o túnel no fim da luz: uma análise da privatização do setor elétrico

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XVII Concurso del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración PúblicaConstrucción de Consensos Políticos y Sociales para la Reforma de la Administración Pública”. Caracas, 2003 O túnel no fim da luz: uma análise da privatização do setor elétrico em Mato Grosso no marco da governabilidade democrática Vinícius De Carvalho Araújo _____________________________ Mención honorífica 1. Introdução Dentre os diversos temas em discussão na atualidade, a globalização e seus impactos sobre as economias nacionais tem destacado-se no debate político e acadêmico. É um fenômeno multifacetado e de difícil compreensão por seu caráter elástico e adirecional, ou seja, que não nos permite visualizar a priori quais são as suas principais tendências futuras. Já são bem conhecidos os efeitos da internacionalização acelarada das economias e dos imperativos tecnológicos atuais no Estado e seu aparelho, resultando num amplo movimento de reforma iniciado na década de 1980 que vem transmutando-se ao longo do tempo e atraindo a atenção de pesquisadores nas várias áreas que compõem as Ciências Sociais (Sociologia, Ciência Política, Administração Pública, Economia e mesmo na Filosofia). Dentre as inúmeras categorias de análise desenvolvidas neste contexto podemos destacar a governabilidade e governança, que são objeto de imensa controvérsia por seu caráter “estratégico” e não analítico (conforme veremos no Capítulo 2). Ou seja, o seu conteúdo instrumentaliza as estratégias de cada ator, com destaque para as agências multilaterais que têm tido destaque na produção de conhecimento nesta área nos últimos anos. Não obstante esta resistência por parte de alguns autores, elas têm sido muito utilizadas para compreensão da reforma do Estado e de seu aparelho e das novas tarefas que este deve cumprir num projeto mais amplo de desenvolvimento, que ultrapasse aspectos econômicos para incorporar suas dimensões social, ambiental e ética. Desnecessário dizer que tal missão induz às inúmeras ressignificações que os conceitos vêm sofrendo e sua utilização como recurso retórico. O Brasil promoveu um dos maiores processos de desestatização do mundo, em função da dimensão da sua economia e do papel assumido pelo Estado na industrialização substitutiva de importações a partir da década de 1930. Foi uma operação complexa e delicada pela situação econômica adversa, a multiplicidade de atores envolvidos e as dificuldades inerentes à formação de consensos para políticas de tal envergadura. Mesmo após o lançamento Programa Nacional de Destestatização em 1990 e a reorganização da agenda política promovida pelo Plano Real desde 1994 (que permitiu a aceitação por uma parcela expressiva da população e suas elites de algumas orientações estratégicas quanto ao papel do Estado), há inúmeras barreiras para a formação de coalizões estáveis que dêem sustentação a tais políticas no “varejo” como costuma-se dizer. Escolhemos, portanto, a governabilidade democrática como marco teórico-conceitual para esta pesquisa por sua presença do debate acadêmico internacional, bem como pelas suas possibilidades analíticas demonstradas ao longo do Capítulo 2. A opção por um estudo de caso sobre a privatização da companhia estadual de energia em Mato Grosso deveu-se a diversas razões, expostas no Capítulo 4. Porém, a principal delas refere-se à falta de consenso social e político para uma reforma mais ampla e completa no setor elétrico. Esta resultou num modelo anfíbio e disfuncional que manteve a geração numa companhia estatal monopolista (Eletrobrás e suas subsidiárias) fora do ambiente competitivo e do marco regulatório definido e privatizou 80% da distribuição concentrada nas companhias estaduais e algumas federais. A situação atual do setor elétrico é uma “fratura exposta” da falta de uma orientação estratégica mais clara, totalizante, discutida e pactuada por todos os atores envolvidos com a liderança do Estado, de modo que a torne sustentável no médio e longo prazos. A atuação de várias coalizões com objetivos diferentes que celebraram alianças táticas em torno da privatização das companhias estaduais é um bom exemplo do imperativo de identificar as coalizões de defensores para as políticas no momento da sua formulação, pois senão os resultados são semelhantes ao

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XVII Concurso del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración PúblicaConstrucción de Consensos Políticos y Sociales para la Reforma de la Administración Pública”. Caracas, 2003

O túnel no fim da luz: uma análise da privatização do setor elétrico em Mato Grosso no marco da governabilidade democrática

Vinícius De Carvalho Araújo _____________________________

Mención honorífica

1. Introdução Dentre os diversos temas em discussão na atualidade, a globalização e seus impactos sobre as

economias nacionais tem destacado-se no debate político e acadêmico. É um fenômeno multifacetado e de difícil compreensão por seu caráter elástico e adirecional, ou seja, que não nos permite visualizar a priori quais são as suas principais tendências futuras.

Já são bem conhecidos os efeitos da internacionalização acelarada das economias e dos imperativos tecnológicos atuais no Estado e seu aparelho, resultando num amplo movimento de reforma iniciado na década de 1980 que vem transmutando-se ao longo do tempo e atraindo a atenção de pesquisadores nas várias áreas que compõem as Ciências Sociais (Sociologia, Ciência Política, Administração Pública, Economia e mesmo na Filosofia).

Dentre as inúmeras categorias de análise desenvolvidas neste contexto podemos destacar a governabilidade e governança, que são objeto de imensa controvérsia por seu caráter “estratégico” e não analítico (conforme veremos no Capítulo 2). Ou seja, o seu conteúdo instrumentaliza as estratégias de cada ator, com destaque para as agências multilaterais que têm tido destaque na produção de conhecimento nesta área nos últimos anos.

Não obstante esta resistência por parte de alguns autores, elas têm sido muito utilizadas para compreensão da reforma do Estado e de seu aparelho e das novas tarefas que este deve cumprir num projeto mais amplo de desenvolvimento, que ultrapasse aspectos econômicos para incorporar suas dimensões social, ambiental e ética. Desnecessário dizer que tal missão induz às inúmeras ressignificações que os conceitos vêm sofrendo e sua utilização como recurso retórico.

O Brasil promoveu um dos maiores processos de desestatização do mundo, em função da dimensão da sua economia e do papel assumido pelo Estado na industrialização substitutiva de importações a partir da década de 1930. Foi uma operação complexa e delicada pela situação econômica adversa, a multiplicidade de atores envolvidos e as dificuldades inerentes à formação de consensos para políticas de tal envergadura. Mesmo após o lançamento Programa Nacional de Destestatização em 1990 e a reorganização da agenda política promovida pelo Plano Real desde 1994 (que permitiu a aceitação por uma parcela expressiva da população e suas elites de algumas orientações estratégicas quanto ao papel do Estado), há inúmeras barreiras para a formação de coalizões estáveis que dêem sustentação a tais políticas no “varejo” como costuma-se dizer.

Escolhemos, portanto, a governabilidade democrática como marco teórico-conceitual para esta pesquisa por sua presença do debate acadêmico internacional, bem como pelas suas possibilidades analíticas demonstradas ao longo do Capítulo 2. A opção por um estudo de caso sobre a privatização da companhia estadual de energia em Mato Grosso deveu-se a diversas razões, expostas no Capítulo 4. Porém, a principal delas refere-se à falta de consenso social e político para uma reforma mais ampla e completa no setor elétrico. Esta resultou num modelo anfíbio e disfuncional que manteve a geração numa companhia estatal monopolista (Eletrobrás e suas subsidiárias) fora do ambiente competitivo e do marco regulatório definido e privatizou 80% da distribuição concentrada nas companhias estaduais e algumas federais.

A situação atual do setor elétrico é uma “fratura exposta” da falta de uma orientação estratégica mais clara, totalizante, discutida e pactuada por todos os atores envolvidos com a liderança do Estado, de modo que a torne sustentável no médio e longo prazos. A atuação de várias coalizões com objetivos diferentes que celebraram alianças táticas em torno da privatização das companhias estaduais é um bom exemplo do imperativo de identificar as coalizões de defensores para as políticas no momento da sua formulação, pois senão os resultados são semelhantes ao

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racionamento experimentado pelo Brasil em 2001-2002 e a atual abundância de energia. Definimos, portanto, como objetivo geral da pesquisa com base no seu problema, a

identificação das variáveis críticas que viabilizaram a formação da coalizão de apoio à privatização da Centrais Elétricas Mato-grossenses (Cemat), no marco da governabilidade democrática. Para tanto, começamos no Capítulo 2 com uma revisão da literatura sobre governabilidade democrática discutindo a sua condição de categoria estratégica, a genealogia do conceito e as três grandes hipóteses de ingovernabilidade presentes no debate político e acadêmico do último quatro do século XX, com as suas respectivas origens, filiações, objetivos e implicações.

Apresentamos as duas gerações de reforma do Estado, identificando seu conteúdo, principais autores, articulação com os movimentos do capitalismo transnacional e os objetivos. Denominamos a primeira de choque político e econômico que sucedeu-se à crise do Welfare State nos países centrais e do Estado desenvolvimentista na semiperiferia voltada para a orientação neoliberal. A segunda, chamada de terapia institucional, surge dos limites da primeira e de um resgate de aspectos ético-democráticos secundarizados a princípio, reconhecendo que apenas um ideário macroeconômico consubstanciado no “Consenso de Washington” não poderia resolver problemas estruturais e seculares dos países da semiperiferia e periferia.

As instituições surgem, portanto, como categoria central e passam a ocupar o primeiro plano dos esforços de reforma do Estado. Em seguida, no Capítulo 3, fazemos uma breve passagem pelo debate sobre as categorias de governabilidade e governança entre os autores brasileiros, destacando seu alinhamento para com as discussões na arena internacional e com a própria situação social e política do país, que passou por uma redemocratização longa e inconclusa e colocou em questão a capacidade das elites civis em ocuparem a Presidência da República sem recurso ao pretorianismo sob qualquer natureza. Fazemos, com base neste debate, uma proposta de distinção teórico-analítica para as categorias de governabilidade e governança que será utilizada pela pesquisa.

Seu referencial metodológico apresentado no Capítulo 4 é composto de um problema e mais quatro hipóteses de trabalho que envolvem tanto a dimensão da governabilidade quanto da governança nesta reforma. De acordo com a tipologia de Eckstein, trata-se de um estudo de caso da espécie “provas de plaussibilidade” no qual, através de uma aplicação iterativa, uma proposição teórica inicial é feita e as conclusões da pesquisa comparadas, permitindo a sua revisão e a comparação em seguida, repetindo-se tal procedimento até que a proposição aproxime-se da realidade empírica e possamos chegar a conclusões com maior capacidade de generalização pela submissão aos testes.

Apresentamos uma descrição da dinâmica político-institucional nos Estados brasileiros através do “ultrapresidencialismo estadual” bem como da sua reversão no Capítulo 5, para que seja possível compreender a formação de consensos para as reformas no nível subnacional. Passamos para a descrição da reforma do Estado e de seu aparelho em Mato Grosso no Capítulo 6 e para a privatização da Cemat no Capítulo 7, situada neste quadro e articulada aos problemas do setor elétrico brasileiro no seu conjunto.

Por fim, na conclusão, verificamos a validade das hipóteses de acordo com as evidências reunidas pela pesquisa, descrevemos a coalizão que viabilizou a privatização da Cemat em seus três níveis e fazemos algumas considerações finais/recomendações nesta agenda de pesquisa. 2. Revisão da literatura 2.1. Governabilidade e governança: razões para uma distinção analítica 2.1.1. Considerações iniciais

A princípio, é mister que façamos alguns esclarecimentos acerca destas categorias tão utilizadas quanto criticadas na literatura contemporânea em diversas disciplinas (Filosofia, Relações Internacionais, Administração Pública, Sociologia, Ciência Política, Economia Política), com destaque para a sua adoção no contexto da reforma do Estado e de seu aparelho.

Tanto a governabilidade quanto a governança (cujas origens e razões para distinção analítica – parafraseando Norberto Bobbio – serão evidenciadas na sequência) são, segundo FIORI (1995b) categorias estratégicas com importantes diferenças em relação às categorias conceituais e analíticas tradicionais.

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Enquanto as categorias conceituais visam a descrição de um determinado objeto de estudo e as categorias analíticas são construídas para explicar certos fenômenos empíricos ao proceder uma divisão arbitrária da realidade, ganhando sentido e alcance apenas no momento da síntese, ou seja, quando as partes analisadas em separado unem-se para permitir uma leitura da totalidade em questão, as categorias estratégicas expressam a instrumentalização da estratégia de um determinado ator em relação ao objeto selecionado.

Ou seja, cada ator define o conteúdo e a utilidade da categoria estratégica de acordo com a sua própria estratégia em relação à uma determinada situação ou segundo um contexto específico. Um exemplo clássico mais útil de categorias estratégicas são esquerda e direita que surgiram, como sabemos, do posicionamento das forças políticas na Assembléia Nacional Francesa (constitucionais à direita, girondinos ao centro e jacobinos à esquerda) instalada após a Queda da Bastilha em 1789 e passaram a estruturar desde então a escala ideológica.

Contudo, seus significados foram alterando-se ao longo do tempo e do espaço, opondo reacionários e revolucionários, conservadores e progressistas, liberais e marxistas, capitalistas e comunistas, neoliberais e democratas sociais, etc. Para muitos são termos obsoletos diante da nova ordem internacional em construção desde o final do “breve século XX”, para utilizarmos a célebre expressão de Eric Hobsbawn.

Segundo BRESSER PEREIRA (2000), na atualidade o critério estruturante nesta clivagem é a postura das elites nacionais em relação à globalização (vista como variável independente neste esquema analítico) de acordo com fatores contextuais, o que situa, por exemplo, o centro político-ideológico norte-americano à direita do centro na Grã-Bretanha, que por sua vez está à direita dos centros na Alemanha e França, demonstrando a composição e extensão da coalizão de forças sociais e políticas que sustentou o Estado de bem-estar social (Welfare State) nestes países e as dificuldades do seu desmonte.

Há outras categorias estratégicas presentes no debate político e acadêmico contemporâneo, como a sustentabilidade, sempre em evidência na discussão sobre a utilização dos recursos naturais. Cada ator envolvido (capital agropecuário, ambientalistas, agências de proteção ambiental em diversos níveis, profissionais da área, sociedade civil) define aquilo que é ou não sustentável de acordo com a sua estratégia (produção, conservação, preservação, manejo) e dos interesses representados por ela, embora a pesquisa neste campo tenha avançado bastante no sentido de torna-lo divisível e mensurável para fins técnico-operacionais.

As categorias utilizadas pela Ciência Política em geral têm esta condição de conceitos neutros, como governo, Estado, regime, democracia, sociedade civil, dentre outras. No caso da governabilidade, por ser chamada por Alcântara apud Cruz (2001) de “catch-all-word” – uma expressão que Otto Kircheimer aplicou aos partidos que significa que eles comportam tudo – muitos autores a encaram como situacionista, o que fica mais evidente no alinhamento entre as definições que as agências bilaterais e multilaterais de cooperação ao desenvolvimento (Banco Mundial, USAID, DFID, PNUD, CAD-OCDE e mesmo a União Européia) e seus objetivos nos países da semiperiferia denominados de “em desenvolvimento”, muito bem expostos por CERRILLO (2001).

2.1.2. Genealogia do conceito

Após este esclarecimento inicial, passamos agora para uma breve revisão da origem e evolução da governabilidade e governança, partindo das suas traduções de expressões em outras línguas (o que é um complicador adicional neste caso), a exemplo de governability e governance.

Não pretendemos fazer uma exposição exaustiva, pois foge ao escopo do presente trabalho e dado que a literatura neste campo caracteriza-se pelo seu caráter vasto, assistemático e disperso, mas apenas situar o leitor nesta temática.

O passo inicial para compreensão destas categorias é observar a sua raiz semântica, ou seja, o substantivo governo que, adjetivado gera a palavra governável que, novamente substantivada gera o termo governabilidade.

O governo pode ser compreendido, segundo ARAÚJO (2000), num sentido mais restrito, como um dos componentes do aparelho do Estado, ou seja, como a cúpula político-administrativa que dirige o Estado. Na concepção analítica weberiana, tal cúpula somada a um corpo estável de

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servidores e uma força policial-militar compõe o que se chama de aparelho do Estado. Portanto, o governo é aquele grupo de agentes que passa a dirigir o Estado e o seu aparelho

de acordo com os procedimentos específicos de cada regime. No caso do regime democrático, republicano e presidencialista (como o brasileiro) o Presidente é eleito pelo voto direto e tem a prerrogativa de escolher aqueles que comporão a sua equipe (gabinete de ministros).

Governo indica, portanto, direção política e controle exercido por uma determinada autoridade constituída (Estado) sobre os seus cidadãos. A sua análise dividiu-se ao longo da história entre a perspectiva normativa das fundações morais dos Estados (como os governos deveriam ser) e a abordagem positiva das suas bases utilitárias (como os governos são).

Desde Confúcio no Oriente, passando por Platão (“A República”) e Aristóteles (“A Política”), todos conselheiros ou preceptores de estadistas importantes como Dionísio II ou o General Alexandre Magno da Macedônia, a natureza dos Estados e de sua relação com os cidadãos foi muito discutida.

Na Idade Moderna, encontramos referências importantes na tradição germânica do século XVII (politikwissenschaf) e também no Iluminismo do século XVIII, expressão do corpo teórico-doutrinário que fundamentou as revoluções burguesas na Europa e América do Norte. Seus principais autores são John Locke, o Barão de Montesquieu, Jean Jacques Rosseau, James Madison e mesmo Thomas Hobbes que, embora tenha sido um apologista do absolutismo, teve uma participação indelével na formação do pensamento ocidental nesta matéria (BONAVIDES, 2001).

É importante destacar aqui também a contribuição do já citado sociólogo alemão Max Weber na construção dos Estados contemporâneos. Este autor desenvolveu toda uma nova tipologia evolutiva de sociedades, autoridade e poder (tradicional, carismático e racional-legal), fazendo uma clara distinção e enfatizando o poder chamado de racional-legal, dada a sua previsibilidade e propriedade para os tempos modernos.

De acordo com CHIAVENATO (1993), a burocracia é uma forma de organização humana que baseia-se na racionalidade, ou seja, na adequação dos meios (métodos) aos objetivos (fins) definidos, visando maximizar a eficiência no alcance de tais objetivos.

Weber defende a tese de que o capitalismo (entendido como sistema de livre iniciativa), a burocracia (como padrão de organização) e a ciência moderna constituem as três formas de racionalidade que desenvolveram-se a partir das mudanças ocorridas num primeiro momento nos países protestantes – como a Inglaterra e a Holanda – e não nos países católicos. Aqui incluem-se sem dúvida as três grandes revoluções que marcam a passagem do período medieval para o moderno (Reforma Protestante, Renascimento e Revolução Comercial).

Para MENDES (2001), o quadro analítico-interpretativo weberiano baseia-se na circulação de mercadorias e não na sua produção. O funcionamento do aparelho do Estado fundamenta-se, portanto, numa administração previsível, racional e eficiente dos recursos. A racionalização era encarada sob este ângulo como harmônica e eliminadora do conflito inerente às relações de classe na sociedade industrial (pois as normas e a “razão” seriam impessoais e civilizatórias), em contraste com o pensamento marxista, baseado na luta de classes, no materialismo histórico e na dialética.

Tal compreensão tornou-se central ao longo dos séculos XIX e XX pela adoção da burocracia como paradigma organizacional (com destaque para o setor público) a princípio nos países centrais, seguidos pelos demais ainda que de forma incompleta. Os traços de hierarquização, impessoalidade, previsibilidade, primado da competência técnica e meritocracia condicionaram em grande medida a relação do Estado e de seu aparelho com a cidadania desde então.

2.2 – Do choque político e econômico à terapia institucional 2.2.1. Hipóteses de ingovernabilidade

Num período mais recente, após o colapso do Estado liberal-democrático que seguiu à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Grande Depressão de 1929 e o surgimento dos seus substitutos pelo lado esquerdo e direito, a discussão sobre a governabilidade começou a adquirir os contornos contemporâneos e tornou-se mais intensa, constituindo-se segundo MELO (2002) num princípio ordenador do campo político, a partir do momento em que a sua antítese, a ingovernabilidade, apresentou-se de forma mais clara e contundente e as elites

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nacionais/internacionais dedicaram maior atenção para o seu entendimento e consequente superação.

Destacam-se na literatura internacional, segundo PASQUINO (1986), por suas raízes teórico-conceituais e pela quase simultaneidade com a crise estrutural vivida pelo capitalismo nas décadas de 1970/1980 (e que ainda está em curso num certo sentido), três grandes hipóteses de ingovernabilidade que são ilustrativas para compreensão do debate nesta área. Vamos a elas.

A primeira, pela ordem cronológica, é atribuída a James O´Connor, autor norte-americano de orientação marxista-funcionalista cujo livro Fiscal Crisis of Capitalist State de 1973 afirma que a sobrecarga de demandas dirigidas ao Estado capitalista (cujas funções cabais seriam a garantia de reprodução do capital e sua própria legitimação) leva a uma expansão desenfreada que ameaça torna-lo disfuncional para o capitalismo. A crise fiscal, com a ampliação do déficit público, do déficit na balança comercial, da inflação e dos juros, conduzindo ao encarecimento do crédito e à estagnação, seria a principal expressão de tal disfuncionalidade.

Como seu referente empírico imediato, o autor adota a ampliação de despesas (categorizadas em gastos sociais, investimento social e consumo social) para manutenção tanto do Welfare State organizado pelo Presidente norte-americano Lyndon Johnson (1963-1969) no programa denominado de Great Society quanto do Warfare State expresso pelo financiamento dos custos militares da corrida espacial, da Guerra Fria e da Guerra do Vietnã. Tal inequação estaria na raiz de todos os principais problemas de ingovernabilidade das democracias de capitalismo avançado ou maduro.

A segunda hipótese de ingovernabilidade é apresentada por Samuel Huntington (cientista político norte-americano), autor dos clássicos Political Development and Political Decay de 1965 e Political Order in Changing Societies de 1968, que traz a primeira referência textual ao termo governabilidade (governability). Trata-se de um autor provocador e controverso que imprime tais características às suas obras, muito criticadas pela falta de rigor metodológico, caráter subjetivo dos conceitos adotados, pouco aprofundamento analítico e pelo desprezo por aspectos relevantes que devem ser considerados em trabalhos desta natureza, ainda que no nível axiológico.

O estilo adotado nos leva a considerar seus trabalhos como “ensaios de fôlego” (marcados por seu caráter problematizador, antidogmático, crítico e original sem tanta exigência de fundamentação teórico-empírica), como ocorreu depois com o Third Wave (1993) e Clash of Civilizations and the Remaking of the World Order (1996), igualmente influentes a seu tempo.

Nas obras supracitadas, Huntington apresenta algumas categorias analíticas tais como a institucionalização, que nada mais é do que a capacidade dos mecanismos político-institucionais de acomodar tensões sociais e o pretorianismo, que pode ser definido como uma fórmula de ingovernabilidade, ocorrida em função da “sobrecarga” de demandas dirigidas ao Estado (destacando-se o papel das forças armadas nos regimes autoritários instalados durante a Guerra Fria na América Latina, África e Ásia).

Huntington é considerado por outros autores, a exemplo dos brasileiros SANTOS (1994) e FIORI (1995), como o principal responsável por uma espécie de “inflexão à direita” nas teorias de modernização e desenvolvimento político muito comuns nos anos 1950/1960, bem como na análise da crise do Estado (que ocupava posição central em tais teorias, amparado em burocracias “progressistas” e dotadas de espírito público).

A inflexão apontada baseia-se no deslocamento do eixo analítico para a natureza instável e reversível dos desenvolvimentos democráticos nas periferias e semiperiferias capitalistas, dado que durante o período áureo de vigência do Welfare State (WS) as principais críticas a este formato de Estado provinham de autores situados à esquerda do espectro político-ideológico, por conta dos fatores de anulação do WS em relação à dinâmica do capitalismo descrita por Marx, baseada nas leis da desproporcionalidade, acumulação e taxa de lucro decrescente (GILPIN, 2002).

Destacam-se nesta linha autores como Nicos Poulantzas, Ralph Miliband, Louis Althusser, Elmar Altvater, Klaus Offe e o já citado James O´Connor, que utilizaram o instrumental analítico marxista (com ênfase para a teoria da crise) durante a vigência do WS para compreender o papel exercido pelo Estado e seu aparelho como invólucro das elites ou agência de dominação burguesa e atribuir a sua crise às próprias contradições estruturais deste modo de produção.

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Esta vertente analítica teve dificuldades em adaptar-se ao novo contexto marcado pelo colapso do pacto fordista (MARTINS, 1996a) e responder aos argumentos de Huntington (que mesmo tributário à tradição liberal madisoniana, questionou um dos postulados mais canônicos do pluralismo político que são as instituições da democracia liberal-burguesa), pois também eram críticos em relação ao WS ou Estado desenvolvimentista no aspecto econômico ou por suas feições autoritárias e concentradoras.

Entretanto, embora a formulação teórica já estivesse feita, a referência textual à governabilidade ocorre apenas em 1975, quando da elaboração de um estudo para a Comissão Trilateral constituída em 1973 numa iniciativa de David Rockefeller no momento do primeiro choque internacional de oferta do petróleo por mais de 200 banqueiros e empresários das corporações transnacionais sediadas nos Estados Unidos, na Europa Ocidental e no Japão batizado de Crisis of Democracy (daí o trilateralismo).

Huntington uniu-se ao autor francês Michel Crozier e ao japonês Joji Watanuki para elaborar um arcabouço teórico visando explicar o pessimismo de então sobre os rumos das democracias maduras dos países centrais do capitalismo (após toda a movimentação da década de 1960 e as renúncias dos Presidentes Charles De Gaulle da França em 1969 e Richard Nixon dos Estados Unidos em 1974) e uma suposta ingovernabilidade das mesmas, partindo das categorias apresentadas na sua obra anterior e da análise das situações das suas pátrias e regiões de origem.

Os fatores fundamentais que geraram ingovernabilidade nos países analisados, de acordo com o relatório foram:

1 – Erosão da autoridade política do Estado em função do excesso de democracia, destacando a ideologia igualitária difundida pelo Welfare State e incompatibilidade entre regime democrático e keynesianismo;

2 - Sobrecarga do governo. A intervenção engendra o surgimentos de inúmeras demandas às instituições políticas, que não conseguem acompanhar esta dinâmica, ocasionando paralisia decisória e tendências inflacionárias no médio prazo;

3 – Intensificação da competição política, gerando desagregação de interesses. A burocratização da vida pública em função do aumento da presença do Estado provoca a “dissolução do consenso” social e político;

4 – Provincianismo nacionalista da política externa. A agenda internacional fica atrelada às questões políticas e econômicas de cada país, o que dificulta a formação de um espaço global de negociação de algumas questões pertinentes.

A governabilidade seria condicionada, portanto, pela capacidade de agenciamento dos recursos políticos pelas instituições e sua legitimidade junto à cidadania. O reacionarismo desta concepção encontra-se no seu viés autoritário, na medida em que reconhece a ampliação das franquias democráticas (participação, mobilização, acesso a equipamentos sociais, direitos civis, movimentos de minorias, questionamento da autoridade constituída) como potenciais desestabilizadoras do próprio regime democrático, sinalizando para uma contenção ou até reversão nas periferias e semiperiferias capitalistas (cujo objetivo final era a manutenção da “ordem”).

Podemos dizer que com o diagnóstico de Huntington as forças situadas no eixo de centro-direita passaram a contar com uma teoria da crise própria sem tocar nos fundamentos do modo de produção capitalista – propriedade privada dos meios de produção, concentração das principais decisões pelo capital – com ênfase nas suas instituições políticas (Estado e seu aparelho, mas também partidos e entidades classistas), que conformavam para Marx a superestrutura da sociedade, determinada pela infra-estrutura composta pelas condições materiais de produção, privilégio até então restrito aos autores marxistas que abordavam as contradições estruturais de tal modo de produção.

A teoria da crise huntingtoniana propunha inclusive ciclos políticos no lugar da tendência à superprodução aliada ao subconsumo apontada pelos marxistas e combatida pelo WS, nos quais o aumento de participação e mobilização sem correspondência na institucionalização conduz à polarização, que por sua vez conduz à apatia e a um senso de eficácia decrescente das instituições diante dos cidadãos que, por fim, reduzem a participação e mobilização, demonstrando uma tendência homeostática da democracia (inspirada na Teoria Geral de Sistemas) em busca da ordem

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e do equilíbrio, ainda que a níveis mais baixos de desempenho. A influência da Teoria Geral de Sistemas se dá no padrão homeostático proposto, no qual um sistema obtém equilíbrio dinâmico através da sua auto-regulação (mantendo certas variáveis dentro de limites desejados, a despeito dos estímulos do ambiente).

Tal análise, além de instrumentalizar as forças moderadas e conservadoras em escala internacional também coincidiu com uma tendência verificada desde os anos 1970 de deslocamento do locus clássico da produção científica das universidades (tradicional reduto de hegemonia ideológica da esquerda, em especial nas ciências sociais, o que explica as denúncias sobre mercantilização das universidades públicas brasileiras com a introdução das fundações privadas de apoio à pesquisa) para as agências multilaterais e think tanks, que nada mais são do que organismos geradores de pesquisa aplicada em determinadas áreas do conhecimento, além de outras organizações do terceiro setor como fundações e institutos com forte vinculação ao grande capital que passaram a financiar pesquisas e conceder bolsas para estudantes.

A terceira hipótese é demonstrada pelo filósofo alemão filiado ao Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt Jurgen Habermas. Ancorada na Teoria Geral de Sistemas (TGS) elaborada por seu conterrâneo Ludwig von Bertalanffy e numa releitura moderna do também alemão Karl Marx, Habermas propõe uma abordagem integradora que abrange não apenas a crise do Estado e do sistema político, mas de todo a formação sócio-econômica (entendida como um sistema complexo baseado num princípio ordenador).

Este tem duas faces: o domínio não-político de classe e a instituição do mercado, no qual a ação orientada para o interesse substitui a ação orientada para o valor. Tal crise teria quatro tendências contraditórias mas complementares de diversos níveis segundo IVO (1998), quais sejam:

1 – O sistema econômico não cria a medida necessária de valores para o consumo; 2 – O sistema administrativo não produz a medida necessária para decisões racionais; 3 – O sistema legitimador não produz a medida necessária de motivações generalizadas; e 4 – O sistema sócio-cultural não cria a medida necessária de sentido que motiva a ação. Habermas, portanto, como o cientista político David Easton fizera em relação ao ciclo de

políticas públicas - dando-lhe o enquadramento teórico-analítico da Teoria Geral de Sistemas na sua obra A System Analysis of Political Life de 1965 - compreende a lealdade difusa ou desorganizada das massas ao Estado como o principal insumo (input) da formação sócio-econômica caracterizada como sistema e os resultados (output) são as políticas públicas, a produção, circulação de mercadorias, acessos a bens de diversas naturezas, remuneração dos fatores, apropriação da renda, etc.

