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LUIZ HENRIQUE ELOY AMADO O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO “CONSTRUTOR” DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: ANÁLISE DAS CONDICIONANTES IMPOSTAS PARA A DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO CURSO DE DIREITO CAMPO GRANDE - MS 2011

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Page 1: O Supremo Tribunal Federal como “construtor” da Constituição Federal: Análise das condicionantes impostas para demarcação de terras indígenas

LUIZ HENRIQUE ELOY AMADO

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO “CONSTRUTOR” DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

ANÁLISE DAS CONDICIONANTES IMPOSTAS PARA A DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS

UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO CURSO DE DIREITO

CAMPO GRANDE - MS 2011

Page 2: O Supremo Tribunal Federal como “construtor” da Constituição Federal: Análise das condicionantes impostas para demarcação de terras indígenas

LUIZ HENRIQUE ELOY AMADO

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO “CONSTRUTOR” DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

ANÁLISE DAS CONDICIONANTES IMPOSTAS PARA A DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS

Monografia apresentada à Universidade Católica Dom Bosco, Curso de Direito sob a orientação do Prof. Me. Maucir Pauletti para efeito de obtenção do Título de Bacharel.

CAMPO GRANDE - MS 2011

Page 3: O Supremo Tribunal Federal como “construtor” da Constituição Federal: Análise das condicionantes impostas para demarcação de terras indígenas

Este documento corresponde à versão final da monografia intitulada O SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL COMO “CONSTRUTOR” DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

ANÁLISE DAS CONDICIONANTES IMPOSTAS PARA A DEMARCAÇÃO DE

TERRAS INDÍGENAS, e apresentada por LUIZ HENRIQUE ELOY AMADO à Banca

Examinadora do curso de Direito da Universidade Católica Dom Bosco, tendo sido

considerado aprovado.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________ Prof. Me Maucir Pauletti

Orientador

___________________________________ Prof. Dr. José Manfroi

Examinador

__________________________________________ Prof. Me. Evandro Silva de Barros

Examinador

Page 4: O Supremo Tribunal Federal como “construtor” da Constituição Federal: Análise das condicionantes impostas para demarcação de terras indígenas

A SAGA PELA TERRA SEM MALES

Bravos Guerreiros do Grande Povo Guarani! Da Mãe Natureza és essência

Do simples frescor da Mata ao Yvy Poty Da Alma do Universo à toda Existência

O Fogo da Morte a Terra Sem Males corrói

O brilho do Sol aos poucos se esconde Diante do Espírito da Mata tudo se destrói

A Criação de Tupã o Fogo consome

Grande Povo, que clama, que chora As Injustiças sofridas e seus Direitos violados

O Mbaraka, o Takuapu ecoam toda aurora Seus gritos aflitos pelos Tekoha roubados

Vasto mundo, de contrastes que não findam

De Terras imensas sem Gente e de Gente sem Terra De fartura exuberante e de Gente faminta

De tamanha riqueza e de tamanha pobreza

Bravos Guerreiros da imensa Terra Mãe Do Teko simples, de cultura brilhante

Que aspiram as Profecias de Xamã Da Terra Sem Males de Paz reinante

O sopro do vento cessa o Fogo ardente

O perfume das flores às luzes do Sol se aglutina Das cinzas nascem vidas, brotam sementes

É o Avá, é o Guarani, radiante, tão esplêndido que germina!

Leosmar Antonio (Índio Terena da Aldeia Cachoeirinha – MS)

27/03/1985

Page 5: O Supremo Tribunal Federal como “construtor” da Constituição Federal: Análise das condicionantes impostas para demarcação de terras indígenas

A minha Mãe (Zenir), pelo carinho e afeto, em todos os momentos, pessoa inigualável, pois é exemplo de caráter, amor e honestidade, pilar

basilar na minha vida.

As minhas irmãs (Preta, Moni e Glau), por todo companheirismo, fidelidade e amor. Bem

como ao Tio Ezequiel que sempre foi um pai pra mim e também aos meus tios, vovó e vovô

que estão na aldeia torcendo por mim.

A todos do Programa Rede de Saberes pelo apoio e estímulo (Prof. Brand, Prof. Marta e a Gleicy),principalmente a todos os meus irmãos

kopenoti (Terena, Guarani, Kadwéu, Kinikinawa e Kaigang).

Page 6: O Supremo Tribunal Federal como “construtor” da Constituição Federal: Análise das condicionantes impostas para demarcação de terras indígenas

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar gostaria de agradecer DEUS, pois sem Ele não sou nada, como

também a OXAGUIAN, orixá dono da minha vida, presente em todos os meus dias. Quero

também, prestar as minhas homenagens aos espíritos dos meus ancestrais, que ainda olham

por mim mesmo estando fora da minha aldeia. Muito obrigado!

Ao programa de concessão de bolsa do Governo Federal – PROUNI, pela bolsa

concedida.

Ao Programa Rede de Saberes pelo apoio incondicional nessa trajetória

acadêmica. Agradeço também a toda equipe do Projeto Rede de Saberes: Prof. Antonio Brand,

Profª. Marta, Eva, Gleicy, Evelyn e todos meus companheiros, em especial Marcelo, Sidney e

Osmanyr.

Ao Conselho Missionário Indigenista de Mato Grosso do Sul, pela oportunidade

de estagiar na Assessoria Jurídica, estando diretamente ligado a causa do meu POVO.

Ao professor Maucir pelo empenho em lutar pelas questões indígenas.

E, por fim, agradeço a todos os meus colegas, principalmente a Maiara, Rogério,

Marlucy e Elizângela pelo companheirismo e amizade formada no decorrer do curso.

A minha família por todo o suporte e que sempre acreditaram em minha

capacidade.

Page 7: O Supremo Tribunal Federal como “construtor” da Constituição Federal: Análise das condicionantes impostas para demarcação de terras indígenas

AMADO, Luiz Henrique Eloy. O Supremo Tribunal Federal como “construtor” da Constituição Federal: Análise das condicionantes impostas para demarcação de terras indígenas. 87f. 2011. Monografia. Curso de Direito. Universidade Católica Dom Bosco.

RESUMO

O objetivo deste trabalho é analisar as condicionantes impostas pelo Supremo Tribunal Federal para demarcação de terras indígenas, a partir da visão de um inequívoco ativismo judicial que o supremo vem assumindo nos últimos tempos; condicionantes estas que foram impostas no julgamento do caso da Raposa Serra do Sol (Pet. nº. 3.388/RR). Por vez, vamos também perfazer um roteiro pelo qual buscaremos verificar como o Estado brasileiro tem se relacionado com os povos indígenas e, qual o tratamento legal que ele (Estado) têm dado aos povos originários deste país ao longo da história. O Art. 102, caput da Constituição de 1988 declara competir ao Supremo Tribunal Federal “precipuamente, a guarda da Constituição”. Isto significa que, ele é o garante da supremacia da Constituição. Desta forma, essa função inspira primordialmente a sua competência de controlar a constitucionalidade das leis e atos do Poder Público. Entretanto, a Lei Magna ensejou-lhe mais do que ser o defensor da Constituição, atribui-lhe um papel de “Construtor da Constituição”, no sentido de dar interpretação aos vários casos que chegam ao judiciário. Assim, com a assunção pelo Judiciário de um inequívoco papel político, tal fenômeno tem se manifestado por diversos caminhos, e o mais significativo é a transferência de decisões para o judiciário em detrimento do Legislativo e do Executivo. Notadamente esse fenômeno pode ser observado em relação às ações que versam sobre demarcação de terras indígenas, em que até o julgamento do Caso da Raposa Serra do Sol, não existia parâmetro ou mesmo entendimento jurisprudencial pacificado a respeito do assunto. Sem sombra de dúvidas, estamos numa era Constitucional em que o “Estado” não pode se omitir diante dos conflitos que envolvem os diversos seguimentos da sociedade nacional e, enquanto o Poder Executivo não formule políticas públicas capazes de atender a real necessidade dos povos indígenas e o Poder Legislativo não legisla com o intuito de regular as relações de fato, o Poder Judiciário vem dando interpretação aos casos que carecem de regulamentações. PALAVRAS-CHAVE: Terras Indígenas. Supremo Tribunal Federal. Constituição Federal. Ativismo Judicial.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................10

1 - OS ÍNDIOS E SUAS TERRAS NO ESTADO BRASILEIRO.................................13

1.1 HISTÓRICO E EVOLUÇÃO LEGISLATIVA....................................................13

1.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1988: ÍNDIOS E SEUS TERRITÓRIOS .....................17

1.3 DA POSSE INDÍGENA E SUA CONCEITUAÇÃO CONSTITUCIONAL

DIFERENCIADA DO DIREITO CIVIL ........................................................................18

2 - A DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS E SUAS IMPLICAÇÕES ..........20

2.1 PROCESSO DEMARCATÓRIO .........................................................................20

2.1.1 Identificação .................................................................................................21

2.1.2 Aprovação da FUNAI ..................................................................................22

2.1.3 Contestações .................................................................................................22

2.1.4 Declarações dos limites da terra indígena .................................................22

2.1.5 Demarcação física ........................................................................................23

2.1.6 Homologação ................................................................................................23

2.1.7 Registro .........................................................................................................23

2.2 OS AUTORES ENVOLVIDOS NAS DEMANDAS ...............................................24

2.3 O VOTO DO MINISTRO AYRES BRITTO .......................................................25

3 - ERA CONSTITUCIONAL: ATIVISMO JUDICIAL E POVOS INDÍGENAS ....28

3.1 O STF ESTÁ ASSUMINDO UM ATIVISMO JUDICIAL SEM

PRECEDENTES?............................................................................................................29

4.1 O STF COMO LEGISLADOR POSITIVO: O CASO DA RAPOSA SERRA

DO SOL................................................................................................................30

3.2 JUIZ CONSTITUCIONAL: LEGISLADOR POSITIVO OU NEGATIVO........31

3.3 LEGITIMIDADE DO STF COMO LEGISLADOR POSITIVO.........................32

3.3.1 Da defesa dos Direitos Fundamentais ........................................................35

3.3.3 Do Redimensionamento dos Poderes em Funções Estatais......................36

4 - ANÁLISE DAS CONDICIONANTES IMPOSTAS PELO STF .............................37

5.1 AS SALVAGUARDAS INSTITUCIONAIS DO STF.........................................38

4.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CONDICIONANTES .....................................40

4.2.1 Garimpagem e faiscação de recursos minerais em terras indígenas.......40

4.2.2 Os atos de relevante interesse da União.....................................................41

4.2.3 Unidades de conservação da natureza incidente em terras indígenas ....43

4.2.4 Ingresso, trânsito e permanência de não índios em terras indígenas......44

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4.2.5 .....Vedação de ampliação de limites de terra indígena demarcada .............44

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................46

REFERÊNCIAS.................................................................................................................48

ANEXOS........................................................................................... .................................51

Page 10: O Supremo Tribunal Federal como “construtor” da Constituição Federal: Análise das condicionantes impostas para demarcação de terras indígenas

INTRODUÇÃO

O trabalho que se apresenta tem por objetivo analisar as condicionantes impostas

pelo Supremo Tribunal Federal para demarcações de terras indígenas; e que dê início o que

devemos salientar é que não temos como metodologia única trazer aqui inquietações com

respaldo apenas em teorias frias distantes da realidade dos povos indígenas, mas que acima de

tudo, demonstrar como de forma direta os povos indígenas foram atingidos por essas

imposições por parte do judiciário, e que seus reflexos marcaram de tal forma os povos

originários do Estado brasileiro.

Por vez, a Constituição Federal reconheceu o direito originário dos povos

indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupados por eles, e declarou como nulo todo e

qualquer negócio jurídico que tenham por objeto essas terras. E o que vemos, sem, contudo

analisar profundamente a questão, são comunidades sendo expulsas de suas próprias terras ou

quando não, serem vistos como invasores de terras que há muito são habitadas por seus

ancestrais. Ou ainda, quando são vistos como uma ameaça à soberania nacional,

principalmente em faixa de fronteira, e que quando olhamos para a história do Brasil, foram

esses povos que sempre defenderam as fronteiras brasileiras e carregaram em suas costas os

marcos que hoje estão fincados nos limites territoriais. Estes são apenas alguns pontos que

iremos abordar neste ensaio.

O Art. 102, caput da Constituição de 1988 declara competir ao Supremo Tribunal

Federal “precipuamente, a guarda da Constituição”. Isto significa que, ele é o garante da

supremacia da Constituição. Desta forma, essa função inspira primordialmente a sua

competência de controlar a constitucionalidade das leis e atos do Poder Público. Entretanto,

como bem aponta Ferreira Filho1, “a Lei Magna ensejou-lhe mais do que ser o defensor da

1 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Papel Político do Judiciário e suas implicações. Revista de ciências

jurídicas e econômicas – ano 1, n. 2 – Mato Grosso do Sul: TJMS.

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Constituição. Atribui-lhe um papel de Construtor da Constituição”, no sentido de dar

interpretação aos vários casos que chegam ao judiciário.

Assim, com assunção pelo Judiciário de um inequívoco papel político, tal

fenômeno tem se manifestado por diversos caminhos, e o mais significativo é a transferência

de decisões para o judiciário em detrimento do Legislativo e do Executivo.

Notadamente esse fenômeno pode ser observado em relação às ações que versam

sobre demarcação de terras indígenas, em que até o julgamento do Caso da Raposa Serra do

Sol, não existia parâmetro ou mesmo entendimento jurisprudencial pacificado a respeito do

assunto. É o que se pode extrair da afirmação do Min. Gilmar Mendes, “Tenho a impressão de

que, independentemente do resultado, esse julgamento vai balizar critérios para a demarcação

de terras de fronteira e a participação dos estados nesse processo. O julgamento vai ser rico

nesse tipo de orientação”. (Consultor Jurídico, 27 ago 2008).

Dessa forma, o que propomos neste empenho é verificar como esse novo papel do

judiciário está incidindo sobre as ações que estão em trâmite e versam sobre a questão

indígena. E, também, fazer uma análise das condicionantes impostas pelo STF para futuras

demarcações de terras indígenas e, se já existe julgado se pautando em tal balizamento.

No primeiro capítulo, intitulado “Índios e suas terras no Estado brasileiro”, iremos

abordar o histórico e a evolução legislativa dos instrumentos que de alguma forma tratava

sobre as terras indígenas. E mais, colocaremos a Constituição de 1988 como um divisor de

águas, analisando como era antes da CF/88, e como está sendo tratada a questão indígena, em

especial suas terras, após 1988.

No segundo capítulo, falaremos sobre o processo demarcatório de terras indígenas

e ver as suas principais implicações no que diz respeito aos pontos debatidos que insurgem em

demandas no judiciário. E ainda, abordaremos os sujeitos envolvidos na relação processual,

sobre o papel de cada um. Neste mesmo capítulo analisaremos o voto do Ministro Carlos

Ayres Britto, proferido no caso da Raposa Serra do Sol.

Já no capítulo de número três, abordaremos o ativismo judicial em face desse

inequívoco papel que o Supremo Tribunal Federal tem assumido nos últimos anos, isto ficou

bem claro no julgamento Raposa Serra do Sol, e novamente foi item debatido pelos eminentes

ministros.

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Nos dois últimos capítulos analisaremos as condicionantes impostas pelo STF e

também faremos uma abordagem antropológica a respeito do tema proposto neste trabalho.

Desta forma, procuraremos aqui discorrer sobre este embate e demonstrar de forma clara e

sucinta como os povos originários vêm sendo tratado pelo Estado brasileiro no diz que

respeito a suas terras.

O que se impõe é muito mais do que um trabalho monográfico, visto que o desejo

de encerrar um curso de graduação apresentando tal tema está intimamente ligado com

questões pessoais de um acadêmico que nasceu e cresceu dentro de uma aldeia, teve a sua

educação fundamental dentro de uma escola indígena e que, chegando ao banco da

universidade não deixou de lado suas preocupações para com seu povo, pelo contrário, como

não se bastasse toda a dificuldade enfrentada nesta trajetória, chamou para si uma dupla

responsabilidade, sendo a primeira a da realização profissional e a segunda a devolutiva que

daria para o seu povo.

Desta forma, este trabalho é apenas um gesto de preocupação para com as

questões indígenas, pois a muito que ser feito, mas o que não pode acontecer é desanimarmos

nessa luta e sempre cultivar a esperança de um dia os povos indígenas serem respeitados com

toda autonomia.

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1 - OS ÍNDIOS E SUAS TERRAS NO ESTADO BRASILEIRO

Neste capítulo procuraremos analisar como vem sendo tratada pelo Estado

brasileiro a terra de ocupação indígena, veremos que desde o início as terras indígenas foram

alvo de preocupação por parte das autoridades, e que não faltaram instrumentos normativos

que tinha por objeto essas terras, mas que, como veremos, nessa evolução normativa, somente

com a constituição de 1988, houve um tratamento diferenciado.

1.1 HISTÓRICO E EVOLUÇÃO LEGISLATIVA

Como se sabe, desde a colonização em 1500, Portugal considerou todo o território

brasileiro sob seu domínio2, o que por muito tempo ignoraram os direitos dos povos

originários que aqui estavam. Para melhor esclarecimento, podemos dividir didaticamente o

estudo da legislação indígena em Brasil Colônia, Império e República.

Desde o início da colonização, a Coroa portuguesa reconhecia legalmente o

direito dos índios aos territórios que ocupavam. A Carta Régia de 10/09/1611 afirmava que

“os gentios são senhores de suas fazendas nas povoações, como o são na serra, sem lhes

poderem ser tomadas, nem sobre elas se lhes fazer moléstia ou injustiça alguma” (Cunha,

1987:58). O Alvará de 1º de abril de 1680 estabelecia que os índios estavam isentos de

tributos sobre as terras das quais eram “primários e naturais senhores”. Neste, Portugal

reconheceu que se deveria respeitar a posse indígena sobre suas terras. Vejamos:

2 ARAÚJO. Ana Valéria, et alii. Povos indígenas e a lei dos brancos: o direito à diferença – Brasília: MEC;

LACED/Museu Nacional, 2006.

