o tempo de estudo autónomo e a diferenciação...

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ESCOLA MODERNA Nº 40•5ª série•2011 Introdução O objetivo deste artigo é apresentar o tra- balho que desenvolvi com os alunos do 1.º ano de escolaridade, na EBI Luísa Todi, em Setúbal, apoiada pelo percurso de formação realizado no âmbito do Projeto de Aprofunda- mento do Movimento da Escola Moderna. Por entender que o Trabalho de Estudo Au- tónomo (TEA) é um dos aspetos do modelo do MEM que melhor evidencia a diferenciação pedagógica que defendemos e por considerar o aluno como ator do seu processo de aprendi- zagem, decidi que era neste campo que ia inci- dir o meu trabalho no âmbito da formação. O modelo Pedagógico do MEM, assente na cooperação, na autonomia, na aprendizagem como uma construção social no contexto de comunidades de aprendizagem, assume e va- loriza “as diferenças individuais, enquanto recurso fundamental da formação intelectual e social, através da utilização das estruturas de coopera- ção e dos processos sistemáticos de comunica- ção que o caracterizam e que atravessam os ciclos temporais de diversificação da ação edu- cativa geridos a partir do Conselho de Coorde- nação Educativa e revertendo sistematicamente a ele, enquanto motor do processo autorregu- lado de aprendizagens cooperadas.” (Niza, 2000, p. 44). Os módulos de atividades curriculares de diferenciação pedagógica do modelo do MEM (2008) são: – O Trabalho de aprendizagem curricular por projetos cooperativos, onde são desenvolvi- dos projetos de natureza diversa (de es- tudo, de produção artística, de pesquisa científica ou de intervenção social), para o desenvolvimento das aprendizagens cur- riculares; – Circuitos de comunicação para difusão e parti- lha dos produtos culturais, espaço de comu- nicação e de difusão do trabalho em pro- jetos, apresentação de produções, exposi- ção de trabalhos, troca de correspondência e interação virtual. Estas ações são sempre sujeitas à reflexão sobre os efeitos da sua apropriação ou da sua utilização social; – Trabalho curricular comparticipado pela turma, onde se desenvolve trabalho em coletivo, se constroem ou reconstroem conceitos e saberes ou se procede à revi- são ou reescrita de textos que sirvam as diversas áreas do currículo, com a colabo- ração ativa dos professores e compartici- pada por todos; – Organização e gestão cooperada em conselho de cooperação educativa para planeamento, avaliação, análise de ocorrências significa- tivas, reflexão ética para clarificação e construção de regras de vida com vista ao desenvolvimento sociomoral; – Trabalho autónomo na aula e acompanha- mento individual, tempo de estudo e apro- 13 O Tempo de Estudo Autónomo e a diferenciação pedagógica Carmen Assunção* * 1.º Ciclo do Ensino Básico. REVISTA N.º 40 06/07/11 18:01 Page 13

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Introdução

Oobjetivo deste artigo é apresentar o tra-balho que desenvolvi com os alunos do

1.º ano de escolaridade, na EBI Luísa Todi, emSetúbal, apoiada pelo percurso de formaçãorealizado no âmbito do Projeto de Aprofunda-mento do Movimento da Escola Moderna.

Por entender que o Trabalho de Estudo Au-tónomo (TEA) é um dos aspetos do modelo doMEM que melhor evidencia a diferenciaçãopedagógica que defendemos e por consideraro aluno como ator do seu processo de aprendi-zagem, decidi que era neste campo que ia inci-dir o meu trabalho no âmbito da formação.

O modelo Pedagógico do MEM, assente nacooperação, na autonomia, na aprendizagemcomo uma construção social no contexto decomunidades de aprendizagem, assume e va-loriza

“as diferenças individuais, enquanto recursofundamental da formação intelectual e social,através da utilização das estruturas de coopera-ção e dos processos sistemáticos de comunica-ção que o caracterizam e que atravessam osciclos temporais de diversificação da ação edu-cativa geridos a partir do Conselho de Coorde-nação Educativa e revertendo sistematicamentea ele, enquanto motor do processo autorregu-lado de aprendizagens cooperadas.” (Niza,2000, p. 44).

