o valor da biodiversidade evolução e...

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16/04/2018 1 Evolução e biodiversidade Professor Fabrício R Santos [email protected] Departamento de Biologia Geral, UFMG O Valor da Biodiversidade Biológico Valor intrínseco que é dado aos organismos vivos, espécies e comunidades bióticas, separado dos interesses humanos. Não é mutuamente exclusivo em relação ao valor antropocêntrico. Antropocêntrico Valor para a espécie humana baseada na sua provisão de bens (alimentos, O 2 , fármacos, etc), serviços ao ecossistema (redução do CO 2 , balanço climático, pluvial e fluvial) e informação (científica, cultural). Tipos de Biodiversidade Ecossistemas (funcional e ecológica) Espécies Variabilidade genética Milhões de espécies conectadas historicamente e ecologicamente Evolução da biodiversidade Extinções e a nova época do Antropoceno Padrões biogeográficos, nichos e ecossistemas Identificação de unidades evolutivas para conhecer e preservar Fatores evolutivos e preservação das populações ameaçadas

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Evolução ebiodiversidade

Professor Fabrício R [email protected]

Departamento de Biologia Geral, UFMG

O Valor da Biodiversidade

Biológico– Valor intrínseco que é dado aos organismos vivos, espécies e comunidades

bióticas, separado dos interesses humanos.

– Não é mutuamente exclusivo em relação ao valor antropocêntrico.

Antropocêntrico– Valor para a espécie humana baseada na sua provisão de bens (alimentos, O2,

fármacos, etc), serviços ao ecossistema (redução do CO2, balanço climático, pluvial e fluvial) e informação (científica, cultural).

Tipos de Biodiversidade

•Ecossistemas (funcional e ecológica)

•Espécies

•Variabilidade genética

Milhões de espécies conectadashistoricamente e ecologicamente

Evolução da biodiversidade

Extinções e a nova época do Antropoceno

Padrões biogeográficos, nichos e ecossistemas

Identificação de unidades evolutivas para conhecer e preservar

Fatores evolutivos e preservação das populações ameaçadas

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Extinçãoé também um processo natural, mas …

a humanidade tem aumentado muito as taxas de extinção

Richard Owen

Muitos táxons foram rapidamente extintoscom a chegada da espécie humana

Moa

Moas: aves não voadoras que habitavam a Nova Zelândia

Existiam várias espécies com até 3 metros de altura e 250 kg de peso.

Com a chegada dos primeiros humanos a menos de 1000 anos atrás, foram extintas no início do século XVI, caçadas pelos Maori.

Extinção e Evolução

Bacalhau do Atlântico

Diversificação e extinção de metazoários

Diversidade de famílias de metazoários

A sexta Megaextinção

Causa mais provável: antropismo

Declínios registrados desde 1970 nas populações e espécies de vertebrados terrestres, marinhos e de água-doce (UNEP – CDB).

Este declínio estimado é significativamente maior do que nas outras megaextinções, como a do Cretáceo, associada à extinção dos dinossauros.

Bem vindos ao Antropoceno

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Evolução e biogeografia

Como evoluíram os táxons atuais, seus ancestrais e os ecossistemas em relação à dinâmica das massas continentais

Registro fóssil e dados genéticos indicam que os ancestrais das antas atuais (Tapirus spp.) eram asiáticos: vieram para as Américas pela Beríngia (ponte de terra entre Ásia e América que aparece nas glaciações) durante o Pleistoceno (após 2,5 milhões de anos atrás).

Evolução, nichos e ecossistemasEspécies especialistas como o Panda ocupam nichos estreitos (esquerda) e

generalistas como o Guaxinim ocupam nichos amplos (direita).

Evolução em ecossistemas

Várias espécies de aves especializadas em diferentes nichos ocupam a mesma área costeira. A especialização e diversificação de nichos reduzem a competição e

permitem o compartilhamento de recursos limitados

It is a remarkable testament to humanity's narcissism that we know the number of books in the US Library of Congress on 1 February 2011 was 22,194,656, but cannot tell you—to within an order-of-magnitude—how many distinct species of plants and animals we share our world with.

Robert MayWhy Worry about How Many Species and Their Loss? Plos Biol. 2011

I. 15.000 espécies novas são descritas a cada ano, atualmente apenas 1,8 milhão destasestão cientificamente identificadas;

II. A melhor estimativa do número de espécies (apenas eucariotos) é de 8,7 milhões (Mora et al. Plos Biol 2011) e calcula-se que levariam mais 500 anos para descrevê-las no ritmoatual;

III. A maior parte das espécies de eucariotos a serem descritas estão se extinguindo antes que possamos estudá-las!

Quantas espécies existem na Terra? Em 2010, no relatório “Amazônia Viva” da WWF foi divulgado que durante a década de 1999-2009 foram descritas cientificamente mais de 1200 espécies, uma a cada três dias (sem mencionar os invertebrados!)

