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O TETO BRASILEIRO DE GASTOS PÚBLICOS E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO PAÍS Leonel Alves de Melo 1 Resumo O teto brasileiro de gastos públicos poderá acarretar numa crescente competição entre áreas do Governo Federal pela alocação de recursos voltados à implementação de políticas públicas. Assim, acentua-se a importância de se avaliar essas políticas para contribuir com a tomada decisão quanto à destinação de recursos. Este trabalho analisa se as avaliações atualmente realizadas por instituições governamentais brasileiras são capazes de colaborar com esse processo decisório. Os resultados apontam a necessidade de alteração na forma de atuação dessas instituições, para que realizem as avaliações de maneira integrada e articulada, a fim de produzirem informações úteis à tomada de decisão. Palavras-chave: teto de gastos públicos; alocação de recursos; avaliação de políticas públicas. Abstract The Brazilian public spending ceiling may lead to a growing competition between areas of the Federal Government for the allocation of resources aimed at the implementation of public policies. Thus, it is important to evaluate these policies to contribute to the decision making regarding the allocation of resources. This paper analyzes if the evaluations currently carried out by Brazilian governmental institutions are able to collaborate with this decision making process. The results point out the need to change the way these institutions operate, so that they can carry out the evaluations in an integrated and articulated way, in order to produce useful information for decision making. Keywords: public spending ceiling; allocation of resources; policy evaluation. I. INTRODUÇÃO Em 15 de dezembro de 2016, foi promulgada a Emenda nº 95 à Constituição Federal de 1988, instituindo o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da 1 Estudante de Pós-Graduação. Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: [email protected]

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O TETO BRASILEIRO DE GASTOS PÚBLICOS E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A

AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO PAÍS

Leonel Alves de Melo 1

Resumo O teto brasileiro de gastos públicos poderá acarretar numa crescente competição entre áreas do Governo Federal pela alocação de recursos voltados à implementação de políticas públicas. Assim, acentua-se a importância de se avaliar essas políticas para contribuir com a tomada decisão quanto à destinação de recursos. Este trabalho analisa se as avaliações atualmente realizadas por instituições governamentais brasileiras são capazes de colaborar com esse processo decisório. Os resultados apontam a necessidade de alteração na forma de atuação dessas instituições, para que realizem as avaliações de maneira integrada e articulada, a fim de produzirem informações úteis à tomada de decisão.

Palavras-chave: teto de gastos públicos; alocação de recursos; avaliação de políticas públicas.

Abstract The Brazilian public spending ceiling may lead to a growing competition between areas of the Federal Government for the allocation of resources aimed at the implementation of public policies. Thus, it is important to evaluate these policies to contribute to the decision making regarding the allocation of resources. This paper analyzes if the evaluations currently carried out by Brazilian governmental institutions are able to collaborate with this decision making process. The results point out the need to change the way these institutions operate, so that they can carry out the evaluations in an integrated and articulated way, in order to produce useful information for decision making.

Keywords: public spending ceiling; allocation of resources; policy evaluation.

I. INTRODUÇÃO

Em 15 de dezembro de 2016, foi promulgada a Emenda nº 95 à Constituição Federal

de 1988, instituindo o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da

1 Estudante de Pós-Graduação. Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: [email protected]

Seguridade Social da União por um prazo de 20 exercícios financeiros, conhecido como

‘teto de gastos públicos’. O emprego do termo ‘teto de gastos públicos’ está relacionado ao

fato de o Novo Regime Fiscal estabelecer para cada um dos Poderes da União (com

exceção das empresas estatais), limites individualizados para as despesas primárias,

calculados com base no valor do limite relativo ao exercício imediatamente anterior

(adotando-se como ano inicial para esse cálculo o exercício de 2016), corrigido pela

variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA.

As despesas primárias, em uma abordagem simplificada, consistem nos gastos do

Governo Federal destinados à manutenção de suas atividades e a novos investimentos

públicos, a exemplo do pagamento de servidores públicos, da construção de um aeroporto

ou da manutenção de uma universidade, compreendendo os dispêndios necessários para o

funcionamento da ‘máquina pública’ (exceto estatais controladas pela União) e para a

implementação de políticas públicas por parte do Governo Federal (BRASIL, 2016e).

