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O TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS E O SERVIÇO DE ACOLHIMENTO EM FAMÍLIA ACOLHEDORA
Maria Vilma Ferreira Marques1
Izabel Herika Gomes Matias Cronemberger2
RESUMO Este artigo discute aspectos do trabalho social com famílias preconizado na Política de Assistência Social, objetiva compreender a sua operacionalização no serviço de acolhimento em família acolhedora. Neste ideal, inicialmente é abordado a direção do trabalho social com famílias a partir da Constituição de 1988, em seguida caracterizam-se as normatizações que direcionam o trabalho social com famílias, por conseguinte discute-se a operacionalização desse trabalho com as famílias acolhedoras. Os resultados demonstram o desafio do trabalho social junto às famílias acolhedoras na perspectiva de serem importante instrumento contributivo na garantia do Direito à Convivência Familiar e Comunitária de Crianças e adolescentes.
Palavras-chave: Política de Assistência Social. Trabalho Social. Família Acolhedora.
ABSTRACT This article discusses aspects of social work with families advocated in the Social Assistance Policy, aims to understand its operationalization in the welcoming family service. In this ideal, the initial discussion addresses the direction of social work with families from the 1988 Constitution, then the normalizations that direct the social work with families are characterized, so the operationalization of this work with the welcoming families is discussed. The results obtained demonstrate the challenge of the social work with the welcoming families in becoming an important instrument to guarantee the Right to the Family and Community Coexistence of Children and adolescents.
Keywords: Social Assistance Policy. Social work. Family friendly.
1 Graduada em Serviço Social pela Faculdade Santo Agostinho, Pós Graduanda em Família e Políticas
Públicas pela Faculdade Santo Agostinho. 2 Bacharel em Serviço Social pela UFPI, Especialista em Administração de Recursos Humanos pela UFPI,
Mestre em Políticas públicas pela UFPI, Doutoranda em Políticas Pública pela UFPI.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo pretende dialogar sobre o cenário do trabalho social com famílias
realizado no serviço de acolhimento em família acolhedora. No decorrer da história, o trabalho
social com famílias vem passando por transformação em sua maneira de se organizar,
acompanhado de novos desafios. Principalmente para que se faça uma reflexão sobre o
trabalho social junto às famílias, por isso é essencial a discussão dos aspectos históricos, para
compreender particularidades das famílias e, assim, possibilitar uma compreensão sobre o
trabalho realizado com as famílias do serviço de acolhimento em família acolhedora.
A construção deste estudo busca investigar as práticas do trabalho social
desempenhado recentemente pelo serviço de acolhimento em família acolhedora, serviço este
que atua na reintegração familiar, visto que a institucionalização em serviço de acolhimento é
último caminho. Portanto, para que seja um trabalho democrático e garantidor de direito deve-
se entender a direção protetiva de suas normas, orientações técnicas e diretrizes.
Para a construção deste artigo foi realizado levantamento bibliográfico fundamentado
em autores como: Alencar (2013), Cerutti (2010); Mioto (2013; 2010; 2009), Teixeira (2016;
2013; 2010), Valente (2012), dentre outros, que dão pistas, teoricamente, das categorias
trabalhadas.
Neste sentido, o artigo estrutura-se em três momentos. Inicialmente, trata da discussão
breve sobre a história do trabalho social com famílias no Brasil a partir da Constituição Federal
de 1988 e aborda, a partir desse período, a direção do trabalho social, nas diversas situações
de vulnerabilidades das famílias. Em seguida, destacam-se normas, diretrizes, orientações
técnicas, que direcionam o trabalho social com famílias. Pretende-se, através desta
abordagem, a compreensão sobre o que é uma família acolhedora à luz do Direito à
Convivência Familiar e Comunitária, o qual prega a reintegração da criança e adolescente ao
retorno à família de origem. Dando sequência, faz-se uma reflexão dos desafios e
possibilidades do trabalho social no serviço de acolhimento em família acolhedora, com a
finalidade de entender se esse trabalho resulta em uma práxis, transformadora dessa
realidade.
