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Análise do filme Obrigado por Fumar
A gama de informações extraídas do filme é relativamente grande, porém, o
presente trabalho visa analisá-las e classificá-las tomando como base os conceitos de
persuasão, mitologia, coreografia, estética, coreografia, criptografia, sinalização,
gestos e mímicas, conceitos educacionais, psicologia da informação, padrões sociais,
cultura local/nacional e globalização.
Sendo a persuasão um dos elementos mais abundantes no filme. Pode-se
afirmar que toda a trama se desenvolve sobre o processo persuasivo. Desde o início,
na abertura, há uma música que fala sobre o ato de fumar, imagens de diversas
marcas de cigarro, nas quais, de forma criativa, são inseridos os nomes dos atores e
do elenco geral do filme. Mitologicamente falando o cigarro é algo mitificado pelo ser
humano. Na verdade o ato de fumar, seja tabaco ou qualquer outro tipo de erva que se
possa transformar em cigarro, é uma herança antiga. Não só no Brasil, mas como em
vários lugares, esse costume originou-se entre os índios. Para eles, o ato de fumar era
mais do que simplesmente um hábito, pois estava envolto em rituais ligados a
manifestações da natureza e por isso, não era visto como algo alheio ao ser humano.
Porém, no filme, o centro das atenções é somente o cigarro. O tabaco assim como a
bebida, são alianças que marcam a história, onde foram fontes inspiradoras e escores
aos mitos sociais, como por exemplo: o nascimento de um filho, que deve ser
comemorado com charutos cubanos. Nas grandes vitórias alcançadas, comemora-se
com festas e bebidas alcoólicas. Como “status social” casais apaixonados se flertam
em ambientes de consumo de álcool e tabaco. Para outros, momentos de fugas às
perdas e frustrações. Podemos dizer que Hollywood construiu e vem alimentando há
muitos anos o arquétipo “do belo e atraente” aos personagens que dividem suas
vitórias ou derrotas ao tabaco e álcool. Personagens importantíssimos para a história
do cinema foram os maiores globalizadores de idéias e formadores de opiniões.
Marilyn Monroe, por exemplo, foi uma das primeiras mulheres a fumar no cinema,
após ela, hoje é comum o uso de tabaco e bebidas dividindo espaço com o sexo nas
telas de cinema e TV; embora no filme em momento algum se nota o consumo de
tabaco de forma explicita, há um forte senso estético por trás da mensagem cognitiva,
ou seja, não é necessariamente obrigatória a presença de tal, mas a idéia proposta é
que persuade o indivíduo ao consumo - tudo gira em torno da polêmica sobre seus
malefícios ou benefícios. A construção foi realizada sobre a dicotomia entre fumar e
não fumar bem como conceitos sobre liberdade de escolha. Nick Naylor, o
personagem protagonista do filme, aparece utilizando metalinguagem para explicar,
pouco a pouco, detalhes e situações inusitadas de seu personagem. Logo no início do
filme Naylor aparece em um programa de auditório, que como na maioria dos
programas do gênero, possui um público e situações previamente programadas,
coreografados para agir de acordo com o comando do apresentador. Podemos ver
gestos e mímicas faciais no rosto de alguns dos participantes e da platéia, que se
manifestam até com caretas, em claro sinal de desaprovação. Ele sabe que não é bem
quisto por aqueles que ali estão, pois representa uma indústria que cresce com a
desgraça alheia – conceito que será enfatizado pelo adolescente com câncer sentado
ao lado de Naylor. Outra forma mais crítica da persuasão associada à estética é
quando o Senador repreende seu assessor pela derrota no programa de TV e o
questiona sobre a aparência física do jovem com câncer, em outras palavras,
argumenta que o jovem esteticamente não causava má impressão com a enfermidade.