Ao elaborar a citada proposta de emenda constitucional, os Ministérios da Fazenda e

do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (Brasil, 2016b) expuseram como objetivo do

Novo Regime Fiscal a estabilização do crescimento da despesa primária, que, segundo os

mencionados ministérios, no período de 2008-2015 cresceu 51% acima da inflação,

enquanto a receita no período cresceu somente 14,5% acima da inflação, gerando déficit

público, e obrigando o Governo Federal a obter empréstimos para custear o seu

funcionamento, aumentando assim a dívida pública.

Dessa forma, atingindo a estabilização almejada, os Ministérios da Fazenda e do

Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (Brasil, 2016b) defendem que o quadro de

desiquilíbrio fiscal acentuado que se desenvolveu nos últimos anos em razão do aumento de

gastos em inúmeras políticas públicas, sem levar em conta as restrições naturais impostas

pela capacidade de crescimento da receita pública, será corrigido e, deste modo, haverá a

retomada da confiança do mercado na sustentabilidade dos gastos e da dívida pública

brasileira, possibilitando assim a geração de emprego e de renda e a aplicação mais

eficiente dos recursos públicos.

Antes da aprovação do teto de gastos públicos, porém, foram elaborados estudos

técnicos por instituições públicas contestando as premissas argumentadas pelo Governo

Federal para a instituição do Novo Regime Fiscal, bem como repercutindo possíveis

consequências no processo decisório de alocação de recursos para as políticas públicas

federais.

O objetivo deste trabalho é apresentar essas possíveis consequências para as

políticas públicas federais em decorrência da instituição do teto brasileiro de gastos

públicos, especificamente para o campo de avaliação de políticas públicas, e analisar se as

avaliações de políticas públicas atualmente realizadas por instituições governamentais

brasileiras são capazes de atender às possíveis exigências impostas por esse novo regime

fiscal.

Este trabalho, quanto aos aspectos metodológicos, é classificado como do tipo

exploratório, segundo seus objetivos. Para Gil (2010, p. 27), a pesquisa exploratória tem

“como propósito proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo

mais explícito ou a construir hipóteses”. Quanto aos procedimentos adotados para sua

análise e interpretação, este trabalho é constituído de pesquisas bibliográfica e documental.

II. O TETO BRASILEIRO DE GASTOS PÚBLICOS E SUAS IMP LICAÇÕES PARA O

CAMPO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Em agosto de 2016, durante a fase de tramitação da Proposta de Emenda

Constitucional – PEC nº 241/2016, a Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da

Câmara dos Deputados, visando subsidiar a análise da proposta pela Câmara dos

Deputados, apresentou ponderações sobre os possíveis efeitos da aprovação do teto de

gastos públicos na escolha das políticas públicas que serão contempladas com recursos do

Governo Federal:

A PEC 241 poderá ter repercussões significativas na elaboração e execução dos orçamentos. Isso porque o tamanho do orçamento passa a ser determinado, precipuamente, pelo volume de gastos efetuados em 2016 e não mais pela estimativa de receitas para o exercício de vigência da lei orçamentária. Ademais, a maior parte das despesas obrigatórias tem crescido, e continuarão a crescer em termos reais, mantida a atual legislação, exigindo maior restrição das demais despesas, bem como decisões relevantes na escolha das políticas públicas. (...) Por se tratar de despesas destinadas às políticas públicas de interesse da sociedade, seu encolhimento poderá se deparar com resistências de segmentos prejudicados, o que sinaliza grande esforço político de negociação na alocação de recursos (BRASIL, 2016a, p. 25-30).

No mês seguinte, foi a vez da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada –

Ipea elaborar estudo sobre as possíveis implicações da aprovação do Novo Regime Fiscal

para o financiamento do Sistema Único de Saúde – SUS e a efetivação do direito à saúde,

no Brasil, apresentando considerações sobre uma provável disputa de recursos entre

diversas áreas do Governo Federal em caso de aprovação do teto de gastos públicos:

Caso seja aprovada, a PEC 241 tampouco possibilitará a redução das desigualdades na oferta de bens e serviços de saúde no território nacional. Não só não haverá espaço no orçamento para tanto, como o teto das despesas primárias, em um contexto de aumento acelerado das despesas previdenciárias, levaria a um processo de disputa das diversas áreas do governo por recursos cada vez mais

escassos (FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2016, p. 21).

