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1809 Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193 O TRATAMENTO DADO À VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM PLANOS DE AULA DA REVISTA NOVA ESCOLA Rodrigo Alves Silva Mestre e Doutorando em Letras – Universidade Federal do Piauí (UFPI) – Teresina – Piauí – Brasil. RESUMO: Este trabalho se insere no âmbito da Sociolinguística Educacional e tem como objetivo geral analisar o tratamento dado à variação linguística em planos de aula da revista Nova Escola. Os objetivos específicos são: fazer o levantamento dos planos de aula que abordam variação linguística; identificar que aspectos da variação linguística são abordados, se regional, social etc.; analisar que atividades são propostas para que sejam desenvolvidas em sala de aula. Em termos metodológicos, essa pesquisa se caracteriza por ser de cunho bibliográfico e qualitativo, uma vez que foram analisados seis Planos de Aula (PA) propostos pela revista Nova Escola, à luz da BNCC, e disponíveis em seu site. Os Planos de Aula selecionados são do nível do 6º ano do Ensino Fundamental e tratam do tema da variação linguística. A análise dos planos teve como base teórica as discussões sobre língua, norma, variação e ensino, fundamentadas em autores como Faraco (2008), Bagno (2002), Possenti (1996), entre outros. Quanto aos resultados, percebeu-se que os planos apresentam estratégias didáticas diversificadas, seguindo a proposta da BNCC e fazendo uso de gêneros textuais como letras de canção, textos dramáticos e cenas de filmes. Além disso, os planos sempre sugerem perguntas para reflexões que os professores podem fazer aos seus alunos, a fim de discutir as noções de “certo” e “errado” em língua e a questão do preconceito linguístico. PALAVRAS-CHAVE: Variação linguística. Planos de aula. Ensino de língua. ABSTRACT: This work is inserted in the Educational Sociolinguistics scope and has as general objective to analyze the treatment given to linguistic variation in lesson plans from the Nova Escola magazine. The specific objectives are: to make a collection of lesson plans that approach linguistic variation. To identify witch aspects of linguistics variations are approached, if regional, social etc.; to analyze which activities are proposed in order to be developed in classrooms. In methodological terms, this research is characterized as being bibliographical and qualitative, since six Lesson Plans (LP) proposed by the Nova Escola magazine were analyzed, under the BNCC, and available on its site. The selected Lesson Plans belong to the 6º grade of the Elementary School and adress the linguistic variation theme. The analysis of the plans had as theoretical basis the discussions on language, norms, variations and teaching, grounded by authors like Faraco (2008), Bagno (2002), Possenti (1996), among others. As of the results, it was realized that the plans present a diversified didactic strategies, fallowing the BNCC proposal and making usage of textual genders like song lyrics, dramatic texts and movie scenes. Beyond that, the plans always suggest questions for reflections that the teachers can make to their students, in order to discuss the notions of “right” and “wrong” in language and the matter of linguistic prejudice. KEYWORDS: Linguistic variation. Lesson plan. Language teaching.

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    Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura

    Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193

    O TRATAMENTO DADO À VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM PLANOS

    DE AULA DA REVISTA NOVA ESCOLA

    Rodrigo Alves Silva

    Mestre e Doutorando em Letras – Universidade Federal do

    Piauí (UFPI) – Teresina – Piauí – Brasil.

    RESUMO: Este trabalho se insere no âmbito da Sociolinguística Educacional e tem como

    objetivo geral analisar o tratamento dado à variação linguística em planos de aula da revista

    Nova Escola. Os objetivos específicos são: fazer o levantamento dos planos de aula que

    abordam variação linguística; identificar que aspectos da variação linguística são

    abordados, se regional, social etc.; analisar que atividades são propostas para que sejam

    desenvolvidas em sala de aula. Em termos metodológicos, essa pesquisa se caracteriza por

    ser de cunho bibliográfico e qualitativo, uma vez que foram analisados seis Planos de Aula

    (PA) propostos pela revista Nova Escola, à luz da BNCC, e disponíveis em seu site. Os

    Planos de Aula selecionados são do nível do 6º ano do Ensino Fundamental e tratam do

    tema da variação linguística. A análise dos planos teve como base teórica as discussões

    sobre língua, norma, variação e ensino, fundamentadas em autores como Faraco (2008),

    Bagno (2002), Possenti (1996), entre outros. Quanto aos resultados, percebeu-se que os

    planos apresentam estratégias didáticas diversificadas, seguindo a proposta da BNCC e

    fazendo uso de gêneros textuais como letras de canção, textos dramáticos e cenas de filmes.

    Além disso, os planos sempre sugerem perguntas para reflexões que os professores podem

    fazer aos seus alunos, a fim de discutir as noções de “certo” e “errado” em língua e a questão

    do preconceito linguístico.

    PALAVRAS-CHAVE: Variação linguística. Planos de aula. Ensino de língua.

    ABSTRACT: This work is inserted in the Educational Sociolinguistics scope and has as

    general objective to analyze the treatment given to linguistic variation in lesson plans from

    the Nova Escola magazine. The specific objectives are: to make a collection of lesson plans

    that approach linguistic variation. To identify witch aspects of linguistics variations are

    approached, if regional, social etc.; to analyze which activities are proposed in order to be

    developed in classrooms. In methodological terms, this research is characterized as being

    bibliographical and qualitative, since six Lesson Plans (LP) proposed by the Nova Escola

    magazine were analyzed, under the BNCC, and available on its site. The selected Lesson

    Plans belong to the 6º grade of the Elementary School and adress the linguistic variation

    theme. The analysis of the plans had as theoretical basis the discussions on language,

    norms, variations and teaching, grounded by authors like Faraco (2008), Bagno (2002),

    Possenti (1996), among others. As of the results, it was realized that the plans present a

    diversified didactic strategies, fallowing the BNCC proposal and making usage of textual

    genders like song lyrics, dramatic texts and movie scenes. Beyond that, the plans always

    suggest questions for reflections that the teachers can make to their students, in order to

    discuss the notions of “right” and “wrong” in language and the matter of linguistic

    prejudice.