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... E para que os ditos Gentios, que assim descerem, e os mais, que há de presente, melhor se conservem nas Aldeias: hey por bem que senhores de suas fazendas, como o são no Sertão, sem lhe poderem ser tomadas, nem sobre ellas se lhe fazer moléstia. E o Governador com parecer dos ditos Religiosos assinará aos que descerem do Sertão, lugares convenientes para neles lavrarem, e cultivarem, e não poderão ser mudados dos ditos lugares contra sua vontade, nem serão obrigados a pagar foro, ou tributo algum das ditas terras, que ainda estejão dados em Sesmarias e pessoas particulares, porque na concessão destas se reserva sempre o prejuízo de terceiro, e muito mais se entende, e quero que se entenda ser reservado o prejuízo, e direito os Índios, primários e naturais senhores delas. (Parágrafo 4º- Os Direitos do Índio – Manuela Carneiro da Cunha - pág. 59)

No entanto, este Alvará não foi respeitado, pois as terras indígenas continuaram a

serem alvos de um processo de esbulho por parte dos “conquistadores”, e quando não raro,

com o apoio das autoridades. Podemos citar como exemplo a Carta Régia de 1808, que

“declarava como devolutas as terras que fossem conquistadas dos índios nas chamadas

guerras justas3”. Essas guerras justas eram promovidas pelo próprio governo da época, contra

os povos indígenas que não se submetia à coroa portuguesa. E como se nota, a “condição de

devolutas permitia que as terras indígenas fossem concedidas a quem a coroa quisesse”4.

E ainda, a legislação colonial possibilitava aos índios serem aldeados em suas

próprias terras, que lhes eram reservadas - títulos de sesmarias etc. Ainda em 1850, uma

decisão do Império mandou incorporar às terras da União as terras dos índios que já não

viviam aldeados, conectando o reconhecimento da terra à finalidade de civilizar hordas

selvagens (Decisão nº 92 do Ministério do Império, 21/10/1850). Na prática, a lei de terras

reduzia o direito indígena aos territórios dos aldeamentos.

No período do Império, temos a Lei 601/1850, também chamada de Lei da Terra

de 1850, que tratou de regulamentar a propriedade privada no território brasileiro, assegurou o

direito territorial dos índios. Segundo o ilustre jurista Carlos Marés, “era na verdade a

reafirmação do indigenato”, instituto do período colonial que reconhecia os índios como os

primeiros e naturais senhores da terra. Esta lei foi regulamentada pelo Decreto nº 1.318, de 30

de janeiro de 1854, de onde se extrai o seguinte:

Art. 72. Serão reservadas as terras devolutas para colonização e aldeamento de indígenas, nos distritos onde existirem hordas selvagens.

3 Povos indígenas e a lei dos brancos: o direito à diferença/ Ana Valéria Araújo et alii – Brasília: MEC;

LACED/Museu Nacional, 2006. 4 Idem.

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Art. 75. As terras reservadas para colonização de indígenas, e para elles distribuídas, são destinadas ao seu uso fructo; não poderão ser alienadas, enquanto o Governo Imperial, por acto especial, não lhes conceder pelo gozo dellas, por assim o permitir o seu estado de civilização.

Neste ponto, importante é a observação de Gilberto Azanha no sentido de que a

legislação do Império, portanto, manteve a distinção dos dois tipos de "terras de índios"

reconhecidos pela legislação colonial: as possuídas pelos índios estabelecidos nos seus

terrenos originais e aquelas reservadas para a colonização "das hordas selvagens" em terrenos

distintos da ocupação original.

Como atesta Mendes Junior5:

[...] as leis portuguesas dos tempos coloniais apreendiam perfeitamente estas distinções: dos índios aborígenes, organizados em hordas, pode-se formar um aldeamento, mas não uma colônia; os índios só podem ser constituídos em colônia quando não são aborígenes do lugar, isto é, quando são emigrados de uma zona para serem imigrados em outra. (1912).

Este mesmo autor, interpretando os dispositivos já citados do Regulamento de

1854 (artigos 72 a 75), conclui que:

[...] o Legislador não julgou necessário subordinar os índios aldeados...às formalidades da legitimação de sua posse; pois o fim da lei era mesmo o de reservar terras para os índios que se aldeassem...Desde que os índios já estavam aldeados com cultura efetiva e morada habitual, essas terras por eles ocupadas, se já não fossem deles, também não poderiam ser de posteriores posseiros, visto que estariam devolutas [...] .

No período republicano, a primeira Constituição da República de 1891, em seu

Art. 64, transfere aos Estados-membros as terras devolutas situadas em seus territórios, e

como se sabe, muitas das terras indígenas haviam sido consideradas devolutas nos períodos

colonial e imperial. A partir de então, imediatamente os estados passaram a se assenhorear das

terras indígenas.

5 MENDES JÚNIOR, J. - Os Indígenas do Brazil, seus Direitos Individuaes e Políticos, ed. Fac-similar,

Comissão Pró-Índio de São Paulo - 1988 (1912).

Page 16: O Supremo Tribunal Federal como “construtor” da Constituição Federal: Análise das condicionantes impostas para demarcação de terras indígenas

16

A concessão se dava através de um procedimento que exigia medições e vistorias,

o que na época não foram realizadas e por isso foi ignorada a presença de varias comunidades

indígenas. Ao mesmo tempo, o constituinte de 1891, excepcionou as terras de fronteiras, os

estados ignoravam, expedindo inúmeros títulos incidentes sobre terras indígenas. Exemplo

disso, são vários títulos que datam dessa época concedidos indevidamente sobre terras dos

índios Guarani – Kaiowá, em Mato Grosso do Sul.

Como atesta Araújo, a Constituição de 1891 não fazia qualquer menção aos índios

ou aos seus direitos territoriais. Isto explica, por exemplo, porque o SPI não tinha poderes

para reconhecer as terras indígenas.

Após isso, as constituições que se seguiram trouxeram alguns dispositivos

reconhecendo a posse dos índios sobre as terras por eles ocupadas, senão vejamos:

. Constituição Federal de 1934:

Art. 129. Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las.

. Constituição Federal de 1937:

Art.154. Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que achem localizados em caráter permanente, sendo-lhes, porem, vedada a alienação das mesmas.

. Constituição Federal de 1946:

“Art. 216. Será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde se achem permanentemente localizados, com a condição de não a transferirem.

.Constituição Federal de 1967 – Emenda Constitucional nº 1 de 1969:

Art. 198 - As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos termos que a lei federal determinar, a eles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilizadas nelas existentes.

1º - Ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos silvícolas.

Pois bem, nota-se que os textos constitucionais que se seguiram trataram das

terras indígenas, no sentido de se respeitar à posse permanente e o usufruto exclusivo das

riquezas que ali estão, no entanto, como se verá a seguir, somente com a constituição de 1988

que o legislador se preocupou em tratar da terra indígena como instituto diferenciado do

direito civil, e ainda, traçando os elementos conceituais que marcam a posse indígena.

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1.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1988: ÍNDIOS E SEUS TERRITÓRIOS

A Constituição de 1988, não só trouxe um capítulo específico denominado “Dos

Índios”, rompendo com a visão integracionista, como também, reconheceu o direito à

diferença das comunidades indígena, reconheceu a capacidade processual dos índios, suas

comunidades e suas organizações, bem como atribui ao Ministério Público o dever de garantir

os direitos indígenas e por fim, em seu Art. 231, caput, reconheceu os direitos originários

sobre as terras que tradicionalmente ocupam.

Como bem atesta Deborah Duprat6, os territórios indígenas, no tratamento que

lhes foi dado pelo novo texto constitucional, são concebidos como espaços indispensáveis ao

exercício de direitos identitários desses grupos étnicos. As noções de etnia/cultura/território

são, em larga medida, indissociáveis.

O texto constitucional é categórico ao reconhecer os direitos originários dos índios

sobre as terras que tradicionalmente ocupam, e se revela preocupado ao definir terra

tradicionalmente ocupada. No parágrafo 1º do Art. 231 da CF, fica claro que terras

tradicionalmente ocupadas pelos índios são: a) as habitadas em caráter permanente; b) as

utilizadas para suas atividades produtivas; c) as imprescindíveis à preservação dos recursos

ambientais necessários a seu bem-estar e, d) as necessárias a sua reprodução física e

cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Na lição de José Afonso da Silva7, o tradicionalmente refere-se não a uma

circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras

e ao modo tradicional de produção.

E a Constituição vaticina ainda que as terras tradicionalmente ocupadas são para

posse permanente, sendo o usufruto exclusivo dos índios, sendo tais terras de propriedade da

União, conforme o Art. 20 inciso XI da CF.

Desta forma, ainda segundo Duprat, resulta uma inequívoca diferença entre

propriedade privada e território indígena; aquela seria um espaço excludente marcado pela

6 Subprocuradora-geral da República e coordenadora da 6º Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério

Público Federal 7 Os Direitos Indígenas e a Constituição - Núcleo de Direitos Indígenas e Sérgio Antônio Fabris Editor - pág.

47/48 – 1993.

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individualidade e esta seria um espaço de acolhimento, em que o indivíduo encontra-se

referido aos que o cercam.

1.3 DA POSSE INDÍGENA E SUA CONCEITUAÇÃO CONSTITUCIONAL

DIFERENCIADA DO DIREITO CIVIL

Fernando da Costa Tourinho Neto8, ensina que não se pode igualar a posse

indígena à posse civil. Aquela é mais ampla, mais flexível. E nos direciona ao Estatuto do

Índio, quando na busca do conceito de posse indígena, in verbis:

Considera-se posse do índio ou silvícola a ocupação efetiva da terra que, de acordo com os usos, costumes e tradições tribais, detêm e onde habita ou exerce atividade indispensável à sua subsistência ou economicamente útil. (Art. 23 da Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973 - Estatuto do Índio)

Assim, para se alcançar o verdadeiro sentido do texto Constitucional, é

indispensável ajustar ao conceito de habitação e ao sistema de vida dos silvícolas9 e à sua

natureza mais ou menos nômade10

.

Neste sentido, a posse indígena estaria vinculada não a idéia de habitação como

estudamos no direito civil, mas sim de acordo com os costumes indígenas e as necessidades

de sua subsistência.

No entanto, como salienta Duprat, a prática judiciária tende a equiparar ambos os

institutos, conferindo-lhes tratamento processual idêntico. Por outro lado, já encontramos

vozes ecoando na jurisprudência brasileira, no sentido de se reconhecer tal diferença, é o que

se infere do seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal, vejamos:

O objetivo da Constituição Federal é que ali permaneçam os traços culturais dos antigos habitantes, não só para sobrevivência dessa tribo, como para estudo dos etnólogos e para outros efeitos de natureza cultural e intelectual.

8 Idem.

9 O Código Civil de 2002, diferentemente do Código de 1916, não utilizou a expressão “Silvícola”. Visto que

silvícola é aquele habitante da selva, o que não se enquadra com a era constitucional em que se verifica o momento. 10

Os Direitos do Índio – Manoela Carneiro da Cunha - pág. 101

Page 19: O Supremo Tribunal Federal como “construtor” da Constituição Federal: Análise das condicionantes impostas para demarcação de terras indígenas

19

Não está em jogo, propriamente, um conceito de posse, nem de domínio, no sentido civilista dos silvícolas, trata-se de habitat de um povo (Recurso Extraordinário nº 44.585 - Ministro Victor Nunes Leal – 1961).

Vejamos também precedente do Tribunal Regional Federal da 3º Região:

EMENTA: “PROCESSO CIVIL. ARGUIÇÃO DO ‘DECISUM’ REJEITADA. SÃO BENS DA UNIÃO TERRAS TRADICIONALMENTE OCUPADOS PELOS ÍNDIOS. INSTITUTO DO INDIGENATO. DIREITO CONGÊNITO. INAPLICABILIDADE À ESPÉCIE DO CONCEITO DE POSSE CIVIL. (...)

3. O fundamento do direito dos silvícolas repousa no indigenato, que não se caracteriza como direito adquirido, mas congênito.

(...)

5. Inaplicabilidade, à espécie, do conceito de posse civil. A posse indígena vem definida pelo art. 23 da Lei 6001 de 19.12.73, Estatuto do Índio.

(...)

7. “Recursos improvidos.” (AC 91.03.15750-4-SP – Rela. Des. Federal Salette Nascimento - Publicação no DJU de 13.12.94, 1ª Seção, pág. 72900) Grifei.

Assim sendo, seguindo a linha traçada pelo Art. 23 do Estatuto do Índio, deve-se

atentar para os usos e costumes dos índios e a forma com que lidam com a terra necessária a

sua subsistência.

Page 20: O Supremo Tribunal Federal como “construtor” da Constituição Federal: Análise das condicionantes impostas para demarcação de terras indígenas

2 - A DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS E SUAS IMPLICAÇÕES

Para se falar em demarcação de terras indígenas, deve-se ter em mente os

conceitos jurídicos que a própria Constituição traz, quais sejam, os elementos identificadores

de terra tradicionalmente ocupada. Nesta esteira, trataremos neste capítulo do processo

demarcatório e ver quais são as implicações que surgem no procedimento dito administrativo

e que se perdura até o judiciário, envolvendo particulares e entes da administração pública.

Antes, porém, necessárias são algumas ponderações a respeito do assunto.

Segundo o Estatuto do Índio Lei n. 6.001/73, a demarcação deveria ser procedida “por

iniciativa e sob orientação do órgão indigenista oficial” (art. 19). Mas, como bem salienta

Lacerda11

, sob pressão dos interesses políticos e econômicos incidentes nas terras indígenas, a

sistemática do procedimento passara por várias alterações. Fruto dessas alterações foi uma

grande interferência de interessados, que criaram obstáculos.

Ademais, o mesmo estatuto prevê o prazo de cinco anos para que todas as terras

indígenas estivessem demarcadas, o que obviamente não ocorrera.

2.1 PROCESSO DEMARCATÓRIO

Segundo o Art. 231, caput, última parte, da CF/88, compete à União demarcar as

terras de ocupação indígena. O Estatuto do Índio – Lei 6.001/73, em seu Art. 19, caput, prevê

que as terras indígenas, por iniciativa e sob orientação do órgão federal de assistência ao índio

11

LACERDA, Rosane. Os povos indígenas e a constituinte – 1987/1988. Brasília, CIMI – Conselho Indigenista Missionário, 2008.

Page 21: O Supremo Tribunal Federal como “construtor” da Constituição Federal: Análise das condicionantes impostas para demarcação de terras indígenas

21

(FUNAI), serão administrativamente demarcadas12

, de acordo com o processo

estabelecido em decreto do Poder Executivo.

Atualmente o processo demarcatório é regulado pelo Decreto 1.775/96, em que

são previstos etapas que delineia um procedimento bastante complexo. Com base em

documentos do Instituto Sócio-Ambiental13

, seriam sete fases: identificação, aprovação pela

FUNAI, contestações, declaração de limites pelo ministro da justiça, demarcação física,

homologação presidencial e registro. Assim, passamos a abordar cada fase desse

procedimento.

2.1.1 Identificação

Inicialmente, a FUNAI nomeia um antropólogo (art. 2º do Decreto 1.775/96), que

deverá elaborar um trabalho fundamentado de estudo antropológico de identificação. Este

profissional deverá ter qualificação reconhecida e será ele quem irá coordenar o grupo de

trabalho que realizará estudos complementares de natureza etnohistórica, sociológica,

jurídica, cartográfica e ambiental, além do levantamento fundiário, com vistas à delimitação

da terra indígena. Ao final, o Grupo apresentará relatório circunstanciado à FUNAI, do qual

deverão constar elementos e dados específicos listados na Portaria nº. 14, de 09/01/96, como a

explicitação das razões pelas quais tais áreas são imprescindíveis e necessárias, bem como a

caracterização da terra indígena a ser demarcada. No caso de haver não-indígenas na região,

devem ser ainda realizados levantamentos sócio-econômicos, documentais e cartoriais, bem

como a avaliação das benfeitorias edificadas em tais ocupações.

12

A demarcação administrativa, homologada pelo Presidente da República, é "ato estatal que se reveste da presunção juris tantum de legitimidade e de veracidade", além de se revestir de natureza declaratória e força auto-executória. (Pet 3388 / RR – Rel. Min. CARLOS BRITTO/ 25-09-2009).

13 “Como é feita a demarcação hoje?” Disponível em: www.socioambiental.org (último acesso 01/02/2011).

Page 22: O Supremo Tribunal Federal como “construtor” da Constituição Federal: Análise das condicionantes impostas para demarcação de terras indígenas

22

2.1.2 Aprovação da FUNAI

Segundo o § 7º do Art. 2º, do Decreto 1.775/96, o relatório tem que ser aprovado

pelo Presidente da FUNAI, que, no prazo de 15 dias, fará com que seja publicado o seu

resumo no DOU (Diário Oficial da União) e no Diário Oficial da unidade federada

correspondente. A publicação deve ainda ser afixada na sede da Prefeitura local. Esse

documento deve apresentar resultado da análise e julgamento da boa-fé de eventuais

benfeitorias de não índios, realizada pela Comissão Permanente de Sindicância, instituída pelo

Presidente da FUNAI.

2.1.3 Contestações

A próxima fase prevista no decreto presidencial é a das contestações, pois como

prevê o § 8º ainda do Art. 2º, visto que a contar do início do procedimento até 90 dias após a

publicação do relatório no DOU, todo interessado, inclusive Estados e Municípios, poderá

manifestar-se, apresentando ao órgão indigenista suas razões, acompanhadas de todas as

provas pertinentes, com o fim de pleitear indenização ou demonstrar vícios existentes no

relatório. A FUNAI tem, então, 60 dias, após os 90 mencionados, para elaborar pareceres

sobre as razões de todos os interessados e encaminhar o procedimento ao Ministro da Justiça.

2.1.4 Declarações dos limites da terra indígena

Já o § 10º do mesmo artigo, vaticina que o Ministro da Justiça terá 30 dias para:

I - expedir portaria, declarando os limites da área e determinando a sua

demarcação física;

II - prescrever diligências a serem cumpridas em mais 90 dias;

III - desaprovar a identificação, publicando decisão fundamentada.

Page 23: O Supremo Tribunal Federal como “construtor” da Constituição Federal: Análise das condicionantes impostas para demarcação de terras indígenas

23

2.1.5 Demarcação física

Declarados os limites da área, a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) promove a

sua demarcação física, enquanto o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária), em caráter prioritário, procederá ao reassentamento de eventuais ocupantes não-

índios.

2.1.6 Homologação

O procedimento de demarcação deve, por fim, ser submetido ao Presidente da

República para homologação por decreto.

2.1.7 Registro

A terra demarcada e homologada será registrada, em até 30 dias após a

homologação, no cartório de imóveis da comarca correspondente e no SPU (Serviço de

Patrimônio da União). A partir de então se dará a regularização fundiária, que consiste na

desintrusão da área da presença de não índios e o saneamento de pendências judiciais

envolvendo títulos de propriedade e manutenção de posse. O pagamento das benfeitorias

derivadas das ocupações de boa fé se dá com base em programação orçamentária

disponibilizada para esta finalidade pela União.

Com o Dec. nº 1775/1996, diferentemente dos instrumentos anteriores, prevê que

levantamentos sobre a situação ecológica da região sejam feitos por especialista, de modo a

integrar os estudos complementares realizados no âmbito do processo de demarcação. E

ainda, introduziu a fase de contestação, ainda durante o trâmite na FUNAI, que não havia

antes. Por meio dessa alteração criou-se um espaço para que se desse o contraditório e a

ampla defesa para parte interessada.

