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1 Miguel Augustin Kreling [email protected] Universidade Federal do Rio Grande do Sul http://www.ufrgs.br/universidadeviva/ O SWAP DE PROTEÇÃO CAMBIAL E O CONTINGENCIAMENTO DO CRÉDITO AO SETOR PÚBLICO NO BRASIL Miguel Augustin Kreling 1 INTRODUÇÃO Inúmeras empresas brasileiras que atuam no mercado internacional – e, assim, possuem ativos e passivos em moeda estrangeira – vêm tentando fazer frente à flutuação cambial, a fim de estabilizar seus custos e melhorar seu planejamento financeiro. O recurso de que essas empresas têm lançado mão é o hedge. Esse instrumento, no contexto da volatilidade dos mercados emergentes com câmbio livre, tem sido cada vez mais utilizado por toda a sorte de empresas. As empresas estatais – entre as quais se incluem as de economia mista – têm, contudo, encontrado certa resistência, por parte de alguns bancos, em aceitar realizar a operação, sob a alegação de que o contingenciamento do crédito ao setor público ser-lhes-ia um empecilho. Entretanto, o mercado no qual as empresas estatais atuam é extremamente competitivo, nacional e internacionalmente, e também é compartilhado pelas empresas privadas. Permitir a estas, mas não àquelas, que se protejam através do hedge, implica desequilibrar as condições de concorrência, favorecer a umas em detrimento das outras – o que é inadmissível em um mercado positiva e minimamente concorrencial e, até mesmo, inviável às empresas estatais. Assim, o hedge passa a ser compreendido como um ditame da boa administração, não podendo a empresa competitiva subtrair-se à sua utilização. Nestes termos, coloca o problema Luis Mélega: “Assim expostas as noções do ‘hedging’, noções essas comuns no mercado de produtos, e descartadas as operações que possam revelar mera especulação, chega-se à conclusão de que este tipo de negócio não deve ser definido, face às empresas comerciais e/ou industriais que o praticam, como simples operação eventual ou aplicação financeira. Em essência essa operação é medida de cautela que se destina a eliminar ou diminuir os riscos inerentes às oscilações de preço, sendo por isso mesmo providência que deve se arrolada entre aquelas que necessariamente precisam ser adotadas pelas administrações conscientes, no desempenho das atividades que a empresa se propôs a exercitar” (MÉLEGA, Luiz. As operações de “hedging” praticadas por firmas nacionais no comércio exterior. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, São Paulo, RT, n. 35, jul. – set. 1979, p. 52). (grifou-se) 1 Acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisador do Grupo de Pesquisa CNPq “Mercosul e Direito do Consumidor” sob a coordenação da Profa. Dra. Cláudia Lima Marques.

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Miguel Augustin [email protected] Federal do Rio Grande do Sulhttp://www.ufrgs.br/universidadeviva/

O SWAP DE PROTEÇÃO CAMBIAL E O CONTINGENCIAMENTO DOCRÉDITO AO SETOR PÚBLICO NO BRASIL

Miguel Augustin Kreling1

INTRODUÇÃO

Inúmeras empresas brasileiras que atuam no mercado internacional – e,assim, possuem ativos e passivos em moeda estrangeira – vêm tentando fazer frenteà flutuação cambial, a fim de estabilizar seus custos e melhorar seu planejamentofinanceiro. O recurso de que essas empresas têm lançado mão é o hedge. Esseinstrumento, no contexto da volatilidade dos mercados emergentes com câmbiolivre, tem sido cada vez mais utilizado por toda a sorte de empresas. As empresasestatais – entre as quais se incluem as de economia mista – têm, contudo,encontrado certa resistência, por parte de alguns bancos, em aceitar realizar aoperação, sob a alegação de que o contingenciamento do crédito ao setor públicoser-lhes-ia um empecilho.

Entretanto, o mercado no qual as empresas estatais atuam é extremamentecompetitivo, nacional e internacionalmente, e também é compartilhado pelasempresas privadas. Permitir a estas, mas não àquelas, que se protejam através dohedge, implica desequilibrar as condições de concorrência, favorecer a umas emdetrimento das outras – o que é inadmissível em um mercado positiva eminimamente concorrencial e, até mesmo, inviável às empresas estatais.

Assim, o hedge passa a ser compreendido como um ditame da boaadministração, não podendo a empresa competitiva subtrair-se à sua utilização.Nestes termos, coloca o problema Luis Mélega:

“Assim expostas as noções do ‘hedging’, noções essas comuns no mercado deprodutos, e descartadas as operações que possam revelar mera especulação,chega-se à conclusão de que este tipo de negócio não deve ser definido, face àsempresas comerciais e/ou industriais que o praticam, como simples operaçãoeventual ou aplicação financeira. Em essência essa operação é medida de cautelaque se destina a eliminar ou diminuir os riscos inerentes às oscilações de preço,sendo por isso mesmo providência que deve se arrolada entre aquelas quenecessariamente precisam ser adotadas pelas administrações conscientes, nodesempenho das atividades que a empresa se propôs a exercitar”(MÉLEGA, Luiz. As operações de “hedging” praticadas por firmas nacionais nocomércio exterior. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro,São Paulo, RT, n. 35, jul. – set. 1979, p. 52). (grifou-se)

1 Acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisador do Grupo dePesquisa CNPq “Mercosul e Direito do Consumidor” sob a coordenação da Profa. Dra. Cláudia Lima Marques.

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É sob esse contexto que surgiu a nossa preocupação com o enquadramentolegal da operação de swap de proteção cambial ante os normativos que dispõemsobre o contingenciamento do setor público.

As hipóteses e as modalidades de swap e hedge são muito variadas. Suasestruturas, de caso a caso, podem mudar tanto que, por vezes, resta até mesmodifícil entender por que são ainda identificadas pelo mesmo nome. Basta, paratanto, lembrar que existem swaps de moedas, de taxa de juros, de mercadorias(commodities), de títulos mobiliários e que o hedge (isto é, a proteção) pode ou nãoser operacionalizado mediante swap.

Em virtude da desnecessidade, para os fins propostos, de avaliarem-se todasas modalidades existentes, este estudo limitar-se-á à análise de uma operaçãopadrão, a que muitas empresas estatais vêm sabidamente recorrendo (doravante, aOPERAÇÃO).

A OPERAÇÃO tem por finalidade proteger o passivo circulante que umaempresa tem em dólar contra a variação da taxa de câmbio. Consiste em um acordopelo qual ela se obriga perante determinado banco a pagar-lhe, em datadeterminada (estipulada em consonância com a data em que seu passivo vence nofuturo), o valor equivalente ao passivo contratado corrigido segundo uma taxa (porexemplo, 105% do CDI), em troca do mesmo valor, na mesma data, a ser pago pelobanco, só que corrigido segundo a variação cambial do dólar em relação ao real(moeda em que uma suposta empresa possui ativos). Essa operação é dita semcaixa pois não implica movimentação financeira quando de sua contratação,situação essa que perdura até à data acordada, em que se fará a liquidação dadiferença entre as duas prestações, cabendo então, a uma das partes (à empresa ouoa banco), pagar o saldo apurado, feita a devida compensação.

Caso a variação percentual do dólar tenha sido superior à da outra taxa usadacomo referência para a correção da contraprestação, então incumbirá ao bancopagar à empresa justamente aquele valor que, em razão da desvalorização do real,lhe faltará para fazer frente ao passivo previamente fixado em dólar. Caso ocorra ocontrário, a empresa deverá pagar ao banco precisamente a quantia a mais queagora tem, em virtude da apreciação do real, em relação àquela da qualoriginalmente (na data da contratação da OPERAÇÃO) dispunha para saldar odébito em dólar.

1. A competência para regular as operações de swap e hedge

As operações de swap no Brasil são reguladas pelo Conselho MonetárioNacional, conforme dispõe a Lei 4595, de 31 de dezembro de 1964, em seu artigo4o , inciso XXXI:

“Art. 4o Compete privativamente ao Conselho Monetário Nacional: XXXI - Baixarnormas que regulem as operações de câmbio, inclusive swaps, fixando limites,taxas, prazos e outras condições”.

Podendo as operações de hedge serem concebidas como uma espécie dentreas operação de swap, de cujo gênero elas se distinguem por sua especial finalidade– a de proteção (e não de especulação) – , entende-se compreendidas as de hedge –inclusive a OPERAÇÃO – no conceito de swaps previsto pela norma.

