o sistema internacional de protecao dos direitos humanos perspectivas e desafios
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Leonardo Nemer Caldeira Brant1
Leonardo Estrela Borges2
��6XPiULR: I - Introdução. II - A Proteção Universal dos Direitos Humanos - As Regras decorrentes do Sistema das Nações Unidas. A - A Internacionalização do Sistema de Proteção dos Direitos do Homem - A Declaração Universal dos Direitos do Homem. B - A Codificação da Proteção Internacional dos Direitos do Homem - Os Pactos Internacionais Relativos aos Direitos do Homem. a - O Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos. b - O Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. C - As Instituições Garantidoras da Proteção Internacional dos Direitos do Homem no Âmbito das Nações Unidas. a - A Assembléia Geral. b - O Conselho Econômico e Social. c - A Corte Internacional de Justiça. III - O Sistema Regional de Proteção dos Direitos Humanos. A - A Convenção Americana de Direitos Humanos. B - A Comissão Interamericana de Direitos Humanos. C - A Corte Interamericana de Direitos Humanos. a - Competência Contenciosa. b - Competência Consultiva. IV - Conclusão
1 Doutor pela Université de Paris X, Jurista Adjunto da Corte Internacional de Justiça - Haia e Presidente do Centro de Direito Internacional - CEDIN. 2 Mestre em Direito Internacional pela UFMG e Membro do Centro de Direito Internacional – CEDIN.
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A origem histórica da proteção dos direitos humanos pode ser encontrada ainda no
pensamento grego3 e sua evolução tende a acompanhar a gravidade dos desafios
contemporâneos. De fato, os excessos cometidos pelos regimes ditatoriais na época
contemporânea, a consciência adquirida após a Segunda Guerra Mundial de que o
descaso pelos direitos humanos poderia levantar graves ameaças à paz e à segurança
internacional e finalmente os desafios surgidos a partir das ações terroristas do início do
século XXI4 permitiram uma aceleração do movimento de institucionalização e de
desenvolvimento da proteção internacional dos direitos do homem5. A ação das
organizações internacionais é, portanto, intensa, e pode ser observada tanto no seio das
Nações Unidas quanto no interior de organizações regionais. Esta dupla ambigüidade
justifica este estudo e levanta aparentemente uma questão de natureza introdutória que
diz respeito à distinção entre a proteção internacional e a proteção constitucional dos
direitos humanos.
A resposta aparentemente simples reside no fato de que a proteção constitucional
espelha o exercício da soberania representada pela competência exclusiva de um
determinado Estado no trato de seus nacionais, conforme estabelecido no texto
constitucional ou infra-constitucional. A proteção internacional, não obstante,
representa uma limitação da soberania estatal, uma vez que se admite como regra clara
do direito internacional o fato de a conclusão de um determinado tratado trazer ao
conteúdo normativo acordado natureza internacional. Percebe-se assim que o processo
de internacionalização dos direitos humanos responde a uma percepção moral da
importância da matéria, respondendo, assim, aos anseios individuais e às expectativas
dos membros pactuantes da comunidade internacional6.
3 Com efeito, deve-se recordar que se tratava de legitimar o poder político recorrendo à razão (dimensão racionalista do modelo): uma autoridade não será legítima a não ser que justifique, face a um tribunal da razão, sua subordinação ao WHORV dos direitos do homem. HAARSCHER, Guy. 'pYHORSSHPHQW�KLVWRULTXH�GHV�GURLWV�GH�O¶KRPPH, I.I.D.H., Strasbourg, 1999, p.1. 4 Ver por exemplo o papel dos direitos humanos com relação ao desafio terrorista. BRANT, Leonardo Nemer Caldeira, 'LUHLWR� H� 7HUURULVPR��2V� LPSDFWRV� GR� WHUURULVPR� QD�&RPXQLGDGH� ,QWHUQDFLRQDO� H� QR�%UDVLO���3HUVSHFWLYDV�SROtWLFR�MXUtGLFDV, Forense, Rio de Janeiro, 2002, p. 540. 5 DAILLIER, P. e PELLET, A. 'URLW�,QWHUQDWLRQDO�3XEOLF, L.G.D.J., Paris, 1999, p. 641. 6 O Tratado de Westfália de 1648 já continha disposições relativas à proteção religiosa. O século XIX marca o surgimento de inúmeros tratados relativos à proteção dos direitos humanos, como o Tratado de Paris de 30 de março de 1856 e o Tratado de Berlim de 13 de julho de 1878. Estes instrumentos convencionais foram invocados pelos Estados membros do Concerto Europeu a fim de intervirem através da via diplomática e militar em favor das populações cristãs no Império Otomano.