    KEYWORDS: Linguistic variation. Lesson plan. Language teaching.

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    Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura

    Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193

    INTRODUÇÃO

    Este trabalho se insere no campo da Sociolinguística Educacional e discute o tratamento

    dado à variação linguística em Planos de Aula propostos pela revista Nova Escola, baseados na

    Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Tal discussão se faz necessária devido à

    importância que se deu ao tema da variação linguística na BNCC. Com isso, ao seguir as

    diretrizes da Base, os professores de língua portuguesa devem abordar, em suas aulas, a

    variação linguística do português com mais afinco.

    Desde o advento da Sociolinguística, na década de 1960, e a democratização do ensino,

    tem-se discutido a respeito de um ensino de língua materna que valorize as variedades

    linguísticas dos alunos, sem contudo deixar de ensinar a norma-padrão, que é objeto de ensino

    da escola. Os PCN já previam um ensino mais reflexivo da língua, colocando o texto como

    elemento central, tanto para sua leitura como para sua produção, e, em alguns momentos,

    propõe a abordagem da variação linguística.

    Com a aprovação da BNCC em 2017, a variação linguística passou a ser tratada como

    um dos campos do conhecimento linguístico ao lado da Fono-Ortografia, Morfossintaxe,

    Sintaxe, Semântica e Elemento Notacionais da Escrita. Ainda que haja essa previsão de

    abordagem da Variação Linguística, a BNCC não esclarece sobre como trabalhar, em termos

    metodológicos, esse campo do conhecimentos em sala de aula. Isso porque a BNCC é apenas

    uma base que propõe diretrizes para elaboração de currículos estaduais ou municipais e,

    posteriormente, de planos de aula por escolas e professores.

    Tendo em vista essa necessidade de tornar a BNCC algo mais prático ao professor das

    séries finais do Ensino Fundamental, a revista Nova Escola montou uma equipe de professores,

    chamados de time de autores, de vários estados do Brasil, a fim de elaborar planos de aula e

    disponibilizá-los no site da revista, no intuito de torná-los acessíveis aos professores. Tais

    planos de aula buscam abordar todas as temáticas apresentadas na BNCC, não só a variação

    linguística.

    Diante disso, a pergunta que norteia esta pesquisa é: como os planos de aula elaborados

    pelo time de autores da revista Nova Escola tratam a variação linguística? Que atividades são

    propostas para alunos e professores? A fim de responder tais perguntas, este trabalho tem como

    objetivo geral analisar o tratamento dado à variação linguística em planos de aula da revista

    Nova Escola. Os objetivos específicos são: fazer o levantamento dos planos de aula que

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    abordam variação linguística; identificar que aspectos da variação linguística são abordados, se

    regional, social etc.; analisar que atividades são propostas para que sejam desenvolvidas em

    sala de aula.

    A relevância desta pesquisa se dá, sobretudo, pelo aspecto didático-pedagógico, uma

    vez que se trata de uma análise de planos de aula, os quais podem ser utilizados por professores

    do todo o país e isso refletirá no ensino de língua de modo geral. Além disso, esse estudo poderá

    contribuir na medida em que apresenta o que já se propõe sobre a abordagem da variação

    linguística em sala de aula e o que ainda precisa ser melhor explorado.

    Este trabalho se estrutura da seguinte forma: primeiramente, faz-se uma discussão

    teórica sobre a sociolinguística educacional, ensino de língua materna e variação linguística.

    Em seguida, apresenta-se a metodologia que norteou a pesquisa. Posteriormente, faz-se a

    apresentação e a análise dos dados. E, por fim, as considerações finais.

    LÍNGUA E NORMA

    O surgimento da Linguística, no início do século XX, representou um grande avanço

    nos estudos sobre a língua. Segundo Possenti (1996), uma das importantes contribuições no

    estudo de línguas foi saber que não existem línguas primitivas ou línguas mais complexas do

    que outras. Há quem acredite, por exemplo, que o português seja uma língua difícil por ter

    “tantas regras e exceções”. No entanto, os estudos linguísticos já constataram que toda língua

    apresenta estruturas de igual complexidade.

    Outra grande contribuição da Linguística, sobretudo com o advento dos estudos

    sociolinguísticos (mas não só), foi a constatação de que a língua é dinâmica e que, por isso,

    sofre constantes variações e mudanças. Para Tarallo (1986), “tanto a variação (situação

    linguística em um determinado momento; sincronia) como a mudança (situação linguística em

    vários momentos sincrônicos, avaliados longitudinalmente; diacronia) linguísticas devem ser

    estudadas” (TARALLO, 1986, p. 35). Além disso, como afirma Camacho (2003), “toda

    mudança é o resultado de algum processo de variação” (CAMACHO, 2003, p. 56). Assim

    sendo, não existem línguas uniformes.

    Ratificando essa ideia, Faraco (2008) afirma que “língua é sempre heterogênea, ou seja,

    constituída por um conjunto de variedades (por um conjunto de normas)” (FARACO, 2008, p.

    73). Como consequência disso, não se pode afirmar que haja uma língua puramente homogênea,

    ou que exista uma língua correta e pura de um lado e as variações de outro. Na verdade, o que

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    existem são diversas realizações linguísticas, em uma mesma língua, que permitem a interação

    verbal entre os falantes.