2 TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO
BRASIL A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A Constituição Federal de 1988 reconhece a Política de Assistência Social como direito
do cidadão e dever do Estado, e como política integrante do sistema de seguridade social, em
associação com a política da previdência social e saúde. No entanto, sua regulamentação e a
definição de suas disposições legais se deram a partir de 1993, com a promulgação da Lei
8.742, Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, e com a implementação da Norma
Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS), em 2005.
No Brasil, estudiosos como Mioto (2010) e Teixeira (2013) apontam que as diretrizes
do trabalho social com famílias estão sustentadas sob duas vertentes divergentes: familista e
protetiva. Para Mioto (2010) o familismo pode ser encorado em uma perspectiva de maior
responsabilização da família pelo bem-estar de seus membros, recaindo, assim, sobre ela a
responsabilidade pelos serviços de proteção social. Nesse sentido, o Estado tem um papel
subsidiário, atuando apenas quando a família não possui o suporte necessário para prover a
sua própria proteção.
Por outro lado, a tendência protetiva junto às famílias objetiva a promoção do bem-
estar e da qualidade de vida, visando atingir e trabalhar estado de exclusão, vulnerabilidade,
discriminações, dentre outros, por meio de práticas socioeducativas alternativas, dirigida para a
autonomia e o protagonismo das famílias (MIOTO, 2010). Desse modo, a maioria das famílias
que são atendidas pelas políticas que abrangem o campo de proteção social, vivem e
sobrevivem em cenário de pobreza e de outras vulnerabilidades, sem condições de arcar com
as exigências que lhes são colocadas.
Segundo Mioto (2013) é de fundamental importância nas abordagens sobre famílias, na
prática do trabalho com elas, que se leve em consideração a compreensão da instituição
familiar como espaço complexo que se modifica, se constrói e se reconstrói através das
relações entre seus próprios membros e a sociedade. Outro fator que não pode ser negado na
presente discussão é a forma como a família vem sendo tratada historicamente nas políticas
sociais, ressaltando a influência conservadora e moralizante no modo de se trabalhar com
famílias (MIOTO, 2013).
No reforço a esse pensamento, Teixeira (2010, p. 6) aponta que “o modo como a
família é incorporada à política pública reflete a organização do trabalho com as famílias no
cotidiano dos serviços, programas e projetos”. A partir disso, pode-se mencionar que,
historicamente, a assistência social é marcada por atendimentos segmentados por categorias,
tratando das demandas de forma fragmentada, lidando com os problemas como individuais e
trabalhando com especificações de situações.
Devido a essa maneira histórica de tratar a família na Política de Assistência Social, o
desafio central no trabalho com famílias, portanto, é o de superar a maneira de ver o indivíduo
como incapaz devido à sua pobreza, por exemplo. Nessa perspectiva, Teixeira (2010) pontua
que o Estado é visto equivocadamente como um interventor de última instância, através de
ações pontuais e paliativas, principalmente por meio do afastamento dos indivíduos de sua
família, legitimando asilamentos e internações. Dessa forma, entende-se que tal modo de se
trabalhar com famílias deve ser reavaliado na contemporaneidade, pois:
para além dos aspectos culturais e ideológicos, a centralidade na família na sociedade brasileira se tece numa sociabilidade fundada na precariedade da vida social. As economias periféricas, como é o caso brasileiro, apesar da implantação de uma estrutura econômica dinâmica e moderna, reproduzem de forma mais profunda as contradições econômicas e sociais inerentes ao capitalismo a sociedade brasileira historicamente caracteriza-se por sua condição de subalternidade e dependência econômica com relação aos países hegemônicos do capitalismo central (ALENCAR, 2013, p. 140).
