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Revista de Políticas Públicas ISSN: 0104-8740 [email protected] Universidade Federal do Maranhão Brasil Guimarães, Simone de Jesus SERVIÇO SOCIAL, TRABALHO E ESFERA PÚBLICA: mercado de trabalho e prática profissional nos espaços dos Conselhos de Direitos Revista de Políticas Públicas, octubre, 2012, pp. 211-218 Universidade Federal do Maranhão São Luís, Maranhão, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=321131651022 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Revista de Políticas Públicas

ISSN: 0104-8740

[email protected]

Universidade Federal do Maranhão

Brasil

Guimarães, Simone de Jesus

SERVIÇO SOCIAL, TRABALHO E ESFERA PÚBLICA: mercado de trabalho e prática profissional nos

espaços dos Conselhos de Direitos

Revista de Políticas Públicas, octubre, 2012, pp. 211-218

Universidade Federal do Maranhão

São Luís, Maranhão, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=321131651022

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Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal

Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

SERViÇO SOCIAL, TRABALHO E ESFERA PÚBLICA: mercado de trabalho e prática profissionalnos espaços dos Conselhos de Direitos

Simone de Jesus GuimarãesUniversidade Federal do Piaui (UFPI)

SERViÇO SOCIAL, TRABALHO E ESFERA PÚBLICA: mercado de trabalho e prática profissional nos espaçosdos Conselhos de DireitosResumo: Este trabalho visa analisar o Serviço Social nos espaços sócio-ocupacionais dos Conselhos deDireitos, procurando estabelecer uma configuração geral da atuação desse profissional no contexto dastransformações por que passam a sociedade capitalista e o mundo do trabalho inserido nessa realidade. Asanálises empreendidas tomam por base uma pesquisa sobre o mercado de trabalho do Assistente Social noPiauí e revelam que as singularidades desse trabalhador, nesses espaços de atuação profissional, conformam­se ás exigências da reestruturação capitalista e das relações que se estabelecem na esfera pública via Conselhosde Direitos.Palavras-chave: Serviço Social, trabalho, conselhos de direitos.

SOCIAL WORK, LABOR ANO PUBLlC OOMAIN: LABOR MARKET ANO PROFESSIONAL PRACTICES ATTHE COUNCILS OF RIGHTSAbstract: This article intends to analyze Social Work at the social-labor sites of the Council of Rights, trying toestablish a general configuration of the action of that professional in the context of the transformation occurringin the capitalist society. The basis for this analysis is a research on the labor market for SocialWork in Piauí, itrevealed that the singularities of that worker, at this professional field, they comply with the requirements of thecapitalist re-structure and of the relations established at the public sphere via Council of Rights.Key words: Social Work, work, council of rights.

Recebido em: 11.11.2010. Aprovado em: 16.06.2011.

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Simone de Jesus Guimarães

1 INTRODUÇÃO

o Serviço Social, em seus processos deinserção no Brasil, é influenciado pelas dinâmicase acontecimentos decorrentes da nova fase docapitalismo que se instaura a partir dos anos de1990, sob os auspícios da globalização, dareestruturação produtiva e das propostasneoliberais. Em seus diferentes espaços deatuação, o profissional, ao dar respostas àquestão social, sofre as influências de um Estadomínimo em suas responsabilidades com o sociale é regido por exigências relativas à flexibilizaçãodas relações sociais no mundo do trabalho e nomundo dos direitos. Um espaço de atuaçãoprofissional é a esfera pública, instituída pós­Constituição de 1988. Entre as experiências,nessa área, encontram-se as dos Conselhos deDireitos, que, como qualquer outro campo detrabalho, direta ou indiretamente, é permeadopelo capitalismo flexível. Entender essa realidadeé o objetivo deste artigo. Num primeiro momento,traçam-se as linhas gerais do mundo do trabalhono capitalismo flexível e, num segundo momento,estabelecem-se os nexos de ligação entre essemundo do trabalho e a realidade do profissionalnos conselhos.