637 espécies de plantas, 257 peixes, 216 anfíbios, 55 répteis, 16 pássaros e 39 mamíferos

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Evolução e biodiversidade

Não há como pensar em conhecer, conservar,

manejar e fazer o uso sustentável da

biodiversidade sem a Biologia Evolutiva

Evolução e biodiversidade

1. Nomenclatura: Como usar a biologia evolutiva para evitar problemas do uso indevido ou inapropriado do conceito de espécies?

2. Conservação: Como pensar em estratégias de conservação em médio e longo prazos?

3. Unidades de conservação: É possível utilizar a diversidade filogenética como medida de riqueza de biodiversidade em uma região?

4. Biogeografia histórica: Como explicar evolutivamente a presença e ausência de correlação biogeográfica observada entre a distribuição de fósseis e de grupos atuais/descendentes?

5. Evolução de Ecossistemas: Como se dá a diversificação de nichos? Por quê há mais espécies nas regiões tropicais?

6. Extinção: Como discriminar processos naturais e antrópicos relacionados à extinção de espécies?

i. Vago ii. Não abrangenteiii. Diferentes grupos de organismos possuem diferentes:

a. Tempos de geraçãob. Mecanismos de reproduçãoc. Diferentes ploidias

iv. A especiação é um processo dinâmico e não existe um limite exato de diferenciação que possa ser apontado como o marco zero do início de uma espécie.

Problemas com o Conceito de espécieÚnicos membros de Rhynchocephalia

• Sphenodon guentheri é muito similar morfologicamente à Tuatara comum, Sphenodon punctatus, e era considerada anteriormente como uma subespécie.

• S. guentheri é uma espécie única, mas não era protegida.

Tuataras

S. guentheri

S. punctatus

Alternativa ao conceito de espécie para Conservação

• Salvar “espécies” não é o bastante

• É preciso preservar o maior número de indivíduos e populações variáveis que seja suficiente para assegurar que as espécies possam continuar a evoluir em um ambiente em constante mudança.

Espécies comounidades evolutivas

Para se estudar a biodiversidade e propor métodos

de manejo e preservação é necessário garantir que

esta continue a evoluir rumo à especiação ou à

extinção, com o mínimo de impacto antrópico.

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ESU

Evolutionary Significant Units

Unidades Evolutivas Significativas

Podem ser definidas como unidades evolutivamente “independentes” de uma espécie com importância na conservação

Ex: ESUs podem corresponder a uma subespécie, a um grupo de subpopulações ou populações específicas e diferenciadas

ou à espécie como um todo, etc...

• OCUs: OPERATIONAL CONSERVATION UNITS. Estimativa do número de populações distintas, dentro das ESU definidas, que se pode manejar com os recursos disponíveis.

• Desenvolver um plano de manejo com objetivos concretos (considerando aspectos políticos e econômicos) segundo o estado de conservação das unidades definidas:

CONSERVAÇÃO DAESTRUTURAPOPULACIONAL

CONSERVAÇÃODOS HÁBITATS

MANUTENÇÃODAS FUNÇÕES

DO SISTEMA

MANUTENÇÃODA CAPACIDADEDE ADAPTAÇÃO

VARIABILIDADE GENÉTICA

ESPÉCIES

ECOSSISTEMAS

ESU e a prática conservacionista

0

Leontopithecus rosalia - Mico-leão-dourado

Restrito ao Sul do Rio de Janeiro, matas de Silva Jardim e Casimiro de Abreu, Reserva Biológica de Poço-das-Antas e montanhas de Cácia do Rio São João.

Leontopithecus chrysomelas - Mico-leão-de-cara-dourada

Distribuído do sul da Bahia, entre Rios Belmonte e Pardo no sul, e Rio Contas no norte.

Leontopithecus chrysopygus - Mico-leão-preto

Era encontrado ao norte do Rio Paranapanema, leste do Rio Paraná, Sul do Rio Tietê e Serra de Paranapiacaba. Hoje está restrito à Reserva Estadual de Morro Grande em Teodoro Sampaio, Reserva Biológica de Caeteteus em Galiato, estado de São Paulo..

Leontopithecus caissara - Mico-leão-de-cara-preta

Existe apenas na Ilha de Superagui, costa norte do Paraná.

hoje

antes

De acordo com o C.B.E. e dados genéticos, estas poderiam formar uma única espécie

Mata Atlântica

L. rosalia

L. chrysopygus

L. chrysomelas

Estes três táxons são classificados ambiguamente como espécies diferentes, masfuncionam muito bem como três E.S.U.s, isoladas umas das outras e comindependência evolutiva - medida importante para a sua conservação.

ESUs na preguiça-de-coleiraBradypus torquatus – ameaçada

Lara-Ruiz et al. Biol. Cons. 2008

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Esquerda: Limites da distribuição da espécie (em cinza) e localidades de ocorrência (em vermelho). Direita:

fragmentos remanescentes na região de ocorrência da espécie (Modificado de SOS Mata Atlântica & INPE, 1998).