O motivo pelo qual se torna necessária a superação das práticas tradicionais,
anteriormente citadas, encontra-se também no fato de a própria centralidade na família se dar
em uma forma de sociabilidade totalmente desfavorável ao atendimento de suas demandas,
pois como afirma Alencar (2013), o capitalismo, modo de produção em que essas famílias
estão inseridas, aprofunda contradições sociais. Esse fator esclarece mais ainda o fato de não
ser única e exclusivamente a família a culpada por sua condição.
Esses são alguns desafios a serem superados, havendo necessidade de romper com a
prática moralizante e que culpabiliza a família, que ainda se fazem presente mesmo após a
Constituição de 1988 e todas as legislações atuais da assistência social. Assim, deve haver um
redimensionamento do trabalho com famílias baseado no pensamento social crítico. Nesse
ideal, é preciso que a família seja vista como pertencente a uma conjuntura social e histórica
que influencia sua dinâmica e que pode lhe gerar problemas e desproteção (MIOTO, 2013).
Os direitos expressos no Estatuto da Criança e Adolescente devem ser respeitados e
efetivados, devem dar legitimidade ao Direito à Convivência Familiar e Comunitária de
Crianças e Adolescentes. Diante do exposto sobre o trabalho social com famílias faz-se
necessário destacar seus aspectos norteadores à luz do DCFC.
3 DIRETRIZES, NORMATIZAÇÕES E ORIENTAÇÕES TÉCNICAS PARA O TRABALHO
SOCIAL COM FAMÍLIAS, EM CENA, O DIREITO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES A
CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA.
No que diz respeito à Política de Assistência Social, o Sistema Único de Assistência
Social - SUAS assegura o desenvolvimento de “um trabalho articulado em suas ações e reforça
a necessidade de se estabelecer atividades interinstitucionais e intersetoriais com as demais
políticas sociais no atendimento das demandas da população” (PEREIRA; TEIXEIRA, p. 2013).
Nessa perspectiva, a presença da tendência familista está contida na PNAS, como se observa
em:
Fortalecer a função protetiva da família e prevenir a ruptura dos vínculos, sejam estes familiares ou comunitários, contribuindo para melhoria da qualidade de vida nos territórios; apoiar famílias que possuem, dentre seus membros, indivíduos que necessitam de cuidados, por meio da promoção de espaços coletivos de escuta e troca de vivencias familiares; promover aquisições materiais e sociais, potencializando o protagonismo e autonomia da famílias e comunidades (...) (BRASIL, 2009, p.6).
Diante do exposto, o trabalho social com famílias é realizado por meio de ações de
caráter continuado visando o fortalecimento da sua função protetiva como mecanismo de
enfrentamento das vulnerabilidades, a prevenção da ruptura de vínculos, a promoção dos
acessos e da melhoria da qualidade de vida, bem como potencializando o protagonismo e a
autonomia, quando, na realidade quem deve ser protegida é a família.
A lei 8.069 de 13 de julho de 1990 - o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) -
atribuindo à família e ao Estado o dever de proporcionar condições de desenvolvimento pleno e
sadio a esse grupo etário, prevê no artigo 19, o direito à convivência familiar e comunitária
”Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e,
excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária (...)”
(BRASIL, 1990).
Reforçando esse direito, o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito
de Crianças e Adolescente à Convivência Familiar (2006) surge propondo o acolhimento
familiar como uma das ações de proteção à criança e ao adolescente a ser implantada em
conjunto com o reordenamento do acolhimento institucional, adequando-se ao ECA. Desse
modo, o Plano Nacional ressalta que possui:
A necessidade de se pensar alternativas para garantir a convivência familiar e comunitária quando o afastamento temporário da família de origem for
inevitável e o acolhimento pela família extensa também não for possível. A colocação da criança ou adolescente em família acolhedora aparece como uma opção para se evitar a institucionalização e uma forma de se propiciar vivências em família, sem afastamento definitivo da criança de sua família de origem [...] (MARTINS; COSTA; ROSSETTI-FERREIRA, 2010, p.361).