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24

2.2 OS AUTORES ENVOLVIDOS NAS DEMANDAS

Participam dos conflitos envolvendo demarcação indígena os Estados Federados,

os proprietários de terra, a União, as comunidades indígenas, Ministério Público e a FUNAI.

Quanto aos conflitos em que figuram em um dos pólos o Estado – membro,

voltamos a problemática levantada no capítulo anterior, visto que aqui, o que se irá discutir é

propriedade da terra demarcada, pois, se é terra indígena pertence a União; se é devoluta,

pertence ao Estado. Vimos anteriormente que a Carta Régia de 1808, incluía como devolutas

as terras que fossem conquistas nas chamadas “guerras justas”. Já no período imperial,

expedientes normativos consideraram como terras devolutas as terras das aldeias abandonadas

pelos índios. E quando veio a Constituição de 1891, transfere aos estados as terras devolutas

situadas em seus territórios.

Desta feita, como bem assinala Reinach (2008:15), criou-se aí um impasse. Se o

direito dos índios a terra era originário, muitas terras consideradas devolutas seriam, na

verdade, indígenas, devendo passar do estado para domínio da União.

Quanto aos proprietários, à demarcação os afeta de maneira direta, visto que uma

vez reconhecida como sendo terra de ocupação indígena, os mesmos devem sair do local. A

Constituição assegura indenização relativa a benfeitorias de boa fé. Em relação aos

proprietários, muitos deles quando em juízo, apresentam certidões expedidas pelo Serviço de

Proteção ao índio, onde atesta que determinada área não é indígena. Assim, tais proprietários

alegam justo titulo legalmente adquirido. Por tais razões tentam anular em juízo, os decretos e

portarias que reconhecem terras de ocupação indígena, bem como alegam vícios nos laudos

antropológicos.

Outra inovação da Constituição de 1988, foi dar legitimidade para as comunidades

indígenas, para ingressar em juízo na defesa de seus direitos e interesses, devendo o

Ministério Público intervir em todas as fases do processo (Art. 232 da CF).

Outro ator que também se faz presente é a Fundação Nacional do Índio (FUNAI),

órgão federal, ligado ao ministério da justiça que exerce o papel de tutor dos índios.

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25

2.3 O VOTO DO MINISTRO AYRES BRITTO

Neste subitem, queremos trazer a baila o voto do ministro Carlos Ayres Britto na

Petição 3.388-4 Roraima, também conhecido como o caso da Raposa Serra do Sol. Em seu

voto o ministro relator foi paradigmático ao tecer considerações não apenas de cunho jurídico,

mas pelo contrário, fez uma analise interdisciplinar e foi além do enfoque jurídico, pois a

matéria ali discutida demandava todo esse empenho de ângulos diferentes.

Assim passamos a analisar os “capítulos da sentença14

”, do voto do ministro

relator, que inicia dizendo que a “demarcação de qualquer terra indígena se faz no bojo de um

processo administrativo”, e ainda cita o min. Celso de Mello, que no RE 183.188, já havia

assentado que “a disputa pela posse permanente e pela riqueza das terras tradicionalmente

ocupadas pelos índios constitui núcleo fundamental da questão indígena no Brasil”, bem

como reconheceu que a demarcação administrativa “é ato estatal que se reveste de presunção

juris tantm de legitimidade e de veracidade”.

Assim, resolvida a questão de ordem, o relator inaugura seu voto com o capítulo

denominado “Os índios como tema de matriz constitucional”, acentuando que a constituição

de 1988 reservou um capítulo específico “Dos Índios”, dentro do título da “Ordem Social”.

Ato contínuo, instaurou-se o capítulo intitulado “O significado do substantivo

índio”, e aqui, sedimentou-se que o substantivo “índios” é usado pela Constituição Federal

14 Segundo o lesto Cândido Rangel Dinarmaco, em sua obra Capítulos de Sentença, “cada capítulo do decisório,

quer todos de mérito, quer heterogêneos, é uma unidade elementar autônoma, no sentido de que cada um deles expressa uma deliberação específica; cada uma dessas deliberações é distinta das contidas nos demais capítulos e resulta da verificação de pressupostos próprios, que não que não se confundem com os pressupostos das outras. Nesse plano, a autonomia dos diversos capítulos de sentença revela apenas uma distinção funcional entre eles, sem que necessariamente todos sejam portadores de aptidão a constituir objeto de julgamentos separados, em processos distintos e mediante mais de uma sentença: a autonomia absoluta só se dá entre os capítulos de mérito, não porém em relação ao que contém julgamento da pretensão ao julgamento deste.” In: LEITE, Ravênia Márcia de Oliveira. Dos capítulos da sentença. Revista Jus Vigilantibus, Sábado, 13 de junho de 2009. Disponível em http://jusvi.com/artigos/40442. Acesso em 16/02/2011.

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26

por um modo invariavelmente plural, para exprimir a diferenciação dos aborígenes por

numerosas etnias. “Propósito constitucional de retratar um diversidade indígena tanto

interétinica quanto intra-ética”.

Por conseguinte, tratou-se das “terras indígenas como parte essencial do território

brasileiro”, como bem um bem público federal, que se traduz “numa realidade sócio-cultural,

e não de natureza político-territorial”.

Outro capítulo que realça sua importância foi o chamado “A demarcação de terras

indígenas como capítulo avançado do constitucionalismo fraternal”, onde se afirma que os

Arts. 231 e 232 da CF são de “finalidades nitidamente fraternal ou solidária”, e o ministro

continua, in verbis:

[...] própria de uma quadra constitucional que se volta para efetivação de um novo tipo de igualdade: a igualdade civil – moral de minorias, tendo em vista o proto – valor da integração comunitária. Era constitucional compensatória de vantagens historicamente acumuladas, a se viabilizar por mecanismos oficiais de ações afirmativas. No caso, os índios a desfrutar de um espaço fundiário que lhes assegure meios dignos de subsistência econômica para mais eficazmente poderem preservar sua identidade somática, lingüística e cultural. [...] Concretização constitucional do valor da inclusão comunitária pela via da identidade étnica.

Prosseguindo, falou-se do “Falso antagonismo entre a questão indígena e o

desenvolvimento”, onde se sedimentou que o poder público de todas as dimensões federativas

não deve subestimar, e muito menos hostilizar as comunidades indígenas brasileiras, “mas

deve tirar proveito delas para diversificar o potencial econômico – cultural dos seus

territórios”.

Após trouxe a tona os “Direitos originários” dos índios sobre as terras que

tradicionalmente ocupam, que foram “reconhecidos, e não simplesmente outorgados, com o

que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva”.

Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente. E conclui:

[...] Essa a razão de a carta Magna havê-lo chamado de “originários”, a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios.

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27

Noutro capítulo, falou-se da “relação de pertinência entre terras indígenas e meio

ambiente”, onde assentou a “perfeita compatibilidade entre meio ambiente e terras indígenas,

ainda que estas envolvam áreas de conservação e preservação ambiental”. E conclui que a

terra indígena sofre uma dupla afetação15

.

Por fim, abordou-se a “compatibilidade entre faixa de fronteira e terras

indígenas”, aqui conclui que “a permanente alocação indígena nesses estratégicos espaços em

muito facilita e até obriga que as instituições de estado (Forças Armadas e Polícia Federal) se

façam presentes”.

Neste sentido, viu-se que este voto foi riquíssimo em construções interdisciplinar,

que não ficou acanhado apenas na análise fria da lei, que provocou de certa maneira, com que

os outros ministros ficassem mais atentos ao tema que se impunha. Sinônimo disso,

percebemos quando analisamos os autos, é que após o voto do ministro Carlos Britto, o

ministro Menezes Direito pediu vista, e confessou que seu voto já estava pronto, mas após o

voto proferido pelo relator decidiu refleti melhor sobre o tema.

Após foram impostas algumas condicionantes para demarcação de terras

indígenas que serem analisadas nos capítulos que seguem deste trabalho.

15

José dos Santos Carvalho, conceitua afetação como sendo “fato administrativo pelo qual se atribui ao bem público uma destinação pública especial de interesse direto ou indireto da administração pública”. In CARVALHO, José dos Santos. Curso de direito administrativo. São Paulo. Ed. Saraiva, 2010.

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3 - ERA CONSTITUCIONAL: ATIVISMO JUDICIAL E POVOS INDÍGENAS

Neste ponto do trabalho, após identificar o direito originário dos povos indígenas

sobre as terras que tradicionalmente ocupam como um direito de ordem social trataremos da

difícil tarefa de concretizar esses direitos (os sociais) previstos na constituição.

Os direitos sociais postos na Constituição resultam de uma longa e histórica luta

dos movimentos sociais dos diversos segmentos da sociedade. Desta forma, resta saber de que

forma tais direitos e garantias serão efetivamente desfrutados pelos cidadãos brasileiros.

Outrossim, na dimensão de direitos em que vivemos, cabe ao Estado promover o

bem comum de todos, ou seja, concretizar prestações positivas, direta ou indiretamente, que

possibilite melhores condições de vida aos mais fracos, buscando realizar a igualdade de

situações sociais desiguais.

Todavia, os Direitos Fundamentais Sociais encontram grandes dificuldades

quanto a sua efetivação, para isso, sustentamos a tese de que o poder judiciário seria

legitimado a sempre que possível, efetivar a concretização dos direitos fundamentais.

O art. 102, caput da Constituição de 1988 declara competir ao Supremo Tribunal

Federal “precipuamente, a guarda da Constituição”. Isto significa que, ele é o garante da

supremacia da Constituição. Desta forma, essa função inspira primordialmente a sua

competência de controlar a constitucionalidade das leis e atos do Poder Público. Entretanto,

como bem aponta Ferreira Filho16

, “a Lei Magna ensejou-lhe mais do que ser o defensor da

Constituição, atribui-lhe um papel de Construtor da Constituição”, no sentido de dar

interpretação aos vários casos que chegam ao judiciário.

16

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Papel Político do Judiciário e suas implicações. Revista de ciências jurídicas e econômicas – ano 1, n. 2 – Mato Grosso do Sul: TJMS.

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29

Assim, com a assunção pelo judiciário de um inequívoco papel político, tal fenômeno

tem se manifestado por diversos caminhos, e o mais significativo é a transferência de decisões

para o judiciário em detrimento do Legislativo e do Executivo.

Notadamente esse fenômeno pode ser observado em relação às ações que versam

sobre demarcação de terras indígenas, em que até o julgamento do Caso da Raposa Serra do

Sol, não existia parâmetro ou mesmo entendimento jurisprudencial pacificado a respeito do

assunto. É o que se pode extrair da afirmação do Min. Gilmar Mendes, “Tenho a impressão de

que, independentemente do resultado, esse julgamento vai balizar critérios para a demarcação

de terras de fronteira e a participação dos estados nesse processo. O julgamento vai ser rico

nesse tipo de orientação17

”.

3.1 O STF ESTÁ ASSUMINDO UM ATIVISMO JUDICIAL SEM PRECEDENTES?

Como bem salienta Luís Roberto Barroso18

, “nos últimos anos o Supremo

Tribunal Federal tem desempenhado um papel ativo na vida institucional brasileira”, e

acrescenta que “em diferentes partes do mundo, em épocas diversas, cortes constitucionais

destacaram-se tomando decisões envolvendo questões de largo alcance político”.

Nesta esteira, ganhou espaço a discussão sobre Judicialização e Ativismo Judicial.

E mais uma vez, o ora citado jurista nos ajuda a compreender o tema, senão vejamos:

Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão

sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o

Congresso Nacional e o Poder Executivo.

E o autor continua arrolando como causa da judicialização a redemocratização, a

constitucionalização abrangente e o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade.

Por outro lado, seguindo o conceito de Barroso, “a idéia de ativismo judicial está

associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores

e fins constitucionais”. E conclui que esse ativismo se manifesta pelos seguintes meios:

17

Consultor Jurídico, 27 ago 2008. 18

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática.

Page 30: O Supremo Tribunal Federal como “construtor” da Constituição Federal: Análise das condicionantes impostas para demarcação de terras indígenas

30

A aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas

em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário;

A declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador,

com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição;

A imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em

matéria de políticas públicas.

O ministro Celso de Mello19

, em discurso de posse do presidente Gilmar Mendes,

reconheceu que “práticas de ativismo judicial, tornam-se uma necessidade institucional,

quando os órgãos do poder público se omitem ou retardam, o cumprimento de obrigações a

que estão sujeitos”. E é categórico ao afirmar que:

[...] a inércia estatal em tornar efetivas as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela Constituição e configura comportamento que revela um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição.

Assim o que assistimos diante de nossos olhos é que a Corte Constitucional

brasileira a cada tomada de decisões, vem assumindo uma postura ativista, sejam pelos meios

arrolados acima, ou mesmo pelo anseio de efetivação dos direitos sociais postos na carta

constitucional.

4.1 O STF COMO LEGISLADOR POSITIVO: O CASO DA RAPOSA SERRA DO

SOL

O Supremo Tribunal Federal, como já observou Ângela Cristina Pelicioli20

, além

de se encontrar no vértice da estrutura judiciária brasileira, exerce o controle dos demais

Poderes, por meio do controle de constitucionalidade das leis e atos normativos.

19

MELLO, Celso. Discurso proferido em nome do STF, na solenidade de posse do Min. Gilmar Mendes, na presidência da Suprema Corte do Brasil, em 23.04.2008. 20

PELICIOLI, Ângela Cristina. O Supremo Tribunal Federal como legislador positivo: o caso da fidelidade partidária. Boletim de direito administrativo. N. 11. Ano XXIV, Ed. NBJ, 2008.

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Desta feita, como prevê o art. 102, caput da Constituição de 1988, ele é o

guardião da Constituição, o que significa dizer, que a ele cabe a concretização dos direitos

fundamentais de acordo com os ditames de um Estado democrático de direito. É fato que o

controle feito pelo STF da constitucionalidade das leis e atos normativos, foi ao longo do

tempo se modificando, até o ponto da possível modulação dos efeitos da decisão. Assim,

ainda sob a observação de Pelicioli, “todas essas atribuições transformaram o juiz

constitucional não só em uma instância de controle de constitucionalidade de leis e atos

normativos, mas, eventualmente, também em legislador positivo”.

Neste propósito, parafraseando Pelicioli, para que os juízes constitucionais

brasileiros possam atuar como legislador positivo é necessário que haja uma justificativa

racional, diretamente relacionada com a concretização dos direitos fundamentais, uma vez que

esse é o objetivo final de um Estado dito Democrático. Desta forma, voltando para o tema

central desta discussão, a demarcação de terras tradicionalmente ocupadas por índios, como já

reconhecido pela suprema corte, faz parte de uma quadra constitucional e que o que está em

jogo não é apenas a posse de propriedades, mas sim de habitats de um povo.

Agora, resta saber se a atuação do STF no caso da Raposa Serra do Sol, como

legislador positivo, ao impor as condicionantes para demarcação de terras indígenas, ocorreu

de maneira positiva ou negativa para os povos indígenas.

3.2 JUIZ CONSTITUCIONAL: LEGISLADOR POSITIVO OU NEGATIVO

Neste subitem, continuaremos seguindo as ponderações de Ângela Cristina

Pelicioli, visto que seu trabalho ora citado traz grande contribuições para o presente estudo.

De início, segundo Kelsen, “uma decisão judicial, é ato pelo qual uma norma geral, um

estatuto, é aplicada, mas ao mesmo tempo, uma norma individual é criada21

”.

Neste plano, o juiz constitucional, ou seja, o Supremo Tribunal Federal, “também

pode, excepcionalmente, criar norma geral e abstrata, transformando-se em legislador

positivo”. E quando chegamos neste ponto, pergunta à autora, quais são as fontes inspiradoras

21

KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado, tradução de Luís Carlos Borges, São Paulo, Martins Fontes, 1992. p. 137. In: PELICIOLI, Ângela Cristina. O Supremo Tribunal Federal como legislador positivo: o caso da fidelidade partidária. Boletim de direito administrativo. N. 11. Ano XXIV, Ed. NBJ, 2008. p. 1261.

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32

do juiz constitucional para atuar como legislador positivo? E então, busca a resposta em

Benjamin Cardozo22

:

[...] a experiência, o estudo e a reflexão; em resumo, a própria vida. Aqui, na verdade, encontra-se o ponto de contato entre o trabalho do legislador e do juiz. A escolha de métodos, a estimativa de valores, tudo deve ser guiado, no fim, por considerações semelhantes, seja no caso de um, seja no caso de outro. Cada um deles, realmente, está legislando dentro dos limites de sua competência. Não há dúvida de que os limites para o juiz são mais estreitos. Ele legisla apenas para suprir lacunas e completar os espaços vazios do direito positivo. Até onde pode ir sem ultrapassar os confins dos interstícios, eis o que não pode ser rigorosamente delimitado em um mapa para o seu uso.

Pois bem, configura o juiz constitucional como sendo um legislador positivo por

meio das sentenças normativas, visto que tais sentenças têm o efeito de “fazer dizer” a norma

por ele referida.

Por outro, surge a terminologia legislador negativo, que em síntese não existe no

sistema judiciário brasileiro visto que legislador negativo pode ser apenas o Poder Legislativo,

“pois legislar negativamente é revogar lei válida”, e isso não compete ao judiciário. Pode

haver uma pequena confusão, pois ao judiciário cabe apenas, quando do controle de

constitucionalidade, declarar a nulidade de determinado ato normativo, reconhecendo como

nulo a norma desde a entrada em vigor (efeito ex tunc, em regra).

3.3 LEGITIMIDADE DO STF COMO LEGISLADOR POSITIVO

Neste ensejo discutiremos a legitimidade do Supremo Tribunal Federal de atuar

como legislador positivo, principalmente quanto à concretização dos direitos fundamentais de

segunda dimensão, que são aqueles de ordem econômica, social e cultural.

Os direitos sociais postos na Constituição resultam de uma longa e histórica de

luta dos movimentos sociais dos diversos segmentos da sociedade. Desta forma, resta saber de

que forma tais direitos e garantias irão efetivamente desfrutados pelos cidadãos brasileiros.

22

CARDOZO, Benjamim. A Natureza do Processo e a Evolução do Direito. Tradução e notas de Leda Boechat Rodrigues, Rio de Janeiro, Editora Nacional de Direito, 1956. In: PELICIOLI, Ângela Cristina. O Supremo Tribunal Federal como legislador positivo: o caso da fidelidade partidária. Boletim de direito administrativo. N. 11. Ano XXIV, Ed. NBJ, 2008. p. 1261.