    A crença de que existe uma língua uniforme surge da ideia do senso comum de que

    língua é sinônimo de gramática (estudada na escola). Cabe distinguir aqui, mesmo que

    sumariamente, língua e gramática1: a primeira, de acordo com Faraco (2008, p. 33), é um

    conjunto de variedades; a segunda, por sua vez, entre outros sentidos, é um recorte da língua na

    modalidade escrita, em um determinado período no tempo, para servir de modelo aos

    falantes/escritores.

    Por não levar em conta essa distinção, a comunidade em geral acredita que língua e

    gramática são a mesma coisa e que, por isso, qualquer construção linguística que esteja em

    desacordo com a gramática é considerada “errada”. Entretanto, em termos de língua, não

    convém falar em erro, mas sim em variação. Conforme Possenti (1996), erro seria, na verdade,

    qualquer construção linguística que nenhum falante de uma língua utiliza. Nesse sentido, erro

    corresponde ao que se considera agramatical (construção que não condiz com os princípios e

    as regras de uma determinada língua). No caso do português, por exemplo, seria erro ou

    agramatical colocar o artigo depois do substantivo em um sintagma nominal, como *menino o.

    Ainda levando em conta a noção de heterogeneidade linguística, Faraco (2008) concebe

    variedade como sinônimo de norma. Para ele, o conceito de norma compreende dois aspectos:

    o de normalidade – que corresponde àquilo que é recorrente, normal e usual em uma língua; e

    o de normatividade – que diz respeito ao estabelecimento de padrões. Com isso, Faraco (2008)

    distingue norma-padrão e norma culta. A primeira é “uma codificação relativamente abstrata,

    uma baliza extraída do uso real para servir de referência, em sociedades marcadas por

    acentuada dialetação, a projetos políticos de uniformização linguística” (FARACO, 2008, p. 75

    – grifo nosso). A segunda é “o conjunto de fenômenos linguísticos que ocorrem habitualmente

    no uso dos falantes letrados em situações mais monitoradas de fala e escrita” (ibidem, p. 73).

    Essa distinção entre norma-padrão e norma culta vai de encontro, mais uma vez, à

    concepção de equivalência entre as duas normas pelo senso comum. Hoje, em muitos casos, as

    duas normas são tratadas como sinônimos. Entretanto, e parafraseando os conceitos

    anteriormente apresentados, norma-padrão é um “modelo de língua” e norma culta diz respeito

    1 Vale destacar que o termo gramatica possui diferentes concepções, como gramática internalizada, gramática

    descritiva e gramática normativa (POSSENTI, 1996). A concepção de que se trata neste trabalho é de gramática

    normativa.

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    às realizações linguísticas de falantes com nível superior completo, a qual estaria mais próxima

    da norma-padrão. Faraco (2008) ressalta que a própria norma culta sofre variação em si mesma

    quando das realizações nas diferentes modalidades (oral e escrita).

    Em harmonia com os conceitos apresentados, Mattos e Silva (2004) também propõe

    uma distinção de normas. A autora, por seu turno, trata de norma padrão, normas cultas (no

    plural), e ainda normas vernáculas. Mattos e Silva (2004) faz essa distinção de normas

    linguísticas, sobretudo no contexto escolar. Eis, então, o conceito de cada uma delas nas

    palavras da autora:

    norma padrão, preconizada pela tradição escolar e idealizada pelos estudos

    gramaticais no Brasil desde a segunda metade do século XIX; normas cultas

    (definindo-se como cultos indivíduos de escolarização completa, ensino fundamental,

    ensino médio e ensino superior) plurais, como vem sendo demonstrado pelas análises

    sucessivas que se vêm publicando, a partir dos dados coletados desde inícios de 1970

    pelo Projeto nacional e interinstitucional Norma Urbana Culta (NURC); e as normas

    vernáculas, tal como as cultas, plurais, que a massa de estudantes de seguimentos

    socioculturais socioeconomicamente desprivilegiados trazem de suas casas e que cada

    vez mais coincidem com as normas vernáculas da grande maioria dos professores das

    escolas públicas, e também privadas, sobretudo as de ensino fundamental, por razões

    sociopolíticas facilmente deduzíveis, decorrentes do real desprestígio que no Brasil

    têm a qualidade da escola e a qualificação dos professores, apesar de discursos, cada

    vez mais frequentes, no sentido contrário (MATTOS E SILVA, 2004, p. 109 – grifo

    meu).

    Com base no excerto acima, percebe-se que a autora afirma também que a própria norma

    culta apresenta variações, visto que os falantes cultos, que são os falantes dessa norma, também

    se distinguem por fatores geográficos, sociais, de sexo, etc., o que implica tais variações.

    A autora também faz menção ao Projeto nacional e interinstitucional Norma Urbana

    Culta (NURC), que desenvolveu pesquisas no Brasil sobre o falar das pessoas cultas. As

    pesquisas se realizaram em cinco capitais – Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto

    Alegre. Foi com as pesquisas desse projeto que se teve a comprovação de que o falar de pessoas

    com grau superior completo se distancia, em determinadas situações, da norma-padrão e se

    aproxima mais das normas vernaculares.

    Por ser um ideal de língua, a norma-padrão é apregoada aos falantes durante toda sua

    carreira escolar, além de ser defendida por outros meios, como jornais, revistas, consultórios

    gramaticais etc. O que registra, pois, essa norma abstrata é a gramática normativa. Nela, se

    materializa toda essa língua abstrata, como um conjunto de regras a serem seguidas.

    No Brasil, a norma-padrão foi estabelecida na segunda metade do século XIX,

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    conforme Pagotto (1998)2. O estabelecimento dessa norma esteve atrelado a um projeto político

    da elite brasileira desse mesmo período, que consistia numa aproximação entre as culturas

    portuguesa e brasileira.