Quando tais resultados não compatibilizam-se com as demandas da cidadania (como nas sociedades contemporâneas) gera-se uma crise de racionalidade que, seguindo o mecanismo sistêmico da retroalimentação (feedback), abala a lealdade das massas ao Estado, constituindo-se numa crise de legitimidade e reiniciando o processo a um nível mais baixo de sustentação, até o ponto da ingovernabilidade em que nos encontramos. É como a tendência entrópica dos sistemas que ocorre quando as suas partes perdem e comunicação entre si, fazendo com que ele se decomponha e degenere.

Para BENTO (2003), o que a teoria crítica aponta como crise de racionalidade, no neoconservadorismo é percebido como crise de governabilidade e esta diferença semântica remete aos termos irredutíveis quanto à valoração dos seus termos. A teoria crítica privilegia o desenvolvimento de racionalidades alternativas ao dialeto sistêmico-tecnocrático com vistas ao resgate da capacidade de crítica e discussão no contexto de uma esfera pública democrática (orientada pela ética discursiva) que poderia institucionalizar-se como espaço emancipado frente à dominação capitalista.

Segundo OROZCO (1995), “a crise de racionalidade expressa o substrato de contradições em que se envolve a economia no capitalismo tardio, na qual representa ao mesmo tempo a necessidade de socialização e conserva o imperativo da propriedade privada. A ingovernabilidade reproduz a impossibilidade do Estado de responder a imperativos que não estão na sua amplitude cumprir”. (OROZCO, pg. 5, 1995).

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2.3 – Duas gerações de reforma do Estado Portanto, após a crise do Estado dos anos 1970 e o aprofundamento do processo de integração

ou internacionalização das economias chamado de globalização, governabilidade e governança passaram a constar com maior frequência nos papers da área e a serem encarados como um instrumental analítico importante para a compreensão de todo este período de transformação sem precedentes pelo qual estamos passando e, sobretudo, da reforma do Estado e de seu aparelho.

A compreensão conservadora e pessimista (ou pós-moderna como prefere Bresser Pereira) marcou toda a “ofensiva de direita” (DUPAS, 2001) contra o Welfare State promovida ao longo da década de 1980, com a reintrodução do discurso liberal - agora denominado de neoliberalismo - que preconizava o minimalismo de Estado, com a redução da sua presença na economia, a liberalização comercial e financeira e o fortalecimento do mercado para superar o quadro de inflação em alta, juros elevados e estagnação na produção legados pelos instrumentais macroeconômicos keynesianos, trocando as políticas centradas na demanda por outras com enfoque na oferta.

Na vanguarda intelectual de tal ofensiva tiveram papel destacado alguns autores que compõem as diversas correntes do ultraliberalismo segundo FONSECA (2001), agrupadas para fins didáticos em Escolas. A Escola de Chicago destacando o monetarismo de Milton Friedman, a Escola Austríaca de Friederick von Hayek e Ludwig von Mises e a Escola de Virgínia – Thomas Jefferson Center Studies in Political Economy - cujos autores principais são James Buchanan, Anthony Downs, Mancur Olson, Gordon Tullock e Niskanen (BORGES, 2001a).

Esta concepção conservadora de governabilidade foi funcional às reformas empreendidas nos países centrais (com destaque para o bloco conservador constituído por Ronald Reagan, Margaret Tatcher e Helmut Kohl no início dos anos 1980) e, após a crise da dívida externa dos países da América Latina detonada pela moratória mexicana em 1982 e tudo que marcou a “década perdida” – hiperinflação, choques heterodoxos, ajustes recessivos recomendados pelo FMI, desorganização microeconômica – estendida também a tal subcontinente no que John Williamson chamou de “Consenso de Washington” em 1989 (BRUM, 1999).

Portanto, neste período, a governabilidade passou a ser compreendida como a capacidade dos Estados-nacionais de criarem em seus respectivos países ambientes econômicos favoráveis ao investimento privado e ao capital estrangeiro (denominado de forma precisa por Edgardo Boeninger de enabling economic environment) por meio das medidas já conhecidas, quais sejam, disciplina fiscal, priorização de gastos em políticas sociais compensatórias, redução tarifária, liberalização cambial, financeira e comercial, privatização, desregulamentação, etc.

As reformas orientadas para o mercado (market-friendly) que desmontaram o padrão de industrialização por substituição de importações foram encaradas então como pré-requisito da governabilidade de tais países que, por sua vez é uma condição essencial para realização das mesmas, fechando uma circularidade muito evidenciada no Brasil durante os dois mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) para legitimar uma determinada retórica política, cujos detalhes serão analisados mais adiante neste trabalho.

Houve, inclusive, muita discussão na literatura baseada em estudos de caso de diversos países sobre o timing e o sequenciamento das reformas, o que as torna prováveis e as alianças que poderiam sustenta-las, com ênfase para impacto da tipologia de regimes – autoritário-tecnocrático, democracias híbridas, incompletas ou delegativas segundo O´Donnell - e a participação de alguns atores relevantes (empresariado e elites tecnoburocráticas com maior ou menor grau de autonomia em relação às coalizões distributivas descritas por Mancur Olson formadas em torno do aparelho do Estado na fase anterior).

Estes trabalhos inauguraram uma nova linha de pesquisa para melhor entendimento do processo de ajustamento estrutural (com destaque para os países andinos e do Leste Europeu) e reformulação das políticas denominada de economia política das reformas ou da transição – lembrando que a maioria de tais países vivia o processo de redemocratização política – desenvolvida por autores anglófonos como Barbara Geddes, Miles Kahler, Stephan Haggard, Robert Kaufman, Peter Evans, James Malloy, Catherine Conaghan, Barbara Stallings, Joan Nelson, Merilee Grindle, John W. Thomas e alguns brasileiros como Lourdes Sola, Maria Hermínia Tavares de Almeida e Eli Diniz.

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Tais avaliações, elaboradas ao final da década de 1980 e primeiros anos de 1990 com base nas experiências reais de implementação e, sobretudo, na assimilação dos eventos que seguiram-se ao fim da Guerra Fria, representaram numa certa medida uma reação ao ideário economicista que orientou a “primeira geração de reformas” (SANTISO, 2001) e uma revisão do Consenso de Washington que lhes forneceu o respectivo corpo doutrinário. Tal reação não representou uma ruptura, mas uma adaptação diante da contingência identificada para melhor instrumentalizar as ações dos países centrais nesta área e visualizar as relações entre o “equipamento institucional” de determinadas sociedades e seu desempenho econômico.

Eles permitiram na arena internacional a passagem para a “segunda geração de reformas” consubstanciada no neo-Consenso de Washington ou Consenso de Santiago, em função da Cúpula Ibero-americana de Chefes de Estado e Governo realizada nesta cidade e na vizinha Viña del Mar em novembro de 1996 que tentou articular melhor tal discurso gerando, como de costume, uma declaração ao final.

A premissa fundamental considerada neste momento é que as instituições (compreendidas como o conjunto de regras e procedimentos formais e informais que estruturam a relação dos cidadãos com as unidades políticas e econômicas de uma determinada sociedade) são a pré-condição essencial para o desenvolvimento sustentável na dimensão ambiental e equilibrado do ponto de vista social, o que rehabilitou o Estado na sua condição protagônica e sugeriu-lhe um novo padrão contextual de intervenção, que podemos qualificar de pós-liberal ou neoestatista de acordo com ALBUQUERQUE (1991).

De acordo com SANTISO (2001), este novo discurso caracteriza-se mais como uma polifonia do que uma sinfonia harmônica, em virtude das diferentes raízes teórico-analíticas das contribuições vindas de algumas auto-subversões disciplinares (num sentido hirschmaniano), agrupadas nos “novos institucionalismos”, conforme denominação de March e Olsen. O cientista político brasileiro Marcus André Melo (2002) distingue para fins didáticos três grandes novos institucionalismos, a saber:

I - Um de caráter sociológico que critica os postulados da escolha racional (comportamento maximizador) com ênfase para a Sociologia Econômica, burocracia e organizações;

II - Um segundo marcado pela social choice que caracteriza-se pelo individualismo metodológico e pela concentração em estudos legislativos; e

III - Um terceiro, denominado neoinstitucionalismo econômico, que a partir da teoria microeconômica compreende as instituições como contratos entre os atores envolvidos, incluindo custos de transação e perdas de relação.

Os principais autores que trabalharam nesta perspectiva foram Douglas North, Oliver Williamson, James March e Johan Olsen, Walter Powell, Paul DiMaggio, George Tsebelis, Alfred Stepan, Matthew Shugart, Randall Calvert, Robert Goodin, Matthew McCubbins, dentre outros.

A segunda geração, complementar à primeira como dissemos, desloca a perspectiva analítica sobre os governos dos aspectos positivistas relacionados à crise dos anos 1970/80 de novo para os seus aspectos normativos (o “bom governo” traduzido de good governance) e atribui à governabilidade uma âncora ético-democrática secundada pelas relações de poder. Este deslocamento reatribui à teoria do desenvolvimento político um signo mais otimista, no qual democracia e desenvolvimento andariam de mãos dadas, posto em xeque pela “inflexão à direita” liderada por Huntington.

Sua formação vem tanto da leitura das elites internacionais ligadas ao mercado acerca do caráter incompleto das reformas estruturais na periferia e semiperiferia, que esbarraram em traços históricos como patrimonialismo, nepotismo, corrupção, desprofissionalização dos agentes públicos, instabilidade no marco regulatório para o consumo e acumulação, desrespeito aos contratos e reatribuíram um papel de relevo ao Estado e seu aparelho na superação do que Kahler chamou de paradoxo ortodoxo, quanto de um conjunto de experiências reformistas no rastro da crise do Estado pautadas pela descentralização, emancipação dos cidadãos, crescimento do controle social, formação de novos espaços públicos ampliados de participação sumarizadas na local governance, que têm como baluarte das transformações a própria sociedade civil (enfatizando o papel dos movimentos sociais como sujeitos do núcleo da resistência democrática e contra-

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hegemônica aos mercados). Trata-se, portanto de reequilibrar a balança em favor do Estado e da sociedade civil como contra-poderes em relação ao absolutismo mercantil pregado no início.

SANTOS (2001) afirma que à crise do reformismo social patrocinado pelo Estado (keynesianismo) sucedeu-se à sua própria reforma, por sua vez dividida em duas grandes fases compatíveis com as gerações apontadas aqui. Na primeira o Estado é visto como irreformável por seu caráter parasitário, ineficaz e predador e a única alternativa viável é reduzi-lo ao mínimo, como um mal necessário. Na segunda o pêndulo passa para o reformismo estatal (trata-se agora de reconstruir e não mais eliminar), tarefa dos setores da sociedade com capacidade de intervenção no Estado, diferenciando-se da primeira por seu caráter mais complexo do ponto de vista social e político.

Nesta mesma linha, ALBUQUERQUE (1991) afirma que o Estado neoliberal preconizado após a crise da social-democracia nos países centrais e do Estado desenvolvimentista nos países da semiperiferia são referências estratégicas ou polares feita por uma determinada sociedade quando existem condições materiais para tal. O Estado pós-liberal surge como uma alternativa tática diante das restrições dos mercados nacionais, dos choques desestabilizadores e dos níveis de produção e produtividade presentes. Resta saber apenas se é um recuo situacional do neoliberalismo ou um retorno da social-democracia renovada a partir das premissas neoliberais.

Uma outra fonte importante foram os estudos empíricos realizados no campo das políticas públicas por autores que utilizam-se do instrumental analítico neoinstitucionalista – com ênfase na teoria dos jogos - para melhor compreender as três grandes fases ou funções do chamado policy cicle (formulação, implementação e avaliação), tratadas na literatura anglo-saxônica em separado.

Destacam-se autores como Carol Weiss, P.H. Rossi, H. E. Freeman, Jan Erik Lane, Pressman, Wildavsky, Michael Lipsky e Paul Sabatier que entendem a implementação como momento definidor das políticas públicas, propondo um padrão de relacionamento entre os atores baseado na troca, negociação, barganha, dissenso e contradição, ambiguidade de objetivos, problemas de coordenação intergovernamental, recursos limitados, identificação dos “nós críticos” e informação escassa no qual categorias analíticas como ambiente de política (policy environment), aprendizado, stakeholders, street-level bureaucracy, redes, coalizões de defensores (advocacy coalitions) são fundamentais para determinação do êxito ou fracasso de certas políticas públicas, a exemplo das reformas de ajustamento estrutural.

Do ponto de vista ideológico, esta variante pretendeu contrapor a superioridade alocativa dos mercados apontada pelo triunfalismo neoliberal demonstrando que estes operam num vazio institucional condicionado pelas estruturas de governance.

Aqui destacam-se alguns autores que objetivaram de forma nem sempre intencional resgatar uma proposta situada mais ao centro (denominada por Anthony Giddens de Terceira Via), equidistante tanto dos excessos do ultraliberalismo – que existiu apenas como uma referência retórica e teórica - quanto do socialismo real e do marxismo-leninismo dogmático, como Adam Przeworski, Ted Gaebler, David Osborne, José Maria Maravall, Nuria Cunill Grau, Amartya Sen, Robert Putnam, Peter Spink, Gillermo O´Donnel, Luiz Carlos Bresser Pereira, Juan Catalá, dentre outros.

Como corolário desta tendência, que tem um dos seus principais marcos nos relatórios das agências multilaterais como o Banco Mundial de 1991, 1992 e 1997, além do livro organizado em 1998 por Shahid Burki e Gillermo Perry entitulado Beyond the Washington Consensus: Institutional Matter e PNUD sobre desenvolvimento humano sustentável centrados na variável governance, temos a categoria da governabilidade democrática que pretende integrar no equipamento institucional Estado, mercado e sociedade civil considerando aspectos econômicos, jurídicos, sociológicos, tecnológicos, políticos, ambientais, humanos, éticos, etc.

É importante notar que a própria categoria “equipamento institucional” adotada neste trabalho é uma contradição em termos pois, como dissemos acima, as instituições diferenciam-se das organizações (objeto das reformas administrativas patrocinadas pelas agências multilaterais desde a década de 1950) por seu caráter substantivo e não instrumental – como a sugere a palavra equipamento. De acordo com CATALÁ (1998), as instituições decorrem da evolução histórica de cada país, mas não foram pré-projetadas, construídas por vontade ou possuem fins específicos como

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as organizações. Sua utilização deriva da capacidade de adequação ao raciocínio apresentado neste trabalho.

Esta problematização não está livre das controvérsias habituais, pois tem uma série de deficiências ou lacunas nos aspectos teórico-conceituais, analíticos e metodológicos, como a dificuldade para uma melhor definição do que se entende por desenvolvimento e operacionalização das dimensões que compõem esta variável, com os respectivos indicadores que possam conferir-lhe maior conteúdo empírico.

Esta compreensão de governabilidade democrática foi instrumental – algo comum quando trata-se de organismos operativos - também à cooperação baseada na assistência financeira/técnica concedida pelas agências nos processos denominados de nation-building (construção de nações) em países da América Central e Caribe, África Subsaariana, Bálcãs e Sudeste Asiático que atravessaram guerras civis recentes, como no caso do Timor Leste. Os princípios que passaram a guiar a abordagem de tais programas são transparência, responsabilização, participação, descentralização, efetividade, delegação (empowerment), equidade, capital social, accountability, etc.

Ela pretende, portanto, propor uma abordagem integradora às dimensões do desenvolvimento a partir de uma nova teoria de base ainda em gestação, que supera a crença de que o desenvolvimento resulta da combinação de capital físico + financeiro + ciência + tecnologia + capital humano + eficiência organizacional, administrados com sabedoria pelas agências centrais de planejamento (convicção compartilhada pelos dois blocos durante a Guerra Fria).

Dentre os diversos autores que vêm destacando-se no tratamento destas categorias em nível internacional (tendo como um ponto de encontro o Instituto Internacional de Gobernabilidad sediado em Barcelona) como Michael Coppedge, Manuel Antônio Garretón, Francisco Rojas, Fernando Zumbado, Eduardo Feldman, Carlos Santiso, César Nicandro Cruz, Manuel Alcântara, Rolando Franco, Angel Flisfisch, Luciano Tomassini, Edgardo Boeninger, Andrew Dunsire, Xávier Árbos, Salvador Giner e Renate Mayntz, temos a formulação proposta pelo holandês Jan Kooiman como situada no “estado-da-arte” desta área.

Kooiman compreende as sociedades como sistemas autopoiéticos – sem distinção entre ambiente interno e externo e com toda mudança originada no seu próprio padrão de interação, da forma proposta pelos autores chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela - nos quais o conteúdo de dinamismo, complexidade e diversidade e as interações entre atores públicos e grupos de interesse privados condicionam sua posição como objeto de governo, bem como influenciam os sujeitos deste processo no seu condicionamento.

Tal raciocínio, tributário à Cibernética (que pretendeu cumprir o papel de ciência interdisciplinar num certo momento histórico) e à Teoria da Contingência (para a qual a única variável independente é o ambiente externo, diferenciando as organizações em mecânicas e orgânicas conforme seu imperativo ambiental) e avançando em relação à TGS, propõe que os sistemas – inclusive os sócio-políticos de que tratamos aqui - são fechados, auto-referentes e engajam-se em padrões interacionistas circulares nos quais a mudança em uma parte relaciona-se com as mudanças em todas as outras.

Ou seja, a interação de um sistema com o seu “ambiente externo” representa a sua própria organização, na medida em que ele o faz apenas para facilitar sua auto-reprodução baseado no padrão citado acima (isto quer dizer que todas as mudanças são definidas internamente).

O principal ganho analítico desta perspectiva está na lógica da causalidade mútua, substituta da causalidade mecânica/linear em que A causa B. Para as abordagens convencionais, segundo KOOIMAN (1999), a complexidade, dinamismo e diversidade são consideradas como “efeitos colaterais” que não couberam nos modelos aplicados e devem ser eliminados.

Através dos padrões circulares de interação de cada sistema e do mecanismo de feedback positivo e negativo com diversas forças interagentes, temos um equipamento teórico-analítico melhor para lidar com uma realidade complexa, interdependente, dinâmica, marcada pela incerteza e instabilidade que exige instrumentais com as mesmas propriedades. O segredo está na compreensão adequada do padrão interacionista entre os agentes públicos e privados de cada sistema para presumir sua direção (observando também elementos aleatórios).

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As categorias apresentadas por Kooiman representam processos contextuais diferentes, quais sejam: governing (esforços no sentido de coordenar, orientar, influir e equilibrar os atores na definição das suas necessidades), governance (estrutura do sistema sócio-político que condiciona as capacidades) e governability (propriedade conjunta do sistema para governar-se a si mesmo de forma autopoiética no contexto de outros sistemas mais amplos dos quais faz parte).

Este sentido de governability procura superar uma dicotomia que sempre esteve no centro das tensões inerentes ao processo de governo, opondo necessidades e capacidades, eficiência e legitimidade, perspectiva do Estado e da cidadania, governantes e governados, elites e massas, o descritivo e prescritivo, ao preconizar que ambos os aspectos são construídos pela sociedade de forma dialógica e não-conflitiva. Podemos perceber também uma relação com o método funcionalista que, opondo-se ao dialético, buscava identificar a função exercida por cada um dos atores sociais na ordem da sociedade e não o conflito como força motriz da mudança.

Para concluir este Capítulo dedicamo-nos um pouco ao adjetivo democrática que, ao longo dos anos 1990, passou a qualificar a governabilidade e é visto por alguns como apenas mais um adereço para chamar a atenção. Como vimos, todo o corpo teórico-doutrinário balizador da segunda geração de reformas, a despeito de incorporar contribuições de diversas áreas das Ciências Sociais e de constituir-se numa polifonia, pretendeu apresentar uma alternativa pragmática aos termos do debate sobre governabilidade, crise do Estado e globalização em curso.

Para um conjunto de autores neomarxistas que seguem uma tendência hiperestruturalista ou até neodependentista (como Robert Kurz, José Luiz Fiori, Giovanni Arrighi e François Chesnais) na qual as elites nacionais são meras reféns ou sócias das decisões tomadas nas arenas internacionais por agentes que lhe fogem ao controle – não havendo espaço para iniciativa política dos governos - e os autores do ultraliberalismo que citamos acima, o regime democrático era o que SOLA (2001) chama de “categoria residual”, por não ocupar o centro das análises e pelo relativo ceticismo quanto ao seu caráter transformador (baseado talvez na distância entre os aspectos maximalistas e substantivos das democracias e o seu real desempenho).

Para os autores que alinham-se a esta compreensão de governabilidade que enfatiza seu traço democrático e republicano e reatribui ao Estado um papel de destaque nas teorias gerais da mudança sócio-política (CATALÁ, 1998), o reconhecimento pelos países latino-americanos da democracia liberal, da economia de mercado, da luta contra a pobreza e desigualdade (com base nas políticas sociais focalizadas nos segmentos sociais mais desfavorecidos), da inserção na ordem global e da reforma do Estado são postulados centrais a serem considerados em resposta à falácias do neoliberalismo apontadas por OFFE (2001).

Segundo MELO (1995) “a questão da governabilidade não se circunscreve à questão institucional; ela se imbrica num plano mais amplo na questão das virtudes da democracia e de sua capacidade resolutiva. No plano mais imediato ela diz respeito aos imperativos de ajuste econômico e, mais importante, de se produzir bens públicos e da redução da desigualdade e eliminação da pobreza numa sociedade estruturalmente heterogênea”. (MELO, pg. 48, 1995). 3 – Compreensão pelos autores brasileiros 3.1 – Considerações iniciais

O debate sobre a governabilidade no Brasil tem sido intenso, pelo menos desde a redemocratização política em 1985. As discussões se dão não apenas no meio acadêmico, mas também no político e junto à opinião pública de uma forma geral, com destaque para a imprensa e o próprio meio empresarial que vêm buscando significado na prolongada crise brasileira portadora de um caráter quase permanente. O tema foi objeto de vários fóruns nacionais realizados pelo Instituto Nacional de Altos Estudos dirigido pelo economista João Paulo dos Reis Velloso (ministro do planejamento dentre os anos de 1969 e 1979 e patrono do IPEA).

É importante pontuar os principais eventos de tal “crise permanente” para que possamos entender a recorrência a estas categorias, considerando que tal trabalho destina-se a uma platéia internacional. Pedimos, portanto, perdão aos leitores brasileiros ou aqueles com maior conhecimento sobre nossa história no caso de repetição e recomendamos avançar no texto.

Tivemos no Brasil 21 anos de um regime autoritário civil-militar (1964-1985) no qual a

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ocupação da Presidência da República foi decidida pela cúpula das Forças Armadas e exercida de modo rotativo por cinco generais-presidentes, diferindo um pouco da experiência chilena e espanhola, por exemplo.

Estas cumpriram na história brasileira (com maior destaque desde a Guerra do Paraguai entre 1864 e 1870) o papel de poder moderador reservado pela Constituição de 1824 ao Imperador, intervindo sempre que surgiam crises institucionais entre os poderes e restaurando a autoridade civil em seguida. É algo equivalente ao pretorianismo apontado por Huntington, no qual a guarda palaciana adquire papel central.

Assim ocorreu na queda do Imperador Dom Pedro II e proclamação da república em 1889; na revolução de 1930 que encerrou a República Velha e entronizou o Presidente Getúlio Vargas; no golpe proferido por este na instalação do Estado Novo em 1937; na sua deposição em 1945; na sua segunda passagem pela Presidência (1951-1954) com desfecho trágico; na posse do Presidente Juscelino Kubtischek em 1956; na renúncia de Jânio Quadros em 1961 e, por fim, no golpe de Estado que encerrou o mandato constitucional do Presidente João Goulart em 1964.

Nesta ocasião, diferente das outras, a crise institucional que motivou a intervenção militar revelou-se não mais conjuntural como as anteriores, mas resultado de uma confluência de crises estruturais do populismo e do desenvolvimento capitalista baseado na industrialização por substituição de importações, que levaram o país à uma bifurcação na sua trajetória histórica no início dos anos 1960, à uma profunda dispersão entre as elites e à polarização político-ideológica que resultaram na ruptura institucional (explicada por Huntington pela baixa capacidade de institucionalização).

O penúltimo Presidente do ciclo militar, o General Ernesto Geisel, assumiu a Presidência em 1974 após o período mais tenso do regime na sequência da edição do Ato Institucional n° 5, que o instalou de forma mais acabada ao fechar os principais canais de oposição e empurrar algumas forças políticas situadas à esquerda para a marginalidade e o radicalismo terrorista-guerrilheiro. Durante a vigência do regime foi montado um imenso aparelho repressor composto por diversas agências (SNI, DOI-CODI, DOPS) e seus respectivos agentes que o operacionalizavam. O desmonte de tal aparelho e a passagem para uma democracia civil reveleram-se tarefas difíceis e longas.

Portanto, desde a redemocratização com a abertura promovida pelo General Geisel a partir de 1974 e a eleição indireta do primeiro presidente civil (Tancredo Neves) em 1985, tivemos a morte deste último e a ascensão à Presidência do vice-presidente José Sarney (que fora presidente nacional do Partido do regime – ARENA), a Assembléia Constituinte (1987-1988), a eleição presidencial em 1989 marcada por forte disputa e polarização ideológica direita/esquerda com os candidatos Fernando Collor de Melo e Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno, o impeachmeant de Collor em 1992, o plebiscito sobre forma e sistema de governo/revisão constitucional em 1993 e a eleição de Fernando Henrique Cardoso em 1994.

Feito este esclarecimento, nos concentraremos aqui, em virtude dos objetivos desta pesquisa, numa breve revisão do debate acadêmico travado no Brasil em torno das categorias de governabilidade e governança e sua articulação com as grandes tendências presentes na arena internacional, conforme pretendemos demonstrar no Capítulo anterior. 3.2 – Argumentos sobre a ingovernabilidade da democracia brasileira

O tema da governabilidade tem sido uma espécie de “referência obrigatória” dentre os autores brasileiros, com ênfase para os cientistas políticos (“politólogos”). Podemos dizer que quase todos os autores de destaque na área trabalharam esta categoria num ou noutro momento, em virtude da centralidade adquirida por ela no debate.

Alguns privilegiaram abordagens mais totalizantes ou agregadas nas quais analisam as causas estruturais e conjunturais da crise atravessada pelo país e outros concentraram-se mais em aspectos tópicos com orientação empirista nesta agenda de pesquisa, tais como a relação Executivo-Legislativo, Estado-sociedade, regime parlamentarista e presidencialista, partidos, sistema eleitoral, reforma do Estado, etc.

MELO (1995) aponta cinco grandes argumentos de ingovernabilidade presentes na literatura

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brasileira sobre o tema. Embora eles não sejam exaustivos e completos, podemos afirmar que são estruturantes do debate, gerando posições favoráveis e contrárias. São eles:

I – A causa principal da ingovernabilidade é a saturação da agenda pública, em especial após a redemocratização e universalização de alguns direitos sociais feita pela Constituição de 1988. Podemos perceber aqui o diagnóstico de Huntington sobre o descompasso entre oferta e demanda de políticas públicas provocada pelo “igualitarismo” engendrado pelo Estado de bem-estar social por meio da expansão das franquias democráticas (acesso a equipamentos sociais);

II – Excesso de participação e baixa institucionalização na Nova República. A incapacidade de agenciamento dos recursos políticos apontada para a Comissão Trilateral como causa central da ingovernabilidade, com a dificuldade de acomodação dos conflitos políticos e sociais após 21 anos de contenção pelo Estado, se faz presente neste argumento (segundo Wanderley Guilherme dos Santos, durante o regime autoritário a cidadania entrou em “recesso”);

III – Pacto federativo, federalismo fiscal e efeitos negativos da descentralização de políticas públicas para Estados e municípios. Conforme veremos adiante, a fragilidade da União diante dos governadores de Estado e prefeitos municipais resultou na formação de uma série de pontos de veto e numa situação que acabaria por reverter este arranjo;

IV – Conversão do Poder Judiciário em ator político e fonte de incertezas para a gestão econômica. É o processo denominado de “cautelarização”, ou seja, de emissão de medidas cautelares (mandados de segurança e liminares) que não cumprem os rigores processualistas necessários (julgamento do mérito, direito de defesa), o que resulta numa decisões importantes amparadas por instrumentos desta natureza fruto de uma aliança entre determinados segmentos sociais (com destaque para a imprensa), setores do Ministério Público e do Poder Judiciário;

V – Excesso de governo (hiperpolitização da agenda pública e corrupção). Reflexo imediato do primeiro argumento. Como resultado da saturação da agenda pública, muitas matérias consideradas de conteúdo técnico (como reajustes tarifários nos serviços públicos, defesa do consumidor e da concorrência, política econômica) são “politizadas” de forma indevida, o que tende para o populismo no trato destas temas.

Podemos distinguir, para fins de apresentação neste trabalho, duas grandes vertentes analíticas presentes na literatura brasileira, com base nas duas gerações de reformas descritas no Capítulo anterior. Incluímos nesta bibliografia alguns autores estrangeiros radicados no Brasil ou caracterizados como “brasilianistas” por dedicarem várias obras ao estudo da realidade brasileira e pela sua influência no debate.

Uma primeira, hegemônica durante os mandatos dos Presidentes José Sarney (1985-1990), Fernando Collor de Melo (1990-1992) e Itamar Franco (1992-1994) – compreendo os episódios históricos já citados - promoveu uma aculturação dos argumentos pessimistas quanto à recém-restaurada e frágil democracia brasileira, destacando seu caminho no limiar da restauração autoritária e as tendências centrífugas e desagregadoras na linha proposta no Crisis of Democracy (1975).

Os principais autores aqui são Bolívar Lamounier, Luciano Martins, Hélio Jaguaribe, Sérgio Abranches, Amaury de Souza, Thimothy Power, Edmar Bacha, Alexandre Marques, Scott Mainwaring, Alfred Stepan, Fábio Wanderley Reis, João Paulo dos Reis Velloso, Maria Kinzo, Gillermo O´Donnell e, no que refere-se à crítica ao regime presidencialista, José Serra e Fernando Henrique Cardoso.

Um dos temas mais trabalhados é o choque entre os aspectos consociativos e majoritários nos termos de Liphart no sistema político, que estaria na raiz da nossa paralisia política e ingovernabilidade. O plebiscitarismo aplica-se à legitimação da Presidência da República e os demais cargos majoritários (governadores dos Estados, senadores, prefeitos) e o consociativismo é muito forte no sistema eleitoral para os cargos proporcionais – Poder Legislativo – e na estrutura da federação. Alguns autores, como Lamounier e Jaguaribe, favoráveis ao parlamentarismo, argumentam que em tal sistema de governo não há este desencontro, pois o Poder Executivo possui a mesma fonte de legitimidade do Legislativo e é exercido sob delegação deste último.

Conforme POWER (1997), “a gestão macroeconômica entre 1985 e 1994 esteve próxima ao colapso, pontuada por sete planos de estabilização fracassados. Neste período o Brasil teve a taxa

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de inflação acumulada mais alta do mundo, renda pessoal estagnada ou em queda e crescimento negativo entre 1990-1992. A maioria dos diagnósticos sobre a doença do Brasil apontava para a falta de condições políticas para a estabilização macroeconômica e os analistas começaram a falar de uma crise de governabilidade”. (POWER, pg. 13, 1997).