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Por isso, neste estudo, far-se-á freqüentemente referência a normativos doBanco Central (BACEN), e, ainda, muito especialmente, a Resoluções e Circularesbaixadas pelo Conselho Monetário Nacional (doravante, o CMN).

2. A questão terminológica

É conveniente, já de antemão, dissipar qualquer dúvida que possa existir arespeito dos conceitos de swap e hedge, bem como definir se a OPERAÇÃOpadrão, sob análise, constitui, afinal, swap e/ou hedge.

O Conselho Monetário Nacional define as operações de swap (ou swaps)como “aquelas realizadas para liquidação em data futura que impliquem na trocados resultados financeiros decorrentes da aplicação, sobre valores ativos oupassivos, de taxas ou índices utilizados como referenciais” (art. 1o , § 1o , I daResolução 2873, de 26 de julho de 2001). Essa definição tem-se mantido, em suasubstância, constante desde 1994, quando da edição da primeira resolução tendopor objeto a regulação das operações de swap.2 Note-se a generalidade da definiçãolegal das operações de swap, que consistem, fundamentalmente, em uma permutafinanceira, independentemente dos valores de base ou dos índices empregados parasua correção. Portanto, o swap define-se em função de seu meio operacional – apermuta de duas somas que, de início, tendem a ser equivalentes, mas que, ao final,uma vez que corrigidas por taxas diversas, tendem a discrepar – independentementedo fim colimado pelas partes.

Neste sentido, explica Francesco Rossi:

“Il contratto di swap si presenta infatti come uno strumento “multiuso” opolivalente, a seconda della finalità in concreto perseguita da ciascuna delle partiche, come annota la dotritta finanziaria e aziendalistica, può essere quella disfruttare opportunità di arbitraggio oppure quella del c.d. hedging oppure ancoraquella del c.d. traiding. È così possibile che lo stesso contratto di swap, adesempio, sia concluso da una parte allo scopo di coprirsi da un rischiopreesistente mentre dalla controparte per finalità meramente speculative (...). (...)[É] così anche per il contratto di swap che, come la dottrina finanziaria eaziendalistica ha puntualmente rilevato, può servire tre scopi diversi: la riduzionedei costi di un finanziamento (o l’incremento dei rendimenti di un investimento)sfruttanto delle oportunità di arbitraggio (c.d. arbitrage), la copertura di unrischio di prezzo (rischio di tasso di interesse, rischio di cambio, rischio di basetra due diversi tassi di interesse variabili: c.d. hedging) ovvero la speculazione(c.d. traiding)”(ROSSI, Francesco. Profili giuridici del mercato degli swaps. Banca, borsa e titolidi credito: Rivista di dottrina e giurisprudenza. Milano, Giuffrè, n. XLVI/V, set. –ott. 1993, p. 611-612).

2 As operações de swap eram anteriormente definidas como “as operações consistentes na troca dos resultadosfinanceiros decorrentes da aplicação de taxas ou índices sobre ativos ou passivos utilizados como referenciais” (art.1o § 1o da Resolução 2138, de 29 de dezembro de 1994); e “as operações consistentes da troca dos resultadosfinanceiros decorrentes da aplicação de taxas ou índices sobre ativos ou passivos utilizados como referenciais” (art.1o § 1o da Resolução 2042, de 13 de janeiro de 1994).3 As operações de swap eram anteriormente definidas como “as operações consistentes na troca dos resultadosfinanceiros decorrentes da aplicação de taxas ou índices sobre ativos ou passivos utilizados como referenciais” (art.1o § 1o da Resolução 2138, de 29 de dezembro de 1994); e “as operações consistentes da troca dos resultadosfinanceiros decorrentes da aplicação de taxas ou índices sobre ativos ou passivos utilizados como referenciais” (art.1o § 1o da Resolução 2042, de 13 de janeiro de 1994).

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Já o hedge (ou hedging), por oposição, configura operação de coberturacontra um risco4 – no caso, o da disparidade entre moedas – e que, desse modo,defini-se em função do fim – o de proteção – que, pelo menos, uma das partes, temem vista ao contratar, independentemente do meio pelo qual se instrumentaliza. Porconta disso, tem-se que o hedge pode ser instrumentalizado de diversas formas,dentre as quais se destaca a compra de títulos públicos referenciados em moedaestrangeira – como as Obrigações do Tesouro Nacional, denominadas, no jargão domercado, de “OTNs Cambiais”, muito utilizadas até 1989, quando o governobrasileiro extinguiu-as. Essas obrigações “possibilitavam ao seu portador optar,quando de seu resgate, pela correção baseada nos coeficientes da Secretaria doPlanejamento, ou pela correção baseada nos coeficientes calculados pelo BancoCentral do Brasil com base na variação da cotação do cruzado [sic] no mercadode câmbio” (BASTOS, Celso Ribeiro. KISS, Eduardo Amaral Gurgel. O hedge e ocontrato de hedge. In BASTOS, Celso Ribeiro. Contratos internacionais: compra evenda internacional, carta de crédito comercial, o hedge e contrato de hedge. SãoPaulo: Saraiva, 1990. p. 167.).

Assim, o hedge é essencialmente proteção contra um risco, seja o devariações de taxas de juros, de paridades entre moedas ou de preços demercadorias. É o que explica Nelson Eizirik:

“A finalidade do contrato futuro, de proteção contra a variação de preços, podeser verificada em todas as modalidades de hedge, independentemente do bemobjeto do contrato, que pode ser mercadorias, ativo financeiro, moeda, ações etc.Nesse sentido, vale referir que no Direito norte-americano todos os ativos quepodem ser objeto de contratos a futuro, sejam mercadorias, sejam ativosfinanceiros, são considerados commodities e submetidos à regulamentação efiscalização do Commodity Futures Trading Commission” (EIZIRIK, Nelson.Aspectos jurídicos dos mercados futuros. Revista de direito mercantil, industrial,econômico e financeiro. São Paulo, RT, n. 81, jan. - mar. 1991, p. 25).

Em reforço, é válido também, mutatis mutandis, o ensinamento de RoqueAntonio Carraza:

“De fato, ninguém duvida que pode haver – e quase sempre há – uma oscilação depreços entre estes dois marcos temporais. Noutros falares, quem praticaoperações a termo assume o risco (álea) de ter assinalados ganhos (lucros) ouvultuosas perdas (prejuízos), dependendo da alta ou da baixa dos preços dosprodutos negociados. Justamente para afastar os riscos assumidos pelosoperadores do mercado a termo é que surgiu o mecanismo da cobertura, maisconhecido como hedge ou hedging. É ele que estabiliza as possibilidades deganho. No hedge temos, de um lado, os que transferem o risco (os hedgers) e, dooutro lado, os que aceitam suportá-lo (os epeculadores), que, diga-se depassagem, não estão envolvidos na atividade produtiva. (...) Esta operaçãoconjunta, que tem por escopo neutralizar uma posição de risco, por meio de outraequivalente, tem o nome técnico de hedge (ou hedging). (...) O hedge (que, eminglês, literalmente significa “cerca, muro, barreira, limite”) é, em resumo, umproteção ou cobertura de risco. Isto explica porque é denominado, em vernáculo,contrato de cobertura. E, realmente, o hedge é, em última análise, um contrato decobertura contra riscos decorrentes da normal variação de preços. Em temos maistécnicos, tem por finalidade ilidir riscos inerentes às operações de venda ecompra, com execução diferida. Não é a toa que Keynes enfatizava que, em última

4 Esse é o foco da Circular nº 2.348, de 30 de julho de 2003, editada pela Diretoria do BACEN.

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análise, o hedge é um “seguro de preços”, já que tem por escopo reduzir os riscosda normal variação de preços, para quem realiza venda a futuro, isto é, vendapara entrega futura de mercadorias ou ativos financeiros”(CARRAZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda – operações de hedgeinternacional. Revista dialética de direito tributário, São Paulo, Oliveira Rocha, n.27, dez. 1997, 152-153). (grifou-se)

Carlos Augusto da Silveira Lobo também explica que o hedge define-se porsua finalidade de proteção, independentemente do objeto a ser protegido:

“A principal função dos mercados futuros não é, portanto, propiciar a circulaçãode mercadorias e produtos agrícolas, mas sim assegurar aos agentes econômicos,que, pela natureza, se sujeitam naturalmente a riscos de determinada natureza,um mecanismo eficaz (o hedging) para se protegerem contra os riscos decorrentesde mudanças de preços no futuro. São esses riscos o objeto das negociações; nãoas mercadorias ou outros ativos, que servem de base aos contratos de futuros.Ora, esse mecanismo de hedging funciona da mesma forma, não somente paraproteger contra riscos de variação futura de preços de mercadorias e produtosagrícolas, como também em relação aos riscos inerentes a qualquer espécie deativos ou passivos, tangíveis ou intangíveis, cujos valores estejam sujeitos avariações insuspeitadas no futuro. (...) Hoje há uma extensa gama de valoresfuturos nos pregões, ensejando aos usuários a obtenção de hedging para quasetoda espécie de riscos, não somente os relativos a preços de mercadorias, comotambém os referentes a valores futuros de diversos ativos financeiros e outrosinteresses. Há mercado de futuros de câmbio, de juros, de índices de ações e devários outros valores abstratos cuja variação no futuro acarreta risco para quemexerce uma atividade econômica”(LOBO, Carlos Augusto da Silveira. Os mercados de futuros. Revista de direitomercantil: industrial, econômico e financeiro. São Paulo, Malheiros, n. 124, out.-dez. 2001, p. 150).