    Essa tentativa de aproximação cultural entre as civilizações europeia e brasileira

    envolveu também questões linguísticas. A elite brasileira do século XIX convencionou eleger

    a norma linguística da literatura portuguesa do período do Romantismo como a norma-padrão

    da língua portuguesa no Brasil, no intuito de reforçar a europeização brasileira. Pagotto (1998)

    afirma que essa escolha arbitrária da norma-padrão serviu para acentuar a distância que existe

    até hoje entre essa norma e o português falado no Brasil, pois não houve qualquer abonação das

    formas linguísticas realizadas pelos falantes brasileiros, mesmo que houvesse autores que

    defendessem essa abonação, como José de Alencar. Pagotto (1998) ainda assevera que “afirmar

    o português do Brasil como gramática possível na língua escrita equivalia a nivelar por baixo,

    mesmo que uma série de traços da gramática já fizessem parte da fala daqueles que os queriam

    negar” (PAGOTTO, 1998, p. 57). Com isso, observa-se que a eleição da norma-padrão do

    português não seguiu um critério linguístico, mas apenas o critério político-social, com o intuito

    de permanência da elite no poder em oposição à maioria da população.

    No que tange ao ensino, o professor de língua se depara com alunos cuja norma

    linguística não segue essa norma-padrão, mas trazem consigo um falar já consolidado pela sua

    comunidade de fala, marcada por expressões que o identificam como pertencente a um

    determinado grupos social. Assim, a sala de aula passa a ser também um lugar de varrições

    linguística. É nesse contexto que a Sociolinguística Educacional se faz necessária, pois segundo

    Bortoni-Ricardo (2014), essa campo de estudo nasceu preocupada com o desempenho escolar

    de crianças oriundas de grupos sociais ou étnicos de menor poder econômico e cultura

    predominantemente oral. Além disso, conforme a autora, a Sociolinguística Educacional

    representa um esforço de aplicação dos resultados das pesquisas sociolinguísticas na solução

    de problemas educacionais e em propostas de trabalho pedagógico mais efetivas.

    A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E O ENSINO DE LÍNGUA

    A educação brasileira passa por mudanças e desafios que, constantemente, são pontos

    de debates entre professores, gestores e especialistas na área da educação. Isso porque, no

    2 O autor não faz distinção entre norma-padrão e norma culta. Trata apenas de norma culta, ao se referir ao modelo

    abstrato de língua, o que, neste trabalho, entende-se ser a norma-padrão.

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    Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura

    Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193

    Brasil, sempre foi um desafio oferecer uma ensino de qualidade e igualitário que servisse de

    base para formação humana integral. Além disso, a educação brasileira, ao longo de sua história,

    sempre foi marcada pela desigualdade no acesso e na permanência na escola, uma vez que o

    ensino se deu de forma diferenciada às mais diversas camadas sociais, privilegiando uma

    pequena parcela da população e prejudicando uma grande maioria que, geralmente, se encontra

    nas escolas públicas do país.

    Pensando nessa realidade, e seguindo o que prevê a Lei de Diretrizes e Bases da

    Educação Nacional (LDB, Lei 9.394/1996), foi elaborada, durantes alguns anos e mediante

    várias discussões e reformulações, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a qual objetiva

    apresentar as principais competências e habilidades que devem ser desenvolvidas na Educação

    Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), em cada componente

    curricular, visando “à formação humana integral e à construção de uma sociedade justa,

    democrática e inclusiva” (BRASIL, 2017, p. 7). Desse modo, homologada em dezembro de

    2017, a BNCC se caracteriza como “um documento de caráter normativo” que define as

    aprendizagens essenciais para o aluno.

    Esse documento normativo deve servir de base para a elaboração de novos currículos

    em níveis federais, estaduais e municipais, que passem a contemplar os princípios estabelecidos

    pela BNCC e visem ao desenvolvimento das competências3 estabelecidas pelo documento. No

    entanto, é importante ressaltar que tais currículos não devem ser iguais à BNCC, mas precisam

    atender às diferentes necessidades regionais e/ou locais, obedecendo sempre às diretrizes e

    competências normativas previstas na Base. Em outras palavras: “as diretrizes e competências

    são comuns, mas os currículos são diversos” (BRASIL, 2017, p. 11).

    Diante do quadro da desigualdade e diversidade do país, a BNCC reafirma seu

    compromisso com a igualdade, diversidade e equidade. Assim, orienta que “as escolas

    precisam elaborar propostas pedagógicas que considerem as necessidades, as possibilidades e

    os interesses dos estudantes, assim como suas identidades linguísticas, étnicas e culturais”

    (BRASIL, 2017, p. 15). Partindo desses princípios, o documento explicita as aprendizagens

    que devem ser garantidas a todos os alunos, promovendo a igualdade, mas respeitando suas

    singularidades. Para tanto, as instituições de ensino devem desenvolver atividades que

    3 “Na BNCC, competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos),

    habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida

    cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho”. (BRASIL, 2017, p. 8).

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    Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura

    Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193

    objetivem superar as desigualdades historicamente construídas, respeitando também as

    diferenças étnicas, raciais e sociais, garantindo, então, a equidade (BRASIL, 2017).

    Tendo em vista elaboração de currículos pelas mais diversas instituições de ensino ou

    pelas Secretarias de Educação, a BNCC ressalta que:

    BNCC e currículos têm papéis complementares para assegurar as aprendizagens

    essenciais definidas para cada etapa da Educação Básica, uma vez que tais

    aprendizagens só se materializam mediante o conjunto de decisões que caracterizam

    o currículo em ação. São essas decisões que vão adequar as proposições da BNCC à

    realidade local, considerando a autonomia dos sistemas ou das redes de ensino e das

    instituições escolares, como também o contexto e as características dos alunos

    (BRASIL, 2017, p. 16 – grifo meu).