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33

Outrossim, na dimensão de direitos em que vivemos, cabe ao Estado promover o bem comum

de todos, ou seja, concretizar prestações positivas, direta ou indiretamente, que possibilite

melhores condições de vida aos mais fracos, buscando realizar a igualização de situações

sociais desiguais.

Todavia, os Direitos Fundamentais Sociais encontram grandes dificuldades

quanto a sua efetivação, diante disso, estaria o poder judiciário legitimado, a sempre que

possível, efetivar a concretização dos direitos fundamentais.

Como bem salienta ZENI23

, o argumento mais utilizado como forma de

impedimento da atuação do Poder Judiciário como legislador positivo se funda numa visão

ultrapassada do Princípio da Separação dos Poderes, constante no artigo 2º da Constituição

Federal, em que se objetivava proteger o indivíduo contra intervenções arbitrárias do Estado.

E ainda, corrobora Andréa Ferreira24

que:

É certo que o juiz não vai substituir ao legislador, ao administrador, no núcleo do poder discricionário. Mas não o estará fazendo se verificar que, diante de uma aparente legalidade extrínseca, na verdade esteja diante de uma grande injustiça, de um procedimento administrativo desarrazoado, ilógico, contrário à técnica, à economicidade, à logicidade, que são os parâmetros do controle jurisdicional, neste campo específico da chamada legitimidade.

Em suma, defende-se que o Judiciário tem a função de garantir a Supremacia da

Constituição, em especial o Supremo Tribunal Federal, no controle concentrado de

constitucionalidade. Conforme o Ministro do STF, Gilmar Ferreira Mendes25

, tem sido de

suma importância o papel exercido pelo STF no controle de constitucionalidade no

ordenamento jurídico brasileiro e ao poder legiferante indireto do Judiciário, exercendo tanto

o papel de legislador negativo quanto de “legislador positivo". Segundo ele:

23

ZENI, Carine. O Poder Judiciário como legislador positivo na efetivação de direitos fundamentais. Disponível em http://revista.grupointegrado.br/revista/index.php/discursojuridico/article/view/217/103 Acessado em 10/10/2010. 24

FERREIRA, Sérgio de Andréa apud FERREIRA, Ximena Cardozo. Disponível na Internet: http://www.mp.rs.gov.br/ambiente/doutrina/id376.htm Acesso em: 20 maio. 2007. 25

MENDES, Gilmar Ferreira. Teoria da Legislação e Controle de Constitucionalidade: Algumas Notas. Revista Jurídica Virtual. Ano 01. v. 01, mai. 1999. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_01/teoria.htm Acesso em: 01 mai. 2007.

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34

Um levantamento na jurisprudência do STF indica que, entre 5 de outubro de 1988 e 27 de maio de 1998, 99 disposições federais e 602 preceitos estaduais tiveram a sua eficácia suspensa, em sede de cautelar. No mesmo período, 174 disposições estaduais e 27 normas federais tiveram a sua inconstitucionalidade definitivamente declarada pelo Supremo Tribunal no âmbito do controle abstrato de normas. Esses números ressaltam a importância do controle de constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro. Eles demonstram também que, enquanto pretenso "legislador negativo", o Supremo Tribunal Federal – bem como qualquer outra Corte com funções constitucionais – acaba por exercer um papel de "legislador positivo". É que o poder de eliminar alternativas normativas contém, igualmente, a faculdade de, por via direta ou transversa, indicar as fórmulas admitidas ou toleradas.

Trazendo o assunto para a questão indígena, o Prof. Luiz Flávio Gomes26

teceu

considerações interessantes em um recente artigo intitulado “O STF está assumindo um

ativismo judicial sem precedentes? Neste ensaio ele aponta que concluído o julgamento do

famoso caso Raposa Serra do Sol (demarcação de terras indígenas), mais uma vez entrou em

pauta o tema do "ativismo judicial", visto que o Min. Menezes Direito sugeriu a imposição de

19 medidas para a implementação da demarcação contínua. Ele ainda concluiu que, no caso

da demarcação indígena (Raposa Serra do Sol) disse que a posição dos ministros foi bastante

revelador, mas já se incursionando no inovador. Pois segundo ele, o problema do ativismo

judicial está no risco de o Poder Judiciário perder sua legitimidade democrática, que é

indireta. Em que sentido?

As decisões dos juízes são democráticas na medida em que seguem (nas decisões

judiciais) aquilo que foi aprovado pelo legislador. Sempre que o Poder Judiciário inova o

ordenamento jurídico, criando regras antes desconhecidas, invade a tarefa do legislador, ou

seja, se intromete indevidamente na função legislativa. Isso gera um outro risco: o da

aristocratização do Estado e do Direito (que, certamente, ninguém no século XXI está muito

disposto a aceitar).

Relembrando a discussão, Luís Roberto Barroso27

aponta como razão de ser do

ativismo judicial é a crise de funcionalidade do Poder Legislativo (que estimula tanto a

emissão de Medidas Provisórias pelo Executivo como o ativismo judicial do Judiciário). E

conclui que, todo poder quando não exercido (ou quando não bem exercido) deixa vácuo e

sempre existe alguém pronto para preencher esse espaço vazio por ele deixado.

26

Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12921. acessado em 09/09/2010. 27

Idem Ibdem.

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35

Ainda, seguindo a linha de pensamento de Ângela Cristina Pelicioli, conclui-se

que podemos analisar a legitimidade do Supremo Tribunal Federal sob três aspectos, que

traremos aqui sob a perspectiva da autora citada, que passaremos a tratar adiante.

3.3.1 Da defesa dos Direitos Fundamentais

Como já foi dito, a Constituição Federal de 1988 colocou o STF como o guardião

da constituição, disso deriva que, como também já se afirmou que ele é o garantidor da

efetividade dos direitos fundamentais. Neste sentido, argumenta Marian Ahumada Ruiz28

:

Com vista à máxima efetividade dos direitos fundamentais, as Constituições dos Estados Democráticos de Direito não só determinam os limites, ou impõem barreiras ao poderes, mas também estabelecem quais as ações os poderes políticos devem desenvolver no desempenho de suas responsabilidades sociais.

E ainda, parafraseando Pelicioli29

, embora a deficiência do Poder legislativo seja

um argumento muito forte, este por si só não pode ser utilizado para legitimar o STF a atuar

como legislador positivo, mas, por outro lado, a defesa dos direitos fundamentais é sim um

fator determinante na legitimação democrática do STF em atuar como garante dos direitos

sociais postos na constituição, sob pena transformar-se em “folha morta que a corrente

transposta30

”.

3.3.2 Da existência de um segundo Poder Constituinte Originário

Contextualizando, como o próprio poder constituinte originário definiu o STF

como guardião da constituição e concretizador dos direitos fundamentais, trazendo a idéia de

28

RUIZ, Marian Ahumada. “Hay alternativas a La judicial review?”. In: PELICIOLI, Ângela Cristina. O Supremo Tribunal Federal como legislador positivo: o caso da fidelidade partidária. Boletim de direito administrativo. N. 11. Ano XXIV, Ed. NBJ, 2008. p. 1263. 29

Idem Ibdem. 30

Verso da música “Folha Morta”, de Ary Barroso (1952). In: PELICIOLI, Ângela Cristina. O Supremo Tribunal Federal como legislador positivo: o caso da fidelidade partidária. Boletim de direito administrativo. N. 11. Ano XXIV, Ed. NBJ, 2008. p. 1263.

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36

um segundo poder constituinte originário, visto que ao legislativo restou o poder constituinte

derivado.

Pelicioli, parafraseando Paulo Bonavides31

, adota o seguinte entendimento:

As decisões da Corte Suprema, como segundo poder constituinte originário, atualizam e rejuvenescem a Constituição, observando as modificações da realidade social. Sem esse segundo poder constituinte originário, a Constituição estagnaria no tempo, pois a forma silenciosa como atua só é possível perceber quando se constatam as transformações já operadas na Constituição, sem a interferência do poder constituinte derivado.

Assim, conclui-se que a atuação do segundo poder constituinte originário

configura um “poder silencioso, mas eficaz” e que acolhe a transformação social. Neste

sentido, à medida que a Corte vai percebendo a transformação da realidade, propõem-se em

aperfeiçoar e atualizar a constituição por meio de suas decisões.

3.3.3 Do Redimensionamento dos Poderes em Funções Estatais

Neste ponto, devemos tecer considerações sobre a atribuição exercida pelo STF

quando decidir nos casos que envolva litígio entre os poderes Legislativo e Executivo. Nesses

casos, a solução judicial deve se traduzir em vantagens para o próprio povo, ou seja, deve-se

decidir sempre com as lentes focadas para a concretização dos direitos fundamentais dos

cidadãos.

Desta forma, ainda seguindo o pensamento de Pelicioli, “a função normativa

exercida pelo STF voltar-se-á, então a correção do descontrole ou à supressão do

desequilíbrio, sempre com vistas a resguardar os direitos fundamentais”.

31

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito constitucional. 19ª Ed., São Paulo, Saraiva, 2006, p. 187.

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4 - ANÁLISE DAS CONDICIONANTES IMPOSTAS PELO STF

Como dito nos capítulos anteriores, ao final do julgamento da Pet. 3.388, o

Supremo Tribunal Federal impôs 19 condicionantes para demarcação de terras indígenas. Por

tal motivo, que no capítulo anterior tratamos do assunto que novamente veio à pauta, qual

seja, o ativismo judicial.

Neste ponto do trabalho analisaremos as condicionantes impostas, para isso

vamos nos valer do memorial complementar da Comunidade Indígena Socó, elaborado pelo

advogado e assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário – CIMI, Paulo Machado

Guimarães. Antes, é de se registrar que grande parte dos aspectos suscitados nas condições

propostas decorre das previsões inovadoras contidas no texto constitucional, mas que carecem

de regulamentação pelo poder legislativo, justamente porque, como já ficou consignado, o

constituinte de 1988 deu tratamento diferente de todas as outras constituições anteriores e que,

até o momento não teve a atenção do legislativo, tão pouco pelo executivo, no que tange as

questões indígenas.

Em seu parecer, Paulo Machado Guimarães salienta que desde 1990 tramita na

Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar nº 260, que visa dispor sobre os atos

relevantes de interesses da União, previsto no § 6º do art. 231 da CF. E ainda, desde 1991 e

1992 tramitam na Câmara dos Deputados proposições legislativas que visam dispor sobre

uma nova legislação indigenista, superando o atual Estatuto do Índio, Lei nº 6.001/73. Em

junho de 1994 foram apreciados por Comissão Especial da Câmara dos Deputados e

aprovados, no qual todas as questões suscitadas nas condicionantes propostas são tratadas.

Desta feita, nota-se que essas proposições legislativas estão há anos com suas

tramitações sobrestadas, fato este, que começamos a entender o porquê da posição do STF em

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atuar, mais uma vez, de maneira “ativista”, corroborando com o entendimento

sedimentado no capítulo anterior.

5.1 AS SALVAGUARDAS INSTITUCIONAIS DO STF

Neste ensejo, gostaria de apresentar as condicionantes impostas pelo STF ao final

do julgamento do Caso da Raposa Serra do Sol.

Deste já vale registrar que em sua maioria, elas denotam de previsões

constitucionais, no entanto há outras que merecem maior atenção de nossa parte. Vejamos na

íntegra:

1. O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas pode ser relativizado sempre que houver como dispõe o artigo 231 (parágrafo 6º, da Constituição Federal) o relevante interesse público da União na forma de Lei Complementar;

2. O usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre da autorização do Congresso Nacional;

3. O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra das riquezas minerais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional, assegurando aos índios participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

4. O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo se for o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira;

5. O usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à FUNAI;

6. A atuação das Forças Armadas da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à FUNAI;

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39

7. O usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e de educação;

8. O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade imediata do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;

9. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade de conservação, também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades indígenas da área, que deverão ser ouvidas, levando em conta os usos, as tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da FUNAI;

10. O trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes;

11. Deve ser admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela FUNAI;

12. O ingresso, trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;

13. A cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público tenham sido excluídos expressamente da homologação ou não;

14. As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico, que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela comunidade indígena;

15. É vedada, nas terras indígenas, qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa;

16. As terras sob ocupação e posse dos grupos e comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto no artigo 49, XVI, e 231, parágrafo 3º, da Constituição da República, bem como a renda indígena, gozam de plena imunidade tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns e outros;

17. É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;

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40

18. Os direitos dos índios relacionados às suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis.

19. É assegurada a efetiva participação dos entes federativos em todas as etapas do processo de demarcação.

Essas foram as condições impostas, que serão analisadas a seguir, com especial

aprofundamento com relação aquelas que a nosso ver, afrontam os direitos indígenas previstos

na Constituição Federal.

4.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CONDICIONANTES

De início reconhecemos que as condições de número 1, 2, 3, 6, 10, 12, 13, 14, 15,

16 e 18 decorrem de expressa previsão constitucional e legal. Temos, porém, em relação às

demais algumas considerações, vejamos:

4.2.1 Garimpagem e faiscação de recursos minerais em terras indígenas

A condicionante de nº. 4 assim dispõe: “O usufruto dos índios não abrange a

garimpagem nem a faiscação, devendo se for o caso, ser obtida a permissão da lavra

garimpeira.”

O que defendemos é que este dispositivo não está de acordo com a quadra

constitucional. Primeiro porque por força do § 7º do art. 231 da CF, que estabelece não se

aplicar às terras indígenas o favorecimento pelo Estado à organização da atividade garimpeira

em cooperativas, conforme previsto nos §§ 3º e 4º do art. 174 da CF. Em segundo lugar,

sendo a terra tradicionalmente de ocupação indígena, o usufruto exclusivo pertence ao índio,

não sendo possível a constituição estabelecê-los como usufrutuários exclusivos e tal

entendimento vir restringindo esse direito real.

Outra observação importante a ser feita é quanto a Lei n. 7.805/89 que trata do

regime de permissão de lavra garimpeira, que não se aplica aos índios.

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Assim podemos adotar o entendimento de que a permissão de lavra garimpeira em

terras indígenas seria possível, desde que exclusivamente em beneficio dos índios que

tradicionalmente ocupam, após um licenciamento ambiental e também uma avaliação

antropológica, mas tudo isso ainda necessitaria de regulamentação normativa especifico, tal

como um Decreto do Presidente.

4.2.2 Os atos de relevante interesse da União

Vejamos aqui as condições de n.º 5 e 7 que tratam dos atos de relevante interesse

da União, após faremos breve análise.

5 - O usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à FUNAI;

7 - O usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e de educação;

Primeiramente, temos que nos apegar o que reza a Constituição Federal em seu

art. 231 § 6°, pois prevê que quaisquer atos de relevante interesse da União poderão restringir

a posse, a ocupação e o usufruto exclusivo dos índios sobre as terras que tradicionalmente

ocupam, mediante previsão de Lei Complementar. Assim, de inicio podemos concluir que

essa referencia colocada pelo constituinte originário visa assegurar atos de interessa coletivo

seja praticado em terras indígenas, demonstrando um compatibilidade entre interesse coletivo

e interesse da comunidade indígena.

Desta forma, a execução de políticas que visem interesse da coletividade poderá

ser executada em terras indígenas, desde que em perfeita harmonia com o direito

constitucional dos povos indígenas.

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Por vez, quanto a parte final da condicionante de número “5’, referindo-se a

determinadas ações, prescreve que “serão implementados independentemente de consulta a

comunidades indígenas envolvidas e à FUNAI”, não nos parece louvável, visto que tais

procedimento possuem aspectos eminentemente administrativos, o que seria de fundamental

importância a participação daqueles que exercem a posse permanente e o usufruto exclusivo

das riquezas naturais existentes no solo, nos rios e nos lagos da terra indígena.

Com relação ao tema, importante trazer a baila a previsão contida no art. 6°, 1, “a”

e 2, da Convenção n. 169 da OIT, vejamos:

1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:

a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;

b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes;

c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim.

2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas.

Pelo que está posto, não consultar as comunidades indígenas sobre ações que terão

executadas em suas terras ferem princípios de ordem fundamental, consagrado tanto no direito

interno quanto no direito internacional e, ainda, seria o mesmo de negar a autonomia das

comunidades indígenas.

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43

4.2.3 Unidades de conservação da natureza incidente em terras indígenas

Aqui queremos destacar as condições que tem por conteúdo as unidades de

conservação que incidem em terras indígenas. Vejamos:

8. O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade imediata do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;

9. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade de conservação, também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades indígenas da área, que deverão ser ouvidas, levando em conta os usos, as tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da FUNAI;

Já havíamos consignado que terra indígena sofre uma dupla afetação, sendo uma

de ordem ambiental e outra de ordem constitucional. Assim reconhecendo-se esta dupla

afetação significa dizer que tal terra está sobre a administração de dois entes federais que têm

suas competências definidas por lei. Pois bem, o que não pode acontecer é a sobreposição de

competências e responsabilidades sobre o mesmo objeto, visto que em primeiro lugar deve-se

respeitar a forma de organização da comunidade, bem como seus usos e costumes.

Como bem apontou o parecer da Assessoria Jurídica do CIMI, “gestionar o

respeito a determinados aspectos ambientais e ecológicos em uma terra indígena consiste

desafio administrativo’, justamente e virtude do devido caso tratar-se de terra indígena, já que

a própria Constituição Federal deu-se um tratamento diferenciado.

Ademais, o art. 57 da Lei n. 9.985/2000, que trata sobre as unidades de

conservação, tem-se mostrado ineficiente com relação a este dois aspectos constitucionais.

Por fim, o que podemos esperar é que essas matérias, ambiental e indigenista sejam

administradas por ente competente, mas de forma conjunta, sempre pautados nos princípios

constitucionais que regem o direito das comunidades indígenas.

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4.2.4 Ingresso, trânsito e permanência de não índios em terras indígenas

Assim prevê a condição de número 11, vejamos:

“Deve ser admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela FUNAI;”

Sem dúvida, o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios nas terras

indígenas, que é previsto na condicionante de número 11, deve estar submetido ao adequado e

correto exercício o poder de polícia da União, que a exercerá por meio de seu órgão federal de

assistência ao índio, a FUNAI.

Outrossim, deve-se observar o entendimento que os índios têm a respeito do

ingresso, trânsito e permanência de não-índios em suas terras, conforme suas próprias formas

de organização social, que assim terá legitimidade para autorizar ou não o ingresso de quem

quer que seja em suas terras tradicionais.

Ademais, é de fundamental importância a observação feita pelo ministro Menezes

Direito, na condição de número 15 que, em nenhuma hipótese, a permanência de não-índio

em suas terras assegura qualquer direito que implique restrições ou limitações à posse, à

ocupação e ao usufruto exclusivo das riquezas naturais existente no solo, nos rios e nos lagos

das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

4.2.5 Vedação de ampliação de limites de terra indígena demarcada

Sem sombra de dúvida esta foi à condicionante que mais suscita discussões na

seara jurídica, pois a condicionante de número 17 prescreve que “é vedada a ampliação da

terra indígena já demarcada”.