Curiosamente, cada vez mais, o hedge vem descobrindo no swap um meioeficiente de operacionalizar a proteção colimada, enquanto que o swap vem tendono hedge uma de suas aplicações mais importantes à estabilidade econômico-financeira. É dessa forma que ambas as operações entrecruzam-se e, até certoponto, confundem-se. Entretanto, sendo hedge o fim, e swap o meio, deve-se deixarclaro que nem todo swap visa ao hedge, e que nem todo hedge processa-se naforma de swap. Entre as esferas de operações abrangidas por ambas categorias, háuma intersecção na qual o swap é hedge, já que a permuta financeira objetivaproteção, e o hedge é swap, vez que a proteção se opera mediante permutafinanceira. Diversa não é a posição de Roque Antonio Carraza:

“Entendemos que as operações de swap, que visam proteger ativos financeiroscontra riscos de oscilação de preços ou de taxas, podem ser consideradasoperações de hedge, pelo menos para fins de dispensa de retenção do impostosobre a renda na fonte (“IR-fonte”) das pessoas jurídicas(cf. art. 77, da Lei nº 8.981/95)” (CARRAZA, Roque Antonio. Imposto sobre arenda – operações de hedge internacional. Revista dialética de direito tributário,São Paulo, Oliveira Rocha, n. 27, dez. 1997, 155). (grifou-se)

É precisamente este o caso da OPERAÇÃO sob exame. A ela poder-se-áreferir, portanto, tanto por hedge quanto por swap, desde que não se perca de vistaque uma é também a outra e vice-versa.

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3. O contingenciamento do crédito ao setor público

Contingenciar significa controlar, limitar, no caso, o crédito ao setor público.O contingenciamento do crédito ao setor público é uma determinação do CMN quedeve se compreendida dentro do contexto de uma série de medidas – cujo melhorexemplo é a Lei de Responsabilidade Fiscal – que se vêm tomando desde 2000,com o escopo de implementar uma maior responsabilidade na gestão dos recursospúblicos, prevenindo riscos, corrigindo desvios e promulgando uma ação fiscalplanejada e transparente.

O objetivo desse contingenciamento é, a toda evidência, evitar umendividamento excessivo do setor público – já que o paternalismo estatal tende asinalizar às instituições financeiras a possibilidade de conceder-lhe limites maisgenerosos de crédito – prezando por sua saúde financeira.

O contingenciamento do crédito ao setor público foi consolidado e teve suasregras assim redefinidas pela Resolução nº 2.827, de 29 de março de 2001, doCMN, verbis:

“Art. 1º. Limitar o montante das operações de crédito de cada instituiçãofinanceira e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central doBrasil com órgãos e entidades do setor público a 45% (quarenta e cinco porcento) do Patrimônio de Referência (PR), nos termos da regulamentação emvigor.” (grifou-se)

A questão delicada é a qualificação ou não da OPERAÇÃO como “operaçãode crédito”. Essa se constitui, por isso mesmo, no cerne dão estudo, uma vez que édesse enquadramento (ou não) da OPERAÇÃO como “operação de crédito” quehaverá de decorrer sua sujeição às regras que tratam do contingenciamento docrédito ao setor público.

Para a Resolução nº 2.827, por operação de crédito deve-se entender – no quetalvez diga respeito mais diretamente à OPERAÇÃO (art. 1o, § 1o, II, e):

“II – por operação de crédito:(...)e) toda e qualquer operação que resulte, direta ou indiretamente, em concessão decrédito e/ou captação de recursos de qualquer natureza, inclusive com uso dederivativos financeiros.” (grifou-se)

Observe-se que o conceito central desta definição é a “concessão de crédito”e a “captação de recursos de qualquer natureza”. O “uso de derivativos financeiros”– em cujo conceito se pode incluir o swap – é um mero adendo explicativo que, abem da verdade, não integra a definição de operação de crédito, mas, tão-somentelembra ao aplicador da norma que derivativos financeiros podem ser – porém nãonecessariamente o são – utilizados na concessão de crédito ou captação de recursos.

5 A natureza de sociedade controlada decorre da definição legal de acionista controlador expressa no art. 116 da Leide Sociedades por Ações, que assim dispõe: Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural oujurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos desócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia geral e o poder deeleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociaise orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

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Assim, resta claro que, sem concessão de crédito ou captação de recursos – mesmoque se empreguem derivativos financeiros – não há operação de crédito.

Resta, assim, imprescindível analisar a operação de swap de proteçãocambial para verificar se nela há ou não concessão de crédito. Da solução dessaindagação depende a possibilidade de empresas estatais realizarem a OPERAÇÃOsem ou com o empecilho do contingenciamento do crédito ao setor públicoinstituído pelo ato normativo acima referido. Tal empecilho torna-se significativo àmedida que os bancos, em geral, tendem a já ter comprometida a parcela de 45% deseu Patrimônio de Referência com órgãos e entidades do setor público, ou, aindaque não os tenham, pode implicar na majoração das taxas e spreads aplicados porconta da utilização desse limite percentual.

Ademais, cumpre registrar que costuma não convir às empresas estatais, afim de superar, por outra via, o empecilho do contingenciamento do crédito ao setorpúblico, dar em garantia formal e exclusiva ao banco duplicatas originárias devendas mercantis ou prestação de serviços, conforme lhes faculta o art. 9o, § 1o, I,alínea a da Resolução nº 2.827 do CMN.

4. Swap de proteção cambial é operação de crédito?

Cumpre enfatizar que os normativos do CMN que regulam ocontingenciamento do crédito ao setor público só adquirem relevância no casoconcreto se a OPERAÇÃO for qualificada, perante eles, como uma operação decrédito. Por isso, o cerne da questão está em averigüar a verdadeira natureza doswap de proteção cambial, a fim de determinar se ele implica ou pode implicarconcessão de crédito. Eventual resposta positiva exigiria exame mais detido daOPERAÇÃO, porquanto atrairia a incidência do ato normativo que impõe ocontingenciamento de crédito ao setor público. De outra parte, uma respostanegativa – confirmando a inexistência de uma operação de crédito – praticamenteresolveria, neste particular, a questão, afastando a incidência do normativo em tela.

Desse modo, a análise importará no exame do conceito de crédito, daestrutura da operação de hedge e sua natureza jurídica, para, ao final, cotejar ocrédito e o hedge e, ao cabo, extremar-lhes a distinção. Caberá ainda, de resto,apontar razões de ordem teleológica – isto é, concernentes aos fins visados pelamedida do contingenciamento – para demonstrar a impropriedade da identificaçãodo hedge com a concessão de crédito.

5. A conceituação da ‘operação de crédito’

A primeira advertência a ser feita quando se busca precisar o significado daexpressão ‘operação de crédito’ empregada no normativo em tela é a de que otermo ‘crédito’ pode ser entendido em diferentes acepções.