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A evolução dos mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos é de fato
contraditória. Observa-se que, se por um lado os direitos humanos são garantidos por
regras dispersas e consuetudinárias de direito internacional desde seu nascimento, por
outro, sua constituição como campo autônomo do direito internacional é relativamente
recente7. Embora de forma esparsa, o direito internacional, anterior à criação das
Nações Unidas e à Declaração Universal dos Direitos do Homem, já reconhecia ao
indivíduo certos direitos que serão futuramente incorporados ou influenciarão o atual
sistema de proteção internacional dos direitos do homem8.
É verdade que o Pacto constituinte da Sociedade das Nações (SdN) de 1919 não
continha nenhuma disposição geral relativa à proteção internacional dos direitos do
homem9. Isto não significa, contudo, que este não contivesse disposições no sentido de
contribuir para o desenvolvimento do sistema de proteção internacional dos direitos do
homem. Em uma análise do Pacto, percebemos que seu artigo 22 criava o Sistema de
Mandatos, em virtude do qual as antigas colônias deveriam ser administradas pelas
potências vitoriosas na Primeira Guerra Mundial10. Assim, com o passar dos anos, a
Comissão de Mandatos da SdN adquiriu um relativo poder de supervisão e
administração dos mandatos, notadamente no que concerne ao tratamento das
populações indígenas11. Por outro lado, o artigo 23 do Pacto estabelecia condições
justas e humanas de trabalho. O Pacto previa também a criação da Organização
Internacional do Trabalho, com a finalidade de promover os direitos sociais do
trabalhador. A SdN teve também um importante papel ao aceitar servir de ente
garantidor do cumprimento de certos tratados relativos à proteção das minorias, embora
o Pacto nada diga a este respeito12. Na realidade, a SdN elaborou um sistema que
7 Do mesmo modo, nota-se que a universalidade de seus objetivos contrasta com a eficácia limitada de seus resultados. 8 BRANT, Leonardo Nemer Caldeira,. $� 3URWHomR� ,QWHUQDFLRQDO� GRV� 'LUHLWRV� GR� +RPHP, Direitos Humanos e Direitos do Cidadão, Revista da PUC/Minas Virtual, British Council, Belo Horizonte, 2001, p. 83-102. 9 “A idéia de que os direitos e liberdades fundamentais deveriam se beneficiar de uma proteção internacional não tinha ainda sido aceita pela comunidade internacional nem pelos redatores do Pacto”. BUERGENTAL, T. e KISS, A. /D�3URWHFWLRQ�LQWHUQDWLRQDOH�GHV�GURLWV�GH�O¶KRPPH, Précis, N.P. Engel, Kehl, 1991, p. 4. 10 O Sistema de Mandatos foi dissolvido com o fim da SdN. A Organização das Nações Unidas o substituiu pelo Sistema de Tutelas, que durou até o momento em que as antigas colônias tiveram sua independência reconhecida. 11 De acordo com o artigo 23, b, do Pacto, os membros da SdN “comprometem-se a assegurar o tratamento eqüitativo das populações indígenas nos territórios submetidos à sua administração;”. 12 Ver o artigo 12 do tratado ratificado em 1919 entre as Potências Aliadas e a Polônia, que previa que as
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permitia o recebimento de petições provenientes de minorias que reclamavam da
violação de seus direitos no que tange à preservação de sua identidade e integridade
ética, religiosa ou lingüística.
No entanto, o avanço dado a partir de 1945 é imenso. A garantia da aplicabilidade dos
direitos do homem passa a estar no centro das preocupações e da agenda da comunidade
internacional que, além de expandir o volume de regras convencionais sobre a matéria,
cria dois sistemas complexos e complementares que funcionam em caráter de
coexistência e coordenação13. Assim, os instrumentos de proteção universais
apresentam um parâmetro normativo mínimo (I), enquanto os instrumentos de proteção
regionais vão além, adicionando novos direitos e aperfeiçoando outros tendo em vista as
diferenças peculiares de cada região (II).