De acordo, com as diretrizes apresentadas, o acolhimento familiar se propõe a atender
crianças e adolescentes em situação de risco, em que eles têm seus direitos violados. Em
situações extremas ou graves em que a família de origem enfrenta sérios problemas, a criança
ou adolescente podem ser encaminhados a uma família acolhedora, que será responsável pelo
seu cuidado temporário. Assim, torna-se importante destacar o trabalho social com famílias no
serviço de proteção especial de alta complexidade no próximo tópico, sendo que o serviço de
acolhimento em família acolhedora aparece nessa modalidade de atendimento.
3.1 O TSF na Política Social Especial de Alta Complexidade
Na Proteção Social de Alta complexidade, também está previsto o trabalho com
famílias dos segmentos afastados temporariamente ou definitivamente de suas famílias. Os
serviços de proteção especial de alta complexidade são os que demandam proteção integral
“para as famílias e indivíduos que se encontram sem referência e/ou, em situação de ameaça,
necessitando ser retirados de seu núcleo familiar e/ou, comunitário” (BRASIL, 2004, p. 38).
Nesse sentido, os serviços buscam-se, dada à centralidade na família e a premissa que esse é
o melhor espaço para o desenvolvimento de crianças e adolescentes, a reintegração familiar e
a não reincidência das violações de direitos, o que remete:
1. Alteração das situações de vulnerabilidade social (acesso à renda; serviços de convivências para crianças, jovens, idosos; acompanhamento psicossocial no enfretamento ao uso de drogas, álcool, dentre outros); 2.Trabalho socioeducativo com as famílias ; com o objetivo de fortalecimento dos vínculos familiares pela potencialização das funções protetivas da família e inclusão na rede socioassistencial de serviços básicos (BRASIL, 2004, p.36).
Ainda na proteção social de alta complexidade, nos serviços de acolhimentos de
crianças e adolescentes, está prevista a construção do Plano Individual de Acompanhamento –
PIA. O artigo 101 do ECA (BRASIL, 1990, p.54) § 5° diz que – “O plano individual será
elaborado sob a responsabilidade da equipe técnica do respectivo programa de atendimento e
levará em consideração a opinião da criança ou adolescente e a oitiva dos pais ou do
responsável”.
Diante do exposto, o Plano remete a um trabalho de aconselhamento, na busca para
alterar comportamentos e condutas violadoras, culpabilizando exclusivamente as famílias, mas
trabalhando-as para reassumir suas funções. Contudo, percebe-se que são grandes os
desafios para o direcionamento do trabalho social com família na garantia da convivência
familiar e comunitária da criança e do adolescente, assim como para o fortalecimento da família
de origem, e, nesse sentido, é preciso refletir também neste cenário a concepção do serviço de
acolhimento em família acolhedora, assunto tratado a seguir.
3.2 Descrevendo o Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora
O Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora encontra-se contemplado,
expressamente, na Política Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004), no Plano Nacional de
Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e adolescentes à Convivência Familiar e
Comunitária (PNCFC, 2006) e no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Ele constitui uma
modalidade de acolhimento que tem a função de acolher, em um espaço familiar, a criança
e/ou adolescente até que a situação que deu origem à suspensão do poder familiar seja
resolvida. (VALENTE, 2012). Desta forma, entende-se ainda que o serviço:
é aquele que organiza o acolhimento de crianças e adolescentes, afastados da família por medidas de proteção, em residência de famílias acolhedoras cadastradas. É previsto até que seja possível o retorno à família de origem ou, na sua impossibilidade, o encaminhamento para adoção. O serviço é o responsável por selecionar, capacitar, cadastrar e acompanhar as famílias acolhedoras, bem como realizar o acompanhamento da criança e/ ou adolescente acolhido e sua família de origem. (BRASIL, 2014, p.54).