Como bem demonstra Fábio Konder Comparato,6 há, basicamente, trêsnoções de crédito: a moral, a econômica e a jurídica. A noção moral prende-se àprópria etimologia da palavra, uma vez que creditum, filiado a credere, significacrença ou confiança; e, neste sentido, o creditor é aquele que crê, confia. No planoeconômico, como mostra Comparato, os economistas contemporâneos põem emdestaque que o crédito importa, principalmente, uma operação em que o creditante

6 COMPARATO, Fábio Konder. O seguro de crédito: estudo jurídico. São Paulo: RT, 1968. p. 26-31.

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se priva do uso da riqueza transferida ao creditado durante certo tempo.Momentaneamente, o creditante se priva da liquidez de parte de seu patrimôniodiante da perspectiva de reavê-lo no futuro. A noção jurídica de crédito, por suavez, não guarda relação com a econômica, podendo assumir contornos diversos.7

Essas considerações são importantes porquanto se deve ter bem presente queo termo ‘crédito’, tal qual empregado na Resolução, somente pode ser entendidoem sua acepção econômica, o que decorre do próprio contexto no qual se insere(ato normativo destinado a contingenciar o endividamento do setor público).

Basta isso para pôr-se em evidência o não-enquadramento da OPERAÇÃOcomo a prática de uma ‘operação de crédito’, tal como prevista na Resolução.

De outra parte, o dicionário Aurélio define o crédito como cessão demercadoria, serviço ou importância em dinheiro, para pagamento futuro. Forma-seo crédito, por conseguinte, quando se dispõe a terceiro um determinado ativo,mediante o compromisso do recebimento de outro ativo no futuro.

Maria Helena Diniz não se afasta muito dessa conceituação:

“Troca de bens atuais por futuros, ensejando circulação de valores oumercadorias. Antecipação de recursos (mercadorias, dinheiro, uso de imóveis,serviços, títulos etc.), que se transformará em prestação futura, feita por umapessoa a outrem, tendo garantia de uma pagamento posterior, em razão daconfiança depositada na pessoa a quem se entrega a coisa”(CRÉDITO. In: DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva,1998. v. 1, p. 916.).

Os dicionaristas econômicos, Arthur Seldon e F. G. Pennance, reforçamessas mesmas idéias – a do lapso temporal entre prestações e a da confiança nacontraprestação futura:

“Concessão de permissão por uma entidade a outra par obter a posse de algumacoisa possuída pela primeira (v.g., uma haver, dinheiro ou serviço), sempagamento no momento do recebimento; qualquer transferência de bens, serviçosou dinheiro, em troca de bens, serviços ou dinheiro a serem recebidos em datafutura; ou, sob uma forma mais evoluída , transferência de dinheiro em troca deuma promessa de restituição futura. O significado original do vocábulo (do latimcredere) é: depositar confiança em, confiar em, fiar-se, crer em. (...) A essênciade uma transação de crédito é a promessa de pagar em uma data futura”(CRÉDITO. In: SELDON, Arthur; PENNANCE, F. G. Dicionário de Economia.Rio de Janeiro: Bloch Editores S.A., 1975. p. 120.).

Para o dicionarista Houaiss, consiste ele na “vantagem que se obtém emnegociação em que haja intercâmbio de alguma coisa, imediatamente adquirida,por outra que ainda se receberá; comutação de um bem presente por um bemfuturo”.

Por fim, Paulo Sandroni não poderia ser mais claro quanto aos elementosessenciais do crédito:

“CRÉDITO. Transação comercial em que um comprador recebe imediatamenteum bem ou serviço adquirido, mas só fará o pagamento depois de algum tempodeterminado. Essa transação pode também envolver apenas dinheiro. O créditoinclui duas noções fundamentais: confiança, expressa na promessa de pagamento,

7 Basta referir que a posição de credor de terceiro pode decorrer, inclusíve, da prática de ilícitos civis.

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e tempo entre a aquisição e a liquidação da dívida” (CRÉDITO. In.:SANDRONI, Paulo. Dicinário de Economia. São Paulo: Abril, 1985. p. 96.).

Está presente, invariavelmente, no conceito de operação de crédito, a idéia detroca de bens presentes por bens futuros. Daí se afirmar que a definição de créditocontém dois elementos essenciais, a saber: a confiança e o tempo. Neste sentido,convém transcrever a lição de Fábio Konder Comparato:

“O negócio de crédito é o negócio jurídico bilateral em que há necessariamente umintervalo de tempo entre prestação e contraprestação, como ocorre no mútuo e navenda a crédito”.8

Ora, no caso da OPERAÇÃO, inexiste intervalo de tempo a mediar aprestação da empresa em relação à contraprestação do banco com que se vaicontratá-la. As prestações a que ambas as partes se comprometem são assumidassimultaneamente – no ato da contratação do hedge – para execução tambémsimultânea – no ato da liquidação da operação. Por conta disso, não há a figura docredor e do devedor, sendo, inclusive, indeterminável, ao tempo da contratação, anatureza do resultado que advirá da liquidação.

6. Os elementos constitutivos do swap de proteção cambial

Interessa, por ora, assinalar os elementos constitutivos do hedge, maisespecificamente, os da OPERAÇÃO, a fim de precisar sua estrutura e sua natureza.

Podem-se classificar seus elementos, para fins de mera investigação, emelementos de fim e elementos de meio. Aqueles dizem respeito ao objetivo daOPERAÇÃO, ou melhor, à OPERAÇÃO enquanto hedge. Estes, ao instrumentopelo qual se processa a OPERAÇÃO, diga-se, à OPERAÇÃO, enquanto swap. É asua concatenação ordenada que constitui a OPERAÇÃO, põe-na em funcionamentoe confere-lhe natureza jurídica.

Os elementos de fim são (i) a proteção (hedge) contra o risco da variaçãocambial, ou, mais precisamente, o da desvalorização do real frente ao dólar – seufim imediato – e (ii) a estabilização do passivo da empresa hedgeada – seu fimmediato.

A própria denominação da operação – hedge – já fala por si, já destaca aimportância que seu fim imediato – a proteção – assume em sua configuração.Nesse sentido, ensina Luiz Mélega:

“‘Hedge’ ou ‘hedging’ é expressão inglesa que tem o sentido de cerca, muro,barreira, limite. Na técnica dos negócios a termo a expressão se conceitua comoproteção, cobertura de risco, cautela que deve ser adotada por todo negociante ouindustrial consciente”(MÉLEGA, Luiz. As operações de “hedging” praticadas por firmas nacionais nocomércio exterior. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro,São Paulo, RT, n. 35, jul. – set. 1979, p. 52). (grifou-se)

Para esse autor, é justamente a proteção – ou seja, a cobertura de riscosdecorrentes da oscilação cambial – que é a essência, o fator econômico que reúne

8 COMPARATO, Fábio Konder. O seguro de crédito: estudo jurídico. São Paulo: RT, 1968. p. 31.

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em torno de si todos os demais elementos da operação, conferindo-lhe unidadeconceitual e sentido existencial:

“Configura-se, na espécie em exame, uma pluralidade de contratosindividualizados, na excelente síntese de Oscar Barreto Filho, pluralidade essacuja interdependência existe por mera junção de um fator econômico que lhes éexterno, como seja a cobertura de riscos decorrentes da oscilação ou variação depreços”(MÉLEGA, Luiz. As operações de “hedging” praticadas por firmas nacionais nocomércio exterior. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro,São Paulo, RT, n. 35, jul. – set. 1979, p. 55).

Tal é a evidência e a necessidade dessa constatação que até mesmo oBACEN já reconheceu legislativamente a finalidade de proteção do hedge, ex vi dodisposto na Circular nº 2.348, de 30 de julho de 1993, arts. 1o, 3o e 4o.

O fim último – mediato – do hedge é o seu efeito econômico, qual seja, o deestabilizar o passivo da empresa. Troca-se, por intermédio do hedge, uma posiçãoincerta – possibilidade de ganhar concomitante com o risco de perder – por outracerta – em que abre-se mão de eventual evolução favorável do câmbio em nome dagarantia de que, pelo menos, não se virá a experimentar perda superior apreviamente estimada. Nesse sentido o ensinamento de Oscar Barreto Filho:

“A oscilação de cursos entre a data do fechamento e a da liquidação, como éóbvio, enseja certa álea, que se traduz na probabilidade de perda concomitante àprobabilidade de lucro. Daí o mecanismo de hedging, utilizado exatamente paracobrir os riscos assumidos pelos operadores do mercado a termo, de modo aestabilizar as possibilidades de ganho”(BARRETO FILHO, Oscar. As operações a termo sobre mercadorias: hedging.Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo, RT, n.29, 1978, p. 11-12). (grifou-se)

Esse instrumento é fundamental ao empresário que, por exemplo, desejaplanejar, de antemão, seus custos, a fim de poder realocar, e com segurança, maisrecursos a reinvestimentos, de tal modo que não reste comprometido o capital degiro da empresa, seu fluxo de caixa, e, em última análise, sua própria saúdeeconômico-financeira. Essa a posição de Oscar Barreto Filho:

“A esta operação conjunta, que objetiva salvaguardar uma posição de risco poroutra equivalente, mas de sentido contrário, é que os anglo-saxões denominam dehedge ou hedging (que literalmente significa cerca, muro, barreira, limite e natécnica dos negócios conceitua-se como proteção ou cobertura de risco).Operação análoga permitirá a um industrial programar os custos de estoques oude matérias-primas”(BARRETO FILHO, Oscar. As operações a termo sobre mercadorias: hedging.Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo, RT, n.29, 1978, p. 11-12).