Dessa forma, com a instituição do Novo Regime Fiscal se vislumbra um cenário de

escassez de recursos e de crescente competição entre as diversas áreas do Governo

Federal para a definição de quais políticas públicas serão implementadas e de qual o valor

do aporte financeiro que receberão, incluindo nesse cenário as políticas públicas que serão

descontinuadas.

Nesse contexto, acentua-se a importância das avaliações de políticas públicas

realizadas por instituições governamentais externas aos executores dessas políticas, a fim

de subsidiar esse processo decisório por parte do Governo Federal, uma vez que três

possíveis resultados podem advir dessas avaliações: primeiramente, pode-se considerar

que uma política é exitosa; em segundo lugar, pode-se considerar que uma política deixa a

desejar em alguns pontos e recomendam-se esforços no sentido de que ocorram

modificações; e, por último, pode-se considerar que uma política é um insucesso total,

levando à recomendação de que seja descontinuada (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013).

Corroborando a importância do tema, foi nessa mesma conjuntura, anterior à

promulgação do Novo Regime Fiscal, porém também de crise fiscal, que o Governo Federal

instituiu, em 07 de abril de 2016, o Comitê de Monitoramento e Avaliação de Políticas

Públicas – Cmap, composto por representantes do Ministério da Transparência, Fiscalização

e Controladoria-Geral da União – CGU, do Ministério da Fazenda e da Casa Civil da

Presidência da República (apoiados por diversas instituições, a exemplo do Ipea), com o

objetivo de melhorar a qualidade do gasto público e de aperfeiçoar a alocação de recursos,

bem como com a finalidade de aprimorar políticas públicas, programas e ações do Poder

Executivo Federal para que alcancem melhores resultados (BRASIL, 2016c).

III. A AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL

III.I. Conceitos e classificações

As políticas públicas compreendem um sistema de decisões públicas que implicam

em omissões ou ações, corretivas ou preventivas, voltadas à modificação ou à manutenção

da realidade de um ou de diversos setores da vida social, mediante a definição de

estratégias e objetivos de atuação e mediante a alocação dos recursos necessários ao

atingimento dos objetivos definidos, segundo explica Saravia (2006).

Para entender e estudar o complexo campo de políticas públicas, Rua (2012) cita a

utilidade do modelo de ciclo de política (policy cycle), que aborda as políticas públicas por

meio da sua segmentação em etapas sequenciais e interativas-iterativas (formação da

agenda; formação das alternativas e tomada de decisão; implementação; monitoramento; e

avaliação), cuja correta compreensão desse ciclo contribui para um entendimento de como

as políticas públicas se processam e auxiliam na reflexão sobre como, e por intermédio de

que instrumentos, as políticas poderão ser aprimoradas.

A etapa relacionada ao objeto de estudo deste trabalho é a etapa de avaliação,

conceituada por Costa e Castanhar (2003), com base em definição apresentada em 1990

pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância – Unicef, como um exame sistemático e

objetivo de uma política pública, concluída ou em curso, que compreenda a sua

implementação, desempenho e resultados, com a finalidade de determinar seu impacto,

efetividade, eficiência, sustentabilidade e relevância de seus objetivos, subsidiando com

informações os tomadores de decisão de forma a orientá-los quanto à necessidade de

correções, continuidade ou mesmo suspensão de uma política pública.

Conforme Ramos e Schabbach (2012), a avaliação de políticas pode ser classificada

de acordo com diferentes critérios, como: conforme avaliação do agente e quanto à natureza

da avaliação. Segundo as autoras, o critério segundo avaliação do agente se divide em:

externa (quando efetuada por agente não pertencente à instituição responsável pela política

pública avaliada) ou interna (quando realizada por agente da instituição responsável pela

política pública avaliada), havendo ainda a possibilidade de se ter uma avaliação mista, em

que um agente externo avalia determinada política pública mediante contato próximo com

membros da própria equipe responsável pela política pública avaliada.

Já a classificação quanto à natureza da avaliação, se divide, ainda segundo as

autoras, em: formativa, quando voltada à análise e à produção de informações sobre a

etapa de implementação da política pública avaliada, fornecendo insumos para a correção

de procedimentos; e somativa, quando se refere à análise e à produção de informações

sobre a implementação e etapas posteriores, de uma política pública que está sendo

executada já há algum tempo ou após a sua execução, a fim de examinar se atingiu as

metas previstas e de julgar seu valor geral.