2 MUNDO DO TRABALHO, SERViÇOSOCIAL E A ESFERA DOS CONSELHOSDE DIREITOS

Os finais do século XX - a partir da décadade 90 - e o século XXI têm sido marcados poruma conjuntura de transformações no modo deser do capitalismo mundial e brasileiro comrepercussões na vida dos indivíduos, grupos eclasses sociais, bem como nas relações entreEstado e sociedade e, em especial, no mundodaqueles que vivem do trabalho.

É da década de 90 em diante que o capitalismoconsolida suas estratégias, como modo deprodução, em direção a sair de uma grave criseem suas bases de sustentação e que se instaurapor volta dos anos 1970. Essa crise põe em xequeo crescimento econômico dos "Trinta GloriososAnos" (anos pós 2a Guerra mundial), os lucrosdos capitalistas e as conquistas relacionadas àgarantia de emprego e proteção social aostrabalhadores. As saídas para a crise vão serbuscadas no tripé: globalização, neoliberalismoe reestruturação produtiva.

Aglobalização representará, em síntese, umanova fase do capitalismo como modo deprodução e processo civilizatório mundial

(IANNI, 1996) e significará que gente, coisas eideias, economia, sociedade e politica, nações,territórios e culturas, enfim, todas as dimensõesda vida serão emolduradas e atravessadas porum mundo global, sem fronteiras objetivas ousubjetivas, materiais ou simbólicas. Para esseautor, enfim,

São poucas as formas de vida etrabalho, de ser e imaginar, quepermanecem incólumes diante daatividade civilizatória. do mercado,empresa, forças produtivas, capital.(IANNI, 1996, p. 30).

O neoliberalismo se constituirá na forçapolitica, por excelência, dessa nova fase docapitalismo, que congregará um conjunto deprincípios e práticas filosóficas, politicas,econômicas e sociais voltadas a dar o suporte ea argamassa necessária à globalização e àreestruturação do capital, sobretudo no querespeita: ao novo papel do Estado - sem amarraspara o capital e mínimo no tocante a responder àquestão social'. No dizer de Andersom (1996, p.11), o capitalismo necessitava

Manter um Estado forte, sim, em suacapacidade de romper o poder dossindicatos e no controle do dinheiro, masparco em todos os gastos sociais e nasintervenções económicas.

As mudanças no processo de organização e(re)produção das relações sociais serãofundamentais no tripé acima descrito. Essasmudanças, chamadas de reestruturaçãoprodutiva, introduzirão a acumulação flexível,que reúne, principalmente, as seguintes ideias:flexibilização, tercerização e precarização daprodução, do trabalho e dos direitos sociais.

O mundo do trabalho, a partir da reestruturaçãoprodutiva, apresentará mutações de várias ordens.Nessa perspectiva, os processos de organizaçãodas relações sociais do trabalho irão condensarum conjunto de exigências, que demarcarão umdado modo do capitalismo se relacionar com omundo do trabalho, tendo em vista: o aumentocrescente dos lucros capitalistas; o crescimentoeconômico que beneficie a lógica de umcapitalismo sem fronteiras e sem amarras; umtrabalhador mais produtivo, mais flexível, maisenvolvido e integrado, ou seja, um trabalhadormais explorado, mais alienado e mais dócil aosditames do capital.

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Nesse processo, a gestão da força de trabalhobuscará o consentimento ativo, participativo epleno do trabalhador, especialmente, no queconcerne a sua objetividade e subjetividadeindividual em adesão aos principios de umaprodutividade exacerbada, de uma competênciasempre à prova, de flexibilização nas relaçõesde contrato e de trabalho com consequênciasque se traduzem: no desemprego estrutural; noscontratos temporários e parciais; no aumento dainformalidade; em salários infimos; na ausênciade direitos ou em direitos f1exiveis; nas condiçõesde vida materiais precárias; no stress e emdoenças causadas por essa lógica; numa maiorbanalização e naturalização da questão social;na maior individualização das respostas àquestão social pelo Estado e pela sociedade; nocombate às formas de organização sindical,c1assista e autônoma dos trabalhadores.