É de se considerar que o STF já firmou entendimento que a demarcação de terra

indígena se faz no “bojo de um processo administrativo”, procedimento este disciplinado por

lei e dividida em etapas que devem ser respeitadas sob pena de nulidade dos atos praticados.

Assim a primeira conclusão que devemos verificar é que, se uma terra está sendo periciada

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com o intuito de se averiguar se é ou não de ocupação tradicional, este passará por todos os

trâmites previstos em lei, tais como o estudo histórico e antropológico, serão dadas as partes

ainda no processo administrativo a oportunidade de manifestarem, após isto, será expedida a

portaria declaratória que de todo modo, havendo alguma crise a respeito do assunto, poderá

ser levado à apreciação do judiciário.

Posto isto, quando uma terra é demarcada respeitando-se todos os requisitos

legais não há que se falar em ilegalidade, visto que alcançou-se os objetivos ali previstos. Por

outro lado, não devemos aplicar esta condicionante nos casos em que a terra indígena foi

reservada, ou seja, são frutos da política indigenista do antigo SPI, onde foram criadas

reservas para os índios sem um prévio estudo e sem amparo legal constitucional, traduzindo-

se em verdadeiros “confinamentos”.

Esta condicionante já vem sendo utilizada por parte dos fazendeiros em relação a

Terra Indígena Taunay/Ipegue, visto que com os estudos antropológicos realizados constatou-

se que suas terras são bem maiores do que a atualmente ocupadas por eles, visto que estas são

exatamente reservas, que são derivadas da política indigenista da época de Rondon.

Por fim, há aqueles casos em que a terra foi demarcada conforme prevê a lei, mas

que com o passar do tempo a comunidade foi crescendo, chegando ao ponto do território

ocupado ser insuficiente para a subsistência; neste caso defendemos que a União deve sim

ampliar o território indígena, mas não com base na demarcação, mas sim com base na

desapropriação, indenizando-se justamente os proprietários.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para finalizar este trabalho, é de fundamental importância deixar assentado que o

que foi discorrido não esgota o tema no que diz respeito à demarcação de terras indígenas. Da

mesma forma é preciso abordar a matéria sempre olhando com as lentes constitucionais há

que foi direcionada aos povos indígenas, sob pena de estarmos ferindo princípios sensíveis da

nossa constituição.

Pois bem, o direito indigenista que é o conjunto das normas positivas que tratam

das questões indígenas, vem sendo informado pelo principio da autodeterminação dos povos

indígenas, pelo princípio da diversidade cultural e pluriétnica e também pelo principio da

inalienabilidade e imprescritibilidade dos seus direitos originais.

Paralelo a este, temos o direito consuetudinário indígena que também foi

reconhecido pela nossa constituição, pois sendo este integrante da forma de organização e da

cultura da comunidade indígena. O que podemos concluir desse raciocínio é que, se o

constituinte originário reconheceu as instituições próprias dos povos indígenas, este

reconhecimento por extensão alcança a maneira tradicional como os povos indígenas lidam

com suas terras, visto que essa posse tradicional é muito bem diferente que a que estávamos

acostumados a ver no direito civil.

Pois bem, há que se levar em conta que terra indígena é o habitat de uma

coletividade, mais uma diferença que percebemos em relação à maneira que o não índio

exerce seu direito real sobre a sua propriedade. A titulo de esclarecimento, na cidade as casa

estão todas organizadas em lotes, tudo bem dividido e definido, cercado por muros que

demonstra a maneira individualista que cada um exerce sobre seu patrimônio. Na comunidade

indígena não se verifica isto, a terra é de toda a comunidade, bem como a maneira de usufruir

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os rios, lagos a floresta para caça. Outro fato que podemos constatar é que indígena não

demarca tantos metros quadrados para delimitar seu terreno, um dia sua casa está fixado em

lugar, passados outros tempos ele desmancha aquela casa e faz em outro lugar. Podemos

verificar também, em algumas comunidades terena quando morre uma pessoa de sua família,

eles costumam desmanchar a sua casa e construir outra de maneira diferente, mais pra frente

ou mais ao fundo, sem necessidade de ficar escriturando em papel as mudanças ocorridas.

Todas essas situações se traduzem naquela maneira tradicional que a constituição preveu.

Assim terra indígena, são territórios sinônimos de espaços de multivivências, de

usufruto de toda uma comunidade.

Por vez, o tema abordado neste trabalho monográfico foi justamente o papel do

judiciário frente às questões envolvendo terras indígenas, mais especificamente tocamos na

matéria que diz respeito ao STF, ou de sua atuação ativista. No mais, há que se deixar

consignado que tais questões tem sofrido baixas em outras instancias judiciais, talvez pelo

fato de haver interesse de “gente grande” em questão.

Falar na questão indígena vêm à mente logo a “luta pela terra”. Ora a terra é o

bem mais precioso para os povos indígenas, é dali que sai o sustento, é ali que estão cravados

as suas historias e a memória de seus antepassados, é a terra a base de todas as fontes de

riqueza desse povo. Ora, quando olhamos para os mitos da criação que estes povos trazem

consigo, é quase que unanimidade ter a terra como o ponto de partida da criação. A

problemática da terra está intimamente ligada à saúde, educação, ao lazer, a cultura entre

outros direitos e garantias fundamentais protegidos pela nossa constituição.

Nota-se, já esta na hora do Estado brasileiro, na pessoa da União federal assumir

seu compromisso como estado democrático de direito, voltando os olhos para os povos

originários de país. Está na hora de promover as políticas públicas que protejam estes povos e

ao mesmo tempo, permita que este tenha autonomia. Autonomia de no sentido de estarem

sempre presentes quando da decisão de assuntos que refletem diretamente sobre seus direitos

e também no sentido que estes desenvolverem e caminharem autonomamente seguindo seus

princípios e seus costumes.

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REFERÊNCIAS

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ANEXOS

ANEXO I

Condições estabelecidas para demarcação e ocupação de terras indígenas:

1 – O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas pode ser relativizado sempre que houver como dispõe o artigo 231 (parágrafo 6º, da Constituição Federal) o relevante interesse público da União na forma de Lei Complementar;

2 - O usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre da autorização do Congresso Nacional;

3 - O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra das riquezas minerais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional, assegurando aos índios participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

4 – O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo se for o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira;

5 - O usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;

6 – A atuação das Forças Armadas da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à FUNAI;

7 – O usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e de educação;

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8 – O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade imediata do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

9 - O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade de conservação, também afetada pela terra indígena, com a

participação das comunidades indígenas da área, que deverão ser ouvidas, levando em conta os usos, as tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da FUNAI;

10 - O trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes;

11 – Deve ser admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela Funai;

12 – O ingresso, trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;

13 – A cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público tenham sido excluídos expressamente da homologação ou não;

14 - As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico, que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela comunidade indígena;

15 – É vedada, nas terras indígenas, qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa;

16 - As terras sob ocupação e posse dos grupos e comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto no artigo 49, XVI, e 231, parágrafo 3º, da Constituição da República, bem como a renda indígena, gozam de plena imunidade tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns e outros;

17 – É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;

18 – Os direitos dos índios relacionados as suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis.

19 – É assegurada a efetiva participação dos entes federativos em todas as etapas do processo de demarcação.

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ANEXO II

Acórdão do julgamento do Caso Raposa Serra do Sol

Pet 3388 / RR - RORAIMA Relator(a): Min. CARLOS BRITTO Julgamento: 19/03/2009 Órgão Julgador: Tribunal Pleno

Publicação: DJe-181 DIVULG 24-09-2009 PUBLIC 25-09-2009

EMENTA: AÇÃO POPULAR. DEMARCAÇÃO DA TERRA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO- DEMARCATÓRIO. OBSERVÂNCIA DOS ARTS. 231 E 232 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, BEM COMO DA LEI Nº 6.001/73 E SEUS DECRETOS REGULAMENTARES. CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE DA PORTARIA Nº 534/2005, DO MINISTRO DA JUSTIÇA, ASSIM COMO DO DECRETO PRESIDENCIAL HOMOLOGATÓRIO. RECONHECIMENTO DA CONDIÇÃO INDÍGENA DA ÁREA DEMARCADA, EM SUA TOTALIDADE. MODELO CONTÍNUO DE DEMARCAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE. REVELAÇÃO DO REGIME CONSTITUCIONAL DE DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL COMO ESTATUTO JURÍDICO DA CAUSA INDÍGENA. A DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS COMO CAPÍTULO AVANÇADO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. INCLUSÃO COMUNITÁRIA PELA VIA DA IDENTIDADE ÉTNICA. VOTO DO RELATOR QUE FAZ AGREGAR AOS RESPECTIVOS FUNDAMENTOS SALVAGUARDAS INSTITUCIONAIS DITADAS PELA SUPERLATIVA IMPORTÂNCIA HISTÓRICO-CULTURAL DA CAUSA. SALVAGUARDAS AMPLIADAS A PARTIR DE VOTO-VISTA DO MINISTRO MENEZES DIREITO E DESLOCADAS PARA A PARTE DISPOSITIVA DA DECISÃO.

1. AÇÃO NÃO CONHECIDA EM PARTE. Ação não-conhecida quanto à pretensão autoral de excluir da área demarcada o que dela já fora excluída: o 6º Pelotão Especial de Fronteira, os núcleos urbanos dos Municípios de Uiramutã e Normandia, os equipamentos e instalações públicos federais e estaduais atualmente existentes, as linhas de transmissão de energia elétrica e os leitos das rodovias federais e estaduais também já existentes. Ausência de interesse jurídico. Pedidos já contemplados na Portaria nº 534/2005 do Ministro da Justiça. Quanto à sede do Município de Pacaraima, cuida-se de território encravado na "Terra Indígena São Marcos", matéria estranha à presente demanda. Pleito, por igual, não conhecido. 2. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS PROCESSUAIS NA AÇÃO POPULAR. 2.1. Nulidade dos atos, ainda que formais, tendo por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras situadas na área indígena Raposa Serra do Sol. Pretensos titulares privados que não são partes na presente ação popular. Ação que se destina à proteção do patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe (inciso LXXIII do artigo 5º da Constituição Federal), e não à defesa de interesses particulares. 2.2. Ilegitimidade passiva do Estado de Roraima, que não foi acusado de praticar ato lesivo ao tipo de bem jurídico para cuja proteção se preordena a ação popular. Impossibilidade de ingresso do Estado-membro na condição de autor, tendo em vista que a legitimidade ativa da ação popular é tão-somente do cidadão. 2.3. Ingresso do Estado de

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Roraima e de outros interessados, inclusive de representantes das comunidades indígenas, exclusivamente como assistentes simples. 2.4. Regular atuação do Ministério Público. 3. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DEMARCATÓRIO. 3.1. Processo que observou as regras do Decreto nº 1.775/96, já declaradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal no Mandado de Segurança nº 24.045, da relatoria do ministro Joaquim Barbosa. Os interessados tiveram a oportunidade de se habilitar no processo administrativo de demarcação das terras indígenas, como de fato assim procederam o Estado de Roraima, o Município de Normandia, os pretensos posseiros e comunidades indígenas, estas por meio de petições, cartas e prestação de informações. Observância das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. 3.2. Os dados e peças de caráter antropológico foram revelados e subscritos por profissionais de reconhecidas qualificação científica e se dotaram de todos os elementos exigidos pela Constituição e pelo Direito infraconstitucional para a demarcação de terras indígenas, não sendo obrigatória a subscrição do laudo por todos os integrantes do grupo técnico (Decretos nos 22/91 e 1.775/96). 3.3. A demarcação administrativa, homologada pelo Presidente da República, é "ato estatal que se reveste da presunção juris tantum de legitimidade e de veracidade" (RE 183.188, da relatoria do ministro Celso de Mello), além de se revestir de natureza declaratória e força auto-executória. Não comprovação das fraudes alegadas pelo autor popular e seu originário assistente. 4. O SIGNIFICADO DO SUBSTANTIVO "ÍNDIOS" NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O substantivo "índios" é usado pela Constituição Federal de 1988 por um modo invariavelmente plural, para exprimir a diferenciação dos aborígenes por numerosas etnias. Propósito constitucional de retratar uma diversidade indígena tanto interétnica quanto intra-étnica. Índios em processo de aculturação permanecem índios para o fim de proteção constitucional. Proteção constitucional que não se limita aos silvícolas, estes, sim, índios ainda em primitivo estádio de habitantes da selva. 5. AS TERRAS INDÍGENAS COMO PARTE ESSENCIAL DO TERRITÓRIO BRASILEIRO. 5.1. As "terras indígenas" versadas pela Constituição Federal de 1988 fazem parte de um território estatal-brasileiro sobre o qual incide, com exclusividade, o Direito nacional. E como tudo o mais que faz parte do domínio de qualquer das pessoas federadas brasileiras, são terras que se submetem unicamente ao primeiro dos princípios regentes das relações internacionais da República Federativa do Brasil: a soberania ou "independência nacional" (inciso I do art. 1º da CF). 5.2. Todas as "terras indígenas" são um bem público federal (inciso XI do art. 20 da CF), o que não significa dizer que o ato em si da demarcação extinga ou amesquinhe qualquer unidade federada. Primeiro, porque as unidades federadas pós-Constituição de 1988 já nascem com seu território jungido ao regime constitucional de preexistência dos direitos originários dos índios sobre as terras por eles "tradicionalmente ocupadas". Segundo, porque a titularidade de bens não se confunde com o senhorio de um território político. Nenhuma terra indígena se eleva ao patamar de território político, assim como nenhuma etnia ou comunidade indígena se constitui em unidade federada. Cuida-se, cada etnia indígena, de realidade sócio-cultural, e não de natureza político-territorial. 6. NECESSÁRIA LIDERANÇA INSTITUCIONAL DA UNIÃO, SEMPRE QUE OS ESTADOS E MUNICÍPIOS ATUAREM NO PRÓPRIO INTERIOR DAS TERRAS JÁ DEMARCADAS COMO DE AFETAÇÃO INDÍGENA. A vontade objetiva da Constituição obriga a efetiva presença de todas as pessoas federadas em terras indígenas, desde que em sintonia com o modelo de ocupação por ela concebido, que é de centralidade da União. Modelo de ocupação que tanto preserva a identidade de cada etnia quanto sua abertura para um relacionamento de mútuo proveito com outras etnias indígenas e grupamentos de não-índios. A atuação complementar de Estados e Municípios em terras já demarcadas como indígenas há de se fazer, contudo, em regime de concerto com a União e sob a liderança desta. Papel de centralidade institucional desempenhado pela União, que não

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pode deixar de ser imediatamente coadjuvado pelos próprios índios, suas comunidades e organizações, além da protagonização de tutela e fiscalização do Ministério Público (inciso V do art. 129 e art. 232, ambos da CF). 7. AS TERRAS INDÍGENAS COMO CATEGORIA JURÍDICA DISTINTA DE TERRITÓRIOS INDÍGENAS. O DESABONO CONSTITUCIONAL AOS VOCÁBULOS "POVO", "PAÍS", "TERRITÓRIO", "PÁTRIA" OU "NAÇÃO" INDÍGENA. Somente o "território" enquanto categoria jurídico-política é que se põe como o preciso âmbito espacial de incidência de uma dada Ordem Jurídica soberana, ou autônoma. O substantivo "terras" é termo que assume compostura nitidamente sócio-cultural, e não política. A Constituição teve o cuidado de não falar em territórios indígenas, mas, tão-só, em "terras indígenas". A traduzir que os "grupos", "organizações", "populações" ou "comunidades" indígenas não constituem pessoa federada. Não formam circunscrição ou instância espacial que se orne de dimensão política. Daí não se reconhecer a qualquer das organizações sociais indígenas, ao conjunto delas, ou à sua base peculiarmente antropológica a dimensão de instância transnacional. Pelo que nenhuma das comunidades indígenas brasileiras detém estatura normativa para comparecer perante a Ordem Jurídica Internacional como "Nação", "País", "Pátria", "território nacional" ou "povo" independente. Sendo de fácil percepção que todas as vezes em que a Constituição de 1988 tratou de "nacionalidade" e dos demais vocábulos aspeados (País, Pátria, território nacional e povo) foi para se referir ao Brasil por inteiro. 8. A DEMARCAÇÃO COMO COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO DA UNIÃO. Somente à União, por atos situados na esfera de atuação do Poder Executivo, compete instaurar, sequenciar e concluir formalmente o processo demarcatório das terras indígenas, tanto quanto efetivá-lo materialmente, nada impedindo que o Presidente da República venha a consultar o Conselho de Defesa Nacional (inciso III do § 1º do art. 91 da CF), especialmente se as terras indígenas a demarcar coincidirem com faixa de fronteira. As competências deferidas ao Congresso Nacional, com efeito concreto ou sem densidade normativa, exaurem-se nos fazeres a que se referem o inciso XVI do art. 49 e o § 5º do art. 231, ambos da Constituição Federal. 9. A DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS COMO CAPÍTULO AVANÇADO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. Os arts. 231 e 232 da Constituição Federal são de finalidade nitidamente fraternal ou solidária, própria de uma quadra constitucional que se volta para a efetivação de um novo tipo de igualdade: a igualdade civil-moral de minorias, tendo em vista o proto-valor da integração comunitária. Era constitucional compensatória de desvantagens historicamente acumuladas, a se viabilizar por mecanismos oficiais de ações afirmativas. No caso, os índios a desfrutar de um espaço fundiário que lhes assegure meios dignos de subsistência econômica para mais eficazmente poderem preservar sua identidade somática, linguística e cultural. Processo de uma aculturação que não se dilui no convívio com os não-índios, pois a aculturação de que trata a Constituição não é perda de identidade étnica, mas somatório de mundividências. Uma soma, e não uma subtração. Ganho, e não perda. Relações interétnicas de mútuo proveito, a caracterizar ganhos culturais incessantemente cumulativos. Concretização constitucional do valor da inclusão comunitária pela via da identidade étnica. 10. O FALSO ANTAGONISMO ENTRE A QUESTÃO INDÍGENA E O DESENVOLVIMENTO. Ao Poder Público de todas as dimensões federativas o que incumbe não é subestimar, e muito menos hostilizar comunidades indígenas brasileiras, mas tirar proveito delas para diversificar o potencial econômico-cultural dos seus territórios (dos entes federativos). O desenvolvimento que se fizer sem ou contra os índios, ali onde eles se encontrarem instalados por modo tradicional, à data da Constituição de 1988, desrespeita o objetivo fundamental do inciso II do art. 3º da Constituição Federal, assecuratório de um tipo de "desenvolvimento nacional" tão ecologicamente equilibrado quanto humanizado e culturalmente diversificado, de modo a incorporar a realidade indígena. 11. O CONTEÚDO POSITIVO DO ATO DE

