o trabalho dos monitores na febem

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Monitores na Febem O Trabalho dos O Trabalho dos Monitores na Febem

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Pesquisa realizada junto aos antigos monitores da FEBEM SP. O livro foi publicado tempos depois da pesquisa, mesmo assim continua atual ao relatar as condições de trabalho.

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  • Monitores na FebemO Trabalho dos

    O Trabalho dos M

    onitores na Febem

    99

    ISBN 978-85-98117-31-7ISBN 978-85-98117-31-7

    7 8 8 5 9 8 1 1 7 3 1 7

  • O TRABALHO DOS MONITORES NA FEBEM

  • Presidente da RepblicaLuiz Incio Lula da Silva

    Ministro do Trabalho e EmpregoCarlos Lupi

    FUNDACENTROPresidente

    Diretor Executivo

    Diretor Tcnico

    Diretor de Administrao e Finanas

  • O TRABALHO DOS MONITORES NA FEBEM

    Equipe TcnicaElizabeth P. N. Tavares

    Centro de Referncia em Sade do Trabalhador/Mooca

    Francesca Brito Magalhes Patrcia Helena V. Marques

    Centro de Referncia em Sade do Trabalhador do Estado de So Paulo

    Jos Carlos do Carmo - Coordenador GeralDelegacia Regional do Trabalho

    Tereza Luiza Ferreira dos Santos - Coordenadora da PesquisaFundao Jorge Duprat de Segurana e Medicina do Trabalho

    So Paulo2008

    M I N I S T R I ODO TRABALHO E EMPREGO

    FUNDACENTROFUNDAO JORGE DUPRAT FIGUEIREDODE SEGURANA E MEDICINA DO TRABALHO

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Coordenao de Documentao e Bibliotecas - CDB / Fundacentro

    So Paulo - SP

    Tavares, Elizabeth P. N.

    O trabalho dos monitores na Febem / Elizabeth P. N. Tavares ... [et al.] So Paulo : FUNDACENTRO, 2008.

    84 p. : il.

    ISBN: 978-85-98117-31-7

    1. Servios na priso Trabalhadores Condies de trabalho Sade mental. I. Tavares, Elizabeth P. N. II. Magalhes, Francesca Brito. III. Marques, Patrcia Helena V. IV. Carmo, Jos Carlos do. V. Santos, Tereza Luiza Ferreira dos.

    CIS CDUXycd Wa Kob Psom 343.83:331.103+613.86

    CIS Classifi cao do Centro International dInformations de Scurit et dHygiene du TravailCDU Classifi cao Decimal Univesal

  • ... esses adolescentes mais resguardados eram aqueles adolescentes que na verdade esto na Febem de laranja n, no pertencem a grupo nenhum e t perdido a e voc o seguro daqueles que cometeram crimes hediondos n, e que to realmente n, fragilizados, ento esse meninos fi cavam muito perto de ns, ns funcionrios n, e tinha um menino que fi cou exatamente ... ele fi cou 1 ano e 3 meses l e ele sempre fi cava do meu lado, e engraado o seguinte eu no sabia o nome dele, eu no sabia o nome dele, a um belo dia eu cheguei, falei pra ele: rapa qual o seu nome? Ele falou, ele tava acabando a cozinha, a gente chamava de faxina e falou: Como seu nome?, Porra seu ... n, o Sr. t aqui comigo j h 1 ano e 3 meses, o Sr. no sabe meu nome, o Sr. no conhece o meu nome, difcil assim, o Sr. t aqui h tantos anos!. A, foi neste momento que eu percebi que eu perdi a parte humana que eu tinha n, j no me interessa-va mais quem era quem, pra mim todo mundo era todo mundo, e acabou e vou ter que ser duro e rgido com aquelas pessoas, ento complicado essa questo, essa situao, complicado porque voc comea a perceber que voc perdeu a ... Voc perdeu a... a humanidade que voc tinha, e a eu tive que fazer um trabalho de resgate, foi muito difcil, foi muito doloroso, eu passei 3 meses fazendo o tratamento e tive que realmente me resgatar pra poder prender um pouco o bicho solto que tinha soltado...

    Fala de um monitor mostrando o sofrimento de sua categoria

  • Agradecemos a todos os trabalhadores da Febem que contriburam com a pesquisa e

    direo do Sintraemfa, em especial aoNeves que esteve presente em todos

    os momentos como um facilitadordo processo de pesquisa.

  • Sumrio

    1 Introduo 11

    2 Objetivos 13

    3 Metodologia 15

    4 Febem: um pouco de sua histria 17

    5 Estrutura da Febem 19

    5.1 Unidades de Internao (circuito fechado) de So Paulo e Grande So Paulo 20

    5.2 Unidades do Interior 20

    5.3 Unidades do Litoral 20

    6 Resultados 21

    6.1 Ser monitor 21

    6.2 O monitor e a Febem 48

    6.3 Sade 57

    7 Consideraes Finais 67

    Bibliografi a 75

    Anexos 77

    Anexo 1 77

    Anexo 2 81

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    1 Introduo

    No fi nal de 2003, o Sintraemfa solicitou DRT/SP que fosse realizada uma investigao sobre condies de sade e trabalho na atividade do monitor ou agente de apoio tcnico nas unidades da Febem.

    Esta demanda fez parte de um conjunto de aes da categoria que ado-tou a questo da sade dos seus trabalhadores como um tema importante e que deve ser debatido, refl etido e investigado. Em 2002, o sindicato esta-beleceu parcerias com Centros de Referncias em Sade do Trabalhador do Estado de So Paulo e Ministrio Pblico do Trabalho; em 2003, criou um ncleo de sade no sindicato que passou a ouvir queixas de trabalhadores quando detectam o chamado sofrimento do trabalhador, especialmente nas funes de monitor ou agente de apoio tcnico e de coordenadores de turno ou de equipe.

    Este sofrimento adoecimento tambm pode ser evidenciado em um levantamento dos benefcios concedidos pelo INSS a funcionrios da Fe-bem, no perodo de 1998 a 2002, demonstrando que 60% dos diagnsticos relacionavam-se a quadros de transtornos mentais (DRT/SP, 2003).

    Os dados acima so corroborados em levantamento realizado junto ao CRST da Mooca, entre os anos de 2003 a junho de 2005, onde os quadros de transtornos mentais representaram 65% do total de atendimentos rea-lizados a funcionrios da Febem, com nexo ocupacional (CRST Mooca, 2005).

    Para efetuar a pesquisa, foi constitudo um grupo de trabalho multi-disciplinar e multi-institucional a fi m de que se investigasse aspectos li-gados organizao do trabalho dos monitores e coordenadores de turno e no se limitasse apenas ao levantamento formal dos cumprimentos das Normas Regulamentadoras de Segurana e Medicina do Trabalho (NR`s),

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    formado por tcnicos da DRT, CRST da Mooca (Municipal), Cerest/SP e Fundacentro.

    Assim, optamos pela realizao de um estudo com uma abordagem qualitativa que nos ajudasse a entender porqu e como os trabalhadores adoeciam aps algum tempo de comearem a desenvolver atividades pro-fi ssionais na Febem.

    Quando falamos em Febem automaticamente pensamos em rebelies, em crianas, menores, direitos humanos etc. Lembramos das diversas manchetes de jornais, da violncia, mortes, torturas etc. Quem lembra do trabalhador? Quem pensa aquele servidor como sujeito a uma poltica da instituio e que pode criar, entrar em e resolver confl itos? Quem poderia pensar em ter de mudar o seu local de moradia em funo do medo e de per-seguies reais feitas pelos menores aos monitores? Quem poderia imagi-nar que um trabalhador leve uma mala com roupas para uma instituio e fi que disposio dela por um perodo de at 15 dias, vinte e quatro horas por dia? Como se concebem situaes deste tipo?

    Nas prximas pginas estaremos mostrando vrias situaes, muitas absurdas, esdrxulas pelo simples fato de existirem e por ocorrerem em ambientes de trabalho. Samos, ento, do papel de telespectadores das noticias das rebelies realizadas pelos meninos na Febem veiculada pela mdia, deixamos o espao do senso comum para sentir a dor deste traba-lhador que at ento era tratado como um vilo. Passamos a enxerg-lo como um trabalhador realizando uma atividade que poderia, dependen-do de suas condies e de sua organizao, ser responsvel pelos ndices alarmantes de dor, de sofrimento, como os que j foram citados.

    No pretendemos dar conta do universo de complexidade que envolve a instituio Febem. Tampouco transformar viles em anjos e vice e versa. Pretendemos sim, com este estudo, desvelar, retirar o vu que encobre es-tes cidados: como pensam, sentem e agem os monitores e contribuir para a compreenso dos fatores que podem levar ao seu adoecimento.

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    2 Objetivos

    Portanto, os objetivos perseguidos so: conhecer as condies de tra-balho e queixas de sade dos monitores ou agentes de apoio tcnico e coordenadores de equipe da Febem nas unidades de internao em re-gime de privao de liberdade do circuito fechado; compreender como a organizao de trabalho dos monitores e coordenadores podem levar ao adoecimento; identifi car as dinmicas da relao sade e trabalho, fontes de risco para a gerao de sofrimento mental; e analisar quais as repercus-ses da atividade para a sade destes trabalhadores.

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    3 Metodologia

    Nosso objeto de estudo se relaciona com a afetividade, com a vivn-cia, os sentimentos, os prazeres, as emoes suscitadas pelas experincias concretas decorrentes das situaes no mbito do mundo do trabalho rea-lizado no espao das unidades da Febem, pelos seus servidores.

    Para apreender o signifi cado deste tipo de trabalho, do trabalhador que mantm contato com os internos/infratores acolhidos pela Febem, op-tamos por uma pesquisa onde prevalecem a no rigidez, a diversidade de tcnicas e a relao entre pesquisador e sujeitos.

    Quando nos referimos no rigidez, queremos dizer da necessidade do pesquisador estar atento e aberto s diversas informaes, oportu-nidades e direcionamentos para o qual pode ser levado a partir e durante o desenvolvimento da pesquisa.

    Buscando olhar o objeto de estudo por vrios ngulos, utilizamos v-rias tcnicas para coleta de dados no perodo de maio a dezembro de 2004, tais como:

    Levantamento bibliogrfi co.Levantamento documental (documentos do Sintraemfa, documentos da Febem, matrias de jornais etc.).Visitas em unidades de internao (UIs) da capital com fotografi as das instalaes (ver quadro a seguir):

    1 Observem que o objeto de trabalho do monitor ou agente de apoio tcnico o menino carente ou infrator, privado de liberdade.