Do ponto de vista do trabalhador AssistenteSocial, quais as exigências que se colocam naatual fase do capitalismo? A profissão de ServiçoSocial e os profissionais não estão à margemdas transformaçôes que passam o capitalismo.Como dizem Mota e Amaral (2008, p. 24)

A atual recomposição do ciclo dereprodução do capital, ao determinar umconjunto de mudanças na organizaçãoda produção material enas modalidadesde gestão e consumo da força detrabalho, provoca impactos nas práticassociais que intervêm no processo dereprodução materiale espiritualda forçade trabalho, onde se inclui a experiênciaprofissional dos assistentes sociais.

Assim, o Serviço Social compôe a divisãosocial do trabalho, como uma profissãoespecializada, voltada a dar respostas à questãosocial, sobretudo, através das politicas sociais.Como tal, historicamente, é atravessada pelasdinâmicas da sociedade do capital. Nessesentido, a globalização, as propostas neoliberaise a reestruturação produtiva têm afetado não sóa matéria prima da profissão - que é a questãosocial- mas, também, o mundo do trabalho doAssistente Social.

No primeiro aspecto, a questão social vemse aprofundando, ganha maior complexidade ese amplia. Em suas várias expressôes, tais comoo desemprego, o subemprego, as diversasformas de trabalho precário, a saúde e moradiaprecárias e outras condiçôes de vida indignas,a questão social só tem se agravado e revelado,de modo inconteste: suas raízes se encontram

no modo de ser do capitalismo globalizado. Comum agravante: as respostas dadas à questãosocial pelo Estado, através das politicaspúblicas, têm a marca do "Estado minimo" aoatender as necessidades reais da populaçãopobre e trabalhadora, ainda que a Constituiçãobrasileira de 1988 proclame maiores direitossociais a essa população. Além disso, a questãosocial permanece sendo tratada com repressãoe policia, quando as classes destituidas de podere riqueza lutam, reivindicam e se revoltam contraas condiçôes indignas de vida. O atendimentodo Estado à questão social, pelas politicas detransferência de renda, como o Programa BolsaFamilia, é um exemplo de que a questão socialé sempre necessária e funcional ao capital,competindo, ao Estado, atender minimamenteàqueles que se encontram na miséria, napobreza e na indigência, mas deixando-ossempre nas mesmas condiçôes e lugares, semalterar substancialmente a realidade dessaspessoas.

No segundo aspecto, que se refere ao mundodo trabalho do Assistente Social, a acumulaçãoflexivel e seus desdobramentos afetam otrabalho e o cotidiano desse profissional. Comotrabalhador assalariado, o profissional convivecom a terceirização e a flexibilização em seusprocessos de trabalho e em diferentes espaçosde inserção profissional. Assim, as mesmasdinâmicas que perpassam o trabalhador emgeral, com a realidade da acumulação flexivel,perpassam o trabalhador Assistente Social:desemprego, subemprego, trabalhos precários,ausência de direitos ou direito f1exiveis etc. Daia necessidade de o profissional se colocar, comoparte da "classe-que-vive-do-trabalho"(ANTUNES, 2002), na perspectiva de estaratento a essa realidade e de se colocar emaliança com os demais trabalhadores na luta pormelhores condiçôes de vida.

É nessa tensão que vive o Assistente Social:na condição de ser um profissional, que ao darrespostas à questão social detém um conjuntode principios teórico-práticos e valores politicose éticos, traduzidos pelo Código de Ética, pelaLei de Regulamentação da Profissão e pelasDiretrizes Curriculares, que vislumbram a defesados trabalhadores, dos pobres e oprimidos naperspectiva de melhores condiçôes de vida eem direção a novos horizontes de sociedade;na condição de ser um trabalhador assalariado,convivendo com os ditames do mundo flexiveldo trabalho e dos direitos sociais. É claro queessas duas tensôes originam-se de uma mesma

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raiz: o capitalismo nas suas formascontemporâneas. Compreender isso éimprescindivel para o Assistente Socialencontrar saidas criticas, competentes e, tendopor base, o Projeto Ético Politico da profissâo.

