o texto interpretativo

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 O texto interpretativo Pedro Celso Campos (*) 1. Embasamento teórico Para o racionalismo grego de Platão e Aristóteles, conhecer significa entender as causas. Não é possível conhecer sem pesquisar, sem estudar, sem se aprofundar, sem ter humildade diante dos fatos. Aquele que se considera dono da verdade acaba agindo como o califa que ordenou a destruição da biblioteca de Alexandria argum entando que ou os livros diziam o mesmo que o Corão, e neste caso eram supérfluos, ou então diziam algo diferente, e neste caso eram errados e perniciosos. A interpretação contida no texto reflete apenas o ponto de vista do autor sobre o assunto tratado. Segundo Umberto Eco (  Interpreta ção e superinterpr etação, São Paulo, Martins Fontes, 1993), "um texto é um universo aberto onde o intérprete pode descobrir infinitas interconexões". Ele acrescenta que "a linguagem é incapaz de apreender um significado único e preexistente. A linguagem espelha, pois, a inadequação do pensamento. Qualquer texto que pretenda afirmar algo unívoco é um universo abortado". Eco considera que "o leitor real é aquele que compreende que o segredo de um texto é seu vazio". Cita o paradoxo lingüístico formulado por Macedonio Fernandez: "Neste mundo faltam tantas coisas que, se faltasse mais uma, não haveria lugar para ela." Citado por Nilson Lage (1998), o jornalista americano Ivy Lee diz que "o esforço para apresentar um fato absoluto é simplesmente uma tentativa de alcançar o humanamente impossível; tudo o que eu posso fazer é dar a minha interpretação". A esse respeito, Nilson Lage conta uma historinha criada por outro jornalista americano, Derick Daniels, para mostrar como a interpretação é uma visão particular do fato: O padre, o geólogo e o vaqueiro contemplavam pela primeira vez o Grand Canyon: – Uma das maravilhas de Deus – disse o padre. – Uma das maravilhas da ciência – disse o geólogo. – Um lugar danado de bom pra criar gado – disse o vaqueiro. Se antes o que diferenciava os jornais era a "notícia-furo", hoje, com o conceito de furo e "segundo-clichê" esvaziado pelos meios eletrônicos da era digital, o que diferencia um bom jornal ou uma boa agência de notícias é a capacidade de seus profissionais para interpretar os fatos e ajudar o leitor a entender melhor a realidade à sua volta. Agindo assim o jornal cumpre sua principal missão, que é prestar serviços ao leitor. Como disse Eco, nada tem significado único, portanto cada um interpreta conforme seus referenciais ("o padre, o geólogo e o vaqueiro") sobre o contexto dado. É exatamente isto que diferencia o jornal, tirando-o da pasteurização monótona que o apresenta como um clone de outros tantos jornais do mesmo dia pelo país afora. É o próprio leitor – hoje muito mais exigente – que cobra do seu jornal preferido a melhor orientação sobre os fatos, confirmando a Teoria da Recepção, de Jauss (Hans Robert Jauss. A história da literatura como pr ovocação à teoria literária ", São Paulo, Ática, 1994), segundo a qual o receptor comanda o contexto de produção do discurso.

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  • O texto interpretativoPedro Celso Campos (*)

    1. Embasamento terico

    Para o racionalismo grego de Plato e Aristteles, conhecer significa entender as causas.No possvel conhecer sem pesquisar, sem estudar, sem se aprofundar, sem ter humildade diante dos fatos.

    Aquele que se considera dono da verdade acaba agindo como o califa que ordenou a destruio da biblioteca de Alexandria argumentando que ou os livros diziam o mesmo que o Coro, e neste caso eram suprfluos, ou ento diziam algo diferente, e neste caso eram errados e perniciosos.

    A interpretao contida no texto reflete apenas o ponto de vista do autor sobre o assunto tratado. Segundo Umberto Eco (Interpretao e superinterpretao, So Paulo, Martins Fontes, 1993), "um texto um universo aberto onde o intrprete pode descobrir infinitasinterconexes". Ele acrescenta que "a linguagem incapaz de apreender um significado nico e preexistente. A linguagem espelha, pois, a inadequao do pensamento. Qualquer texto que pretenda afirmar algo unvoco um universo abortado".