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    Complexo/Unidade Data Perodo

    Nmerosde Internos

    GrauInfracional

    Complexo Tatuap

    UI 7 24/03/2004 tarde primrio mdio e grave

    UI 12 12/04/2004 tarde 128 (3 mdulos) diferentes graus

    UI 17 26/04/2004 tarde 62 (4 mdulos) primrio grave

    UI 19 10/03/2004 manh

    Complexo Vila Maria

    UI 3 9/06/2004 tarde 97 (3 mdulos) reincidentes graves

    ComplexoRaposo Tavares2

    UI 37 e 38 15/12/2004 manh primrio grave

    Visitas a setores administrativos da Febem da capital: Setor de RH, NUSMT (Ncleo de Segurana e Medicina do Trabalho), PROAPS (Programa de Acompanhamento Psicossocial), Centro de Estudos de Formao Profi ssional (treinamento) e lavanderia do Complexo do Tatuap.Entrevistas individuais.Cinco encontros com grupo de trabalhadores realizados em local neu-tro, primeiro nas dependncias do CRST da Mooca e depois fi nali-zando no Cerest/SP em dias e horrios previamente agendados com o grupo que contou com a presena de at 05 trabalhadores do sexo feminino e masculino, monitores e coordenadores de turno com pouco e muito tempo de funo e de casa (Febem), de diferentes unidades de internao e dos diferentes complexos. A solicitao dos pesquisadores era para que falassem sobre a sua atividade de trabalho: o qu e como fazem. Demos nfase tambm s questes de sade. Estes encontros foram gravados em fi tas K-7.Aos entrevistados foram garantidos o sigilo e o anonimato de suas identidades.Transcrio e anlise das entrevistas - as entrevistas foram transcri-tas pelas pesquisadoras e lidas. Vrias foram as escutas das fi tas K-7, anotando as impresses e comentrios de cada tcnico e em grupo. A partir destas leituras, foram agrupadas em temas e subtemas e poste-riormente analisadas.

    2 Acompanhando Ministrio Pblico do Trabalho Federal.

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    4 Febem: um pouco de sua histria

    A Febem de So Paulo, uma instituio de 32 anos (1973), teve sua ori-gem na Funabem Fundao Nacional do Bem-Estar do Menor criada em 1964, ligada ao Ministrio da Justia, destinada a atender crianas aban-donadas e infratoras.

    O tratamento dado aos menores infratores e carentes era pautado pela Poltica Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM). Esta poltica era base-ada no cdigo de menores de 1927, que previa o encarceramento, os milita-res pretendiam conter a criminalidade por meio do controle da populao marginalizada, dentro do esprito da doutrina da segurana nacional.

    Foi esta a poltica que fundamentou a criao da Fundao Paulista de Promoo Social do Menor Pr-menor em 12/12/1973. Em seguida, a Pr-menor se transformava em Febem.

    Anos depois, passou a integrar o Ministrio da Previdncia e Assistn-cia Social, tentando substituir a punio e o controle pelo assistencialis-mo, considerando a criana uma vtima da sociedade e propondo que a sociedade estivesse envolvida no seu atendimento (Vilhena, 1989).

    Nascida sob a represso da ditadura militar, a entidade vive em crise permanente marcada por violncia e encarceramento nos grandes comple-xos. Trocou de presidente mais de 60 vezes e alvo freqente de denn-cias por parte do Ministrio Pblico Estadual, tornando-se muito citada em relatrios de entidades ligadas aos direitos humanos.

    As vrias administraes geram uma descontinuidade de polticas e a partir da dcada de 80, com a posse de governos democrticos, crticas so colocadas sobre a efetividade da institucionalizao dos adolescentes em questo, propondo-se a substituio deste modelo de atendimento criana e ao adolescente por instituies abertas de atendimento na comu-

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    nidade, com a fi nalidade de integr-los comunidade (Vilhena, 1989), e suscitando a pergunta: a Febem deveria ser extinta?

    Um dos problemas detectados so as suas instalaes fsicas, ou seja, a superlotao de suas unidades. Segundo reportagem do Dossi Febem, ... desde a sua Fundao, a Febem, jamais teve uma poltica de longo prazo para a construo de novas instalaes para os menores... A montagem da estrutura fsica comeou de fato em 1976: so dessa poca os complexos de Raposo Tavares e de Imigrantes. J em 76, o primeiro presidente da insti-tuio, Joo Benedicto de Azevedo Marques, j enfrentava os pesadelos da superlotao e da rebelio que tiraria o sono dos governadores do futuro. A Febem nascia superlotada.

    A instituio passou por difi culdades com a mudana paulatina do perfi l do menor atendido na fundao, de menor carente ou abandonado a menor infrator, segundo fala dos dirigentes sindicais do Sintraemfa, sem adequao da estrutura.

    Outra grande mudana ocorreu na instituio em virtude da criao e implantao do ECA pela Lei n 8069/90, em 13 de julho de 1990, sen-do este um marco que transformou crianas e adolescentes em cidados, sujeitos de direitos e deveres, contando com prioridade absoluta nas pol-ticas pblicas (ECA, 1990). A Febem, entre essas instituies, deveria im-plantar tal modelo de forma a facilitar o cumprimento de seus objetivos, protegendo a criana.

    Tal estatuto props, entre outras coisas, regras para a institucionalizao da criana e do adolescente infrator, que serviriam para nortear a organiza-o e as aes das instituies que atendem a esta realidade. (ECA, 1990).

    Atualmente, a Febem no estado de So Paulo, que j h algum tempo fazia parte da Secretaria da Educao, passou a fazer parte da Secretaria de Estado da Justia e Defesa da Cidadania, trazendo de volta o antigo confl ito: punio ou educao? E desta forma, como veremos mais adian-te, estimulando perfi s de trabalhadores, e seu jeito de trabalhar.

  • 19

    O Trabalho dos Monitores na Febem

    5 Estrutura da Febem

    Segundo informaes do stio da entidade, atualmente a fundao atende 18 mil crianas e adolescentes de 12 a 18 anos no estado de So Paulo, autores de atos infracionais, estando divididos em unidades por idade e grau de infrao de acordo com o ECA3 e inseridos em programas socioeducativos especfi cos como:

    Atendimento inicial: programa que presta o primeiro atendimento a 100% dos adolescentes a quem se atribui a autoria de ato infracional no estado de So Paulo.Internao provisria (circuito fechado): programa destinado aos ado-lescentes infratores, antes da recepo da sentena.Internao (circuito fechado): programa de atendimento privativo de liberdade para adolescentes infratores com sentena judicial.Semiliberdade: programa destinado a adolescentes infratores como forma de transio para o meio aberto. O adolescente trabalha e estuda fora da instituio devendo voltar tarde para dormir em sua unidade de origem.Liberdade assistida (circuito aberto): o adolescente e sua famlia so acompanhados por assistentes sociais e psiclogos durante um perodo determinado.O circuito fechado (privao de liberdade - internao), conta com 77

    unidades no estado de So Paulo, abrigando cerca de 6 mil e 800 adoles-centes, um nmero que se altera dia-a-dia.

    3 As informaes contidas neste item foram levantadas atravs do site www.febem.gov.br. No entanto, adiante observaremos que a entidade no cumpre o que determinado pelo ECA.

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    5.1 Unidades de internao (circuito fechado) de So Paulo e Grande So Paulo:

    Complexo Tatuap: Av Celso Garcia, 2001 Belenzinho.Unidades: 18 unidades de internaoComplexo Brs: Rua Domingos Paiva, 68 Brs.Unidades: 3 unidades de Internao (UI), 3 Unidades de Internao Provisria (UIP) 1 Unidade de Atendimento Inicial (UAI):

    Rua Piratininga, 51 Brs.

    Complexo Raposo Tavares: Rodovia Raposo Tavares Km 19,5 Jardim ArpoadorUnidades: 6 unidades de internao (UI),Complexo Vila Maria: Av. Condessa Elizabeth Robiano, 450 Vila Ma-riaUnidades: 4 Unidades de Internao (UI)Complexo Franco da Rocha:Unidades: 3 Unidades de Internao (UI)1 InternatoItaquaquecetubaUnidades: 1 InternatoInternatosUnidades: 2 femininas e 2 masculinas

    5.2 Unidades do interior:Total de unidades: 15 unidadesMunicpios: Araatuba, Araraquara, Bauru, Campinas, Iaras, Lins, Ma-

    rlia, Mogi-Mirim, Ribeiro Preto, So Carlos, So Jos do Rio Preto, So Jos dos Campos, Sorocaba.

    5.3 Unidades do Litoral:Total de unidades: 2 unidades Municpios: Guaruj e So Vicente

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    6 Resultados

    Os resultados das anlises das entrevistas realizadas identifi caram grupos temticos que sero apresentados a seguir, sendo todos em relao ao monitor: A. Ser monitor, B. O monitor e a Febem e C. Sade.

    6.1 Ser Monitor

    O trabalhoDefi ne-se como MONITOR ou AGENTE DE APOIO TCNICO aquele

    trabalhador da Febem que convive de perto, no ptio, com os menores in-fratores, dispensando-lhes uma ateno total e segundo eles prprios sua responsabilidade proteger o menino, proteger sua vida.

    Sua admisso ou entrada na fundao pode se dar atravs de contrata-o (CLT) ou por concurso pblico. Para os contratados por CLT, determi-na-se o perfi l, dependendo do complexo onde iro desenvolver suas ativi-dades. Para trabalhar no circuito grave/gravssimo, o perfi l dever ser de algum com caractersticas de liderana, agressividade e postura fi rme perante os meninos a fi m de manter o controle destes e da unidade.

    A questo do controle dos meninos e da unidade por parte dos mo-nitores uma fala recorrente e mais que uma fala, uma preocupao constante, demonstrando a existncia de uma tenso e um dos confl itos mais srios, envolvendo o monitor e a conseqente defi nio do papel do monitor pela Fundao: a sua postura de educador ou de contendor que se explica perfeitamente se formos verifi car a histria e o contexto em que a Febem foi criada.

    Aps concurso, os monitores ingressam na fundao e se inserem no quadro de pessoal como monitor I, segundo o Plano de Cargos, Carreira e Salrio, percebendo um vencimento bsico de R$ 797,00; R$ 992,14 para Mo-

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    nitor II e R$ 1.215,09 para o nvel ou monitor III, o qual teria como critrio de incluso ter pelo menos dois anos na funo de monitor.

    Segundo informaes de dirigentes sindicais, mesmo atualmente, aps a existncia de concurso, alguns monitores que deveriam ser enquadrados no plano de carreira no nvel I so enquadrados no nvel III em funo de favorecimentos e apadrinhamentos polticos.

    Ao coordenador de equipe, cabe uma comisso no valor de R$ 301,65. Estes trabalhadores percebem uma Gratifi cao de Regime Especial GRET equivalente a 30% do seu vencimento bsico. Como benefcios tm garan-tido por lei o auxlio transporte, auxlio alimentao ou vale com folha no valor de R$ 8,00 no tendo mais cobertura de plano de sade. Trabalham em regime de escala de 2X2, trabalhado 2 dias com jornada de trabalho de 12 horas, folgando 2 dias completos e consecutivos, sendo este o esquema para o perodo diurno e para o noturno.

    O perodo noturno costuma ser referido como um prmio para o moni-tor que trabalha nele, pois alm de receber o adicional noturno (um acrs-cimo fi nanceiro), garantido por lei, seu contato com o adolescente ser diminudo em funo das poucas horas em que o menino permanece no ptio no perodo da noite, uma vez que eles tm horrio defi nido, por volta das 21:30 horas, para dormir4. Desta forma, noite sempre os mais an-tigos, porque a noite como se fosse um prmio, o cara antigo, vai indo para a noite. Ento, uma promoozinha que voc recebe porque eles no do outro meio de vida pra pessoa, no tem outros cargos... Se eu for um cara bem visto, quiser dar aquilo como prmio, manda ele pra noite. Aqui j temos um elemento importante que pode surgir em decorrncia do contato do monitor com o adolescente, ou seja, a evitao, evitar per-manecer muito tempo prximo ao adolescente como um fator de proteo sade. um tipo de postura do monitor perante o menino.