Ao longo da história do Assistente Social,neste pais, o profissional tem atuado,majoritariamente, nos espaços sócio­ocupacionais vinculados ao Estado. Nessesespaços, desde a década de 1990, oAssistenteSocial experiencia, de um lado, politicaspúblicas, cada vez mais, focalizadas e minimaspara atender ao social e às sequelas da questâosocial, sem alterar as regras fundamentais dosditames da economia e das politicasgovernamentais, comprometidas, em últimaanálise, com os objetivos estratégicos dos quedetêm o poder e a riqueza do pais. Como partedessas estratégias, o Estado transfere parte desuas responsabilidades com o social, para omercado e as organizações privadas dasociedade civil, em especial aquelas dochamado Terceiro Setor, sem contar, que deixamuitos individuos, vulnerabilizados socialmente,à mercê de suas próprias trajetórias individuais.

Por outro lado, o Assistente Social assisteas exigências de refuncionalizaçâo do seupapel junto a essas politicas no sentido decorroborar com esse novo papel do Estado:mais enxuto, mais dinâmico em relaçâo aomercado, mais leve em suas responsabilidadessociais, mais produtivista e menos voltado abuscar alternativas para, de fato, diminuir asdesigualdades e injustiças sociais.

Além disso, nesses espaços, exige-se doprofissional: competência e qualificaçâopermanente e adequada a essas exigências,polivalência, criatividade, versatilidade,produtivismo e flexibilidade nas suas relaçõessociais de trabalho. Nesse contexto, pesquisasindicam (GUIMARAES, 2009) que a realidadedesse trabalhador é permeada por vinculos detrabalhos nâo-estáveis, pela flexibilidade nasrelações de contrato, pela reduçâo de gastoscom salários e direitos sociais, por contratostemporários, parciais, precarizados eterceirizados, entre outras situações.

Com base nessa realidade, é importante aoprofissional ter clareza do papel que os seuscontratantes almejam no quadro das novasexigências do mundo do trabalho, a fim de queele possa munir-se de instrumentos teóricos,pol iticos e éticos capazes de fazer frente a essasexigências, colocando-se, mesmo com limitesobjetivos, na perspectiva de melhores condições

de trabalho e de exercício profissionaF.Nesse quadro de análises não se deve

esquecer: o capitalismo é dinâmico; a sociedadecapitalista é dinâmica. As forças sociais quedetêm a hegemonia da sociedade confluem emdireção a dar sustentação e suporte às ideias epráticas da atual fase do capitalismo. Mas outrasforças caminham em direção a se contrapor e alutar contra essa realidade que massacra adignidade e a vida de milhões de pessoas. Sãoindividuos e grupos organizados contestando,reivindicando e lutando por novos rumos ao pais.E, aqui, vale lembrar: no Brasil, desde osprocessos de revigoramento da sociedade civilocorridos em fins da década de 1970, que levamao fim da ditadura militar, passando pela NovaRepública e pela constituinte que leva àpromulgação da Constituição de 1988, até osdias atuais, não são poucos os exemplos deresistência e luta por mudanças para este pais.

Essas reivindicações e lutas serãoresponsáveis, por exemplo, em fomentar aintrodução de novas práticas e relações entreEstado e sociedade, que adquirem váriosformatos juridicos na Constituição de 1988.Explicita-se, a partir dai, o que os autores têmdenominado de esfera pública. Nessa esfera,as relações e práticas sociais de interesse doEstado, do mercado e da sociedade sãopensadas, discutidas e decididas sob o pontode vista da união dessas diversas forças.Reforçando essas análises, Castro (2006, p.117) diz que a esfera pública é o "resultado dainterpenetração do público com o privado".