Para Cunha (2006), uma vez que as avaliações somativas contemplam as relações

entre o processo, os resultados e os impactos da política pública avaliada, elas podem

permitir comparações entre diferentes políticas públicas que foram objeto de avaliações

dessa natureza.

Por fim, para Jannuzzi et al. (2009) a avaliação de políticas públicas pode ser

classificada, também, em função do modelo de ciclo de política pública, conforme quadro a

seguir elaborado pela CGU em 2015, resumindo as classificações apresentadas pelo autor:

Quadro 1 – Classificação da avaliação de política pública em função do modelo de ciclo de política pública Tipo de

Avaliação Objetivo

Demanda Avaliar se a demanda legitimada na agenda de governo é realmente existente ou se haveria outros problemas mais importantes a serem levados para o nível de programas de governo.

Desenho Avaliar se o desenho do programa idealizado pelo gestor está adequado ou se haveria outro desenho lógico de intervenção mais apropriado.

Processo Avaliar se o programa de governo está sendo executado da forma como foi desenhado ou se há problemas no processo de implementação.

Impacto

Avaliar se o programa de governo está alcançando os impactos esperados sobre os problemas e as demandas sociais que o originaram. Em geral, incluem a utilização de grupos de controle e de tratamento para isolar o efeito dos fatores externos à política que tenham influenciado os resultados observados.

Eficiência Avaliar se os custos de execução do programa são razoáveis para o alcance dos impactos obtidos.

Fonte: Quadro elaborado pela Secretaria Federal de Controle Interno do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (BRASIL, 2015, p. 26).

III.II. Diagnóstico das avaliações de políticas púb licas realizadas pelo Poder Executivo

Federal

Em relação às avaliações de políticas públicas no Brasil, buscou-se realizar um

diagnóstico das avaliações realizadas no âmbito do Poder Executivo Federal, que

compreende a administração pública direta (Presidência da República e Ministérios) e a

administração pública indireta (autarquias e fundações públicas federais, além das

empresas estatais controladas pela União), conforme explica relatório da Organização para

a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (2010), esfera de poder onde são

implementadas, majoritariamente, as políticas públicas no Brasil.

No Poder Executivo Federal existem variadas instituições responsáveis pela

avaliação de políticas públicas. Antes de abordá-las, esclarece-se que neste trabalho

preferiu-se dar ênfase às avaliações de políticas públicas por agentes diversos daqueles

responsáveis pela sua implementação (sem desconsiderar, no entanto, a importância das

avaliações realizadas pelos executores), em virtude do risco de distorção nos resultados das

avaliações realizadas pelos executores frente a um possível cenário de escassez de

recursos e de crescente competição entre as diversas áreas do Governo Federal.

Conforme estabelecido na Lei nº 10.683 (Brasil, 2003), compete ao Ministério do

Planejamento, Desenvolvimento e Gestão – MP a avaliação dos impactos socioeconômicos

dos programas e políticas do Governo Federal e a elaboração de estudos visando a

reformulação de políticas.

De acordo com o Decreto nº 7.142 (Brasil, 2010), compete ao Ipea, fundação pública

federal vinculada ao MP, dentre outras atribuições, dar apoio técnico e institucional ao

Governo na avaliação, formulação e acompanhamento de políticas públicas mediante a

realização de pesquisas e estudos sociais e econômicos.

Já a Constituição Federal (Brasil, 1988), em seu art. 74, estabeleceu, para o controle

interno de cada poder da esfera federal (sendo a CGU o órgão de controle interno do Poder

Executivo Federal), dentre outras atribuições, a competência de comprovar a legalidade e

avaliar a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União, de avaliar os

resultados, quanto à eficiência e eficácia, da gestão financeira orçamentária e patrimonial

nas entidades e órgãos da administração pública federal e de avaliar o cumprimento das

metas previstas no Plano Plurianual – PPA, instrumento onde consta o conjunto das

políticas públicas do governo para um período de 4 anos e os caminhos trilhados para

atingir os resultados previstos (BRASIL, 2016d).