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Embora a Carta das Nações Unidas não contenha nenhum dispositivo que defina de
forma clara e intencional o que ela entende por “ direitos do homem” ou “ liberdades
fundamentais” , logo em seu primeiro artigo ela proclama a necessidade de se
“ desenvolver e encorajar o respeito aos direitos do homem e às liberdades fundamentais
para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião” . O artigo 55 da Carta
salienta, ainda, a obrigação tanto da Assembléia Geral14 quanto do Conselho Econômico
e Social15 (órgãos cuja resolução não possui natureza vinculante) de favorecer o respeito
aos direitos humanos, a solução dos problemas econômicos e sociais, a elevação dos
níveis de vida, o pleno emprego, as condições de progresso e desenvolvimento
minorias raciais, lingüisticas e religiosas estariam sob salvaguarda da Sociedade das Nações. 13 Ver TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. “ Co-existence and Co-ordination of Mechanisms of International Protection of Human Rights” . 5HFXHLO�GHV�&RXUV, v. 202, 1987. 14 O artigo 13, 1, b, prevê que: “ A Assembléia Geral promoverá estudos e fará recomendações, tendo em vista: fomentar a cooperação internacional no domínio econômico, social, cultural, educacional e da saúde; e favorecer o pleno gozo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião” . 15 Segundo o artigo 62, 2, da Carta: “ O Conselho Econômico e Social poderá fazer ou iniciar estudos e relatórios a respeito de assuntos internacionais de caráter econômico, social, cultural, educacional, de saúde e conexos, e poderá fazer recomendações a respeito de tais assuntos à Assembléia Geral, aos membros das Nações Unidas e às organizações especializadas interessadas” ; e “ poderá igualmente fazer recomendações destinadas a assegurar o respeito efetivo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais para todos” . Ver também o artigo 68 da Carta.
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econômico e social, etc.16 Assim, lido conjuntamente com o artigo 56 da Carta, pode-se
admitir que esta obrigação se impõe tanto aos Estados membros quanto à Organização,
sem distinção de raça, sexo ou religião.
Diversas são as conseqüências oriundas deste conjunto normativo:
Em primeiro lugar, devido à natureza universal e internacional da Carta das Nações
Unidas, fica claro que a proteção dos direitos humanos se internacionaliza e ultrapassa
as fronteiras delimitadas pelo direito interno17. Isto não significa necessariamente que
toda violação destes direitos por um Estado membro das Nações Unidas venha a se
tornar automaticamente um problema internacional, mas sim que os Estados membros
deverão afastar o argumento de que a solução ao tratamento desumano infligido a seus
nacionais reside unicamente em sua competência exclusiva. A Declaração Universal dos
Direitos do Homem espelha, de maneira definitiva, a garantia internacional e universal
destes direitos (A). Em segundo lugar, a Carta das Nações Unidas deu origem aos
princípios fundamentais que orientam o sistema internacional de proteção dos direitos
do homem e que será posteriormente codificado, densificado e concretizado mediante a
elaboração e a adoção sobretudo dos dois pactos internacionais de natureza civil,
política, econômica, social e cultural, bem como através de diversos outros instrumentos
convencionais com vocação universal (B). Em terceiro lugar, a obrigação de favorecer
os direitos do homem permitiu a criação de instituições cuja competência reside
justamente na verificação do respeito aos direitos humanos pelos diversos Estados.
Neste sentido, a ONU adotará um conjunto de resoluções demandando aos Estados
violadores dos direitos humanos que parem de fazê-lo, bem como delegando poder aos
órgãos subsidiários e à Comissão de Direitos Humanos, instalada em seu seio, para
16 Ver, igualmente, o artigo 55 da Carta das Nações Unidas, que trata da Cooperação Internacional Econômica e Social. 17 Exemplo marcante na atualidade da relação entre direito internacional e direito interno no tocante à proteção dos direitos humanos é a situação dos prisioneiros detidos na base norte-americana de Guantânamo. Os Estados Unidos insistem em negar qualquer aplicabilidade do direito internacional humanitário aos detidos, alegando que não são prisioneiros de guerra. Ademais, ao instituir o 0LOLWDU\�2UGHU de 13 de novembro de 2001, que permite submeter as pessoas detidas na base de Guantânamo à jurisdição de tribunais militares de exceção (PLOLWDU\�FRPPLVVLRQV), os Estados Unidos claramente violam regras concernentes à proteção dos direitos humanos. No 0LOLWDU\�2UGHU, a presunção de inocência não é respeitada, o direito de não testemunhar contra si mesmo não está previsto, o acusado não pode escolher um advogado, o direito de acesso às peças não está previsto, nada prevê que a dúvida razoável beneficie o acusado, a possibilidade de apelação da decisão não existe, os textos que regem as provas não estão determinados, e o direito aplicável permanece desconhecido. Ver 0LOLWDU\�2UGHU�RI�1RYHPEHU���������� “ Federal Register” , vol. 66, Number 222, Presidential Documents, November 16, 2001, p. 57833-57836.
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instaurar processo de verificação se as violações alegadas realmente ocorrerem18(C).
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Formada por 30 artigos e um preâmbulo, a Declaração Universal dos Direitos do
Homem de 10 de dezembro de 194819 constitui o primeiro instrumento geral de direitos
humanos adotado por uma organização internacional20. Este importante marco histórico
pode ser analisado de duas formas distintas e complementares. Inicialmente, a
Declaração proclama duas grandes categorias específicas de direitos: a dos direitos civis
e políticos e, em contrapartida, a dos direitos econômicos, sociais e culturais.