A partir de 1994, com o sucesso do Plano Real e a formação da coalizão de centro-direita que garantiu a vitória do Presidente FHC em primeiro turno e colocou as reformas orientadas para o mercado no centro de gravidade ideológico nacional conforme GRAEFF (2000), somado aos avanços na compreensão da temática da governabilidade em articulação com a reforma do Estado e de seu aparelho na arena internacional, o debate ganha novos termos

Com a formulação e apresentação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado em 1995 que, pela primeira vez desde o Decreto-Lei 200/67, sistematizou uma estratégia global das elites brasileiras neste campo, uma nova concepção de governabilidade e governança - mais alinhada à segunda geração de reformas - ganha força e passa a nortear as discussões.

Nesta nova vertente analítica destacam-se o próprio Luiz Carlos Bresser Pereira, Eli Diniz, Sérgio de Azevedo, Luciano Martins (convertido ao novo credo), Phillipe Faucher, Caio Marini Ferreira, Maria das Graças Rua, Marcus André Melo, Marco Aurélio Nogueira, José Luiz Fiori, Anete Ivo, Leonardo Bento, Maria Helena Castro Santos, Maria Hermínia Tavares de Almeida, Wanderley Guilherme dos Santos, Lourdes Sola, dentre outros.

Este conjunto de autores preconiza (a exemplo de seus pares internacionais) não apenas a incorporação das dimensões sociológica e política na análise sobre a crise do Estado, mas também a utilização das categorias de governabilidade e governança como lentes adequadas para a sua compreensão e consequente superação nos marcos do regime democrático brasileiro.

O debate em torno destas categorias e sua utilidade, que foi muito intenso no primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), destacando a forte presença do Ministro Bresser Pereira no meio acadêmico em defesa da proposta de reforma do Estado e de seu aparelho consubstanciada no Plano Diretor, arrefeceu de lá para cá e tem acompanhado muito pouco as evoluções deste campo na arena internacional, em especial em língua inglesa e espanhola, além das mudanças institucionais no Brasil como a Emenda 16 (reeleição), 32 (medidas provisórias) e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Abordaremos melhor tal lacuna na conclusão deste trabalho.

Não cabe aqui resenhar as perspectivas adotadas por cada um destes autores, que possuem diferenças significativas e merecem um melhor tratamento. Faremos, portanto, uma breve revisão teórico-analítica cujo objetivo é expor aos leitores nosso entendimento das categorias de governabilidade e governança gerado em estudo comparativo entre três tipologias feito por ARAÚJO (2002) que orienta este trabalho e será empregado no caso selecionado.

3.3 – Proposta de distinção teórico-analítica para governabilidade e governança

A despeito da condição de categoria estratégica da governabilidade/governança somos capazes de citar algumas características comuns entre as diferentes conceituações existentes e estabelecer alguns paralelos para fins de exposição.

É quase consensual que tais categorias mantêm entre si uma relação muito forte, sendo complementares e o seu vínculo instável, dinâmico e indissolúvel, cabendo a separação apenas para fins analíticos.

Numa definição genérica podemos dizer que a governabilidade democrática refere-se às próprias condições substantivas/materiais de exercício do poder e de legitimidade do Estado e do seu governo derivadas da sua postura diante da sociedade civil e do mercado. Pode ser concebida como a autoridade política do Estado em si, entendida como a capacidade que este tem para agregar os múltiplos interesses dispersos pela sociedade e apresentar-lhes um objetivo comum para o curto, médio e longo prazos, ou seja, o agenciamento dos recursos políticos conforme definidos por Huntington.

Estas condições podem ser sumarizadas como o apoio obtido pelo Estado às suas políticas e à sua capacidade de articular alianças e coalizões entre os diferentes grupos sócio-políticos para viabilizar o projeto de Estado e sociedade a ser implementado.

É importante lembrar também, como mais um elemento distintivo com a governança, que a

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fonte ou origem principal da governabilidade são os cidadãos e a cidadania organizada (com destaque para as suas elites), ou seja, é partir deles que surgem e se desenvolvem as condições citadas acima como imperativas para a governabilidade plena.

Já a governança pode ser entendida como a outra face de um mesmo processo, ou seja, como os aspectos adjetivos/instrumentais do exercício do poder pelo Estado. Em geral cita-se a governança como a capacidade que um determinado governo tem para formular e implementar as suas políticas. Esta capacidade pode ser decomposta do ponto de vista analítico em financeira, gerencial e técnica, todas importantes para a consecução das metas coletivas definidas pela coletividade.

Destacamos aqui que, diferente da governabilidade, a fonte da governança não são os cidadãos ou a cidadania organizada em si mesma, mas sim um prolongamento desta, qual seja, os próprios agentes públicos ou servidores do Estado que possibilitam a formulação/implementação correta das políticas públicas e representam a face deste diante da sociedade civil e do mercado, no setor de prestação de serviços diretos ao público.

Cabe salientar também que a governança tem como um postulado fundamental condições mínimas razoáveis de governabilidade. Supondo, numa circunstância de caos, crise, ruptura ou reversão institucional, será muito difícil (por melhor preparado no sentido técnico que seja o aparelho do Estado), senão impossível, atingir a governança no sentido mais restrito, dado o seu caráter instrumental como enfatizado acima e a indefinição de fins típica de situações desta natureza. O máximo possível seria a manutenção de condições mínimas que garantam a transição de um contexto para outro como, aliás, foi o caso brasileiro em certas épocas.

De acordo com BRESSER PEREIRA (1998), sem governabilidade plena é impossível obter a governança, mas esta pode ser muito deficiente em situações satisfatórias de governabilidade, como a presente no Brasil. Isto aponta para o diagnóstico feito por MARTINS (1995) de que no caso brasileiro não há na atualidade uma verdadeira “crise de governabilidade” como temos em outros países, mas sim uma “crise de governança”. Esta concepção de governança contempla também a chamada capacidade de aglutinar diversos interesses, constituindo um elo de articulação estável entre esta e a governabilidade.

Todos os autores destacam também a relação orgânica existente entre a temática da governabilidade/governança e a da reforma do Estado e do seu aparelho, sendo as primeiras entendidas em geral como partes de um contexto mais amplo da segunda. A governança relaciona-se de forma mais direta com a reforma do aparelho, dado que o seu caráter é na essência instrumental (financeiro, administrativo e técnico) como salientado acima e que o grande objetivo da chamada reforma gerencial ou paradigma pós-burocrático é aprimorá-la como capacidade de melhor formulação/implementação/avaliação das políticas públicas.

Já a governabilidade relaciona-se de forma mais direta com a reforma do Estado, entendida também como a redefinição das relações Estado-sociedade, Estado-mercado e entre os poderes constituintes do Estado. O sistema político-partidário, a forma de governo e o mecanismo de intermediação de interesses dominante em uma determinada sociedade (pluralista, elitista, corporativo, neocorporativo, classista) dentre outros, constituem os principais fatores da reforma com os quais a governabilidade mantém uma relação mais estreita.

Segundo BRESSER PEREIRA (1998), “A governabilidade e a governança são conceitos mal-definidos, frequentemente confundidos. Para mim, governabilidade é uma capacidade política de governar derivada da relação de legitimidade do Estado e do seu governo com a sociedade; governança é a capacidade financeira e administrativa, em sentido amplo, de um governo implementar políticas”. (BRESSER PEREIRA, pg. 33, 1998). 4. Metodologia

Este trabalho constitui-se numa pesquisa exploratória e, de acordo com seu delineamento, num estudo de caso. Tal modalidade adequa-se aos seus objetivos em função da incipiência em que encontram-se a maior parte dos trabalhos, a simplicidade dos procedimentos técnicos, a complexidade do tema selecionado e da possibilidade de reformulação do problema e suas hipóteses em busca de uma maior depuração analítica, conforme descrição abaixo.

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De acordo com GIL (1994), as hipóteses devem ser conceitualmente claras, específicas, possuir referências empíricas, ser parcimoniosas, estar relacionadas com as técnicas disponíveis e com uma teoria que lhe sirva de base. As técnicas utilizadas neste trabalho são a pesquisa documental e bibliográfica.

A escolha da privatização da empresa Centrais Elétricas Mato-grossenses (Cemat) para ser analisada neste trabalho, dentre as várias organizações incluídas no Programa de Reforma do Estado em Mato Grosso (conforme veremos abaixo) decorre de alguns pontos importantes, a saber:

1 – De todas as sociedades de economia mista ou empresas públicas de propriedade do Estado de Mato Grosso, a única que conseguiu ser privatizada foi a Cemat, por tratar-se de um serviço público cujo fornecimento não pode ser interrompido e no qual o Estado sai da condição de produtor para regulador, mudando a sua posição no aspecto qualitativo. As demais ou não tiveram condições financeiras e patrimoniais para a privatização (como foi o caso do BEMAT), ou exerciam funções típicas de Estado com pouco interesse ao setor privado ou cujo marco regulatório em nível nacional estivesse pouco definido (SANEMAT). Na maior parte dos casos (COHAB, CASEMAT) houve uma combinação destes fatores acima descritos;

2 - Como a liquidação de organizações desta natureza é lenta, tortuosa e de difícil compreensão para profissionais externos ao meio jurídico, contábil e econômico-financeiro, preferimos a privatização por seu caráter mais completo (contém início, meio e fim) e “clássico”, pela sua articulação com a política macroeconômica em curso e a formação uma base referencial-comparativa importante para observação de outros casos nacionais e internacionais.

3 – O setor elétrico, dentre os modais de infra-estrutura e os serviços públicos com predominância estatal até 1995 (telecomunicações, transportes, saneamento), possui características específicas que tornaram a sua re-regulamentação no contexto da reforma do Estado e de seu aparelho um objeto interessante para análise, como a distribuição de competências dentre as unidades da federação e a estrutura de propriedade fragmentada. Ainda não temos um modelo definido e o relacionamento entre os agentes novos (como o ONS, MAE e a ANEEL) e os velhos (Eletrobrás e suas subsidiárias, Ministério das Minas e Energia e Conselho Nacional de Política Energética) revelou-se confuso e crivado de conflitos, levados ao grande público na fratura exposta do racionamento de 2001/2002.

Segundo RHODES (1997), embora os estudos de caso sejam excessivos em algumas áreas (como História e Administração, por exemplo) e muito criticados por concentrarem-se no único e particular, eles são capazes de comparar e generalizar, desde que sejam feitas algumas ressalvas metodológicas. Eckstein fez uma discussão interessante nos anos 1970 sobre os estudos de caso em Ciência Política e apresentou a seguinte tipologia ou gênero composto por cinco espécies, a saber:

1 – Configurativo-idiográfico: descrição de objetos específicos; 2 – Disciplinar-configurativo: aplicação de leis gerais a objetos específicos; 3 – Heurísticos: construção de teoria ao identificar problemas gerais e possibilidades teóricas

de solução; 4 – Provas de plausibilidade: conduzidos como testes preliminares de hipóteses para

verificação da sua validade; 5 – Cruciais: experimentos decisivos. Na sequência, Rhodes relembra que os estudos de caso não são apenas descritivos como

muitos afirmam. “Eles podem e de fato permitem generalizações. Eles constituem uma alternativa aos métodos quantitativos, não uma relação pobre”. (RHODES, pg. 82, 1997).

Ou seja, os estudos de caso são capazes de combinar as “questões – o que” dos historiadores que preferem narrações com as “questões – por quê” dos cientistas políticos, mais suscetíveis às dissertações. O problema está na mescla de descrição e análise, que encontra aí uma solução plausível.

Bem, após esta contextualização inicial, podemos detalhar mais os aspectos metodológicos deste trabalho. Como já dissemos, trata-se de um estudo de caso sobre a privatização da empresa de energia elétrica de propriedade do Estado de Mato Grosso que tem como objetivo geral identificar a coalizão social e política que tornou possível ao Poder Executivo estadual promover tal reforma, no marco da governabilidade democrática descrita no Capítulo anterior.

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Os objetivos específicos são a identificar as características estruturais da dinâmica político-institucional dos Estados no plano federativo brasileiro, detalhar a reforma do Estado e de seu aparelho realizada em Mato Grosso, descrever a privatização da Cemat e submeter as hipóteses apresentadas ao teste de acordo com as evidências levantadas pela pesquisa.

Trata-se, conforme a tipologia de Eckstein, de um estudo de caso da espécie “provas de plausibilidade”. Formulamos um referencial metodológico inicial composto pelo problema da pesquisa e suas hipóteses de trabalho que pretendem orienta-lo. Através da aplicação iterativa (reiterada, continuada) proposta por Yin apud RHODES (1997), uma proposição teórica inicial é feita e as conclusões da pesquisa comparadas com ela, permitindo a sua revisão e a comparação de outros detalhes em seguida, repetindo-se tal procedimento até que a proposição aproxime-se da realidade empírica que está sendo analisada (numa analogia com o método das aproximações sucessivas em estudos sócio-econômicos) e possamos chegar a conclusões com maior capacidade de generalização pela submissão aos testes.

Neste trabalho nos limitaremos apenas à uma “primeira aproximação” sob este enquadramento. Não faremos uma análise comparativa completa com processos congêneres ocorridos em outros Estados brasileiros por limitações operacionais da própria pesquisa, mas ao testarmos as variáveis críticas que contribuíram para a formação da coalizão social e política para a privatização da Cemat apresentadas nas hipóteses de trabalho, faremos a verificação da sua existência em outros casos para validar a eficácia explicativa.

Nosso tema, portanto, é a formação de consensos sociais e políticos para a reforma do estado e de seu aparelho em unidades subnacionais no Brasil (Estados), examinado no marco da governabilidade democrática proposto acima.

Com base nisto, enunciamos nosso problema de pesquisa da seguinte forma: quais foram as variáveis críticas para a formação da coalizão social e política que viabilizou a privatização da Cemat, na perspectiva da governabilidade democrática?

Para responder a esta pergunta, apresentamos quatro hipóteses de trabalho baseadas na compreensão teórico-conceitual detalhada no Capítulo anterior sobre as dimensões da governabilidade/governança, que enfatiza tanto os aspectos substantivos/materiais da autoridade política do Estado e sua legitimidade diante da cidadania (hipóteses 3 e 4) quanto os adjetivos/instrumentais (hipóteses 1 e 2).

Hipótese 1 – A situação do setor elétrico no Brasil e alguns indicadores relativos à situação da Cemat (estrutura desverticalizada, funcionários, indicadores financeiros e operacionais, passivo, localização, dimensão) contribuíram para a privatização. Algumas variáveis relacionadas à Cemat e ao setor elétrico também ajudam a compreender o resultado da política de reforma. Aqui considera-se que em 1994 havia uma crise em escala nacional neste setor (FERREIRA, 1999), com diversas obras paradas, investimento em queda e incertezas quanto ao marco regulatório a ser adotado. No caso de Mato Grosso, tal crise se fez sentir de forma mais contundente pelas características da economia estadual e o papel exercido pela mesma na divisão nacional/internacional do trabalho (periférica, pouco industrializada mas núcleo de expansão da fronteira agrícola com crescimento absoluto superior à maioria dos outros Estados) e pela sua dependência de fornecimento energético externo, apesar do elevado potencial para geração.

Hipótese 2 – A situação orçamentária, financeira e patrimonial do Estado de Mato Grosso estava deteriorada. Os indicadores orçamentários, financeiros e patrimoniais do Estado encontravam-se num determinado estágio de deterioração em 1994 que, adotando uma formulação incrementalista, catalisaram os efeitos da variável disruptiva externa (Plano Real) que trouxe à tona a crise das finanças estaduais, conforme descreveremos com mais detalhes no Capítulo 5.

Hipótese 3 – A formação de uma coalizão nacional voltada para a reforma do Estado e de seu aparelho adotada a partir de 1995 contribuiu para o avanço de tal processo no nível estadual. Nas eleições gerais de 1994 (Presidente da República, governadores, Assembléias Legislativas, Câmara dos Deputados e 2/3 do Senado Federal) e no período que a antecedeu, tivemos no Brasil a formação de uma coalizão voltada para a estabilidade monetária e a superação das sucessivas crises políticas, consubstanciadas na candidatura vitoriosa no 1° turno de Fernando Henrique Cardoso. O conteúdo ideológico, político e programático de tal coalizão e as tarefas que

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passou a desempenhar durante os dois mandatos do Presidente FHC devem ser compreendidas, com ênfase para o federalismo e a reforma do Estado e de seu aparelho. É importante lembrar que o setor elétrico, a exemplo de muitos outros no Brasil, é de competência quase exclusiva da União, o que limita a atuação dos Estados em momentos de indefinição nacional.

Hipótese 4 – A dinâmica político-institucional dos Estados brasileiros e o seu posicionamento no contexto federativo influenciaram o processo decisório relativo às políticas de reforma e ajustamento estrutural em Mato Grosso. As unidades subnacionais no Brasil (Estados e municípios) possuem uma dinâmica político-institucional que difere da União em alguns aspectos importantes, caracterizada por ABRÚCIO (1998) de ultrapresidencialismo estadual. A descrição de tal dinâmica é central para a leitura das reformas empreendidas no nível estadual, como é o caso deste trabalho.

5. Características estruturais dos governos estaduais no Brasil 5.1 – Ultrapresidencialismo estadual

O tema do federalismo no Brasil sempre ocupou lugar central dentre as preocupações dos cientistas políticos, em virtude da própria formação da nossa federação na primeira Constituição da República em 1891, inspirada no arranjo norte-americano sem possuir, no entanto, as mesmas bases políticas e sociais e o histórico que levou as elites da nova nação reunidas na Convenção da Filadélfia em 1787 a optarem por tal modelo, com elevada contribuição de James Madison (que seria o quarto Presidente da República) e os Federalist Papers.

As idas e vindas dadas pelo federalismo ao longo do século XX – o colapso da República Velha, o Estado Novo, a República Populista de 1946-1964, o regime autoritário civil-militar e a redemocratização a partir de 1985 - e sua articulação com o processo mais largo de transformação de uma sociedade rural cuja economia baseava-se na plataforma agroexportadora com pauta restrita de commoditties (café, cacau, algodão, borracha e carne bovina) para uma sociedade urbano-industrial de peso considerável em seu subcontinente e no mundo sempre foram objeto de atenção especial pelos autores em Ciências Sociais.

Entretanto, nos últimos 20 anos três temas, embora distintos, tornaram-se interdependentes nesta agenda de pesquisa, quais sejam: a transição do regime autoritário para o democrático, a descentralização de políticas públicas no contexto federativo e a reforma do Estado.

Uma gama de autores e instituições de pesquisa brasileiros (FUNDAP, IPEA, BNDES, CEDEC) vem dedicando-se à uma melhor compreensão das diversas problemáticas nesta área de concentração, com destaque para Marta Arretche, Régis de Castro Andrade, Cláudio Gonçalves Couto, Flávio Rezende, David Samuels, Valeriano Mendes Costa, Aspásia Camargo, Carlos Thadeu de Oliveira, Fábio Giambiagi, Mônica Mora, Marcus André Melo, Sônia Draibe, Sônia Fleury, Vicente Rodriguez, Geraldo Biasoto Jr., Sérgio de Azevedo, Clélio Campolina Diniz, José Luiz Fiori, Brasílio Sallum Jr., Celina Souza, Peter Spink, Luiz Aureliano de Andrade e, last but no least, Fernando Luiz Abrúcio.

Os principais tópicos trabalhados são a descentralização de políticas sociais, as relações intergovernamentais (cooperação X competição), federalismo fiscal, dinâmica de funcionamento do Poder Legislativo no nível estadual e municipal e sua interação com o Executivo além das relações entre os três grandes itens que compõem esta agenda. Para os objetivos deste trabalho, nos concentraremos mais na obra do cientista político paulista Fernando Luiz Abrúcio.

Mestre e doutor em Ciência Política pela USP e considerado um dos expoentes da nova geração (vinculado à EAESP/FGV, à PUC/SP e ao CEDEC), aborda em seus trabalhos o locus governamental e detalha os principais aspectos da vertente pós-burocrática, adotando o instrumental da Ciência Política (que inclui variáveis como atores, processo interacionista, relação agente-principal, etc). Tanto na dissertação do mestrado quanto na tese de doutoramento, Abrúcio abordou a temática do federalismo com uma problematização útil para a nossa pesquisa.

Na sua dissertação de mestrado, publicada com o título sugestivo de “Barões da Federação”, Abrúcio (1998), descreve um padrão de relacionamento intergovernamental vigente no Brasil dentre os anos de 1982 a 1994 denominado por ele de “ultrapresidencialismo estadual”. Seu surgimento está ligado à fragilização do modelo varguista (tanto o nacional-desenvolvimentismo na economia

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quanto o corporativismo que marcou as relações Estado-sociedade), à incapacidade do governo militar de controlar a dinâmica política em função da crise da dívida externa e da consequente perda de legitimidade, à ascensão dos governadores e das elites locais e ao caráter assumido pela transição – com três eleições diretas para governador, senador e os cargos proporcionais em 1982, 1986 e 1990 e apenas uma isolada para a Presidência da República em 1989.

As duas proposições (uma no plano externo e outra no interno) apresentadas por Abrúcio que explicam as razões estruturais para formação do ultrapresidencialismo estadual no período, resumidas de forma esquemática, são:

I – Fortalecimento dos governadores no front externo em função do caráter assumido pela redemocratização. Aqui o destaque é dado à natureza da redemocratização no Brasil e à relação dos governadores com suas respectivas bancadas federais (deputados e senadores). A transição do regime autoritário para o democrático no Brasil, diferindo de outros países como Espanha e Chile, nos quais os Generais Francisco Franco e Augusto Pinochet respectivamente conduziram o processo e deixaram o governo para os civis numa situação mais ordenada e pactuada entre as elites, ocorreu num momento de crise terminal para a Presidência da República. Os governos estaduais eram portadores de legitimidade própria dentro da federação e, como aconteceu em 1965 após a instalação do regime autoritário civil-militar com a eleição de candidatos de “oposição” ao governo central (que resultou na eleição indireta também neste nível através do Ato Institucional n° 2), poderiam servir de contraponto ou fiadores/avalistas da redemocratização. Em 1982 houve, portanto, eleição para governador nos vinte e três Estados e nos três maiores colégios eleitorais (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) venceram candidatos opositores ou independentes em relação ao Palácio do Planalto porque, dentre outros pontos, souberam capitalizar o desgaste com a política econômica e dos candidatos do Partido Democrático Social - PDS. Deste momento em diante, os governadores em articulação com as Assembléias Legislativas estaduais, o empresariado (que rompeu sua aliança com a tecnoburocracia estatal e o grande capital internacional em função da crise e da excessiva estatização da economia a partir dos anos 1970, além do seu alijamento da formulação da política econômica), o Congresso Nacional e a sociedade civil em franca reorganização iniciaram um dos maiores ciclos de mobilização e participação no Brasil, indo além do plano original dos formuladores militares e reivindicando eleições diretas também para a Presidência em 1985 como meta-símbolo. Este movimento foi batizado de “Diretas-já” e teve como objetivos principais demonstrar a irreversibilidade do regime democrático para a sociedade brasileira no seu conjunto e a chamada “comunidade internacional” que já vinha pressionando neste sentido com destaque para o Presidente norte-americano Jimmy Carter, isolar algumas forças políticas de extrema-direita agrupadas (em especial nas Forças Armadas) resistentes e constituir uma aliança ampla com a presença de forças que iam desde a centro-esquerda até a direita desvinculada das pretensões continuístas palacianas que, no caso de manutenção da eleição indireta no colégio eleitoral, elegeria o novo Presidente e o ajudaria a governar com maioria no parlamento para resolver a crise no qual o país estava mergulhado. No caso de aprovação das eleições diretas, a coalizão dispersaria-se um pouco mais pela existência vários pré-candidatos (Tancredo, Franco Montoro, Leonel Brizola, Ulisses Guimarães). Este fenômeno se reproduziria também na eleição de 1986 que determinou a formação da Assembléia Nacional Constituinte, com grande peso para os governadores eleitos e para o PMDB em especial. A relação destes com as suas respectivas bancadas federais levou alguns observadores como o atual ministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim a afirmar que o Congresso Nacional é uma “Câmara dos Estados” (papel que deve ser cumprido apenas pelo Senado numa federação), pois alguns dos fatores que valem para o controle do Poder Legislativo estadual pelo governador também transferem-se à esfera federal como a proximidade das bases dos deputados e senadores (incluindo prefeitos, vereadores, elites locais e os próprios deputados estaduais) e o acompanhamento do desempenho do parlamentar junto a elas, assim como a dinâmica das eleições majoritárias e proporcionais, nas quais o candidato ao Governo do Estado em geral “encabeça” a chapa composta pelos candidatos a deputado e pode cobrar junto com os eleitos que ultrapassam o quociente eleitoral e “exportaram” votos, no caso de vitória, lealdade para com a coligação que transforma-se em coalizão fisiológica de governo.

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II – Fatores intrínsecos à esfera estadual. A – A neutralização dos organismos de controle externo ao Poder Executivo, notadamente, o

Tribunal de Contas do Estado (agência auxiliar ao Poder Legislativo de acordo com a Constituição) e o Ministério Público Estadual. Tanto os conselheiros dos Tribunais de Contas quanto o Procurador Geral de Justiça são indicados pelo governador do Estado ou pela assembléia (o que acaba dando no mesmo como veremos). Segundo Abrúcio, isto limita a capacidade destes órgãos de controle externo de exercerem seu papel constitucional e instrumentalizam a relação do Poder Executivo com as prefeituras (jurisdicionadas dos TCE´s);

B – A baixa visibilidade política dos governos estaduais diante da cidadania. Aqui entram fatores jurídicos (o pequeno e mal definido conjunto de atribuições constitucionais dos Estados e suas poucas competências legislativas próprias), tributários (forma de cobrança do ICMS como um imposto indireto), a relação com os meios de comunicação – que no nível estadual são muito dependentes da propaganda oficial – e o papel abstrato ocupado pelo Estado na federação, entre o nacional e o local;

C – Debilidade institucional do Poder Legislativo. As assembléias legislativas, mesmo nos Estados maiores, não estão capacitadas a fiscalizar as atividades do Poder Executivo (que incluem questões técnicas específicas como planejamento, orçamento, tributação, arrecadação, fiscalização, gerência financeira, precatórios, contratos, licitações, estrutura organizacional, convênios, dívida pública interna e externa, gestão de pessoas, controle interno, material e patrimônio) bem como outras matérias importantes em função da ausência de quadros de carreira – a exemplo do que ocorre no Congresso Nacional com os analistas e consultores da Câmara e Senado – e condições estruturais, o que acaba sendo sintomático do papel exercido por este Poder no processo político;

D – Inexistência de estruturas intermediárias com autonomia política e financeira entre os Estados e os municípios como regiões metropolitanas ou mesorregiões. Os deputados estaduais eleitos por um determinado “distrito informal” não possuem o monopólio da sua representação diante do governador, haja vista os demais atores como prefeitos, empresários, lideranças comunitárias, sindicais, vereadores que podem ser utilizados pelo mesmo para exercer uma pressão de baixo para cima nos parlamentares a respeito da agenda do Poder Executivo na Assembléia. Este torna-se, portanto, o único ator na arena política com atuação unitária diante de um conjunto de forças dispersas com baixa capacidade de agregação e articulação das suas demandas (a despeito das associações de municípios);

E – Sistema eleitoral. Afora o que já foi dito, há alguns fatores agravantes para a supremacia dos governadores. Nas eleições proporcionais os votos podem ser dados pelo eleitor a um candidato específico ou à legenda, mas são contabilizados para a coligação composta pelo partido do candidato. Ou seja, da massa de votos deduz-se os nulos e o restante é dividido pelo número de vagas, gerando o chamado quociente eleitoral. Com base neste quociente é calculado o número de vagas para cada coligação e os mais votados têm a preferência na ocupação. Eis a contradição: os votos são contados para o partido ou coligação mas o mandato é individual (o deputado pode mudar de partido durante a legislatura e manter o mandato, além de ser candidato “nato” à reeleição). Isto gera uma disputa maior entre os candidatos da mesma coligação (para garantir a sua vaga) do que entre as coligações, pois corre-se o risco, como ocorreu com o ex-governador de Mato Grosso Dante de Oliveira em 1990, de ser o candidato mais votado e não ser eleito ou vice-versa. Este fenômeno gera uma estratégia individualista e não-partidária, contrária à que seria caso a lista fosse fechada, ou seja, se a ordem dos candidatos fosse definida com antecedência, informada ao eleitor e os votos fossem todos para o partido. Por conta disto, os candidatos precisam utilizar-se de aparelhos eleitorais compostos por empresas (com destaque para o financiamento de campanha), sindicatos, associações, igrejas e a própria Administração Pública em todos os níveis para administrar bem os seus “distritos informais”. Para tal, é necessária uma boa relação com o governador, que tem uma elevada capacidade de constituir ou desconstituir redutos eleitorais de acordo com o manejo dos recursos à sua disposição e seus objetivos políticos, detalhados em seguida;

F – Recursos políticos, financeiros e administrativos à disposição do governador do Estado. Como esta descrição do “ultrapresidencialismo estadual” refere-se ao período 1982-1994 (em

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especial 1991-1994, utilizado como referente empírico por Abrúcio), boa parte destes recursos já não tem mais utilização livre como naquela ocasião. Entretanto, os governadores dispunham neste esquema analítico de um número expressivo de cargos comissionados no aparelho do Estado – lembrando que antes da Constituição de 1988 não havia exigência de concurso para ingresso em carreiras do setor público - na Administração Direta e Indireta, que incluía o complexo empresarial do Estado. Além disso, havia os recursos orçamentário-financeiros agenciados pelos bancos estaduais e as grandes companhias estatais, com destaque para a área de infra-estrutura (transporte, energia, telecomunicações, habitação, colonização) sempre com muita visibilidade. É importante observar aqui a distribuição regional destes recursos, determinante para montagem do mapa político-eleitoral do Estado conforme os interesses do governador e sua coalizão de acordo com o exposto nos itens anteriores.

Segundo com este fenômeno descrito por ABRÚCIO (1998), despontaram no período analisado entre os parlamentares dois padrões complementares e articulados de comportamento em relação ao Poder Executivo, o governismo e o situacionismo. O governismo inclui praticamente todos os parlamentares que, devido às características citadas acima, ficam praticamente reféns do governador e mantêm no máximo uma relação de “independência”, aproveitando os melhores aspectos de ambos os lados (situação nas obras no seu distrito informal e oposição nas políticas estaduais de uma forma geral).

O situacionismo inclui os parlamentares que aderem aos partidos que compõem a “coalizão fisiológica de governo” e desfrutam dos recursos à disposição do Poder Executivo estadual para si e suas respectivas clientelas. A soma dos parlamentares governistas e situacionistas (quase sempre majoritária pelo inchaço da base de sustentação parlamentar) garante funcionalidade à dinâmica político-partidiária nas assembléias legislativas estaduais.

Como dissemos, poucos deputados estaduais conseguem desenvolver um padrão de comportamento oposicionista em relação ao Poder Executivo. Em geral eles pertencem a partidos de esquerda (com destaque para o PT pela sua coerência política e programática no período em questão), vêm dos maiores colégios eleitorais do Estado – nos quais a distritalização informal é mais difícil pois há mais disputa, uma maior heterogeneidade sócio-econômica, a perda do regionalismo interiorano em relação à capital e uma tendência diferenciada na composição do voto – e representam segmentos da sociedade com maior densidade política/organizacional, acesso a meios de comunicação e participação política que não dependem de forma direta dos benefícios concedidos pelo Estado e demandam questões de caráter mais geral como transparência, ética na gestão pública, melhoria na qualidade dos serviços públicos, um novo padrão de conduta parlamentar, atenção aos direitos de determinadas minorias, respeito ao ordenamento jurídico em vigor, etc.