Cabe, por último, ressaltar que a finalidade de proteção (hedge) é umelemento externo à operação de swap. A operação de swap em si e por si não bastapara averiguar-se a existência de hedge. Necessário se faz perquirir a vontade, oânimo, a intencionalidade das partes ao contratá-la:

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“Nesta altura de nosso discurso já podemos proclamar que os contratos futurosvisam acautelar as partes contra o risco da provável variação de preço do bem ouativo financeiro negociado, em relação à sua cotação, no momento da celebraçãoda avença. Neles, as partes não querem apenas comprar bens ou ativosfinanceiros. Querem, sim, proteger-se, o mais possível, da variação de preços.Suas vontades manifestam-se neste sentido”(CARRAZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda – operações de hedgeinternacional. Revista dialética de direito tributário, São Paulo, Oliveira Rocha, n.27, dez. 1997, 154). (grifou-se)

Subjetividade esta que se pode provar, por exemplo, mediante acomprovação de que há, de fato, relações subjacentes a serem cobertas, de queexistem, enfim, dívidas nomeadas em moeda estrangeira a que o hedger há de fazerfrente. Aliás, outra não é a preocupação do BACEN ao regular as operações dehedge , como se denota de sua Circular 2.348, de 30 de julho de 1993,especialmente quando fala, no art. 6º, na “legitimidade da transação de hedge”.9 E éo que expõe, outrossim, Caio Mário da Silva Pereira:

“A fim de se acobertar das oscilações de mercado, os interessados ajustam entãooperações casadas, iguais e em sentido contrário, no mercado à vista e nomercado à termo, de tal modo que se defendem contra a variação das cotações.(...) A interdependência factual de contratos equivalentes tem por finalidadeprecípua reduzir os riscos do mercado bolsista”(PEREIRA, Caio Mário da Silva. A nova tipologia contratual no direito civilbrasileiro. Revista forense, Rio de Janeiro, Forense, n. 281, jan. – mar. 1983, p.11).

Discriminados os elementos de fim, passa-se aos de meio. Estescompreendem: (i) a permuta de posições financeiras; (ii) a liquidação futura dadiferença; (iii) a ausência de movimentação financeira (sem caixa); (iv) aextrapatrimonialidade contábil; e (v) a simultaneidade perfeita entre as prestações.Todos esses elementos acham o seu sentido no todo, eis a razão pela qual devemser apreendidos conjuntamente e em função da unicidade da OPERAÇÃO.

A OPERAÇÃO, a fim de alcançar seu fim (hedge), desenvolve-se por meiode uma permuta (swap) de posições financeiras a ser liquidada em data futura. Taldata tende a aproximar-se daquela em que o hedger tem de cumprir sua obrigaçãoem moeda estrangeira. As posições financeiras partem de uma mesma base – quetende a ser a quantia, em reais, equivalente à obrigação do hedger em dólar na dataem que contrata a operação de hedge – mas são corrigidas por índices diversos

9 “Art. 6.. No caso de transações de “hedge” cujo direito ou obrigação subjacente não se sujeite a registro no BancoCentral do Brasil / FIRCE ou se refiram à proteção contra variações de preços de mercadorias, as operações decâmbio destinadas às remessas necessárias, usuais e normais à cobertura dos riscos podem ser celebradas observadoo disposto nos parágrafos seguintes.Parágrafo 1.. Devem os bancos assegurar-se da legitimidade da transação de “hedge” pela existência de transaçãocomercial ou financeira geradora dos direitos ou das obrigações objeto do “hedge”, expressa por escrito econsubstanciada em documentos privados ou emitidos, formalizados ou instituídos pelo Poder Público, tais comomas não limitados a : A – contratos mercantis de exportação e de importação de mercadorias ou de serviços, bemcomo de negociação no mercado interno de mercadorias com preços cotados em bolsa no exterior,independentemente do meio de comunicação utilizado (carta, telex, fax etc), observada a forma usual empregada nasrelações comerciais; B – registros de exportação no SISCOMEX, guias de importação, documento que comprove oenquadramento da exportação nos programas PROEX ou FINAMEX, contratos de câmbio de exportação liquidadosantes do embarque das mercadorias (pagamento antecipado). Parágrafo 2.. Nas transações de “hedge” de preços demercadorias para as quais ainda não existam as transações comerciais subjacentes e respectivos documentos, osbancos assegurar-se-ão da legitimidade do “hedge” mediante rigorosa avaliação e qualificação do cliente, nos termosdos itens III e IV da Resolução n.º 1.620, de 26.07.89, do Conselho Monetário Nacional”. (grifou-se)

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(uma pelo CDI, por exemplo, outra, v.g., pela variação da cotação do dólar). Aí estáa razão da liquidação (netting ou set-off), da apuração do saldo que uma partedeverá pagar a outra.

Assim, a liquidação futura da diferença entre as duas prestações contrapostasé elemento essencial à OPERAÇÃO e, portanto, de vital importância à suacaracterização. É o que defende Francesco Rossi:

“La compensazione (set-off) tra le obbligazioni reciproche (nella stessa valuta)che hanno origine dal medesimo contratto riveste un ruolo assai rilevante nelcontratto di swap quando le scadenze delle reciproche obbligazioni coincidono(...)”(ROSSI, Francesco. Profili giuridici del mercato degli swaps. Banca, borsa e titolidi credito: Rivista di dottrina e giurisprudenza. Milano, Giuffrè, n. XLVI/V, set. –ott. 1993, p. 604).

Oscar Barreto Filho põe em destaque, com propriedade, que a liquidaçãofutura da diferença, enquanto elemento indissociável da venda a termo, não se podeconfundir com a venda para entrega futura, já que nesta não há obviamente apossibilidade da liquidação:

“Ademais, permite-se nas operações a termo que, ao invés da entrega efetiva dasmercadorias negociadas, se procede à liquidação por diferença, mediante opagamento da variação entre a cotação do registro do contrato e a do dia anteriorao da liquidação. Nisto se distingue a venda a termo da venda pura e simples paraentrega futura, porque nesta última os contratos só podem ser executadosmediante a entrega física da mercadoria”(BARRETO FILHO, Oscar. As operações a termo sobre mercadorias: hedging.Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo, RT, n.29, 1978, p. 11-12). (grifou-se)

A relevância da liquidação resta reforçada à medida que ela revela outrocaracterístico essencial à configuração da OPERAÇÃO. Se o adimplemento docontrato de hedge condensa-se e, de certa forma, reduz-se à liquidação futura dadiferença, fica evidente a ausência de movimentação financeira ao contratar-se aoperação. Ou seja, diferentemente do que costuma ocorrer em outras operações,inclusive em determinadas modalidades de hedge, a OPERAÇÃO não implica ocomprometimento físico de nenhuma quantia para o hedger. A operação, de início,não importa movimentação de caixa, podendo ser apontada, no momento exato emque contratada, como de custo zero; daí falar-se, no jargão do mercado, emoperação de hedge sem caixa. Consiste somente na contratação, em tese – semqualquer efeito, de imediato, sobre a realidade física – de obrigações contrapostasque haverão de compensar-se mutuamente no futuro.

É exatamente por essa razão que a OPERAÇÃO, contabilmente, éextrapatrimonial, isto é, não é lançada nem como débito nem como crédito quandode sua armação, podendo, só no futuro, converter-se em crédito ou débito,conforme a relação da variação cambial com o outro índice acordado. É o queaponta, mais uma vez, Francesco Rossi:

“Esiste anche una definizione che, ai fini contabili e a livello regolamentare,inquadra gli swaps tra le operazioni “fuori bilancio” e annette in praticarilevanza al “differenziale di tassi” che determina i pagamenti contrattualmentedovuti tra le parti”

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(ROSSI, Francesco. Profili giuridici del mercato degli swaps. Banca, borsa e titolidi credito: Rivista di dottrina e giurisprudenza. Milano, Giuffrè, n. XLVI/V, set. –ott. 1993, p. 612).