    Assim, comeamos a vislumbrar um aspecto do trabalho do monitor que em geral o desgasta a longa jornada de trabalho com o menino in-frator durante o perodo diurno no ptio indicando que o seu objeto de trabalho se constitui em um fator de preocupao, de tenso, de risco para a sua sade ou para acidentes de trabalho. Segundo alguns monitores, as poucas horas do monitor ao lado do jovem no perodo noturno, no se

    4 Quando a fundao solicita, atravs dos diretores e coordenadores das unidades, os monitores podem ou no fazer horas extras, sendo esta uma questo muito discutida e grande geradora de sofrimento, como veremos mais adiante.

  • 23

    O Trabalho dos Monitores na Febem

    constituem em impedimento para o adoecimento do monitor, mas estres-sa bem menos.

    No perodo diurno, o monitor est em contato constante com o adoles-cente, por um perodo de at doze horas, e de dia o monitor no pra, um caos, podendo desde jogar domin at ser refm destes mesmos me-ninos quando eles viram a casa5. Desta forma, a atividade desenvolvida durante o perodo diurno solicita do monitor uma dosagem extra de ener-gia e disponibilidade para lidar com o constante contato, reivindicaes, solicitaes, afetos, pensamentos e atitudes dos jovens.

    Segundo os monitores, os meninos no tm limites e aqueles tm que impor. Os infratores desenvolvem inmeras prticas na sua relao com o monitor com o objetivo de conseguir alguns favores. Este aspecto ser mais detalhado quando falarmos do monitor e do menino.

    Podemos j neste ponto, no incio de nossa anlise, perceber que as solicitaes do menino com relao ao monitor ou as solicitaes deste para desenrolar a sua jornada de trabalho denota um nvel alto de exign-cias e disponibilidades afetivas por parte do mesmo, especialmente nas condies em que estes trabalhadores costumam ingressar no quadro de pessoal da Febem.

    O menino solicita o monitor constantemente, pedindo um cigarro, pe-dindo uma caneta, pedindo um tnis, pedindo a camisa do monitor, pe-dindo o relgio do monitor etc. Em geral estes pedidos so acompanhados de posturas ameaadoras por parte dos jovens, ou seja, dar um apavoro ou dar um psico no monitor para que ele faa o que o menino quer uma prtica constante e os monitores referem que no podem ceder, tm que dizer no, pois se cederem uma vez, podem at levar drogas, celulares etc. Observem que existe uma luta constante, uma tenso, um confl ito, rela-es de poder e medo, muito medo.

    O monitor contratado (CLT) ou concursado ter que se submeter a um treinamento ou capacitao que o habilite a obter conhecimentos para lidar com os infratores.

    No entanto, a capacitao, quando existe, de apenas trs dias, sendo que nesta no h espao sufi ciente para se entender e aplicar o Estatuto da Criana e do Adolescente; e normalmente os cursos so raros e sem continuidade:

    5 Virar a casa signifi ca iniciar rebelio.

  • 24

    O Trabalho dos Monitores na Febem

    No h capacitao para o acompanhamento do menino em ativida-des externas nem nenhum tipo de treinamento em defesa pessoal.

    Comentrios de dirigentes sindicais e dos coordenadores dos cursos indicaram a existncia de uma resistncia no trabalho a cursos e treina-mentos, especialmente entre os monitores antigos. O que se comenta que a verdadeira capacitao do monitor se faz no dia a dia no ptio e que no existem cursos capazes de transmitir o contedo vivenciado por eles na relao com os meninos.

    Normalmente h a busca de um modelo de sucesso no trabalho entre os prprios monitores, havendo a valorizao do funcionrio de carreira, ou seja, daquele que aprendeu e que comeou de baixo6, que amassou o barro com os meninos, para que este tipo de funcionrio passe a sua experincia para os monitores novos.

    Como o preferido, este modelo de sucesso deixa-nos perceber a exis-tncia de outras prticas que no so muito aceitas pelos monitores como os apadrinhamentos e as contrataes emergenciais.

    Um aspecto a se considerar seria o treinamento dado a monitores re-cm-admitidos pelos experientes selecionados dentro da prpria Febem.

    A questo da capacitao/treinamento dentro dos padres do ECA de grande importncia por esta ser a lei mxima a reger as questes relativas a estas faixas do desenvolvimento humano.

    Segundo os monitores, existe grande desconhecimento e um descum-primento desta lei por parte da Febem, criando situaes de risco de aci-dentes de trabalho e doenas ocupacionais entre os monitores.

    Tais profi ssionais apontam que o ECA veio redefi nir as atitudes e com-portamentos tanto dos meninos como dos monitores, colocando um limite para a ao destes ltimos e consentindo tudo para os meninos.

    O principal problema ocorreria pelo descumprimento do ECA pela prpria instituio, destacando a no diviso dos adolescentes por idade, porte fsico, grau infracional e a superlotao das unidades.

    Uma das coisas que se observa, e a entra a questo da gesto de go-verno, que eles no seguem de fato o estatuto porque se seguissem, se-riam o ponto chave, a ferramenta para todos trabalharem.

    6 Comear de baixo. Esta experincia funciona como um fator de proteo, garante a prpria vida e favorece o trabalho pedaggico. Ao contrrio, o funcionrio novato implica em inexperincia e risco para a prpria vida.

  • 25

    O Trabalho dos Monitores na Febem

    (...) agora entra de novo a questo da fundao, porque a fundao blefa aonde ela tem que trabalhar com o ECA, porque se ela usasse o ECA direitinho, ela teria separado por unidade, por idade, por grau de crime. Entendeu, por BO, hoje ela s trabalha com o ECA pro lado do funcion-rio, quando o funcionrio tem um probleminha ela pega o ECA e esfrega na cara do funcionrio e fala, tem que fazer isso aqui, mas as condies de trabalho que nos fornece so essas a.

    Porque a populao que t l pesada, as casa superlotadas, no exis-te separao por idade, faixa etria, no existe acomodao para todos, material de higiene t faltando, condies pedaggicas inexistente, ativi-dades esportivas esto fazendo, mas tendo muita briga entre os menores, existe grupo rival, faces criminosas.

    Quando o ECA no cumprido, o menino colocado em situao de risco de vida, porque em uma mesma unidade so colocados grupos de faces rivais. O monitor, em sua funo, deve proteger o interno, o mais fraco e o mais forte, alm de conter o mais forte.

    (...) quando faz uma unidade em Sorocaba, voc s tem uma unidade para abrigar os primrios mdios, os primrios graves, os reincidentes mdios e os reincidentes graves. O que acontece? Voc teria que ter no mnimo quatro pavilhes ou quatro unidades separadas, que o correto, pra voc abrigar esses diferentes graus infracionrios e tambm fazer a distribuio por compleio fsica. Quer dizer, bom por um lado que est perto da famlia, mas por outro lado terrvel porque voc vai lidar com o mais fraco, com o mais forte, tudo ali junto, a presso interna da coisa.

    (...) agora na minha opinio a forma de se evitar colocar por faixa et-ria, a proporcionalidade do grau infracional, tem que ser igual tambm e quarto com menos gente, esse quarto com 5 pessoas um crime (...) Cinco, seis, isso quando no tem sete, s vezes tem sete, num quarto que para atender dois adolescentes.

    Outra questo observada pelos trabalhadores que a defi nio do grau infracional evidenciando a primeira passagem do adolescente na Febem nem sempre caracteriza, de fato, o incio de sua vida infracional, o que acarreta em mais um complicador para o desempenho de suas atividades, porque existem diferenas entre os adolescentes dentro de um mesmo grau infracional.

    uma mistura sabe (...) muitas vezes a gente conversa, a gente senta, bate papo, a gente, n! Tem um menino, por exemplo, dentro da minha

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    unidade, no que ele um santinho (...), que ele t entrando, ele t entran-do sim, pela primeira vez, mas aquele menino, voc conversando e vendo o perfi l dele, at alguns deles a gente conhece do bairro, que ele j tem l seus 2 ou 3 homicdios.

    Observa-se na fala dos trabalhadores, quando o assunto o ECA, que existem dois pontos de vista. O primeiro defende o cumprimento do ECA, como forma de auxiliar e nortear o trabalho scio-educativo dentro das unidades. O outro ponto de vista faz uma crtica ao Estatuto, enfatizando que este deve ser alterado e apontado que o ECA serve para o menor ca-rente e no para o menor infrator, deixando como questo a ser discutida se existiria de fato a possibilidade da criao de uma legislao que con-temple, entre outras coisas, as diferenas entre os adolescentes.

    Desta forma, deparamo-nos com uma grande queixa por parte dos monitores que se sentem excludos pelos Conselhos Tutelares, Ministrio Pblico que, frente a uma denncia, tm uma viso unilateral, sem pre-ocupao ou cuidado de ouvir tambm o monitor, ou seja, se o menino disser que foi torturado por um determinado monitor prevalece a fala do menino para tomada de posio com relao ao monitor. Assim, muitos so processados legalmente por crime de tortura. A reivindicao neste caso seria que estes rgos e entidades ouvissem de igual forma os traba-lhadores-monitores.

    Sabe-se que os meninos que se encontram na Febem esto em situao de confl ito com a lei, o que trs como desafi o para a instituio como lidar de forma clara e objetiva com os limites.

    Mas, enfi m, qual a funo do monitor ou agente de apoio tcnico?

    Segundo os prprios monitores, sua funo principal proteger o me-nino de si prprio e dos outros meninos (grupos rivais: sangue bom e se-guro), mesmo que tenha que colocar em risco a sua prpria vida, lidando constantemente com o confl ito, com a ameaa.

    Muito embora defi nam a sua funo da forma acima referida, apontam que por parte da Fundao, no h defi nio do seu papel, a Febem nun-ca falou o que quer da gente. Este tipo de postura por parte da instituio leva criao de dvidas, tendenciosidades, alm de tenses entre o gru-po e confl itos.

    Acrescido a isto, solicita algumas atitudes e posturas dos monitores, tais como a tarefa de conteno com o uso de medidas disciplinares, o uso de abordagens duras e rgidas, beirando mesmo violncia, bem como

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    uma postura de educador, criando j a partir da um terreno propcio ao desencadeamento de confl itos e tenses nos prprios monitores, entre eles e, tambm, entre estes profi ssionais e os meninos.

    A fala abaixo de um coordenador de equipe aponta uma destas ten-dncias:

    ... o nosso papel hoje de educador, ns no estamos ali pra correr atrs de menor em fuga, ento vamos evitar at onde ns pudermos. Abriu a porta, comeou a correr, deixa correr porque se voc correr atrs, ele bater a cabea no cho e morrer, voc vai responder pelo processo, melhor voc responder o processo com ele vivo do que com ele morto. Tem vigilncia, tem o choquinho pra poder correr atrs, tem a PM, tem os vigilncia, tudo faz esse papel. O nosso papel l at ento de educador, se eles nos enquadrarem com estilete eu dou a chave e deixo ir embora. Esse um conselho que eu passo pra minha equipe de funcionrios: no deixo ningum ir pro confronto, no peite o estilete porque bobeira.