Raras vezes, esta oposição consegue ultrapassar um padrão denuncista no que refere-se ao Poder Executivo e seus aliados na assembléia, destacando a aprovação de projetos para atender determinadas clientelas e ignorando os ritos regimentais, bem como a corrupção. No Congresso Nacional, pela escala ampliada destas bancadas e por seu melhor apoio técnico (em virtude da profissionalização das assessorias, proximidade com o meio universitário, veículos de comunicação, organizações não-governamentais e do aparelho sindical) conseguem independizar-se mais do Poder Executivo federal e são os recordistas na produção de projetos de lei em tramitação originários do próprio Poder Legislativo. 5.2 – Reversão do ultrapresidencialismo

Este quadro analítico descrito por Abrúcio (1998) vigorou de forma mais intensa dentre os anos de 1982 a 1994, quando o pêndulo do federalismo voltou para os Estados pelas razões apontadas acima. No entanto, este padrão gerou uma série de efeitos deletérios que, aliados a mudanças no cenário internacional e nacional acabaram por desarticula-lo, engendrando um novo. Dentre os principais efeitos do ultrapresidencialismo estadual que contribuíram para a sua inviabilização podemos elencar:

I – Aceleração do endividamento e deterioração financeira dos Estados. Desde a década de 1970 (em função da centralização tributária e da autorização para operações extra-limite) os Estados

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incorporaram o passivo interno e externo na sua matriz de financiamento – num fenômeno semelhante ao que ocorreu na União (BRUM, 1999). Os principais agentes para captação destes fundos foram as empresas públicas e sociedades de economia mista estaduais – com destaque para aquelas ligadas à área de infra-estrutura e os bancos, em função dos programas e projetos conduzidos pelos Estados neste período. De acordo com ABRÚCIO (1998), as dívidas ligadas aos bancos estaduais quadruplicaram entre 1983 e 1995 e o montante total do passivo estadual passou de R$ 18 bilhões para R$ 97 bilhões – cerca de 438 % - reproduzindo o mesmo padrão. Houve várias rodadas de negociação entre a União e os Estados (com destaque para as leis 7679/89 e 8727/93), além de diversas intervenções do Banco Central nos bancos estaduais, via de regra após os períodos eleitorais. Destacamos aqui que boa parte desta dívida (46% em abril de 1997) era mobiliária, ou seja, composta por títulos emitidos pelos Estados e adquiridos por investidores a taxas de juro flutuantes e prazos variáveis e 27% de dívida contratual com a própria União. E as tendências não eram promissoras. Basta dizer que, de acordo com GIAMBIAGI & RIGOLON (1999), a dívida mobiliária dos Estados em dezembro de 1990 era de US$ 16,9 bilhões e em novembro de 1997 totalizava US$ 55,9 bilhões (a preços constantes de 1998), o que aponta um aumento de 20% ao ano. Os Estados recorriam a estes mecanismos de financiamento com certa frequência para cobrir inclusive despesas relacionadas a pagamento de pessoal através de Antecipação de Receita Orçamentária (ARO) e precatórios. A situação de Mato Grosso era particularmente crítica neste contexto, segundo alguns indicadores importantes como relação dívida/PIB estadual (60% - 1° do país), dívida/habitante (R$ 1.142 - 2° do país), dívida/receita líquida real (3,11 - 2° do país), despesa com folha/receita corrente líquida (91%), dentre outros.

II – Problemas de pessoal relativos ao dispositivo constitucional (que a maioria dos Estados absorveu e ampliou) de efetivação de servidores da Administração Pública que cumprissem alguns pré-requisitos. As implicações de tal medida sob o aspecto previdenciário (em especial num regime de repartição no qual os ativos financiam os inativos), de rigidez da despesa e do seu comprometimento com a folha de pagamento foram determinantes para evidenciar a crise financeira dos Estados, assim como na União com a previdência dos servidores federais.

III – Descentralização fiscal promovida pela Constituição de 1988 sem a adequada distribuição de competências entre os entes da federação. Em muitas áreas de políticas públicas nas quais as atribuições são comuns (assistência social, ciência & tecnologia, saúde, educação, trabalho, emprego e renda) a regulamentação veio a ocorrer de forma lenta e não raro confusa após a promulgação da Constituição, com todas as dificuldades típicas de implementação.

IV – Deterioração do complexo empresarial estadual, com ênfase para os bancos e as entidades da área de infra-estrutura. A partir de meados da década de 1980 as principais autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista estaduais que operavam nas áreas de energia, transportes, obras públicas, habitação, saneamento básico, fomento agrícola, colonização, armazenagem e financiamento aceleraram a sua crise financeira, contribuindo para a situação dos seus mantenedores (Estados).

Dentre os fatores na arena nacional, destacamos alguns a partir de 1993, com a posse de Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda que acabaram culminando na edição do Plano Real e sua eleição para a Presidência da República em 1994 como mais relevantes neste contexto. Dentro de uma leitura típica do planejamento estratégico podemos dizer que com base num conjunto pequeno de forças aliadas às oportunidades e ameaças que apresentavam-se então, Fernando Henrique e sua equipe obtiveram tal desempenho. São eles:

I – Aumento do crédito/liquidez internacional para o Brasil a partir de 1993. Aqui foi importante a renegociação da dívida externa brasileira nos termos do Plano Brady de securitização com lastro na adoção de determinadas reformas, que, de acordo com BRUM (1999), reduziu seu serviço anual, alongou o prazo e deu ao Poder Executivo federal uma condição que não possuía desde a década de 1980.

Tal renegociação foi importante para a abrir caminho para o Plano Real, pois durante os anos 1980 a dívida externa era na sua maioria governamental e condicionou a política econômica preconizada pelo FMI (com moratória, tarifas de importação elevadas, superávit na balança comercial pela quase supressão de importações, incentivos à exportação e câmbio desvalorizado);

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II – Melhoria das contas federais, em decorrência de algumas mudanças orçamentárias feitas durante o mandato do Presidente Sarney e do legado da política econômica do Presidente Collor que, a despeito de seu radicalismo e dos efeitos desastrosos, ampliou as reservas cambiais e as condições fiscais com redução do montante da dívida pública federal para quase um terço, além do início da liberalização comercial/financeira.

Houve também a aprovação durante a revisão constitucional em 1993 de uma Emenda Constitucional que criou o Fundo Social de Emergência (depois rebatizado de Fundo de estabilização Fiscal e Desvinculação de Receitas da União), cujas receitas provinham de parcela das transferências obrigatórias a serem feitas a Estados e municípios e de outra que suspendeu a emissão de títulos estaduais até Dezembro de 1999, excetuando aqueles para pagamento de precatórios. Tais medidas serviram como salvaguarda fiscal ao Plano Real, evitando um dos erros cometidos pelo Plano Cruzado em 1986. Houve também limitação de empréstimo aos governos estaduais pelos bancos privados e estaduais e a renegociação das dívidas, consolidada pela Lei 8.727/93;

III – O impeachmeant do Presidente Collor em virtude dos efeitos da sua política econômica (inflação elevada, abertura comercial indiscriminada e recessão aguda) e de escândalos de corrupção, além de um receio pragmático das forças situadas ao centro político-ideológico acerca da sua própria sobrevivência política segundo SINGER (1999), com uma nova eleição presidencial polarizada entre direita e esquerda em 1994, criaram as condições para a reaproximação entre as forças de centro e direita, separadas desde o colapso da aliança liberal antes das eleições de 1989.

Outro fator importante para o realinhamento do establishment foi o cenário desenvolvido a partir da posse do Presidente Itamar Franco em 1992 e da movimentação das forças políticas de centro-esquerda. Foi celebrado entre as elites partidárias um amplo “pacto pela governabilidade” - título bastante oportuno usado pela imprensa na época - para garantir o mandato do sucessor de Fernando Collor e a recuperação da economia sem maiores turbulências até as eleições de 1994, deixando para o próximo presidente portador de maior legitimidade a solução da hiperinflação e da candente dívida social em questão desde a Nova República.

Tal pacto, a exemplo daquele formado pela campanha das diretas-já nos anos 1980, incluía uma gama variada de forças políticas, indo desde a centro-esquerda até a direita ligada ao governo anterior. O PSDB – partido de Fernando Henrique formado por uma dissidência do PMDB em 1988 - já vinha sendo atraído por este desde a sua segunda fase (1991), mas recusou-se de forma majoritária a participar, não obstante alguns dos seus quadros mais destacados tenham ocupado vaga no gabinete, como Celso Lafer no Ministério das Relações Exteriores (cargo que ocuparia no segundo mandato de FHC, no período 2001-2002).

Itamar Franco era visto como genioso e instável e havia muito receio entre atores políticos e econômicos de uma possível renúncia em face da obstrução da agenda que, de acordo com artigo 81° da Constituição Federal, obrigaria a realização de eleições indiretas pelo Congresso Nacional em 30 dias para cumprimento do restante do mandato, o que não permitiria a articulação de uma candidatura diferente dos nomes já disponíveis.

O PT, que após o segundo turno das eleições de 1989 consolidou um movimento ascendente e tornou-se hegemônico no campo de centro-esquerda - secundando caudilhos tradicionais como Leonel Brizola (PDT), Valdir Pires (PMDB) e Miguel Arraes (PSB) - destacara-se como eixo da oposição ao Presidente Collor. Teve papel relevante na mobilização política e social que resultou no impedimento deste e promoveu a “Caravana da Cidadania”, liderada por Luiz Inácio Lula da Silva pelo interior do país, ampliando seu favoritismo junto ao eleitorado. Havia muito receio, como dissemos acima, de uma vitória petista em primeiro turno ou um segundo turno com dois candidatos de elevada rejeição, como Lula e Brizola ou Maluf, Marco Maciel, Antônio Carlos Magalhães e Jarbas Passarinho, nomes muito ligados ao regime autoritário civil-militar.

Crescem, por conseguinte, tanto a demanda por uma alternativa centrista, fosse de centro-esquerda (para contrabalançar a rejeição ao conteúdo revolucionário-socialista do programa do PT entitulado “A Revolução Democrática” baseado numa aliança com setores mais moderados ligados ao capital – o que concretizou-se nas eleições de 2002), ou de centro-direita, quanto a busca por um novo anti-Lula pelas forças conservadoras, papel cumprido por Collor em 1989.

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Foi neste panorama que Fernando Henrique Cardoso pôde atuar com relativa liberdade no papel de articulador político ou “primeiro-ministro” de Itamar Franco e fazer a composição necessária para aprovação do plano de estabilização e da sua candidatura à Presidência, com a retirada de candidatos competitivos à direita e sua encarnação como o anti-Lula procurado (polarizando a eleição desde o primeiro turno).

Para Emir Sader, um sociólogo brasileiro contemporâneo de Fernando Henrique na USP, a direita reconheceu a invencibilidade da esquerda no pleito de 1994 ao olhar cinicamente para esta última e dizer: “só um de vocês pode vencer vocês” e optar pela despolarização ideológica – já que a polarização tornara-se mais favorável à esquerda em virtude das mudanças no cenário internacional (queda do muro de Berlim e dissolução da União Soviética) – expressa na aliança já no primeiro turno com um candidato de formação histórica na centro-esquerda, o que nunca foi perdoado, segundo GOERTZEL (2002), pelos “cientistas sociais engajados”;

IV – Houve também uma lenta mudança na percepção das elites quanto à agenda neoliberal, em virtude da sua introdução no debate político nacional pelo Presidente Collor e a implantação do Programa Nacional de Desestatização – PND, que trouxe a privatização de ativos federais ao primeiro plano. Ou seja, ficou claro para um conjunto cada vez mais ampliado de setores sociais e políticos, a inevitabilidade da adesão (ainda que crítica, seletiva e adaptada) às políticas do “Consenso de Washington” como alternativa para superação da crise no Brasil.

Como exemplo empírico de tal conversão podemos citar o survey de Timothy Power, que mediu o posicionamento ideológico dos parlamentares em três legislaturas (1990, 1993 e 1997), disposto numa escala de 1 para esquerda e 10 para direita. Em 1990 a média parlamentar era 4,42, ao passo que o PSDB ficou com 3,52. Em 1993 o Congresso mudou muito pouco, ficando com a média 4,49 e o PSDB moveu-se um pouco para a direita (3,81). Por fim, em 1997 a média congressual era 4,60 e a do PSDB 4,87.

Tal deslocamento é a um só tempo causa e efeito da aliança PSDB-PFL feita para a eleição de FHC e sua adoção pelos parlamentares da base aliada (pois já estava em curso desde a ascensão de FHC ao gabinete e a formação da “ala tecnocrática” do partido). O apoio a políticas de corte liberal pelos proto-membros do PSDB em 1987 era de 31% (40% no Congresso), saltando para 59,4% em 1997, com 55,7% na bancada federal;

V – As eleições gerais de 1994, que associaram os governadores, as bancadas federal e estaduais à disputa presidencial, nacionalizaram a contenda em muitos Estados e elegeram candidatos comprometidos com a coalizão que apoiou Fernando Henrique (com destaque para os quatro maiores Estados da federação – São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul).

Tal coincidência acabou sendo importante para sustentação do Plano Real no que refere-se a medidas ligadas aos Estados, como a renegociação da dívida – os quatro Estados somavam cerca de 90% do passivo federalizado - e a privatização de alguns ativos em até dois anos como garantia de pagamento à vista do principal;

VI – O Plano Real que, para além de um mero plano de estabilização monetária, cumpriu um papel reorganizador e legitimador da agenda nacional, tornando-se o fator condicionante das demais reformas, vistas desde então como determinantes para a sua manutenção, conforme a boa descrição feita por AHUMADA & ANDREWS (1998).

Ou seja, a estabilidade de preços tornou-se o bem público número um e o foco da política econômica deslocou-se para a manutenção do status quo alcançado (baixas taxas de inflação) e comprometeu o governo FHC e ala tecnocrática – reunida no Ministério da Fazenda, BNDES e Banco Central - desde a sua gênese com a continuidade do Plano, o que não ocorrera com os planos anteriores, implementados de forma súbita durante os mandatos e formulados às escondidas da opinião pública e dos principais agentes econômicos.

Podemos dizer que mais do que um plano para o Presidente (como muitos o acusam de ser apenas uma jogada eleitoreira), o Real propiciou com sua rara combinação de ortodoxia e heterodoxia econômica um Presidente para o plano. Para alguns analistas, a eleição de Fernando Henrique dá um passo importante para a redemocratização política no Brasil, ao celebrar uma espécie de “Pacto de Moncloa” reunindo vencedores e vencidos do período ditatorial com mais

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legitimidade política – eleição pela via direta já no primeiro turno e com coalizão partidária definida – e identidade programática, pelo menos no “atacado”, ou seja, nas suas orientações gerais/estratégicas.

Tal articulação iniciada no parlamento, depois submetida ao voto popular e aprovada colocou, de acordo com GRAEFF (2000), as reformas estruturais no centro de gravidade ideológico nacional, reduzindo a ideologização de algumas matérias e a polarização capital-trabalho verificada ao longo do período transicional – o que acabou criando condições para a formulação/implementação de algumas políticas setoriais que encontravam-se em estado letárgico como educação, saúde, reforma agrária e a própria matriz energética, além da desobstrução da agenda acumulada. Insisto, portanto, neste aspecto da formação da coalizão e de sua manutenção a despeito das adversidades, em função dos objetivos do presente trabalho.

Podemos dizer que um conjunto expressivo de forças políticas condicionou em grande medida a sua sobrevivência ao êxito de um plano e de seus condutores e quando este foi ameaçado na passagem do primeiro para o segundo mandato de FHC ao invés de abandonarem o barco e buscarem alternativas bonapartistas, houve um apoio quase incondicional às medidas de ajuste propostas pelo acordo com o FMI que desmontaram a armadilha cambial e ancoraram o Real em bases mais sólidas (superávit primário e na balança comercial, sistemas de metas de inflação, câmbio flutuante, nível inferior de juros, limites de despesas com pagamento de pessoal, relação dívida/PIB) ao reduzirem a vulnerabilidade externa da economia.

A principal explicação para tal comportamento vem do policy legacy do Plano Cruzado que, com seu ciclo de euforia/decepção (o Presidente Sarney teve a maior popularidade republicana e acabou o mandato com sofríveis 9% de aprovação) gerou a paralisia e o quadro eleitoral caótico de 1989, marcado pelo colapso da aliança liberal e a busca por uma solução cesarista pelas forças centro-conservadoras, consubstanciada em Fernando Collor de Melo, com os efeitos já conhecidos.

Segundo DINIZ (2000) “Dentro dessa lógica, o cerne do projeto governamental, representado pelo plano de estabilização e demais políticas estratégicas, seria inegociável, cabendo ao núcleo tecnocrático – à equipe econômica – administra-lo de forma autônoma em face das forças internas pelo amplo recurso às medidas provisórias. Por outro lado, no Congresso, negociações e partilha de poder, distribuição de recompensas e aplicação de sanções, além das funções já assinaladas, criariam as condições necessárias para garantir a consecução das metas básicas estipuladas pelo governo” (DINIZ, pg. 102, 2000);

7 – O fim da inflação proporcionado pelo Real, sua intangibilidade e as medidas que seguiram-se para a sua manutenção (câmbio sobrevalorizado, juros elevados, reordenamento das finanças públicas, privatização de ativos estaduais, trajetória explosiva da dívida) atingiram em cheio as fontes tradicionais de financiamento dos déficits estaduais – como os bancos e o desencontro temporal entre despesas desindexadas e receitas indexadas com o atraso de pagamentos (inclusive dos salários) – e trouxeram à tona a crise das finanças estaduais, principal responsável pela reversão do ultrapresidencialismo estadual. A definição de novos parâmetros tornou-se então, inevitável, tratando-se apenas de uma questão de tempo e das difíceis negociações dos aspectos técnicos e políticos para que se chegasse a acordos bons para todas as partes.

6. Descrição da reforma do aparelho do Estado em Mato Grosso 6.1– Formação sócio-econômica

O objetivo deste Capítulo é apresentar uma descrição panorâmica do Estado de Mato Grosso (unidade territorial) e de seu aparelho para que os leitores possam situar-se um pouco melhor na temática que estamos abordando aqui. Não faremos, portanto, uma narrativa longa, pois há bibliografia disponível contendo tais informações para os mais interessados.

O Estado de Mato Grosso encontra-se no centro geodésico do subcontinente sul-americano, com cerca de 2,7 milhões de habitantes espalhados por uma área de 901.420 Km2 que reúne os três principais ecossistemas continentais, quais sejam, floresta amazônica, cerrado e planície do pantanal.

A ocupação desta região deu-se a partir do início do século XVIII com a descoberta de minas auríferas pelos bandeirantes oriundos na sua maioria da capitania de São Paulo (no chamado “ciclo

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do ouro”), que propiciou a formação de diversos núcleos urbanos e despertou a coroa portuguesa para o papel geopolítico a ser cumprido por esta área em relação às colônias espanholas circunvizinhas. Como resultado direto tivemos a fundação de diversas cidades com papel militar defensivo nas bacias do Amazonas e do Paraguai, a exemplo de Vila Maria – hoje Cáceres – e da capital da capitania (Vila Bela da Santíssima Trindade), emancipada de São Paulo em 1748.

Após o encerramento do ciclo do ouro, segundo BORGES (2001b), a região ficou isolada dos pólos dinâmicos (embora quase toda a economia nacional estivesse estagnada entre 1780 e 1850, quando o café passou a ocupar posição destacada) e com o fim da Guerra do Paraguai (1864-1870) desenvolveu atividades extrativistas como a ipecacuanha, borracha, erva-mate e também a pecuária extensiva, além das funções comerciais, sempre em articulação com os movimentos do capitalismo internacional.

Com a abertura das rotas de comércio fluviais após a guerra e a instalação da ferrovia Noroeste-Brasil ligando a Bolívia ao Estado de São Paulo passando por Corumbá e Campo Grande, Mato Grosso experimentou desenvolvimento considerável, sobretudo na sua porção meridional, que viria a constituir um novo Estado a partir de 1979 (Mato Grosso do Sul).

Desde 1930, com a mudança na concepção geopolítica nacional que passou a privilegiar a ocupação dos “vazios demográficos” aliada à necessidade do capital instalado na região centro-sul de ampliação do espaço econômico para geração de excedente, produção e consumo (além de aliviar a competição intercapitalista pela disponibilidade de fatores de produção como a terra), houve um amplo movimento de incorporação destas áreas no aparelho produtivo, com custos ambientais e sociais elevados e um crescimento marcado por surtos concentrados, que resultaram em elevada desigualdade regional e nos frequentes movimentos divisionistas (NEVES, 2001).

Os principais marcos históricos nesta linha foram a “Marcha para o Oeste” promovida ainda nos anos 1940 pelo Presidente Vargas que criou o território federal do Guaporé (hoje Estado de Rondônia), a criação da Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), depois SUDAM, a transferência da capital federal do Rio de Janeiro para o Planalto Central (Brasília) em 1960, a construção dos principais eixos rodoviários nos anos 1970, os programas de colonização pública e privada que atraíram colonos e empresários das regiões sul e sudeste e alguns programas de desenvolvimento regional da União como PIN, POLONOROESTE, POLOAMAZÔNIA, POLOCENTO, PRODEPAN, PRODEGAN, SUDECO (baseados no binômio integração e segurança nacional).

Desde então, Mato Grosso vem destacando-se como núcleo da fronteira agrícola nacional constituída desde a incorporação do cerrado e Amazônia ao circuito da produção primária brasileira nos anos 1970, em especial na produção de algumas commoditties como soja, milho, arroz, madeira, algodão, cana-de-açucar, produtos minerais e na pecuária de corte. O caráter “fronteiriço” do Estado pode ser observado tanto na sua expansão demográfica quanto econômica que desde os anos 1970 supera a nacional.

No aspecto humano, Mato Grosso é marcado pela presença de diversas nações indígenas (cujas reservas ocupam cerca de 14% do território estadual) e de uma população miscigenada com origem em todas as regiões do país, com destaque para os Estados do sul, São Paulo e Minas Gerais, além dos países próximos, como Bolívia e Paraguai.

Após esta breve revisão acerca da formação sócio-econômica do Estado, podemos passar para um olhar mais próximo sobre a estruturação da Administração Pública estadual, importante para os objetivos do presente trabalho.

6.2 –Evolução histórica do aparelho do Estado 6.2.1 – Considerações iniciais (DASP estadual)

A evolução do aparelho do Estado em Mato Grosso guarda forte correlação com os ciclos desenvolvidos pelos outros Estados e pela própria União, no conteúdo, no sentido e nos aspectos cronológicos.

Como principal marco de introdução da burocracia weberiana no Brasil, temos a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) pelo Presidente Vargas em 1938, inspirado na Civil Service Comission britânica. O DASP responsabilizou-se pela introdução das

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ferramentas típicas da Administração Pública Burocrática no aparelho federal e pelo desenvolvimento de um modelo com esta orientação.

Em função da simetria automática nos Estados controlados por interventores nomeados pelo Presidente Vargas no período do Estado Novo (1937-1945), este procedimento foi difundido, oportunizando a criação de diversos “daspinhos” espalhados pelo país. Conforme RIBEIRO (1997), o DASP possuía uma estrutura regionalizada e os diversos daspinhos atuavam como uma espécie de legislativo estadual (as assembléias foram dissolvidas), prestando assessoramento técnico aos respectivos interventores e ao Ministério da Justiça. Ao lado destes, o DASP agia nas administrações estaduais de forma integrada e sob o controle da Presidência da República.

Em Mato Grosso, tivemos a fusão do Conselho Estadual de Administração Municipal e do Departamento Administrativo do Estado em 1939, durante a gestão do interventor Júlio Muller. Mais tarde, em 1946, foi criado o Departamento do Serviço Público (DSP), responsável pelas políticas nas áreas de materiais, patrimônio, pessoal, serviços gerais, etc. Em 1972 o DSP foi transformado em Secretaria de Administração – SAD, que herdou a maior parte das suas atribuições.

O DSP teve papel importante, não apenas por toda a regulamentação na área de pessoal (estatutos, concursos, aperfeiçoamento, promoções) mas também pela realização de estudos técnicos que fundamentaram a criação de agências como Banco do Estado de Mato Grosso (Bemat), o Instituto de Previdência do Estado de Mato Grosso (Ipemat) e a Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Mato Grosso (Casemat), dentre outras.

Portanto, no período pós-guerra que coincidiu com a expansão e complexificação do aparelho do Estado em todos os níveis, Mato Grosso também criou agências importantes como a Comissão de Planejamento da Produção (CPP), o Departamento de Terras e Colonização (DTC), a Companhia de Desenvolvimento do Estado de Mato Grosso e as Centrais Elétricas Mato-grossenses S/A (Cemat) em 1956.

As razões para tal expansão, de acordo com PINHEIRO (1999) e SANTOS (1982), resultaram mais de um senso conjuntural e pragmático por parte das elites do que de uma consistente “ideologia da estatização”, o que vale também para o momento atual quando o complexo empresarial está sendo desmontando e desestatizado.

Podemos elencar aqui como fatores importantes o contingenciamento da produção para ajuste aos fluxos de comércio internacionais; o aproveitamento dos recursos naturais estratégicos (fontes hidráulicas, minerais e energéticas) derivado da inexistência de um empresariado capaz de assumir os riscos e o vulto dos empreendimentos e da decisão política de evitar competição com os oligopólios internacionais; a tradição mercantil-protecionista brasileira típica dos países de capitalismo tardio; os problemas crônicos no balanço de pagamento (crises cambiais); e o reconhecimento dos desequilíbrios setoriais e regionais da acumulação capitalista a serem corrigidos.

O Estado de Mato Grosso, portanto, montou seu complexo empresarial ao longo dos 50, 60 e 70, no qual destacavam-se a companhia de saneamento básico e abastecimento de água (Sanemat) constituída a partir da “estadualização” de ativos municipais, o Banco do Estado de Mato Grosso (Bemat), a Centrais Elétricas Mato-grossenses (Cemat), a companhia de silos e armazenagem de grãos (Casemat), uma loteria estadual (Lemat), a companhia de habitação (Cohab), as autarquias ligadas ao setor de transporte e construção civil (Dermat e Dop), as agências de fomento (Codemat e Codeagri), as empresas de planejamento agrícola, assistência técnica e extensão rural (Cepa, Emater e Empa), do setor de mineração (Metamat), dentre outras menores (Turimat, Aeromat, Efrimat, Emape, etc).

Podemos perceber, após este breve olhar, que o complexo empresarial era direcionado para o perfil da economia estadual, cujo forte é a produção primária. Não tivemos aqui indústrias siderúrgicas como a COSIPA em São Paulo ou USIMINAS em Minas Gerais – embora tenham sido feitos estudos sobre uma eventual companhia siderúrgica mato-grossense (COSIMA), em função da existência de reservas de minério de ferro no Maciço do Urucum. As áreas de infra-estrutura (saneamento, habitação, energia, obras públicas, estradas de rodagem, manutenção, colonização e fomento) e agrícola (pesquisa, assistência técnica e extensão rural, armazenagem, defesa animal e

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vegetal, carteira fundiária e fomento) foram com certeza as mais destacadas, de acordo com as razões para expansão detalhadas acima.

6.2.2 – Decreto-lei 200 estadual

Em 1979, o Governador Frederico Campos, último eleito de forma indireta, assume a responsabilidade por rearticular o Estado para a situação que sucedeu à sua divisão. Para tanto, a Lei Complementar federal 31/77 (que regulamentou a divisão) trazia a necessidade de formulação de programas de desenvolvimento nos dois Estados com duração decenal e aporte de recursos federais, através do chamado PROMAT, pois a distribuição de recursos entre os dois novos Estados era bastante desigual.

Este governador fez ainda uma reforma administrativa de considerável alcance, que teve como principal característica a adequação do aparelho do Estado aos princípios paramétricos do Decreto-lei 200/67 federal e o seu reordenamento, tendo em vista a nova situação de Mato Grosso no pós-divisão.

A Lei 4.087/79 foi uma versão estadual do Decreto-Lei 200/67, ao adaptar seu conteúdo e funções. O original teve o objetivo de ser uma espécie de “estatuto” ou “lei orgânica” da Administração Pública, reunindo nos seus 215 artigos a distribuição estrutural do aparelho, os princípios paramétricos, os sistemas-meio, a administração destes e a organização da intervenção do Estado no mercado e na sociedade, com destaque para a sua atividade empresarial. A Lei 4.163/79, por sua vez, distribuiu o aparelho em 9 níveis organizacionais e introduziu os núcleos setoriais de planejamento, administração e finanças nos órgãos de execução programática. Mato Grosso adotou por meio destes instrumentais jurídicos padrões gerenciais considerados mais “avançados”, embora com relativo atraso neste caso em relação à União e outros Estados.

Ficam fortalecidas e compatibilizadas com a reforma as funções de coordenação tanto dos sistemas tradicionais (planejamento, orçamento, informações técnicas, modernização) quanto da política de desenvolvimento econômico e social através do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, com a inclusão da área de ciência e tecnologia por meio do Decreto 954 de 09/04/1981, que cria o Sistema Estadual de Ciência e Tecnologia – SECT/MT.

Outra alteração importante foi a elevação dos serviços de informação, estatística e geografia e de promoção de pesquisas sócio-econômicas à condição de elementos básicos do planejamento governamental. Foram criadas, para operacionalizar tal orientação, duas fundações geradoras/sistematizadoras de uma base de dados para subsidiar a formulação de determinadas políticas públicas.

A primeira foi a Fundação de Pesquisas Cândido Rondon (vinculada ao GPC), evolução natural do Departamento de Geografia e Estatística que, por sua vez, evoluiu do Departamento Estadual de Estatística. A FCR produzia dados demográficos e relativos aos aspectos físicos e bióticos de Mato Grosso como relevo, solo, vegetação, área cultivada, etc. A segunda foi a Comissão Estadual de Planejamento Agrícola do Estado de Mato Grosso (CEPA), vinculada à Secretaria de Agricultura.

Convém fazer neste ponto um breve parêntese sobre o processo político-partidário no Estado de Mato Grosso, com a sua dinâmica e os principais atores que influenciaram na formulação das políticas em questão neste trabalho.

Um dos seus aspectos após a divisão e a redemocratização foi a divisão do campo político em dois grandes pólos aglomerantes, a exemplo do que ocorrera no período entre 1945 e 1965 com a UDN e o PSD, segundo NEVES (2001). O pólo de direita era encabeçado pelo PDS e depois pelo PFL e alinhava-se mais com as forças conservadoras da política estadual, com destaque para o coronelato rural e os setores mais tradicionais da economia (aqueles com proeminência até a década de 1970), quais sejam, pecuaristas, o complexo da cana-de-açucar, as burguesias comerciais de Cuiabá e Cáceres, caciques locais de municípios pequenos e seus respectivos currais eleitorais e os grandes proprietários de terras, num Estado recordista em concentração fundiária no Brasil.