Os módulos de atividades curriculares dediferenciação pedagógica do modelo do MEM(2008) são:

– O Trabalho de aprendizagem curricular por

projetos cooperativos, onde são desenvolvi-dos projetos de natureza diversa (de es-tudo, de produção artística, de pesquisacientífica ou de intervenção social), para odesenvolvimento das aprendizagens cur-riculares;

– Circuitos de comunicação para difusão e parti-

lha dos produtos culturais, espaço de comu-nicação e de difusão do trabalho em pro-jetos, apresentação de produções, exposi-ção de trabalhos, troca de correspondênciae interação virtual. Estas ações são sempresujeitas à reflexão sobre os efeitos da suaapropriação ou da sua utilização social;

– Trabalho curricular comparticipado pela

turma, onde se desenvolve trabalho emcoletivo, se constroem ou reconstroemconceitos e saberes ou se procede à revi-são ou reescrita de textos que sirvam asdiversas áreas do currículo, com a colabo-ração ativa dos professores e compartici-pada por todos;

– Organização e gestão cooperada em conselho

de cooperação educativa para planeamento,avaliação, análise de ocorrências significa-tivas, reflexão ética para clarificação econstrução de regras de vida com vista aodesenvolvimento sociomoral;

– Trabalho autónomo na aula e acompanha-

mento individual, tempo de estudo e apro-

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O Tempo de Estudo Autónomo e a diferenciação pedagógica

Carmen Assunção*

* 1.º Ciclo do Ensino Básico.

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fundamento dos conteúdos disciplinares,treino e produção intelectual dos alunos guia-dos por um plano individual de trabalho, e tra-balho rotativo do professor para ensino intera-tivo dos alunos que precisam de acompanha-mento individualizado.

O trabalho durante o Tempo de Estudo Au-tónomo é guiado pelo Plano Individual de Tra-balho (PIT), a partir do campo destinado às ta-refas que se realizam durante o TEA e que oaluno prevê realizar.

A instituição do TEA constitui um disposi-tivo fundamental para se conseguir uma edu-cação inclusiva, pelo trabalho de diferenciaçãonecessário à libertação do professor, de modoa permitir-lhe acompanhar os alunos que delemais precisam, para que todos possam avançarnas aprendizagens.

O TEA

“é uma ferramenta cultural concebida pelosprofessores do Movimento para ampliar a com-preensão dos alunos. Daí que então coloquem aênfase na ajuda negociada dos companheiros eno apoio direto do professor, enquanto meiosque proporcionam aos estudantes uma amplia-ção das suas capacidades intelectuais, que de-correm de um tempo diário de estudo assistido,por entenderem ser este o caminho mais práticopara a sistematização dos conteúdos curricula-res que, a cada criança, se vão revelando demais difícil consolidação. Em rigor, trabalham-se ali as necessidades vitais de cada aluno, paraque todos possam aprender tudo aquilo queainda não dominam, ou seja, proporcionam acada criança o tipo de andaime mais adequadoà sua situação em particular.” (Serralha, 2007,p. 175).

Enquanto decorre esta atividade de estudoe treino previamente planeados, o professor in-dividualiza o seu trabalho acompanhando alu-nos com necessidades de apoio específico. Asdificuldades dos alunos são trabalhadas intera-tivamente de modo a garantir o sucesso nasaprendizagens. Todo este processo é poten-ciado pela cooperação e comunicação sistemá-ticas que sustentam o desenvolvimento educa-

tivo e a gestão do currículo e apoiados por umsistema de autoavaliação cooperada instituídanas nossas salas.

Do mesmo modo, para que seja dada umaresposta efetiva às necessidades dos alunos, éfundamental que estes tenham consciência dassuas necessidades.

O presente artigo tem por base notas decampo que fui tomando ao longo do primeiroe segundo períodos e constituem um auxiliarde memória para análise e contextualização notempo, de acontecimentos significativos naevolução do trabalho e das aprendizagens dosalunos. Estes auxiliares de memória serão in-tercalados ao longo da narrativa.