Evidentemente, trata-se de garantias universais e indivisíveis. Neste sentido, a própria
Declaração Universal proclama que “ toda pessoa tem o direito a que reine no plano
social e internacional uma tal ordem que os direitos e liberdades enunciados possam ter
pleno efeito” . Isto significa que não há nenhuma prioridade essencial de um sistema
sobre o outro. Ambos se complementam e contribuem para o exercício da dignidade
humana.
No entanto, um outro enfoque, mais sistemático, também é possível e consiste na
análise principiológica dos direitos elencados dentro de uma lógica de solidariedade.
São conhecidos como direitos de terceira geração e possuem a finalidade de realizar a
intima relação entre os direitos do homem reconhecidos e o contexto social21. A
Declaração é um pouco hesitante quanto ao seu reconhecimento, mas diversos
documentos indicam a sua consagração enquanto norma de direito internacional. Um
exemplo recente é a proclamação solene da existência do direito ao desenvolvimento
como direito humano e inalienável22.
Deste modo, pode-se admitir que inicialmente a Declaração garante direitos e liberdades
18 Ver SCHWELB, E. “ Instituitions des Nations Unies, Instituitions principales et dérivées, fondées sur la Charte” , in /HV�GLPHQVLRQV�LQWHUQDWLRQDOHV�GHV�GURLWV�GH�O¶KRPPH, Unesco, Paris, p. 253. 19 Adotada pela resolução 217A (III) da Assembléia Geral, por 48 votos a favor, zero contra e oitos abstenções (URSS, cinco democracias populares, África do Sul e Arábia Saudita). 20 Um dia antes, em 9 de dezembro de 1948, a Assembléia Geral adotou uma convenção de âmbito reduzido, ou seja, a Convenção para Prevenção e Sanção do Crime de Genocídio. 21 Pode-se considerar como tais direitos o direito ao desenvolvimento, o direito a um meio ambiente sustentável, o direito à paz....etc. 22 Ver a resolução 36/133 da Assembléia Geral, a Declaração Sobre o Direito ao Desenvolvimento, resolução 41/128 de 4 de dezembro de 1986 reafirmada pela Declaração do Rio de 1992.
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de caráter individual23. Em segundo lugar, encontra-se o reconhecimento dos direitos do
indivíduo YLV�j�YLV do mundo exterior e dos grupos sociais a que pertence24. Em terceiro
lugar, dispõe-se sobre o reconhecimento dos direitos e liberdades espirituais, políticos e
civis25. Finalmente, a Declaração contempla os direitos econômicos, sociais e culturais:
o direito à seguridade social e a um nível de vida digno26. Percebem-se ainda os três
artigos restantes referentes aos princípios que ordenam as Nações Unidas e os deveres
do indivíduo para com a comunidade internacional27, como o direito a uma ordem social
e internacional na qual os direitos e liberdades proclamados pela Declaração sejam
plenamente efetivados28; e o dever de exercer estes direitos em conformidade com os
propósitos e princípios das Nações Unidas29, sendo que nada na Declaração poderá ser
interpretado no sentido de justificar atos tendentes à supressão de qualquer dos direitos
ou liberdades inscritos na Declaração.30
É fato, contudo, que, embora vise internacionalizar o sistema de garantia de proteção
dos direitos do homem, a Declaração não é um tratado internacional no sentido
juridicamente reconhecido do termo. Na realidade, trata-se de uma resolução da
Assembléia Geral e, por esta razão, pode-se admitir que não será legalmente dotada de
natureza obrigatória. No entanto, com o passar dos anos, a Declaração tornou-se uma
espécie de imagem do que a comunidade internacional entende por direitos humanos.
Sua aceitação como instrumento de referência na determinação da proteção
internacional dos direitos humanos acabou por torná-la unanimemente obrigatória, não
23 Tais como: o direito à vida, à liberdade e à segurança; a proibição da escravidão e da servidão; a proibição da tortura e das penas cruéis, desumanas ou degradantes; o reconhecimento da personalidade jurídica de todo ser humano; o direito a ser protegido por lei contra violações dos direitos fundamentais; o direito de recurso aos tribunais nacionais competentes; a não detenção arbitrária; o direito a uma justiça independente e imparcial; e o direito à presunção de inocência e à não retroatividade das leis.Ver os artigos 3 a 11, respectivamente. 24 Tais como: o direito à vida privada; o direito de ir e vir e de escolher livremente o local de sua residência; o direito de asilo; o direito a uma nacionalidade; igualdade de direitos entre o homem e a mulher de acordo com o matrimônio; e o direito à propriedade individual e coletiva. Ver os artigos 12 a 17, respectivamente. 25 Tais como: a liberdade de pensamento, de consciência e de religião; a liberdade de opinião, de expressão e o livre acesso à informação; a liberdade de reunião e associação pacífica; e o direito de participar do governo e de eleições periódicas. Ver os artigos 18 a 21, respectivamente. 26 Tais como: o direito ao trabalho, à sua livre escolha, a um salário igual por um trabalho igual e à liberdade sindical; o direito ao descanso e ao lazer no tempo livre; o direito à saúde e ao bem estar social; o direito à educação; e o direito a fazer parte livremente da vida cultural e científica da comunidade. Ver os artigos 22 a 27, respectivamente. 27 Não se encontra protegido na Declaração o direito à livre determinação dos povos, o direito das minorias e dos povos indígenas. 28 Artigo 28. 29 Artigo 29. 30 Artigo 30.