Em pesquisa às publicações de acesso público realizadas pelas instituições

avaliadoras anteriormente mencionadas, tendo como período de exame o intervalo de 2011

a 20162, buscou-se classificar os tipos de avaliação de políticas públicas realizadas por cada

instituição, conforme as tipificações pontadas anteriormente, além de verificar se de alguma

forma os produtos apresentados por cada instituição foram elaborados de forma articulada e

sistemática, considerando, para essa análise, se há menção quanto ao planejamento

conjunto dos trabalhos de avaliação, com a previsão do papel de cada instituição nesse

processo, e se os trabalhos de avaliação de uma instituição foram aproveitados por outra.

Em relação à atuação da CGU na avaliação de políticas públicas no período

pesquisado, verificou-se que foram publicados em seu sítio eletrônico 63 relatórios

consolidados de avaliação da execução de programas de governo. Segundo Jannuzzi et al.

(2009) programa de governo pode ser entendido como um instrumento operacional da

política pública que compreende um conjunto sistêmico de ações articuladas e programadas

entre si, com o objetivo de atender uma demanda pública específica, inserida na agenda de

prioridades de políticas públicas do governo.

A avaliação da execução de programas de governo consiste numa atividade cujas

características a própria CGU reconhece como de uma avaliação formativa, normalmente

focada em processo e executada por equipe mista, e que visa emitir opinião conclusiva em

2 Apesar de terem sido identificados documentos publicados pela CGU e pelo Ipea que ultrapassaram esse intervalo, esta delimitação de tempo deveu-se à identificação de documentos elaborados pelo MP, sobre o tema pesquisado, restritos a esse período.

relação à execução do programa de governo avaliado a partir de um escopo de exame

previamente definido (BRASIL, 2015).

Como resultado da análise, verificou-se que, nos relatórios de avaliação da execução

de programas de governo elaborados pela CGU, não há menção ao planejamento conjunto

ou ao aproveitamento de trabalhos de avaliação realizados pelo Ipea ou pelo MP.

Quanto à participação do Ipea na avaliação de políticas públicas, analisaram-se os

relatórios anuais de atividade referentes ao período pesquisado, onde constam os produtos

elaborados pela instituição em cada ano, bem como foram analisadas, no mesmo período,

as edições da revista ‘Desafios do Desenvolvimento’, publicação oficial do Ipea conceituada

pelo instituto como a revista de debates e informações da instituição, além de terem sido

feitas pesquisas por publicações em sites de busca no período mencionado.

Como resultado, observou-se como característica principal da avaliação de políticas

públicas realizada pelo Ipea a avaliação dos resultados, efeitos e impactos da

implementação de determinada política pública ou programa de governo (foram identificadas

avaliações nesses dois níveis), além de secundariamente terem sido verificadas avaliações

quanto à eficiência e aos arranjos institucionais de determinadas políticas públicas.

Pelas suas características, as avaliações realizadas pelo Ipea correspondem a

avaliações de desenho, de eficiência e de impacto, somativas e executadas por equipe

mista, tendo sido identificadas, ainda, avaliações de desenho.

Dentro de um contexto de avaliação de públicas, nos documentos analisados houve

menção ao MP e à CGU em três oportunidades que, porém, não retrataram o planejamento

conjunto ou o aproveitamento pelo Ipea dos trabalhos de avaliação de políticas públicas e

de programas de governo realizados pelas duas citadas instituições.

A análise das publicações elaboradas pelo Ipea, anteriormente citadas, permitiu

ainda identificar que a instituição realizou estudos de avaliação em 21 programas de

governo ou políticas públicas dentre os 63 programas de governo avaliados pela CGU (ou

seja, em 30% dos casos), com escopos de exame diferentes.

Em relação à participação do MP na avaliação de políticas públicas, foram

localizadas publicações relativas a avaliações anuais quanto à execução do PPA, referentes

aos anos-base de 2011 a 2015, elaboradas pela Secretaria de Planejamento e

Investimentos Estratégicos do citado Ministério. As publicações apresentam uma

consolidação das informações fornecidas pelos órgãos e entidades do Poder Executivo

Federal responsáveis pela implementação de políticas públicas, contendo o resultado da

execução financeira, indicadores, objetivos, metas e uma análise crítica por parte dos

executores em relação a cada programa de governo.