Em razão da própria incerteza e iliquidez da apuração futura do saldo a pagar(o qual pode ser, como visto, tanto positivo quanto negativo para o hedger), nãohaveria como registrar contabilmente a operação. Há de aguardar-se seu termofinal, o termo da liquidação, a fim de determinar efetivamente o resultadofinanceiro do que se contratou. Aí resta evidente a tônica aleatória do negócio,conexa à não-homogeneidade natural das prestações. É neste sentido que assisterazão a Francesco Rossi:

“[R]esta altresì acquisito che si tratta senz’altro di un contratto atipico, come giàrilevato dalla dottrina, la cui funzione di scambio potrebbe spiegarsiimmaginando una sorta di permuta finanziaria, dove il denaro scambiato nonfungerebbe da prezzo, ma troverebbe la sua ragione di essere proprio nelladisomogeneità finanziaria delle reciproche prestazioni pecuniarie, in ragionedella diversità delle valute e/o delle scadenze delle obbligazioni stesse e/o solodella diversità dei parametri applicati. Questa disomogeneità sarebbe del restoelemento naturale della permuta e quindi di per sé escluderebbe la necessità difare ricorso al concetto dell’aleatorità del contratto per spiegare l’alea economicache le parti inevitabilmente si assumono, essendo il negozio basatto sullo scambiodi “flussi” finaziari dissimili”(ROSSI, Francesco. Profili giuridici del mercato degli swaps. Banca, borsa e titolidi credito: Rivista di dottrina e giurisprudenza. Milano, Giuffrè, n. XLVI/V, set. –ott. 1993, p. 613-614). (grifou-se)

Por fim, releva notar que desses característicos salientados decorre que asduas obrigações, de ambas as partes, são adimplidas simultaneamente. Não hálapso temporal entre um e outro adimplemento, que, de tão simultâneos, chegam aconverter-se em um único só – o da liquidação – dada a compensação recíproca.Eis aqui talvez o característico mais relevante do swap para o presente estudo – oda simultaneidade perfeita entre as prestações, simultaneidade essa que éindissociável da essência da OPERAÇÃO, e que, por isso mesmo, lhe dá o tom. Aonosso ver, bastaria essa constatação – já que a hipótese de mútuo resta, de plano,afastada – para concluir-se inevitavelmente que não é possível identificar qualquerresquício do conceito de crédito no swap que se pretende praticar com aOPERAÇÃO. Se ambas as operações são simultâneas, se não há uma prestaçãopresente assumida tendo em vista determinada contraprestação futura, não podehaver crédito.

7. A natureza jurídica do swap de proteção cambial

Ao afirmar-se que o hedge, ou mesmo o swap, não é operação de crédito –em virtude da incompatibilidade do conceito de crédito tanto com o de proteção(hedge) quanto com o permuta financeira (swap) – coloca-se, então, a pergunta:afinal, o que vem a ser o hedge? Qual a sua natureza jurídica?

O exame cuidadoso da doutrina revela que a pesquisa científica temalcançado conclusões sumamente divergentes quanto à qualificação jurídica doswap contratado com o intuito de hedge.

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Essa diversidade de opiniões – provenientes de tantos e tão abalizadosautores – torna extremamente tormentosa a identificação precisa da naturezajurídica dessa modalidade de contrato. Todavia, pelas razões que se haverão dedetalhar a seguir, afigura-se relevante, para efeito de responder à consulta que nosfoi formulada, muito mais afastar a qualificação jurídica da OPERAÇÃO comosubsumível a uma operação de crédito, do que, propriamente, resolver a questão daidentificação precisa da natureza jurídica; tarefa essa, aliás, como já se disse, aindanão bem resolvida pela doutrina.

Em suma, para afastar a atração à espécie do contingenciamento de créditoao setor público basta dizer que a OPERAÇÃO não é operação de crédito.

Esse enfoque eminentemente prático que se está dando à perquirição danatureza jurídica da OPERAÇÃO – procurando avançar na busca de sua naturezajurídica na medida em que tal pesquisa apresente resultados concretos relevantes –ao invés de criticável (muitos se apressariam em acoimá-lo de escapista), nosparece perfeitamente alinhado com as lições proferidas por um insignejurisconsulto argentino, Genaro Carrió.

Escrevendo sobre os esforços desmedidos comumente despendidos pelosjuristas na tentativa de identificar a natureza jurídica dos mais variados institutos,Carrió sublinha que, na grande maioria das vezes, tal busca pode ser tida como umaverdadeira ‘enfermidade profissional’, posto que dela não resultam conseqüênciaspráticas relevantes.

Transplantando o raciocínio desenvolvido por Carrió para o caso presente,ter-se-ia uma justificativa teórica para limitar a busca empreendida no presenteestudo à demonstração da natureza jurídica que a OPERAÇÃO não tem. Valedizer, bastaria demonstrar que o swap contratado com o intuito de hedge não podeser tido como operação de crédito, o que se afigura de per si bastante para afastarqualquer cogitação acerca da incidência do contingenciamento de crédito impostoao setor público.

Feita essa ressalva, não custa, todavia, fazer, ainda que brevemente, oregistro das teorias desenvolvidas pela doutrina com o fito de precisar a naturezajurídica dessa espécie contratual.

A propósito, os autores, conforme confiram maior destaque a um ou outrocaracterístico da OPERAÇÃO, identificam-na ora como mais próxima do contratode seguro, ora do de permuta, ou, ainda, enveredam pelo caminho (tantas vezesmais cômodo) da atipicidade.

Os escritores que justapõem, com recurso à analogia, o contrato de hedge aode seguro, ressaltam sua finalidade protetiva, securitizadora, estabilizadora de umadada posição financeira lastreada em moeda estrangeira. Nesse sentido, prelecionaMiguel Florestano Neto:

“Porém, há outra espécie de swap: o que possui intuito de hedge, de trava, deseguro contra fortes oscilações nos diversos mercados. (...) Nesse sentido, oagente econômico, consciente de que as flutuações mercadológicas sãoinevitáveis, contrata com os demais uma operação que o permite ficar imune aessas fortes alterações. Contrata, pois, um hedge. Nesse sentido, possuindo umativo indexado ao dólar norte-americano, por exemplo, que varia – exatamente namesma proporção – que o seu passivo (também atrelado à mesma moeda), realizaum swap. Percebe-se que, ao final da operação toda, seu resultado líquido é zero.(...) Por isso que, ao final, não há ganho: o resultado líquido da operação é

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efetivamente zero, isto é, não ocorre acréscimo patrimonial e, portanto, não hárenda”(FLORESTANO NETO, Miguel. O imposto de renda nas operações de swap.Repertório IOB de Jurisprudência, nº 22/2001, 2a quinzena de novembro, p. 661).(grifou-se)

Aproveita, Miguel Florestano Neto, para apontar que, do próprio contextoeconômico do hedge, tendo em vista o encadeamento das operações em que seinsere, resulta seu caráter não-especulativo, visto inexistir possibilidade de ganho,não podendo dele advir renda. Inegável resta assim sua função meramenteprotetiva, isto é, de seguro. É o que também sublinha Riccardo Agostinelli:

“La funzione delle premesse è appunto quella di precisare che lo swap tra banchee/o intermediari finanziari non viene utilizzato di “scommettere” sulle flutuazionidei tassi di interesse o di cambio o per operazioni di arbitraggio, ma comestrumento volto ad “equilibrare” le posizioni debitorie (o creditorie) dei soggetticontraenti. In altri termini, a fronte della strema difficoltà (si non addiritturadell’impossibilità) di assumere debiti o crediti “su misura”, ossia comportamenti“rischi controllabili” alla luce della situazione finanziaria generale, le partiricorrono allo swap per “barattare” e “bilanciare” detti rischi, sia purelasciando inalterate le posizioni debitorie o creditorie originariamente assunte.Come asserva l’ABI nella relazione introduttiva, tali premesse hanno la funzionedi illustrare l’interesse perseguito dalle parti ed ‘ffermare l’effetivo fondamentocausale dei contratti di (...) swap’”(AGOSTINELLI, Riccardo. I modelli “ABI” di interest rate e currency swap.Banca, borsa e titoli di credito: Rivista di dottrina e giurisprudenza. Milano,Giuffrè, n. XLV/II, mar. – apr. 1992, p. 264). (grifou-se)