Esta narrativa diz respeito ao TEA e a ou-tros momentos com ele relacionados direta-mente como sejam a avaliação do Plano In-dividual de Trabalho (PIT) em Conselho deCooperação Educativa e Apresentação de Pro-duções, espaço privilegiado de mostra, análisee discussão do trabalho realizado em TEA.

Farei uma breve contextualização teórica,procurando enquadrar o percurso realizado,um enquadramento do percurso a que chama-rei “problematização”, uma descrição do per-curso e, por fim, uma breve reflexão sobre oprocesso vivenciado.

Problematização

Como já referi anteriormente, este projetofoi desenvolvido numa turma de 1.º ano de es-colaridade. Alguns alunos não tinham frequen-tado o ensino pré escolar e os que o tinham fre-quentado não tinham muitas referências doque era o “mapa de atividades”. A alusão a esteinstrumento tem a ver com o facto de o Traba-lho de Estudo Autónomo ter sido iniciado apartir do mapa de atividades.

Algumas questões foram surgindo, não sópelo facto de as crianças ainda não dominarema escrita e a leitura, mas também pela poucaautonomia que as crianças revelavam:

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Este instrumento coletivo de registo de tra-balho foi utilizado durante apenas quatro se-manas. As crianças registavam o trabalho quequeriam realizar, imediatamente antes de oefetuarem. Levavam muito tempo neste re-gisto, não sendo este rentabilizado para traba-lhar.

Rapidamente sentimos necessidade de en-contrar um instrumento mais funcional.

Surgiu assim o primeiro instrumento de re-gisto individual(ver imagem 2).

Este foi substituído uma vez que as ativida-des plásticas eram realizadas durante o Tempode Trabalho Autónomo, o que fazia com queos alunos procurassem mais estas atividades enão se empenhassem tanto nos trabalhos detreino e de estudo. Além disso, os projetos quejá estavam implementados no trabalho da salade aula, não estavam incluídos neste modelode registo.

“Percebi que posso fazer algumas alterações noinstrumento PIT que estou a utilizar com os alunos,nomeadamente retirar as atividades plásticas e co-locá-las num outro campo que não o espaço desti-

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1 – Como fazer compreender aos alunosque este tempo deve ser utilizado paratrabalho e estudo e que há áreas do tra-balho onde devemos investir mais?

2 – Como criar parcerias de apoio dentro dasala de aula, para que os alunos possamtrabalhar o mais autonomamente possí-vel e não interromper o professor e otrabalho que este está a realizar noacompanhamento a outros alunos?

3 – Quais as atividades que devem ser prio-rizadas neste tempo de trabalho? De-vem estar incluídas a pintura, a modela-gem, as construções e outras atividadesplásticas? Se não, onde as incluir, umavez que fazem parte do currículo?

4 – Como deve ser feita a avaliação destetempo de trabalho e de que forma estafaz avançar a aprendizagem dos alunos?

Descrição do Percurso

Desde o início do ano que o Trabalho deEstudo Autónomo (TEA) foi implementado nasala de aula tendo partido do mapa de ativida-des (ver imagem 1).

As propostas de atividades a realizar, regis-tadas no mapa, foram selecionadas com osalunos.

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Organização do Acompanhamento aos alunos em TEA

Como foi referido no início do trabalho, otempo de Trabalho de Estudo Autónomo é oaspeto do modelo que melhor reflete o esforçodos professores na implementação de uma pe-dagogia diferenciada, onde procuramos orga-nizar a sala, as atividades e todo o seu funcio-namento da aula para dar resposta às necessi-dades de aprendizagem dos alunos.