Várias experiências têm se dado no âmbitoda esfera pública e sido importantes para: agarantia de direitos sociais na vida da população;o aumento do controle social da sociedade sobreo Estado; o alargamento dos processos dedemocratização das relações entre Estado esociedade. Entre essas experiências destacam­se os Conselhos de Direitos e de politicaspúblicas, que, com representação governamentale da sociedade civil, têm sido responsáveis pelaefetivação de direitos à imensa maioria dapopulação. Seus limites e possibilidades nãoestão dados a priori, pois, no âmbito de suascompetências e realidades, dependem das forçaspresentes e em luta, sem contar que seus limitesmais estruturais devem ser buscados nos limitesda própria sociedade capitalista.

É na esfera pública que se delineiam, desdea década de 1990, novos espaços de atuaçãodo Assistente Social, em especial nos espaçosdos Conselhos de Direitos e de politicas públicas.

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Nessas experiências, o profissional tem dado contratantes em manter as mesmas pessoas deuma contribuição importante ao processo de suas "confianças" nessas esferas ou tambémconsolidação da esfera pública como espaço de pode significar ausência de novos atoresnovas relações entre Estado e sociedade. De profissionais capazes ou "interessados" emnorte a sul do Brasil, muitos Assistentes Sociais vivenciar essas experiências, ainda quefazem parte da composição dos conselhos, seja delegadas pelos contratantes.como representantes governamentais, seja como Como se pode verificar, todos esses conselhosrepresentantes da sociedade civil organizada. atuam, especialmente, visando a efetivação deNão existe um estudo mais amplo, em nivel de direitos sociais, tendo como horizonte: de umBrasil, que tenha uma configuração geral desse lado, as garantias sociais promulgadas com atrabalhador nesses espaços. Mas, pesquisa Constituição de 1988 e as leis elaboradasrealizada no Estado do Piaui (GUIMARÃES, posteriormente; de outro lado, as exigências2009), retrata a atuação do profissional nos postas ao Estado e ao mercado no tocante à atualconselhos3 e mostra que as configurações gerais fase do capitalismo; e por fim, as exigências quedo mundo do trabalho, também afetam a vida do procedem, especialmente, da sociedade civilAssistente Social nessas experiências, como organizada, reivindicando politicas públicastrabalhador e como profissional, preocupado em universais e democráticas.efetivar e consolidar direitos já conquistados e Importa ressaltar, que os Conselhos deintroduzir novos direitos como parte das respostas Direitos pesquisados atuam em diversas áreas,às expressões da questão social e em a saber: assistência social, saúde, educação,conformidade à singularidade de cada conselho, justiça, direitos da criança e do adolescente,sem perder de vista o Projeto Ético-Politico da direitos do idoso, direitos da mulher, deprofissão. elaboração de projetos, de pesquisa, entre outras

Do ponto de vista dessa pesquisa, pode-se áreas. As duas principais áreas de atuação dosafirmar que em boa parte dos conselhos conselhos participantes são, pela ordem, a áreaexistentes, a presença do Assistente Social se da assistência social e a área dos direitos dofaz sentir, sendo reconhecida como fundamental idoso. Mas, é importante frisar: as áreas deà construção e consolidação destes. Assim, entre atuação de cada conselho ultrapassam as áreasos conselhos existentes, com base de atuação para as quais, legalmente, foram criados. Issoem Teresina, capital do Estado, o profissional tem se deve, porque o conjunto das necessidades eassento em 11 conselhos. A representação em demandas que passam pelo conselho e onivel estadual e municipal se faz saber nos exercicio efetivo do controle social exigem a inter-conselhos: dos Direitos da Pessoa Idosa; da relação e a interconexão entre as diferentesAssistência Social; dos Direitos da Pessoa com politicas públicas. Compreender essa realidadeDeficiência; da Criança e do Adolescente. Em nas suas dinâmicas conjunturais e estruturais étermos de representação apenas em nivel de suma importância para o Assistente Socialestadual estão os conselhos: dos Direitos da contribuir mais efetivamente em seusMulher; das Politicas Antidrogas; da Saúde. compromissos profissionais em direção a uma

