela cara de anjo? O que fizera os anos Com a índole do rapaz? Sua face de demônio Não entende que o amo. Por ser fruto do engano, Desconhece os meus ais. Na verdade é meu filho; Por sua mãe, omitido. Pela culpa de quem trai.

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Não importa o passado, Mas a esse condenado, Eu não posso julgar mais.

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O ceifador Do sangue quente em meu [rosto, Sinto o gosto. Seu odor me fortalece. A vítima Que morre sem prece, Sangra em silêncio. Lentamente, solto o lenço Que a pouco amordaçava A boca que não tocara Por um estranho pudor. Se era loucura ou amor, Não sei dizer no momento. Mas, me senti tão sereno Como quem cheira uma flor. Sei que foi Deus quem usou Minha mão como espada

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Para punir uma alma Da qual, Satã se apossou. Sou o anjo Gabriel. Volto agora para o céu, Para servir meu Senhor.

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Relação O que teu coração me pede, Não posso te entregar. O que teus olhos querem, Não devo demonstrar. Não somos mais crianças; Não alimente suas esperanças. A vida é passageira. És uma jovem, E como tal, Leve na brincadeira. Sou apenas um senhor. Não levante bandeiras Como se eu fosse um ideal. És uma jovem, E como tal, Leve na brincadeira. O meu sorriso é pranto. O teu pranto é encanto. O meu discurso é mudo.

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E no meio de tudo, Há uma família inteira. És uma jovem, E como tal, Leve na brincadeira. Não peço que me esqueça. Todavia, use a cabeça. E não me leve a mal. És uma jovem, E como tal, Leve na brincadeira.

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Amo você Sei que jamais verei Lugares que sonhei Um dia visitar. Mas, teu olhar Levou-me tão além, Que lugar nenhum tem O que mostrar. Tentei conter E não falar. Não precisei dizer, Estava em meu olhar: Amei você. Talvez um dia, a dois, Iremos caminhar. E em nosso depois, Venhamos nos lembrar Do dia em que ousamos Nos olhar.

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Tento conter E não falar. Não preciso dizer, Está em meu olhar: Amo você.

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Canto Canto o amor Tal qual a chama acesa Desperta a fogueira, Tal qual a natureza Modela a flor. Ocultando o seu nome, Não por pudor. Mas pela mesma fome De seu amor. Canto outra vez, Supero a timidez, Talvez na embriaguez De um sofredor. Ocultando o seu nome, Não por pudor. Mas pela mesma fome De seu amor.

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Não canto em vão, Por vir, minha canção, Do mesmo coração Que você motivou. Ocultando o seu nome, Não por pudor. Mas pela mesma fome De seu amor. Canto para mim. Meu canto chega ao fim. Mas meu amor enfim, Continuou. Ocultando o seu nome, Não por pudor. Mas pela mesma fome De seu amor.

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A fortaleza Uma brisa vem da beira mar, De onde minha rua se estende. Um braço leva o vento A direcionar. Sei que ninguém entende Esse meu pensamento, Esse desafogar. Esse lugar me deixa Bem mais forte. É uma fortaleza, Uma delicadeza Que a natureza Fez para encantar. A noite, sobre a espuma, o [luar. No calçadão, caminha minha [gente. No coração, meu tempo. Volto a relembrar.

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Esse lugar me deixa Bem mais forte. É uma fortaleza, Uma delicadeza Que a natureza Fez para encantar. Mesmo entre ruas novas, Não é diferente Sua real beleza. Esse lugar me deixa Bem mais forte. É uma fortaleza, Uma delicadeza Que a natureza Fez para encantar.

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Testemunha A morte batia na porta Enquanto a criança Aqui chora E pede: - Mamãe deixe entrar. Não sabia mais o seu nome. Mas disse: - Meu filho é a fome. Espere, seu pai vai chegar. Um bêbado cai na rua. Sua testemunha, a lua. A morte entrava em seu lar.

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Café O preto Mede o talento De quem o pôs para ferver E o coou. Pensamento Que ia me dá prazer. Café De corpo encorpado, Seu grão já escravizou, Deu tempo ao tempo Queimado, Agora simbolizado Em seu típico sabor.

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Espanto Quantas pessoas se cansam De caminhar Sem nem sair do lugar Em que se encontram? Sem passos, Não há como localizar, Não há pegadas Para seguir. E elas perdem-se em si, De espanto.

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Voltar para mim Eu sou aquele que corre Para me encontrar. E sou capaz de chorar Quando me vejo. Até consigo ouvir O meu falar: - Que bom vê-lo Voltar para mim!