Como refere Joaquim Liberal (2010a) numseu testemunho intitulado “O Trabalho doProfessor no Acompanhamento aos Alunosem Dificuldade”,

[o] Tempo de Estudo Autónomo destina-seao estudo e aprofundamento de conteúdos dis-ciplinares, ao treino e à realização de diversosprodutos culturais, orientado por um Plano In-dividual de Trabalho (PIT) semanal. Este mo-mento de trabalho autónomo e acompanha-mento individual dos alunos constitui um dosprincipais mecanismos de diferenciação peda-gógica, pois permite ao professor apoiar rotati-vamente os alunos em dificuldade. Semanal-mente, em Conselho de Cooperação Educa-tiva, os alunos elaboram a avaliação dos seusPlanos Individuais de Trabalho, a partir da qualé feito o levantamento das dificuldades indivi-duais de cada criança, ao nível das diferentesáreas curriculares disciplinares e não disciplina-res. (p. 5).

Para que o acompanhamento individual aosalunos fosse efetivo surgiu-me outra questão:como devia organizar o trabalho de forma apoder acompanhar um maior número de alu-nos e não fosse interrompida constantemente?

Como refere Sérgio Niza (2009)

[u]ma regra determinante do jogo social éque os alunos não poderão contar nesse traba-lho autónomo com o apoio do professor. Essainterdição terá de explicitar-se e assumir-se. Oprofessor ocupa o tempo de estudo autónomoda turma para apoiar os alunos em quem diag-nosticou dificuldades nas aprendizagens curri-culares. (p. 3)

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nado ao TEA. Têm que ser também incluídos osprojetos, uma vez que os alunos já iniciaram a rea-lização deste tipo de trabalho” (Notas de campo7/11/2010).

Surge assim um segundo exemplar do PIT(ver imagem 3) que alterou o funcionamento doTrabalho Autónomo, passando as atividadesde expressão plástica para o tempo de realiza-ção de projetos. Neste tempo, o professorapoiava os grupos que estavam a realizar pro-jetos de pesquisa. Os restantes alunos realiza-vam, individualmente ou a pares, projetos deexpressão plástica. Estes projetos eram supor-tados por uma ficha de projeto que tambémfoi sofrendo alterações à medida que fomossentindo necessidade de a melhorar.

“No tempo de trabalho de projetos estive a acom-panhar um grupo de estudo. Os restantes alunos es-tiveram a fazer trabalhos de expressão plástica, su-portados por uma grelha de projeto.” (Nota deCampo – 17/11/2011)

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partir da avaliação dos Planos Individuais eposterior levantamento de dificuldades (verimagem 6). Este registo era feito diariamente,imediatamente antes do início do trabalho noTEA. Só a partir de janeiro e após a conscien-cialização de quem estaria a necessitar demaior acompanhamento por parte do profes-sor, o registo dos apoios (do professor) passoua ser planificado à 2.ª feira, podendo, destaforma, os alunos organizarem melhor o traba-lho, cumprirem o previsto e superar as dificul-dades diagnosticadas.

Estas duas funções complementares e indis-pensáveis, a de trabalho autónomo e a de apoioindividual do professor, realizadas num mesmotempo curricular concretizam uma relevante di-mensão individualizada, necessária ao sistemade diferenciação da aprendizagem-ensino que

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Para tentar resolver esta questão foi intro-duzida uma grelha de registo do acompanha-mento do professor (ver imagem 4).

“Outra questão que posso introduzir já na pró-xima semana é o registo do apoio do Professor noTEA.”(Nota de Campo – 7/11/2010).

Este registo não foi suficiente pois o traba-lho de acompanhamento continuava a ser in-terrompido. Os alunos continuavam a ter ne-cessidade de apoio ao qual eu não podia res-ponder de uma forma efetiva. Era necessáriaoutra estratégia para responder às necessi-dades.

“Em relação a este último registo, o grupo da for-mação propôs que na mesma grelha estivesse tam-bém uma outra coluna, “quem dá apoio”, para sepoder incluir aí as parcerias dos alunos.”(Notas deCampo – 9/12/2010).

Assim, na grelha de registo dos apoios (verimagem 5) foi introduzido o campo “Quemapoia”, onde eram inscritos os apoios a dar nãosó pela professora, mas também pelos alunos.

Com este registo pudemos verificar que otrabalho autónomo era muito mais rentávelpois as interrupções constantes foram sendocada vez menos, não apenas pelo instrumentoem si, mas porque instituímos rotinas, refleti-mos em grupo, havendo maior tomada deconsciência das necessidades de cada um.