Nessas publicações, o MP também apresenta uma avaliação da dimensão

estratégica do PPA, elaborada pelo próprio ministério, compreendendo uma análise geral do

andamento do conjunto de políticas públicas prioritárias a partir dos resultados dos

programas de governo apresentados pelos órgãos e entidades executores associados a

outras informações, consistindo numa atividade de avaliação de política pública em um nível

estratégico mais abrangente do que o avaliado pelo Ipea.

Pelas suas características, as avaliações de programa constantes nos relatórios

anuais de avaliação do PPA correspondem a avaliações de processo, formativas e

executadas por agentes internos (por esse motivo não inseridas no escopo de estudo deste

trabalho). Já as avaliações da dimensão estratégica do PPA, propriamente realizadas pelo

MP, consistem em avaliações de impacto, somativas e executadas por equipe mista (uma

vez que o MP avalia políticas que não são implementadas por ele, a partir de informações

resultantes de avaliações por parte dos executores das políticas públicas).

Verificou-se também que nos documentos analisados não há menção quanto ao

planejamento conjunto e quanto ao aproveitamento dos trabalhos de avaliação de

programas e de políticas públicas realizados pela CGU e pelo Ipea.

Como resultado das análises anteriormente descritas, temos o seguinte diagnóstico

quanto às avaliações de políticas públicas realizadas pelo Poder Executivo Federal

(desconsiderando os executores das políticas públicas):

Quadro 2 – Classificações das avaliações de política pública realizadas pelas instituições pesquisadas

Instituição Classificações das avaliações realizadas

CGU Processo Formativa Mista Ipea Desenho, Eficiência e Impacto Somativa Mista MP Impacto Somativa Mista

Fonte: Elaboração própria.

IV. CONCLUSÃO

O teto brasileiro de gastos públicos poderá acarretar num cenário de crescente

competição entre as diversas áreas do Governo Federal pela definição da alocação de

recursos voltados à implementação de políticas públicas.

Em virtude disso, ganham importância as atividades de avaliação de programas de

governo e de políticas públicas realizadas por instituições externas aos executores desses

programas e políticas, cujos resultados têm o potencial de contribuir para a tomada de

decisão quanto à forma mais adequada de alocação desses recursos, pois são capazes de

subsidiar o tomador de decisão com informações sobre os impactos gerados por

determinado programa ou política, sobre os custos envolvidos para o alcance desses

impactos e se estão ocorrendo erros ou desvios no processo de implementação, além de

propiciarem uma avaliação quanto à adequabilidade do desenho de determinado programa

ou política, permitindo a comparação com outras alternativas.

No âmbito do Poder Executivo Federal, os principais atores que se destacam nessa

função avaliadora externa aos executores de políticas públicas são a CGU, o Ipea e o MP,

cada um com características próprias e complementares em relação aos trabalhos de

avaliação desempenhados.

Ocorre que, da forma como atualmente essas instituições realizam suas avaliações,

um mesmo programa de governo ou política pública está sendo avaliado por instituições

diferentes, em etapas distintas de seu ciclo e com finalidades diferenciadas, sem que essas

informações sejam compartilhadas entre as instituições. Desta maneira, as informações

geradas, que acabam consistindo em conclusões isoladas, não podem ser utilizadas

conjuntamente para a tomada de decisão.

O mesmo resultado negativo, que também representa um desperdício de esforços,

ocorre quando cada instituição avalia um programa ou política pública diferente em etapas

distintas de seu ciclo e com finalidades específicas, também resultando em conclusões

isoladas. Caso houvesse uma atuação integrada, poder-se-ia realizar uma avaliação

completa de determinado programa ou política, contemplando todo o seu ciclo, e que

produzisse, ao final, uma informação gerencial útil à tomada de decisão.

Ou seja, para que o resultado das avaliações realizadas por essas instituições seja

efetivo, é necessário que haja uma mudança na forma de atuarem a fim de que realizem as

avaliações de forma integrada e articulada, somando esforços.

Nesse contexto, a instituição do Comitê de Monitoramento e Avaliação de Políticas

Públicas (Cmap) apresenta-se como uma oportunidade e um espaço propício a essa

mudança na forma de atuação por parte da CGU, do Ipea e do MP como avaliadores de

programas e políticas públicas.

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