Um aspecto importante revelado pela prática que amplie direitos e amplie o controlepesquisa é que, na maioria dos conselhos, há a social da sociedade sobre o Estado.presença de mais de um Assistente Social. Um Sendo majoritariamente um representantesegundo aspecto é que, mais de 80% dos governamental dentro dos conselhos, aoprofissionais são representantes governamentais, profissional é exigido, por seu contratante, quenum total de 17 entrevistados; sendo que entre reforce os objetivos estratégicos colocados aoesses mais de 60% se consideram voluntários Estado pelo capitalismo na esfera dadentro do conselho que representam. Outro competência de cada conselho. Mas é importanteaspecto importante é que há profissionais que ressaltar: essa é uma dinâmica contraditória dese encontram há mais de uma gestão num dado forças, movimentos, saberes e práticas. Nesseconselho. Nesse último aspecto há profissionais quadro, o profissional pode se colocar a partir deatuando há mais de cinco anos dentro de um duas grandes perspectivas: como instrumento demesmo conselho. Esse conjunto de situações, potencialização do papel dos Conselhos - parade um lado, pode mostrar o "prestigio" ou o que esses conselhos, de fato, sejam uma esferareconhecimento da importância do papel do de controle social das ações estatais, um espaçoAssistente Social nessas experiências; de outro de deliberação de politicas públicas que efetivemlado, pode significar uma estratégia dos órgãos direitos já conquistados formalmente e busquem

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introduzir novos direitos e um canal real dedemocratização das relações entre Estado esociedade; como instrumento de reforço históricodo controle da sociedade pelo Estado - aqui, oprofissional se colocará em direção a um papeldominado e subserviente do conselho em facedas suas tarefas gerais e especificas, reforçando,em última análise, práticas autoritárias econservadoras presentes na sociedade. Da partedos entrevistados, verifica-se que, a maioria, tematuado em direção á primeira perspectiva,embora considerem que muitas são asdificuldades nessa direção, relacionadas: aosobjetivos estratégicos de seus contratantes edaqueles que incidirão as ações do conselho; aoslimites do próprio conselho numa sociedadecapitalista.

Atuando nos conselhos, o profissional desen­volve inúmeras atividades, tais como: controlesocial; capacitação; assessoria; consultoria;supervisão; fiscalização; administração, pesqui­sa; planejamento; elaboração de projetos, cap­tação de recursos etc. Na pesquisa em apreço,as principais atividades exercidas pelo Assisten­te Social, pela ordem, são: controle social,capacitação, assessoria e supervisão. A ativi­dade de controle social, propriamente dito, co­loca-se, portanto, como a principal tarefa pro­fissional dentro do conselho. É claro que asdemais tarefas estão implícita ou explicitamen­te vinculadas a essa tarefa. Mas, no exerciciode suas atividades, o Assistente Social poderáreforçar os objetivos profissionais na perspecti­va de consolidação da autonomia dos conse­lhos, como órgão de controle social e defensordos direitos da população ou poderá se colocarem direção à defesa do status quo da socieda­de, contribuindo para as práticas conservado­ras da sociedade e, consequentemente, parapráticas que reforcem o controle do Estado so­bre a sociedade.

Mas, não se deve esquecer: o AssistenteSocial é um trabalhador assalariado. Nessasexperiências, a inserção primordial doprofissional é de representação. Nesse contexto,o profissional exerce um papel delegado poruma entidade governamental ou por umaentidade da sociedade civil. No geral, essadelegação se faz pelo fato de o profissionalpertencer aos quadros de uma dada entidade.Nesses termos, o profissional é contratadoformalmente por uma instituição pública ouprivada ou participa de uma entidade dasociedade civil como voluntário. No caso dapesquisa, em apreço, a grande maioria tem