“Parabéns à M. porque ela trabalha muito eestá atenta.” (I., 14/01/2011); “Gostei que a I. aju-dasse o C.” (Car. 14/01/2011).

O registo dos apoios a realizar era feito a

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nho verificado que as atividades que não são cum-pridas são de escrita. Salvaguardado este apoio,prevejo que os alunos cumpram o previsto no TEA.O tempo de apoio deverá ser destinado, três quar-

tos aos apoios previstos e a quarta parte restantepara apoios esporádicos que surjam durante o tra-balho.” (Notas de Campo – 13/01/2011)

O instrumento de registo do apoio do pro-fessor, posteriormente, foi utilizado para ter-mos a perceção do trabalho realizado comcada criança e perceber os avanços e/ou retro-cessos na aprendizagem. Serviu também para,em Conselho de Cooperação, poder partilharcom os alunos da utilidade ou não desse apoiono cumprimento do trabalho previsto.

Da análise feita a estes registos verificámosque a maior parte do apoio prestado, tantopela professora como em parceria, circun-es-creve-se a apoios na área da escrita/leitura.Não nos podemos esquecer de que estamos afalar de uma turma que está a iniciar o pro-cesso de aprendizagem da escrita, daí as maio-res necessidades de apoio serem nesta área.

Percebemos também que algumas criançaspor mim apoiadas foram-no porque apresen-tavam dificuldades de atenção e concentraçãonos trabalhos a realizar. Também o ritmo lentode execução não lhes permitia cumprir oscompromissos assumidos com a turma ao ní-vel do trabalho previsto. Algumas vezes, nãose tratava de não saber realizar uma atividadeou tarefa, mas sim da necessidade de terem aminha ajuda e orientação para se concentra-rem na atividade e concretizá-la com sucesso.Daí ter sempre reservado também um tempopara “circular” pela sala e perceber se havia al-guma criança com estas dificuldades.

Para que todo este trabalho fosse possívelfoi necessário passar por um processo de cons-ciencialização das dificuldades/necessidadesdas crianças. Depois desta consciencializaçãotornou-se evidente, para a turma, a necessi-dade de organizar os apoios como forma deajudar a superar as dificuldades detetadas.

Como refere Joaquim Liberal (2010b)

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integra o modelo pedagógico que estamos aconstruir” (Niza, 2009, p. 3).

O registo dos apoios em parceria continuoua ser feito diariamente (ver imagem 7). Estas par-cerias eram constituídas entre os alunos daturma que se disponibilizam para ajudar os co-legas em dificuldade.

Durante a primeira parte do tempo de tra-balho autónomo, empenhava-me no acompa-nhamento das crianças que constavam do re-gisto dos apoios. Na parte final deste tempo,circulava pela sala para perceber se havia al-guma necessidade de apoio pontual que ti-vesse surgido durante o trabalho. Os restanteselementos do grupo cumpriam o estabelecidonas parcerias, desenvolvendo trabalho coope-rativo com os colegas e cumprindo os com-promissos presentes nos seus Planos Indivi-duais de Trabalho.

“Farei com os alunos o levantamento de quemnecessita mais do meu apoio e o plano dos apoios doprofessor será feito logo à 2.ª feira aquando da pla-nificação do TEA para que os alunos que mais ne-cessitam do meu apoio, principalmente na escrita,possam cumprir o previsto em TEA, uma vez que te-

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O facto de termos um conjunto de registosindividuais e coletivos (ver imagem 9), ajuda-nos a saber, com maior rigor, onde está cadaaluno e permite-nos fazer um diagnóstico/ba-lanço, o mais fiel possível da situação, e orga-nizar o trabalho no sentido de fazer evoluir to-dos os alunos. As notas de campo seguintesmostram como passou a funcionar o trabalhodos apoios e as parcerias:

“Esta semana a produção de trabalho foi grande,pela maior parte dos alunos. No fim do balanço dotrabalho previsto e realizado, foram apreciadas di-versas situações:

– Alunos com o o Dár. e o Ce. que têm tido difi-culdade em cumprir o previsto, esta semana cumpri-ram e até ultrapassaram o previsto.” (notas decampo – 21/2/2011).