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DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS. 11.1. O marco temporal de ocupação. A Constituição Federal trabalhou com data certa -- a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) -- como insubstituível referencial para o dado da ocupação de um determinado espaço geográfico por essa ou aquela etnia aborígene; ou seja, para o reconhecimento, aos índios, dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. 11.2. O marco da tradicionalidade da ocupação. É preciso que esse estar coletivamente situado em certo espaço fundiário também ostente o caráter da perdurabilidade, no sentido anímico e psíquico de continuidade etnográfica. A tradicionalidade da posse nativa, no entanto, não se perde onde, ao tempo da promulgação da Lei Maior de 1988, a reocupação apenas não ocorreu por efeito de renitente esbulho por parte de não-índios. Caso das "fazendas" situadas na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, cuja ocupação não arrefeceu nos índios sua capacidade de resistência e de afirmação da sua peculiar presença em todo o complexo geográfico da "Raposa Serra do Sol". 11.3. O marco da concreta abrangência fundiária e da finalidade prática da ocupação tradicional. Áreas indígenas são demarcadas para servir concretamente de habitação permanente dos índios de uma determinada etnia, de par com as terras utilizadas para suas atividades produtivas, mais as "imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar" e ainda aquelas que se revelarem "necessárias à reprodução física e cultural" de cada qual das comunidades étnico-indígenas, "segundo seus usos, costumes e tradições" (usos, costumes e tradições deles, indígenas, e não usos, costumes e tradições dos não-índios). Terra indígena, no imaginário coletivo aborígine, não é um simples objeto de direito, mas ganha a dimensão de verdadeiro ente ou ser que resume em si toda ancestralidade, toda coetaneidade e toda posteridade de uma etnia. Donde a proibição constitucional de se remover os índios das terras por eles tradicionalmente ocupadas, assim como o reconhecimento do direito a uma posse permanente e usufruto exclusivo, de parelha com a regra de que todas essas terras "são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis" (§ 4º do art. 231 da Constituição Federal). O que termina por fazer desse tipo tradicional de posse um heterodoxo instituto de Direito Constitucional, e não uma ortodoxa figura de Direito Civil. Donde a clara intelecção de que OS ARTIGOS 231 E 232 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL CONSTITUEM UM COMPLETO ESTATUTO JURÍDICO DA CAUSA INDÍGENA. 11.4. O marco do conceito fundiariamente extensivo do chamado "princípio da proporcionalidade". A Constituição de 1988 faz dos usos, costumes e tradições indígenas o engate lógico para a compreensão, entre outras, das semânticas da posse, da permanência, da habitação, da produção econômica e da reprodução física e cultural das etnias nativas. O próprio conceito do chamado "princípio da proporcionalidade", quando aplicado ao tema da demarcação das terras indígenas, ganha um conteúdo peculiarmente extensivo. 12. DIREITOS "ORIGINÁRIOS". Os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente "reconhecidos", e não simplesmente outorgados, com o que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente. Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de "originários", a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios. Atos, estes, que a própria Constituição declarou como "nulos e extintos" (§ 6º do art. 231 da CF). 13. O MODELO PECULIARMENTE CONTÍNUO DE DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS. O modelo de demarcação das terras indígenas é orientado pela ideia de continuidade. Demarcação por fronteiras vivas ou abertas em seu interior, para que se forme um perfil coletivo e se afirme a auto-suficiência econômica de toda uma comunidade usufrutuária. Modelo bem mais serviente da ideia cultural e econômica de abertura de horizontes do que de fechamento em "bolsões", "ilhas", "blocos" ou "clusters", a evitar que se

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dizime o espírito pela eliminação progressiva dos elementos de uma dada cultura (etnocídio). 14. A CONCILIAÇÃO ENTRE TERRAS INDÍGENAS E A VISITA DE NÃO-ÍNDIOS, TANTO QUANTO COM A ABERTURA DE VIAS DE COMUNICAÇÃO E A MONTAGEM DE BASES FÍSICAS PARA A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS OU DE RELEVÂNCIA PÚBLICA. A exclusividade de usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nas terras indígenas é conciliável com a eventual presença de não-índios, bem assim com a instalação de equipamentos públicos, a abertura de estradas e outras vias de comunicação, a montagem ou construção de bases físicas para a prestação de serviços públicos ou de relevância pública, desde que tudo se processe sob a liderança institucional da União, controle do Ministério Público e atuação coadjuvante de entidades tanto da Administração Federal quanto representativas dos próprios indígenas. O que já impede os próprios índios e suas comunidades, por exemplo, de interditar ou bloquear estradas, cobrar pedágio pelo uso delas e inibir o regular funcionamento das repartições públicas. 15. A RELAÇÃO DE PERTINÊNCIA ENTRE TERRAS INDÍGENAS E MEIO AMBIENTE. Há perfeita compatibilidade entre meio ambiente e terras indígenas, ainda que estas envolvam áreas de "conservação" e "preservação" ambiental. Essa compatibilidade é que autoriza a dupla afetação, sob a administração do competente órgão de defesa ambiental. 16. A DEMARCAÇÃO NECESSARIAMENTE ENDÓGENA OU INTRAÉTNICA. Cada etnia autóctone tem para si, com exclusividade, uma porção de terra compatível com sua peculiar forma de organização social. Daí o modelo contínuo de demarcação, que é monoétnico, excluindo-se os intervalados espaços fundiários entre uma etnia e outra. Modelo intraétnico que subsiste mesmo nos casos de etnias lindeiras, salvo se as prolongadas relações amistosas entre etnias aborígines venham a gerar, como no caso da Raposa Serra do Sol, uma condivisão empírica de espaços que impossibilite uma precisa fixação de fronteiras interétnicas. Sendo assim, se essa mais entranhada aproximação física ocorrer no plano dos fatos, como efetivamente se deu na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, não há como falar de demarcação intraétnica, menos ainda de espaços intervalados para legítima ocupação por não-índios, caracterização de terras estaduais devolutas, ou implantação de Municípios. 17. COMPATIBILIDADE ENTRE FAIXA DE FRONTEIRA E TERRAS INDÍGENAS. Há compatibilidade entre o usufruto de terras indígenas e faixa de fronteira. Longe de se pôr como um ponto de fragilidade estrutural das faixas de fronteira, a permanente alocação indígena nesses estratégicos espaços em muito facilita e até obriga que as instituições de Estado (Forças Armadas e Polícia Federal, principalmente) se façam também presentes com seus postos de vigilância, equipamentos, batalhões, companhias e agentes. Sem precisar de licença de quem quer que seja para fazê-lo. Mecanismos, esses, a serem aproveitados como oportunidade ímpar para conscientizar ainda mais os nossos indígenas, instruí-los (a partir dos conscritos), alertá-los contra a influência eventualmente malsã de certas organizações não-governamentais estrangeiras, mobilizá-los em defesa da soberania nacional e reforçar neles o inato sentimento de brasilidade. Missão favorecida pelo fato de serem os nossos índios as primeiras pessoas a revelar devoção pelo nosso País (eles, os índios, que em toda nossa história contribuíram decisivamente para a defesa e integridade do território nacional) e até hoje dar mostras de conhecerem o seu interior e as suas bordas mais que ninguém. 18. FUNDAMENTOS JURÍDICOS E SALVAGUARDAS INSTITUCIONAIS QUE SE COMPLEMENTAM. Voto do relator que faz agregar aos respectivos fundamentos salvaguardas institucionais ditadas pela superlativa importância histórico-cultural da causa. Salvaguardas ampliadas a partir de voto-vista do Ministro Menezes Direito e deslocadas, por iniciativa deste.

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ANEXO III

AS TERRAS INDÍGENAS - DIREITOS DOS ÍNDIOS E DEMARCAÇÃO

LEGISLAÇÃO, DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA

I - DAS LEGISLAÇÕES INDÍGENAS – BRASIL COLÔNIA, IMPÉRIO E REPÚBLICA A) LEGISLAÇÃO COLONIAL

. CARTA RÉGIA DE 10 DE SETEMBRO DE 1611, PROMULGADA POR FILIPE III:

“... os gentios são senhores de suas fazendas nas povoações, como o são na Serra, sem lhes poderem ser tomadas, nem sobre ellas se lhes fazer molestia ou injustiça alguma; nem poderão ser mudados contra suas vontadas das capitanias e lugares que lhes forem ordenados, salvo quando elles livremente o quizerem fazer ...” Os Direitos do Índio - Manuela Carneiro da Cunha - pág. 58)

. ALVÁRA RÉGIO DE 1º DE ABRIL DE 1680:

“... E para que os ditos Gentios, que assim decerem, e os mais, que há de presente, melhor se conservem nas Aldeias: hey por bem que senhores de suas fazendas, como o são no Sertão, sem lhe poderem ser tomadas, nem sobre ellas se lhe fazer moléstia. E o Governador com parecer dos ditos Religiosos assinará aos que descerem do Sertão, lugares convenientes para neles lavrarem, e cultivarem, e não poderão ser mudados dos ditos lugares contra sua vontade, nem serão obrigados a pagar foro, ou tributo algum das ditas terras, que ainda estejão dados em Sesmarias e pessoas particulares, porque na concessão destas se reserva sempre o prejuízo de terceiro, e muito mais se entende, e quero que se entenda ser reservado o prejuízo, e direito os Índios, primários e naturais senhores delas.” (Parágrafo 4º- Os Direitos do Índio - Manuela Carneiro da Cunha - pág. 59)

. CARTA RÉGIA DE 09 DE MARÇO DE 1718:

“... (os índios) são livres, e izentos de minha jurisdição, que os não pode obrigar a sahirem das suas terras, para tomarem um modo de vida de que elles não se agradão ...” (Os Direitos do Índio - Manuela Carneiro da Cunha - pág. 61)

. LEI POMBALILINA DE 06 DE JULHO DE 1755:

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“... Os índios no inteiro domínio e pacífica posse das terras ... para gozarem delas por si e todos seus herdeiros.” (Os Direitos do Índio - Manuela Carneiro da Cunha - pág. 62)

B) LEGISLAÇÃO IMPERIAL

. DECRETO Nº 1.318, DE 30 DE JANEIRO DE 1854, QUE REGULAMENTA A LEI IMPERIAL Nº 601, de 18.09.1850:

“Art. 72. Serão reservadas as terras devolutas para colonização e aldeamento de indígenas, nos distritos onde existirem hordas selvagens.” ........................................... Art. 75. As terras reservadas para colonização de indígenas, e para elles distribuídas, são destinadas ao seu uso fructo; não poderão ser alienadas, enquanto o Governo Imperial, por acto especial, não lhes conceder pelo gozo dellas, por assim o permitir o seu estado de civilização.”

C) LEGISLAÇÃO CONSTITUCIONAL REPULICANA

.CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1891:

“Art. 83 - Continuam em vigor, enquanto não- revogadas, as leis do antigo regime, no que explicita e implicitamente não for contrário ao sistema de governo firmado pela Constituição e aos seus princípios nela consagrados.”

. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1934:

“Art. 129. Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las.”

. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1937:

“Art.154. Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que achem localizados em caráter permanente, sendo-lhes, porem, vedada a alienação das mesmas.”

. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1946: “Art. 216. Será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde se achem permanentemente localizados, com a condição de não a transferirem.”

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. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1967 – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº1 DE 1969:

“Art. 198 - As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos termos que a lei federal determinar, a eles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilizadas nelas existentes. 1º - Ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos silvícolas“

. -CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988:

“Art. 20. São bens da União: ......................................... XI – as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. ........................................ Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º – As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. ......................................... § 4º – As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. ......................................... § 6º – São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere o artigo,...”

II – DO DIREITO ORIGINÁRIO DOS ÍNDIOS ÀS SUAS TERRAS – PRINCÍPIO DO INDIGENATO E TRADICIONALIDADE

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A) LEGISLAÇÃO

. CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

“Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” § 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.” § 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.”

B) DOUTRINA

. JOSÉ AFONSO DA SILVA: “3. O INDIGENATO. Os dispositivos constitucionais sobre a relação dos índios com suas terras e o reconhecimento de seus direitos originários sobre elas nada mais fizeram do que consagrar e consolidar o indigenato, velha e tradicional instituição jurídica luso-brasileira que deita suas raízes já nos primeiros tempos da Colônia, quando o Alvará de 1º de abril de 1680, confirmado pela Lei de 6 de junho de 1755, firmara o princípio de que, nas terras outorgadas a particulares, seria sempre reservado o direito dos índios, primários e naturais senhores delas.” (OS DIREITOS INDÍGENAS E A CONSTITUIÇÃO - Núcleos de Direitos Indígenas e Sérgio Antônio Fabris Editor - pág. 48 - 1993)

. JOÃO MENDES JÚNIOR: “(...) as terras do indigenato sendo terras congenitamente possuídas, não são devolutas, isto é são originariamente reservadas, na forma do Alvará de 1º de abril de 1680 e por deducção da própria Lei de 1850 e do art. 24, § 1º, do Decreto de 1854 (...)” (Os Indígenas do Brazil, seus Direitos Individuaes e Políticos – pág. 62 – 1912)

. JOSÉ AFONSO DA SILVA: “(...) O tradicionalmente refere-se não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com a terra, já que há comunidades mais

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estáveis, outras menos estáveis, e as que têm espaços mais amplos em que se deslocam etc. Daí dizer-se que tudo se realiza segundo seus usos, costumes e tradições.” OS DIREITOS INDÍGENAS E A CONSTITUIÇÃO - Núcleo de Direitos Indígenas e Sérgio Antônio Fabris Editor - pág. 47/48 - 1993)

C) JURISPRUDÊNCIA

. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO: “ADMINISTRATIVO. MANUTENÇÃO DE POSSE. ÁREA INDÍGENA (FUNIL). INEXISTÊNCIA DE DIREITO. OCUPAÇÃO DE BOA-FÉ. INDENIZAÇÃO. BENFEITORIAS. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. IMP0SSIBILIDADE. 1. As terras indígenas são originariamente reservadas e não se sujeitam a qualquer tipo de aquisição, sejam decorrentes de ato negocial ou de usucapião (Alvará de 1º.04.1680, Lei de 1850, Decreto de 1854, art. 24, § 1º, Constituições Federais de 1891, 1934, 1946, 1967, 1969 e de 1988). 2. Conquanto indenizáveis as benfeitorias decorrentes de ocupação de boa-fé, as provas documentais e depoimentos dos autos revelam-se insuficientes para tal finalidade.” (TRF-1ª Região – 4ª Turma - Apelação Cível nº 1999.01.00.023028-6/TO – Rel. Juiz Mário César Ribeiro – Julg. de 29.02.2000)

III – DA POSSE INDÍGENA E SUA CONCEITUAÇÃO CONSTITUCIONAL DIFERENCIADA DO DIREITO CIVIL A) LEGISLAÇÃO

. CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

“Art.231. ................................ § 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.”

. LEI Nº 6.001, DE 19.12.1967 – ESTATUTO DO ÍNDIO:

Art. 22. Cabe aos índios ou silvícolas a posse permanente das terras que habitam e o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes. Art. 23. Considera-se posse do índio ou silvícola a ocupação efetiva da terra, que, de acordo com os usos, costumes e tradições tribais, detém

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e onde habita ou exerce atividade indispensável à sua subsistência ou economicamente útil.”

B) DOUTRINA

. FERNANDO DA COSTA TOURINHO NETO:

“Os indígenas detêm a posse das terras que ocupam em caráter permanente. Certo. Todavia, se provado que delas foram expulsos, à força ou não, não se pode admitir que tenham perdido a posse, quando sequer, como tutelados, podiam agir judicialmente; quando sequer desistiram de tê-la como própria.” É de assinalar-se, também, que não se pode igualar a posse indígena à posse civil. Aquela é mais ampla, mais flexível. Eis o conceito dado pelo art. 23 da Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973 (Estatuto do Índio):

“Considera-se posse do índio ou silvícola a ocupação efetiva da terra que, de acordo com os usos, costumes e tradições tribais, detém e onde habita ou exerce atividade indispensável à sua subsistência ou economicamente útil”.