É necessário também ressaltar sobre as políticas públicas existentes que tem
centralidade na família, contudo, não apenas em cunho protetivo, mas familista. Um exemplo é
o Serviço de Acolhimento Familiar citado por Valente (2012, p. 590), a qual ressalta que: “a
prática cotidiana tem mostrado que muitas famílias de baixa renda têm se responsabilizado
pela guarda de crianças e de adolescentes no processo de reintegração familiar [...]”. Isso
porque o Estado se desresponsabiliza de suas funções e as transfere para as famílias pobres,
trabalha a lógica do cuidado. Portanto, observa-se que em tal serviço existe o reforço às
questões familistas:
as famílias acolhedoras são selecionadas, capacitadas, acompanhadas pela equipe técnica do Serviço de Acolhimento para que possam acolher crianças ou adolescentes em medida de proteção aplicada por autoridade competente, a qual encaminha a criança /adolescente para inclusão nesse serviço,
competindo ao mesmo tempo à indicação da família que esteja disponível e em condições para acolhê-lo (BRASIL, 2009, p.76).
Diante do exposto, o caráter provisório tem como objetivo a reintegração familiar,
sendo que durante o acolhimento, o serviço deve propor o acompanhamento da criança ou
adolescente, da família de origem e da família acolhedora, para que os problemas existentes
sejam discutidos e solucionados, possibilitando o retorno da criança ao lar de origem e
assegurando ao máximo seu bem-estar. Nesse sentido, o Serviço de Acolhimento Familiar
deve ter como objetivos:
O cuidado individualizado da criança ou do adolescente, proporcionado pelo acolhimento em ambiente familiar; preservação do vínculo e do contato da criança e do adolescente com sua família de origem; o fortalecimento dos vínculos comunitários da criança e adolescente; a preservação da história da criança ou do adolescente, inclusive, pela “família acolhedora” e preparação da criança e do adolescente para o desligamento e retorno à família de origem, bem como desta para o mesmo [...] (CERUTTI, 2010, p.10, grifo da autora).
Sendo assim, o trabalho junto às famílias acolhedoras torna-se indispensável para o
fortalecimento dos vínculos e para a possível superação dos determinantes presentes nas
situações de risco pessoal e social. Entretanto, os desafios do trabalho social nessa área são
enormes, sendo fonte de atenção dos profissionais que fazem parte do Sistema de Garantia de
Direito da Criança e Adolescente (SGD) 3. Dessa forma, cabe discutir no próximo tópico como
a prática social do trabalho com famílias vem sendo realizada nesse serviço de acolhimento.
4 FAMÍLIA ACOLHEDORA E O TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIA
O trabalho social com família no serviço de acolhimento em família acolhedora
necessita de estratégias para produzir melhoria na condição de vida das famílias. Nesse
sentido, Valente ressalta que para o serviço seguir numa direção de proteção é preciso:
Realizar um trabalho psicossocial levando sempre em consideração o caráter excepcional e provisório do acolhimento. Deve assumir como necessidade
fundamental e prioritária a preparação da reintegração familiar de forma
3 Fazem parte do SGD os Serviços de Acolhimento Institucional (os abrigos) e Familiar (as
famílias Acolhedoras), as Varas da Infância e Juventude, o Ministério Público, a Defensoria Pública, os Conselhos Tutelares e de Direitos, as Secretárias Municipais de Assistência Social (especialmente por meio dos Centros de Referências de Assistência Social – CRAS e dos Centros de Referência Especializadas de Assistência Social – CREAS), além de outras secretárias e serviços, como saúde, habitação, educação, trabalho, etc.
protegida. Para isso, torna-se imprescindível o acompanhamento à família de origem/extensa – em corresponsabilidade com a rede de proteção e Vara da infância e da Juventude – para que, com qualidade, as ações possam ocorrer de maneira ágil, como o próprio momento da criança e adolescente exige. Na impossibilidade de retorno à família de origem/extensa, deve ser realizado o trabalho de encaminhamento para uma família substituta, garantindo assim o direito à convivência familiar e comunitária (VALENTE, 2012, p. 582).