    Eco considera que "o leitor real aquele que compreende que o segredo de um texto seu vazio". Cita o paradoxo lingstico formulado por Macedonio Fernandez: "Neste mundo faltam tantas coisas que, se faltasse mais uma, no haveria lugar para ela."

    Citado por Nilson Lage (1998), o jornalista americano Ivy Lee diz que "o esforo para apresentar um fato absoluto simplesmente uma tentativa de alcanar o humanamente impossvel; tudo o que eu posso fazer dar a minha interpretao". A esse respeito, Nilson Lage conta uma historinha criada por outro jornalista americano, Derick Daniels,para mostrar como a interpretao uma viso particular do fato:

    O padre, o gelogo e o vaqueiro contemplavam pela primeira vez o Grand Canyon: Uma das maravilhas de Deus disse o padre. Uma das maravilhas da cincia disse o gelogo. Um lugar danado de bom pra criar gado disse o vaqueiro.

    Se antes o que diferenciava os jornais era a "notcia-furo", hoje, com o conceito de furo e "segundo-clich" esvaziado pelos meios eletrnicos da era digital, o que diferencia umbom jornal ou uma boa agncia de notcias a capacidade de seus profissionais para interpretar os fatos e ajudar o leitor a entender melhor a realidade sua volta. Agindo assim o jornal cumpre sua principal misso, que prestar servios ao leitor.

    Como disse Eco, nada tem significado nico, portanto cada um interpreta conforme seusreferenciais ("o padre, o gelogo e o vaqueiro") sobre o contexto dado. exatamente isto que diferencia o jornal, tirando-o da pasteurizao montona que o apresenta como um clone de outros tantos jornais do mesmo dia pelo pas afora.

    o prprio leitor hoje muito mais exigente que cobra do seu jornal preferido a melhor orientao sobre os fatos, confirmando a Teoria da Recepo, de Jauss (Hans Robert Jauss. A histria da literatura como provocao teoria literria", So Paulo, tica, 1994), segundo a qual o receptor comanda o contexto de produo do discurso.

  • Exemplo claro do bom xito dessa poltica de servio ao leitor foi o lanamento do jornal Valor, em 2001, destinado a interpretar o fato econmico, com impresso simultnea no Rio e em So Paulo e circulao nacional. Isto se faz luz do processo deglobalizao, que transforma a economia em assunto de interesse direto no apenas dos investidores do sistema financeiro, mas tambm do homem do povo. Naturalmente no se conceberia uma demanda desse tipo em outras pocas, quando o fato econmico no era to presente e to complexo a ponto de exigir esse tipo de "traduo" para o entendimento comum. A observao no invalida, todavia, a crtica de que a mdia no especializada foca exageradamente a economia, passando informaes tcnicas que o povo no entende e que no tm qualquer relao com seu dia-a-dia.

    O interpretativo funciona, na verdade, como um texto especializado. Isto requer especializao na formao dos futuros profissionais e funo dos meios acadmicos proporcionar este ensino de qualidade; "no entanto, a inadequao dos jovens profissionais para a produo de textos a maior queixa de editores e empresas", alerta Nilson Lage em sua obra mais recente.

    2. Interpretar investigar

    O gnero interpretativo est relacionado com o jornalismo investigativo. um texto quese diferencia do meramente informativo e mesmo do simplesmente opinativo, embora alguns autores no vejam tanta diferena entre interpretativo e opinativo.

    No informativo trata-se apenas de relatar os fatos conforme j visto na estrutura da notcia, bastando responder s perguntas clssicas. No texto opinativo trata-se de mostrar claramente o pensamento do jornal (Editorial) ou do articulista (matria assinada).

    No gnero interpretativo, o objetivo mostrar ao leitor as vrias conseqncias que um fato pode gerar, estudando suas origens, analisando suas implicaes. Noticiar o bombardeio dos caas da Otan sobre Kosovo, na Iugoslvia, informativo. Condenar esses ataques opinativo. Analisar causas e conseqncias da guerra no contexto europeu interpretativo.