    Precisamos, portanto, deixar claro que atitudes severas por parte dos monitores ocorrem por imposio da administrao da entidade em de-terminados perodos. Como denuncia o Sitraemfa, existe uma correlao entre posturas severas, segurar a casa, ou seja, no permitir a ocorrncia de rebelies durante perodos que precedem eleies.

    Segundo levantamento efetuado em documentos, os monitores teriam como funo:

    Auxiliar na recepo e no atendimento das crianas e adolescentes, atravs dos cuidados com a higiene, alimentao, sade e orientao, favorecendo um clima de acolhida, proteo e segurana.Acompanhar a conduo e o atendimento das crianas e adolescentes nos recursos de sade, educao, trabalho, cultura e lazer oferecidos pelas polticas sociais pblicas ou privadas e seu retorno famlia e comunidade.Participar na elaborao e execuo do plano de trabalho educativo que envolve atividades de lazer, esporte, cultura e outras, visando ao aten-dimento integrado da criana e do adolescente.Estabelecer vnculo de confi ana, respeito e responsabilidade com a criana e o adolescente, estimulando seu desenvolvimento integral e oferecendo o apoio necessrio superao das difi culdades percebidas.

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    Utilizar os recursos disponveis que possibilitam o levantamento de dados e informaes sobre as causas determinantes da situao de des-proteo social ou de suas condies de desenvolvimento.Estimular e facilitar para a criana e o adolescente a compreenso de sua estria pessoal e dos processos dos quais participam.Favorecer em todas as atividades a socializao das crianas e adoles-centes, estimulando sua expresso como sujeito individual e social.Aplicar corretamente os procedimentos de segurana no mbito interno e externo Instituio, com vistas a preservar a integridade fsica e mental da criana e do adolescente.Acompanhar com seguridade a conduo dos internos nas sadas ex-ternas, tais como: audincias junto ao poder judicirio capital e inte-rior ministrio pblico, delegacia de polcia etc.Acompanhar diuturnamente a criana e o adolescente internados em pronto-socorro e hospital.Auxiliar na previso, organizao e controle dos materiais disponveis para as atividades.Conservar a limpeza, iluminao, ventilao as condies ambientais adequadas s atividades educacionais e outras.Zelar pelo uso adequado dos materiais em geral e dos recursos utiliza-dos nas atividades educativas.Participar de processos de educao continuada oferecida pela institui-o, objetivando sua capacitao e desenvolvimento profi ssional.

    Segundo os prprios monitores, desenvolvem algumas tarefas que tm como objetivo manter a rotina, o que de certa forma indica que eles esto controlando a unidade, apesar das dvidas que sentem na defi nio do que a Febem espera deles. Entre estas atividades as principais so:

    Pagar banho acompanhar o banho dos meninos, dividindo-os em grupos pequenos, de acordo com o nmero de chuveiros; controlando o fl uxo de gua e o tempo para cada turma.Pagar faxina acompanhar o planejamento e execuo da faxina feita pelos meninos.Pagar janta acompanhar o horrio da janta, observando os meninos, pois esta uma situao onde em geral h a possibilidade de acertos de contas entre os meninos, como por exemplo, o pagamento de dvidas em troca de comida.

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    Pagar hora de dormir acompanhar os adolescentes at o momento em que esto instalados em suas camas e quartos.Pagar UDM (escola) acompanhar os meninos escola, bem como a evoluo do perodo de aula.Efetuar rondas noturnas/robocoops as rondas noturnas so efetua-das quando os menores j esto recolhidos para verifi cao de alguma ocorrncia dentro dos quartos. Esta verifi cao feita atravs dos ro-bocoops portinholas pequenas existentes nas portas dos quartos.Efetuar rondas diurnas circular nas dependncias das unidades e alas para verifi car se h ocorrncias.Efetuar contagem dos meninos nas trocas de plantes em toda troca de planto efetua-se a contagem dos meninos para certifi car-se de que no houve fuga etc. Vale salientar que a fuga de um menor pode impli-car um processo judicial para o monitor.Leitura do livro de registro de ocorrncias neste livro esto anotadas as situaes que ocorreram no planto anterior: se houve tumultos; se foram feitas naifas etc. Aponta o andamento e a situao da unidade.Recepo do menino na unidade - observar como est chegando e como o grupo de meninos ir receb-lo para depois encaminh-lo para a ala adequada.Fazer revista na unidade - busca de armas escondidas, camufl adas etc.Fazer revista nos familiares dos meninos durante as visitas esta tarefa implica srios riscos para os monitores. Exemplo, se um familiar tentar entrar na unidade com drogas e for pego durante a revista, o menino respectivo fi car sabendo e tentar vingar-se do monitor que realizou a revista e possibilitou at deste familiar.Realizar a conteno do menino. Exemplo, neutralizar o menino du-rante rebelies desarm-lo, impedindo agresses.Controlar as rebeliesOrganizar atividades recreativas e esportivas - futebol, domin, dar aulas, convnios com vdeolocadoras para aluguel de fi tas VHS, com-pra de bola com rateio feito entre os prprios monitores etc. Estas ati-vidades so realizadas por iniciativa dos prprios profi ssionais, pois percebem os aspectos positivos das atividades para os meninos. Eles se tornam mais calmos, alm de obterem a sua cooperao.Evitar que os meninos sejam maltratados por outros meninos (ex. es-tupro). A superlotao das unidades favorece este tipo de prtica espe-

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    cialmente a noite quando esto recolhidos para dormir, sendo imposs-vel para o monitor impedir tal prtica mesmo que realize as habituais rondas.Os monitores tambm so submetidos revista cada vez que entram e saem do complexo.O monitor tambm desenvolve outras atividades e tarefas extras que

    podem ocorrer ocasionalmente e que fazem parte da trajetria de vida de qualquer pessoa, inclusive da vida do menor infrator, tais como:

    Acompanhar ao PS (pronto-socorro)/ hospitalLevar ao juizAcompanhar mudana de unidadeEfetuar a desinternao do meninoAcompanhar o menino em velrioLevar ao dentistaLevar ao psicoterapeutaA realizao de atividades externas pelos monitores implica diversos

    riscos para a categoria, incluindo o de fuga dos meninos e a culpabilizao dos monitores. Segundo um dos coordenadores de turno, ao escolher o monitor que vai acompanhar o menino, fundamental que este seja mais experiente, pois eu levo o melhor funcionrio que eu tiver no planto. Por qu? Se esse funcionrio mais despreparado for pro PS e esse menino tentar uma fuga, conseguir uma fuga, quando voltar esse funcionrio pro ptio, todos os meninos vo pra cima desse funcionrio: Ei fulano? Ah, o menino fugiu. Voc cria dentro da unidade uma vlvula de escape para o menino. Ah assim? O menino pode simular e falar: Opa, a nossa cara, a gente sabe como vai conseguir fugir dessa unidade. Tem uma brecha.

    Observamos, pois, que todo o trabalho desenvolvido com os meninos tem em cada ao dos coordenadores de equipe e dos prprios monitores uma sutileza que pressupe alguns princpios como no abrir possibilida-des de fuga para os meninos, neste caso. De uma forma geral, tomam-se muitos cuidados para no abrir precedentes para os meninos em quais-quer que sejam as situaes.

    Sair com o menino da Febem exige uma certa dose de coragem e de f em Deus, pois no o podem algemar, nem tampouco conduz-lo na viatura de polcia, usam a da Febem, no vo em duplas (como deveria ser) e tambm no usam armas. Como no tm recursos ou mecanismos de segurana

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    que possam ser acionados, os monitores e monitoras apelam para Deus quando precisam acompanhar algum menino em atividade externa.

    Apesar disso, como mostra a fala acima, os monitores relatam que possvel trabalhar bem, com uma equipe em que haja confi ana entre os trabalhadores e experincia no trabalho, favorecendo uma postura do mo-nitor que impea o menino de criar situaes de fuga, impasses, tumultos, confl itos, tenso e medo.

    O aspecto educacional e teraputico da medida socioeducativa em um regime de privao de liberdade relatado como cada vez mais fragi-lizado, diminudo, frente a uma crescente realizao da esfera da seguran-a papel de conteno para lidar com o adolescente neste ambiente de insegurana.

    Quando o monitor desenvolve um trabalho de reforo, a diretora ti-nha dado o aval, foi indo, foi indo, foi perdendo o espao, perdendo... a teve algumas rebelies, j serve de motivo. Faz o seguinte, vem pra c, va-mos recolher esses meninos, vamos reduzir um pouco esse reforo, abrir mo, tem pouco funcionrio (...).

    O resultado disto a viso do trabalhador de que a instituio realiza um trabalho pedaggico muito tmido com os adolescentes.

    Eu te digo mais. Esse trabalho era to perfeito, ns tnhamos um pe-dao l que a gente plantou uma horta e nessa horta (...) era legal porque a visita vinha l nessa horta. A gente liberava, o menino ia at l nessa horta com a visita (...) isso a refl ete. A visita sai com um sorriso sabe e o fi lho fazia questo de falar: Olha me esse canteiro aqui eu que plantei, me eu que estou irrigando aqui!.

    Existem tentativas, por parte dos monitores, de introduzir alguns tra-balhos pedaggicos que normalmente so desconsiderados e ridiculari-zados pelos prprios colegas: (...) mesmo esse cara o maior madeira, levar CD de Rap pra rapaziada.

    Os fracassos nas aes propostas so inmeros, fazendo com que os prprios meninos olhem com descrdito para qualquer promessa ou iniciativa.

    (...) isso pra valer senhor? (referindo-se a uma nova atividade/rotina que seria desenvolvida com eles).

    Dentre as tarefas externas, uma das mais arriscadas e complicadas re-ferida pelos monitores ter de acompanhar o menino a velrio:

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    (...) quando esse menino chega l que ele se depara, dentro do cemit-rio, ali vai estar a famlia dele e vai estar os comparsas dele. Na maioria das vezes esto os comparsas. A probabilidade desse menino voltar zero vrgula alguma coisa. Depende da cabea do menino, se ele quer voltar ou no, porque se esse menino no quiser voltar, tchau.

    Observem que os riscos para o monitor so inmeros e graves, pois se encontra sem proteo, contando apenas com a sua experincia e a con-fi ana da relao dele com o menino. Para se proteger lana mo de al-guns recursos:

    Voc tem que ter ele na sua viso, de vista, mas no d pra voc se-gurar o menino num momento desse. Primeiro que se voc mostrar essa insegurana de segurar o menino, os comparsas dele vem l e voc pode oferecer risco pra tua prpria vida. Eles vm e te intimidam. Voc est ali enquanto acompanhante, deixe o menino vontade, deixe ele vontade. Se voc puder conversar com a famlia dele, melhor ainda porque voc pode tentar cativar a famlia dele e falar: olha, faz com que ele volte. Cha-mar a famlia dele como parceira, pra ajudar o retorno porque tem fam-lias que at ajudam No, voc tem que estar l e tal. Sua mezinha est aqui, mas voc vai, faz direitinho. Tem famlia que nos ajuda. Tem outra famlia que no est nem a, que quer mais que ele fuja.