    Como se observa, a BNCC busca garantir, entre outras coisas, as aprendizagens

    essenciais ao aluno em cada componente curricular ou disciplina. Desse modo, é possível

    indagar, então, o que se tem como “aprendizagem essencial” quando se trata do ensino de língua

    portuguesa?

    As discussões sobre o que se deve ensinar nas aulas de português, fundamentadas em

    autores como Possenti (1996), Antunes (2007), Bagno (2001), Neves (2003), Travaglia (1996),

    desvelam ser ineficaz o ensino que prioriza a gramática tradicional, que impõe suas regras

    prescritivas e suas classificações e nomenclaturas. Tais autores defendem um ensino reflexivo,

    que priorize as práticas de leitura e escrita, reconhecendo estruturas formais e utilizando-as,

    sempre visando à produção do texto oral ou escrito. Isso é previsto também nos Parâmetros

    Curriculares Nacionais (PCN):

    O que deve ser ensinado não responde às imposições de organização clássica de

    conteúdos na gramática escolar, mas aos aspectos que precisam ser tematizados em

    função das necessidades apresentadas pelos alunos nas atividades de produção, leitura

    e escuta de textos (BRASIL, 1998, p. 29).

    Retomando às diretrizes da BNCC, observa-se que o documento lista uma série de

    decisões que devem ser tomadas quando da elaboração do currículo. Entre elas, destacam-se:

    selecionar e aplicar metodologias e estratégias didático-pedagógicas diversificadas,

    recorrendo a ritmos diferenciados e a conteúdos complementares, se necessário, para

    trabalhar com as necessidades de diferentes grupos de alunos, suas famílias e cultura

    de origem, suas comunidades, seus grupos de socialização etc.;

    criar e disponibilizar materiais de orientação para os professores, bem como manter

    processos permanentes de formação docente que possibilitem contínuo

    aperfeiçoamento dos processos de ensino e aprendizagem (BRASIL, 2017, p. 17)

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    Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura

    Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193

    Essas tomadas decisões, vistas aqui como meios de se chegar à formação humana

    integral, consistem em estratégias práticas que devem ser realizadas ao longo do processo de

    ensino e aprendizagem. Ao “selecionar e aplicar metodologias e estratégias didático-

    pedagógicas diversificadas”, o professor em sala de aula, aquele que de fato será o responsável

    por executar essas tarefas, deve estar preparado pedagogicamente e seguro da realidade em que

    se insere. No entanto, para que tais estratégias pedagógicas sejam concretamente executadas, é

    necessário que se crie e se disponibilize materiais de orientação para os professores, conforme

    dito na citação acima.

    Por conta dessa necessidade, a revista Nova Escola se propôs a desenvolver Planos de

    Aulas de diferentes disciplinas da Educação Básica que fossem acessíveis aos professores,

    inclusive os de língua portuguesa. Esse projeto foi desenvolvido a partir da seleção de

    profissionais da educação de todo o Brasil, que trabalharam durante o ano de 2018 no estudo e

    na elaboração de Planos de Aula à luz da BNCC. Os Planos de Aula foram disponibilizados no

    site da revista e podem ser consultados utilizados pelos professores.

    Quanto à abordagem da variação linguística na BNCC, ela é posta dentro do eixo

    Análise Linguística e Semiótica e é dito o seguinte:

    Cabem também reflexões sobre os fenômenos da mudança linguística e da variação

    linguística, inerentes a qualquer sistema linguístico, e que podem ser observados em

    quaisquer níveis de análise. Em especial, as variedades linguísticas devem ser objeto

    de reflexão e o valor social atribuído às variedades de prestígio e às variedades

    estigmatizadas, que está relacionado a preconceitos sociais, deve ser tematizado

    (BRASIL, 2017, p. 79).

    As habilidades propostas para o ensino da variação linguística são:

    Conhecer algumas das variedades linguísticas do português do Brasil e suas diferenças

    fonológicas, prosódicas, lexicais e sintáticas, avaliando seus efeitos semânticos.

    Discutir, no fenômeno da variação linguística, variedades prestigiadas e

    estigmatizadas e o preconceito linguístico que as cerca, questionando suas bases de

    maneira crítica (BRASIL, 2017, p. 81).

    Com isso, observa-se que o tema da variação linguística tem sim lugar na Base Nacional

    Comum Curricular e, portanto, deve ser tratado nas aulas de língua portuguesa. Conforme

    Patriota e Pereira (2018), cabe às escolas implementar em seus currículos ações que reconheçam

    a variação linguística e combatam o preconceito linguístico. Além disso, afirmam que a postura

    do professor também é importante, pois este deve assumir a abordagem do ensino pautado na

    variação e não no ensino mecanicista da gramática normativa tradicional.

  • 1818

    Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura

    Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193

    A seguir, apresenta-se os aspectos metodológicos deste trabalho.

    METODOLOGIA

    Esta pesquisa se caracteriza por ser de caráter bibliográfico e qualitativo. Isso porque

    são feitas análises de planos de aula propostos pela revista Nova Escola. Os planos de aula

    selecionados para análise são num total de seis e correspondem à série do 6º ano do Ensino

    Fundamental maior. Optou-se por essa série de ensino pelo fato de eu, enquanto professor,

    trabalhar em série desse nível, ministrando aulas de língua portuguesa. Desse modo, além de o

    trabalho contribuir com as pesquisas na área da Sociolinguística Educacional, poderá suscitar

    reflexões posteriores sobre minha prática docente. Além disso, o 6º ano é a primeira série do

    Ensino Fundamental maior e é um nível oportuno para que os alunos comecem a pensar de

    modo mais crítico e reflexivo sobre a língua.