Seria mais persuasivo se o jovem fosse apresentado de forma terminal, em uma
cadeira de rodas. Neste caso, verifica-se que o impacto visual trabalharia melhor
atuando na “psique” das pessoas e telespectadores. Nota-se que a importância da
psicologia na informação é trabalhar de forma persuasiva, levando os indivíduos a
associarem o “não belo do cigarro” como o “não belo do indivíduo com câncer”, e com
isso, a opinião pública seria trabalhada ou manipulada de acordo com os interesses da
persuasão política de cada lado. Ainda na cena do debate, o processo de persuasão e
principalmente dissuasão é colocado em prática por Naylor, que tenta descaracterizar
a imagem negativa trazida pelo adolescente, explicado que sua morte, por câncer,
seria um prejuízo à rede do tabaco, pois perderiam um cliente. Esse jovem é a
representação estética do malefício do cigarro. Ainda nesta cena o personagem Nick
Naylor sofre represália dos espectadores porque ele é a personalização do mal. Os
sofismas que Naylor usou lhe renderam uma vitória no debate em questão, pois
inverte a posição de algoz que lhe alcunhavam. Apesar do poder persuasivo de
Naylor, outras pessoas fazem parte do time de apóio da indústria do tabaco, como
advogados, que aparecem como agentes defensores do processo comercial que visa
instituir ao cigarro uma imagem menos nociva do que o real. Eles são muito bem
pagos e demonstram satisfação pelos cargos que ocupam - seus sorrisos,
comportamentos e trejeitos confirmam isso através de uma coreografia ensaiada e
tipicamente capitalista, onde poder, prestígio e dinheiro são evidenciados. O senso
estético de forma visual é percebido em todo roteiro do filme, especialmente na
indumentária dos personagens que compõem a parte executiva, onde trajados
socialmente apresentam um conjunto que forma o “belo” pela concepção grega da
estética. O chefe imediato de Naylor também merece destaque, pois sua história como
combatente vietnamita o torna um exemplo de agressividade, frieza e insensibilidade,
imprescindível para uma indústria que vende produtos maléficos à saúde, porém,
estas mesmas características o tornam um modelo idolatrado pelos cidadãos
americanos, pois como ex-combatente, tem seu respeito – mitologização do ser.
Entender as atitudes e personalidades como as descritas, não é fácil sem que
haja uma base sólida de conhecimentos sobre sua cultura. As cenas citada
anteriormente bem como as posteriores, trazem muitos aspectos de cultura local. A
leitura e interpretação desse conteúdo devem seguir critérios especificamente locais,
aplicados ao meio, pois caso contrário corre-se o risco da imprecisão. Por isso a
diversidade de conhecimento permite um olhar mais apurado e menos críticos sobre
conceitos que não nos são familiares: a globalização das informações - que é um
benefício enquanto possibilita acesso a culturas e educação, porém, é um malefício
quando mal empregada, ou quando não se sabe o que fazer com ela. A reflexão
pessoal também é importante nesse processo, pois a experiência de vida cria o
registro, mas seu processamento e ajuste se dão pela reflexão.
Na cena em que Naylor participa de uma apresentação na escola de seu filho
(escola “Sr. Euthanasius” - referência à prática da eutanásia) sobre atividade exercida
pelos pais, ele procura dissuadir as crianças sobre o pressuposto de que o cigarro é
um malefício, porém, a cada um cabe a liberdade de evitá-lo ou não. Uma das
crianças, por exemplo, comentou que sua mãe a instruíra sobre o mal do cigarro,
porém, Naylor contra-argumenta dizendo que a mãe da menina não teria
conhecimento suficiente para opinar sobre isso, visto que não era especialista no
assunto. Durante a cena que se segue, Naylor busca incutir nas crianças a idéia de
liberdade de escolha, conceito este que é um dos principais elementos do filme. Em
cena posterior as crianças da escola serão mostradas novamente, porém, fazendo
discursos sobre a liberdade e escolhas; o filho de Naylor será um dos principais
oradores sobre o debate - ao poucos ele se torna como o pai. O conceito educacional
gerado pelas palavras de Naylor torna clara a facilidade em manipular as crianças e os
jovens estudantes, que, oprimidos por um sistema rigoroso e conservador, encontram
uma fuga do sistema através de manifestações de liberdade e rebeldia pelo
conservadorismo latente. A frase “O exemplo é sempre mais eficaz do que o preceito”
(Samuel Jhonson), prova que Naylor, mesmo exercendo uma profissão ingrata, fez de
seu exemplo algo bom.