    Cremilda Medina (Notcia, um produto venda, So Paulo, Summus, 1988) v no gnero interpretativo exatamente essa investigao sobre os antecedentes do fato, suas significaes indiretas e seu contexto. A investigao jornalstica muitas vezes torna-se um desafio. A este respeito, Nilson Lage (2001) cita artigo de Robert Fisk, decano dos correspondentes ocidentais no Oriente Mdio, publicado no jornal El Pais, de Madri: "...desafiar a autoridade faz parte do trabalho de um jornalista". Conforme Lage, "jornalistas no so sacerdotes nem se espera que sejam militantes de causa alguma. Dessa no-militncia que resulta sua competncia moral para o desafio. Devem desenvolver uma persona profissional tal que a despeito de crenas e valores pessoais,compromissos de classe e de cultura possam registrar os fatos e as idias do nosso tempo com honestidade, concedendo fonte o direito de ser como e ao pblico o direito de escolher de que lado ficar."

    Ainda para diferenciar o gnero interpretativo do gnero informativo, no podemos esquecer as influncias que os jornalistas sofrem ao longo da formao escolar e da prpria vida. Eles "so assaltados por idelogos de diferentes cores revolucionrios,

  • reacionrios, guerreiros, pacifistas, homossexuais, ecologistas e msticos todos pretendendo convenc-los a aceitar verses sem crtica e a fraudar os fatos em nome de grandes ou pequenos objetivos". A capacidade de desenvolver esprito crtico e de ter idias prprias a respeito dos fatos do mundo que determinar o potencial do texto interpretativo, muito alm do mero informativo.

    Num exemplo prtico que ilustra bem o pargrafo anterior, a notcia econmica que Boris Casoy d na televiso informativo. A anlise que Salete Lemos faz em seguida interpretativo.

    O jornalismo investigativo, realizado com tica, seriedade e muita pesquisa, tem se revelado poderoso aliado no processo de comunicao, na medida em que diferencia o jornal abrindo espao para denncias que abalam o pas e conquistam o respeito dos leitores. No se trata do "denuncismo", do "jornalismo declaratrio" feito nos gabinetes e nas redaes, condenado por respeitados nomes como Alberto Dines, mas de trabalho acurado, com informaes bem checadas, com suado trabalho de campo.

    Esse tipo de jornalismo o terror de governantes, polticos e empresrios corruptos. Porisso mesmo o governo tentou aprovar, no incio de 2001, no Congresso, a "lei da mordaa", punindo autoridades policiais e judiciais que permitissem o acesso da imprensa a processos em andamento. Com tal lei em vigor teria sido difcil remover do governo Collor a "Repblica das Alagoas". Afinal, s depois que a imprensa movimentaa opinio pblica denunciando a corrupo que as autoridades comeam a agir para recuperar o mnimo de dignidade na coisa pblica.

    3. Um pouco de histria

    Durante a cobertura da Primeira Grande Guerra, o pblico americano passou a exigir que os jornais explicassem melhor o que se passava na Europa e como aqueles fatos envolvendo parentes dos imigrantes poderiam influenciar a vida deles.

    Surgiram assim veculos especializados em interpretao, como Time Magazine, em 1923, criada por dois jovens jornalistas empenhados em mostrar uma nova dimenso da notcia: seus antecedentes, seus significados, seu contexto. Foi especialmente o confronto com o rdio e o telejornalismo dos anos 30 e 40 que fixou, aos poucos, a interpretao como um critrio de informao na imprensa. No Brasil, segundo Cremilda Medina, so bem mais tardios os sintomas de uma transformao no jornalismo.

    Na primeira metade do sculo 20 havia ainda no pas uma alta taxa de analfabetismo, alm de dificuldades tcnicas e falta de hbito de leitura. Mas, na segunda metade do sculo a situao mudou completamente, com o processo de industrializao, que trouxeo homem do campo para as cidades; com o surgimento da TV; com as novas tecnologiasincorporadas pelos jornais; com o amplo processo de alfabetizao e a melhoria das escolas; com o surgimento das faculdades de Comunicao e a especializao da mo-de-obra de jornais; com o advento dos multimeios (computador, CD-ROM, fax, celular, internet); com a TV por assinatura e a comunicao digital, que multiplicaram o alcanceda mdia.