A avaliação partilhada permite-nos ter umleque de informação que nos ajuda a clarificara situação de cada um de forma a podermos

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...[a]pós o processo de consciencializaçãodas dificuldades das crianças, tornou-se evi-dente para a turma que o trabalho a ser desen-volvido junto destes alunos teria que assumircomo objetivos primordiais a superação dessesproblemas e que todas as estratégias desenvol-vidas teriam que dar um contributo efetivonesse sentido. Daqui decorre a necessidade denos organizarmos de modo a que os professorespossam de facto realizar um trabalho de dife-renciação das aprendizagens, planeando mo-mentos através dos quais se possa sentar aolado das crianças em dificuldade de modo acompreendê-las melhor, ajudando-as a tomarconsciência dos problemas que têm e da formacomo podem ser resolvidos (…) (p. 14).

Sendo alunos muito jovens, a forma que en-contrei para fazer perceber quais os que esta-vam em dificuldade foi a análise do registo deavaliação do número de produções realizadasem TEA (ver imagem 8).

“Na planificação do trabalho do TEA, partilheicom os alunos as minhas preocupações em relação àaprendizagem e ao desenvolvimento do trabalho dealgumas crianças. Pedi que dissessem quem é queachavam que estava na situação atrás referida,tendo verificado que as crianças tinham consciênciade quem é que estava em dificuldade e a necessitarde mais apoio. Ficou decidido que o apoio a dar pormim seria prioritário para esses alunos.” (Notas deCampo – 17/01/2011).

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Avaliação do PIT

A avaliação do PIT em Conselho de Coo-peração também foi sofrendo alterações (verimagem 11). Por questões de horário, para me-lhor rentabilizar o tempo, inicialmente a ava-liação do PIT era feita à 6.ª feira e a discussãodo Diário de Turma e planificação do trabalho,na 2.ª feira seguinte. Quando os alunos come-çaram a fazer a previsão do trabalho, a agendafoi alterada, estando, desde dezembro, a fazera discussão do diário de turma à 6.ª feira. À 2.ªfeira fazemos a avaliação do PIT e a planifica-ção do trabalho por considerarmos que a dis-tância temporal que mediava a avaliação daplanificação do novo PIT era grande e os alu-nos não se recordavam já dos compromissosde trabalho assumidos na 6.ª feira anterior.A avaliação está presente para se poder fazeruma planificação mais adequada às necessida-des e dificuldades levantadas.

“Durante a avaliação do PIT é registado numagrelha coletiva o número de trabalhos de cada ativi-dade que os alunos realizaram durante a semana.Falei da necessidade de investirem mais em deter-minadas atividades e ficou assinalado a vermelhona referida grelha as atividades que achavam queera necessário trabalhar mais: escrita, leitura/biblio-teca, fichas de L.P. e Fichas de matemática.” (Notasde Campo – 22/11/2010).

A verdade é que os alunos não começaramimediatamente a investir no que tinha sido

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organizar o trabalho de apoio. O registo mos-tra-nos o que atrás foi dito.

Funcionamento do TEA

Para responder a questões relacionadascom o funcionamento em TEA e para que estetempo seja rentabilizado no treino de compe-tências e Estudo Autónomo na sala de aula, foidefinido o que era necessário “Para trabalharbem em tempo de TEA “. O registo escrito estána sala para lembrar os alunos dos compro-missos assumidos (ver imagem 10).

Notei que da parte de alguns alunos houvemaior preocupação em cumprir o que estavaregistado no guião, principalmente em relaçãoao item

“quando vamos iniciar o trabalho em TEA deve-mos consultar o PIT para ver o que temos para fa-zer” (Nota de campo – 24-1-2011)

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demos verificar através das notas de campo(ver imagem 13):

“A minha orientação foi excessiva, não foram osalunos a decidir o que tinham de realizar. Durantea semana fui lembrando às crianças que deviam in-vestir nos compromissos.