Com outras palavras, porém, dentro da mesma linha de raciocínio –realçando a cautela oferecida contra os riscos das oscilações cambiais – registramos comentários feitos na Itália pela ABI à circular pertinente que lá regulamenta amatéria:

“Circa le caratteristiche specifiche del contratto in esame, va rilevato che nellepremesse (...) è affermato il fondameto causale dei domestic currency swap,evidenziandosi che l’interesse perseguito dalle parti è quello di cautelarsi – conriferimento alle posizioni debitorie e creditorie in divisa estera derivanti dallevarie operazioni poste in essere nell’ambito della propria attività – dal rischiodelle oscillazioni del tasso di cambio con la lira”(Circolare ABI Roma, 12 Novembre 1991. Contratti bancari-tipo (po. 1195-II).Norme relative alle operazioni di “inetrest rate swap” e di “domestic currencyswap” tra aziende di credito e/o società finanziarie. Banca, borsa e titoli di credito:Rivista di dottrina e giurisprudenza. Milano, Giuffrè, n. XLV/II, mar. – apr. 1992,p. 270). (grifou-se)

Luiz Mélega, por sua vez, também aproxima o contrato de hedge do deseguro, atribuindo àquele a mesma causa econômico-social deste:

“Quando um negociante se obriga a fornecer bens acabados por um determinadopreço e verifica que o custo das matérias-primas subiu, de tal modo que lheimpede obter qualquer lucro, não pode se socorrer do instituto jurídico do seguro,porque não existe uma apólice de seguro de custos que lhe dê a proteçãoadequada. Pode ele, contudo, proteger-se por outra maneira igualmente eficiente,

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qual seja, recorrer ao mercado a termo como forma de proteção contra os riscosde perda”(MÉLEGA, Luiz. As operações de “hedging” praticadas por firmas nacionais nocomércio exterior. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro,São Paulo, RT, n. 35, jul. – set. 1979, p. 51). (grifou-se)

No mesmo sentido, pode-se transcrever ainda os seguintes excertos:

“O hedge tem a finalidade de proteger alguém de eventuais perdas resultantes deaumento do valor de suas obrigações ou da redução do valor de seus bens. Assim,dentre os diversos conceitos da palavra hedge, o que importa ao presente estudo éo significado de proteção, resguardo (cf. Novo Michaelis, Dicionário ilustrado, p.490) (BASTOS, Celso Ribeiro. KISS, Eduardo Amaral Gurgel. O hedge e ocontrato de hedge. In BASTOS, Celso Ribeiro. Contratos internacionais: compra evenda internacional, carta de crédito comercial, o hedge e contrato de hedge. SãoPaulo: Saraiva, 1990. p. 165). (grifou-se)

“De um modo geral, a expressão ‘hedging’ abrange toda a precaução tomada nosentido de reduzir um risco, seja do produtor, do comerciante ou do industrial, naextensão em que optem pelo que presumem ser o momento ideal para vender oucomprar as mercadorias ou matérias-primas que constituem o objeto dos seusrespectivos ramos de atividade”(MÉLEGA, Luiz. As operações de “hedging” praticadas por firmas nacionais nocomércio exterior. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro,São Paulo, RT, n. 35, jul. – set. 1979, p. 50-51). (grifou-se)

Os autores que aproximam a operação de swap de proteção cambial aocontrato de permuta visualizam em ambos uma troca (swap) de duas prestaçõesheterogêneas. Além disso, e sobretudo, pretendem eles subsumir sua hipótese fáticaà disciplina jurídica do contrato de compra e venda, por força dos dispositivoslegais que lhes equiparam o tratamento jurídico, a exemplo do art. 533 do CódigoCivil Brasileiro e do art. 155510 do Código Civil Italiano. Entre aqueles queesposam essa tese destaca-se Francesco Rossi, conforme se confere no trechoabaixo:

“Sarà semmai utile che le parti concordino per loro volontà l’aleatorietà delcontratto (cfr. art. 1469 c.c.) per sottrarlo alle conseguenze della risoluzione pereccessiva onerosità sopravvenuta e della rescissione per lesione. Il riferimentoalla permuta aiuta quindi ad individuare il regime codicistico cui fare riferimentoper stabilire di volta in volta in concreto la disciplina applicabile al contratto:questa è, a mio avviso, quella della compravendita, cui l’art. 1555 c.c. fa rinvio, inquanto compatibile con la permuta. Si tratterebbe in ogni caso di una permutta di“diritti” (cfr art. 1552 c.c.) ad effetti obbligatori perché ha per oggetto creditireciproci con scadenze future, certi nell’an, ma non nel quantum: da ciò discendeche potrebbe essere applicabile la disciplina della permuta di cose generiche (cfr.art. 1378 c.c.) ove il c.d. passagio del rischio coincide con l’estinzione del rischiodi credito all’ato dell’adempimento delle reciproche obbligazioni pecuniarie allerelative scadenze, salvo che possa operare la compensazione per effetto dellacoincidenza delle valute e delle scadenze delle obbligazioni stesse. (...) Nellapermuta tipica, che può avere ad oggetto il transferimento di “diritti” diversidalle cose (cfr. art. 1552 c.c.), il danaro può essere scambiato tra le parti ma nonfunge mai da prezzo della controprestazione”

10 “1555. Applicabilitá delle norme sulla vendita . – Le norme stabilite per la vendita (1470) si applicano allapermuta, in quanto siano con questa compatibili.”

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(ROSSI, Francesco. Profili giuridici del mercato degli swaps. Banca, borsa e titolidi credito: Rivista di dottrina e giurisprudenza. Milano, Giuffrè, n. XLVI/V, set. –ott. 1993, p. 613-614). (grifou-se)

Por fim, não são poucos os juristas que defendem ter o contrato de swap comintuito de hedge certa autonomia, constituindo um contrato diverso de qualqueroutro tipificado em lei, restando-lhe, assim, natureza atípica. É o que, em certosentido, aponta Luiz Mélega:

“Perseguindo como finalidade a cobertura contra riscos inerentes às operaçõesde venda e compra com execução diferida, o ‘hedging’não se caracteriza pelaunidade formal de determinado esquema negocial”(MÉLEGA, Luiz. As operações de “hedging” praticadas por firmas nacionais nocomércio exterior. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro,São Paulo, RT, n. 35, jul. – set. 1979, p. 52). (grifou-se)

Francesco Rossi, autor que talvez tenha feito, na doutrina italiana, uma dosmais profundos e sérios estudos sobre o tema em discussão, embora propugne aqualificação da operação como permuta (de direitos), não deixa de admitir, embenefício de sua integridade intelectual, que o maior indício de sua atipicidade estáem que o contrato de swap de proteção cambial não pode ser perfeitamentereconduzido a qualquer figura contratual típica:

“Le opinioni peraltro divergono sulla causa dello scambio, che viene al meno inparte ricondotta a contratti tipici diversi: al mutuo reciproco, una fattispecie dallaquale lo swap di valute sembra aver avuto origine; alla compravendita a terminedi danaro; all’assicurazione, in virtù della finalità di copertura di un rischio perlo più perseguita dalle parti; infine al contratto a premio o al c.d. contrattodifferenziale semplice, di cui si ammetterebbe la tipizzazione come autonomacategoria contrattuale da considerare assolutamente diversa dalla scommessa. Sitratta di accostamenti più o meno marcati che non revocanno comunque in dubbiola rilevata atipicità del contratto”(ROSSI, Francesco. Profili giuridici del mercato degli swaps. Banca, borsa e titolidi credito: Rivista di dottrina e giurisprudenza. Milano, Giuffrè, n. XLVI/V, set. –ott. 1993, p. 609-610).”

8. O swap de proteção cambial e a operação de crédito

Adotando, nas suas linhas essenciais, o conceito econômico de crédito, a Leide Responsabilidade Fiscal enquadrou na definição do art. 29, inciso III, aquelasoperações em que a Administração obtém disponibilidade financeira em face de umcompromisso financeiro futuro, ou adquire bens para pagamento financiado. Nashipóteses contempladas em Lei, a Administração passa a dispor de um bem,inclusive recurso monetário, do qual não dispunha, em razão de compromissopresente para cumprimento da obrigação em data futura.

Semelhante é a definição adotada pela Circular no 2.827 do BACEN, art. 1o,§ 1o, II, ‘e’.