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Anatomia Todas as bocas se fizeram para [sorrir, Tal como os olhos, Com certeza, Para chorar. Enquanto as faces Se adaptam para mentir, O coração Se fortifica para amar. O nosso cérebro Nunca pára pra pensar, Nem irá tentar, Se a razão não permitir.

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Palavras vazias Alguém me disse Que eu dividisse Meus bens E que também Jejuar-se em oração. Não disse então, Que tudo seria em vão. Que meu irmão Estaria sem ninguém E que minha única ação Seria apenas, Amém.

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Daltônico Confundo sempre as cores. As minhas dores, Também. Mas não confundo os amores, Pelos sabores Que têm. As flores Exalam odores Que só os meus olhos vêem. Assim são meus dissabores. Sinto neles, os odores Da solidão, De ninguém.

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Magríssima Ante meus olhos É sombra desvalida. Magríssima Pela fome, e em silêncio. O choro fora engolido pelo [tempo Tal germe infecto Putrefaz a ferida. O seu aspecto De caveira carcomida, Com sua pele, Uma manta sobre ossos, Causa remorsos A quem maldiz a vida. Não tenho lágrimas, E nego à razão, A oração que não serve de [comida. Mais serventia

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Que a lerda devoção Seria o pão Em sua mão, Matéria apetecida.

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Eu mesmo É quando parto Que chego. Meu desespero É comum. Não passo de só mais um, Que está morrendo de medo. Meu livro aberto em segredo, Minha existência, Eu mesmo, Minha visão de demência, Minha ilusão de inocência, Minha clemência incomum. Se existo, Sou por não sê-lo, Eu mesmo, Sendo mais um.

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Sarcástico Tive um sonho esquisito, No qual saía em gritos: -Para que polícia, Se nós somos os bandidos? Minha pergunta Perdia-se no infinito. Entre cassetetes E gás lacrimogêneo, Fomos reprimidos. Fui acordado por um amigo Que me explica: - Foste atingido Por uma bala de plástico. Sarcástico, Estávamos reivindicando Paz.

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Vale a pena amar? Todos os homens que dizem Ser suas queixas Asseverações, Não vêem Que suas paixões, A eles, Não sobrevivem. Contudo, cabe ao homem Enganar-se E enganar Enquanto não ficam loucos E questionam aos poucos, Se vale a pena Amar.

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De pé no chão Ontem fui a um lugar Que não sei se existe (Acho que deveria existir). Um ambiente grã-fino, Onde em meio ao luxo, Havia um vago cantinho Com areia, a decorar. Sento, tiro os sapatos, Ponho os meus pés calejados No chão. Então, Começo a rezar. O lugar já não importa. Acordo sentado à porta, De pé no chão, A chorar.

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Ante a fome Como é cruel A natureza da fome. Não há mesmo, um só nome Para defini-la bem. Não há céu E nem também, Alma para se salvar. O corpo teima em ficar Enquanto se diz amém. E o único anjo que vem, Já não sabe mais rezar. Dói até mesmo, chorar. Implorar, Não há a quem. Nesse mundo de ninguém, Não há como perdoar.

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Queixas momentâneas Dentre meus lábios Resumidos no silêncio, Faço minhas queixas [momentâneas. Ninguém escuta, Talvez, por não serem longas. Certo de que não há tempo De odiar, Tento enganar Com falsos ressentimentos. Não guardo mágoas Por ser breve minha raiva. Não tenho culpa Por não conseguir fingir. Só não posso permitir Que alguém peça desculpa Antes mesmo de ferir.

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De nós dois Nesse universo de nós dois, Não há deuses Nem inferno. Nesse reinado, Não há um rei venerado Por seus servos. O nosso amor, Em sua efêmera ilusão, Parece eterno. O que é seu, É meu depois. O que é nosso, É simplesmente, De nós dois.

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Pedindo perdão Você que me fecha Com a chave que abre O meu cadeado Que vive quebrado Na minha cabeça, Não deixe também, Que isso aconteça Com meu coração. Não me enlouqueça Dizendo que não. Você que me deixa Fazendo ilusão Com o mundo lá fora, Se já foi embora, Sou só solidão. Se ainda não, Não sou nessa hora, O triste que chora Pedindo perdão.

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Literatos Aos que balançam a cabeça, Eu replico Que no começo, Somos todos criticados. Nossos escritos, Se um dia, premiados, Não nos darão a certeza De que foram merecidos. Eis que a nós, Os literatos, Não importa o estrelato. Mas que ao mundo, Nós, de fato, Não sejamos esquecidos.