Deve-se, por conseqüente, atentar para os usos, costumes e tradições tribais. Há de se levar em conta as terras por eles ocupadas tradicionalmente.” (Os Direitos Indígenas e a Constituição - Núcleo de Direitos Indígenas e Sérgio Fabris Editor/RS - pág. 20 – 1993)

. THEMISTÓCLES CAVALCANTI:

"Para que se possa dar ao texto Constitucional o seu sentido próprio e uma aplicação prática, é indispensável ajustar ao conceito de habitação e ao sistema de vida dos silvícolas e à sua natureza mais ou menos nômade. Assim a sua posse estaria vinculada não à idéia de habitação como a entendemos, mas de acordo com os costumes indígenas e as necessidades de sua subsistência, levando em consideração a importância da caça e da pesca na vida do indígena. Evitei, portanto, o conceito que considerada a posse o exercício de alguns dos direitos inerentes à propriedade, que levaria a um terreno polêmico pois o domínio é da União, preferindo subordinar a posse aos costumes e hábitos dos próprios índios e a sua vinculação a terra." (Os Direitos do Índio – Manoela Carneiro da Cunha - pág. 101)

C) JURISPRUDÊNCIA

. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF:

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VOTO: "O objetivo da Constituição Federal é que ali permaneçam os traços culturais dos antigos habitantes, não só para sobrevivência dessa tribo, como para estudo dos etnólogos e para outros efeitos de natureza cultural e intelectual. Não está em jogo, propriamente, um conceito de posse, nem de domínio, no sentido civilista dos silvícolas, trata-se de habitat de um povo.” (Recurso Extraordinário nº 44.585 - Ministro Victor Nunes Leal – 1961)

. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO: EMENTA: “PROCESSO CIVIL. ARGUIÇÃO DO ‘DECISUM’ REJEITADA. SÃO BENS DA UNIÃO TERRAS TRADICIONALMENTE OCUPADOS PELOS ÍNDIOS. INSTITUTO DO INDIGENATO. DIREITO CONGÊNITO. INAPLICABILIDADE À ESPÉCIE DO CONCEITO DE POSSE CIVIL. ( . . . ) 3. O fundamento do direito dos silvícolas repousa no indigenato, que não se caracteriza como direito adquirido, mas congênito. .................................... 5.Inaplicabilidade, à espécie, do conceito de posse civil. A posse indígena vem definida pelo art. 23 da Lei 6001 de 19.12.73, Estatuto do Índio. ( . . . ) 7. Recursos improvidos.” (AC 91.03.15750-4-SP – Rela. Des. Federal Salette Nascimento - Publicação no DJU de 13.12.94, 1ª Seção, pág. 72900)

. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO:

EMENTA: “CIVIL. AGRÁRIO. POSSE. TERRAS INDÍGENAS. ÍNDIOS PATAXÓS. INDENIZAÇÃO DOS BENS DESTRUÍDOS PELOS ÍNDIOS. 1 - Os índios Pataxós vagueiavam pelo sul da Bahia, onde tinha seu habitat, e se fixaram, posteriormente, em área, do atual Município de Pau Brasil, que lhe veio ser reservada, em 1926, pelo Governo daquele Estado-Membro. 2 - Os Pataxós não abandonaram suas terras. Foram, sim, sendo expulsos por fazendeiros, que delas se apossaram, utilizando-se de

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vários meios, inclusive a violência. A posse dos índios era permanente. A do réu precária, contestada. 3 - Indenização concedida, observando-se, no entanto, o § 2º do art. 198, da CF/69. “VOTO: (...) Vamos a perícia antropológica: À pergunta: Se a região em que estão inseridos os PIs Caramuru-Catarina Paraguassu é habitat tradicional de silvícola ? Responderam o perito e o assistente técnico da autora (fls. 896): “É indubitável, portanto, que a região foi e permanece habitat de grupos indígenas. Não existissem índios na região, certamente não haveria necessidade de criação da reserva por força de decreto-lei estadual promulgado nos idos de 1926, nem tampouco dos postos indígenas alí instalados. Se estes foram desativados ou entraram em processo de decadência, deve-se exclusivamente às pressões externas, má administração, violência física e psicológica e incúria oficial, e nunca à ausência de uma população indígena. Se esta foi confinada numa reserva e teve sua cultura e sociedade grandemente desfigurados pelos ‘benefícios da pacificação’, tal não significa a perda da sua identidade original e sua ligação a terra. E isto bem expressa a realidade do tradicionalismo da região como habitat indígena.” (TRF-1ª Reg. - Apelação Cível nº 89.01.01353-3 BA - Rel. Min. Tourinho Neto)

. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO:

EMENTA: “Constitucional e Civil. Posse imemorial indígena comprovada por laudo pericial. Extinção de aldeamento que não se efetivou por completo, permanecendo a ocupação indígena das terras mais tarde delimitadas pela FUNAI. Ocupação tradicional da qual advém a proteção do art. 231, CF. Apelo Improvido.” “VOTO (...) O laudo pericial antropológico esclarece com precisão a efetiva e tradicional ocupação das terras cuja posse é pretendida pelos apelantes. ....................................... Com a extinção dos aldeamentos, acelerou-se a alienação das terras dos índios Xukuru-Kariri. Fica claro que a política empreendida pelo Governo Imperial visada a liberação das terras indígenas para os neo-brasileiros. Os índios resistiram, permanecendo em suas terras na medida do possível, defendendo seu direito pela

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ocupação permanente, apesar de expropriados de parcelas significativas de seu território. “A gravidade dessa medida residia no fato de as autoridades provinciais eximirem-se da responsabilidade pela guarda e defesa dessas populações indígenas restando a estas o confronto desigual com a sociedade nacional” (Monteiro 1983:07). A Câmara consegue através da Lei 3348 de 20 de outubro de 1887, art. 1º, direito a aforar e arrendar terrenos do aldeiamento, tendo sido vetada em 4 de abril de 1886 por aviso do Ministério da Fazenda (Antunes 1973:53-54). Mas em 1892 com base na Lei nº 10 de 14 de maio, o poder público de Palmeira passou novamente a cobrar foro sobre as terras do antigo aldeamento, e em 1894, o então Governador cedeu ao município o direito de cobrar impostos sobre as terras dos Xukuru-Kariri (Antunes 1973:53-56). Percebemos, assim. instrumentos legais utilizados para a legitimação da alienação das terras indígenas em Palmeira dos Índios. E, com a extinção da Diretoria Geral dos Índios “os aborígenes locais que ainda viviam em aldeias históricas foram abandonados ao seu destino. Seguiu-se um período de vergonhosa exploração dos índios e audaz usurpação de suas terras pelos neo-brasileiros’ (Hohenthal 1960:41). ......................................... Em suma, o processo de alienação de terras pertencentes a Comunidade Indígena Xukuru-Kariri se deu por vários meios. Podemos concluir que os meios supostamente legais, como por exemplo, a extinção das aldeias e a declaração de suas terras como devolutas, feitas pelo próprio Governo que tinha como obrigação a proteção dos índios, são na verdade ilegais e imorais. ...” A consequência da ocupação tradicional é a proteção prevista no art. 231 da Constituição Federal, constituindo-se a área delimitada pela FUNAI propriedade da União (art. 20, I, CF) e sendo considerados nulos quaisquer atos restritivos de tais direitos (parágrafo 6º do art. 231, CF).” (Apelação Cível nº 20978-AL - Relator Des. Federal Lázaro Guimarães - Julgamento de 02.03.1993 e publicação do DJU de 02.04.93)

. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO:

EMENTA: “CONSTITUCIONAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. IMÓVEL ENCRAVADO EM TERRITÓRIO DE OCUPAÇÃO TRADICIONAL INDÍGENA. INALIENABILIDADE E INDISPONIBILIDADE DO BEM E IMPRESCRITIBILIDADE DO DIREITO. ESBULHO POSSESSÓRIO DESFIGURADO.”

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VOTO: “( . . . ) Neste ponto, nada obstante o art. 231 da atual Constituição Federal fazer eco ao que já dispunha o Diploma de 1946 (art. 216), a Carta de 1967 (art. 186) e a respectiva Emenda de 1969 (art. 198), dada à natureza declaratória da norma em vigor, não há como não estender ex tunc e imemorialmente os seus efeitos, em relação às glebas ainda ocupadas pelos silvícolas, declaradas inalienáveis, indisponíveis e imprescritíveis (idem, § 4º), posto que, nessa linha, a Constituição não se limita a declarar nulos, como, outrossim, a extinguir, de pleno direito, “não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras” (ibidem, § 6º). Segue que, configurada a terra disputada, como área indígena, e isto se evidenciou pacificamente nos autos do presente recurso, fica desfigurado o esbulho possessório alegado, pois só em favor dos próprios índios se legitimaria o uso dos interditos. ( . . .)” (Agravo de Instrumento - AGTR nº 33003-PE – Rel. Des.Federal José Batista de Almeida Filho)

. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO:

EMENTA: “CONSTITUCIONAL. (...) ÁREA INDÍGENA. POSSE IMEMORIAL. ÁREA DE PERAMBULAÇÃO. INDENIZAÇÃO. (...) 2. O território indígena é constituído não só pela área efetivamente ocupada pelo grupo tribal, isto, a qaue circunda a aldeia e as roças, mas também as imprescindíveis à conservação de sua identidade étnico-cultural. (...)”. (Apelação Cível n 90.01.14365-2/MT – Rel. Des. Federal Mário César Flores – Julg. De 24.06.1998)

IV – DA NULIDADE DE ATOS CONTRA A POSSE, A OCUPAÇÃO E O DOMÍNIO PARTICULAR DE TERRAS INDÍGNENAS

A) LEGISLAÇÃO . CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

“Art.231. ............................... § 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo,..." (Sem destaques no original)

. LEI Nº 6.001, de 19.12.1973 – ESTATUTO DO ÍNDIO:

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"Art. 62. Ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos dos atos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação das terras habitadas pelos índios ou comunidades indígenas. § 1º. Aplica-se o disposto neste artigo às terras que tenham sido desocupadas pelos índios ou comunidades indígenas em virtude de ato ilegítimo de autoridade ou particular."

B) DOUTRINA:

. FERNANDO DA COSTA TOURINHO NETO:

“Se aos índios é assegurada a posse permanente - sem limite temporal - das terras que ocupam - posse no sentido não civilista -, terras essas da União, não há como perdê-la para terceiros, ainda que estejam estes de boa fé. O § 6º do art. 231 da Constituição estatui:

“São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo (...)”

A transcrição no Registro de Imóveis não expunge os vícios. Não dá validade ao ato.” (OS DIREITOS INDÍGENAS E A CONSTITUIÇÃO - Núcleo de Direitos Indígenas e Sérgio Antônio Fabris Editor - pág. 38 - Porto Alegre – 1993)

C) JURISPRUDÊNCIA

. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO:

EMENTA: “PROCESSO CIVIL. CONSTITUCIONAL. INTERDITO PROIBITÓRIO. TERRA INDÍGENA. POSSE DE BOA FÉ. JUSTO TÍTULO MAS INEFICAZ. (...) II – Não importa como o não-índio adquiriu as terras indígenas, se de boa ou má fé. A boa fé só interessa para o fim de discutir indenização. III – A posse de boa fé não significa posse justa. O Título pode até ser justo – justo título – mas não ter eficácia, por exemplo, porque o transmitente não tem o direito de propriedade, não é dono (a domínio). E, assim, na verdade, o domínio não se transmite.” (TRF-1ª Região – AC nº 01000239168/MT - Terceira Turma – Rel. Des. Toutinho Neto – Publ. de 30.09.1999, pág. 76).

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V – DO DIREITO DOS ÍNDIOS ÀS SUAS TERRAS DE OCUPAÇÃO TRADICIONAL INDEPENDENTEMENTE DE DEMARCAÇÃO A) LEGISLAÇÃO

. LEI Nº 6.001, DE 19.12.1973 – ESTATUTO DO ÍNDIO:

"Art. 25 - O reconhecimento do direito dos índios e grupos tribais à posse permanente das terras por eles habitadas, nos termos do artigo 198, da Constituição Federal, independerá de sua demarcação, e será assegurado pelo órgão federal de assistência aos silvícolas, atendendo à situação atual e ao consenso histórico sobre a antigüidade da ocupação, sem prejuízo das medidas cabíveis que, na omissão ou erro do referido órgão, tomar qualquer dos Poderes da República."

B) JURISPRUDÊNCIA . TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO:

“ADMINISTRATIVO. TERRAS INDÍGENAS. IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO PELA FUNAI. PRETENSÃO DE EXPLORAÇÃO DE MADEIRA E FORMAÇÃO DE PASTAGENS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Delimitada a área de propriedade do impetrante como integrante da Terra Indígena Kayabi, compete à FUNAI zelar pela sua integridade, apesar de não ter sido ainda demarcada, eis que “a demarcação não é constitutiva. Aquilo que constitui o direito indígena sobre as suas terra é a própria presença indígena e a vinculação dos índios à terra, cujo reconhecimento foi efetuado pela Constituição Brasileira”. (...) (AMS nº 2001.36.00.008004-3/MT – Rel. Des. Federal Daniel Paes Ribeiro – DJU de 19.04.2004, pág. 58).

VI – DA INEXISTÊNCIA DE DIREITO DE RETENÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS POR PARTICULARES A) PRECEDENTE JUDICIAL

. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF:

“DESPACHO - Trata-se de embargos de retenção por

benfeitorias opostos por ocupantes de área reconhecida por esta Corte como de domínio da União Federal nos termos dos arts. 20, XI e 231, §§ 1º e 2º, da Constituição da Republica.

Os embargantes, ocupantes da área, depois de alegarem a nulidade do processo de execução por falta de citação de todos os executados, pedem o recebimento e a procedência dos embargos a fim de que se lhes assegure o “direito à indenização por suas benfeitorias,

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assim como o direito de retenção dos respectivos imóveis até o pagamento das indenizações referidas”(f. 21)

( . . . )

É que, apesar de haver rejeitado aqueles embargos – que apontavam omissão do acórdão em dizer do direito dos embargantes de serem indenizados pelas benfeitorias incorporadas aos imóveis e de os reterem até o pagamento dessa indenização -, o Tribunal deixou claro que não reconhecia aos réus o pretendido direito de retenção.

Quanto ao ponto não houve discordância entre os três votos declarados no julgamento: o do em. relator, Min. Francisco Rezek, ao fundamento de que a eventual boa-fé dos colonos, da qual poderia advir o alegado direito de retenção, “não esteve, nem teria por quê ter estado sob o crivo do Supremo Tribunal Federal quando se limitou, na ação declaratória, a examinar o tema da validade dos títulos”; e do em. Min. Marco Aurélio, ao fundamento de que a parte final do art. 516 do Cod. Civil não se aplica à espécie; e, finalmente, o do em. Min. Ilmar Galvão, do qual transcrevo a seguinte passagem:

“A desocupação do imóvel é conseqüência lógica do

decisum; não há direito de retenção nessas ações, porque a própria Constituição prevê a desocupação imediata. Sendo a terra pública, a sentença que declara a nulidade, implica o cancelamento do registro e a desocupação, não havendo como se manter no imóvel o ocupante ilegítimo, mesmo porque não há posse em terra pública, mas sim, mera ocupação de terra pública, que não dá direito à retenção”.

Trata-se, como visto, de matéria já resolvida pelo Tribunal, contrariamente a pretensão dos embargantes.

3. Ademais, independentemente da força de decisão que se empreste a tais considerações, delas compartilho integralmente.

4. Por sua vez, afastado o direito de retenção, eventual pretensão indenizatória das benfeitorias existentes há de ser veiculada em outras vias e em outra sede processual.

5. Ante o exposto, rejeito os presentes embargos, ficando em conseqüência prejudicado o julgamento do agravo regimental interposto contra o despacho proferido na Pet 1230-MG. 6. Prossiga-se na desocupação do imóvel, independentemente de novas citações. Comunique-se por ofício ao Juízo Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais, para que dê andamento ao feito.

Brasília, 6 de março 1997.

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Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE – Presidente”

(EMBARGOS A EXECUÇÃO na EXEACO n 323-7 – DJU de 14.03.1997 – Seção I – págs. 6946/6947)

VII – DA POSSE INDÍGENA – DESTINAÇÃO CONSTITUCINAL COMO GARANTIA PARA O FUTURO A) LEGISLAÇÃO

. CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

“Art. 231................................ § 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.”

B) DOUTRINA

. JOSÉ AFONSO DA SILVA:

"Quando a Constituição declara caber aos silvícolas a posse permanente das terras por eles habitadas, isto não significa um simples pressuposto do passado como ocupação efetiva, mas, especialmente, uma garantia para o futuro, no sentido de que essas terras inalienáveis são destinadas, para sempre, ao seu habitat." (Transcrição no Livro "Os Direitos Indígenas e a Constituição - Núcleo de Direitos Indígenas e Sérgio Antônio Fabris Editor - pág. 22 - Porto Alegre – 1993)

C) JURISPRUDÊNCIA

. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO:

“AÇÃO POSSESSÓRIA – COMUNIDADE INDÍGENA PATAXO HÃHÃHÃE – PROVA DE OCUPAÇÃO IMEMORIAL – ART. 231, PARÁGRAFO 2ºM DA CARTA POLÍTICA – REINTEGRAÇÃO. 1. O artigo 231, parágrafo 2º, da Constituição Federal, consagrou a posse permanente aos silvícolas das terras tradicionalmente ocupadas, mantendo-se sua perenidade para sempre ao projetar o verbo “destinam-se”. 2.Por isso, ainda que tenham os índios perdido a posse por longos anos, por configurar direito indisponível, podem postular sua restituição, desde que ela, obviamente, decorra de tradicional

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(imemorial, antiga), equivalente a verdadeiro pedido reivindicatório da coisa. 3. Comprovado que os silvicolas ostentavam posse imemorial, é procedente a reintegração. 4. Apelação desprovida.“ (TRF-1ª Região – AC nº 1999.01.00.030341-8 – Rel. Des. Evandro Reimão dos Reis – Julg. de 03.04.2002)

VIII – DA DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS

A) LEGISLAÇÃO

. LEI Nº 6.001, DE 19.12.1973 – ESTATUTO DO ÍNDIO: “Art. 17. Reputam-se terras indígenas:

I - as terras ocupadas ou habitadas pelos silvícolas, a que se referem os artigos 4º, IV, e 198, da Constituição; ........................................ Art. 19. As terras indígenas, por iniciativa e sob orientação do órgão federal de assistência ao índio, serão administrativamente demarcadas, de acordo com o processo estabelecido em decreto do Poder Executivo. Art. 1º As terras indígenas, de tratam o art. 17, I, da Lei nº 6001, de 19 de dezembro de 1993, e o art. 231 da Constituição, serão administrativamente demarcadas por iniciativa e sob a orientação do órgão federal de assistência ao índio, de acordo com o disposto neste Decreto.”

. DECRETO Nº 1.775, DE 08.01.1996:

Art. 2º A demarcação de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação reconhecida, que elaborará, em prazo fixado na portaria de nomeação baixada pelo titular do órgão federal de assistência ao índio, estudo antropológico de identificação.” § 1º O órgão federal de assistência ao índio designará grupo técnico especializado, composto preferencialmente por servidores do próprio quadro funcional, coordenado por antropólogo, com a finalidade de realizar estudos complementares de natureza etno histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação.” ..........................................

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§ 10º Em até trinta dias após o recebimento do procedimento, o Ministro de Estado da Justiça decidirá: I – declarando, mediante portaria, os limites da terra indígena e determinando a sua demarcação; II – prescrevendo todas as diligências que julgue necessárias, as quais deverão ser cumpridas no prazo de noventa dias.”

IX – DO ACESSO DE TÉCNICOS DA FUNAI PARA VISTORIA E AVALIAÇÃO DE BENFEITORIAS PARTICULARES IMPLANTADAS NAS TERRAS INDÍGENAS

A) LEGISLAÇÃO

. LEI Nº 6.001/73 – ESTATUTO DO ÍNDIO:

“Art. 19. As terras indígenas, por iniciativa e sob orientação do órgão federal de assistência ao índio, serão administrativamente demarcadas, de acordo com o processo estabelecido em decreto do Poder Executivo.”

. DECRETO Nº 1.775/96:

Art. 2º ........................................... § 1º O órgão federal de assistência ao índio designará grupo técnico especializado, composto preferencialmente por servidores do próprio quadro funcional, coordenado por antropólogo, com a finalidade de realizar estudos complementares de natureza etnohistórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação.”

§ 2º O levantamento fundiário de que trata o parágrafo anterior, será realizado, quando necessário, conjuntamente com o órgão federal ou estadual específico, cujos técnicos serão designados no prazo de vinte dias contados da data do recebimento da solicitação do órgão federal de assistência ao índio.”

. CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

“Art. 231. .............................. § 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, (...) não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.”

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. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO:

“PROCESSUAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. ARTIGO 273 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. VISTORIA E AVALIAÇÃO DE ÁREAS LINDEIRAS A TERRAS INDÍGENAS. DECRETO Nº 1.775/96. LEI Nº 6.001/73. GARANTIA AO DIREITO DE PROPRIEDADE.

I – A FUNAI – órgão de assistência – nos termos do § 1º do art. 2º do Decreto

nº 1.775/96 poderá designar grupo técnico especializado pra realizar estudos complementares de natureza etnohistórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e para levantamento fundiário necessários à delimitação de terras indígenas.