    A escolha por seis planos de aula para análise se deu pela quantidade de planos

    encontrados cujos títulos citam a variação linguística. Assim, a seleção dos Planos de Aula

    ocorreu da seguinte forma: primeiro acessou-se o site da Nova Escola; em seguida, fez-se o

    filtro para seleção dos Planos, estabelecendo como critérios a série do 6º ano e o tema “variação

    linguística”. Como resultado, apareceram 59 Planos de Aula, dos quais apenas seis trazem no

    título alguma menção à variação linguística, o que não significa dizer que os outros planos não

    abordem o tema de alguma forma.

    Para análise, buscou principalmente observar os objetivos do Plano de Aula e o modo

    de desenvolver o tema da variação linguística, de modo eminentemente descritivo. Ademais,

    optou-se por apresentar, em formas de imagens, o resumo de cada Plano de Aula, a fim de que

    se tenha uma visão geral da proposta de cada plano. Cada Plano de Aula recebeu a identificação

    de PA, seguida do número da sequência (PA 1, PA 2, PA 3, PA 4, PA 5, PA 6). Tais resultados

    e análises são apresentados a seguir.

    RESULTADOS E DISCUSSÃO

    Os Planos de Aula em análise seguem o mesmo padrão, com uma estrutura de cabeçalho

    formada pelo professor-autor do plano, o mentor e o especialista. Quanto à caracterização da

    aula, tem-se o título da aula, a finalidade da aula, o objeto do conhecimento, a prática de

    linguagem e a habilidade da BNCC.

  • 1819

    Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura

    Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193

    Conforme se observou na pesquisa, alguns Planos de Aula compõem uma sequência de

    planos que tratam do mesmo tema, como é o caso do plano seguinte, que é o primeiro de uma

    sequência de três planos.

    Figura 1: caracterização do PA 1

    Fonte: site da Nova Escola

    No Plano acima, a finalidade é compreender o conceito de variação linguística a partir

    de exemplos da modalidade oral. Dessa forma, observa-se a preocupação em fazer os alunos

    entenderem o que de fato é variação linguística. Conforme o Plano de Aula, o professor deverá

    ter conhecimento teórico sobre o tema para levar os alunos a refletirem sobre a existência de

    diferentes formas de falar no Brasil. É sugerido também que o professor faça um levantamento

    sobre o que os alunos já sabem sobre o tema. Para tanto, o Plano sugere a reprodução de dois

    vídeos que podem suscitar as discussões sobre a variação: o trailer do filme O auto da

    compadecida e o curta-metragem Chico Bento em “Na roça é diferente”. Tais materiais

    audiovisuais são interessantes para serem utilizados em sala porque trazem personagens com

    falas regionais, o que caracteriza o fenômeno da variação linguística.

    Além disso, o Plano propõe um trabalho de leitura coletiva da letra de canção

    “Documento de Matuto”, de Luiz Gonzaga. A sugestão dada ao professor é que, após a leitura,

    seja pedido aos alunos que destaquem as palavras desconhecidas e as palavras escritas conforme

    a oralidade. Em seguida, pede-se que seja utilizado o dicionário a fim de procurar a grafia

    correta das palavras destacadas na letra da canção.

    Conforme se observa, propõe-se uma aula introdutória que faz os alunos pensarem sobre

    as diversas formas de se falar. Muitas delas podem fazer parte da realidade dos alunos que

    estejam assistindo à aula. O professor, portanto, deve destacar que existem situações em que a

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    Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura

    Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193

    fala pode ser informal ou não. Ademais, observa-se um destaque para a variação no nível

    fonético e prosódico, uma vez que a fala dos personagens de O auto da compadecida, do curta-

    metragem do Chico Bento e a letra de canção “Documento de Matuto” trazem casos em que a

    variação ocorre pela pronúncia das palavras, pela entoação da fala dos personagens, ou pelo

    uso de palavras como “vivê”, “fío”, “criá”, ‘óio”, “pudê”, “sustentá”, “mostrá”, que destacam

    a ausência do som de r no final de verbo ou a despalatalização do som de lh. Desse modo,

    observa-se que o foco é a variação linguística na modalidade oral.

    Quanto ao Plano de Aula 2, tem-se a segunda aula da sequência de 3. A finalidade desta

    é analisar os efeitos de uso de variedades linguísticas em letras de música. As duas músicas

    selecionadas para esta aula foram “Chopis Centis”, de Mamonas Assassinas, e “Em volta da

    fogueira”, de Projota. A orientação dada ao professor é que a letra seja projetada e o áudio seja

    reproduzido, pois a oralidade é o foco principal. Ei-lo:

    Figura 2: caracterização do PA 2

    Fonte: site da Nova Escola

    O trabalho com músicas em sala de aula pode tornar a aula prazerosa e os alunos sempre

    se interessam em ouvi-las, mesmo não as conhecendo. As músicas selecionadas provavelmente

    não são de conhecimento dos alunos, mas não impedem de serem utilizadas, pois trazem marcas

    de oralidade. Nesse caso, o professor pode sondar músicas que estão em alta naquele período e

    que contenham marcas de oralidade para também trabalhar em sala de aula.

  • 1821

    Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura

    Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193

    O Plano de Aula ainda sugere que seja exibido aos alunos um vídeo que trata do falar

    paulistano, cujo título é “Entenda o 'paulistanês', sotaque da capital que reúne 'parças' há 'mó

    cota'” e, por fim, propõe-se que seja feita uma reflexão final sobre o porquê de os compositores

    de música preferirem utilizar essas marcas de oralidade em suas músicas.

    Esse trabalho de reflexão é bastante interessante, pois leva o aluno a pensar nas

    motivações do compositor em usar a linguagem mais informal. Isso faz o aluno reconhecer que

    sempre há intenções nos textos e na escolha de uma variedade ou de outra. Nesse caso também,

    o professor deve fazer o aluno entender que existem formas de falar diferentes do que preconiza

    a gramática normativa estudada nas aulas de língua portuguesa e que “estudar português” é

    também conhecer e respeitar as variedades linguísticas.