    Ento, o monitor experiente faz questo de desenvolver uma boa rela-o com o menino e com a sua famlia, se houver uma, e em tais situaes usa estas qualidades a seu favor e tambm a favor do menino, para que ele no fuja e no cometa outro delito.

    Mas, alm disso, tambm se protege dos comparsas dos meninos, que ao sentirem insegurana por parte do monitor, vo tentar intimid-lo. Vale salientar que nesta tarefa, a Febem fala que tem que ter dois monitores, mas isso nunca acontece.

    Quanto realizao do almoo do monitor, encontramos um grupo que almoa e outro grupo que no almoa. O grupo que almoa pode op-tar por: sair das unidades para realizar as refeies em bares, lanchonetes ou restaurantes localizados prximo ao seu local de trabalho, levar mar-mita de casa e almoar na unidade ou, ainda, comer a sobra da refeio dos meninos, por falta de dinheiro.

    No outro grupo, o que no almoa, temos monitores que no levam almoo de casa e tambm observamos aqueles que no podem usufruir do seu horrio de almoo em funo da existncia de tumultos, rebelies

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    ou quando a unidade est com baixo nmero de monitores e a sada de alguns fragilizaria o planto e sobrecarregaria ainda mais os outros mo-nitores que permanecem na unidade.

    interessante observar os monitores no ptio, onde no existe uma re-gra para a disposio destes nas diversas unidades dos vrios complexos, confi rmando a fala que dentro da Febem existem vrias Febens, ou seja, o funcionamento das diversas unidades pode ser bastante diferenciado: po-dem estar juntos observando os meninos, destacando-se um para atender de perto as suas solicitaes; podem tambm estar em pequenos grupos de monitores ou em grupos de monitores com meninos, por exemplo, conver-sando, jogando domin, jogando bola. Alguns monitores podem ser vistos isolados, sentados; outros em p, em plena atividade, fazendo ronda.

    A equipe de trabalhoO monitor trabalha em equipe, em geral pequenas equipes com outros

    monitores, que tambm permanecem no ptio, sendo liderados pelo coor-denador de turno ou de equipe. Estes trabalhadores so, em grande maio-ria, do sexo masculino, mas tambm encontramos monitoras. Segundos os prprios monitores existe:

    O bom monitor ou sangue bom que gosta de estar inserido, de estar se movimentando, assume as atividades de maior responsabilidade (por experincia ou por competncia); um funcionrio alerta e pode de-sempenhar rotineiramente a funo do coordenador. Alm disso, esta postura propicia que o menino solicite o monitor, cujo comportamento inspira confi ana aos outros monitores e aos meninos.O mau monitor ou o acomodado quando escolhe a tarefa pega os me-lhores servios, privilegia-se, faz coisas mais leves, sobrecarregando os outros monitores; indisciplinado e expe a equipe; egosta, arrogante, autoritrio (s dizem no ao menino). No que diz respeito ao relaciona-mento com o menino, v-lo como inimigo, humilha-o e compete com ele (... deviam passar fome, o governo est dando muito para voc...).Segundo os prprios monitores, este tipo de conduta se d em funo

    do monitor ser uma vtima do sistema ou porque nunca foi orientado na Febem.

    De acordo com dirigentes sindicais, este tipo de monitor estaria em ex-tino, pois so visados pelos meninos e quando h rebelio o primeiro a fugir.

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    A MonitoraO nmero de monitoras, bem pequeno quando comparado ao nme-

    ro de monitores, havendo excluso delas por parte dos colegas de traba-lho, incluindo monitores e coordenadores de turno.

    Quando h contagem dos monitores, contam-se apenas os do sexo mas-culino, ou seja esquecem de contar as do sexo feminino e, segundo os mo-nitores, este esquecimento se deve valorizao da fora fsica no papel de conteno solicitado constantemente pela instituio.

    H diviso de tarefas segundo o sexo. Para o feminino, so destinadas tarefas culturalmente defi nidas como femininas, ou seja, organizar faxina, levar escola, mexer com as roupas dos internos. Neste ltimo caso, che-gam a fi car muito tempo da jornada de trabalho nesta nica atividade.

    As monitoras se defendem e dividem as opinies. Para algumas delas, a monitora conversa mais com os meninos, tem mais jogo de cintura e se-guram situaes que os monitores homens no seguram, podendo evitar situaes de violncia entre os meninos.

    Outras expressam sua preocupao com o olhar dos meninos, utilizan-do um tipo de avental que cobre mais o corpo do que a bata cedida pela Febem. Ambos so usados como uma proteo, uma tentativa de no ex-por seus corpos, sendo uma forma de ter uma postura no ptio, isto , ter o respeito dos meninos e dos colegas de trabalho o que se faz em funo de aes realizadas no dia-a-dia.

    A Organizao do Trabalho na EquipeCada equipe de planto desenvolve seu jeito de trabalhar, buscando

    cuidar para controlar o que desorganiza e desestrutura o trabalho. Ten-ta manter uma conteno simblica, garantindo a rotina e preservando a sade e segurana. A equipe envolve os monitores propriamente ditos e os coordenadores de turno.

    Trabalhar em equipe signifi ca para os monitores trabalhar em sincro-nia, falar a mesma lngua que o colega, olhando todos na mesma direo, o que garante um bom dia de trabalho e a manuteno da sade, da vida e da dignidade do monitor.

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    A boa equipe de trabalho defi nida por uma boa comunicao entre os monitores, o que os impede de fi car vendido no ptio7 e bater cabea8, por estarem em sincronia no ptio e confi arem uns nos outros. Estes ltimos aspectos garantem segurana no trabalho.

    Trabalhar com quem se confi a, poder dar as costas ao colega sem re-ceios, faz parte de um conjunto de experincias, de uma troca de vivncias obtidas no dia a dia, que do a certeza de que o seu colega ir garantir e dar cobertura em qualquer situao para a qual no se esteja atento. Estes pontos fortalecem a equipe e impedem a interferncia da cunha dos me-ninos, pois estes percebem a fragilidade das equipes e tratam de acentu-la para obter ganhos.

    Mas, observamos tambm equipes de trabalho que no so considera-das boas e nestas encontramos monitores que so privilegiados na diviso das tarefas.

    Temos, portanto, aquele monitor que fi ca cacifado, ou seja, que passa a ser identifi cado por fazer apenas uma atividade, realizando rodzio nas tarefas. Temos ainda aquele que d uma de cego e no se compromete, seja com o menino, seja com os prprios monitores.

    Podemos incluir aqui aquele monitor j referenciado e defi nido como um mau monitor ou monitor acomodado. Para estes trabalhadores, o gru-po pode congelar esta postura, no considerada adequada e que prejudica o trabalho desenvolvido pela equipe.

    Coordenadores de Turno ou de Equipe o lder dos monitores e responde ao diretor da unidade. Tem como atri-

    buies uma srie de tarefas que tm como objetivo garantir o andamento das atividades dos monitores, como:

    Gerenciar as demandas dos monitores.Resolver confl itos dos monitores.Defi nir e dividir as atividades dos monitores.Participar do dia a dia do monitor ( uma referncia para o monitor).Dar retaguarda para a equipe.

    7 Signifi ca, na linguagem do monitor, no saber o que est acontecendo entre os meninos.8 Fazer coisas diferentes das que foram combinadas em funo de difi culdades de comunicao entre coordena-dores e monitores e entre monitores e monitores.

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    Coordenar aes fundamentais para evitar rebelies, tais como:A hipervigilncia, inspeo (dar uma geral, tirar arma branca).Circular nas alas para ver indcios.Manter a equipe informada.

    Coordenar as principais aes em situao de pr-rebelio, tais como:Ligar para o diretor.Acionar a vigilncia (deixar em alerta).Tirar as mulheres de cada ala.Tirar os demais funcionrios.No fazer alarde entre os meninos.Fechar as portas.Chamar a vigilncia.

    Tambm entre os coordenadores, os monitores distinguem dois tipos de lideranas: o bom coordenador e o mau coordenador.

    Bom CoordenadorTambm chamado de coordenador participativo ou de carreira9 apre-

    senta como caractersticas o fato de:Conhecer a equipe e com isso saber relacionar as exigncias de cada tarefa com o perfi l de cada monitor.Ter uma experincia que respalda o seu trabalho.Manter a equipe unida e equilibrada.Falar a mesma lngua dos monitores.Desenvolver trabalho no ptio junto aos meninos.

    Mau CoordenadorDenominado tambm de coordenador omisso ou coordenador contra-

    tado ou de sala10 o oposto da descrio do coordenador participativo, no distribuindo as tarefas entre os monitores, no promovendo a integrao da equipe e, portanto, sobrecarregando mais uns que outros, causando desconforto, desconfi ana, intrigas, alm de sobrecarga no trabalho. Se-gundo os prprios monitores, ele permanece distante e quando participa, atrapalha.

    Os funcionrios tm panelinha de fazer hora extra, tem panelinha de confi ana....

    9 Coordenador de carreira aquele que possui experincia na funo; que comeou de baixo.10 Estes coordenadores, em geral, so contratados por indicaes polticas, no conhecem a realidade do monitor ou dos meninos da Febem, permanecem em suas salas e no desenvolvem trabalho algum no ptio, podendo a sua presena e liderana gerar at srios confl itos e expor a vida de todos.

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    A rebelioEste um dos acontecimentos limtrofes com o qual o monitor obri-

    gado a lidar: a rebelio. Esta situao provocada, organizada, planejada e executada pelos menores expe todos os monitores da Febem a uma condio de risco extremo de serem feitos refns, de agresses violentas e de morte.

    Alm destes riscos, os trabalhadores, aps terem vivenciado uma rebelio, possivelmente apresentaro, em um primeiro plano, sintomas de estresse ps-traumtico e em outros planos podero sofrer srias mudan-as na sua postura profi ssional, bem como implicaes sobre continuar ou no trabalhando como monitor na Febem.

    Como surge ento uma rebelio? Quais fatores ou condies propiciam a sua ecloso? Quais os seus objetivos?

    Segundo os prprios monitores, a rebelio, tem diferentes nuances e fa-cetas. sem dvida uma situao extrema, quando as formas de controle objetiva e subjetiva j no encontram continncia e nem tampouco surtem efeito: O jeito virar a casa, ou seja, tomar o controle, desorganizar, des-truir, queimar, extrapolar todas as barreiras, mesmo que o preo seja a prpria vida.

    Apesar desta desorganizao e destruio, em geral elas tm objetivos bem defi nidos: rebelies so organizadas para disputa de grupos rivais; para agredir os funcionrios (para zuar o funa11, na linguagem do meni-no), em geral bem defi nidos anteriormente em funo da relao deste com os meninos e de sua postura no ptio; para dominar a casa12 ou para fugir.

    Os monitores experientes identifi cam algumas situaes e momentos em que pode emergir uma rebelio:

    Nos fi nais de semana ps-visita (a ausncia desta pode fazer os meni-nos se rebelarem).Na hora do almoo ou jantar, momento em que muitas vezes so reali-zadas as cobranas entre os grupos rivais.Quando existem poucos funcionrios de planto, fazendo com que es-tes fi quem fragilizados. Neste caso, muitas vezes h dissimulao de brigas entre os meninos para dividir a ateno dos funcionrios em nmero j reduzido.