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em função de sua natureza jurídica, mas em razão do RSLQLRQ�MXULV de que ela representa
o interesse e a vontade da comunidade internacional31. Isto significa que, na prática, a
Declaração, ou ao menos alguns princípios por ela proclamados, tornou-se obrigatória
em razão de um costume internacional32 (fonte do direito internacional e de sua
obrigatoriedade conforme disposto no artigo 38, 1, b, do Estatuto da Corte Internacional
de Justiça). Assim, se alguma discussão acerca da obrigatoriedade da Declaração é hoje
possível, ela se dá não no que diz respeito à sua natureza, mas sim quanto à questão de
saber se todos os direitos declarados são obrigatórios e, ainda, em quais
circunstâncias33.
%���$�&RGLILFDomR�GD�3URWHomR� ,QWHUQDFLRQDO�GRV�'LUHLWRV�GR�+RPHP���RV�3DFWRV�,QWHUQDFLRQDLV�5HODWLYRV�DRV�'LUHLWRV�GR�+RPHP��
Inúmeros são os instrumentos convencionais que visam desenvolver e concretizar os
direitos e garantias enumerados na Declaração Universal34. Por sua importância
evidente, a ênfase deste trabalho recairá sobre os dois pactos internacionais de proteção
dos direitos do homem que, sob a forma de tratados internacionais, criam claras
obrigações jurídicas para os Estados contratantes, que não podem alegar a violação por
uma das partes contratantes para se afastar ou suspender a realização das devidas
obrigações acordadas35. Na realidade, adotados pela Assembléia Geral em 16 de
dezembro de 196636, os dois pactos só entraram em vigor em janeiro e março de 1976,
depois que 35 Estados depositaram seus instrumentos de ratificação e adesão. Neste
mesmo ano entrou também em vigor o Protocolo Facultativo. Observa-se, por fim, que
31 O mesmo fenômeno ocorre com a proteção internacional do meio ambiente, cujos textos fundamentais – a Declaração de Estocolmo, em 1972 e a Declaração do Rio, em 1992 – não têm força obrigatória, mas ditam as regras de todos os tratados que versam sobre esta matéria. Ver CHAZOURNES, Laurence Boisson de. 'URLW� GH� O¶(QYLURQQHPHQW in ALLAND, Denis. (org.). “ Droit International Public” . Paris: PUF, 2000; KISS, Alexandre. 'URLW�,QWHUQDWLRQDO�GH�O¶(QYLURQQHPHQW. Paris: Éditions A. Pedone, 1989; e SOARES, Guido Fernando Silva. 'LUHLWR� ,QWHUQDFLRQDO� GR�0HLR� $PELHQWH�� (PHUJrQFLD�� 2EULJDo}HV� H�5HVSRQVDELOLGDGHV. São Paulo: Atlas, 2001. 32 SOHN, L. “ The New International Law: Protection of the right of individuals rather than States” , $PHULFDQ�8QLYHUVLW\�/DZ�5HYLHZ, vol. 32, 1982, p. 16-17. 33 Ver KISS, A. “ Le rôle de la Déclaration universelle des droits de l’homme das le développement du droit international” , ONU, %XOOHWLQ�GHV�GURLWV�GH�O¶KRPPH, édition spéciale, New York, 1988, p. 51. 34 Ver a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio; Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher; Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes; Convenção Relativa aos Direitos da Criança; etc... 35 Ver o artigo 60, § 5, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969. 36 Resolução 2200A (XXI).
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embora possuam disposições comuns37, os dois pactos tratam da garantia e proteção
internacional dos direitos do homem sob ângulos distintos.
D���2�3DFWR�,QWHUQDFLRQDO�5HODWLYR�DRV�'LUHLWRV�&LYLV�H�3ROtWLFRV�
Os direitos e garantias enunciados no Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e
Políticos não são um mero complemento das liberdades fundamentais proclamadas pela
Declaração. Na realidade, se o Pacto é, por um lado, mais preciso que a Declaração,
chegando mesmo a propor certas inovações como, por exemplo, o disposto nos artigos
10, 11, 24 e 2738, por outro, ele se esquiva da repetição e deixa de proclamar
determinados direitos já enunciados na Declaração. Neste sentido, pode-se citar o
direito à propriedade, o direito ao asilo e o direito a uma nacionalidade.