II – Verossimilhança das alegações da autora, no que diz respeito à

necessidade de realização dos estudos que rege procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas.

III – Abuso de direito de defesa que se patenteia na imotivada resistência do

proprietário nos trabalhos de campo pelos técnicos da FUNAI imprescindível aos estudos etno-históricos, sociológicos e cartográficos.

IV – Agravo de Instrumento dos réus-proprietários de imóvel rural desprovido,

antecipação de tutelar que permite o acesso dos técnicos às áreas confinantes mantidas.” (AG nº 2001.01.00.050074-0/MA – Segunda Turma - Rel. Des. Federal Jirair Aram Meguerian – Publicação no DJU de 10.06.2002 – pág.17)

X – DA HOMOLOGAÇÃO E REGISTRO IMOBILIÁRIO DA DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS COMO PATRIMÔNIO DA UNIÃO A) LEGISLAÇÃO . CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

“Art. 20. São bens da União: ......................................... XI – as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

. LEI Nº 6.001, DE 19.12.1973 – ESTATUTO DO ÍNDIO: “Art.19. ................................ § 1º A demarcação promovida nos termos deste artigo, homologada pelo Presidente da República, será registrada em livro próprio do Serviço de Patrimônio da União (S.P.U.) e do registro imobiliário da comarca da situação das terras.”

. DECRETO Nº 1.775, DE 08.01.1996:

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“Art. 5º A demarcação das terras indígenas, obedecido o procedimento administrativo deste Decreto, será homologado mediante decreto. Art. 6º. Em até trinta dias após a publicação do decreto de homologação, o órgão federal de assistência ao índio promoverá o respectivo registro em cartório imobiliário da comarca correspondente e na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda.”

XI – DO CARÁTER DECLARATÓRIO DA DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS – AUSÊNCIA DE EFEITOS CONSTITUTIVOS

A)JURISPRUDÊNCIA

. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO:

“ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. I – O Decreto nº 1.775, que dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das Terras Indígenas e dá outras providências, entrou em vigor em 9 de janeiro de 1996, revogando o Decreto nº 22/91. II – Consoante determinação de ordem constitucional, as terras tradicionalmente indígenas devem ser objeto de demarcação pela União. Assim, uma vez identificadas e delimitadas essas terras indígenas são demarcadas mediante ato de caráter declaratório, que não tem efeitos constitutivos nem desconstitutivos. Tudo isso se dá por intermédio de procedimento previamente estabelecido, no curso do qual a Administração reúne os elementos de prova da ocupação tradicional da terra por índios, dimensiona esta ocupação tradicional por meio de mapas e memorial descritivo e oficializa sua delimitação, com a emissão de declaração administrativa, consubstanciada na homologação, mediante decreto do Chefe do Poder Executivo. Culmina na colocação de marcos de limites da terra então delimitada.” (TRF-1ª Região – REO 96.01.49190-2/RR – Rel. Des. Carlos Fernando Mathias – Publ. no DJ de 10.10.2001 – pág. 93)

. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO: “PROCESSO CIVIL. ARGUIÇÃO DO ‘DECISUM’ REJEITADA. SÃO BENS DA UNIÃO TERRAS TRADICIONALMENTE OCUPADOS PELOS ÍNDIOS. INSTITUTO DO INDIGENATO. DIREITO CONGÊNITO. INAPLICABILIDADE À ESPÉCIE DO CONCEITO DE POSSE CIVIL.

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(...) 2. São bens da União, ex-vi do art. 20, XI, da Magna Carta, as terras ocupadas pelos índios. ( . . . ) 4. Prova pericial comprobatória da tradicional ocupação da área litigiosa pelo silvícolas. A posterior demarcação é mero reconhecimento oficial do fato. ( . . . ) 7. Recursos improvidos.” (AC 91.03.15750-4-SP – Rel. Juíza Salette Nascimento - Publicação no DJU de 13.12.94, 1ª Seção, pág. 72900)

XII – DO LAUDO ANTROPOLÓGICO DE IDENTIFICAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS – PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE

A) JURISPRUDÊNCIA

. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO:

EMENTA: “Administrativo – Terras habitadas por silvícolas. 1. Comprovado por laudo tecnico-administrativo de natureza antropológica que a área questionada sempre foi “habitat indígena”, far-se-ia necessária prova judicial suficiente para elidir a verdade do ato administrativo. 2. Ausência de prova, de iniciativa dos autores, para afastar a presunção de legalidade do ato administrativo. 3. Sentença confirmada.” (Apelação Cível nº 89.01.21303-6/RR – Rela. Des. Federal Eliana Calmon – DJU de 05.03.1990 – Seção II, pág. 3277)

XIII – DA IMPOSSIBILIDADE DE INTERDITO POSSESSÓRIO CONTRA DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS A) LEGISLAÇÃO

. LEI N 6.001, DE 19.12.1973 – ESTATUTO DO INDIO:

“Art. 19. As terras indígenas, por iniciativa e sob orientação do órgão federal de assistência aos índio, serão administrativamente demarcadas, de acordo com o processo estabelecido em decreto do Poder Executivo.

.........................................

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§ 2º Contra a demarcação processada nos termos deste artigo não caberá a concessão de interdito possessório, facultado aos interessados contra ela recorrer à ação petitória ou à demarcatória.”

B) JURISPRUDÊNCIA:

.TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO:

EMENTA: “CONSTITUCIONAL: PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA CAUTELAR. DEMARCAÇÃO DE ÁREA INDÍGENA. (...) INTERDITO POSSESSÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. (...) II – Interdito possessório é a denominação genérica que o legislador do Estatuto do Índio atribuiu para designar ações de manutenção, reintegração e interdito possessório, previstos nos artigos 926 e seguintes do CPC. III – Inexiste, em decorrência de regra constitucional (art. 1º - CF/88), remédio possessório contra o Poder Público que, pelo princípio da Soberania, possui domínio eminente sobre todas as coisas em seu Território. IV – Nenhuma inconstitucionalidade macula o § 2º, do art. 19, da Lei nº 6.001/73, vez que não veda o direito de ação, apenas, impede que o domínio e a posse do indivíduo se sobreponham à Soberania Estatal. V – Agravo provido.” (Agravo de Instrumento nº 93.03.39008-3/SP – Rel. Des. Federal FAUZI ACHÔA – Jul. de 03.05.1994 – Em anexo)

XIV – DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA ASSEGURADO ADMINISTRATIVAMENTE PELO DECRETO Nº 1.775/96 A) LEGISLAÇÃO

. DECRETO N 1.775/96:

“Art. 2º .................................

§ 7º – Aprovado o relatório pelo titular do órgão de assistência ao índio, este fará publicar, no prazo de quinze dias contados da data que o receber, resumo do mesmo no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localizar a área sob demarcação, acompanhado de memorial descritivo e mapa da área, devendo a publicação ser afixada na sede da Prefeitura Municipal da situação do imóvel.

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§ 8º – Desde o início do procedimento demarcatório até noventa dias após a publicação de que trata o parágrafo anterior, poderão os Estados e municípios em que se localizem a área sob demarcação e demais interessados manifestar-se, apresentando ao órgão federal de assistência ao índio razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografías e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório de que trata o parágrafo anterior. ( . . . ) Art. 9º Na demarcações em curso, cujo decreto homologatório não tenha sido objeto de registro em cartório imobiliário ou na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda, os interssados poderão manifestar-se, nos termos do § 8º do art. 2º, no prazo de noventa dias, contados da data da publicação deste Decreto.”

B) JURISPRUDÊNCIA

. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF:

“EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. RESPEITO AO CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA. SEGURANÇA INDEFERIDA.

(...)

Ao estabelecer um procedimento diferenciado para a contestação de processos demarcatórios que se iniciaram antes de sua vigência, o Decreto 1.775/1996 não fere o direito ao contraditório e à ampla defesa. Proporcionalidade das normas impugnadas. Precedentes.

Segurança indeferida.” (MS nº 24.045/DF – Rel. Min. Joaquim Barbosa – Julg. de 28.04.2005 e Publ. de 05.08.2005)

XV – DA PROIBIÇÃO DE MEDIDA LIMINAR CONTRA INDÍGENAS SEM PRÉVIA AUDIÊNCIA OU MANIFESTAÇÃO – NÃO SOMENTE JUSTIFICAÇÃO PRÉVIA DE POSSE – DA FUNAI E DA UNIÃO

A) LEGISLAÇÃO

. LEI N 6.001, DE 19.12.1973 – ESTATUTO DO INDIO:

“Art. 63. Nenhuma medida judicial será concedida liminarmente em causas que envolvam interesse de silvícolas ou do Patrimônio Indígena, sem prévia audiência da União e do órgão de proteção ao índio.”

B) JURISPRUDÊNCIA

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. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO:

EMENTA: “ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SILVÍCOLAS. LIMINAR DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM FAVOR DE ESPÓLIO. INOBSRVÊNCIA AO ART. 63 DA LEI Nº 6.001/73. IMPOSSIBILIDADE. A Lei nº 6.001/73, art. 63, proibe textualmente a concessão de medida liminar em causas que envolvam interesses de silvícolas sem prévia audiência da União e da FUNAI; Na hipótese, é de reformar-se despacho monocrátivo que laborou em sentido contrário; Agravo Provido.” (Agravo de Instrumento nº 21.883-PE – Rel. Juiz Petrúcio Ferreira – Julg. de 10.08.1999 – Publ. De 28.01.2000)

. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO:

EMENTA: “ PROCESSUAL CIVIL. REINTEGRAÇÃO

DE POSSE. CONCESSÃO DE LIMINAR. INDÍGENAS. AUDIÊNCIA PRÉVIA DO ÓRGÃO INDIGENISTA OFICIAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 63 DA LEI Nº6.001/73 (ESTATUTO DO ÍNDIO). INTERESSE DA FUNAI E DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL (ART.109, XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). AGRAVO PROVIDO Á UNANIMIDADE. (...)” (Agravo de Instrumento n 001.0075117-1 – Rel. Des. Jones Figueiredo – Publ. de 10.01.2003)

XV - DA INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO CONTRA A CONSTITUIÇÃO A) DOUTRINA

. BEATRIZ GÓIS DANTAS E DALMO DE ABREU DALlARI:

"Em conclusão, apesar de todas variações havidas na legislação portuguesa e brasileira relativa às terras ocupadas pelos silvícolas, prevalecem os dispositivos da atual Constituição, contra os quais ninguém pode alegar direitos adquiridos. E nos termos da Constituição vigente pertencem ao patrimônio da União as terras ocupadas pelos silvícolas, mas este tem direito à posse permanente dessas terras, tendo direito à proteção judicial dessa posse, sendo de nenhum valor um título de propriedade que afronte o domínio da União ou a posse dos silvícolas." (Terra dos Índios Xocó - pág. 11)

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B) JURISPRUDÊNCIA

. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

EMENTA: “(...) - Não há direito adquirido contra texto constitucional, resulte ele do Poder Constituinte originário, ou do Poder Constituinte derivado. Precedentes do S.T.F.

VOTO: "As normas constitucionais se aplicam de imediato, sem que se possa invocar contra elas a figura do direito adquirido, mesmo nas constituições que vedam ao legislador ordinário e edição de leis retroativas, declarando que a lei nova não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, esse preceito se dirige apenas ao legislador ordinário, e não ao constituinte, seja ele ordinário seja ele derivado." (Recurso Extraordiário nº 94.414-1 – Rel. Min. Moreira Alves – Julg. De 13.02.1985 e pub. Em 19.04.1985)

. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1 REGIÃO:

EMENTA: “ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. CONTRATO DE EXPLORAÇÃO DE MADEIRA. ÁREA INDÍGENA. EXTINÇÃO. NULIDADE. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ARTIGO 231, 6. INDENIZAÇÃO INCABÍVEL. 2. - Não há direito adquirido contra texto constitucional novo, perdendo total validade a Constituição anterior, bem como qualquer norma inferior que seja contrária à atual. (...)”. (Apelação Cível n 94.01.11171-5 – Rel. Juiz Alexandre Vidigal – Julg. de 26.02.1999).

XVI – DA INALIENABILIDADE E INDISPONIBILIDADE DAS TERRAS INDÍGENAS

A) LEGISLAÇÃO

. CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

“Art.231. ............................... § 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

. LEI Nº 6.001, DE 19.12.1967 – ESTATUTO DO ÍNDIO:

Art. 38. As terras indígenas são inusucapíveis e sobre elas não poderá recair desapropriação salvo o previsto no art. 20.”

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B) JURISPRUDÊNCIA

. TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSO – TFR:

"As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis. São nulos os atos que tenham por objeto o domínio e a posse dessas terras, sem que seus ocupantes tenham direito a qualquer ação ou indenização contra a União ou a Fundação Nacional do Índio. Constituição Federal, art. 198. O Objetivo da norma Constitucional, ao transformar às áreas ocupadas pelos índios em terras inalienáveis foi o de preservar o habitat de uma gente, sem cogitar de defender à sua posse, mas dentro do sadio propósito de preservar um patrimônio territorial, que é razão de ser da própria existência dos índios. ..." (TFR - Apelação Cível nº 3.078-MT - Rel. Min. Adhemar Raymundo - DJ de 21.05.1981)

FONTE: http://www.funai.gov.br/procuradoria/docs/Terras%20Ind%EDgenas%20Legisla%E7%E3o%20Doutrina%20Jurisprud%EAncia%20(Ricardo).doc

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ANEXO IV

DECRETO No 1.775, DE 8 DE JANEIRO DE 1996.

Dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, e tendo em vista o dis posto no art. 231, ambos da Constituição, e no art. 2º, inciso IX da Lei n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973,

DECRETA:

Art. 1º As terras indígenas, de que tratam o art. 17, I, da Lei n° 6001, de 19 de dezembro de 1973, e o art. 231 da Constituição, serão administrativamente demarcadas por iniciativa e sob a orientação do órgão federal de assistência ao índio, de acordo com o disposto neste Decreto.

Art. 2° A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação reconhecida, que elaborará, em prazo fixado na portaria de nomeação baixada pelo titular do órgão federal de assistência ao índio, estudo antropológico de identificação.

§ 1° O órgão federal de assistência ao índio designará grupo técnico especializado, composto preferencialmente por servidores do próprio quadro funcional, coordenado por antropólogo, com a finalidade de realizar estudos complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação.

§ 2º O levantamento fundiário de que trata o parágrafo anterior, será realizado, quando necessário, conjuntamente com o órgão federal ou estadual específico, cujos técnicos serão designados no prazo de vinte dias contados da data do recebimento da solicitação do órgão federal de assistência ao índio.

§ 3° O grupo indígena envolvido, representado segundo suas formas próprias, participará do procedimento em todas as suas fases.

§ 4° O grupo técnico solicitará, quando for o caso, a colaboração de membros da comunidade científica ou de outros órgãos públicos para embasar os estudos de que trata este artigo.

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§ 5º No prazo de trinta dias contados da data da publicação do ato que constituir o grupo técnico, os órgãos públicos devem, no âmbito de suas competências, e às entidades civis é facultado, prestar-lhe informações sobre a área objeto da identificação.

§ 6° Concluídos os trabalhos de identificação e delimitação, o grupo técnico apresentará relatório circunstanciado ao órgão federal de assistência ao índio, caracterizando a terra indígena a ser demarcada.

§ 7° Aprovado o relatório pelo titular do órgão federal de assistência ao índio, este fará publicar, no prazo de quinze dias contados da data que o receber, resumo do mesmo no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localizar a área sob demarcação, acompanhado de memorial descritivo e mapa da área, devendo a publicação ser afixada na sede da Prefeitura Municipal da situação do imóvel.

§ 8° Desde o início do procedimento demarcatório até noventa dias após a publicação de que trata o parágrafo anterior, poderão os Estados e municípios em que se localize a área sob demarcação e demais interessados manifestar-se, apresentando ao órgão federal de assistência ao índio razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório de que trata o parágrafo anterior.

§ 9° Nos sessenta dias subseqüentes ao encerramento do prazo de que trata o parágrafo anterior, o órgão federal de assistência ao índio encaminhará o respectivo procedimento ao Ministro de Estado da Justiça, juntamente com pareceres relativos às razões e provas apresentadas.

§ 10. Em até trinta dias após o recebimento do procedimento, o Ministro de Estado da Justiça decidirá:

I - declarando, mediante portaria, os limites da terra indígena e determinando a sua demarcação;

II - prescrevendo todas as diligências que julgue necessárias, as quais deverão ser cumpridas no prazo de noventa dias;

III - desaprovando a identificação e retornando os autos ao órgão federal de assistência ao índio, mediante decisão fundamentada, circunscrita ao não atendimento do disposto no § 1º do art. 231 da Constituição e demais disposições pertinentes.

Art. 3° Os trabalhos de identificação e delimitação de terras indígenas realizados anteriormente poderão ser considerados pelo órgão federal de assistência ao índio para efeito de demarcação, desde que compatíveis com os princípios estabelecidos neste Decreto.

Art. 4° Verificada a presença de ocupantes não índios na área sob demarcação, o órgão fundiário federal dará prioridade ao respectivo reassentamento, segundo o levantamento efetuado pelo grupo técnico, observada a legislação pertinente.

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Art. 5° A demarcação das terras indígenas, obedecido o procedimento administrativo deste Decreto, será homologada mediante decreto.

Art. 6° Em até trinta dias após a publicação do decreto de homologação, o órgão federal de assistência ao índio promoverá o respectivo registro em cartório imobiliário da comarca correspondente e na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda.

Art. 7° O órgão federal de assistência ao índio poderá, no exercício do poder de polícia previsto no inciso VII do art. 1° da Lei n° 5.371, de 5 de dezembro de 1967, disciplinar o ingresso e trânsito de terceiros em áreas em que se constate a presença de índios isolados, bem como tomar as providências necessárias à proteção aos índios.

Art. 8° O Ministro de Estado da Justiça expedirá as instruções necessárias à execução do disposto neste Decreto.

Art. 9° Nas demarcações em curso, cujo decreto homologatório não tenha sido objeto de registro em cartório imobiliário ou na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda, os interessados poderão manifestar-se, nos termos do § 8° do art. 2°, no prazo de noventa dias, contados da data da publicação deste Decreto.

Parágrafo único. Caso a manifestação verse demarcação homologada, o Ministro de Estado da Justiça a examinará e proporá ao Presidente da República as providências cabíveis.

Art. 10. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 11. Revogam-se o Decreto n° 22, de 04 de fevereiro de 1991, e o Decreto n° 608, de 20 de julho de 1992.

Brasília, 8 de janeiro de 1996; 175º da Independência e 108º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Nelson A. Jobim

José Eduardo de Andrade Vieira