obrigado por fumar

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Análise do filme Obrigado por Fumar A gama de informações extraídas do filme é relativamente grande, porém, o presente trabalho visa analisá-las e classificá-las tomando como base os conceitos de persuasão, mitologia, coreografia, estética, coreografia, criptografia, sinalização, gestos e mímicas, conceitos educacionais, psicologia da informação, padrões sociais, cultura local/nacional e globalização. Sendo a persuasão um dos elementos mais abundantes no filme. Pode-se afirmar que toda a trama se desenvolve sobre o processo persuasivo. Desde o início, na abertura, há uma música que fala sobre o ato de fumar, imagens de diversas marcas de cigarro, nas quais, de forma criativa, são inseridos os nomes dos atores e do elenco geral do filme. Mitologicamente falando o cigarro é algo mitificado pelo ser humano. Na verdade o ato de fumar, seja tabaco ou qualquer outro tipo de erva que se possa transformar em cigarro, é uma herança antiga. Não só no Brasil, mas como em vários lugares, esse costume originou-se entre os índios. Para eles, o ato de fumar era mais do que simplesmente um hábito, pois estava envolto em rituais ligados a manifestações da natureza e por isso, não era visto como algo alheio ao ser humano. Porém, no filme, o centro das atenções é somente o cigarro. O tabaco assim como a bebida, são alianças que marcam a história, onde foram fontes inspiradoras e escores aos mitos sociais, como por exemplo: o nascimento de um filho, que deve ser comemorado com charutos cubanos. Nas grandes vitórias alcançadas, comemora-se com festas e bebidas alcoólicas. Como “status social” casais apaixonados se flertam em ambientes de consumo de álcool e tabaco. Para outros,

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Análise do filme Obrigado por Fumar

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Page 1: Obrigado Por Fumar

Análise do filme Obrigado por Fumar

A gama de informações extraídas do filme é relativamente grande, porém, o

presente trabalho visa analisá-las e classificá-las tomando como base os conceitos de

persuasão, mitologia, coreografia, estética, coreografia, criptografia, sinalização,

gestos e mímicas, conceitos educacionais, psicologia da informação, padrões sociais,

cultura local/nacional e globalização.

Sendo a persuasão um dos elementos mais abundantes no filme. Pode-se

afirmar que toda a trama se desenvolve sobre o processo persuasivo. Desde o início,

na abertura, há uma música que fala sobre o ato de fumar, imagens de diversas

marcas de cigarro, nas quais, de forma criativa, são inseridos os nomes dos atores e

do elenco geral do filme. Mitologicamente falando o cigarro é algo mitificado pelo ser

humano. Na verdade o ato de fumar, seja tabaco ou qualquer outro tipo de erva que se

possa transformar em cigarro, é uma herança antiga. Não só no Brasil, mas como em

vários lugares, esse costume originou-se entre os índios. Para eles, o ato de fumar era

mais do que simplesmente um hábito, pois estava envolto em rituais ligados a

manifestações da natureza e por isso, não era visto como algo alheio ao ser humano.

Porém, no filme, o centro das atenções é somente o cigarro. O tabaco assim como a

bebida, são alianças que marcam a história, onde foram fontes inspiradoras e escores

aos mitos sociais, como por exemplo: o nascimento de um filho, que deve ser

comemorado com charutos cubanos. Nas grandes vitórias alcançadas, comemora-se

com festas e bebidas alcoólicas. Como “status social” casais apaixonados se flertam

em ambientes de consumo de álcool e tabaco. Para outros, momentos de fugas às

perdas e frustrações. Podemos dizer que Hollywood construiu e vem alimentando há

muitos anos o arquétipo “do belo e atraente” aos personagens que dividem suas

vitórias ou derrotas ao tabaco e álcool. Personagens importantíssimos para a história

do cinema foram os maiores globalizadores de idéias e formadores de opiniões.

Marilyn Monroe, por exemplo, foi uma das primeiras mulheres a fumar no cinema,

após ela, hoje é comum o uso de tabaco e bebidas dividindo espaço com o sexo nas

telas de cinema e TV; embora no filme em momento algum se nota o consumo de

tabaco de forma explicita, há um forte senso estético por trás da mensagem cognitiva,

ou seja, não é necessariamente obrigatória a presença de tal, mas a idéia proposta é

que persuade o indivíduo ao consumo - tudo gira em torno da polêmica sobre seus

malefícios ou benefícios. A construção foi realizada sobre a dicotomia entre fumar e

não fumar bem como conceitos sobre liberdade de escolha. Nick Naylor, o

personagem protagonista do filme, aparece utilizando metalinguagem para explicar,