  • Pesquisadores identificam grandes mudanas no jornalismo brasileiro a partir de determinados fatos, como a revoluo editorial do Dirio Carioca (1947); a fundao da TV Tupi (1951); o aparecimento do jornal ltima Hora (Samuel Wainer) e a reformado Jornal do Brasil (Alberto Dines, 1956).

    Em 1964, imitando o N. Y. Times, o Jornal do Brasil funda seu Departamento de Pesquisa e Documentao, sob a orientao de seu editor-chefe, Alberto Dines, o que costuma ser considerado o marco inicial do jornalismo interpretativo em nosso pas.

    Inicialmente, o material coligido pelo Departamento de Pesquisa era anexado cobertura de atualidades, mantendo-se duas estruturas independentes (conforme anlise de Mrio Erbolato). Mas o departamento foi se afirmando e as matrias interpretativas foram deixando aquele carter de verbete enciclopdico para se transformarem numa unidade, na qual a notcia filtrada em meio a seus antecedentes histricos e outros fatos que participam do mesmo contexto.

    Em So Paulo o Jornal da Tarde foi o primeiro a se interessar pelas transformaes que ocorriam no jornalismo carioca. Surgiu, ento, o que Dines chama de "jornalismo de autor" dos anos 60. Os textos eram assinados e apresentavam qualidade literria, como na revista Realidade. Inspirados na Escola Realista, os autores reproduziam fielmente o contexto dos fatos.

    Nos ltimos anos esse tipo de texto perdeu o vigor, optando-se pelo texto mais curto, a chamada "notcia modular", com farta ilustrao, para deixar o jornal visualmente bonito como na tela colorida da TV.

    Entretanto, muitos estudiosos, entre eles o prprio Alberto Dines, defendem a necessidade do jornal trilhar seu prprio caminho que o caminho do aprofundamento, da pesquisa, da investigao, do bom texto interpretativo , em vez de tentar competir com os meios eletrnicos, notadamente a TV e a internet.

    No inusitado episdio do charuto na Casa Branca, ficou patente que esta uma corrida perdida. Enquanto os jornais esperavam aflitivamente a liberao dos depoimentos de Mnica Lewinsky para publicao, o mundo inteiro tomava conhecimento dos mais escabrosos detalhes do affair pela internet.

    Na Guerra do Golfo, enquanto os jornais fotografavam e coligiam dados, a CNN mostrava o "show" ao vivo e a cores 24 horas por dia, o tempo todo, todo o tempo. No se pode falar em competir. A televiso no mostra o fato que aconteceu. Ela mostra o fato acontecendo. A defasagem com o jornal de no mnimo um dia ou uma noite de diferena. So muitas horas.

    Mas o consumidor de notcias vai procurar o jornal do dia seguinte para ter mais detalhes, assim como o internauta vai ler o jornal de papel com o mesmo objetivo. So meios diferentes, com atividades e finalidades especficas.

    Est claro que o rdio no acabou com o livro, a TV no acabou com o rdio e nem a TV e o rdio juntos acabaram ou vo acabar com os jornais, muito menos a internet. O suporte de papel insubstituvel em sua especificidade, pelo menos no modo conhecido.

  • As mdias se complementam e todas se voltam para a conquista do leitor com servios de qualidade.

    O diferencial exatamente a qualidade.

    A investigao, a interpretao que faro o diferencial no jornal impresso.Nessa dimenso seria injusto ignorar o trabalho de interpretao da realidade nacional desenvolvido pelos jornais alternativos durante a ditadura militar. Jornais como Pasquim, Opinio, Movimento etc. abrigaram nomes que honraram o jornalismo brasileiro pela capacidade de explicitarem a indignao do povo diante das atrocidades do poder, mesmo quando esse povo estava anestesiado pela lavagem cerebral da propaganda oficial permeada pela imprensa burguesa.

    4. Tipos de interpretao

    So interpretativas no apenas as grandes reportagens que descem fundo nos assuntos e muitas vezes se tornam livros-reportagem (como Rota 66, de Caco Barcelos, ou A guerra dos meninos, de Gilberto Dimenstein, ou Chat O rei do Brasil, de Fernando Morais, ou, tambm de Fernando Morais, o recente trabalho sobre a Shindo Renmei no Brasil: Coraes sujos, So Paulo, Cia. das Letras, 2000), mas tambm os pequenos comentrios que visam "traduzir" o assunto para melhor entendimento do receptor.