    Mais uma vez, observa-se um destaque para a variação no nível fonético e prosódico,

    ilustrados pelas letras de canções. A seguir, passa-se a analisar o terceiro Plano de Aula.

    Figura 3: caracterização do PA 3

    Fonte: site da Nova Escola

    Este Plano de Aula, que corresponde ao 3º plano de uma sequência de aulas sobre o

    mesmo tema, busca abordar a questão social das variedades linguísticas. Sabe-se que o fator

    social é indissociável da língua. Por isso mesmo, Labov (2008) afirma que o termo

    “sociolinguística” é estranhamente redundante, uma vez que, para ele, a língua já é uma forma

    de comportamento social, pois uma pessoa isolada do convívio social, por exemplo, não usa a

    língua, e uma criança, em seus monólogos egocêntricos, reproduz falas derivadas do uso social

    da língua. Dessa forma, é importante levar os alunos a refletirem sobre as questões sociais

    envolvidas no uso das variedades linguísticas.

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    Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura

    Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193

    Para esta aula, o Plano propõe utilizar o vídeo intitulado “Paulistanês” e a música “Em

    volta da fogueira” do cantor Projota. A atividade proposta consiste em os alunos identificarem

    gírias na letra da música e pedir que ele reescrevam a letra usando expressões mais formais.

    Essa atividade exige que o aluno faça inferências sobre os sentidos das palavras e expressões

    que talvez eles não conheçam. Ao final do Plano, algumas questões são sugeridas para que se

    façam reflexões sobre o uso da linguagem informal: Qual foi o impacto da mudança das

    palavras na letra da música? A cadência permaneceu a mesma? Os sentidos que o autor quis

    construir continuaram os mesmos? Com essas perguntas, os alunos poderão chegar à conclusão

    de que as variedades linguísticas possuem expressividade de sentido e que, por isso,

    determinados usos são necessários para cumprirem determinados objetivos. Desse modo, na

    atividade de substituição de palavras, o professor deve deixar claro que não é uma correção do

    texto, mas sim um trabalho de inferência e que o texto precisa manter sua originalidade com

    expressões informais.

    Os Planos de Aula seguintes são uma sequência de atividades que envolvem o texto

    dramático. Além da leitura de textos desse gênero e exibição de vídeos, há proposta de

    encenações utilizando a fala coloquial e/ou regional. Vê-se, a seguir, o Plano de Aula 4.

    Figura 4: caracterização da PA 4

    Fonte: site da Nova Escola

    Para esta aula, são sugeridos dois trechos de textos dramáticos: “O Auto da

    compadecida” e “O Pagador de Promessas”. Sugere-se que os alunos tanto leiam os textos

    quanto assistam aos respectivos vídeos. Os alunos devem anotar suas impressões sobre as falas

    dos personagens que, certamente, estão marcadas por informalidade. O que chama atenção

    nessa proposta de aula são as perguntas reflexivas sugeridas para as discussões após o vídeo,

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    Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura

    Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193

    quais sejam: 1) Ao comparar as falas dos personagens, quem você considera que fala mais

    “corretamente”; 2) Existem falares “certos” e “errados”? Explique seu ponto de vista; 3) Em

    nossa sociedade, quem fala mais “certo”? E quem fala mais “errado”?

    Por se tratar de uma sequência de aula em que se vem trabalhando o tema da variação

    linguística, é provável que os alunos já tenham discernimento sobre a noção de “certo” e

    “errado” em língua. Assim, as perguntas para reflexão citadas anteriormente são uma

    oportunidade para retomar essas discussões e esclarecer dúvidas e desfazer preconceitos

    linguísticos, caso ainda existam entre os alunos. O professor deve, sempre que falar em

    variedades linguísticas, deixar claro para os discentes que não existe “erro” em língua, mas sim

    diferentes modos de se falar.

    Outra sugestão interessante trazida neste Plano de Aula é a discussão sobre o conceito

    de norma-padrão. Esse explicação é oportuna, uma vez que, segundo Bagno (2009), ninguém

    integralmente utiliza a norma-padrão nem na fala nem na escrita, pois não representa o uso real

    da língua. Além disso, Faraco (2008) também explica que a norma-padrão é um ideal de língua,

    enquanto a norma realmente utilizada em situações monitoradas de fala e de escrita é a norma

    culta. Sem aprofundar muito em questões conceituais, os alunos podem entender essas

    distinções, mas é importante que o professor tenha esclarecimento sobre tais conceitos e não os

    utilize indistintamente.

    Figura 5: caracterização do PA 5

    Fonte: site da Nova Escola

  • 1824

    Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura

    Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193

    O Plano de Aula 5 traz como material principal um trecho da obra Tu pra lá tu pra cá,

    do autor maranhense Artur Azevedo. Trata-se de um texto dramático formando por falas na

    linguagem informal. Espera-se que o aluno reconheça palavras e expressões que caracterizem

    a linguagem informal e regional. Algumas expressões podem ser desconhecidas pelos alunos

    porque estão em desuso atualmente e esse texto foi escrito no século XIX. Portanto, é sugerido

    ao professor que trabalhe o conceito de variação histórica, a fim de esclarecer aos alunos que

    muitas mudanças na língua podem ocorrer ao longo do tempo. O texto é também uma

    oportunidade para se trabalhar a questão do preconceito linguístico.

    Ainda relacionado à variação histórica da língua, o professor pode mencionar aos alunos

    que alguns usos linguísticos considerados errados no passado passaram a fazer parte do usos

    considerados corretos nos dias atuais ou vice-versa. Conforme Bagno (2002), esse é um

    fenômeno comum na língua, como é o caso das palavras praca e ingrês, que, no português

    arcaico, eram tidos como formas corretas, mas hoje são formas estigmatizadas.