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pouco a pouco, detalhes e situações inusitadas de seu personagem. Logo no início do

filme Naylor aparece em um programa de auditório, que como na maioria dos

programas do gênero, possui um público e situações previamente programadas,

coreografados para agir de acordo com o comando do apresentador. Podemos ver

gestos e mímicas faciais no rosto de alguns dos participantes e da platéia, que se

manifestam até com caretas, em claro sinal de desaprovação. Ele sabe que não é bem

quisto por aqueles que ali estão, pois representa uma indústria que cresce com a

desgraça alheia – conceito que será enfatizado pelo adolescente com câncer sentado

ao lado de Naylor. Outra forma mais crítica da persuasão associada à estética é

quando o Senador repreende seu assessor pela derrota no programa de TV e o

questiona sobre a aparência física do jovem com câncer, em outras palavras,

argumenta que o jovem esteticamente não causava má impressão com a enfermidade.

Seria mais persuasivo se o jovem fosse apresentado de forma terminal, em uma

cadeira de rodas. Neste caso, verifica-se que o impacto visual trabalharia melhor

atuando na “psique” das pessoas e telespectadores. Nota-se que a importância da

psicologia na informação é trabalhar de forma persuasiva, levando os indivíduos a

associarem o “não belo do cigarro” como o “não belo do indivíduo com câncer”, e com

isso, a opinião pública seria trabalhada ou manipulada de acordo com os interesses da

persuasão política de cada lado. Ainda na cena do debate, o processo de persuasão e

principalmente dissuasão é colocado em prática por Naylor, que tenta descaracterizar

a imagem negativa trazida pelo adolescente, explicado que sua morte, por câncer,

seria um prejuízo à rede do tabaco, pois perderiam um cliente. Esse jovem é a

representação estética do malefício do cigarro. Ainda nesta cena o personagem Nick

Naylor sofre represália dos espectadores porque ele é a personalização do mal. Os

sofismas que Naylor usou lhe renderam uma vitória no debate em questão, pois

inverte a posição de algoz que lhe alcunhavam. Apesar do poder persuasivo de

Naylor, outras pessoas fazem parte do time de apóio da indústria do tabaco, como

advogados, que aparecem como agentes defensores do processo comercial que visa

instituir ao cigarro uma imagem menos nociva do que o real. Eles são muito bem

pagos e demonstram satisfação pelos cargos que ocupam - seus sorrisos,

comportamentos e trejeitos confirmam isso através de uma coreografia ensaiada e

tipicamente capitalista, onde poder, prestígio e dinheiro são evidenciados. O senso

estético de forma visual é percebido em todo roteiro do filme, especialmente na

indumentária dos personagens que compõem a parte executiva, onde trajados

socialmente apresentam um conjunto que forma o “belo” pela concepção grega da

estética. O chefe imediato de Naylor também merece destaque, pois sua história como

combatente vietnamita o torna um exemplo de agressividade, frieza e insensibilidade,

imprescindível para uma indústria que vende produtos maléficos à saúde, porém,

Page 3: Obrigado Por Fumar

estas mesmas características o tornam um modelo idolatrado pelos cidadãos

americanos, pois como ex-combatente, tem seu respeito – mitologização do ser.

Entender as atitudes e personalidades como as descritas, não é fácil sem que

haja uma base sólida de conhecimentos sobre sua cultura. As cenas citada

anteriormente bem como as posteriores, trazem muitos aspectos de cultura local. A

leitura e interpretação desse conteúdo devem seguir critérios especificamente locais,

aplicados ao meio, pois caso contrário corre-se o risco da imprecisão. Por isso a

diversidade de conhecimento permite um olhar mais apurado e menos críticos sobre

conceitos que não nos são familiares: a globalização das informações - que é um

benefício enquanto possibilita acesso a culturas e educação, porém, é um malefício

quando mal empregada, ou quando não se sabe o que fazer com ela. A reflexão

pessoal também é importante nesse processo, pois a experiência de vida cria o

registro, mas seu processamento e ajuste se dão pela reflexão.

Na cena em que Naylor participa de uma apresentação na escola de seu filho

(escola “Sr. Euthanasius” - referência à prática da eutanásia) sobre atividade exercida

pelos pais, ele procura dissuadir as crianças sobre o pressuposto de que o cigarro é

um malefício, porém, a cada um cabe a liberdade de evitá-lo ou não. Uma das

crianças, por exemplo, comentou que sua mãe a instruíra sobre o mal do cigarro,

porém, Naylor contra-argumenta dizendo que a mãe da menina não teria

conhecimento suficiente para opinar sobre isso, visto que não era especialista no

assunto. Durante a cena que se segue, Naylor busca incutir nas crianças a idéia de

liberdade de escolha, conceito este que é um dos principais elementos do filme. Em

cena posterior as crianças da escola serão mostradas novamente, porém, fazendo

discursos sobre a liberdade e escolhas; o filho de Naylor será um dos principais

oradores sobre o debate - ao poucos ele se torna como o pai. O conceito educacional

gerado pelas palavras de Naylor torna clara a facilidade em manipular as crianças e os

jovens estudantes, que, oprimidos por um sistema rigoroso e conservador, encontram

uma fuga do sistema através de manifestações de liberdade e rebeldia pelo

conservadorismo latente. A frase “O exemplo é sempre mais eficaz do que o preceito”