    Interpretar dar detalhes, apoiar-se em fontes especializadas, conduzir o leitor por entre o emaranhado dos fatos, a partir do esclarecimento dos prprios fatos. Isto exige pleno domnio do assunto. O que faz Arnaldo Jabor, na Globo, ao analisar questes polticas e internacionais interpretao.

    Interpretar no editorializar, mas dar ao leitor elementos suficientes, relacionados raiz e essncia dos fatos, para que ele forme opinio", ensina o Manual de Redao e Estilo de O Globo. Tambm diz que "jornal no orculo. No entanto, est nas suas atribuies somar dois e dois e chegar a quatro, sabendo usar a memria. A receita de uma boa matria interpretativa no passa disso: acrescentam-se aos fatos do dia comportamentos anteriores, leis e regulamentos que se aplicam ao tema, posies e opinies conhecidas de pessoas ou instituies".

    Exemplo: para tentar entender o raciocnio do Assassino do Parque (o Motoboy) ou do estudante que matou pessoas no cinema em So Paulo, no basta noticiar os fatos como se fazia antigamente. preciso ouvir especialistas. Para entender uma medida do governo que atinge os trabalhadores ou os contribuintes do Imposto de Renda preciso entrevistar pessoas capazes de clarear a situao.

    Trata-se, tambm, de no acolher a informao do modo como ela vem e apenas pass-la adiante, porque isso jornalismo declaratrio. preciso verificar o que est por trs da informao, sobretudo as oficiais. Agindo assim o jornalista estar pelo menos tentando evitar a manipulao que desgasta e at aniquila tantos profissionais da imprensa.

    O presidente da Sociedade Americana de Editores de Jornais, Newbold Noyes, uma vez comentou que "os reprteres so preguiosos e superficiais, habitualmente tratando acontecimentos oficiais como notcias, no se notando a situao real atrs desses

  • acontecimentos". Ele reconhece que o pior de nossa preguia e de nosso desempenho superficial que ns da imprensa permitimos ser manipulados.

    Na Editoria de Poltica, por exemplo, o jornalista tem excelente espao para exercer com brilhantismo o texto interpretativo, cabendo aqui os conselhos do mais brilhante entre os jornalistas polticos brasileiros da segunda metade do sculo 20, Carlos CastelloBranco, conforme registra Nilson Lage (2001): "O reprter que se obriga a contar o que viu e a transmitir o que ouviu, na notcia impessoal, subordina-se linha de objetividadenarrativa comum a todos os setores da reportagem. Ele no pode, ou pelo menos no deve, interferir nos fatos, mas apenas transmiti-los dentro do melhor processo tcnico, a partir do lead. Seu trabalho evidentemente importante, mas no o suficiente. O episdio poltico tem conotaes prprias e o fato se insere num contexto que deve ser esclarecido. A notcia nua e crua no o revela em todas as suas nuanas. Ele deve ser didaticamente desmontado. Essencialmente dinmico, muda de aspecto de hora em hora. impreciso e sinuoso e muitas vezes ameaa ser e no . Est em permanente elaborao. O que lgico: a poltica uma constante divergncia e conciliao, um interminvel processo dialtico..." (Palestra na UFMG, 1968).

    Na poltica ou em qualquer outro setor do jornalismo interpreta-se no apenas pelo textoverbal, mas e com muita propriedade tambm com imagens. Entre os vrios tipos delinguagem no-verbal destacam-se a foto, a charge, o infogrfico, a ilustrao, o modo de diagramar, o tipo de letras, o destaque na pgina. Tudo ajuda a interpretar porque facilita a compreenso do leitor. A foto do jovem diante da coluna de tanques na Praa da Paz Celestial, em Pequim, capaz, por si s, de interpretar todo o contexto daquele momento histrico. A comunicao no-verbal tem fortssimo poder de interpretao dos fatos porque pode ser decodificada por todos. At os iletrados guiam-se, no trnsito,pela sinalizao. A imagem, tal como a msica, desconhece fronteiras lingsticas e culturais, como esto a ensinar os semioticistas.