A Cat. revelou preocupação em cumprir o queestava previsto, lembrando que se não respeitásse-mos o plano do dia, não tinha tempo para cumprir.A E. também trabalhou em função do que estavaprevisto, mas com os restantes alunos, apesar de al-guns terem cumprido o que previram, isso não acon-teceu por preocupação própria, mas sim porque osorientei constantemente e a alguns pressionei bas-tante para que cumprissem o previsto. Ainda não seenvolveram neste compromisso.” (Notas de Campo– 4/12/2010).

A avaliação do PIT teve que ocupar ummaior espaço nos nossos Conselhos de Coor-denação Educativa e o PIT foi sofrendo váriasadaptações ao longo do segundo período, deforma a responder à evolução da turma e àsnecessidades de diferenciar o trabalho.

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combinado como prioritário, como podemosver nas notas de campo (ver imagem 12):

“Esta semana verificámos que alguns alunosnão trabalharam o necessário nas atividades assi-naladas como prioritárias. No fim da avaliaçãopropus que no plano da semana seguinte, (lem-brando o que o J.L. tinha proposto na semana an-terior), cada um fizesse já uma planificação do tra-balho que pretendia realizar, tendo em conta as ati-vidades em que mais deveriam investir. Com otrabalho previsto pode ser que invistam nas ativi-dades onde é necessário trabalhar mais.“ (Notas deCampo, 26/11/10).

Para que fosse possível a previsão do traba-lho a realizar, foi necessário alterar o PIT quepassou a ter uma coluna para previsão do tra-balho.

Mas, criar ou recriar um instrumento ondeos alunos pudessem fazer a previsão do traba-lho não foi suficiente para trabalharem maisnas áreas deficitárias, talvez por não se ter dis-cutido suficientemente esta questão, como po- Imagem 13

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Foi criado um instrumento coletivo, com oscritérios constantes no PIT. O objetivo desteinstrumento coletivo foi ter o maior númerode informação disponível para todos poder-mos refletir e perceber se estavam a trabalharobedecendo aos critérios que tínhamos defi-nido, ou se teríamos que alterar mais algumacoisa (ver imagem 14).

Ainda no decorrer do segundo período per-cebemos que a auto avaliação do trabalho de-via ser descritiva para se perceber melhor otrabalho realizado pelos alunos, porque algu-mas crianças começaram a manifestar preo-cupação em explicar ao Conselho a razão donão cumprimento, como consta das notas decampo seguintes:

“Durante a avaliação do PIT as crianças mani-festaram alguma preocupação por não poderem re-gistar porque é que não cumpriram. Como tambémjá tinham manifestado interesse em registar as par-cerias, propus-me apresentar na próxima semanaum novo modelo de PIT.” (Notas de Campo –26/02/2011).

Estes dois exemplos (ver imagem 15) refle-tem a forma como os alunos se foram apro-priando da importância da avaliação para po-dermos avançar na aprendizagem. Só ava-liando é que percebemos quais as necessidadese evolução possível.

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“Na semana de 24/1 a 28/1 o instrumento PITteve uma nova alteração, no que diz respeito aoTEA. O registo de produção escrita foi desdobradoem textos do quotidiano, histórias e cartas e a leituraem leituras no cadernão, livros da biblioteca dasala, listas de palavras.” (Notas de Campo –30/01/2011)

A avaliação do PIT em Conselho foi evo-luindo, passando de uma avaliação quantita-tiva para uma avaliação segundo critérios quefomos criando e que estavam presentes noPIT.

“Também percebi que, mais do que avaliar o nú-mero de trabalhos que realizaram, era importantefazer incidir a avaliação em critérios de qualidadeque estão previstos na avaliação do PIT e registar nummapa coletivo.” (Notas de Campo – 31/01/2011)

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Apresentação de Produções do TEA

Os momentos diários de apresentação deproduções, onde as crianças mostram os seusprodutos e se sujeitam às apreciações dos cole-gas, são importantíssimos para analisarmos aevolução dos alunos na tomada de consciênciados avanços na aprendizagem, na apropriaçãode conceitos e conteúdos, na construção do co-nhecimento e também da necessidade demaior empenhamento no trabalho que se rea-liza:

“ Eu acho que o texto está engraçado, mas a pon-

tuação não está correta – A. 10/3/2011”; “Eu acho

que tens capacidade para fazer textos maiores. –

D.R. 11/3/2011”; “ Eu não estou a dizer que o texto

está pequeno, mas acho que faltam coisas. – E.