contratos com o Estado, seja como estatutárioou celetista, seja como terceirizado viaempresas que desenvolvem ações para oEstado. Nesse prisma, atuar em um dadoconselho, para o profissional, faz parte de suasobrigações e tarefas na entidade de origem. Édessa maneira que muitos profissionaisvisualizam o conselho: como um trabalho a maisno conjunto de obrigações dentro de uma dadainstituição. Mas, outros profissionais, conformejá ressaltado, colocam-se como voluntários nosconselhos sob os quais atuam, o que, de fato,não o são. Na realidade, o trabalho derepresentação nos conselhos, constitui-se, sim,boa parte das vezes, em horas extras detrabalho não pagas ao profissional.

Importa ressaltar que os salários e direitostrabalhistas e sociais desses profissionais,também, não têm sido valorizados. Sendofuncionários do Estado ou de organismos dasociedade civil, seus salários, em sua grandemaioria, não ultrapassam os seis saláriosminimos. É o que demonstra uma pesquisarealizada em Teresina e publicada porGuimarães (2003). No caso da pesquisa sobreos conselhos, como a maioria dos AssistentesSociais se diz voluntária, essa questão não estáclaramente colocada para o profissional. Ele nãotem a necessária consciência política de que otrabalho dentro do conselho não é voluntário, eque as condições de trabalho e de salário sãopartes constitutivas de suas tarefas com ainstituição que representa, bem como de quesuas condições de vida e de salário sãoproporcionadas pelo vinculo formal ou nãoformal mantido com essa instituição. Nessacondição, não há, portanto, uma visão detotalidade, por parte do profissional, dosprocessos e relações que permeiam asingularidade do seu cotidiano profissional.

Outro dado importante é que boa parte dosprofissionais, para sobreviver mais dignamente,tem outra fonte de renda, seja no setor públicoestatal, seja no setor privado empresarial, sejano Terceiro Setor, contratados com carteiraassinada ou não, com salários precários e nemsempre tendo direitos assegurados. A realidadeda pesquisa sobre a atuação nos Conselhosmostra que há profissionais que mantêmvinculos profissionais com outras instituiçõespúblicas ou privadas com carteira assinada, semcarteira assinada, por contratos temporários,terceirizados etc. Há situações em que oprofissional tem vinculos com uma ou maisinstituição, fora aquela que representa no

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Conselho. E os salários nessas outras fontesde trabalho também são infimos. Para se teruma ideia, a maioria dos entrevistados nãoultrapassa aos três Salários Minimos, além deque vamos encontrar profissionais quepercebem um Salário Minimo.

Quanto aos direitos sociais e trabalhistas, boaparte dos profissionais, participante da pesquisa,não possui carteira de trabalho assinada e nemdireitos sociais, tais como plano de saúde ououtros direitos sociais. Mas essa é também umarealidade em que o profissional nem sempre temuma visão maior ou mais critica da totalidadedos processos constitutivos da acumulaçãoflexivel que permeiam o cotidiano do AssistenteSocial. Em suas respostas à presença dedireitos trabalhistas e sociais em seus vinculostrabalhistas, a maioria dos profissionais associaesses direitos ao fato de ter ou não ter umacarteira de trabalho assinada, não incorporando,assim, outros direitos pelos quais todotrabalhador deve lutar para conquistá-los.

O conjunto das assertivas, aqui colocadas,mostra, enfim, que a acumulação flexivelatravessa a realidade dos profissionais queatuam nos espaços da esfera pública e, nestecaso, os Conselhos de Direitos.

3 CONCLUSÃO

O mundo do trabalho vem passando porprofundas transformações desde a década de1990. Assim, o profissional de Serviço Social,em qualquer espaço sécio- ocupacional deatuação, também passa por profundasalterações.