Assim, é importante que as equipes profissionais trabalhem sistematicamente para
preparar as famílias de origem ou extensas para o retorno familiar, bem como continuem o
acompanhamento para fortalecimento dos vínculos afetivos e familiares após a reintegração.
Nesse sentido, o documento Orientações Técnicas: serviços de acolhimento para crianças e
adolescentes (2009) esclarece que:
Quando, para a proteção de sua integridade física e psicológica, for detectada a necessidade do afastamento da criança e do adolescente da família de origem pela autoridade competente, os mesmos deverão ser atendidos em serviços que ofereçam cuidados e condições favoráveis ao seu desenvolvimento saudável, devendo-se trabalhar no sentido de viabilizar a reintegração à família de origem ou, na sua impossibilidade, o encaminhamento para família substituta (BRASIL, 2009, p.61).
É importante destacar que o acolhimento familiar não pode ser uma responsabilidade
atribuída apenas às famílias acolhedoras, mas deve ser concebido como um trabalho coletivo e
refletivo de todos os atores sociais envolvidos com a criança e o adolescente em situação de
vulnerabilidade e risco social. Por isso, Cerutti (2010) ressalta que os serviços de acolhimento
familiar não podem ser confundidos com adoção4, tendo em vista que o acolhimento possui
provisoriedade, ou seja, acontece até viabilizar uma solução de caráter permanente para
criança ou adolescente. De acordo com a Lei n.12.010/20105, o acolhimento familiar situa-se
como medida de proteção, que tem como objetivo a retorno da criança ou adolescente à família
de origem, ou, descartada esta possibilidade, para a colocação em família substituta na
modalidade de adoção (VALENTE, 2012).
De acordo com as Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento de Crianças e
Adolescentes (2009), a família acolhedora aprovada para proceder ao acolhimento presta um
trabalho para garantir a convivência familiar e comunitária para crianças e adolescentes de 03 4 De acordo com o ECA, a adoção é medida excepcional, irrevogável e “atribui a condição de
filhos ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive os sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo impedimentos matrimoniais” (ECA, Art.41). 5 Lei n. 12.010, de 3 de agosto de 2009, que dispõe sobre adoção e sobre o aperfeiçoamento
da sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar de todas as crianças e adolescentes, na forma prevista pela Lei n. de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente.
a 18 anos (incompletos), cujas famílias ou responsáveis encontram-se temporariamente
impossibilitados de cumprir sua função de cuidados e proteção, e, para tanto, ela recebe do
Estado uma contribuição para ajudar na despesa da criança ou do adolescente durante o
período de acolhimento.
O acompanhamento familiar no desenvolvimento de intervenções desenvolvidas em serviços continuados com objetivos estabelecidos que possibilite à família o acesso a um espaço onde possa refletir sobre sua realidade, construir novos projetos de vida e transformar suas relações sejam elas familiares ou comunitárias (BRASIL, 2009, p.20).
Desse modo, os profissionais, em geral, devem seguir na direção de um trabalho
protetivo, sem culpabilizar a família pela sua situação de vulnerabilidade, apreender o contexto
social em que a criança e o adolescente estão inseridos, a problemática vivida pela família de
origem. Somente com esse olhar mais refletivo e amplo é que os profissionais que atuam no
serviço de famílias acolhedoras irão pensar, antes de tudo, em proteger a família e, desse
modo, buscar a garantia do Direito à Convivência Familiar e Comunitária de crianças e
adolescentes. Em relação às medidas protetivas do serviço de acolhimento em família
acolhedora, o (ECA no artigo 101) poderá determinar:
Encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II- orientação, apoio e acompanhamento temporários; III- matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV- inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V- requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI- inclusão em programas oficial ou comunitário de auxilio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII- acolhimento institucional; VIII- inclusão em programa de acolhimento familiar; IX- colocação em família substituta. (BRASIL, 1990, p.53).