Naylor se reúne constantemente com outros dois colegas que como ele,
vendem produtos que são alvos constantes de críticas na sociedade: bebidas e armas
de fogo. Na apresentação do esquadrão MEMO – mercadores da morte é apresentado
inicialmente o símbolo do Conselho de Moderação do Álcool, com uma águia, símbolo
americano, alimentando seus filhote com bebidas alcoólicas; situação semelhante ao
apresentar o símbolo da SAFETY – Sociedade de Armas e Lições vitais para
Adolescentes, uma águia com o rifle embaixo da asa. A aparição destes personagens
complementa uma rede de idéias de associação do cigarro com diversos males -
mensagem psicologicamente criptografada. As condições particulares sobre cada
uma dos efeitos dos produtos são comentadas pelos personagens, que como Naylor,
tem o papel de representar as indústrias daqueles produtos. Merece destaque nesta
cena um quadro que aparece atrás de um dos personagens, o qual diz “take a pride in
América” (orgulhe-se da América), em clara ironia ao país que incita o orgulho dos
cidadãos e ao mesmo tempo permite a venda de tais produtos, que em suma,
destroem vidas e famílias – é uma crítica disfarçada. Esse conceito de orgulho
aparecerá novamente na cena em que Naylor está sentado no sofá assistindo
televisão. Neste momento aparece uma cena de um soldado americano
aparentemente feliz, juntamente com os demais amigos, aos quais oferece cigarros.
Neste instante o soldado leva um tiro – alusão e analogia clara de que de qualquer
maneira o soldado morreria, seja pelo projétil ou pelo uso do cigarro. Ou seja, mesmo
um combatente - uma pessoa forte e destemida - não conseguiu ganhar a guerra
contra o cigarro. Essa alusão ao forte apelo que o cinema tem será visto novamente
na cena em que Naylor argumenta com seu chefe a possibilidade de introduzir no
roteiro de filmes, atores fumando nas mais diversas ocasiões, citando que nos anos 20
e 30 isso era algo corriqueiro, quando o fumo era associado ao luxo e à riqueza,
moldando um padrão social que perdurou por décadas. Sabe-se que havia cigarros
que prometiam até branquear os dentes!
No campo econômico o governo lucra muito com o produto, porém, seus
gastos com saúde pública seguem a mesma proporção. Quando na cena em que o
escritório do senador é mostrado, vemos claramente que o autor tentou mostrar um
lado tipicamente regionalista do personagem que é de Vermount, cidade conhecida
pela qualidade do queijo cheddar que produz. Na verdade o autor mostra essas
peculiaridades de cultura local que serão usadas por Naylor em sua visita ao
congresso, para explicar detalhes sobre sua função na defesa das indústrias do
tabagismo. Naylor argumenta que os índices de colesterol e problemas de obesidade
são causas que matam tanto quanto o tabagismo. Para isso ele utiliza do argumento
de que a cidade de Vermont produz o queijo que juntamente com maus hábitos
alimentares, contribui para a mortalidade no país. O apelo psicológico é uma
referência às comidas – fast-foods – que juntamente com o cigarro, assolam a saúde
pública americana.
As confissões de Naylor à repórter Heather Holloway, durante ou depois do
sexo, foram publicadas na íntegra sem o seu conhecimento. A persuasão, estética,
mímica, criptografia e psicologia da informação se mostram presente nesta única
cena. Naylor foi persuadido por um jogo de sedução da repórter – gestos mímicos e
coreografados - que assim como ele, tem muita flexibilidade moral - e um belo par de
seios - e utiliza de todas as armas para conseguir um furo de reportagem. A
flexibilidade moral de Naylor, por exemplo, é explicitada quando em resposta a uma
indagação da repórter sobre os motivos que o levam a fazer o que faz, ele responde
que “todos precisamos pagar a hipoteca”, frase essa que é uma alusão ao Julgamento
de Nuremberg. Outra cena de mensagem criptografada é aquela na academia de
estudos do Tabaco, onde o cientista Erhard Von Grupten Mundth, “encontrado em
algum lugar da Alemanha”, faz experiências com ratos e os coloca dentro de uma
gaiola e depois a enche com fumaça, em alusão as câmaras de gás nazistas na 2º
Guerra Mundial.