7/4/2011);” “Eu quero dar os parabéns ao J.L. por-

que leu com muita entoação. – A 6/4/2011)”.

Manuela Pestana (2010) refere

Os alunos deverão conhecer os objetivos dasua aprendizagem (o que posso aprender e paraque me servirá este conhecimento), deverão sa-ber os caminhos que podem percorrer para al-cançar o conhecimento (como posso fazer, to-mada de consciência dos mesmos), deverão termomentos em que se sujeitam à avaliação qua-litativa e descritiva dos percursos realizados,com o feedback dos seus colegas e do professor,para que desta forma possam saber se atingiramo objetivo inicial ou não. Se não, deverão modi-ficar estratégias, percorrer caminhos diferentes,em parceria, para conseguir atingir, finalmente,o seu objetivo, desenvolver o conhecimento (es-tratégias cognitivas e metacognitivas) (p. 11).

Conclusões

Tendo sido colocadas, no início deste ar-tigo, questões que queríamos trabalhar, cabe-nos agora fazer uma síntese, em jeito de con-clusão, do que pensamos ter conseguido. Nãosendo este trabalho de carater quantitativo(não era esse o objetivo), as inferências que fa-zemos são suportadas pelas notas de campo deque fomos dando conta ao longo desta descri-

ção, dos registos de avaliação semanais do tra-balho realizado em TEA e dos registos doacompanhamento do professor.

Através das reformulações do instrumentoPIT, que fomos fazendo principalmente no pri-meiro período e início do segundo, das refle-xões, em Conselho, sobre o trabalho realizado edas áreas onde tinham que trabalhar mais, po-demos afirmar que os alunos se foram apro-priando do sentido regulador deste instrumentodo trabalho em TEA, passando a utilizar melhoreste tempo de trabalho, tanto ao nível do nú-mero de produções, como da sua qualidade.

O acompanhamento a alunos, tanto porparte do professor, como pelos alunos em par-ceria, de uma forma organizada, partilhada,construída, como documentamos ao longo dotrabalho, foi estruturante e determinante naaprendizagem cooperada. Os alunos foramprogressivamente interiorizando a necessidadede respeitar o trabalho de cada um e o trabalhode acompanhamento do professor, não o inter-rompendo.

Apesar de alguns alunos continuarem aapresentar algumas dificuldades, sabemos queo acompanhamento a estes alunos foi funda-mental para não desistirem, para acreditaremque são capazes de avançar. Temos a certezade que, sem este acompanhamento sistemá-tico e organizado, o percurso destas criançasestaria comprometido.

Ter sido clarificado, logo no início do ano,que as atividades de expressão plástica seriamtrabalhadas noutro tempo – tempo dos proje-tos – foi fundamental para a organização e odesenvolvimento do trabalho em TEA e parase poderem trabalhar as áreas mais deficitáriase/ou as que necessitavam de maior sistemati-zação, como sejam a escrita e a leitura.

A avaliação do TEA, em Conselho de Coo-peração, e a forma como esta foi evoluindo,passando de uma avaliação quantitativa a umaavaliação qualitativa, fazendo o levantamento,com os alunos, de critérios de avaliação, perce-bendo se estavam ou não a investir nas áreasonde apresentavam dificuldades ou se propu-

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nham avançar e passar para outro patamar, fezavançar o grupo.

Face ao percurso realizado, concluímos que,apesar do muito que conseguimos ao nível dodesenvolvimento da autonomia, da coopera-ção, da aprendizagem como uma construçãosocial, este foi o início de uma caminhada que,obrigatoriamente, tem de ser continuada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Assunção, C. (2011). O Tempo de Estudo Autónomo e a diferenciação pedagógica. Escola Moderna, 40, 5.ª série, 13-24.