O pólo de centro (que agregava também algumas forças de esquerda, em fase de adensamento e articulação) liderado pelo PMDB, PDT e depois PSDB alinhava-se mais aos setores mais avançados da sociedade, com ênfase para as camadas urbanas surgidas com o desenvolvimento do

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Estado, a burguesia industrial, sociedade civil e os setores dinâmicos em formação (ligados ao agribusiness).

A forte clivagem regional existente desde o final do século XIX arrefeceu com a formação do Estado do Mato Grosso do Sul, mas ressurge no norte mato-grossense colonizado por empresários das regiões sul e sudeste associados à plataforma de exportação, que propõe a inversão (já em curso) dos corredores de escoamento da produção primária do Estado dos portos de Santos e Paranaguá para as hidrovias Madeira-Amazonas, Tapajós-Teles Pires, Araguaia-Tocantins, bem como as rodovias federais 163 (Cuiabá-Santarém) e 158, que reduziriam a sua dependência dos municípios sulistas na condição de entrepostos. Tal movimento constitui mais um dos “surtos” de crescimento concentrado que caracterizam a formação do Estado.

Convém lembrar que em ambos os blocos temos a presença de setores da oligarquia tradicional, sendo estas linhas divisórias expostas aqui muito tênues. Em vários casos as elites de uma determinada região alojavam-se num ou outro partido por exclusão mútua de acordo com as suas rivalidades e não por fidelidade político-programática, como é usual.

É oportuno também lembrar que tal divisão reproduz o padrão verificado durante o regime autoritário civil-militar no qual vigorava o bipartidarismo (ARENA e MDB). Havia inclusive um acordo tácito entre as elites partidárias sobre uma alternância na ocupação do Poder Executivo estadual entre os dois pólos em disputa, o que a tornava apenas protocolar para alguns analistas.

Tal argumento pode ser fundamentado pelo ônus inerente ao exercício do poder, que divide as forças situacionistas (fortalecendo a oposição que mantém-se unida) e o torna rotativo e pendular, além da apresentação de candidatos tidos como “fracos” e com baixa densidade eleitoral pelos governadores para facilitar a vitória da oposição - vista como inevitável – e preservar alguns redutos importantes de poder para a próxima.

Na linha de raciocínio da economia política das finanças subnacionais exposta por GIAMBIAGI & RIGOLON (1999), o papel estratégico ocupado pela dívida pública – como transferência intertemporal de despesas - pode ser aplicado ao nível elevado de endividamento do Estado de Mato Grosso. Um dos principais fatores destacados aqui é a alta probabilidade de um governo não ser reeleito e o federalismo fiscal como causas do endividamento.

Esta “guerra de atrito” entre os diferentes governos pode explicar também o adiamento sistemático do ajuste fiscal, já que este era um custo que nenhum governo queria assumir sozinho e beneficiar o sucessor, diferente de Estados como Ceará e Bahia nos quais um mesmo grupo político-partidário permanece na chefia do Poder Executivo desde 1987 e 1991, respectivamente (o que permitiu a realização do ajuste fiscal de forma assincronizada com os demais Estados). A introdução da Emenda Constitucional 16 (que permitiu a reeleição) em 1997 alterou um pouco este padrão na medida em que amplia o horizonte temporal dos governadores e auxiliou na renegociação das dívidas.

Pois bem, nas eleições de 1982, houve uma disputa acirrada entre os candidatos do PDS (Júlio Campos) e do PMDB (Padre Pombo), que terminou com a vitória apertada do primeiro. Em 1986, na onda de popularidade gerada pela euforia do Plano Cruzado, o PMDB elegeu 22 governadores dos então 23 Estados. Em Mato Grosso o vencedor foi o ex-prefeito de Rondonópolis Carlos Bezerra, derrotando o ex-governador Frederico Campos. Na eleição de 1990, o PMDB apresentou para a disputa Agripino Bonilha Filho (ex-presidente do BEMAT) e o PFL lançou o irmão de Júlio Campos, Jaime Campos, que sagrou-se vitorioso em primeiro turno.

Nesta eleição, tanto o PT quanto o PSDB apresentaram candidatos ao governo do Estado e montaram uma coligação única para as eleições proporcionais. Em 1994, seguindo o padrão da alternância, seria a vez do bloco de centro-esquerda assumir o governo do Estado. Os dois principais partidos, PMDB e PDT (cujo candidato era o prefeito de Cuiabá Dante de Oliveira), fizeram uma composição na qual duas das quatro vagas majoritárias em disputa (governador, vice-governador, duas para o Senado) eram reservadas para cada um.

Dante ficou como candidato a governador, Márcio Lacerda para vice, Carlos Bezerra e Antero Paes de Barros ao senado, na perspectiva de vitória e inversão na próxima eleição, ou seja, Dante para o Senado e Bezerra para o governo do Estado. Tal arranjo acabou sendo frustrado pela emenda da reeleição citada acima e provocou o racha da coalizão, determinante para as eleições de

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1998 e 2002. Fecha parêntese.

6.3 – Reforma em dois tempos 6.3.1 - Primeira abordagem (1992-1995)

O aparelho do Estado em Mato Grosso passou a apresentar sinais de fadiga e saturação a partir de meados dos anos 1980, com a situação financeira e patrimonial da Administração Direta e Indireta deteriorando-se cada vez mais, frequentes atrasos de pagamentos, além da incapacidade das agências de cumprirem os objetivos para os quais foram criadas.

Este fenômeno pode ser observado pela desaceleração e mudança qualitativa do crescimento a partir do mandato do Governador Júlio Campos em 1983, com menor criação de entidades na Administração Indireta, diferindo dos seus antecessores, cujos primeiros anos de mandato (1966, 1971, 1975 e 1979) concentraram a constituição de tais entidades, que evidenciam bem por sua vez as composições políticas prévias à eleição e os compromissos de cada um.

É importante observar também que as entidades criadas a partir de meados dos anos 1980 são fundações e autarquias (entendidas como extensão da Administração Direta pela Constituição de 1988) ligadas a áreas em ascensão no Estado, como meio ambiente (Fundepan e Fema), educação (Fundo Estadual de Educação e Unemat) e ciência & tecnologia (Fapemat), além de agências criadas pela própria reforma (a exemplo da AGER) ou como contrapartida de programas federais (IMMEQ).

A única sociedade de economia mista neste período é a Empaer que, como veremos adiante, surgiu da fusão de outras entidades e é financiada hoje quase somente com recursos ordinários do tesouro estadual, desfigurando o caráter lucrativo e misto. As últimas sociedades de economia mista com participação do Estado antes da Empaer foram aquelas cuja fusão permitiu a sua formação (Empa e Codeagri) em 1975.

Com a posse do Governador Jaime Campos (PFL) em Março de 1991, tendo em vista a percepção que as elites nacionais estavam tendo sobre a crise do Estado e as suas estratégias de enfrentamento durante o mandato do Presidente Collor, pela primeira vez há uma reversão na expansão do aparelho. Tal postura baseava-se no pressuposto da sua falência executiva e financeira e de um excesso de servidores, que tinham como resultante direta a elevação do déficit público e do endividamento.

Adotou-se então uma ação baseada no minimalismo de Estado (compatível com a primeira geração de reformas descrita no Capítulo 3) na qual extinções, fusões, incorporações de órgãos e demissão de servidores seriam as principais medidas a serem adotadas, ainda que a custos posteriores elevados, como nos casos da Fundação Cândido Rondon e Comissão Estadual de Planejamento Agrícola - Cepa.

No que tange às entidades da Administração Indireta, a norma era a privatização e para tal foi instituído pela União, como já dissemos, o Programa Nacional de Desestatização (PND) pela Lei 8.031 de 12/04/1990. A edição da medida provisória que originou a lei no primeiro dia do mandato e sua articulação com a reforma monetária e fiscal introduzidas pelo Plano Collor I demonstraram seu status prioritário.

As principais empresas incluídas no PND foram aquelas nas quais o setor público não era monopolista, ou seja, nas quais havia também atuação de empresas privadas. Tal formato resultou, dentre outros fatores, do baixo consenso entre as elites sobre a política de privatização em geral, com destaque para os serviços públicos, cujos monopólios estatais eram garantidos pela Constituição Federal.

Pois bem, a reforma em Mato Grosso na sua primeira abordagem foi feita de novo através de dois diplomas legais, mantendo a lógica de 1979. Tais diplomas são as Leis Complementares estaduais 13/92 e 14/92. A 13 reproduz a matéria da Lei 4.087/79 e dispõe sobre os princípios e diretrizes para a Administração Pública estadual (Poder Executivo). Trata, portanto, dos princípios constitucionais (legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade), do planejamento, da coordenação, do controle, da supervisão, da descentralização, desconcentração e delegação de competência, pessoal, administração financeira, contabilidade e auditoria.

A Lei Complementar 14, simétrica à Lei 4.163/79, por sua vez, dispõe sobre a macroestrutura

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do aparelho do Estado e seu funcionamento, contendo normas gerais, organização básica, atribuições comuns e específicas e o organograma em si, com todos os órgãos da Administração Direta e suas entidades da Administração Indireta vinculadas, com destaque para as extinções, incorporações, criações e fusões típicas de início de mandato.

Como não havia empresas lucrativas ou atraentes para o setor privado em Mato Grosso, as principais mudanças no sentido do redimensionamento da Administração Indireta trazidas pela reforma de 1992 podem ser resumidas da seguinte forma:

I - A Fundação Cândido Rondon (FCR) foi extinta e suas atividades e servidores incorporados em parte pela Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral – SEPLAN - e pela Fundação Cultural e de Turismo (FCT);

II - A Fundação de Saúde do Estado de Mato Grosso (Fusmat) foi incorporada pela Secretaria de Saúde - SES;

III - A Aeromat (empresa de transporte aéreo que atendia o governador, corpo gerencial e técnico do Estado nas viagens pelo interior) foi incorporada pela Casa Militar e suas atividades terceirizadas;

IV - A Casemat foi declarada extinta. Entretanto, o processo – regulamentado pelo Decreto 1.167 de 22/01/92 - não avançou até 1996 por falta de recursos, razões políticas e pelo fato de ser uma sociedade de economia mista que envolvia também capital privado e cujo procedimento de liquidação é complexo e segue as orientações da Lei federal 6.404/76 que regulamenta as sociedades anônimas no Brasil. Já no contexto do Programa de Reforma de Estado patrocinado pelo Banco Mundial, foi declarada extinta em novembro de 1998 e seu espólio assumido pela EMPAER;

V - A Codemat (agência de desenvolvimento) seguiu uma trajetória semelhante. Sua liquidação foi determinada pelo mesmo marco jurídico da Casemat. Porém, além das dificuldades técnicas próprias, houve possivelmente a reação de algumas clientelas atingidas, o que resultou na suspensão da liquidação pelo Decreto 2000 de 05/10/92, menos de nove meses depois. A liquidação só foi retomada na segunda fase da reforma em 1996 e concluído em Fevereiro de 1998, com a incorporação do espólio pela Metamat;

VI - A Efrimat (empresa na área de frigorificação) foi liquidada; VII – A Fundação Cultural de Mato Grosso foi sucedida pela Fundação Cultural e de

Turismo (FCT), por sua vez extinta em 1995 e incorporada pelas secretarias de Cultura e Desenvolvimento do Turismo;

VIII - A Emater (assistência técnica e extensão rural), a Empa (pesquisa agrícola) e a Codeagri (fomento agrícola) foram fundidas, resultando numa sociedade de economia mista denominada Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural – Empaer;

IX - A Febemat (fundação de apoio ao menor) foi incorporada pela Fundação de Promoção Social – Prosol;

X - O Departamento de Estradas de Rodagem (Dermat) e o Departamento de Obras Públicas (Dop) foram fundidos numa nova autarquia, denominada Departamento de Viação e Obras Públicas (Dvop), por sua vez, foi extinta em 2001 e incorporada pela Secretaria de Transportes;

XI - A Turimat, junto com o Complexo Salgadeira (transferido para a Prefeitura de Cuiabá) e o Balneário Águas Quentes, foram incorporados pela Fundação Cultural e de Turismo (FCT). O balneário é explorado hoje sob o regime de arrendamento pelo Consórcio Treze & HOMAT;

XII – Lemat. A loteria estadual também é um exemplo de reforma errática e inconclusa. A autarquia criada em 1953 foi extinta pelo Governador Carlos Bezerra em 1987, restaurada pelo Decreto 400 de 04/06/1991 e mantida vinculada à Secretaria de Fazenda na Lei Complementar 14. No entanto, encontra-se paralisada, sem servidores nem patrimônio e com situação jurídica confusa. Segundo o parecer ao qual tivemos acesso, a Lemat está constituída, podendo reiniciar suas atividades (emissão de bilhetes lotéricos) a qualquer momento, desde que haja regulamentação e respeito aos parâmetros estabelecidos para aplicação dos lucros (metade na assistência médica rural e metade no desenvolvimento da educação física e desporto).

Além destas mudanças, houve tentativas iniciais no sentido da privatização do Banco do Estado de Mato Grosso (Bemat) e também da Cemat (no contexto da crise da primeira metade da década de 90 que reduziu os investimentos em função do elevado serviço da dívida), que falharam

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por serem entidades maiores e pela indefinição das elites nacionais nas respectivas áreas, revertida a partir de 1995. Tivemos também a transformação da Fundação de Ensino Superior de Mato Grosso (FESMT) em universidade estadual (Unemat) em 1993 e a instalação da Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapemat) em 1994, atendendo a um preceito da Constituição estadual – artigo 354° - que destinou 2% da receita tributária à esta entidade.

A reforma de 1992 teve o grande mérito de pela primeira vez na história reverter a dinâmica de expansão do aparelho do Estado em Mato Grosso. Entretanto, não conseguiu avançar em relação a algumas entidades importantes como a Cemat, Bemat, Sanemat, Cohab, Cepromat e Metamat que não foram incluídas nos diplomas legais e aqueles casos de implementação errática, como Lemat, Casemat e Codemat, que legaram ao próximo governador um complexo empresarial ainda substancial e em ritmo acelerado de decomposição financeira e operacional.

Dentre as principais razões do avanço relativo da reforma de 1992 está uma baixa clareza sobre o papel do Estado em algumas áreas específicas e de um eixo programático definido (o que ocorreu também na União neste período), a falta de um dispositivo de coordenação (a exemplo do Conselho Nacional de Desestatização), e do aporte técnico-financeiro adequado para o trato com algumas questões importantes. Foi uma reedição do paradoxo ortodoxo apontando no Capítulo 3, no qual o Estado precisa fortalecer-se para se reformar numa direção menos estatista.

6.3.2 – Segunda abordagem (1995-2002)

Dante Martins de Oliveira (ex-deputado estadual, federal, prefeito de Cuiabá e Ministro da Reforma Agrária do Presidente Sarney) foi eleito em primeiro turno pela coligação de centro-esquerda Frente Cidadania e Desenvolvimento composta por 10 partidos, com 71,2% dos votos válidos, derrotando o então vice-governador Osvaldo Sobrinho (PTB). Sua coalizão elegeu também cerca de metade da bancada federal (4 deputados e 1 senador) e estadual (13 deputados).

Já durante a campanha, com a formulação da peça entitulada “Plano de Metas 1995-2006”, com um horizonte temporal que incluía três mandatos, Dante apontava para a necessidade de reforma do Estado e do seu aparelho e também de revisão da situação das entidades da Administração Indireta remanescentes sem, entretanto, entrar em detalhes – como é típico de planos em períodos eleitorais que pecam pela generalidade para atrair o máximo possível de apoio político à candidatura.

Foi destacado neste documento um capítulo entitulado “Organização do Estado” e outro para as políticas instrumentais, no qual são apontados os principais problemas e algumas propostas de solução. Os objetivos declarados para a construção de um Estado necessário e suficiente foram o saneamento das finanças públicas, melhoria do planejamento, eficácia na implementação de políticas públicas e elevação dos padrões de gestão e qualidade dos serviços públicos.

Ao tomar posse em 01/01/1995 Dante depara-se com a situação financeira, orçamentária e patrimonial do Estado agravada por aumentos salariais e de vantagens concedidos no último mês do mandato anterior pelas Leis Ordinárias 6.593 de 15/12/94, 6.583 de 13/12/94 e Complementar 33 de 07/12/94 que resultaram num aumento de 1/3 no montante da folha segundo ALBANO (2001).

Em Janeiro de 1995 o funcionalismo tinha a receber as folhas referentes aos meses de Novembro, Dezembro e o 13° salário de 1994. Convém lembrar que tais aumentos seriam ilegais hoje pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que veda aumentos de despesa continuada com pessoal no último semestre do mandato. Havia também a situação do endividamento estadual que, conforme mencionamos acima, tinha um montante elevado e concentração dos vencimentos no curto prazo.

O ano de 1995 foi de adaptação e definição, tanto no aspecto gerencial quanto político-programático. Para administrar a ampla coalizão partidária que o elegeu, Dante compôs um fórum político com representantes de todos os partidos – na maior parte sem deputados estaduais e com baixa densidade eleitoral. Este caracterizou-se pela heterogeneidade, o assembleísmo, a disputa por espaço no aparelho do Estado e a pouca objetividade no trato de questões relevantes num momento de crise, marcado por propostas de impeachment ou intervenção federal pelo atraso no repasse do duodécimo aos poderes Legislativo e Judiciário, com os quais houve uma série de atritos.

É possível observar aqui como uma crise de governança (conforme a definição feita no Capítulo 2), nas dimensões financeira, técnica e gerencial como era este caso pode, em função da

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fragilidade institucional, tornar-se uma crise de governabilidade. Mesmo com um governador eleito por maioria absoluta com o apoio de uma ampla coalizão partidária e de uma bancada parlamentar de sustentação considerável (embora a presidência da Assembléia Legislativa tenha sido obtida pelas forças de oposição em 1995), a situação do Estado ficou bastante comprometida.

Na passagem de 1995 para 1996, Dante recompôs a equipe de secretários, nomeando três homens próximos com perfil técnico – no sentido de não serem detentores de mandato popular - nas secretarias de Administração Sistêmica (SAD, SEPLAN e SEFAZ) e posicionou-se de acordo com a trajetória desenvolvida pela União, o que desagradou alguns aliados de então como PDT e PT, opositores do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

O Governador começou a centralizar mais o processo decisório montando um dispositivo de coordenação restrito, denominado de “equipe econômica” que reunia os secretários citados mais o Vice-governador, Auditoria Geral do Estado e algumas secretarias finalísticas importantes, como Indústria e Comércio, Agricultura e Assuntos Fundiários e Infra-estrutura. Quanto aos partidos, a relação passou a se dar com a bancada de apoio no Legislativo, através dos mecanismos descritos no Capítulo 5. Este “insulamento” foi muito criticado pelos adversários políticos do Governador e acabou tendo efeitos deletérios nas eleições de 1998 e 2002 – à semelhança do que ocorreu no plano federal com a “ala tecnocrática” do PSDB.

Numa tentativa de resposta a estes setores e alguns integrantes mais à esquerda da sua coalizão (que o acusavam de preocupar-se apenas com a coordenação das políticas econômicas e instrumentais em detrimento das sociais), Dante promove uma articulação destas por meio do Conselho Estadual de Assistência Social e de um fundo respectivo criados pela Lei 6.696 de 20/12/1995, no dia seguinte à lei da reforma do Estado e de seu aparelho como veremos.

Este movimento pode ser visto como uma busca pelo alinhamento com a Lei Orgânica da Assistência Social federal (LOAS) e por maior coordenação das políticas nas áreas de saúde, educação, segurança, assistência social e defesa da cidadania, em parceria com o Poder Legislativo e a sociedade civil (prestadores de serviço, profissionais da área como sociólogos, assistentes sociais e usuários).

É interessante notar que o Fundo de Assistência Social foi apontado pelo Decreto 752 como um dos beneficiários dos recursos de eventuais privatizações a serem realizadas pelo Estado, bem como o Fundo Agrário e o Fundo de Promoção da Cidadania (Banco do Povo) que nunca chegou a ser criado. Podemos observar tal inclusão como uma tentativa de reduzir a rejeição ao programa de reforma do Estado e seu aparelho, ao destinar os recursos a políticas sociais, à própria reforma e ao abatimento da dívida pública estadual e ampliar a coalizão de defensores.

Vivia-se a então fase de reversão do ultrapresidencialismo estadual descrita no Capítulo 5 através da atuação federal nos mecanismos de financiamento do déficit público. Basta lembrar que o BEMAT sofreu intervenção do Banco Central em Fevereiro de 1995, permanecendo sob Regime de Administração Especial Temporária – RAET – até a determinação de sua liquidação extra-judicial pelo próprio BACEN em Janeiro de 1998.

O grande marco do alinhamento programático para com a União foi a adesão pelo Estado ao Programa de Apoio à Reestruturação e ao Ajuste Fiscal de Estados criado pelo Conselho Monetário Nacional, por meio da aprovação da Lei 6.695 de 19/12/1995, que “federaliza” strictu sensu a política estadual no que refere-se à sua reforma (ou promove a citada intervenção, pelo menos nos aspectos financeiros e patrimoniais). O objeto principal desta lei é a criação do Programa de Ajuste Fiscal e Saneamento Financeiro do Estado de Mato Grosso, cujas metas eram:

I - O controle e a redução das despesas com pessoal (ficam proibidos reajustes para os servidores da Administração Direta, autárquica e fundacional superiores aos federais);

II - A implementação de programas de: a) Privatização de empresas estatais; b) Concessão de serviços públicos; c) Controle centralizado de desempenho de empresas estatais; e d) Reforma patrimonial. III - O incremento da receita tributária própria e melhoria do controle de gastos, através: a) Da eliminação ou redução de incentivos fiscais;

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b) Do combate à sonegação e evasão fiscais; c) Da plena exploração das bases tributárias estaduais; d) Da aceleração da cobrança da dívida ativa estadual; e) Da modernização e melhoria dos sistemas de arrecadação; f) Do aprimoramento dos mecanismos e sistemas de controle de gastos e geração de

informações fiscais IV - O compromisso de resultado fiscal mínimo; e V - A redução e controle do endividamento estadual. Esta lei abriu caminho para a reforma empreendida nos dois mandatos do Governador Dante

de Oliveira (1995-2002), cujos eixos foram o Programa de Reforma do Estado criado pelo Decreto 752 de 22/01/1996 (regulamentador da Lei 6.695/95), que contou com aporte técnico-financeiro do Banco Mundial – num empréstimo garantido pela União – e a adesão ao Programa Nacional de Apoio à Administração Fiscal para os Estados Brasileiros (PNAFE), financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ambos a partir de 1998. Como um terceiro eixo tivemos a renegociação da dívida estadual cujos marcos foram a Lei estadual 6.871 de 28/04/1997 e a Lei federal 9.496 de 11/09/1997, que consolidou o acordo.

Ao longo do primeiro mandato, Dante reorganizou a sua coalizão partidária de sustentação com a saída do PT em 1996 e sua expulsão do PDT em 1997 pelo Presidente Nacional do Partido (Leonel Brizola) pelo apoio à emenda da reeleição, com ingresso no PSDB. Em Maio de 1998, tendo em vista as movimentações para as eleições daquele ano, o PMDB rompe com o Governador pelo descumprimento do acordo de 1994 que reservava ao Senador Bezerra a disputa pelo governo estadual e a Dante o Senado federal.

Este decide concorrer à reeleição com um PSDB isolado mas apoiado nas realizações de seu primeiro mandato (ajuste fiscal, equacionamento energético), sua projeção nacional, um bom dispositivo de publicidade e apoio da maioria do empresariado que temia uma involução à situação anterior. A indicação de José Rogério Salles, empresário do agronegócio, é ilustrativa da articulação feita por Dante com segmentos do capital agropecuário em ascensão instalados em Mato Grosso, ao invés das oligarquias tradicionais. Bezerra compõe chapa com o Senador Júlio Campos do PFL que disputa o governo estadual - num movimento incompreendido pelo eleitorado e as elites - e acaba favorecendo a vitória de Dante no primeiro turno e de Antero Paes de Barros para o Senado com votação expressiva.

É importante destacar o Decreto 753 de 22/01/1996, criador do Comitê Estadual de Concessão de Serviços Públicos e Obras Públicas, que tinha como objetivos sistematizar, orientar, coordenar e identificar propostas de concessão dentro das competências do Estado (como os modais de transporte, distribuição de água e saneamento básico e o gás canalizado). Foi uma primeira tentativa de ampliar a capacidade de regulação estadual em áreas a serem executadas pela iniciativa privada ou os municípios, cuja materialização seria a criação da Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos Estaduais Delegados – AGER em 1999, no âmbito do programa de reforma, como veremos em seguida.

Convém lembrar que os eixos da reforma são articulados e interdependentes entre si, com a renegociação da dívida assumindo um efeito condicionante sobre os demais (em especial no caso de Mato Grosso, em função do seu passivo elevado como vimos). Passemos para uma breve descrição de cada um. 6.3.2.1 - Programa de Reforma do Estado

Instituído pelo Decreto 752 de 22/01/1996, supriu uma das lacunas identificadas na primeira abordagem à reforma empreendida no mandato anterior, qual seja, a falta de um locus institucional ou organismo de coordenação das atividades relativas à reforma do Estado e de seu aparelho em Mato Grosso a exemplo do Conselho Nacional de Desestatização. Outros Estados brasileiros que empreenderam programas semelhantes seguiram este formato, a exemplo de São Paulo, que criou em 1996 o Programa Estadual de Desestatização – PED, coordenado pelo então Vice-governador Geraldo Alckmin (eleito governador em 2002).

Os objetivos fundamentais do programa eram:

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I – Concentrar a atuação do Estado nas suas atribuições típicas e nas ações estratégicas; II – Transferir para a Administração Direta todas as entidades da Administração Indireta que

dependam de recursos do tesouro estadual; III – Manter na Administração Indireta apenas as atividades com recursos próprios,

ressalvando autarquias e fundações de caráter assistencial; IV – Municipalização; V – Fortalecer a atuação do Estado do desenvolvimento da região Centro-oeste; VI – Substituir ações de execução direta pela função de articulação de investimentos; VII – Assegurar o equilíbrio econômico-financeiro, eliminando o déficit público. Para gerenciar o Programa, foi criado o Conselho Diretor do Programa de Reforma do Estado

– CDPRE – que passou a coordenar todas ações desta área. O CDPRE era vinculado ao governador e presidido pelo vice-governador, com a presença dos secretários de Fazenda, Planejamento, Administração, Casa Civil, Secretário Executivo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e o Secretário para Assuntos Extraordinários de Modernização e Parceria, além dos demais secretários cujas entidades vinculadas fossem objeto de reforma.

Para além das atribuições de coordenação e regulamentação da reforma atribuídas ao CDPRE (através das resoluções ou projetos de lei), ele ficou responsável pela seleção dos mecanismos operacionais a serem adotados em cada caso - concessão, parcerias, privatização, terceirização, extinção, reversão, reestruturação - e as modalidades de privatização, como alienação de participação societária, abertura ou aumento de capital, transformação, incorporação e fusão, dentre outras. É importante observar que o Decreto 752 imputa ao CDPRE no seu artigo 3° a definição da parcela de ações a serem ofertadas aos empregados nas privatizações a serem realizadas (conforme ocorreu no caso da Cemat).

A composição do CDPRE era compatível com a de seus congêneres (CND e Conselho de Reforma do Estado instituído pela União em 1995), com a participação das secretarias ou ministérios instrumentais e da casa civil como agência próxima ao chefe do Poder Executivo e com papel de coordenação das demais. Tal conformação fortalece o que Eli Diniz chama de estilo de gestão tecnocrática da economia, relativamente afastada do escrutínio público pela baixa presença da sociedade civil.

As ações de reforma foram retomadas com mais ímpeto e direcionamento, portanto, após os Decretos 752 e 753 (embora algumas medidas já tivessem sido tomadas com a criação de secretarias e extinção da Fundação de Cultura e Turismo em 1995). As agências remanescentes da reforma de 1992 (Codemat, Casemat) foram encaminhadas para liquidação e aquelas que não haviam entrado incluídas, a exemplo da Cohab, Cemat, Sanemat, Bemat, Cepromat, Metamat e Empaer.

O programa esbarrou, entretanto, em problemas de governança (baixo aporte técnico-financeiro dada a situação do Estado). Ou seja, Mato Grosso possuía um complexo empresarial com um passivo acumulado e déficits operacionais crescentes e não conseguia nem acabar com ele, embora suas elites já tivessem posicionado-se neste sentido, com todo ônus político que costuma surgir. Um dos principais problemas das companhias em liquidação era a baixíssima liquidez dos seus ativos (imóveis rurais e urbanos, equipamentos, armazéns, empréstimos/financiamentos sem as devidas garantias para execução) e o imperativo de quitar os passivos trabalhistas, com fornecedores e fiscais/parafiscais, como dispõe o processo falimentar.

Pela condição de insolvência, as companhias precisavam ser capitalizadas para serem liquidadas. Foi neste momento, no contexto da renegociação da dívida estadual, que Mato Grosso obteve o empréstimo do Banco Mundial garantido pela União para concluir o Programa de Reforma do Estado travado pela falta de recursos.

Os principais ganhos trazidos para o Estado pelo empréstimo (além da óbvia alavancagem técnico-financeira do programa de reforma) foram uma definição mais clara dos seus objetivos e um melhor cadenciamento das suas fases, organizando-o em três parcelas ou tranches a serem concedidas de acordo com alcance de alguns resultados eleitos, além da transparência e registro das ações por tratar-se de credor externo.

Houve muita polêmica na época em torno da utilidade de mais endividamento externo num momento em que o Estado estava renegociando a sua dívida com a União e a respeito das categorias

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de investimento do programa, atrasando em um ano e meio a aprovação em virtude da alteração dos limites de endividamento pelo Senado federal (através da Resolução 109 de 17/12/1998) e das condições de implementação.

Como esta negociação ocorreu durante as eleições de 1998, no qual o governador concorreu à reeleição, as forças de oposição articularam-se com sindicatos representativos das entidades em liquidação, deputados estaduais (a Assembléia Legislativa criou uma comissão especial sobre a matéria e promoveu audiências públicas) e algumas clientelas importantes do Estado para conformar a estrutura do programa e redirecionar os recursos para áreas mais atraentes, como investimentos emergenciais na pavimentação de rodovias, municipalização da Sanemat (ao invés de privatização como chegou a ser cogitado) e reestruturação da Empaer (e não liquidação ou esta seguida de regionalização). Há uma gama variada de interesses de atores como lideranças locais, empreiteiras, produtores rurais, técnicos das companhias cujo elenco não cabe neste trabalho.

Este comportamento exemplifica a dinâmica político-partidária do ultrapresidencialismo estadual apresentada no Capítulo 3, na qual os parlamentares na sua maioria distribuem-se em “governistas” e situacionistas” ou “independentes” - situação nas obras no seu “distrito informal” e oposição nas políticas estaduais de uma forma geral - como no caso de Senadores da República, por sua densidade eleitoral e a condição de candidatos natos ao governo estadual e pela posição do Senado na discussão desta matéria específica (endividamento), constituindo-se num ponto de veto.