A efetividade dos direitos e garantias previstos pelo Pacto se equilibra em duas regras
de natureza distinta. Em primeiro lugar, o Pacto, em seu artigo 4, prevê uma cláusula de
derrogação39 e outras de limitação de certos direitos e garantias fundamentais,
permitindo aos Estados sem um poder judiciário forte e independente justificar a não
conformidade com as regras dispostas no Pacto40. Em sentido contrário, a alínea 2 do
artigo 2 obriga os Estados partes do presente Pacto a “ tomar as providências
necessárias” caso haja “ ausência de medidas legislativas ou de outra natureza destinadas
a tornar efetivos os direitos reconhecidos no presente Pacto” . Isto significa que o Pacto
reconhece simultaneamente a adaptação das regras garantidoras dos direitos do homem
à realidade da soberania nacional, impondo, igualmente, de imediato, a obrigação de
respeitar e assegurar os direitos proclamados.
O Pacto também institui um Comitê composto de dezoito membros de reconhecida
competência em matéria de direitos humanos, eleitos pelos Estados membros sem,
37 Segundo o artigo 1º, 1, dos dois pactos; “ todos os povos tem direito a autodeterminação” . Ver também a alínea 2 e a proibição de discriminação em virtude de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento, ou qualquer outra situação; artigo 2, 1, do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos; e o artigo 2, 2, do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. 38 Ver. TRINDADE, A. A. Cançado. $� SURWHomR� LQWHUQDFLRQDO� GRV� GLUHLWRV� KXPDQRV�� IXQGDPHQWRV�MXUtGLFRV�H�LQVWUXPHQWRV�EiVLFRV, Saraiva, 1991, p. 95 e ss. 39 Ver o artigo 4 do presente Pacto, que prevê que: “ Quando situações excepcionais ameacem a existência da Nação e sejam proclamadas oficialmente, os Estados partes no presente Pacto podem adotar [...] medidas que derroguem as obrigações decorrentes do presente Pacto...” . 40 Estas limitações estão espalhadas em diferentes previsões legais. A título de exemplo, pode-se citar o
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contudo, representá-los, agindo, portanto, de forma autônoma e independente41. O
Comitê examina os relatórios apresentados pelos Estados42, estando impedido de
verificar ou investigar a veracidade das alegações. No máximo, poderão ser levantadas
questões aos representantes dos Estados no momento da discussão do relatório. Além da
sistemática dos relatórios, o Pacto também prevê a possibilidade de comunicações
interestatais. Por este mecanismo, um Estado parte pode alegar a violação do Pacto por
um outro Estado parte43. Em caso de reconhecida não aplicação do Pacto, o Comitê
poderá comunicar à Assembléia Geral e aos demais Estados ratificantes da não
execução das obrigações determinadas. O Comitê não possui, contudo, nenhum poder
de coerção44. Isto significa que o sistema proposto pelo Pacto é de frágil poder
coercitivo, representando mais um interesse de conciliação do que propriamente de
decisão45.
E���2�3DFWR�,QWHUQDFLRQDO�5HODWLYR�DRV�'LUHLWRV�(FRQ{PLFRV��6RFLDLV�H�&XOWXUDLV�
O Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais expande o
elenco dos direitos enumerados pela Declaração Universal46 e se distingue do Pacto
Relativo aos Direitos Civis e Políticos por duas razões de natureza complementar:
Inicialmente, pode-se considerar que, “ enquanto o Pacto dos Direitos Civis e Políticos
estabelece direitos endereçados aos indivíduos, o Pacto dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais estabelece deveres endereçados aos Estados” , ou seja, “ enquanto o
primeiro Pacto determina que ‘todos têm o direito a...’ ou ‘ninguém poderá...’, o
segundo Pacto usa a fórmula ‘os Estados-partes reconhecem o direito de cada um
a...’” 47. De fato, enquanto o primeiro possui uma natureza negativa, na medida em que
artigo 18, 3. 41 Comitês análogos foram estabelecidos por outras convenções internacionais de direitos humanos. Ver o Comitê Contra a Tortura (instituído pela Convenção Internacional Contra a Tortura), o Comitê Sobre a Eliminação da Discriminação Racial (instituído pela Convenção Internacional Sobre a Eliminação da Discriminação Racial), etc... 42 Ver artigo 40, 1, do Pacto Relativo aos Direitos Civis e Políticos. 43 ,ELG. 44 Ver artigo 40, 4, do Pacto Relativo aos Direitos Civis e Políticos. 45 O Protocolo Facultativo ao Pacto Relativo aos Direitos Civis e Políticos, adotado separadamente e sob a forma de tratado, complementa as medidas necessárias com o objetivo de assegurar a efetividade do Pacto. 46 O Pacto reconhece basicamente o direito ao trabalho justo e em condições favoráveis, o direito sindical, o direito à seguridade social, o direito à proteção da família, o direito à educação, a participar de uma vida cultural, etc... 47 PIOVESAN, Flávia. 'LUHLWRV� KXPDQRV� H� R� GLUHLWR� FRQVWLWXFLRQDO� LQWHUQDFLRQDO. São Paulo: Max
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impõe aos Estados uma obrigação de não fazer preservando um espaço de liberdades
contra a arbitrariedade estatal e sua intervenção no domínio individual, o segundo
atribui uma autoridade positiva ao conjunto normativo, pois cria, para os Estados partes,
uma obrigações de fazer, executar, implementar e assegurar o pleno exercício e gozo de
uma vida digna48.