Populações remanescentes de B. torquatus

Fonte da variação % da variação total

Entre estados 96,4Entre populações do ES 0,16Entre indivíduos dentro das 4 populações

3,44

AMOVA

ФST = 0,966

Índice de diferenciação entre populações

3 ESUs distintas: BA + ES + RJ

Lobo cinzaLobo vermelho

funciona como uma ESU?

O lobo vermelho é um híbrido entre o lobo e o coiote

lobo

coiote

Depressão Exogâmica

Depressão Endogâmica

Fragmentação de ambientes - subdivisão

de populações

Riscos de Extinção

População mínima viável

Conservação e Evolução

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Redução no sucesso reprodutivo ou viabilidade dos indivíduos observados na prole da F1 ou gerações subsequentes, entre indivíduos da mesma espécie, de distintas populações.

Depressão exogâmica

Ex: Reintrodução do Íbex nas montanhas Tatra (Rep. Tcheca)

Após extinção local, indivíduos da mesma

subespécie vindos dos Alpes austríacos foram

translocados. Posteriormente, foram adicionados

animais da Turquia e do Sinai, adaptados ao

deserto, o que levou esta população à extinção.

Causa: depressão exogâmica por rompimento do

ciclo reprodutivo, já que os híbridos mal

adaptados tinham filhotes em fevereiro, o mês

mais frio, o que aumentou muito a mortalidade.

Causas da depressão exogâmica

1 Adaptação local - interação genótipo x ambiente:conjunto de adaptações restritas de determinadas populações em seusambientes.Híbridos podem ter genótipos/fenótipos não adaptados ao ambiente onde estesse encontram. Ex: Ibex da Rep. Tcheca

2 Coadaptação gênica- interações epistáticas:combinações gênicas (alelos de vários genes que interagem) e de estruturascromossômicas em uma população que produzem efeitos favoráveis(coadaptados).Híbridos podem ter combinações cromossômicas e alélicas deletérias. Ex:Ctenomys sp. (roedores fossoriais da América do Sul com muita variaçãocromossômica intraespecífica)

AB

AB

ab

ab

Localidade 1 Localidade 2

F1AB

ab

AB

ab

Hibridização

aB

Ab

2. Perda de complexos gênicos coadaptadosLoci com combinações alélicas de diferentes populações resultam em menor valor adaptativo populacional.

1. Perda de adaptação localHíbridos expressam fenótipos não adaptados aos ambientes das populações parentais.

F2

Depressão exogâmica

Redução no sucesso reprodutivo ou viabilidade populacional devido à

endogamia ou acasalamentos consanguíneos (relacionados por ancestralidade

recente).

Geralmente os caracteres deletérios aparecem devido ao maior aparecimento

de genótipos homozigotos/indivíduo.

Esta é uma consequência inevitável do pequeno tamanho populacional.

Depressão endogâmica

Depressão endogâmica

Peromyscus sp

Algumas espécies demonstram depressão endogâmica na natureza e nos cruzamentos de laboratório.

Endogamia no cavalo de Przewalski

Extinto na natureza, foi reintroduzido na Mongólia

através de espécimes de cativeiro.

Todos cavalos de Przewalski atuais na Mongólia

derivam de apenas 13 indivíduos fundadores (um

destes era uma fêmea de uma raça doméstica).

Há uma taxa de mortalidade associada com a

depressão endogâmica: expressão de características

deletérias recessivas.

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Intercruzamento ótimo

0

10

20

30

40

50

60

Sucessoreprodutivo

Diferenciação genética

Depressão endogâmica

Depressão exogâmica

Oryx arábico

Durante a reintrodução do Óryx em Oman a partir de alguns indivíduos de cativeiro, a análise de viabilidade da prole (sobrevivência juvenil) indicou tanto problemas de depressão exogâmica quanto endogâmica.

Fragmentação de ambientes e de populações

Espécies possuem distribuição geralmente subdividida em populações e o

conjunto de todas se chama Metapopulações

Diferentes espécies apresentam uma distribuição espacial das populações no

ambiente que pode refletir:

•mobilidade e dispersão dos indivíduos da espécie

•dispersão associada a outra espécie (insetos-plantas)

•generalidade e flexibilidade adaptativa da espécie

•especialidade a um determinado microambiente ou nicho

•etc

A fragmentação dos ambientes leva ao rompimento do padrão de dispersão e

fluxo gênico entre as populações.

Fissão de populações mutações , deriva, seleção, isolamento reprodutivo

pop1

pop2

tempo

Distribuição espacial de Elaphe obsoletaVariação acumulada por processos de deriva e/ou seleção natural

Fragmentação de ecossistemas

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Fragmentação de ecossistemas Fragmentação de ecossistemas

Extinçãolocal

Gargalospopulacionaise efeitofundador

populaçãooriginal

evento degargalo degarrafa

populaçãosobrevivente

“Gargalo de garrafa” genético