    11 Funcionrio.12 Unidade.

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    O tumulto entre os meninos em alguma unidade de internao que pode se transformar em uma rebelio.Os monitores apontam alguns indcios ou pistas de que a casa vai virar

    e que os meninos esto planejando uma rebelio. Este conhecimento uma experincia no trabalho, um fator de proteo e de segurana para os monitores, bem como previne que a rebelio de fato venha a ocorrer.

    A casa desandada13, nas mos dos meninos com a conivncia do dire-tor paga pau14 e de monitores sem uma postura fi rme, pode abrir prece-dentes para troca de favores, como levar celular, e at drogas para dentro das unidades, favorecer a ausncia de rotina e a resistncia a esta rotina por parte dos meninos.

    Alm disso, outros indcios so descritos como: o uso da touca ninja15; o bater grade16; o fi car cochichando em grupos; o cantar em grupo para dissimular o rudo da confeco de armas brancas (estiletes, highlan-der17 etc); a retirada dos parafusos das trancas (usados para produo de armas), alm de um esprito de rebelio, uma tenso que sentida no ar e a gota dgua que faz a coisa desandar. Todas estas dicas, se percebidas pelo monitor, da a importncia da experincia, do funcionrio de carreira e da valorizao do saber do trabalhador pela administrao da unidade, podem prevenir tragdias como as que tm sido noticiadas com freqn-cia nos ltimos meses de 2004 e primeiros de 2005.

    Quando a rebelio eclode ou mesmo um tumulto, exigem-se do moni-tor posturas de conteno dos meninos e do movimento. Se h experincia por parte do coordenador de turno e dos monitores, as providncias toma-das sero no sentido de retirar do ptio e da unidade todos os monitores e monitoras, trancar as portas e chamar os vigilantes, o choquinho18 ou mesmo a tropa de choque para conter o movimento sem que os meninos percebam suas intenes.

    No entanto, apesar das providncias tomadas e de se chamar o refor-o, o choquinho nem sempre atende a solicitao de imediato e a as

    13 Designa situao na qual o controle da unidade est nas mos dos meninos, impedindo a execuo da rotina.14 o diretor que negocia o seu cargo. aquele diretor que compra pizza e coca-cola do dinheiro do bolso dele para os meninos para garantir que a casa no vai ter rebelio. Ele negocia com os pilotos, com as lideranas da casa.15 Essas toucas imitam as toucas dos ninjas e so feitas com as blusas dos meninos.16 bater nos ferros, assustador, nossa terrvel. Comeam a fazer todos ao mesmo tempo... O funcionrio, Nossa Senhora... Ele j fala: Virgem rebelio.17 Arma feita com os ferros dos bancos e das camas de alvenaria dos meninos.18 Uma tropa de choque formada por servidores da prpria Febem. Um reconhecimento da instituio da existncia da violncia.

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    conseqncias do atraso so as agresses, a destruio, as fugas etc. E em vrias ocasies, exige-se do monitor, em sua atividade de trabalho, o uso da violncia para a conteno do menino. Esta uma questo sria e complexa, pois este mesmo monitor do qual se exige uma postura de con-teno, pode ser demitido por justa causa em funo desta exigncia aps o fi nal da rebelio.

    Quando o movimento apenas de tumulto, monitores e coordenado-res experientes controlam a situao no grito. A primeira coisa fi car de p, se estiver sentado; bater a cadeira no cho e gritar: pra, pra. Aps o controle da situao, forma-se todos os meninos no ptio, s de coruja19 e d uma lio de moral neles.

    Quando cessa o movimento, algumas aes so seguidas, tais como: o menino no vai para a escola (cessam as atividades); formam todos no p-tio; mapeiam os meninos (separar as lideranas do movimento) e do uma lio de moral (o resgate dos meninos). a hora de retomar a casa20.

    As rebelies muitas vezes tm saldo bastante negativo, tanto para meninos como para monitores, sejam por agresses, acidentes de traba-lho, bitos etc. Pode ocorrer tambm a culpabilizao do funcionrio e o afastamento de grande nmero de monitores de uma mesma unidade motivado por doena ps-rebelio, por demisses por justa causa ou por demisso espontnea.

    Segundo os monitores e coordenadores de grupo, para se prevenir re-belies poderiam ser utilizadas estratgias tais como: separar em grupos (por idade, por delito, por lideranas), objetivando tirar o poder deles, aliando desenvolvimento de um trabalho pedaggico e articulando estas aes com a equipe de trabalho.

    Os monitores so tomados por sentimentos e emoes contraditrias quando em situaes de tumulto, agresses ou de rebelies. Pensando em termos da teoria do estresse, verifi ca-se claramente o estado de alerta que disparado a partir de um estmulo de perigo e as reaes de fugir ou de lutar.

    Eu devia ter uma semana de Fundao, mas est registrado at hoje na minha mente. Essa experincia foi assim: eles fi zeram a, o ato da rebelio pra poder chamar a ateno dos funcionrios e em paralelo, eles pegaram

    19 Cueca.20 Colocar ordem na unidade e retomar as rdeas da situao.

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    um menor que tinha isqueirado contando uma inverdade a respeito do outro e massacraram esse menor. Tem um lado interessante: massacraram e eu simplesmente corri l no meio deles, tirei o moleque do meio, o mole-que j todo ensangentado, socorremos o menor, enfermaria, PS.

    Este monitor foi questionado vrias vezes quando da entrevista a res-peito dos seus sentimentos e emoes relacionados a rebelies. Notava-se uma grande difi culdade apesar de ter o fato registrado na mente.

    O monitor fi ca desesperado tambm quando se trata de rebelio feita para acerto de contas entre os prprios internos e interfere mesmo sem conhecer sufi cientemente a dinmica e leis dos internos, como o caso do monitor na fala acima.

    O monitor sente medo, vivendo impasses entre ir at o local do tumulto e correr o risco de ser refm e no atender o chamado do colega e deix-lo ser refm.

    E quando eu deparei com a primeira rebelio, aquela coisa horrorosa, sangue no percurso, o menino com um rodo para descer na cabea do fun-cionrio, a primeira coisa que eu fi z que era para defender o patrimnio, a televiso, o vdeo cassete, fui pra cima do primeiro adolescente que eu peguei na minha frente que tava com o rodo pra bater em cima do funcio-nrio. J derrubei esse adolescente, j neutralizei ele.

    Desta forma, o monitor convive com a idia da rebelio, do tumulto, da agresso durante todo o tempo em que est na sua unidade de trabalho e mesmo quando est fora dela ou da Febem, ou seja, nas suas folgas. Como disse um monitor entrevistado uma guerra de louco, quer dizer, se eu estou trabalhando em um lugar e eu acho que o menino vai a qualquer momento em cima de mim, eu vou dizer que ele tem de fi car com as mos pra trs a vida toda. Por qu que tem de fi car com as mos pra trs? Quando voc chama o menino pra vir conversar, vem com as mos pra trs por qu? Porque na medida em que ele chegasse, comear a conversar com ele, se ele vier mal intencionado e quiser te pegar, ele est com a mo pra trs, se ele tentar levantar j deu tempo de voc segurar a mo dele. uma questo de defesa.

    Este sentimento de violncia, de defesa, de briga e de confronto est presente em vrias situaes e ultrapassa os muros da Febem interferindo diretamente na vida pessoal, familiar e, mais ainda, introduzindo um ele-mento novo que um processo de desumanizao do ser humano, uma

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    espcie de embrutecimento, de afastamento dos sentimentos como solida-riedade, amizade e respeito. Vejam as falas adiante:

    O monitor questiona o seu prprio trabalho e a forma de tratamento dispensada aos meninos. Quando fala dos meninos, estabelece uma re-lao entre a sua forma de trabalhar e a conduta dos meninos, como se uma fosse impossvel de se desvencilhar da outra, ou seja, ao exigir que os meninos andem de cabea baixa, com as mos pra trs, esto indicando um caminho de revolta e no de recuperao e ao mesmo tempo defi nin-do que a sua forma de trabalhar exige a defesa: ... quando os meninos saem de uma unidade dessa que ele passou l no Brs, por acaso caiu na Unidade de Recepo, a ele vem pra UI 7 com quatorze, quinze anos, quando chega, que no assim, o menino est todo desequilibrado: tem de por as mos pra trs, tem de baixar a cabea pra falar com o senhor? O menino fi ca na dana do crioulo louco. Assim, como o menino, o monitor tambm fi ca na dana do crioulo doido, agindo de forma desorganizada e agressiva.

    Outra fala de um monitor que menciona algum ponto de tenso, de confl itos tanto para meninos como para monitores: ... quando eu fui tra-balhar na Febem eu me deparei com uma realidade que uma realidade muito triste, que a realidade do sistema n. naquela poca, a Febem era, era muito dura, certo, ela era uma disciplina bem rgida, n,... a uma disciplina muito dura, onde as pessoas, onde, onde o indivduo, tanto o indivduo por parte do grupo de funcionrios n, cometesse algum lapso, alguma... demonstrasse algum tipo de fraqueza era punidos, quanto os adolescentes tambm n, tinha punio de colocar em quarto, de isolar, e sabe e assim era um pessoal muito duro, um pessoal assim bem, que demonstrava pouca sensibilidade n, o pessoal gritava, falava alto, batia no peito entendeu, sabe....

    Parece-me que podemos dizer que monitores e meninos esto submeti-dos s mesmas regras, sendo que posicionados em lados diferentes, sentin-do possivelmente muitos medos.

    Devemos ressaltar que o sentimento de medo existente entre os moni-tores transparente e inconfundvel em cada fala deles. Fazendo refern-cia ao medo da rebelio, o monitor assim coloca:

    Existe um fantasma na cabea dos funcionrios da Febem. Esse fantas-ma criado como se fosse assim, como se fosse uma pregao de um chefe imediato: ns somos segurana, ns somos tudo, ou seja, tem que bater na

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    mente toda hora. Isso aqui conteno, conteno, conteno logo se probe quase de tudo ou tudo. Ento tem muita essa linha que a linha da alta preventiva que falam, da severidade que falam. Ento assim, esse tipo de atitude ela vem causar o seguinte: ou voc enquadra que nessa linha da esperteza absoluta de que piscou voc j tem de estar de unha e dente, agarrando, segurando e contendo e no d espao, no tem que dar espao. Isso eu acho que vai martirizando a prpria pessoa que chega uma hora que ela est to desgastada nem que aconteceu nada durante o dia, mas o esprito dele trabalhou a mil. O monitor um vigilante, ento vigia-se, no deixa fugir, est nos postos, olha-se, observa-se todo os lados. Eu acho que cria at uma parania que muitas vezes at a casa est tranqila, no est tendo ameaa, sinalizao nenhuma ali e o cara est com aquele esprito, est com aquele esprito, d at a impresso que tem cara construindo na imaginao dele a rebelio antecipada e sem ter motivo pra vira.

    E o medo, a parania, como diz o monitor to sabiamente em sua fala, no surge do nada, surge de exigncias da atividade de trabalho, surge tambm de um processo histrico em que a Febem se insere quando da sua criao, ou seja, do rano da ditadura militar. Entre tantos medos, o de ser excludo pelo grupo de trabalho um aspecto que merece destaque.