O objetivo principal do programa passou a ser, portanto, apoiar os esforços de reforma do Estado em Mato Grosso para ampliar a sua eficiência na prestação de serviços públicos através da privatização, reestruturação ou liquidação de companhias e concessão de serviços públicos estaduais. Foram incluídas no programa uma privatização (Cemat), três reestruturações (Empaer, Cepromat e Metamat) e cinco liquidações (Cohab, Codemat, Casemat, Bemat e Sanemat), sendo que esta última, por ser agente de um serviço público de competência estadual, foi liquidada e os municípios passaram a ser concessionários do governo estadual.

Os custos principais a serem financiados pelo programa foram: I – Os prejuízos do Bemat; II – Pagamento de indenizações trabalhistas aos funcionários demitidos das companhias em

liquidação; III – Estudos relacionados ao Programa, capacitação, equipamentos e consultoria; IV – Formação de consórcios intermunicipais na área de saúde e implementação de ações do

Programa Saúde da Família (PSF); V – Investimentos de alta prioridade como manutenção de rodovias e

equipamento/manutenção de escolas. Para zelar pelo marco regulatório dos serviços públicos jurisdicionados do Estado foi criada a

AGER, como dissemos acima, totalizando dez agências envolvidas. Façamos uma breve revisão de cada uma (sobre a Cemat falaremos no próximo Capítulo).

A) Bemat - havia esperanças de prepara-lo para a privatização – que fora autorizada pelo Poder Legislativo através da Lei 6.770 de 29/05/1996 - a exemplo de outros bancos estaduais (BEMGE, BANESPA, BANERJ, BANESTADO). Ele foi incluído no Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária (PROES) criado pelo Banco Central em Fevereiro de 1997, prevendo reestruturação e participação de capital estrangeiro na privatização.

Todavia, de acordo com a evolução da sua situação financeira/patrimonial e para contribuir com a dura renegociação da dívida estadual em curso, optou-se pela conversão do Bemat em agência de desenvolvimento após aprovação em Assembléia Geral (acompanhada de um Programa de Demissão Incentivada para os empregados) e, depois, foi determinada a sua liquidação extra-judicial em Fevereiro de 1998, transformada em ordinária a partir de Junho de 1999. Esta operação durou até Setembro de 2001 (quando a liquidação foi dada como encerrada) e ainda continua, pois os ativos/passivos sobreviventes foram redistribuídos e ainda não houve a criação da agência de desenvolvimento conforme esperado a princípio – contando inclusive com recursos do BIRD para tal finalidade.

Os correntistas e alguns passivos foram transferidos para o Banco do Brasil com um aporte financeiro da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda no valor de R$ 193,1

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milhões, pagos no dia 22 de Janeiro de 1999. Alguns ativos estão penhorados para o pagamento de dívidas trabalhistas sob decisão judicial;

B) Sanemat – a exemplo das outras companhias, a Sanemat também possuía maus indicadores operacionais e financeiros, como o percentual de 12% da população estadual atendida com água tratada e tratamento de apenas 4% da água coletada, além do comprometimento de 140% da receita tarifária com a folha de pagamento em 1996 e perdas anuais na faixa de R$ 30 milhões.

Foi tomada então a decisão inicial de municipalização (a princípio nos seus sete maiores sistemas) e contratada uma consultoria em Junho de 1997 para prover assistência técnica na avaliação físico-financeira; propor estrutura organizacional para as futuras agências municipais e a agência regulatória estadual; definir o escopo de eventuais privatizações municipais; e montar o marco regulatório. Neste mesmo ano, os dois maiores municípios do Estado (Cuiabá e Várzea Grande), responsáveis por 45% dos ativos da Sanemat e 55% da receita tarifária, optaram por não renovar seus respectivos contratos de concessão, o que empurrou o Estado no caminho da municipalização.

O Decreto 1.802 de 06/11/1997 marca o início formal deste procedimento, baseado em três tipos de contrato a serem firmados com os municípios (gestão compartilhada para concessões expiradas, cooperação técnica para os casos sem contrato ou pré-vencimento e cooperação mútua para aqueles com objetivo de privatização). Neste intervalo entre a municipalização total e a extinção, a SANEMAT ficou na incômoda situação de não auferir mais a receita tarifária e ter que financiar as despesas remanescentes, o que resultou em prejuízos elevados nos anos de 1998 e 1999 e forçou uma aceleração nos passos reformistas. A vinda da terceira parcela do empréstimo permitiu com que estes fossem acelerados e todos os funcionários demitidos até Julho de 2000.

Duas leis foram aprovadas em 13/12/2000 (7.358 e 7.359), autorizando a extinção da companhia e concedendo incentivos para a municipalização dos ativos remanescentes, respectivamente. Segundo o Relatório do Banco Mundial sobre o Programa de Reforma (2002), a operação de todos os sistemas já está a cargo dos municípios e o patrimônio foi assumido pela Metamat ou pela Administração Direta (débitos com a União, com o próprio Estado e instituições financeiras).

Outras três leis ainda foram aprovadas para liquidação da Sanemat, com a extinção do fundo de financiamento de água e esgoto (7.450/01), autorização do Estado para assumir obrigações do fundo de pensão (SANEPREVI) com seus beneficiários (7.582/01) e montagem do marco regulatório para os concessionários (sistema estadual de abastecimento de água e esgotamento sanitário, com seu plano, fundo e conselho, vinculado à Secretaria de Transportes) - 7.638/01. Um dos aspectos observados pelo Banco Mundial na montagem do marco regulatório foi a sustentabilidade ou cláusula ambiental para os concessionários;

C) Codemat – suas principais atividades eram projetos de colonização, com geração de infra-estrutura (transporte, energia e telecomunicações) e a titulação dos imóveis nas áreas colonizadas. Durante a década de 1970 e 1980 atuou como uma agência de desenvolvimento articulando o Estado aos municípios e numa série de programas federais já citados. Teve papel importante na acumulação capitalista em Mato Grosso, que merece um melhor tratamento noutra ocasião. Foi incorporada pela Metamat em 06/04/1998 e conta na atualidade com cerca de 90 ex-funcionários ligados a esta companhia, na sua maioria à disposição da Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral – SEPLAN;

D) Casemat – a principal razão para sua liquidação foi o obsoletismo, pois seu negócio era construção de armazéns para estocagem da safra de grãos do Estado, com financiamento do Banco do Brasil. No entanto, em função da mobilidade da fronteira agrícola e do dinamismo do capital agropecuário instalado em Mato Grosso, seus equipamentos tornaram-se inadequados e desnecessários. Dos 36 armazéns, apenas 5 foram vendidos e 31 transferidos para a Empaer, sendo 11 utilizados por municípios na forma de comodato e um único armazém ainda em uso, em fase de leilão para pagamento de empréstimo. Foi incorporada pela Empaer em Fevereiro de 1998, todos os funcionários demitidos e alguns passivos (como dívidas com a Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB) assumidos pelo Estado;

E) Cohab – agência estadual de habitação que trabalhava com fundos do Sistema Financeiro

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da Habitação – SFH. Sua liquidação foi uma das mais problemáticas, pois os prejuízos eram cada vez maiores, pela carteira de imóveis rurais e urbanos sob sua administração (35.000 unidades habitacionais e 21.000 lotes), os mutuários e os passivos junto a fornecedores, agências federais e ex-funcionários. Seus imóveis foram em parte vendidos para a Caixa Econômica Federal e em parte assumidos pelo Estado, com a liquidação decretada em 27/12/1999;

F) Cepromat – sua reestruturação organizacional resultou na demissão de cerca de 514 funcionários de 1.076 em Maio de 1997, adoção de uma nova metodologia de gestão baseada nas ferramentas da Qualidade Total, treinamento de pessoal e introdução do projeto da INFOVIA – ligação de todos os órgãos do Estado sediados na capital e interior por meio de fibra ótica. A maior parte dos funcionários remanescentes está distribuída pelas principais secretarias estaduais como SEPLAN, SEFAZ e SEDUC. O Cepromat vem atuando também nas atividades de governo eletrônico, como a informatização e disponibilização de impostos estaduais como o IPVA e a gestão do Portal Eletrônico do Estado (www.mt.gov.br) que reúne uma série de informações e serviços. Há comentários acerca da sua privatização desde o início do Programa de Reforma, mas nenhuma medida concreta neste sentido foi tomada até o presente momento;

G) Empaer – vem passando por sucessivas reestruturações desde a formulação de seu planejamento estratégico (1999-2003), baseado nas implicações da Lei 6.753 de 23/01/1996 sobre a municipalização da agricultura e dos serviços de assistência técnica e extensão rural em Mato Grosso. Os objetivos principais são aumentar a eficiência - com destaque para a produtividade dos seus quadros, a atualização tecnológica dos laboratórios, centros de pesquisa, campos experimentais e escritórios - e importância através de ações de descentralização, regionalização, municipalização e participação ampliada dos produtores rurais no processo decisório. O CPDRE constituiu um grupo institucional em 2001 que fez uma proposta de reestruturação baseada na criação de 25 centros de geração e difusão de tecnologias agropecuárias sediados em cidades-pólo; e

H) Metamat – companhia estadual que opera no ramo de mineração, tem como principal função ser a síndica da massa falida da CODEMAT e da SANEMAT sob sua disposição (Está sendo cogitada a possibilidade de criação de uma companhia apenas para cumprir tal função, a exemplo da Companhia Paulista de Ativos em São Paulo). Após a liquidação completa, o relatório final do Banco Mundial recomenda a sua própria liquidação em função dos baixos indicadores operacionais e financeiros – financiada com recursos quase exclusivos do tesouro estadual, contrariando uma das diretrizes do Decreto 752. Contudo, trata-se de uma área importante que demanda intervenção do Estado não como executor (adquirindo áreas licenciadas junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral e cedendo para exploração de empresários), mas exercendo a função regulatória, pois Mato Grosso é o segundo maior produtor de diamante e terceiro maior de ouro do país, não possui uma política mineral definida e sofre uma evasão muito grande da sua produção pelas dificuldades de registro, fiscalização e controle.

Apesar do fim do Programa de Reforma e da mudança de governo com a eleição do empresário ligado à soja Blairo Maggi em 2002, algumas ações iniciadas pelo CDPRE (que a rigor não foi extinto) e recomendações do Banco Mundial foram levadas adiante. Dentre elas estão a extinção do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado (Ipemat) - com o desmonte da sua área de assistência médica, incorporação dos servidores pela Administração Direta e proposta de criação de um fundo de capitalização a exemplo de outros Estados brasileiros como Bahia e Paraná – e o envio para a Assembléia Legislativa de um projeto de lei criando uma sociedade de economia mista para exploração do gás canalizado (MTGÁS), na forma de concessionária do serviço público, com objetivo de privatização posterior.

6.3.2.2 - Programa Nacional de Apoio à Administração Fiscal para os Estados Brasileiros (PNAFE)

O PNAFE também compôs uma negociação nacional para que o Estado pudesse fazer seu ajuste fiscal pelo lado da receita, por meio das medidas apontadas na Lei 6.695/95. Seu custo total é estimado em US$ 23 milhões, com 80% financiado pelo BID e 20% de contrapartida estadual. Os recursos eram concentrados nas áreas de capacitação, consultoria para implantação de um novo modelo de gestão, equipamentos e assistência técnica em informática.

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A princípio, as suas ações foram alocadas na área fazendária, com a administração financeira (codinome do ajuste fiscal) proporcionando a abordagem integradora. Seus oito componentes eram organização e gestão; tecnologia da informação; coordenação do projeto; legislação; controle orçamentário-financeiro; dívida pública; contabilidade; e auditoria e controle interno. Após a desvalorização cambial de 1999 e a consequente multiplicação dos recursos em Real, houve pressões técnicas e políticas para a sua expansão e o PNAFE acabou financiando ações também nas Secretarias de Planejamento, Administração, Auditoria Geral do Estado e nos Poderes Legislativo (Tribunal de Contas), Judiciário e no Ministério Público Estadual, por serem organismos de controle externo.

Dentre os resultados que podemos apresentar na área de atuação do PNAFE, tivemos o incremento da receita tributária estadual de um nível de R$ 277.707 milhões em 1992 para R$ 1.498.441 milhões em 2000 (variação de cerca de 430% em termos nominais). O custo do aparelho fazendário foi reduzido de R$ 29.499.713,47 em 1994 para R$ 12.583.013,83 em 2000, o que representa um esforço para reduzir o coeficiente recursos arrecadados/recursos consumidos para níveis mais aceitáveis.

Da confluência entre o PNAFE e CDPRE (ambos baseavam-se em financiamento externo com prazo determinado), tivemos em Abril de 2000 a formação de uma equipe para apresentar um diagnóstico do Estado quanto à sua situação gerencial e proposição de um novo modelo de gestão para todo o aparelho com maior longevidade. Surgiu, portanto, em Abril de 2001, como resultado deste trabalho, o Programa de Modernização da Gestão (PMG), cujos princípios, pressupostos e a própria estrutura foram influenciados pela Gestão da Qualidade Total, muito difundida no Brasil na década de 1990, em especial no setor industrial e de serviços.

Considerações mais amplas sobre o PNAFE e o PMG não cabem neste trabalho, embora constituam um objeto de análise interessante sobre a visão empresarial do setor público segundo MARTINS (1996b), cuja utilidade, resultados e perspectivas no caso específico de Mato Grosso devem ser abordados em ocasiões oportunas.

6.3.2.3 – Renegociação da dívida estadual

Realizada nos parâmetros da Lei federal 9.496 de 11/09/1997, permitiu ao Estado refinanciar R$ 812,85 milhões da sua dívida mobiliária e do BEMAT de acordo com RANGEL (1999). O Estado fora bastante beneficiado nas rodadas anteriores de renegociação, em especial na de 1993, com a rolagem de uma dívida quase duas vezes superior à de 1997, equivalente a 31,75% do seu Produto Interno Bruto. O montante foi reescalonado para pagamento em 30 anos com juros de 6% ao ano mais a variação do Índice Geral de Preços – Disponbilidade Interna da FGV, comprometendo até 22% da Receita Líquida Real com o serviço anual (juros e amortizações do principal).

15% referem-se para as dívidas refinanciadas e 7% para outros débitos, incluindo alguns tributos e passivos contraídos com instituições financeiras federais. Os principais ganhos estão na relação com um número menor de credores e a previsibilidade do pagamento, que chegou a atingir 49% da Receita Corrente Líquida em 1996. Com este acordo a União criou o Programa de Reestruturação e de Ajuste Fiscal que permite o monitoramento de um elenco de indicadores nos Estados (muitos incorporados pela Lei de Responsabilidade Fiscal a partir de 2000), quais sejam:

I - Dívida financeira em relação à receita líquida real - RLR; II - Resultado primário, entendido como a diferença entre as receitas e despesas não

financeiras; III - Despesas com funcionalismo público; IV - Arrecadação de receitas próprias; V - Privatização, permissão ou concessão de serviços públicos, reforma administrativa e

patrimonial; VI - Despesas de investimento em relação à RLR.

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7. Privatização da Cemat 7.1 - Retrospectiva histórica do setor elétrico

O objetivo aqui é demonstrar as principais características do setor elétrico no Brasil através da sua formação, que evidenciam as diferenças com outros serviços públicos (como a estrutura de propriedade das companhias) e seus traços fundamentais que fizeram-se presentes na fase de desestatização atual, condicionando a formação da coalizão social e política para tal finalidade, no nível nacional e também estadual.

A estrutura do setor elétrico no Brasil foi condicionada pelas dimensões continentais do país e pelo enorme potencial das suas bacias fluviais, com rios de planície e planalto (Amazônica, Paraguai, Paraná, Araguaia-Tocantins, São Francisco, Tietê-Paraíba). Em função das economias de escala, o crescimento do setor foi puxado pelas grandes usinas como a binacional Itaipu na fronteira com o Paraguai e Tucuruí no Rio Xingu (Estado do Pará), com um sistema interligado de transmissão.

Com base nas características do setor e do papel que veio a desempenhar na industrialização por substituição de importações capitaneada pelo Estado, engendrou-se um padrão cooperativo ao invés de competitivo entre os agentes para otimização dos recursos, com um sistema centralizado de despacho (que fixava as quantidades de energia a ser gerada por cada usina numa determinada bacia fluvial e controlava a disponibilidade do insumo água) e com forte estatização, a partir de predominância inicial do capital privado desde o final do século XIX.

A estatização decorreu de fatores como o padrão de crescimento verificado no Brasil, no qual o Estado responsabilizava-se por investimentos nas indústrias de base (siderurgia, fertilizantes, petroquímica, motores) e nos modais de infra-estrutura com capital intensivo e baixo retorno, em geral serviços públicos associados a monopólios naturais ou externalidades, para reduzir o custo de reprodução do capital e acelerar a sua acumulação, em especial no setor industrial (subsidiado nas tarifas de energia).

Segundo PINHEIRO (1999), a estatização das empresas privadas estrangeiras no setor elétrico respondeu a duas necessidades principais da burguesia industrial brasileira. A primeira por uma regulação mais eficiente para garantia dos investimentos necessários (que volta ao primeiro plano com a desestatização em curso) atrapalhados por alguns fatores como a insegurança no cumprimento dos contratos e a política econômica – em especial monetária e cambial – que não proporcionavam um marco regulatório estável.

A segunda pela garantia de nacionalização de alguns setores-chave diante da nova estratégia do capital internacional monopolista no pós-guerra de ramificar-se e “internalizar-se” nos países hospedeiros através das companhias transnacionais, mantendo o centro decisório nas suas respectivas matrizes nos países centrais e atendendo a diretrizes mundiais, nem sempre coincidentes com as regionais.

Na sequência imediata da estatização, tanto no nível estadual quanto federal, foi criada em 1963 a holding federal Centrais Elétricas Brasileiras - Eletrobrás, constituída pelas companhias Furnas, Chesf, Eletronorte e Eletrosul (além da Eletronuclear que surgiu após a extinção da Nuclebrás). Convém destacar que o projeto de constituição desta companhia atravessou começou em 1954 e atravessou quatro mandatos até a regulamentação (Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart), o que demonstra a oposição sofrida por setores da burguesia industrial associados ao capital monopolista internacional. Foi montado também o Grupo de Coordenação para Operação Interligado que tratava do despacho centralizado.

Um outro agente federal constituído em 1965 foi o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), responsável pelas concessões, quase desnecessárias num sistema com forte estatização e monopolização regional. Dado o seu papel secundário na fixação tarifária, o DNAEE acabou sendo controlado pelas companhias que deveria regular (fato ocorrido em outros setores), o que implicou no uso das tarifas após 1975 como ferramenta de contenção inflacionária.

Nesta divisão de tarefas coube à União, em função do volume de investimento necessário, concentrar os ativos de geração e transmissão através da sua holding e aos Estados controlarem a distribuição. No entanto, coerente com a desigualdade econômica entre as regiões brasileiras, o sistema acabou adquirindo uma conformação diferenciada em certas áreas.

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A União deteve duas companhias de distribuição (Light e Excelsa) e os Estados que concentravam a maior parte da produção industrial como São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Goiás, constituíram empresas verticalizadas integrando os três setores (geração, transmissão e distribuição). De acordo com FERREIRA (1999), os ativos de geração das empresas destes Estados somavam em 1995 28.301 MW (considerando Itaipu que é uma companhia à parte e tem compromisso de compra da energia gerada de acordo com o mercado de cada distribuidora com base numa lei de 1973) e a Eletrobrás 26.139 MW, o que caracteriza um dualismo com dois sistemas de capacidade similar convivendo no setor. Apenas para exemplificar, a subsidiária da Eletrobrás na região sul (Eletrosul) tinha capacidade de geração inferior às companhias dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná.

A razão para tal dualismo foi a necessidade que as burguesias industriais destes Estados tinham de manter a produção de energia elétrica sob seu controle próximo (pelo acesso mais rápido ao governo estadual), já que o setor secundário tem uma relação insumo energético/produto menor do na agropecuária ou comércio/serviços que o caracteriza como eletro-intensivo, além da desconfiança na capacidade federal em atender as suas demandas setorizadas e regionalizadas. Ou seja, a manutenção de um montante considerável de ativos de geração/transmissão nas mãos dos Estados que detinham boa capacidade de auto-financiamento atendeu ao imperativo do empresariado local de marcar forte presença na formulação da política energética em nível estadual segundo as suas orientações.

Convém salientar, porém, que a estratégia adotada pelas elites estaduais não excluiu os ativos de geração e transmissão pertencentes à União (o que fica claro na atual paralisia da desestatização), mas apenas adota uma divisão de trabalho em bases diferentes da que foi proposta para os Estados menores, que criaram companhias com ênfase na distribuição. Para a União foi deixado, em função da escala, o investimento nas grandes usinas e linhas de transmissão, enquanto os Estados mais ricos e industrializados garantiram um sistema próprio cujo objetivo era direcionar os investimentos e ampliar a sua autonomia no marco federativo, já evidenciada em outras áreas.

Os Estados, no nível macroeconômico, utilizavam as companhias como instrumentais para a contratação de funcionários postos à disposição de outras áreas, subsidiamento ao mercado por meio de projetos de alto custo/baixíssimo retorno e a isenção de pagamento a alguns setores, além do financiamento do próprio déficit público. No plano microeconômico, o setor tinha alguns desincentivos para eficiência como o retorno fixo em 10% para os investimentos feitos (independente da análise de fluxo de caixa dos empreendimentos) criado pela unificação tarifária em 1974 – com um mecanismo de compensação soma zero denominado Conta de Resultados a Compensar – e o pouco controle sobre os custos operacionais, considerados somente no seu aspecto contábil. Em suma, os custos determinavam as tarifas e eventuais diferenças causadas pelo baixo nível tarifário ou alto custo eram compensadas pela CRC.

O setor experimentou crescimento considerável nos anos 1960/1970, acompanhando a dinâmica de acumulação capitalista no Brasil da qual era subsidiário e desconsiderando questões ambientais relevantes durante o regime autoritário. Cabe destaque a ênfase especial dada pelo General Geisel (1974-1979), que no contexto de seu “Projeto Brasil Potência” segundo BRUM (1999), diversificou a matriz energética ao incentivar a exploração de petróleo em águas profundas pela Petrobrás (da qual fora presidente), desenvolver motores à base de um combustível alternativo derivado da cana-de-açucar (álcool) e implantar o programa nuclear brasileiro em parceria com a então Alemanha Ocidental.

Com a crise na qual mergulhou a economia brasileira durante a década de 1980, o setor elétrico sofreu um processo acelerado de sucateamento e “financerização” (reproduzindo a economia nacional que a partir de 1978 passa a endividar-se para pagar outras dívidas), pois as receitas tarifárias reais, os aportes financeiros dos seus controladores e os investimentos caíram e, para manter um padrão mínimo de atividade, as companhias passaram a recorrer a empréstimos e financiamentos, muitas vezes dolarizados.

Conforme FERREIRA (1999), em 1985 60% da receita agregada do setor provinha desta fonte (com apenas 25% para tarifas) e em 1989 98% da despesa foi utilizada para pagamento do serviço da dívida. Algumas companhias no ano de 1995, como a CEAL do Estado de Alagoas,

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chegavam a uma relação passivo/ativo de mais 30% e a dívida acumulada do setor totalizava US$ 25 bilhões (R$ 46 bilhões em 2003). A Cemat não estava não mal neste aspecto, pois sua relação passivo/ativo era de 11,22%.

É neste quadro de baixos investimentos, elevado comprometimento da receita para o serviço da dívida e ameaça de colapso no abastecimento energético no país e redefinição do papel do Estado na produção que as elites começaram a discutir um novo marco regulatório para o setor elétrico. Em 1993, no meio da crise, a Lei 8.631 inicia a privatização do ponto de vista técnico ao eliminar o nivelamento de tarifas e sua diferenciação em suprimento para as geradoras e fornecimento para as distribuidoras. O Presidente Itamar Franco, por seu apoio reticente ao Programa Nacional de Desestatização, recusou-se a autorizar reajustes iguais à inflação para beneficiar a população.

Entretanto, a inclusão do setor elétrico na lista dos privatizáveis e a montagem de um novo marco regulatório com esta orientação ganha fôlego apenas a partir de 1995 no contexto da eleição de Fernando Henrique Cardoso e dos efeitos do Plano Real sobre o ultrapresidencialismo estadual detalhados no Capítulo 5.

A Lei Geral de Concessões (8.987/95), válida para todos os serviços públicos, regulamentou a Constituição Federal e exigiu licitações (baseadas no equilíbrio econômico-financeiro das companhias), abrindo caminho para a reestruturação e privatização do setor elétrico. Em seguida, a Lei 9.074 estende para 20 anos o prazo de conclusão das usinas paradas, com apresentação de um plano por estas que contemplasse a participação de pelo menos um terço de capital privado. Outra mudança importante trazida por esta lei foi o conceito de produtores independentes que poderiam atender consumidores livres.

Neste período o debate no interior do aparelho do Estado polarizou-se em duas posições. A primeira reunia atores como a Eletrobrás e suas subsidiárias, companhias estaduais, algumas frações da burguesia industrial e forças políticas à esquerda que preconizavam a manutenção do setor elétrico como estatal e o não-desmembramento das companhias verticalizadas para dificultar a desestatização, caso esta se revelasse inevitável.

A segunda propunha a privatização imediata e a formação de um ambiente competitivo com desverticalização das companhias depois (ou seja, a conversão do monopólio estatal em monopólio privado). Esta posição derivava de uma defesa por maior participação do empresariado brasileiro na aquisição das companhias em função da sobrevalorização cambial (a cotação do dólar flutuava neste período na faixa de R$ 0,86 a R$ 0,99), que encareceria seu valor para investidores estrangeiros, constituindo uma reserva de mercado. Todos sabiam na ocasião sobre o caráter efêmero da âncora cambial e que, com uma eventual desvalorização, o valor de compra cairia muito em dólar, ampliando a presença internacional.

Neste ponto convém salientar algumas características do processo decisório no Brasil. Um dos traços marcantes do aparelho do Estado, em especial na União, é a autonomização de determinados setores em relação ao centro de poder político-administrativo. Seja pela articulação direta com setores do capital, pela influência de oligarquias regionais ou partidárias ou mesmo pelo aparelhamento de determinados estratos mais privilegiados da burocracia (para formular políticas com prazo longo e sem “influência externa”), existem determinados setores quase impermeáveis à função de coordenação, constituindo os famosos “Estados paralelos”.

Segundo MARTINS (1995), uma das deficiências estruturais engrendradas pelo Decreto-Lei 200/67 foi o relacionamento difícil e conflitante entre a Administração Direta e Indireta. A ausência de regras claras (como nos contratos de gestão europeus introduzidos no Brasil pelo Plano Diretor) para disciplinar a relação do Poder Executivo e o setor paraestatal foi foco de tensão permanente. Quando representantes das agências centrais ou mesmo dos ministérios setoriais eram indicados para disciplinar as companhias, os integrantes destas os sabotavam ou forçavam a aceitar a sua lógica, tornando-se refratárias a qualquer tipo de intervenção.

Pois bem, assim também ocorreu com a Eletrobrás. Além de ter uma presença muito grande de aliados do atual Senador Antônio Carlos Magalhães - que foi seu presidente durante o mandato do General Geisel - e de seu partido (PFL), a Eletrobrás e suas subsidiárias desenvolveram uma burocracia articulada com setores do empresariado e as distribuidoras estaduais de acordo com a

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conformação adquirida pelo sistema elétrico no Brasil. Uma das principais marcas do estilo de gestão adotado pelo Presidente Fernando Henrique

foi o fortalecimento da capacidade de coordenação e o insulamento da Presidência da República e de algumas agências centrais e setoriais, destinadas a integrantes da “ala tecnocrática” do PSDB. Aqui entram o Ministério da Fazenda (com destaque para as Secretarias da Receita Federal e do Tesouro Nacional), do Planejamento, Casa Civil, Banco Central, BNDES e alguns ministérios setoriais que foram considerados prioritários como Saúde, Educação, Comunicações, Reforma Agrária, Relações Exteriores, dentre outros. Através deste mecanismo o Presidente ampliou seu raio de influência e conseguiu controlar mais a distribuição de cargos na coalizão e as próprias políticas públicas.

Contudo, como a aliança era muito ampla e um dos meios tradicionais para a formação de maiorias no parlamento é a distribuição de cargos nos ministérios e na Administração Indireta, o Presidente destinou determinados setores a partidos aliados. Devido à força do Senador Antônio Carlos Magalhães (que presidiu o Senado entre 1997 e 2001) e foi um dos sustentáculos da bancada de apoio ao Presidente no parlamento, alguns ministérios foram destinados ao PFL, como Previdência, Meio Ambiente e Minas e Energia. Esta divisão acabou prejudicando a capacidade de coordenação presidencial no setor elétrico e trouxe alguns efeitos importantes.

A primeira coalizão fica restrita, portanto, ao setor elétrico e a segunda é composta pela equipe montada para condução do plano de estabilização, em especial no que refere-se às políticas macroeconômicas necessárias para a sua manutenção (monetária, cambial, fiscal). O padrão de relacionamento desta equipe com as políticas setoriais acabou determinando, em muitos casos, o rumo tomado por elas e seus formuladores ao longo dos dois mandatos do Presidente FHC (como foi o caso do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado).

Podemos dizer, numa perspectiva própria da análise de política pública, que o contexto da política energética no Brasil no período em questão revelou-se complexo e confuso, dificultando a formação de uma coalizão ou “bloco hegemônico” no sentido gramsciano que pudesse optar por uma orientação e sustenta-la ao longo do tempo. As coalizões conviveram, demarcaram território, reconheceram-se entre si e traçaram caminhos com autonomia relativa, o que acabou condicionando a formação de uma agenda híbrida.

Ou seja, as duas se protegeram e celebraram algumas alianças táticas nos pontos convergentes, que prejudicaram, como dissemos, o surgimento de uma orientação estratégica (a ausência de planejamento neste nível e de um lei geral para o setor é sintomática) que pudesse orientar a evolução do setor no médio e longo prazo. Isto ocorreu porque a primeira estava relacionada à Eletrobrás e possui uma visão que reflete a estratégia desta companhia em relação ao setor e a segunda tinha como objetivo a consolidação do plano de estabilização, não atentando-se de forma específica para aspectos setoriais.

Esta dicotomia acabaria revelando-se danosa, pois elementos que deveriam ter tratamento sistêmico (pois têm efeitos sinérgicos) foram trabalhados em separado o que, somado a outros fatores, provocou o racionamento de 2001-2002 que despiu os seus problemas para o grande público. Para muitos analistas, o grande erro do Presidente Fernando Henrique foi não ter envolvido-se pessoalmente nesta disputa (arbitrando por uma das alternativas ou uma combinação negociada - mas consistente - de ambas) indicando alguém com perfil técnico – um gerente profissional alheio ao setor - próximo a ele que pudesse conduzir um processo semelhante ao realizado pelo Ministro Sérgio Motta nas telecomunicações. Abordaremos melhor este tema na conclusão do trabalho.