    Seguindo a sequência dos Planos de Aula, passa-se a analisar o último plano selecionado

    para este trabalho.

    Figura 6: caracterização do PA 6

    Fonte: site da Nova Escola

    Nesta aula, propõe-se que o professor trabalhe com os alunos a encenação de textos

    dramáticos. Para tanto, os professores são orientados a dividir a turma em equipes para que eles

    produzam esquetes (pequenas encenações) e apresentem. Tais esquetes devem representar

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    Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura

    Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193

    exemplos de variação linguística, que serão interpretadas pelos próprios alunos. No Plano,

    sugerem-se ao professor as seguintes situações para a produção das peças curtas:

    • Conversa entre jovens em uma fila de cinema.

    • Conversa entre os pais de um aluno indisciplinado e o professor.

    • Conversa por telefone entre duas amigas adolescentes.

    • Almoço em família: avós, pais e filhos.

    • Chegada de um primo nordestino e encontro no aeroporto com seus parentes paulistas.

    • Conversa entre um adolescente gaúcho e uma adolescente baiana sobre as músicas de

    que mais gostam.

    Cada situação deve ser sorteada para uma equipe, a qual ficará responsável por produzir

    o texto e encená-lo posteriormente. Conforme o Plano de Aula, é possível que os alunos tenham

    dificuldade de produzir textos dramáticos sobre situações do dia a dia, porque ainda não

    dominam as características do gênero. No entanto, o professor poderá auxiliá-los nessa

    produção, sobretudo quanto à reprodução das falas, que é o foco da atividade.

    Um aspecto interessante nessa proposta é o trabalho com a oralidade, um dos eixos de

    ensino previstos na BNCC. Ao levar o aluno a produzir um texto e encená-lo, o professor estará

    permitindo que o aluno desenvolva sua fala, que ele consiga se expressar de forma mais

    completa. Isso também revela que as produções dos alunos precisam ser divulgadas, mesmo

    que seja entre os colegas da sala, para que os textos não fiquem restritos à leitura do professor.

    O Plano de Aula 6 também sugere que o professor levante questões para reflexão sobre

    a variação linguística e a questão do preconceito linguístico. Se isso for feito, mais uma vez o

    professor estará esclarecendo aos alunos que a língua não é uniforme, mas um conjunto de

    variedades (FARACO, 2008) e que o preconceito linguístico existe, mas deve ser combatido

    (BAGNO, 2002). Além disso, o Plano sugere que o professor faça um breve estudo sobre as

    características do gênero dramático, a fim de que o aluno tenha possibilidades de produzi-lo.

    Tendo em vista que, em plano anteriores, previa-se o estudo de textos dramáticos, como os

    trechos de “O Auto da compadecida” e “O Pagador de Promessas”, é provável que os alunos

    tenham menos dificuldades em reconhecer o gênero e produzi-lo. Por isso, é importante que as

    aulas sejam executadas na sequência proposta pelos Planos de Aula.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

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    Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura

    Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193

    O trabalho buscou discutir e analisar o tratamento dado à variação linguística em Planos

    de Aula propostos pela revista Nova Escola, seguindo as diretrizes na BNCC. Para tanto, foi

    necessário analisar como a BNCC aborda a questão da variação linguística. Este estudo nos fez

    chegar a algumas conclusões. A primeira é a de que a variação linguística recebeu lugar de

    destaque na BNCC, pois se tornou um dos tópicos de ensino dentro do eixo Análise

    Linguística/Semiótica. Esse tratamento pode levar aos currículos das escolas darem mais

    destaque ao tópico variação linguística e os professores a dedicarem mais tempo ao ensino

    deste tópico, não só numa abordagem introdutória como se faz em alguns livros didáticos, mas

    como um tópico paralelo aos estudos de análise linguística.

    A análise de seis Planos de Aula desvelou que é possível abordar o tema da variação

    linguística utilizando textos literários e materiais de áudio e vídeo. Além disso, os Planos de

    Aula sempre sugerem perguntas para reflexões que os professores podem fazer aos seus alunos,

    a fim de discutir as noções de “certo” e “errado” em língua e a questão do preconceito

    linguístico.

    O que se observa dessa sequência do Plano de Aula é a ênfase no aspecto regional da

    variação linguística. Isso, certamente, é importante e deve ser abordado. No entanto por se tratar

    de um fenômeno inerente à língua, a variação linguística deve ser abordada sempre que possível

    nas aulas de análise linguística quando se discute algum tópico da gramática normativa. Por

    exemplo: em aulas sobre regência ou concordância, o professor pode apresentar o que a norma-

    padrão prevê e o que os falantes, em situações reais de fala, utilizam.

    Como se trata de uma análise incipiente e de um recorte, não se pode afirmar como que

    se dão as propostas de ensino nas outras séries do Ensino Fundamental. É provável que essas

    reflexões sobre a variação linguística vão se aprofundando ao longo das séries. Sendo assim,

    este trabalho pode abrir caminhos para pesquisas futuras que venham analisar outros Planos de

    Aula também propostos pela Nova Escola e como eles podem contribuir para a formação crítica

    do aluno quanto às questões sociais referentes à língua.

    Além disso, este trabalho oportuniza ao professor conhecer possibilidades de trabalho

    com o tema da variação linguística em sala de aula, já que esse fenômeno deve ser abordado,

    como previsto na BNCC, e isso ajuda combater o ensino pautado na gramática tradicional

    normativa que imprime um único modelo ideal de língua. Importante salientar que o papel da

    escola é, de fato, ensinar a norma-padrão, mas sem propagar a ideia de língua pura e homogênea

    e fomentar o preconceito linguístico.

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    Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura

    Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193

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    TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e

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