Na operação de swap, em sua modalidade sem caixa, o compromissoassumido não gera passivo financeiro para qualquer das partes (hedger e instituiçãofinanceira), na medida em que nenhuma delas adianta o cumprimento de seu dever.Desincumbem-se, ambas, das respectivas obrigações no mesmo instante

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(liquidação simultânea), o que se verifica pela apuração do saldo a ser pago na datade liquidação ajustada antecipadamente.

Mais preciso não poderia ter sido Ari Cordeiro Filho ao extremar o hedge ouswap de proteção cambial do conceito de crédito:

“[N]os swaps, não há concessão de crédito, estipulação de mútuo, financiamento,desconto, adiantamento ou qualquer outro contrato que possa sugerir desembolsode recursos de uma parte com o estabelecimento da contraprestação da outraparte (principal e juros). Não há capital desembolsado a ser remunerado;portanto, não há juros a pagar, por mútuo ou financiamento. Da permuta deresultados financeiros pode resultar um saldo devedor ou um saldo credor, mas atipificação de um endividamento não se esgota nesta constatação de saldo”(CORDEIRO FILHO, Ari. Swaps – aspectos jurídicos. Revista de direito bancário,do mercado de capitais e da arbitragem, São Paulo, RT, n. 11, jan. - mar. 2001, p.79). (grifou-se)

Por sua vez, Roque Antônio Carraza parece chegar à mesma conclusão:

“Embora sejam, quase sempre, realizadas por instituições financeiras, asoperações de swap não possuem natureza de aplicação financeira. São realizadasno “mercado de balcão” e, nelas, não se dá a efetiva movimentação de ativos,mas, apenas, a troca de resultados financeiros entre as partes contratantes”(CARRAZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda – operações de hedgeinternacional. Revista dialética de direito tributário, São Paulo, Oliveira Rocha, n.27, dez. 1997, 155). (grifou-se)

E, igualmente, Francesco Rossi:

“Quindi le prestazioni pecuniarie reciproche non hanno in alcun modo la funzionené di prezzo per l’acquisto di un bene, né di interesse o altro corrispettivo per ilgodimento di un capitale”(ROSSI, Francesco. Profili giuridici del mercato degli swaps. Banca, borsa e titolidi credito: Rivista di dottrina e giurisprudenza. Milano, Giuffrè, n. XLVI/V, set. –ott. 1993, p. 613). (grifou-se)

Assim, como bem o define a doutrina especializada, o swap de proteçãocambial consiste numa operação de proteção que tem por finalidade estabilizar aexposição financeira, sem importar nova obrigação financeira ou elevação dorespectivo passivo.

É por esse motivo que, apesar de envolver a promessa de uma prestaçãofutura, o swap não configura – nos termos da LRF e do direito privado – uma"operação de crédito", capaz de fazer incidir os limites de contingenciamentoprevistos na regulamentação emanada do Banco Central.

9. O swap de proteção cambial e o mercado de balcão

A Resolução no 2.873 do BACEN, assim como as Resoluções no 2.042 e2.138, que a antecederam, autoriza a realização de operações de swap no mercadode balcão, por sociedades corretoras e distribuidoras de títulos e valoresmobiliários.

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Portanto, segundo a ótica adotada pelo Banco Central, pode-se concluir que oswap não é considerado uma operação de crédito, eis que a sua prática é extensiva aentidades que não atuam na captação e intermediação da poupança pública.

De acordo com a Circular no 2.367 do BACEN, que institui e regulamenta oSistema de Registro de Operações de Crédito com o Setor Público, somenteoperações realizadas pela Administração com instituições financeiras e sociedadesde leasing estão sujeitas à comunicação ao Banco Central.11

10. A interpretação teleológica da Resolução nº 2.827

A Resolução nº 2.827, de 29 de março de 2001, do Conselho MonetárioNacional (CMN), deve ser interpretada segundo o fim por ela colimado. Seu fim éa proteção do setor público contra o endividamento excessivo. E é precisamente anão-realização do hedge de moedas (currency swaps) que pode contribuir paragerar ou agravar o endividamento. Exatamente por isso, sob pena de subverter-se amens legis, a operação de hedge não pode ser entendida como operação de crédito(art. 1º § 1º II e), para efeitos da Resolução nº 2.827.

Outro aspecto importante a considerar diz com o fato de a Resolução nº2.827 ter sido baixada no contexto da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de2000 (a Lei de Responsabilidade Fiscal). O arcabouço legal no qual esse normativose insere tem por objetivo, como é cediço, limitar a possibilidade deendividamento do setor público. A Lei de Responsabilidade Fiscal explicita esteobjetivo, logo de início (art. 1º, § 1º):

“A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente,em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio dascontas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas edespesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita,geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidasconsolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação dereceita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar” (grifou-se)

O meio através do qual a Resolução nº 2.827 procura atingir tal objetivo – oda responsabilidade fiscal – consiste justamente em restringir a concessão decrédito ao setor público. A interpretação dos conceitos previstos nesta Resoluçãonão pode, portanto, perder de vista tal intento que lhe é subjacente, sob pena detorná-la inoperante ou desvirtuá-la dos objetivos para os quais fôra editada. Porisso, ao interpretar-se o conceito de operação de crédito (art. 1º caput), delaconstante, deve-se modular sua extensão de modo a viabilizar e a maximizar aproteção dispensada ao setor público. Lógica diversa relegaria a Resolução aofracasso.

O hedge visa à proteção contra a flutuação do câmbio. Por meio dele, pode-se trocar (swap) um passivo incerto – suscetível à variação cambial – por outrocerto – a ela insuscetível, já que protegido (hedgeado) – podendo-se, assim,predeterminar custos e lograr melhor planejamento financeiro.

Os efeitos deletérios produzidos pela recente desvalorização do Real sobre osbalanços de muitas empresas nacionais constituem vívido exemplo de como a não-

11 “Art. 1 o ... Parágrafo 2 o. Para efeito desta Circular, entende-se por operação de crédito a realização deempréstimos, financiamentos e arrendamento mercantil, o desconto de títulos, a concessão de adiantamentos e aprestação de garantias de qualquer natureza pelas instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil,em que figurem como obrigado ou coobrigado os Órgãos e Entidades do Setor Publico.” (grifou-se)

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adoção de mecanismos de proteção contra a variação cambial pode resultar numagravamento crítico do endividamento. Situação essa que resta sobremaneiraagravada no caso de empresas que não possuem qualquer receita em moedaestrangeira proveniente de exportações; exportações essas que, em hipótese diversa,constituiriam um hedge natural a uma eventual exposição cambial passiva.

Se o hedge, contudo, é entendido como operação de crédito, para efeito dodisposto na Resolução nº 2.827, o setor público fica desprovido desse instrumentode neutralização da volatibilidade cambial, permanecendo à mercê de variaçõesimprevisíveis, cujos efeitos podem ser sumamente nefastos à sua operação.

Note-se que, entre a Resolução nº 2.827, a Lei de Responsabilidade Fiscal e aoperação de hedge há uma identidade de finalidade – a de propiciar o planejamentofinanceiro e a prevenção de riscos. A própria Lei de Responsabilidade Fiscal, emseu primeiro artigo, inclui a prevenção de riscos dentre os fins precípuos por elacolimados. São elas, todas as três, instrumentos que concorrem para o mesmo fim.Sem sentido, portanto, vedar o hedge, sob a alegação de incompatibilidade com ofim visado pelo contingenciamento do crédito ao setor público.

Por isso, se o hedge for entendido como operação de crédito, a Resolução nº2.827 produzirá efeito contrário ao que pretende. Eis a impropriedade de talinterpretação.

CONCLUSÃO

Com amparo nas considerações expendidas conclui-se que:

(i) a OPERAÇÃO não constitui operação de crédito para efeito do disposto naResolução nº 2.827 do Conselho Monetário Nacional, não estando sujeita, porconseguinte, ao contingenciamento do crédito ao setor público;

(ii) o Banco Central do Brasil deveria baixar um normativo que assegurasse àsinstituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo BancoCentral de que elas não precisariam observar os limites e condições impostos pelaResolução nº 2.827 para que sejam autorizadas a contratarem operações de swap deproteção cambial tais qual a analisada nesta pesquisa com empresas estatais edemais entidades públicas; e

(iii) assim sendo, as empresas estatais e privadas no Brasil poderão, quanto àdisponibilidade de meios para neutralizar o risco da variação cambial desfavorávelem transações internacionais, voltar a competir em igualdade de condições em ummercado justamente concorrencial.

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