Naylor explicará ao filho, na cena que ambos estão passeando em Los
Angeles, que seu emprego requer uma pessoa com moral flexível, e por isso ele é
bom no que faz, argumenta. Quando Naylor conversa com Jeff, que é produtor e
empresário de alguns atores de Holywood, nota-se que ambos tem inclinações morais
semelhantes. A estética apresentada de forma globalizada é percebida nas
instalações de Jeff, onde a decoração do prédio é ornamentada com formas, produtos
e serviços de diversos países e costumes. Além da forma capitalista do personagem
mostrar que está globalizado nos negócios, vestido e agindo conforme costumes
orientais. Nestas situações onde se apresentam esses contextos de moralidade, o
autor do filme busca mostrar que por trás da indústria do tabaco ou das indústrias de
produtos afins, há pessoas que não se deixam influenciar por problemas pessoais ou
conseqüências sobre uso desses produtos. Acrescente-se a esse conjunto os dois
outros personagens que juntamente com Naylor, compõe o esquadrão MEMO –
mercadores da morte. Merece destaque na cena citada o funcionário de Jeff, Neil, que
após anunciar a chegada de Naylor para a reunião, dirige-se ao filho de Naylor e lhe
questiona sobre o que ele gostaria de tomar. O movimento dele ao se curvar ante ao
menino para oferecer-lhe algo, até que seus olhos ficassem na mesma altura dos dele,
foi um ato bem articulado e mostra traquejo social e coreografia aplicada. Apesar da
recusa do menino, o funcionário de Jeff finaliza a conversa usando um cumprimento
jovial – um movimento mímico. Nesta mesma cena o funcionário de Jeff, enquanto
acompanhava Naylor, encontra um colega de trabalho e diz: - “Neil, vou cravar em sua
mãe uma estaca e dar ela para meu cachorro com sífilis comer”, ambos riem e Neil diz
ser uma piada interna – criptografia.
O apelo emocional não parece intimidar Naylor. Ao se encontrar com o cowboy,
que fora personagem principal da propaganda do cigarro Marlboro, ele argumentou e
sem nenhum escrúpulo apresentou a ele uma mala cheia de dinheiro que servirá para
manipulá-lo ou chantagea-lo, visto que ele ingressou com processo judicial contra a
indústria do tabaco e constantemente os ataca através da mídia. Nesta cena Naylor
instrui o cowboy a denunciar a indústria do tabaco e apresentar à mídia a mala de
dinheiro, porém, diz que o dinheiro deveria ser doado após essa situação. O cowboy o
questiona se poderia ficar com parte do dinheiro, sem saber que já está enredado na
artimanha marketeira; assim decide ficar com o dinheiro e silenciar-se. É importante
enfatizar o papel do cowboy na cena, pois os EUA têm consigo a imagem destes
homens como desbravadores do país - pessoas especiais. Por isso sua imagem em
publicidades e filmes de velho oeste é parte da boa índole americana. Outro fato a se
destacar diz respeito à posse de armas, que na cena onde Naylor sai do hospital e se
encontra posteriormente com seus colegas do MEMO, ele diz que pela primeira vez
acredita que cigarros podem ser perigosos, então o representante da indústria de
armas lhe oferece um revolver e Joey, filho de Naylor, ao ver a cena diz: “legal”. Essa
situação identifica um fator muito forte na cultura americana que é ter uma arma de
fogo, além de fazer dos conceitos educacionais.
O humor negro de Naylor demonstrado na conversa com os colegas do MEMO
sobre os números de mortes pelo tabagismo em relação à bebida e armas de fogo; as
cenas dos vários tipos de profissões insalubres e atividades de risco, e por fim a cena
de Naylor ensinando lições de argumentação e retórica a executivos, são formas de
criticar a insensibilidade dos governos com relação à saúde pública versus economia;
manipulação conceitual e comportamental, induzidas desde o início do cinema e
permanecendo até os dias atuais pelas mais diversas mídias. Ao mesmo tempo em
que expões os malefícios do tabagismo o filme advoga contra a opressão e
preconceito, deixando cada um livre para decidir sozinho a que rumo seguir. Os
conceitos descritos no início deste trabalho são os alicerces pelo qual a análise se
fundamentou. Sendo abordados de forma específica em algumas cenas e de maneira
geral no contexto do filme, sendo o produto aqui apresentado, uma pequena extração
dentro da miríade de significados possíveis.