No início de 1996, a Eletrobrás contratou uma consultoria norte-americana chamada Coopers & Lybrand para deslocar o debate dos pólos privatização-estatização e apresentar um novo marco regulatório para o setor, contendo um regime de transição. O desafio posto para a consultoria era projetar um modelo descentralizado que fosse funcional, não obstante a propriedade das companhias. Tal modelo acabou tendo grande influência junto aos policymakers do setor e foi incorporado pela lei 9.648 de Maio de 1998 (que também autorizou a reestruturação das subsidiárias da Eletrobrás nestes termos).

As principais características do modelo proposto foram:

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1 – Criação do Mercado Atacadista de Energia (MAE) para estabelecer o preço de referência nos contratos bilaterais e administrar o mercado à vista;

2 – Definição de “contratos iniciais” para pautar o regime de transição para um ambiente competitivo;

3 – Desmembramento dos ativos de transmissão e a criação de um operador independente do sistema interligado (para cumprir as funções do sistema centralizado de despacho);

4 – Criação de uma agência independente de planejamento indicativo (denominada Instituto de Desenvolvimento do Setor Elétrico) para estudo de capacidades hidrológicas e ambientais;

5 – Manutenção da Eletrobrás como agente financeiro do setor. Para que a desestatização pudesse caminhar ainda que de forma restrita, foi necessária a

criação da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) pela Lei 9.427/96 e a inclusão das cláusulas indexando os futuros reajustes tarifários aos índices de inflação (denominado teto de preço), de forma que os investidores tivessem alguma segurança na aquisição das companhias independente do marco regulatório do setor. É importante salientar que a ANEEL foi autorizada a dividir tarefas com agências estaduais de regulação através de convênios específicos, como foi o caso da Comissão Estadual de Serviços de Energia em São Paulo e a AGER em Mato Grosso. Passemos agora para o caso da Cemat.

7.2 – Descrição da privatização

De acordo com as características do Estado de Mato Grosso e a evolução do setor elétrico descritas nas seções anteriores, podemos situar o leitor no processo que resultou na privatização da Cemat. A exemplo de suas congêneres, a Cemat vinha atravessando uma situação delicada desde pelo menos o início da década de 1990, quando o setor enfrentou a sua crise mais grave.

Embora o crescimento médio do mercado nos seis anos anteriores à privatização tenha sido de 10%, a Cemat era uma das piores companhias estaduais do setor elétrico de acordo com seus indicadores operacionais e financeiros. Basta dizer que as perdas de cerca de R$ 100 milhões em 1995 e R$ 265 milhões em 1996 foram financiadas com o não-pagamento da energia adquirida da Eletronorte (a Cemat gerava apenas 8% da energia que distribuía).

Dentre os fatores determinantes da sua crise podemos apontar a unificação tarifária pré-1993 (que não cobria os elevados custos operacionais da companhia em função da dimensão territorial de Mato Grosso e de sua baixa densidade populacional, o que ocorre em toda a Amazônia Legal); perdas técnicas e gerenciais devido à pouca manutenção dos equipamentos e sua sobrecarga – resultando em frequentes blecautes – que chegaram a 27%, o dobro do padrão setorial; e custos operacionais elevados em função do excesso de funcionários, salários acima da média do mercado e o uso de energia em áreas remotas de baixa eficiência através de geradores movidos a diesel. A Cemat não conseguia, portanto, acompanhar o crescimento da economia estadual, impedia a sua continuidade através de desinvestimento em alguns setores e ameaçava a população com o espectro do desabastecimento energético.

Uma boa evidência destes argumentos é a participação que a energia hidráulica/eletricidade tinham na matriz energética estadual em 1995 e como foi sua evolução até 2001. Na produção de energia primária destacavam-se o bagaço de cana, o caldo de cana e a lenha (explicados pela elevada produção de cana-de-açucar e extração de madeira no território estadual) com queda para a lenha e crescimento da energia hidráulica desde então.

Na produção de energia secundária, destacavam-se carvão vegetal, álcool etílico e hidratado, com eletricidade respondendo por apenas 47,42% da produção em 1995. Em 2001, o quadro havia-se alterado para 73,49%, com forte queda do álcool etílico. É importante observar que a maior parte do consumo de energia no Estado destina-se ao setor de transportes, com 40,73% - em virtude da amplitude do território estadual e do volume físico das exportações e dos bens industriais importados de outros Estados - e 21,01% para o setor residencial em 1995, caindo para 16,17% em 2001, a despeito do crescimento de consumidores. O setor agropecuário e industrial tinham pouca presença de eletricidade na sua matriz energética em 2000 (13,3% e 28,3% respectivamente), com predominância das outras fontes mais caras.

O setor elétrico tem, como apontamos acima, elevada presença da União, tanto no que refere-

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se à concentração dos principais ativos de geração e transmissão quanto pelo fato da energia elétrica ser um serviço público federal cujas concessionárias são as distribuidoras estaduais. A exemplo do reordenamento das finanças públicas, que atribuía à União elevada capacidade de iniciativa pelo controle dos recursos tributários e os instrumentais de política cambial e monetária no Banco Central, a reforma teria que começar pela União e não apenas nos seus aspectos jurídicos.

Um dos fatores que dificultaram a alternativa de privatização acelerada do setor foram os elevados débitos que algumas distribuidoras estaduais tinham com as geradoras federais. A privatização, numa sequência lógica, deveria começar pela geração, atividade na qual os investimentos são mais volumosos e necessários. Porém, se a Eletrobrás fosse privatizada, os compradores levariam junto no seu ativo direitos a receber referentes à energia vendida e não paga pelas distribuidoras e esta negociação teria que ser feita num segundo momento, pois poderia gerar problemas de solvência e liquidez para as companhias já privatizadas, comprometendo o desempenho. Poderia ocorreu inclusive uma privatização em cadeia, pela aquisição das ações das companhias pela Eletrobrás.

Isto fortaleceu a posição da primeira coalizão - que não desejava a privatização - e deu para a segunda uma via pela qual poderia avançar com seus objetivos, ainda que de forma restrita e tecnicamente imprópria por começar a privatização pela distribuição (seria como iniciar a reestruturação da indústria automobilística pelas concessionárias de veículos). Como seus objetivos eram o reordenamento das finanças estaduais com a eliminação de fontes do déficit público e a renegociação da dívida pública, aspectos técnicos setoriais não tiveram tanto peso.

A Cemat foi preparada, portanto, para a privatização. Esta decisão foi determinada por seus maus indicadores operacionais e financeiros, por sua concentração apenas na atividade de distribuição (não exigia uma reestruturação muito complexa), pela frágil situação financeira, orçamentária e patrimonial do Estado de Mato Grosso no contexto da renegociação da dívida descrito no Capítulo 6 e pela postura da União no setor elétrico a partir de 1995.

Tal postura contemplou a ênfase nas Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) para reduzir os custos de transmissão aproximando as fontes geradores dos locais de consumo, a conclusão do acordo que vinha arrastando-se desde a década de 1960 com a Bolívia para viabilizar o gasoduto – possibilitando uma usina termelétrica em Cuiabá - e a retomada das obras da Usina de Manso por Furnas com participação do capital privado nos marcos da Lei 9.074/95.

Estes dois empreendimentos fizeram a capacidade instalada de geração elétrica em Mato Grosso sair de 123,9 MW em 1993 para 559,73 MW (com potencial instalado de 856 MW), enquanto o consumo está na faixa de 600 MW. O Estado ainda possui elevada dependência externa medida pela relação produção/consumo de 52,4% em 2001 (embora tenha caído desde 1995). Contudo, este consumo inclui os derivados do petróleo (gasolina, óleo diesel, querosene, lubrificantes) importados que mantêm elevada presença na nossa matriz energética, em especial nos setores de transporte e agropecuário (que respondiam por 34,65% e 12,71% do consumo final em 2001, respectivamente).

Tais obras respondem por cerca de 90% da capacidade instalada (complementada por algumas PCH´s, inclusive de propriedade da Rede/Cemat) e, aliadas a investimentos em transmissão que ampliaram a extensão das linhas em 36,23% de 1997 a 2002, equacionaram o problema energético do Estado de Mato Grosso, pelo menos no curto e médio prazos. A privatização da Cemat ocorreu neste quadro e sozinha não teria alterado o quadro da primeira metade dos anos 1990, por tratar-se na essência de uma distribuidora.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), principal agente da privatização no Brasil desde a década de 1980 e cujo papel foi fortalecido pelo Programa Nacional de Desestatização, assumiu uma posição de destaque também em relação aos Estados. O envolvimento foi possibilitado pela decisão 316 da sua diretoria de 15/08/1996, que disciplinou os procedimentos de antecipação de recursos lastreados nas receitas das futuras privatizações, a criação de um fundo rotativo para este fim e do Programa de Estímulo às Privatizações Estaduais (PEPE).

O primeiro Estado beneficiado com este procedimento foi Minas Gerais em dezembro de 1995, comprometido então com a privatização da CEMIG. Como tal alternativa foi trocada por uma mudança na composição acionária da companhia para incluir um sócio estrangeiro, o BNDES

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passou a exigir que os Estados obtivessem aprovações junto às suas Assembléias Legislativas para a alienação das ações - o que foi feito em Mato Grosso pela Lei 6.769 de 29/05/1996. No caso da Cemat houve a subscrição de debêntures para uma subsidiária do BNDES denominada BNDESPAR (que administra participações em outras companhias), conversíveis em ações no momento da privatização – com o mesmo sendo feito para a Eletrobrás.

Em 10 de Setembro de 1996, o governo estadual celebrou um contrato de gestão compartilhada com o BNDES e a Eletrobrás (para muitos um eufemismo para federalização). A nova equipe designada tinha como objetivo conduzir ações de demissão de funcionários através da aposentadoria que iniciara-se em 1995 e dos empregados que detinham os salários mais altos, redução de perdas operacionais, investimentos emergenciais para prevenir blecautes, renegociação dos débitos federais e resolução de disputas legais. Os principais resultados deste período foram os seguintes:

I – Os funcionários com altos salários caíram de 2.636 em Dezembro de 1995 para 2.129 um ano depois e 1.538 em dois anos (41,6%). Os serviços terceirizados (na sua maioria manutenção de equipamentos) saíram do nada em antes da privatização para 1.098 pessoas, em grande parte ex-funcionários da Cemat que abriram empresas ou cooperativas de serviço com os recursos recebidos por conta da demissão, o que é importante para compreender a formação da coalizão que viabilizou a privatização;

II – A folha de pagamento caiu de cerca de R$ 6.000.000 antes da privatização para R$ 4,8 milhões depois, com o salário médio de R$ 3.895,45 para R$ 1819,40. O custo-benefício anual estimado com esta redução está na faixa de R$ 15,6 milhões;

III – O número de consumidores cresceu 6% e a relação consumidor/funcionário cresceu de 220 em 1996 para 324 em 1997;

IV – Os investimentos de emergência foram implementados com capitalização do BNDES e da Eletrobrás, que receberem debêntures conversíveis em ação como caução;

V – As perdas totais foram reduzidas de 26,8% em 1996 para um nível ainda alto de 25,1% em 1997 (na maior parte por problemas com medidores defasados);

VI – Débitos federais com o FGTS, INSS e Receita Federal foram renegociados e as compras de energia da Eletronorte/Eletrobrás foram capitalizadas.

Podemos resumir a privatização da Cemat nos seguintes passos: I - Um consórcio de empresas brasileiras liderado pela Maxima foi contratado (nos moldes de

outras privatizações realizadas pelo BNDES) para preparar a privatização. A consultoria começou em Janeiro de 1997 e a despeito de alguns atrasos iniciais, a privatização ocorreu na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em 27/11/1997;

II – Foi feita a opção por venda em bloco único sem desmembramento das atividades de geração e distribuição nos termos do modelo proposto pela Coopers & Lybrand (embora os contratos de concessão apontassem a necessidade de criação de duas companhias independentes em três anos). Os modelos de privatização em geral respondem às coalizões que os formuladores pretendem montar para viabilizar a política. No Brasil, por conta da forte associação entre as privatizações e a política fiscal, optou-se pelos leilões que poderiam maximizar o valor das companhias vendidas ao invés de vendas a preço fixo com base na pulverização de ações ao público – opção controversa para alguns pois induz a um aumento tarifário depois para que o recurso empregado na privatização possa ser recuperado. No âmbito do PND entre 1990-1995 as privatizações seguiram o que VELASCO JR. (1997) chama de “Modelo Usiminas” (indústria do ramo siderúrgico selecionada para ser o leading case e conferir credibilidade ao PND), no qual não o agente não definia quantidades mínimas a serem adquiridas nem pré-qualificações dos candidatos. Tratava-se apenas de zelar pelas regras do jogo, abrindo a possibilidade de diversos cenários de vencedores e ampliando, portanto, a coalizão de defensores, em especial junto ao empresariado. A partir de 1995, com ampliação do consenso em função do Plano Real, dentre outros fatores, foi possível adotar um modelo que preconizava uma determinada composição acionária para a companhia após a privatização e reduzia o número de possíveis vencedores. A Cemat e demais companhias do setor elétrico seguiram esta padrão, portanto;

III – Cerca de 12% das ações ordinárias (capital votante) foi oferecido aos funcionários da

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Cemat com deságio de 50% em relação ao preço mínimo definido para a privatização (R$ 323,3 milhões). A experiência internacional recomenda atenção especial aos funcionários em virtude da elevada capacidade de obstrução das privatizações demonstrada, seja pela via da sabotagem (resistência tácita) ou mesmo da aliança com outros segmentos sociais e políticos expressivos opositores por razões políticas e programáticas, como o Judiciário, Legislativo, Ministério Público, ONG´s, empresariado, partidos ou parlamentares. No caso da Cemat, além do plano de aposentadoria e demissão implementado antes da privatização, houve a separação de um lote de ações ordinárias a ser oferecido aos funcionários, cuja liquidação foi prorrogada várias vezes, exigiu muita atenção do CDPRE no primeiro semestre de 1998 e envolveu a utilização de créditos trabalhistas e a participação do fundo de pensão – Previmat. Em Maio de 1999, o CDPRE diligencia junto à Eletrobrás para vender as suas ações remanescentes;

IV – O BNDES ofereceu financiamento para os interessados na compra; V – As companhias tiveram que se pré-qualificar e depositar garantias referentes ao preço

mínimo antes do leilão na Bolsa de Valores; VI – O leilão ocorreu em 27/11/96 na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Outras seis

companhias estaduais foram leiloadas apenas nos meses de Outubro de Novembro de 1997 (CEEE Centro-oeste, CEEE Norte-Nordeste, CPFL, Enersul, Energipe e Cosern);

VII – De cinco companhias pré-qualificadas, três participaram do leilão e duas destas formaram um consórcio. A primeira rodada foi de envelope fechado e ganhou a Cataguazes-Leolpoldina e Light que apresentou uma proposta de 14,4% acima do preço mínimo. De acordo com a legislação e de forma inédita até então, foi necessária uma segunda rodada em viva voz pela diferença inferior a 10% da proposta do consórcio REDE/INEPAR. Este deu o lance de R$ 391,5 milhões e venceu a privatização. Não houve participação de companhias estrangeiras no leilão, pois estas privilegiaram as distribuidoras maiores e localizadas nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste. É importante lembrar a Cemat obteve um dos menores ágios (21,09%) e valor por pago MWH (na faixa de 180 a 190);

VIII – Os R$ 391,5 milhões pagos pela REDE/INEPAR foram distribuídos em R$ 176,1 para o Estado de Mato Grosso, R$ 139,98 milhões para a Eletrobrás, R$ 18,33 milhões para o BNDES, R$ 16,28 milhões para a BNDESPAR, R$ 40,6 milhões para a própria Cemat e R$ 195.750 para os custos da privatização;

IX – Os R$ 176,1 do Estado foram distribuídos da seguinte forma: R$ 66 milhões para pagamento de dívidas contratuais com a União e o BID, R$ 11,4 milhões para dívidas de ICMS de energia elétrica com os municípios, R$ 53 milhões para 13° salário dos três poderes em 1997, R$ 14 milhões para investimentos em projetos sociais e rodoviários, R$ 25,9 milhões para complementação das folhas de pagamento de Janeiro, Fevereiro e Março de 1998 e R$ 5,8 milhões para pagamento do 13° salário dos servidores municipais de Cuiabá. Tal composição é importante para compreender a coalizão de apoio à privatização. Boa parte das operações realizadas com recursos egressos da privatização seria proibida hoje pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que através da sua “regra de ouro” vincula as receitas de capital apenas à despesas de capital.

O Grupo Rede, com origem no Estado de São Paulo, é composto de sete concessionárias controladas por uma holding denominada Empresa de Energia do Vale do Parapanema (EEVP), por sua vez é controlada pela DENERGE S.A. A empresa CAUIA é a titular das ações da Cemat pertencentes ao Grupo. A sua atuação consiste na geração, transmissão e distribuição de energia para cerca de 30% do território nacional, isto é, mais de 2,5 milhões de consumidores, benefício direto a mais de 11 milhões de pessoas.

Além da Cemat, o grupo tem a concessão de companhias nos Estados de São Paulo (71 municípios), Minas Gerais (10 municípios), Paraná (1 município), Pará (Celpa), Tocantins (Celtins), onde participa da construção de uma usina hidrelétrica no Rio Tocantins com capacidade estimada em 850 MW. A INEPAR é um grupo do Estado do Paraná que possui investimentos em geração, equipamentos elétricos, automação de sistemas, medidores de energia, telemetria e telecomunicações. Está em fase de constituição uma companhia apenas de geração (Rede Power), nos marcos da Lei federal 9.648/98 e das exigências da Aneel.

Apesar dos esforços feitos durante a vigência do contrato de gestão compartilhada, algumas

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dívidas ainda foram transferidas para os compradores da Cemat por ocasião da privatização (US$ 461 milhões). Segundo BINI (2002), a recuperação dos débitos federais, pagamento de dívidas trabalhistas e juros continuaram após a privatização e o passivo total evoluiu para R$ 670,373 milhões em 2002. O faturamento bruto, entretanto, cresceu de R$ 411,598 milhões em 1998 para R$ 715,702 milhões em 2001 (aumento de 73,88%) e, desconsiderando o serviço da dívida, a companhia é lucrativa.

Os indicadores operacionais e financeiros melhoraram após a privatização. De um prejuízo de R$ 30,2 milhões em 1997, a Cemat obteve lucro de R$ 8,9 milhões em 1998, prejuízo de 2,4 milhões em 1999, prejuízo de R$ 115,825 em 2000, lucro de R$ 5,8 milhões em 2001 e prejuízo de 111,685 milhões em 2002. Esta gangorra deriva da parcela elevada do passivo da companhia dolarizado (cerca de 40% no final de 1999), que aumenta o montante e seu serviço, em especial nos anos de forte desvalorização cambial como 1999 e 2002 – no qual o dólar chegou a ser comercializado a R$ 4,00 logo após o 1° turno das eleições em outubro. A companhia deve seguir, portanto, os passos de outras distribuidoras privatizadas e dolarizar também uma parcela dos seus ativos para compensar eventuais desvalorizações (numa operação que o mercado financeiro chama de hedge ou proteção).

7.3 – Situação atual e perspectivas da energia no Brasil

As perspectivas do setor elétrico não são promissoras. É considerado pela maioria dos analistas na atualidade como um dos mais problemáticos da economia brasileira, pelo seu alto nível de endividamento (média de 82% do patrimônio líquido); elevada dolarização deste passivo - 68,55%; concentração de vencimentos no curto prazo (cerca de 1/3 com prazo inferior a um ano); prejuízo de R$ 11,469 bilhões em 2002 medido em 29 companhias abertas e a presença de seis destas entre os dez maiores no período (com apenas uma entre os dez maiores lucros – Eletrobrás); destas 29, 14 têm patrimônio líquido negativo e algumas devem 5 vezes o ativo, como é o caso da Light; e queda na cotação das suas ações que chegam a 90% em alguns casos (A Cemat pode ser adquirida hoje pelo valor de valor de US$ 9 milhões – cerca de R$ 25 milhões – lembrando que foi comprada em 1997 por um total de US$ 814 milhões).

Um panorama do setor aponta para ameaças de reestatização pela inadimplência de algumas distribuidoras como a Eletropaulo e a Cemar, prejuízos das companhias que foram federalizadas como Cepisa, Ceron e Eletroacre reduzindo a capacidade de investimento da Eletrobrás e ameaça de retirada de alguns investidores estrangeiros pelas más perspectivas. Este quadro resulta tanto de fatores macroeconômicos - volatilidade cambial, altas taxas de juros, baixo crescimento da produção, o racionamento de 2001-2002 – quanto microeconômicos, destacando-se a falta de um marco regulatório claro e a geração de um modelo anfíbio segundo LANDAU (2001) e disfuncional para o setor em virtude da atuação em paralelo das duas coalizões descritas acima.

A primeira conseguiu avançar bem na reestruturação das companhias estaduais, pois nenhuma passou incólume pelo período. Um grupo de distribuidoras que operavam em mercados de maior expressão foi privatizado, um outro não obteve condições financeiras e patrimoniais para tal e foi federalizado e um terceiro, composto pelas companhias com ativos de geração/transmissão sofreu alguma espécie de mudança na composição acionária, com destaque para o Estado de São Paulo. Nos Estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul candidatos de oposição aos então governadores foram eleitos em 1998 e suspenderam os processos em curso (Itamar Franco queria inclusive expulsar os sócios estrangeiros da Cemig e impedir a privatização de Furnas com utilização de tropas estaduais).

No Estado do Paraná, no qual houve reeleição do Governador Jaime Lerner em 1998, a COPEL foi preparada para a privatização com venda de participações minoritárias e desmembramento (o leilão foi marcado para Novembro de 2001 e suspenso pela falta de candidatos pré-qualificados), mas a oposição impediu a continuidade e gerou elevada mobilização social e política com desgaste para o Governador, que não participou das eleições de 2002 e assistiu a um segundo turno na sua sucessão disputado por dois senadores de oposição que foram governadores, ambos contrários à privatização da COPEL.

Em 2001, durante o racionamento, foi composta a Câmara de Gestão da Crise de Energia

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Elétrica (GCE) para centralizar as medidas emergenciais e propor uma solução estrutural para o setor. O Presidente Fernando Henrique designou o Ministro da Casa Civil, Pedro Parente, para presidir a Câmara. A GCE adquiriu a capacidade de coordenação interburocrática que faltou no período anterior e reuniu todos os agentes da área para formulação de uma política energética. Realizou um diagnóstico apontando os principais problemas e articulou um “Acordo Geral do Setor” composto por 33 medidas incorporadas pela Lei 10.438.

Tal acordo pretendeu conferir maior organicidade e sistematizar o modelo proposto pela Coopers & Lybrand, mantendo os seus fundamentos. Porém, por não envolver de forma adequada os atores externos ao aparelho do Estado (empresariado, sociedade civil, investidores estrangeiros, bancos, distribuidoras) a GCE proporcionou apenas um remendo que contou com a concordância dos participantes na época, mas não tornou-se consensual na sua totalidade, embora alguns tópicos sejam reconhecidos de forma quase unânime como essenciais.

A GCE é um bom exemplo do que dissemos no Capítulo 3, ou seja, que a governança tem como um postulado fundamental condições mínimas razoáveis de governabilidade. A Câmara agiu no sentido de ampliar a capacidade técnica e gerencial do Estado em relação a um determinado setor coordenando todos os agentes, identificando pontos em conflito e buscando soluções, mas desconsiderou ou não conseguiu articular de forma adequada os atores externos ao aparelho do Estado, pela falta de consenso sobre a política energética a ser adotada.

Além disto, é importante lembrar que tratava-se do último ano do mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso e o candidato vencedor das eleições (Luiz Inácio Lula da Silva) apresentou-se como “oposicionista”. Seu partido compôs a primeira coalizão, defensora da estatização completa do setor num retorno à década de 1960/1970 quando o setor viveu seu apogeu. Como Presidente da Eletrobrás foi indicado Luiz Pinguelli Rosa, Físico e Professor da UFRJ que notabilizou-se nos últimos anos pela crítica às ações federais nesta área. A política energética continua sendo, portanto, uma arena em disputa (agora numa nova rodada) pela formação da agenda. Vejamos se o novo Presidente conseguirá superar o dilema presente hoje e evitar novos racionamentos no futuro.

8. Conclusões

Apresentaremos nesta seção os resultados da pesquisa e suas conclusões. Para tanto, retornaremos ao seu referencial metodológico (problema, as hipóteses formuladas, o objetivo geral e os específicos) para verificar a sua validade. Como este estudo de caso é da espécie “provas de plausibilidade” segundo a tipologia de Eckstein apresentada no Capítulo 4, confrontaremos as hipóteses com as evidências reunidas pela pesquisa para validá-las ou não e proporcionar uma resposta adequada à pergunta feita no problema.

Em seguida, analisaremos a coalizão que viabilizou a privatização da Cemat em seus três níveis principais, quais sejam, a primeira com foco nas políticas macroeconômicas para consolidação do Plano Real, a segunda reunindo os atores do setor elétrico e a terceira no Estado de Mato Grosso. Por fim, faremos algumas considerações finais acerca da pesquisa, das perspectivas do setor elétrico no Brasil, da Rede/Cemat e algumas recomendações sobre a agenda de pesquisa nesta área.

O nosso problema foi enunciado da seguinte forma: quais foram as variáveis críticas para a formação da coalizão social e política que viabilizou a privatização da Cemat, na perspectiva da governabilidade democrática?

Para responder a esta pergunta, apresentamos quatro hipóteses baseadas na compreensão teórico-conceitual da governabilidade e governança. Faremos agora uma revisão de cada uma para verificar as evidências reunidas pela pesquisa que possam demonstrar a sua validade de acordo com o problema.

Hipótese 1 – A situação do setor elétrico no Brasil e alguns indicadores relativos à situação da Cemat (estrutura desverticalizada, funcionários, indicadores financeiros e operacionais, passivo, localização, dimensão) contribuíram para a privatização. Pudemos observar que o fato da Cemat ser uma companhia com ativos concentrados na distribuição, com maus indicadores operacionais e financeiros e um passivo elevado, sobretudo por conta de energia

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adquirida da Eletrobrás não paga, facilitou a sua privatização. O modelo proposto pela Coopers & Lybrand em 1996 e depois incorporado pela Lei federal 9.648/98 tinha como um dos seus fundamentos a separação das funções de geração, transmissão e distribuição em companhias diferentes para formação de um ambiente competitivo.

No caso das companhias elétricas que reuniam as três áreas (aquelas situadas nos Estados mais industrializados pelas razões apontadas), era necessária a reestruturação nestes marcos para atuação na nova estrutura do mercado preconizada. As companhias que fizeram tal separação como a CESP e a CEEE limitaram a privatização aos seus ativos de distribuição, impondo limites à geração e transmissão. Como a Cemat é uma distribuidora, sua reestruturação foi mais rápida e simples (iniciada durante o período de vigência do contrato de gestão compartilhada com a Eletrobrás e o BNDES) e facilitou a provatização.

Vimos que a solução do problema de abastecimento energético em Mato Grosso passou pela nova postura da União no setor a partir de 1995 e por decisões importantes da Eletrobrás e da sua subsidiária Furnas. A conclusão do acordo Brasil-Bolívia, que viabilizou o gasoduto e a usina termelétrica de Cuiabá (com capacidade de 480 MW), e a retomada das obras da Usina de Manso com participação do capital privado nos termos da Lei 9.074/95, levaram a capacidade de geração instalada no território estadual para cerca de 560 MW (com potencial de 856 MW), com um consumo na faixa de 600 MW. Já que o potencial hidrelétrico nas regiões Sul e Sudeste do Brasil está próximo do esgotamento e a expansão do consumo nestas regiões deve ser suprida com outros modais energéticos (nuclear, termelétrica, eólica) e/ou através da importação de outros países e Estados, a fronteira desloca-se para as regiões Norte de Centro-Oeste, onde concentram-se os maiores investimentos atuais.

A Usina de Belo Monte no Rio Xingu será a maior totalmente nacional (superando Tucuruí) e deverá ser concluída até 2010 com capacidade de 11 mil MW e investimentos de US$ 6 bilhões para a usina e as linhas de transmissão. Temos ainda a Usina Luis Eduardo Magalhães no complexo Lajeado em fase de execução com cerca de 850 MW e estudos de viabilidade para construção de mais quatro no Rio Tocantins (Peixe, Tupirantins, São Salvador e Poeiras).

A Eletrobrás, na sua estratégia de fortalecimento para evitar a privatização, não tomaria tais decisões sem garantia de uma distribuidora em Mato Grosso com bons indicadores operacionais/financeiros e, sobretudo, que pagasse pela energia comprada. O Grupo Rede adquiriu cerca de 65% do capital total da Cemat na ocasião da sua privatização em 1997. Em virtude do passivo transferido (avaliado então em US$ 461 milhões), no qual pesavam os débitos com a Eletrobrás, a companhia fez em 02/04/1998 um aumento de capital e ofereceu para a Eletrobrás um lote de ações preferenciais, quitando uma dívida de R$ 285 milhões (além dos cerca de R$ 140 milhões pagos na privatização). Esta operação, do ponto de vista técnico, reestatizou a companhia pois, segundo a composição acionária em Maio de 2000 (veja Anexo III), a Eletrobrás é a acionista majoritária tanto no total de ações quanto das preferenciais (59,8%), enquanto o grupo Rede detém 56,98% das ordinárias, que lhe conferem a direção da companhia.

É uma configuração inversa do que ocorre com frequência nas sociedades de economia mista. Estas são sociedades anônimas com capital social fracionado em ações ordinárias e preferenciais criadas para permitir ao Estado manter o controle sobre determinadas companhias com financiamento do mercado. Sociedades de economia mista como o Banco do Brasil e a Petrobrás têm a União como detentora da maioria das ações ordinárias e as preferenciais nas mãos de investidores privados, o que permite que o mercado financie as suas atividades, mas que a direção seja mantida pela União.

Elas são, na verdade, companhias privadas administradas pelo Estado, o que nestes dois casos tem sido um arranjo bom para ambas as partes, pelos ganhos de produção e produtividade obtidos na década de 1990 e o choque de profissionalização, que podem esgotar-se no médio e longo prazos e aumentar a pressão pela privatização completa. A Cemat é na atualidade, uma companhia estatal administrada pelo setor privado. A Eletrobrás buscou parceiros na região para contribuir na reestruturação da companhia e no aporte financeiro, deve ter condicionado os investimentos realizados em Mato Grosso à privatização e visualizou a posterior reestatização por meio do passivo elevado num mercado com baixas condições de crédito e liquidez. Esta era uma das razões

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apontadas para não começar a privatização pelas geradoras, pois desencadearia uma reação em cadeia e uma reconcentração por conta do passivo das distribuidoras estaduais, gerando um monopólio privado no lugar do estatal.

A privatização, portanto, das distribuidoras estaduais como a Cemat fez parte do saneamento financeiro (e ampliação da sobrevida como estatal) da Eletrobrás, por sua capacidade de contribuição para a política fiscal com parte de seus lucros. A aquisição pela empresa italiana Enel de 30% do capital da INEPAR Energia (detentora de 18,11% da Cemat) em 25/07/2000 a internacionaliza de forma indireta. A INEPAR anunciou também que pretende desfazer-se das suas ações na Cemat para concentrar-se em investimentos em geração e linhas de transmissão na sua parceria estratégica com a Enel. Esta composição faz da Cemat uma espécie de “fratura exposta” da falta de consenso entre as elites sobre o setor elétrico, pois conta com participação do capital estatal, privado e internacional. Existem casos muito mais graves no setor, como a Eletropaulo, que foi adquirida pela norte-americana AES através de endividamento em dólar, declarou moratória para com o BNDES e está sofrendo ameaças de reestatização por parte deste.