(Samuel Jhonson), prova que Naylor, mesmo exercendo uma profissão ingrata, fez de

seu exemplo algo bom.

Naylor se reúne constantemente com outros dois colegas que como ele,

vendem produtos que são alvos constantes de críticas na sociedade: bebidas e armas

de fogo. Na apresentação do esquadrão MEMO – mercadores da morte é apresentado

inicialmente o símbolo do Conselho de Moderação do Álcool, com uma águia, símbolo

americano, alimentando seus filhote com bebidas alcoólicas; situação semelhante ao

Page 4: Obrigado Por Fumar

apresentar o símbolo da SAFETY – Sociedade de Armas e Lições vitais para

Adolescentes, uma águia com o rifle embaixo da asa. A aparição destes personagens

complementa uma rede de idéias de associação do cigarro com diversos males -

mensagem psicologicamente criptografada. As condições particulares sobre cada

uma dos efeitos dos produtos são comentadas pelos personagens, que como Naylor,

tem o papel de representar as indústrias daqueles produtos. Merece destaque nesta

cena um quadro que aparece atrás de um dos personagens, o qual diz “take a pride in

América” (orgulhe-se da América), em clara ironia ao país que incita o orgulho dos

cidadãos e ao mesmo tempo permite a venda de tais produtos, que em suma,

destroem vidas e famílias – é uma crítica disfarçada. Esse conceito de orgulho

aparecerá novamente na cena em que Naylor está sentado no sofá assistindo

televisão. Neste momento aparece uma cena de um soldado americano

aparentemente feliz, juntamente com os demais amigos, aos quais oferece cigarros.

Neste instante o soldado leva um tiro – alusão e analogia clara de que de qualquer

maneira o soldado morreria, seja pelo projétil ou pelo uso do cigarro. Ou seja, mesmo

um combatente - uma pessoa forte e destemida - não conseguiu ganhar a guerra

contra o cigarro. Essa alusão ao forte apelo que o cinema tem será visto novamente

na cena em que Naylor argumenta com seu chefe a possibilidade de introduzir no

roteiro de filmes, atores fumando nas mais diversas ocasiões, citando que nos anos 20

e 30 isso era algo corriqueiro, quando o fumo era associado ao luxo e à riqueza,

moldando um padrão social que perdurou por décadas. Sabe-se que havia cigarros

que prometiam até branquear os dentes!

No campo econômico o governo lucra muito com o produto, porém, seus

gastos com saúde pública seguem a mesma proporção. Quando na cena em que o

escritório do senador é mostrado, vemos claramente que o autor tentou mostrar um

lado tipicamente regionalista do personagem que é de Vermount, cidade conhecida

pela qualidade do queijo cheddar que produz. Na verdade o autor mostra essas

peculiaridades de cultura local que serão usadas por Naylor em sua visita ao

congresso, para explicar detalhes sobre sua função na defesa das indústrias do

tabagismo. Naylor argumenta que os índices de colesterol e problemas de obesidade

são causas que matam tanto quanto o tabagismo. Para isso ele utiliza do argumento

de que a cidade de Vermont produz o queijo que juntamente com maus hábitos

alimentares, contribui para a mortalidade no país. O apelo psicológico é uma

referência às comidas – fast-foods – que juntamente com o cigarro, assolam a saúde

pública americana.

As confissões de Naylor à repórter Heather Holloway, durante ou depois do

sexo, foram publicadas na íntegra sem o seu conhecimento. A persuasão, estética,

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mímica, criptografia e psicologia da informação se mostram presente nesta única

cena. Naylor foi persuadido por um jogo de sedução da repórter – gestos mímicos e

coreografados - que assim como ele, tem muita flexibilidade moral - e um belo par de

seios - e utiliza de todas as armas para conseguir um furo de reportagem. A

flexibilidade moral de Naylor, por exemplo, é explicitada quando em resposta a uma

indagação da repórter sobre os motivos que o levam a fazer o que faz, ele responde

que “todos precisamos pagar a hipoteca”, frase essa que é uma alusão ao Julgamento

de Nuremberg. Outra cena de mensagem criptografada é aquela na academia de

estudos do Tabaco, onde o cientista Erhard Von Grupten Mundth, “encontrado em

algum lugar da Alemanha”, faz experiências com ratos e os coloca dentro de uma

gaiola e depois a enche com fumaça, em alusão as câmaras de gás nazistas na 2º

Guerra Mundial.