Na esfera pública e mais precisamente nosespaços dos Conselhos de Direitos, o AssistenteSocial desenvolve ações voltadas: à defesa egarantia de direitos à população via definição depoliticas públicas como representantegovernamental ou da sociedade civil organizada;ao controle social da sociedade sobre a gestãopública estatal; aos processos de democratizaçãonas relações entre Estado e sociedade. Nessecaminho, o profissional pode se colocar na defesado Projeto Ético Politico da profissão, que segueem direção a protagonizar direitos à maioria dapopulação trabalhadora e pobre, e a contribuirpara a ampliação da democracia e paramudanças substanciais nos rumos do pais, aindaque suas práticas, dentro desses espaços, sejampermeadas e atravessadas pelas exigências deum capitalismo globalizado e flexivel, portanto,excludente, alienador e destruidor de direitos e

condições dignas de vida à maioria da população,incluindo-se, ai, oAssistente Social. O profissionalpode se colocar, no entanto, a partir de outroscaminhos, contribuindo com práticas de reforçoao conservadorismo, ao autoritarismo e àmanutenção do status quo no trabalho, naprofissão, no Estado, na sociedade.

REFERÊNCIAS

ANDERSOM, Perry. Balanço do neoliberalismo. ln:SADER, Emir; GENTILLI, Pablo (Orgs.). Pós­neoliberalismo: as políticas sociais e o estadodemocrático. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? São Paulo:Cortez, 2002.

CASTRO, Alba T. B. de. Esfera pública como espaçode cidadania. ln: FREIRE, Lúcia M. B.; FREIRE, Silenede M.; CASTRO, Alba T. B. de. Serviço social,política social e trabalho. São Paulo: Cortez, 2006.

GUIMARAES, Simone de Jesus. Mercado detrabalho e práticas profissionais do AssistenteSocial. Teresina: UFPI, 2009.

=-__. Perfil do assistente social de Teresina.Teresina: UFPI, 2003.

IANNI, Octávio. A era do globalismo. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1996.

MOTA, Ana Elizabete; AMARAL, Angela Santana do.Reestruturação do capital, fragmentação do trabalhoe Serviço Social. ln: . (Org.). A nova fábricade consensos. São Paulo: Cortez, 2008.

NOTAS

Para Perry Andersom (1996) o neoliberalismo éproduto da sociedade capitalista pós 2" GuerraMundial e suas ideias iniciais ganham projeçãocom Friedrich Hayek em seu livro "O caminho daservidão", de 1944. Essas ideias, em últimaanalise, colocam-se, sobretudo, no combate aoEstado de Bem-Estar Social que, a partir dessadécada, impõe-se como instrumento fundamentalpara o pós-guerra e para a reestruturação econsolidação do capitalismo mundial. Com a crisedo capitalismo dos anos 1970, o neoliberalismose constituirá num dos principais instrumentos desaída para a crise junto com a globalização e aintrodução da acumulação flexível como modo deorganização das relações sociais capitalistas,além de se colocar ferozmente no combate àsforças autónomas e organizadas dostrabalhadores.

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Simone de Jesus Guimarães

Uníversídade Federal do Píauí - UFPICampus Universitário Ministro Petrônio Portella,Bairro Ininga - Teresina/PICEP: 64049-550

Símone de Jesus GuímarãesAssistente SocialDoutora em Serviço Social pela PontifíciaUniversidade Católica de São PauloProfessora do Departamento e Programa de Pós­Graduação em Políticas Públicas da UniversidadeFederal do PiauíE-mail: [email protected]

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verifica-se nos diferentes espaços de inserçãoprofissional: nos empresas privadas, junto aoTerceiro Setor e á sociedade civil organizada.Enfim, o profissional não está livre dasconfigurações gerais do mundo do trabalhoflexível.

A Pesquisa Mercado de Trabalho e práticaprofissional do Assistente Social no Piauí tem oobjetivo de traçar as configurações da atuaçãoprofissional nos setores: privado empresarial efilantrópico, no Terceiro Setor, nos organismos dasociedade civil e na esfera pública. Essa pesquisaestá em desenvolvimento desde 2009.

R. PaI. Públ. 1São Luis MA 1Número Especial 1p. 211 2181 Outubro de 2012