    O diretor no pegava na minha mo, no me cumprimentava, pou-cos colegas me cumprimentavam. A eu ento falei: estou numa situao difcil. Ento eu comecei a mudar o meu jeito de ser, comecei a fi car ruim que nem eles, comecei a fi car duro que nem eles, eu comecei a enr ecer e largar a minha humanidade e sanidade pra poder enr ecer e fi car junto com os, desculpa a expresso, junto com os mano n, ento assim houve essa mudana, pra mim foi difcil ....

    A necessidade de se adequar ao grupo de trabalho, de manter o vn-culo empregatcio, fazendo com que o monitor se adequasse, rompesse barreiras internas para se adaptar ao que pediam dele, leva a mudanas bruscas e rompimentos, seja com posturas, seja com pessoas com as quais se relacionava antes de ingressar na Febem, antes de se tornar monitor. Observem, a fala abaixo:

    Eu comecei a mudar a minha posio, o jeito que eu lidava com a situao, comecei a mudar e a virar o linha dura e soltar o bicho solto que tem dentro, soltar o bicho que tem dentro de cada um, t certo? , Cada um tem um ser que a gente guarda n, reserva, s vezes a gente solta, ento eu comecei a soltar esse ser para fora e a comecei a ter problemas dentro de casa, porque a minha me j no me conhecia mais, tinha uma

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    namoradinha, me largou tambm e a comeou uma srie de fatores n, aconteceu e eu virando o bicho solto voc acaba lidando ali...depois que voc, voc muda seu jeito de ser, voc percebe que as pessoas comeam a te valorizar.

    Uma outra fala dos monitores aponta a rebelio como uma ocasio em que o monitor recm-chegado sente realmente o que trabalhar nas uni-dades de internao da Febem, ou seja, o contato real de fato com a vio-lncia objetivada, concreta. Observem a fala do monitor:

    Trs meses depois peguei uma rebelio... O saldo disso foi um pouco trgico pra quem estava h trs meses ali. Ns conseguimos dominar a re-belio, um grupo de 120 adolescentes, ns conseguimos controlar aquela rebelio no ptio... Em dado momento, o menino veio e me deu um murro aqui no nariz e eu passei a mo e comeou sangrar. Eu falei, pra mim no d mais. Ento, eu aprendi assim, no dia a dia. A foi o meu resgate, foi o meu resgate. A desconfi ana que tinham com relao a minha pessoa, olha pode ser um cagueta, quando viram que eu fui pra cima dos me-ninos, quando viram que eu tive a coragem de intervir, defender meus colegas agora, era um grupo pequeno e os meninos esto machucando os funcionrios, a falaram: o rapaz, voc gente boa, a gente vai contar com voc de agora pra frente. Tira a desconfi ana que tinha de pilantra. Esse cara a gente pode contar, ele no vai abandonar o barco, ele no vai correr. Na fundao assim, voc tem que comear a trabalhar, comear a produzir, pro pessoal falar: OPA, esse no est contra ns.

    Mostrar trabalho, fazer parte do grupo, o resgate do monitor diante do grupo, ser aceito pelo grupo como algum com quem se pode contar para situaes de confronto, de luta.

    O meninoTrabalhar com os meninos ou com o menor infrator um dos te-

    mas que surgiu a partir das entrevistas e anlise, pois se constitui no obje-to de trabalho do monitor, com os quais lidam durante o desenvolvimento da atividade.

    Diferentemente de outras ocupaes, nesta atividade o objeto de tra-balho o ser humano, criana ou adolescente, em regime de privao de liberdade em funo de haver cometido algum tipo de infrao. Portanto, estamos falando de um objeto de trabalho extremamente complexo, regido pelo ECA, o qual garante proteo, moradia, alimentao, educao etc.

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    21 Trabalho.22 Em um assalto ou algo equivalente.

    Portanto, o menino ao qual nos referimos, pode variar desde aquele que roubou uma laranja at aquele que j cometeu diversos homicdios. So menores que muitas vezes nasceram em famlias cujos temas sobre violncia e criminalidade eram uma regra e a partir da incorporaram e estruturaram um sistema de idias, de sentimentos e aes condizentes com a violncia e com o crime.

    O que o senhor ganha em um ms de trampo21, eu ganho em uma fi ta22 que eu fao, senhor.

    Fazendo referncia a este sistema de idias, pode-se tomar como exem-plo, a linguagem usada pelos meninos, como um instrumento que os distingue dentro da sociedade, conferindo a este grupo uma identidade prpria.

    Sobre o uso da linguagem dos meninos, os monitores tm diferentes opinies. Alguns acham importante usar a mesma linguagem dos me-ninos, porque assim conseguem se comunicar melhor com eles, alm de propiciar maior aproximao, o que facilitaria seu trabalho.

    ... vocs tm dois jeitos de conseguir convencer adolescentes a fazer o que voc quer, um deles a porrada , t sendo realista, um deles a porrada n, ou voc chega no cara no vai o que eu quero no no e pum pum e o outro idia, e para trocar idia, me desculpa, o indivi-duo precisa falar a linguagem do adolescente seno ele no consegue con-vencer, me desculpe t certo, o indivduo se adapta pra poder conversar com o adolescente n, e poder n, chegar e falar assim, vou falar vou falar uma linguagem assim mesmo, ento p rapaz o negcio o seguinte, meu irmo, voc precisa ir l, voc no pode fi car fazendo tipo de coisa acontecer e tal, porque voc sabe que de repente voc vai fi car mal na fave-la, porque o bicho vai pegar pro seu lado, os irmo vai tudo te engrupir e tal, voc tem que saber que conversar com o cara, o que eu acabei de falar com vocs foi o seguinte, ou voc faz isso ou ento voc vai fi car mal com o resto do pessoal e pode at ser prejudicar, ou fazer uma coisa assim mas que de repente....

    Outros criticam essa postura, alegando que usando esta linguagem do sistema prisional estariam contribuindo para a no reinsero destes sociedade, alm de no se diferenciarem nas suas funes perante os me-

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    ninos, especialmente em aes que implicam estabelecimento de regras e disciplina.

    Ns estamos tendo um problema com um rapaz... Ele estudante de direito. Ele agente de apoio tcnico na Febem n, ele t h um ano na Febem, mas infelizmente t tendo um problema, porque ele falou que ele no vai falar na linguagem dos meninos. Eu falei: voc t completamente correto, voc no vai falar na linguagem dos meninos, mas pra voc con-seguir trocar idia com esses meninos voc vai precisar falar na lingua-gem deles, mas se eu for falar na linguagem deles eu vou perder a minha linguagem culta. Ele est sendo tirado, e realmente ele fi cou sem entrar na unidade, depois que ele entrou na unidade foi botado de novo pra fora, depois entrou de novo foi botado de novo pra fora e depois o diretor falou olha meu... O diretor falou que ele vai ter que se adaptar n, e os meni-nos tm esse negcio de preconceito mesmo, tm preconceito mesmo o almofadinha n.

    No usar a mesma linguagem usada pelos meninos, no falar a lngua deles se constitui em um problema para o monitor porque ele termina sendo tirado23 pelos meninos e torna-se alvo fcil de perseguies dentro e fora da unidade tanto pelos meninos quanto pelos colegas de trabalho, uma vez que est desarticulando uma forma de trabalhar, de se manter monitor.

    Os meninos exigem uma postura, ele quer que o monitor seja n, des-culpa a, malandro. Ele quer que o monitor seja malandro n, pra trocar idia, o menino no quer conversar com monitor que no tem, vou falar na linguagem deles, no tem a voz da cadeia n, a voz da cadeia assim: o monitor fala e todo mundo ouve, ele chama a voz da cadeia, chama a voz, aquele homem a voz, ele no quer conversar com aquele monitor n que no a voz da cadeia, que por ter uma linguagem culta, aquele l a vtima dele, a vtima muitas vezes a vtima.

    Neste aspecto parece haver uma cumplicidade entre monitores e meni-nos que revela que o monitor que no seguir as suas normas vai ser exclu-do do grupo pelo prprio grupo de monitores, diretor e meninos.

    Toda esta forma de funcionar, o controle, o medo, o controle do medo implcitos nesta relao do monitor com os meninos e com a linguagem no espao de trabalho, traz uma srie de conseqncias, por exemplo, uma

    23 Ser alvo de chacotas; ser humilhado.

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    espcie de contaminao do monitor por este sistema de idias, pensa-mentos e sentimentos. Vejam abaixo:

    Durante as entrevistas algumas palavras24 foram utilizadas pelos mo-nitores, tendo representatividade na categoria, especialmente no dia-a-dia de trabalho, fruto deste contato com os meninos.

    O que pretendemos enfatizar aqui que o monitor ou agente de apoio tcnico, ao ingressar atravs de um concurso pblico para trabalhar como monitor, ir se deparar com inmeras situaes que antes no conseguiria imaginar. Estas situaes so descritas para que se entenda os riscos de aci-dentes de trabalho e de doenas ocupacionais a que esto expostos.

    Os monitores distinguem vrios tipos de meninos, cuja classifi cao abaixo dos prprios meninos, sendo esta uma forma de distinguir quem quem dentro do mundo da criminalidade e das unidades da Febem, o que pressupe uma posio e relao de poder entre os meninos e entre estes e os funcionrios. A defi nio de cada tipo de menino est colocada na fala de monitores experientes:

    A arma do bandido Os Jack ou gardenal viram a arma do bandido, o bandido tem eles como arma: Falou: t vendo aquele funcionrio ali?, ele fala: Ah t vendo, - D um murro na cara dele, - n n no, - chuu, eu t mandando, vai l e d um murro. Ele vai l e d um murro mesmo, eu j vi um fazer isso l na Febem .

    O Gardenal Ele no considerado, ele porra louca. gardenal por-que vai pro psiquiatra, porque ele meio doido da cabea, voc percebe que ele tem uma certa disfuno dentro do ptio. A maioria do gardenal tem uma disfuno ou muitas vezes, porque fez um crime patolgico, que nem um indivduo l na Febem, que matou o padrasto com a garrafa de cerveja. Ele pegou PUMM, bateu a garrafa de cerveja na cabea do pa-drasto e matou; o padrasto caiu no cho, ele foi l e cerrou o cara todinho, picotou o cara todinho com a serra.

    O Jack um menino que vai fazer um assalto, o menino que vai fazer alguma coisa em alguma casa, em algum lugar e de repente a vitima linda, maravilhosa, ele se encanta e d um be o na boca da vitima, ou en-to faz amor com a vtima. Na vila todo mundo fi ca sabendo e a aqueles bandidos daquela regio que da vila dele fi cam sabendo que ele foi fazer um roubo, um assalto, mas ele be ou a vitima, ele passou a mo na vitima,

    24 Estas palavras, seus sinnimos e signifi cados encontram-se no fi nal do texto.

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    ele estuprou realmente a vitima. O fato de estar por cima pra poder abusar de alguma forma.

    O Laranja o laranja o tradicional fi lho de pai de famlia, mas no entanto estava com um coleguinha que falou: vamos roubar ali um barato, vamos l? E vai l e rouba ou ento compra um produto roubado e pego e vai pra Febem.