Nesse ideal, a família acolhedora é uma forma de acolhimento que valoriza a
convivência familiar e comunitária, sendo um importante instrumento de proteção integral à
criança e ao adolescente. Entretanto, a elas serão atribuídas as seguintes responsabilidades
preconizadas no artigo 31: Prestar assistência material, moral, educacional e afetiva à criança
e ao adolescente, conferindo ao seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais
(BRASIL, 1990). Isso contribui com a preparação da criança ou adolescente para o futuro
retorno à família biológica, que deve acontecer sob a orientação técnica dos profissionais do
serviço.
Mas, em consequência do recuo do Estado, a família vem sendo responsabilizada por
funções protetivas que seriam obrigatoriedade do poder público e chamada, cada vez mais, a
exercer tais funções. No entanto, para que ela afirme possibilidades a seus membros o Estado
deve lhe fornecer condições, como afirma Mioto (2009, p. 57): “Ela tem o direito de ser
assistida para que possa desenvolver, com tranquilidade, suas tarefas de proteção e
socialização das novas gerações, e não penalizada por suas impossibilidades”. A autora
estende-se aqui para as diversas gerações e condições pessoais que exigem uma atenção
maior diante das vulnerabilidades sociais existentes.
Contudo, no serviço de acolhimento em família acolhedora é importante que as equipes
profissionais trabalhem sistematicamente para preparar as famílias de origem ou extensas para
o retorno familiar, bem como continuem o acompanhamento para fortalecimento dos vínculos
afetivos e familiares após a reintegração de crianças ou de adolescentes. Entretanto, para que
isso aconteça é preciso que a família seja cuidada a fim de que possa oferecer cuidado e
proteção aos seus membros.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho social com famílias deve ser permeado de aspecto crítico para uma
intervenção prática e consciente. Nessa perspectiva, os profissionais que trabalham com a
temática, como o/a Assistente Social, e os que fazem parte da SGD devem atuar de forma
politizada e crítica a fim de que se garantam os direitos essenciais às famílias atendidas em
determinado serviço ou programas.
Assim, a discussão mostrou que o trabalho junto às famílias acolhedoras torna-se
necessário para o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários e a inserção das
famílias na rede de serviços socioassistenciais. Para tanto, defende-se uma fonte de atenção
dos profissionais que fazem parte do Sistema de Garantia de Direito, através de ações
protetivas às famílias e às crianças e adolescentes na garantia do Direito à Convivência
Familiar e Comunitária e do acesso à rede de políticas públicas.
A implementação de ações do governo, como os serviços de famílias acolhedoras,
ocorre simultaneamente ao reordenamento do acolhimento institucional e familiar em âmbito
nacional, como preveem atuais diretrizes e normativas. Para tanto, é fundamental que a
sociedade tenha o conhecimento das leis, dos planos e das diretrizes nacionais, do SGD,
ademais, aprofunde-se o debate pela formação e capacitação continuada para trabalhadores
que atuam nesse sistema. Nesse sentido, a formação da equipe técnica é fator determinante
para garantir aos acolhidos a proteção integral preconizada no ECA, bem como o direito à
convivência comunitária, tão defendido pelos legisladores desde a Constituição Federal de
1988.
Diante dos desafios existentes no trabalho social no serviço de família acolhedora,
através de uma atuação comprometida com a transformação da realidade, estes podem ser
superados e o trabalho com família, como práxis se torna amplo e efetivo. Portanto, deve-se
traçar a trajetória a ser percorrida na busca da garantia do direito. É inviável tentar responder a
questões tão complexas de forma imediata, pois a solução só será possível através de
investimentos em trabalhos especializados, com equipes técnicas estruturadas, qualificadas,
capacitadas, bem remuneradas, para atender a pequenos grupos, permitindo abordar os
indivíduos e sua família na sua singularidade, particularidade e universalidade.
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