    Sobre as tcnicas de produzir o texto interpretativo no h muito o que acrescentar ao resumo j dado pelo manual de O Globo. a notcia, no seu modo clssico, completada com detalhes e informaes esclarecedoras. Basta ter em mente que no se trata de persuadir o receptor sobre determinado fato, como no texto opinativo, mas de lhe oferecer tudo sobre o assunto, para que ele mesmo se sirva. " preciso ter capacidade decontar a notcia com tantos detalhes que o texto se torne um eco fiel do fato original, recuperando sua capacidade de surpreender enquanto atribui a capacidade de compreend-la", ensina Leo Serva em Jornalismo e desinformao (So Paulo, Senac, 2001).

    5. O lado humano

    Quem interpreta um fato, uma declarao, uma iniciativa oficial ou qualquer notcia estsempre preocupado em passar ao leitor a informao mais completa. No jornalismo, todos buscamos uma identidade com o leitor. Ele ser tanto mais fiel ao jornal de cada dia se o veculo, em seus textos, tiver capacidade de se identificar com ele, com os fatos da sua vida, isto , se for possvel passar algum tipo de interatividade.

    Por isto, um vis estrategicamente correto da interpretao buscar o lado humano do fato. Se se trata de uma declarao sobre custo de vida ou aumento de preos, mudanasno Imposto de Renda ou na direo do trnsito em nossa cidade, necessrio que o

  • jornalista se coloque no lugar do leitor e busque mais detalhes que possam facilitar o entendimento da matria em suas mincias. Se o fato a noticiar um acidente de trnsito ou uma catstrofe, o bom intrprete ser aquele capaz de se aprofundar no lado humano da histria, de ouvir pessoas, aquele que no transforma gente em mera e fria estatstica.

    Warren Burkett (Jornalismo cientfico Como escrever sobre cincia, medicina e alta tecnologia para os meios de comunicao, Rio de Janeiro, Forense, 1990) registra:

    "As pessoas gostam de ler sobre outras pessoas. Quando o trabalho de um cientista tem significado e impacto, ou proporciona reconhecimento ou fama, tal como o Prmio Nobel, os redatores podem achar mais fcil centrar suas histrias na forma pela qual a pessoa trabalha em cincia. Os subterfgios, hobbies ou outros interesses no-cientficosque as pessoas tm podem ajudar o redator a mostrar o cientista como um ser humano afetuoso, minucioso, s vezes falvel, buscador, freqentemente falvel, com o qual os leitores podem se identificar."

    Na avaliao de Al Neuharth, criador do USA Today, citado por Caio Tlio Costa, em Orelgio de Pascal A experincia do primeiro ombudsman da imprensa brasileira, So Paulo, Siciliano, 1991), o modo de interpretar os fatos acaba caracterizando um jornal. Ele acha possvel compreender bem um jornal pelo ttulo que ele daria maior de suas reportagens a do fim do mundo:

    ** The New York Times: "Acaba o mundo. Terceiro mundo mais atingido."

    ** The Washington Post: "Acaba o mundo. Fonte no identificada diz que a Casa Brancaignorou advertncias."

    ** USA Today: "Estamos mortos! Nmeros de vtimas, estado por estado, pgina 8A. ltimos (mesmo) resultados esportivos, pgina 10C."

    No Brasil, segundo o ombudsman da Folha, esse tipo de manchete poderia sair assim:

    ** Estado: "Conforme advertimos, o mundo acabou."

    ** Globo: "Anunciado: o fim do mundo."

    ** Folha: "Mundo acaba, admite ONU; 43% da populao discorda."

    Analisando criticamente o jornal em que trabalhava, Caio Tlio queria dizer que a Folha tinha mania de usar pesquisas de opinio: "Suas manchetes diversas vezes ficam na aparncia, se restringem ao noticirio declaratrio quando no esto baseadas totalmente em pesquisas cujos resultados, algumas vezes, trazem pouca novidade ou pouco significam no contexto."

    (*) Professor de Jornalismo da Unesp-Bauru, SP