    O Bandido menino que incluso em quadrilhas, vira militante de quadrilha. Ele de famlia boa, o pai e a me dele e tal, mas o menino levado pra dentro de um grupo organizado e armado. Ele levado para o grupo organizado por uma instituio criminal. L ele tem educao, o pessoal abraa ele, educa ele da forma que acha melhor e esse adolescente bandido. o menino que vai garantir l dentro a fama de bandido pra que l dentro, o grupo l fora tenha credibilidade. Ele precisa bancar, ele militante de um grupo, ento l dentro tem que garantir pra l fora ele ser considerado, porque l fora o menino tambm considerado, - oh te vi na Febem, oh ouvi falar de voc na Febem, voc um bicho dentro da Febem e tal. O cara j vai pra carceragem com os ttulos: - opa, eu sou bandido.

    O Piloto aquele menino que tem uma liderana dentro da unidade da Febem. Ele controla o horrio de acordar, de dormir, da refeio dos outros, inclusive o adolescente que d idia nos outros. Ele controla re-almente as atividades da casa e o diretor negocia com esses indivduos, entre as faces internas da Febem, ele negocia pra fi car bem, pra ele.

    O Seguro so infratores jurados de morte por outros infratores, po-dem ser Jack ou gardenal. Quando em situaes de rebelio o primeiro alvo para agresses ou acerto de contas do grupo rival.

    Observem que na defi nio dos tipos por parte dos monitores, h ba-nalizao da violncia, do sofrimento, traos muito ntidos de perverso e psicopatologias. com esta populao que o monitor vai trabalhar, pas-sando at doze horas seguidas, sentindo e sofrendo a repercusso das re-laes de amor e dio entre os meninos, entre os meninos e a Febem e entre os meninos e os prprios monitores.

    So muitos os aspectos que surgem na relao entre monitor e menino, entre ele destacamos algumas posturas e posies assumidas perante o menino:

    Pode parecer um tanto quanto piegas pensar na existncia de um afeto, de um carinho entre monitores e meninos em funo at do que se pro-

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    paga na mdia, mas este possvel e segundo alguns monitores fator de grande contentamento ter o menino infrator como um possvel amigo, levando o monitor a sentir saudades quando este menino desinternado. Portanto, referimo-nos a um tipo de atividade em que grande componente de afeto investido, estando envolvidos desejos, sonhos etc.

    Desta forma, a desinternao do menino pode ser um momento de so-frimento ou de alegria. Para aquele menino que, cumprindo seu tempo de internao, levado pelo monitor e recebido por sua famlia, isto pode ser um fator de contentamento.

    Quando ocorre de no se encontrar a famlia do menino ou quando este menino rejeitado pelos seus familiares, o monitor tem a difcil tarefa de levar o menino e volta unidade da Febem, alm de sentir junto com o menino toda a sua revolta e sentimento de rejeio. Segundo um dos dirigentes sindicais a gente absorve isso, a gente absorve.

    A confi ana entre monitor e menino tambm um aspecto positivo para ambos e pode ser observada em situaes extremas como o caso do menino em velrio de familiar. Atentem para a fala seguinte:

    No d pra fi car grudado no menino. Voc tem de deixar o menino. a confi ana que voc tem no menino. Se vai dar certo ou errado... Voc tem de deixar o menino. Voc tem que ter ele na sua viso, de vista, mas no d pra voc segurar o menino num momento desse.

    O contrrio tambm verdadeiro, ou seja, o menino visto pelo moni-tor como um possvel inimigo e nestas circunstncias o monitor chega a competir com os meninos (Ex.: ter um tnis de grife e exibir ao menino).

    Quando o menino sentido como uma ameaa, como um criminoso, muitas vezes tambm ele tratado assim. Chamar o menino de vagabun-do ou dizer para o menino que o Estado faz muito por ele, dando-lhe alimentao, roupa e local para dormir uma das formas de expressar essa animosidade.

    6.2 O Monitor e a Febem

    A viso do monitor sobre algumas polticas da instituioPolticas Gerais da InstituioAo fazer um histrico da instituio, o monitor relata aes que tiveram

    repercusses em seu trabalho, tais como a poltica da centralizao ocorrida

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    nos anos 90 que tinha como objetivo fechar unidades no interior e concen-trar seus internos em So Paulo, dando origem aos grandes complexos.

    A Febem comea a se estabilizar e comea a mudar a linha de constru-o das unidades e comea a construir as grandes unidades que chegou ao ponto que esto chegando hoje.

    Segundo eles, vrias estratgias foram tentadas com o intuito de mos-trar uma Febem de cara nova:

    (...) nessa mudana quando foi instalado o estatuto ainda no incio dos anos 90, que o governo Fleury na poca usou falando. Fechamos a Febem , fechou a grande unidade da Febem que era a UR (unidade de recepo) e hoje o presdio feminino. (...) Ento foi usado como marketing e na rea-lidade fechou uma nica unidade da Febem que era uma grande unidade, a UR.

    Dez anos mais tarde, conforme descrito pelos monitores, o que se tem so grandes complexos, semelhantes ao sistema prisional, inadequados para acolher adolescentes infratores reincidentes gravssimos, tendo que ser reformados mesmo antes de sua inaugurao, por apresentar fragili-dades em sua estrutura fsica.

    Em relao s estruturas fsicas da Febem, os monitores referem que vrias formas foram pensadas.

    A forma de construo do prdio, ela trs bastantes caractersticas para que se crie um barril de plvora. Na unidade em que ns tivemos no Tatuap, ela no uma unidade adequada ainda. Ela interessante por-que voc tem 120 meninos estruturados, mas que voc consegue separar em blocos de 40 e 40, voc tira o poder de fora da articulao.

    Tem umas coisas faranicas, que a gente no entende at hoje: pri-meiro inaugurou a 30 (referindo-se ao Complexo de Franco da Rocha), os meninos passaram alguns meses l, eu no me recordo quantos meses, fi zeram uma grande rebelio. No sei se j houve morte, alguma coisa assim e a Febem em cima disso, ela tentou readequar a 31, estava nova, ela j passou por uma reforma, nova, sem receber menino! (...) Readequao porque pressentiram que tinha uma coisa frgil na 30 (...) quebraram as camas de concreto l, j cataram os ferros para furar os funcionrios.

    Alm disso, os trabalhadores referem que as polticas so realizadas de forma cindida, sofrendo descontinuidades, sempre justifi cadas pelas medi-das emergenciais e improvisadas, tomadas aps episdios de tumultos e

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    rebelies, revelando que normalmente no h discusso dos confl itos pre-sentes nas situaes de trabalho e tambm que no se ouve o monitor nestes casos, o que seria importante uma vez que est direta e diariamente ligado ao menino.

    Esta falta de espao, de discusso ntida quando os monitores relatam que s agora, pela primeira vez aps 30 anos, discute-se a implantao de um Regimento Interno.

    (...) a prpria instituio politicamente l em cima quer voltar atrs de tudo que fez, quer limpar tudo que fez, limpar toda a sua barra e o que acontece a prpria instituio t fazendo com que esses indivduos fi quem... confundam no seu raciocnio sobre a forma de trabalho (...).

    (...) quando houve a mudana, a lei de tortura foi em 97 a Febem im-plementou a mudana da poltica que foi um novo olhar em 99, fi nalzinho de 98, que foi a mudana da poltica de atendimento, certo e a o que voc tem, voc tem toda a instituio voltando para uma outra poltica, uma poltica de atendimento democratizado, onde o adolescente se sentisse o mais confortvel possvel, se sentisse na sociedade pra discutir, debater e tudo mais, a Febem mudando todo esse foco e voc tem toda uma institui-o andando na linha dura.

    Outro aspecto apontado pelos monitores a ausncia de planejamento, tendo como resultado a realizao de poucas atividades preventivas, pois as atividades vo ocorrendo em funo de uma emergncia.

    Os trabalhadores relatam tambm a existncia de uma morosidade na operacionalizao das aes, citando-se como exemplo o atraso na entrada do choquinho e a falta de escolta policial para atividades externas.

    A criao do grupo denominado choquinho, por um lado, protege o monitor, tirando este da linha de frente no momento de rebelio. No en-tanto, sua existncia um reconhecimento institucional da existncia da violncia no espao de trabalho do monitor.

    Alm do que foi at aqui apontado, os trabalhadores descrevem tam-bm a Febem como uma instituio autoritria, com ausncia de canais de comunicao e rigidez das relaes hierrquicas, reproduzindo carac-tersticas das instituies pblicas: corporativismos, omisso, conivncia, troca de favores e clientelismo.

    A Febem em sua origem, ela autoritria demais: tomei essa deciso porque desconfi ei de tal coisa e cumpra-se e a minha parte, eu no expres-

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    so nada no fala nada, no tenho ponto de vista. A monitoria passa um pouco por isso. A Febem na sua lgica ela autoritria.

    (...) uma disciplina muito dura (...) o pessoal que trabalhava na Febem era um pessoal bem duro n, um pessoal assim bem, que demonstrava pouca sensibilidade n, o pessoal gritava, falava alto, batia no peito enten-deu, sabe (...).

    (...) ento era um ambiente muito machista e onde voc tinha pouco, pouca sensibilidade para poder ver se o outro tava sendo ou no prejudi-cado, pelo contrrio, quanto mais o outro se fodesse melhor porque a voc tava provando que voc tinha poder nas mos para poder fazer o que efeti-vamente voc quisesse. E na Febem tinha essa fi losofi a o mais forte aque-le que, que realmente consegue o que quer, n, o que quer tanto pro lado dos adolescentes, quanto pro lado dos funcionrios tambm, t certo?

    Tais polticas cindidas e sem planejamento, contribuem para a existncia de vrios estilos de administrao nas diferentes unidades e complexos.

    (...) eu queria s comentar que existem vrias Febems. Dentro do conjun-to da Febem, existem vrias Febems, antigamente e h at hoje ainda (...).

    (...) o culpado disso tudo, chama-se direo da Febem, governo do Es-tado, linha de uma unidade para outra unidade e a, a que paga o preo esse camarada, por qu? Ele vive isso, ele acha que est se saindo bem e para os olhos de alguma direo ele esto se saindo bem, porque o cara que diz que segura tudo, como heri no momento, mas quando o bicho pega mesmo, ele o primeiro a ser punido(...)

    A poltica vivenciada no interior das unidadesOs efeitos desta descontinuidade no trabalho, tambm so descritos

    pelos trabalhadores, ao referirem que existe ausncia de um trabalho de equipe bem articulado, no s dentro das unidades, mas dentro dos com-plexos.

    (...) Est acontecendo alguma coisa que foge um pouquinho do dia-a-dia, um ou outro coordenador chama uma reunio, mas uma rara exceo. A diviso da unidade at chama as reunies, mas ela costuma chamar s o planto da noite, s o planto do dia, difi cilmente chama os dois plantes.

    S que tem casa, que a direo vai pra um lado, o coordenador pro outro e os funcionrios vo cada um pra um lado, no sabe pra onde vo. Isso prejudica porque tem que estar em sincronia, principalmente pra

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    O Trabalho dos Monitores na Febem

    nossa segurana a gente tem que estar nessa sincronia, um olhando pelo outro e todo mundo olhando pelo mesmo lado, sem diferenas.

    Um exemplo dessa desarticulao o sentimento de que existe 1) um distanciamento da direo frente ao trabalho que est sendo desenvolvido pelos monitores no ptio; 2) a fi losofi a seguida por certos diretores (passar a mo na cabea do menino); 3) indi