Naylor explicará ao filho, na cena que ambos estão passeando em Los

Angeles, que seu emprego requer uma pessoa com moral flexível, e por isso ele é

bom no que faz, argumenta. Quando Naylor conversa com Jeff, que é produtor e

empresário de alguns atores de Holywood, nota-se que ambos tem inclinações morais

semelhantes. A estética apresentada de forma globalizada é percebida nas

instalações de Jeff, onde a decoração do prédio é ornamentada com formas, produtos

e serviços de diversos países e costumes. Além da forma capitalista do personagem

mostrar que está globalizado nos negócios, vestido e agindo conforme costumes

orientais. Nestas situações onde se apresentam esses contextos de moralidade, o

autor do filme busca mostrar que por trás da indústria do tabaco ou das indústrias de

produtos afins, há pessoas que não se deixam influenciar por problemas pessoais ou

conseqüências sobre uso desses produtos. Acrescente-se a esse conjunto os dois

outros personagens que juntamente com Naylor, compõe o esquadrão MEMO –

mercadores da morte. Merece destaque na cena citada o funcionário de Jeff, Neil, que

após anunciar a chegada de Naylor para a reunião, dirige-se ao filho de Naylor e lhe

questiona sobre o que ele gostaria de tomar. O movimento dele ao se curvar ante ao

menino para oferecer-lhe algo, até que seus olhos ficassem na mesma altura dos dele,

foi um ato bem articulado e mostra traquejo social e coreografia aplicada. Apesar da

recusa do menino, o funcionário de Jeff finaliza a conversa usando um cumprimento

jovial – um movimento mímico. Nesta mesma cena o funcionário de Jeff, enquanto

acompanhava Naylor, encontra um colega de trabalho e diz: - “Neil, vou cravar em sua

mãe uma estaca e dar ela para meu cachorro com sífilis comer”, ambos riem e Neil diz

ser uma piada interna – criptografia.

O apelo emocional não parece intimidar Naylor. Ao se encontrar com o cowboy,

que fora personagem principal da propaganda do cigarro Marlboro, ele argumentou e

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sem nenhum escrúpulo apresentou a ele uma mala cheia de dinheiro que servirá para

manipulá-lo ou chantagea-lo, visto que ele ingressou com processo judicial contra a

indústria do tabaco e constantemente os ataca através da mídia. Nesta cena Naylor

instrui o cowboy a denunciar a indústria do tabaco e apresentar à mídia a mala de

dinheiro, porém, diz que o dinheiro deveria ser doado após essa situação. O cowboy o

questiona se poderia ficar com parte do dinheiro, sem saber que já está enredado na

artimanha marketeira; assim decide ficar com o dinheiro e silenciar-se. É importante

enfatizar o papel do cowboy na cena, pois os EUA têm consigo a imagem destes

homens como desbravadores do país - pessoas especiais. Por isso sua imagem em

publicidades e filmes de velho oeste é parte da boa índole americana. Outro fato a se

destacar diz respeito à posse de armas, que na cena onde Naylor sai do hospital e se

encontra posteriormente com seus colegas do MEMO, ele diz que pela primeira vez

acredita que cigarros podem ser perigosos, então o representante da indústria de

armas lhe oferece um revolver e Joey, filho de Naylor, ao ver a cena diz: “legal”. Essa

situação identifica um fator muito forte na cultura americana que é ter uma arma de

fogo, além de fazer dos conceitos educacionais.

O humor negro de Naylor demonstrado na conversa com os colegas do MEMO

sobre os números de mortes pelo tabagismo em relação à bebida e armas de fogo; as

cenas dos vários tipos de profissões insalubres e atividades de risco, e por fim a cena

de Naylor ensinando lições de argumentação e retórica a executivos, são formas de

criticar a insensibilidade dos governos com relação à saúde pública versus economia;

manipulação conceitual e comportamental, induzidas desde o início do cinema e

permanecendo até os dias atuais pelas mais diversas mídias. Ao mesmo tempo em

que expões os malefícios do tabagismo o filme advoga contra a opressão e

preconceito, deixando cada um livre para decidir sozinho a que rumo seguir. Os

conceitos descritos no início deste trabalho são os alicerces pelo qual a análise se

fundamentou. Sendo abordados de forma específica em algumas cenas e de maneira

geral no contexto do filme, sendo o produto aqui apresentado, uma pequena extração

dentro da miríade de significados possíveis.