A conseqüência direta desta distinção pode ser observada no fato de que, diferentemente
do Pacto Relativo aos Direitos Civis e Políticos, que impõe a obrigação imediata de
respeitar e assegurar os direitos proclamados, o Pacto Internacional Relativo aos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais define – e por vezes dispõe – as diversas
etapas para tornar efetivo os direitos enunciados49. Isto significa que o Pacto Relativo
aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais prevê uma implementação progressiva
segundo os recursos disponíveis aos diferentes Estados partes50. Deste modo, à luz dos
dois Pactos internacionais, os direitos civis e políticos são auto-aplicáveis, ao passo que
os direitos econômicos, sociais e culturais são de natureza programática. A razão é de
simples compreensão. Na realidade, a garantia dos direitos e liberdades de natureza civil
e política requer, na maior parte dos casos, unicamente medidas legislativas e a intenção
de não tolerar práticas consideradas ilegais. De forma contrária, a realização dos direitos
econômicos, sociais e culturais exige um suporte financeiro, justificando a
progressividade de sua realização. Assim como constata A. Kiss e T. Buergenthal:
“ seria pouco realista exigir que todos os Estados dêem eficácia imediata aos direitos
proclamados pelo Pacto, sem levar em conta sua natureza particular e os problemas
específicos de cada um” 51.
Evidentemente, esta analogia não é absoluta. Certos direitos sociais como a proteção
devida a família são de exigibilidade imediata. No sentido inverso, os direitos à
segurança pessoal ou à proteção da vida privada são nitidamente reconhecidos como
direitos programáticos, impondo ao Estado não apenas um dever de abstenção, mas,
igualmente, uma obrigação de vigilância.
Limonad, 2000, p. 175. 48 BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. 2�'LUHLWR� DR� 'HVHQYROYLPHQWR� FRPR�'LUHLWR� +XPDQR, Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, vol. 81, Julho 1995, p. 91-118. 49 Ver, por exemplo, o artigo 7 do Pacto. 50 Ver, por exemplo, o artigo 2, alínea 1, do Pacto. 51 BUERGENTHAL, T. e KISS, A., /D� 3URWHFWLRQ� LQWHUQDWLRQDOH� GHV� GURLWV� GH� O¶KRPPH, Précis, N.P.
12
Por outro lado, o Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais não instituiu um mecanismo especial de controle capaz de receber demandas
dos Estados ou dos indivíduos. Ele previu unicamente a possibilidade de que os Estados
encaminhem um relatório ao Secretário Geral das Nações Unidas, que deverá enviar
uma cópia para ser examinada pelo Conselho Econômico e Social. Todavia, a partir de
março de 1987, criou-se um Comitê independente formado por 18 membros eleitos em
caráter individual e com a finalidade de examinar a implementação do Pacto. Na
prática, contudo, as violações permanecem e se aprofundam. A falta de um sistema
coercitivo e eficaz, bem como a lógica da globalização, na qual a desigualdade é a regra
fundamental, inibem uma maior contribuição do sistema normativo internacional e a
realização das expectativas expressas no Pacto52.
&� �� $V� ,QVWLWXLo}HV� *DUDQWLGRUDV� GD� 3URWHomR� ,QWHUQDFLRQDO� GRV� 'LUHLWRV� GR�+RPHP�QR�ÆPELWR�GDV�1Do}HV�8QLGDV�
Diversas são as instituições criadas com a finalidade de garantir a implementação dos
tratados referentes à proteção de direitos do homem53. O sistema é descentralizado e não
existe uma organização internacional dos direitos do homem gozando de competência
exclusiva. Deste modo, embora a OIT e a Unesco possam desempenhar um importante
papel na promoção deste campo do direito internacional, a ênfase será dada ao sistema
proposto pelas Nações Unidas, ou seja, deve-se analisar o papel desempenhado pela
Assembléia Geral (a), pelo Conselho Econômico e Social (b) e pela Corte Internacional
de Justiça (c) como mecanismos de implementação dos direitos do homem.