A confluência de várias coalizões com objetivos estratégicos diferentes em torno da privatização da Cemat sem uma orientação comum para o setor elétrico gerou este modelo anfíbio nos termos de LANDAU (2001), com cerca de 80% dos ativos de geração concentrados por uma companhia estatal monopolista (Eletrobrás), para a qual não valem as metas de abertura de capital, presença na bolsa de valores e o marco regulatório aplicado às distribuidoras “privadas” pela Aneel.

A prova mais clara disto é a não-adesão da Eletrobrás e suas subsidiárias aos parâmetros do modelo proposto pela Coopers & Lybrand no que refere-se ao Mercado Atacadista de Energia (MAE), que está paralisado pela recusa das principais geradoras do país em participarem. Podemos afirmar, portanto, que a hipótese formulada revelou-se plausível, necessitando de “aproximações sucessivas” através de estudos comparativos para observar se as variáveis comportaram-se da forma e ampliar a sua capacidade de generalização.

Hipótese 2 – A situação orçamentária, financeira e patrimonial do Estado de Mato Grosso estava deteriorada. Como pudemos observar no Capítulo 5, os indicadores financeiros e patrimoniais estavam numa situação frágil em 1994, que posicionavam o Estado de Mato Grosso dentre os piores nos rankings do setor.

Esta condição deu pouca margem para o governo estadual na renegociação da dívida com a União e Mato Grosso não tinha outros ativos a oferecer para quitar os 20% do principal à vista nos termos do acordo como outros Estados. Goiás não vendeu a sua companhia de eletricidade (Celg) naquele período, mas privatizou a Usina de Cachoeira Dourada, federalizou o seu banco (BEG) e liquidou a sua Caixa Econômica (Caixego). Minas Gerais não privatizou a Cemig (embora tenha mudado a sua composição acionária e reestruturado a empresa nos marcos da Lei 9.648/98), mas privatizou seus bancos Bemge e Credireal. Mato Grosso do Sul, por ser um Estado novo, não possuía banco estadual, tinha condição financeira/patrimonial como a de Mato Grosso e teve que privatizar a Enersul. Um caso curioso é o do Distrito Federal, que mantém seu banco (BRB) e a distribuidora de energia (CEB). Isto pode ser explicado pela sua transformação em unidade da federação após a Constituição de 1988 e a quase inexistência de passivo (com apenas 0,22 anos de receita líquida necessários para saldar), afora os bons indicadores operacionais/financeiros das suas companhias que deram-lhe mais autonomia diante da União.

A situação financeira deteriorada ajuda a explicar também a privatização da Cemat pela utilização dada pelo Estado de Mato Grosso à sua receita (48% para pagamento de salários atrasados e 44% para quitação de dívidas). Lembremos também que dentre os três ganhos de uma privatização para a política fiscal (pagamento da dívida, redução do déficit e arrecadação de impostos) a Cemat enquadrou-se nos três. Após a privatização, a companhia passou a recolher com regularidade o ICMS sobre a energia, que foi escalonado segundo as faixas de consumo (com uma tarifa de 30% para domicílios urbanos com consumo mensal superior a 500 KWh). Houve contribuição, portanto, também pelo lado da receita com arrecadação de ICMS. Ou seja, a privatização foi parte importante do ajuste fiscal promovido pelo Estado de Mato Grosso e se a situação fosse melhor talvez não houvesse esta necessidade. Podemos considerar esta hipótese plausível pela forte contribuição das variáveis financeiras, orçamentárias e patrimoniais para a

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privatização. Hipótese 3 – A formação de uma coalizão nacional voltada para a reforma do Estado e

de seu aparelho adotada a partir de 1995 contribuiu para o avanço de tal processo no nível estadual. Como vimos no Capítulo 5, dentre os fatores que contribuíram para a reversão do ultrapresidencialismo estadual, podemos destacar a função exercida pelo Plano Real e por sua equipe de condutores. Este cumpriu um papel reorganizador e legitimador da agenda nacional, tornando-se o fator condicionante das demais reformas, vistas desde então como determinantes para a sua manutenção.

A articulação iniciada no parlamento, depois submetida ao voto popular e aprovada colocou as reformas estruturais no centro de gravidade ideológico nacional. As elites e a opinião pública em geral, que já vinham passando por um movimento lento de conversão sobre a necessidade de reformar o Estado e ampliar a participação do mercado na economia em virtude das crises da década de 1980 (que causaram desgaste à matriz estadocêntrica que promoveu a industrialização no Brasil), aceitaram o imperativo das reformas voltadas para o mercado. Segundo MELO (2002), o movimento mais amplo de desideologização do debate sobre as reformas econômicas e da sociedade como um todo produziu um consenso pragmático e gerou alinhamento programático entre governo e empresariado.

Na eleição de 1994, um conjunto de forças políticas condicionou em grande medida a sua sobrevivência ao resultado do Plano Real e promoveu uma divisão de tarefas entre os poderes Legislativo e Executivo. Nesta, as tarefas necessárias para a condução do Plano eram consideradas inegociáveis e seriam realizadas pelo próprio Presidente e sua “ala tecnocrática” montada desde a passagem pelos Ministérios das Relações Exteriores e Fazenda. Uma citação de DINIZ (2000) exemplifica bem este fenômeno:

“O êxito do plano no sentido de reduzir drasticamente a inflação e quebrar os mecanismos de indexação da economia representou um importante capital político para o ministro da Fazenda e depois presidente, Fernando Henrique Cardoso, ao longo dos quatro anos de seu primeiro mandato. Além disso, foi um fator de governabilidade, garantindo um consenso básico em torno da política de estabilização econômica e favorecendo a unidade da complexa e heterogênea coalizão governamental” (DINIZ, pg. 91, 2000).

Esta coalizão, que envolveu agências centrais como Banco Central, BNDES, Ministério da Fazenda e do Planejamento teve como objetivo, portanto, consolidar o plano de estabilização através das políticas macroeconômicas consideradas necessárias com elevada autonomia em relação às principais clientelas (o que as torna entidades politicamente posicionadas). Em relação ao Estado de Mato Grosso, tal coalizão contribuiu para o acordo de renegociação da dívida, para a privatização da Cemat, para a aprovação do Programa de Reforma do Estado garantido pela União e também do PNAFE. Como vimos no Capítulo 6, estes foram os eixos da reforma do aparelho do Estado em Mato Grosso no período em questão e permitiram a superação da situação financeira e patrimonial adversa. Consideramos que esta hipótese também revelou-se plausível pelas evidências apresentadas pela pesquisa, devendo ser mais aprofundada para ampliar a sua capacidade de generalização.

Hipótese 4 – A dinâmica político-institucional dos Estados brasileiros e o seu posicionamento no contexto federativo influenciaram o processo decisório relativo às políticas de reforma e ajustamento estrutural em Mato Grosso. Pudemos observar que os mecanismos do ultrapresidencialismo estadual descritos no Capítulo 5 foram utilizados pelo Governador Dante de Oliveira para realização da reforma do Estado e de seu aparelho em Mato Grosso. Podemos elencar aqui a aprovação de todo o marco jurídico relativo à reforma (composto por cerca de 30 leis) pela Assembléia Legislativa, a aprovação da privatização da Cemat pelo Tribunal de Contas do Estado e a não-obstrução sistemática pelo Poder Judiciário, Ministério Público Estadual e a imprensa das iniciativas nesta área.

Contudo, os padrões de comportamento parlamentar denominados por Abrúcio de governismo e situacionismo também fizeram-se presentes no acordo de renegociação das dívidas e no Programa de Reforma do Estado. O empréstimo, após aprovação pelo BIRD em Junho de 1997, ficou cerca de um ano e meio em discussão no Senado e também na Assembléia Legislativa. Os

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parlamentares fizeram alterações nas categorias de investimento e garantiram a manutenção de algumas entidades da Administração Direta (Sanemat e Empaer). Ou seja, mesmo fazendo oposição ao Governador, os parlamentares articulados a outros atores quiseram conformar o conteúdo do Programa, reproduzindo o padrão de independência (situação nas obras no seu distrito informal e oposição nas políticas estaduais de uma forma geral).

Podemos considerar, portanto, que esta hipótese também revelou-se plausível, embora com relativa escassez de dados empíricos em função das limitações operacionais da pesquisa. A exemplo das outras, ela precisa de “aproximações sucessivas” para verificar a sua validade e capacidade de generalização.

Podemos afirmar, portanto, que a interação destas variáveis críticas apontadas nas hipóteses viabilizou a formação do consenso social e político necessário para a privatização da Cemat. Passemos agora para a análise da coalizão que sustentou tal política pública nos seus três níveis apontados acima. É mister destacar que esta distinção atende apenas a fins analíticos e que a sua forte correlação determinou o resultado final.

A primeira coalizão, como dissemos, era composta por aqueles atores que, dentro da aliança de apoio ao Presidente Fernando Henrique Cardoso responsabilizaram-se pela condução do plano de estabilização, adotando as medidas consideradas necessárias com amplo recurso a medidas provisórias. O seu objetivo estratégico era, portanto, a consolidação do Real com todas as reformas para tal (Estado, sistema financeiro, previdência, tributária, fiscal) e não o desenvolvimento nacional como desejavam muitos.

Esta coalizão obteve, além da queda da inflação e desindexação da economia, alguns ganhos relevantes como a liberalização comercial, o aumento da produtividade nos setores mais dinâmicos e sua articulação com o capitalismo internacional, ajudados pelo câmbio sobrevalorizado que permitiu elevação das importações (inclusive de bens de capital para reequipamento) e as boas condições de crédito e liquidez que antecederam as crises asiática e russa em 1997/1998. Na política fiscal, um dos principais feitos foi o enquadramento de todas as agências federais na política de contenção (de forma mais contundente no segundo sob a égide do acordo com o FMI), tendo as entidades da Administração Indireta que contribuir com os seus lucros para somar-se ao superávit primário gerado para estabilização da relação dívida/PIB.

A coalizão incorporou e redimensionou o Programa Nacional de Desestatização (PND), mantendo o BNDES como seu coordenador e considerando todo o complexo empresarial federal privatizável, pelos benefícios fiscais apontados acima e as possibilidades de ampliação da produção/produtividade nos respectivos setores. O documento “A Nova Fase da Privatização” lançado em Abril de 1995 resume o encaminhamento dado ao PND.

Segundo VELASCO JR. (1997), tal documento apontava que o PND deveria contribuir na superação do gargalo para o crescimento econômico existente no setor de infra-estrutura, com destaque para energia elétrica, transportes e telecomunicações, pois sua condição eleva os custos primários de produção, distribuição e armazenamento e reduz a competitividade sistêmica da economia. A concessão destes serviços públicos ao setor privado permitiria ao Estado dedicar-se às atividades de fiscalização e regulação. Um dos resultados imediatos desta postura foi a Lei Geral de Concessões (8.987) de 13/02/1995.

A recomendação dada pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado foi que as companhias situadas no setor de produção de bens e serviços para o mercado deveriam ser privatizadas (embasado na análise feita caso a caso), com o exercício da capacidade regulatória pelo Estado nos casos em que estivessem envolvidas externalidades e monopólios naturais.

Neste contexto, a Eletrobrás foi incorporada ao PND ainda em 1995. Porém, para a primeira coalizão o que importavam eram os resultados macroeconômicos de sustentação ao Plano Real e não as características específicas do setor elétrico, que foi destinado ao Partido da Frente Liberal na composição feita pelo Presidente. A segunda coalizão surge para articular os interesses específicos deste setor. Era composta pela Eletrobrás, as suas subsidiárias, as companhias estaduais e os atores beneficiados com a manutenção da geração estatal de energia, conforme descrição feita no Capítulo 7.

A Eletrobrás passa a direcionar os esforços, portanto, para a sua própria preservação como

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companhia estatal e atender às exigências da primeira coalizão. Para deslocar o debate dos pólos privatização-estatização, a Eletrobrás encomenda à consultoria norte-americana Coopers & Lybrand a proposição de um modelo que fosse funcional e descentralizado, independente da propriedade dos ativos. Ou seja, propõe para os atores da primeira coalizão que a companhia pode ser rentável e remunerar seu principal acionista a despeito da condição de estatal, esfriando um pouco os argumentos pró-privatização (além das exigências para a formação do ambiente competitivo que impedem a o monopólio privado e atrasam a desestatização).

Em todas as leis aprovadas no período, a Eletrobrás imprime a sua visão do setor elétrico, com a retomada das usinas paradas contando com apenas um terço de capital privado, a criação da Aneel para zelar pelo marco regulatório das distribuidoras privatizadas e a 9.648/98 que incorpora as orientações do modelo proposto pela Coopers & Lybrand (autorizando a reestruturação das subsidiárias para a privatização com prazo específico). No que refere-se às distribuidoras estaduais, a Eletrobrás concorda com a privatização pelo caráter deficitário da maioria delas e pelos ativos que tinha a receber para melhorar a sua própria condição financeira.

No caso da Cemat, além dos recursos transferidos na ocasião da privatização, menos de cinco meses depois o consórcio que venceu o leilão oferece ações preferenciais para a Eletrobrás tornando-a acionista majoritária da companhia e reestatizando a companhia do ponto de vista técnico. Ou seja, a Eletrobrás celebrou uma aliança tática com a primeira coalizão neste ponto específico. A eles interessava o reordenamento fiscal da federação que tinha na privatização das companhias estaduais de energia um passo importante e a ela tal movimento fazia parte de um processo mais amplo de reestruturação do setor elétrico para atender às suas necessidades empresariais.

Não por acaso, as duas primeiras companhias de distribuição privatizadas foram Excelsa e Light (sem marco regulatório definido, cabendo aos contratos de concessão este papel), ambas pertencentes à Eletrobrás e que carregam passivos pesados até hoje. A privatização delas foi, portanto, o primeiro passo para o saneamento financeiro da Eletrobrás e seu fortalecimento para atuação no novo ambiente “competitivo”.

No caso dos Estados situados nas regiões Norte e Centro-oeste isto fica mais claro (pois são as áreas em expansão). Para que a Eletrobrás possa fazer os seus investimentos, precisa estar saneada e contar com companhias distribuidoras nos Estados com bons indicadores operacionais e financeiros, gestão profissionalizada e que promovam também algum aporte financeiro providos pelo setor privado.

Tal comportamento permitiu a formação do modelo anfíbio, no qual cerca de 80% da geração de energia permanece nas mãos de uma companhia monopolista estatal com pouca submissão ao marco regulatório definido para o setor e 80% da distribuição nas mãos da iniciativa privada, padecendo de todos os problemas citados acima. A atuação das duas coalizões com relativa autonomia e sem um objetivo estratégico claro para o setor elétrico, além do tratamento de questões integradas de forma desarticulada (como o marco regulatório e a proposta de reestruturação), provocaram esta rachadura separando geração na esfera estatal sujeita às próprias regras e a distribuição na iniciativa privada seguindo as determinações da Aneel, com o cenário nada promissor.

Dentre as razões principais que podemos apontar para tal fenômeno estão a autonomização de determinados setores do aparelho do Estado que demonstram uma capacidade de resistência a mudanças muito grande, além da dificuldade de interlocução entre Estado e o capital (a desarticulação do empresariado no Brasil é traço histórico destacado por diversos autores), que talvez tenha dificultado a formulação de um marco estratégico para o setor elétrico pactuado entre os principais atores e que pudesse ser implementado, ainda que gradativamente.

Para SOLA (1993), o déficit de governabilidade no Brasil atingia três níveis importantes (embora dois relacionem-se mais com a governança de acordo com a compreensão teórico-analítica desta pesquisa), quais sejam: A) Dificuldade de se montar uma coalizão governamental estável; B) Incapacidade do governo de exercer controle sobre setores importantes do aparelho do Estado; e C) Deficiência dos órgãos-chave do Estado para o exercício das suas funções enquanto poder público, em face da erosão da capacidade técnica e organizacional das burocracias existentes. Podemos dizer

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que os três níveis foram trabalhados durante dos dois mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, com o problema maior concentrando-se no segundo, que acabou gerando a situação observada no setor elétrico.

Aqui entram temas que exigem uma discussão mais aprofundada com recurso ao instrumental analítico dos autores da Escola de Virgínia citada no Capítulo 2. Este contempla a tendência inexorável das burocracias no sentido da sua ampliação e maximização dos seus ganhos; o fenômeno do rent seeking no qual setores do mercado e da sociedade civil articulam-se em torno do Estado para defesa de interesses específicos; e a capacidade deste em lidar com as coalizões distributivas nas reformas orientadas para o mercado, que implicam em custos concentrados em determinados segmentos e beneficiários difusos por toda a sociedade.

Entretanto, pelas limitações desta pesquisa, nos limitamos a afirmar que a tecnoburocracia do setor elétrico articulou-se aos beneficiários da preservação da geração estatal de energia - com destaque para a burguesia industrial pelo caráter eletro-intensivo da sua produção - da forma usual como verifica-se a articulação Estado-mercado no Brasil. Pela falta de canais institucionais e a estrutura dupla de representação (com confederações e federações para os grandes setores ligadas ao Estado e associações por segmento específico), as coalizões foram montadas numa negociação direta entre os tecnoburocratas de cada área específica do aparelho do Estado e os stakeholders das respectivas políticas, via de regra em detrimento das funções de coordenação exercidas pela Presidência da República e algumas agências centrais.

No que tange à coalizão montada no Estado de Mato Grosso para viabilizar a privatização da Cemat, há algumas considerações importantes a fazer. Dada a situação financeira e patrimonial na qual o Estado encontrava-se e as ameaças de colapso energético, havia poucas alternativas para a companhia. A federalização já estava em curso, pois a Eletrobrás era o segundo maior acionista depois do Estado e caso este tivesse recusado-se a privatizar, ela possivelmente teria sido federalizada com base no elevado passivo junto à União (o que ocorreu após a sua privatização como demonstramos). Basta observar os casos de algumas companhias estaduais como Ceron, Eletroacre, Cepisa e Ceal que foram federalizadas, pois não tinham indicadores operacionais/financeiros que as tornassem atraentes para o capital privado, por operarem em áreas de baixa densidade e elevado custo.

Na coalizão de defensores ingressaram, portanto, os consumidores de energia de uma forma geral que temiam por medidas como racionamento, o empresariado e setores importantes das elites estaduais que perceberam o novo contexto de reversão do ultrapresidencialismo estadual e o imperativo de ajuste fiscal para que o Estado readquirisse capacidade de consumo e investimento em áreas importantes. Dentre os empresários, devemos destacar o capital agropecuário que lidera o crescimento da produção, teve a segunda maior elevação no consumo (depois do próprio setor energético), subindo sua participação relativa de 9,23% em 1995 para 12,71% em 2001 com crescimento absoluto de 63,6% no período.

O setor comercial teve ampliação do consumo (45,74%) e como era o mais dependente de eletricidade, ao lado do residencial, certamente compôs a coalizão de apoio à privatização, apresentada como solução para o problema energético do Estado pelo possível condicionamento dos investimentos em geração e transmissão da Eletrobrás.

A indústria também teve crescimento expressivo (38,27%) e ampliou a participação de eletricidade na sua matriz energética, além de alterar sua estratégia em relação ao Estado, incluindo a verticalização das cadeias produtivas através da industrialização de alguns dos produtos primários gerados no território estadual, inviabilizada antes pela escassez energética. Um marco desta mudança de estratégia foi uma série de programas de incentivos/renúncias fiscais lançados pelo governo estadual a partir de 1999 que contemplava a formação de cadeias produtivas em torno das principais commodities produzidas em Mato Grosso.

Um ponto importante a destacar é a montagem de uma “ala tecnocrática” para condução da reforma a exemplo do que ocorreu na União. Ou seja, uma equipe mais restrita que denominamos dispositivo de coordenação presente nas secretarias de Fazenda, Planejamento, Casa Civil, Administração, Auditoria Geral do Estado e no próprio Conselho Diretor do Programa de Reforma do Estado, interagiu com o primeiro nível da coalizão e articulou as decisões relativas à reforma em

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Mato Grosso com bastante autonomia, detalhadas no Capítulo 6. Uma boa amostra da coalizão de defensores montada para a privatização da Cemat, além dos

mecanismos à disposição do Poder Executivo estadual e sua capacidade de iniciativa político-administrativa que põem os outros poderes numa posição defensiva e com possibilidade de serem responsabilizados pelo eventual fracasso das políticas (o que induz à cooperação), foi o destino dado à receita obtida com a privatização da Cemat.

48% foi aplicado na regularização salarial dos três poderes estaduais e da prefeitura de Cuiabá (maior do Estado), que era um dos principais itens do ajuste fiscal, 44% na redução de passivo junto à União que contribuíram para o acordo de renegociação das dívidas, outro ponto de estrangulamento importante removido (em especial num Estado com indicadores desfavoráveis nesta área como vimos). Os 8% restantes foram destinados a investimentos em projetos sociais e de infra-estrutura de transporte, para atender a setores que desejavam um benefício mais imediato.

Não podemos esquecer os funcionários da Cemat, que são atores considerados relevantes em qualquer privatização. A companhia criou planos de aposentadoria e durante a vigência do contrato de gestão compartilhada planos de demissão voluntária que reduziram o número de funcionários. Além disto, como recomenda a experiência internacional, foi reservado um lote de ações ordinárias com preços abaixo do mínimo determinado na privatização para aquisição pelos funcionários, o que lhes daria acesso à direção da empresa, impedindo demissões em massa após a privatização.

Houve dificuldade na liquidação destas ações e o CDPRE teve que aceitar créditos trabalhistas como moedas para a aquisição das ações e tentou envolver a Previmat (fundo de pensão dos funcionários da Cemat), que também não obteve o resultado esperado. Por fim, o Estado procurou a Eletrobrás para repasse das ações remanescentes. Um fato é importante é que muitos dos funcionários demitidos utilizaram as receitas da indenização para criação de pequenas empresas e cooperativas que passaram a prestar serviços após a privatização. Como sabemos, a tercerização é uma tendência generalizada e pela condição monopolista do setor elétrico havia pouca mão-de-obra formada em Mato Grosso, o que reduziu a resistência dos funcionários à privatização.

Ou seja, as elites estaduais em articulação com os outros dois níveis da coalizão concordaram com a privatização desde que os recursos fossem utilizados no ajuste fiscal do Estado, tanto pelo lado da despesa (com destaque para a folha de pagamento e serviço da dívida, que chegaram a atingir 118% da receita corrente líquida em 1996) quanto da receita, pelo aumento da arrecadação de ICMS sobre energia recolhido pela distribuidora privatizada. Desta forma, elas estavam construindo o Estado sob novas bases ao melhorar tanto a sua governabilidade quanto a governança.

A pesquisa demonstrou, portanto, que as comparações feitas do setor elétrico com as telecomunicações não são ilustrativas das dificuldades enfrentadas pelo primeiro durante a desestatização. Talvez haja uma similaridade maior com o setor de transportes, que também vem atravessando dificuldades desde os anos 1980 pelo esgotamento da matriz rodoviária e a afirmação dos outros modais, tem ativos distribuídos pelos três níveis da federação e ainda não conseguiu avançar na desestatização pela existência de uma coalizão muito forte de apoio ao atual modelo, articulando atores nacionais e internacionais. A falta de consenso nesta área e as dificuldades técnicas imanentes barraram projetos mais amplos de mudança, a exemplo do setor elétrico.

Por fim, gostaríamos de evidenciar a capacidade de análise da reforma do Estado e de seu aparelho das categorias de governabilidade e governança com a orientação proposta nesta pesquisa e ressaltamos a sua utilidade para aplicação em outros objetos. Não pretendemos esgotar o tema, mas esperamos que a pesquisa tenha cumprido os seus objetivos. Existirá um túnel no fim da luz para o setor elétrico?

9 – Recomendações

Ao final desta pesquisa temos algumas recomendações a serem feitas à comunidade científica. São elas:

I – As discussões sobre governabilidade e governança, que foram muito intensas no Brasil entre 1995 e 1998, arrefeceram desde então, com poucos programas de pesquisa dedicando-se a elas e raras publicações. Será que o Brasil finalmente encontrou um bom arranjo institucional que garanta a governabilidade? A sensação de andarmos na beira do abismo muito presente no período

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transicional desapareceu? Não há possibilidade de retrocessos? Qual foi o impacto de algumas alterações como a reeleição para os titulares de cargos no Poder Executivo, a limitação na edição e reedição de medidas provisórias, a coincidência de eleições nacionais e estaduais e mesmo a Lei de Responsabilidade Fiscal para a governança e governabilidade no Brasil? Este é um debate que precisa ser retomado, alinhando-se à produção científica nesta área que tem crescido muito no mundo inteiro;

II – Estudos sobre o ultrapresidencialismo estadual na linha desenvolvida por Fernando Abrúcio precisam ser realizados com referência empírica nos mandatos dos governadores de 1995-1998 e 1999-2003 para que seja possível observar se estes ainda são os “barões da federação” ou se o seu baronato foi destituído pela reversão do ultrapresidencialismo estadual. Mais uma sugestão nesta agenda de pesquisas;

III – Trabalhos com a mesma orientação que este sobre a formação de consensos sociais e políticos para as privatizações em nível estadual e mesmo federal são pouco frequentes na literatura especializada no Brasil. Precisamos entender mais adequadamente estes fenômenos para reformulação das políticas de desestatização no Brasil.

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10.2 - Estado de Mato Grosso CONSELHO DIRETOR DA REFORMA DO ESTADO. Plano Diretor da Reforma do Estado.

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Reforma do Estado de 05/02/98. Cuiabá, 1998. Diário Oficial do Estado de Mato Grosso. Resolução 002/98 do Conselho Diretor do Programa de

Reforma do Estado de 02/04/98. Cuiabá, 1998. Diário Oficial do Estado de Mato Grosso. Resolução 003/98 do Conselho Diretor do Programa de

Reforma do Estado de 16/04/98. Cuiabá, 1998. Diário Oficial do Estado de Mato Grosso. Resolução 004/98 do Conselho Diretor do Programa de

Reforma do Estado de 29/04/98. Cuiabá, 1998. Diário Oficial do Estado de Mato Grosso. Resolução 005/98 do Conselho Diretor do Programa de

Reforma do Estado de 08/06/98. Cuiabá, 1998. Diário Oficial do Estado de Mato Grosso. Resolução 006/97 do Conselho Diretor do Programa de

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10.3 - Artigos na imprensa ABREU, Marcelo de Paiva. O atoleiro na privatização do setor elétrico. Jornal “O Estado de São

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11/11/2001. Eletrobrás vai rever contratos. “Jornal do Brasil”, 24/04/03. Empresas se protegeram. Light fez 'hedge' para 80% da dívida em dólares. “Jornal do Brasil”,

09/03/03. Fraco resultado em 2002 determina cortes. “Jornal do Brasil”, 18/03/03. FRANCO, Carlos. Novas regras derrubam ações das empresas. Jornal “O Estado de São Paulo”,

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12/06/2001. LANDAU, Elena. Privatização: a verdadeira e a falsa. Jornal “O Estado de São Paulo”,

09/09/2001. Lessa cobra da AES toda a dívida. “Jornal do Brasil”, 09/04/03. MELLONI, Eugênio. Consultor teme reestatização no setor elétrico. Jornal “O Estado de São

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pelo congelamento da energia de Itaipu. “Jornal do Brasil”, 10/04/03. __________. Dívida assombra setor elétrico. Distribuidoras deviam R$ 32 bi em junho, mas

situação piorou com desvalorização do real. “Jornal do Brasil”, 09/03/03. PAMPLONA, Nicola. Governo estuda federalizar a Eletropaulo. Jornal “O Estado de São Paulo”,

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11. Anexos Anexo I – Acertos realizados com recursos da venda das ações – leilão público

GOVERNO DE

ESPECIFICAÇÃO MATO GROSSO ELETROBRÁS BNDESPAR BNDES CEMAT Valor líquido das vendas das ações 107.082.690,54 267.941.458,64 16.280.100,82 (*) Pagamento de obrigações junto ao BNDES -18.333.910,71 18.333.910,71 (**) Repasse da ELETROBRÁS ao estado de MT 87.360.916,26 -87.360.916,26 (**) Valor pago à CEMAT -40.598.756,06 40.598.756,06

TOTAL RECEBIDO 176.109.696,09 139.981.786,32 16.280.100,82 18.333.910,71 40.598.756,06 Observações:

1) - Debêntures (Venda) ELETROBRÁS BNDESPAR Convertidas em Ações Ordinárias 1.465.117.368 309.881.000 Convertidas em Ações Preferenciais 9.277.869.240 1.962.330.000 O valor de R$ 40.598.756,06 foi repassado diretamente a CEMAT para quitar débitos do Estado de Mato Grosso, referente o Termo de Confissão de Dívida relativo aos créditos da CEMAT junto as Prefeituras Municipais assumidos pelo Governo de Mato Grosso em 26/08/97 e saldo devedor dos recursos repassados ao Estado de Mato Grosso à título de antecipação à acionista, na operação de venda de 2.076 debêntures, efetuada em 05/08/96

Fonte: GRUPO DE TRABALHO DA REFORMA ADMINISTRATIVA. Relatório analítico sobre as reformas 1995-2000. Cuiabá, 2000.

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Anexo II – Demonstrativo da situação das ações ofertadas aos servidores da Cemat

AÇÕES OFERTADAS AÇÕES VENDIDAS SALDO ACIONISTAS NÚMEROS VALORES NÚMEROS VALORES % AÇÕES VALORES

GOVERNO DE MT. 1.660.612.616 4.649.715,33 140787575 394.205,21 8,48 1.519.825.041 4.255.510,12 ELETROBRÁS 2.108.716.379 5.904.505,86 0 0,00 2.108.716.379 5.904.505,86

TOTAL 3.769.328.995 10.554.221,19 140.787.575 394.205,21 3,74 3.628.541.420 10.160.015,98

OBSERVAÇÃO: Preço das ações ofertadas R$ 2,80 por lote de mil ações.

Fonte: GRUPO DE TRABALHO DA REFORMA ADMINISTRATIVA. Relatório analítico sobre as reformas 1995-2000. Cuiabá, 2000.

Anexo III – Composição acionária da REDE/CEMAT (Maio de 2000)

Acionista % das ações ordinárias % das ações preferenciais % do capital total

Grupo REDE/EEVP (através da Caiuá) 56,98 27,02 37,36 INEPAR S.A. 29,64 12,04 18,11 Eletrobrás e Furnas 5,79 59,80 41,17 Governo do Estado de Mato Grosso (empregados) 4,17 - 1,44 CODEMAT 0,25 - 0,08Outros 3,17 1,14 1,84Total 100 100 100 Fonte: INTERNATIONAL BANK FOR RECONSTRUCTION AND DEVELOPMENT (IBRD). Implementation Completion Report for a Mato Grosso

Privatization Project. Washington, 2002.

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