D���$�$VVHPEOpLD�*HUDO�
Em princípio, cabe à Assembléia Geral examinar e zelar pelos objetivos da Organização
das Nações Unidas. Esta função de natureza geral permite à Assembléia recorrer ao
Engel, Kehl, 1991, p. 31. 52 Ver CHOSSUDOVSKY, M. $�*OREDOL]DomR�GD�3REUH]D��LPSDFWRV�GDV�UHIRUPDV�GR�)0,�H�GR�%DQFR�0XQGLDO. São Paulo: Moderna, 1999; LE ROY, Pierre. /D�IDLP�GDQV�OH�PRQGH. Le Monde Editions, 1994; PIOVESAN, Flávia. 'LUHLWRV� +XPDQRV�� *OREDOL]DomR� (FRQ{PLFD� H� ,QWHJUDomR� 5HJLRQDO�� 'HVDILRV� GR�'LUHLWR� &RQVWLWXFLRQDO� ,QWHUQDFLRQDO� São Paulo: Max Limonad, 2002; e BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. 2�'LUHLWR�DR�'HVHQYROYLPHQWR�FRPR�'LUHLWRV�+XPDQRV, Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, vol.81, Julho 1995, p. 91-118. 53 Ver por exemplo: Comitê Para Eliminação da Discriminação Racial; Comitê Para Eliminação da Discriminação Contra a Mulher, Comitê Contra a Tortura, Comitê dos Direitos da Criança, etc...
13
artigo 1º, § 3, da Carta das Nações Unidas para justificar sua participação como agente
na realização dos direitos do homem. De fato, já em seu preâmbulo, a Carta proclama
sua confiança nos direitos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana. O
artigo 55 oferece ainda um enquadramento para ação da Assembléia. O artigo 13 da
Carta trata novamente do exercício das liberdades e garantias fundamentais. Os artigos
62, 68 e 76 afirmam e reafirmam o papel da Assembléia no encorajamento e no
favorecimento do respeito universal pelos direitos do homem54.
Visando realizar estes objetivos e sob os auspícios da Conferência Mundial de Direitos
Humanos, a Assembléia Geral criou o posto do Alto Comissariado para os Direitos
Humanos, cuja função será de55:
- Promover e proteger o gozo de todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e
culturais;
- Desempenhar as tarefas designadas pelos órgãos competentes do sistema das Nações
Unidas, formulando recomendações para promoção dos direitos do homem;
- Proporcionar, a pedido dos Estados interessados, serviços de assessoramento e
assistência técnica e financeira;
- Coordenar os programas de informação e educação em direitos humanos;
- Racionalizar, adaptar, fortalecer, simplificar e aumentar a eficiência do mecanismo das
Nações Unidas de proteção dos direitos humanos.
A Assembléia Geral pode ainda criar tanto missões de observação com a intenção de
promover e garantir os direitos do homem, como as missões do Haiti e Guatemala,
quanto órgãos de caráter permanente, como o “ Comitê especial encarregado de
investigar as práticas de Israel no que tange à proteção dos direitos humanos do povo
palestino e outros habitantes árabes dos territórios ocupados” .
E���2�&RQVHOKR�(FRQ{PLFR�H�6RFLDO�
O Conselho é o principal órgão encarregado da coordenação das atividades econômicas
e sociais dentro do sistema das Nações Unidas56. Depende do Conselho uma série de
comissões técnicas encarregadas de temas específicos, como a condição da mulher ou a
54 Ver os artigos 1, 13, 55, 62, 68, 76, da Carta das Nações Unidas. 55 Resolução 48/141, de 20 de dezembro de 1993.
14
prevenção do crime e a justiça penal. O Conselho tutela ainda as cinco comissões
econômicas regionais e diversos Comitês que tratam de assuntos como recursos
naturais, organizações não-governamentais, sociedades transnacionais. No entanto, por
sua importância especial, deve-se enfatizar a Comissão de Direitos Humanos
igualmente criada pelo Conselho.
Integrada por 53 Estados e baseada em uma distribuição geográfica eqüitativa57, a
Comissão de Direitos Humanos pode ser considerada como o principal órgão do sistema
das Nações Unidas nesta matéria. Neste caso, pode-se dizer seguramente que há uma
ampla participação dos Estados membros, uma vez que os diferentes governos
designam seus representantes e estes agem segundo suas instruções. Entretanto, embora
todos os membros possuam direito de voto, cerca de 100 observadores e um grande
numero de organizações governamentais e não-governamentais participam dos debates.
A Comissão possui três objetivos essenciais: primeiramente, cabe a ela elaborar e dirigir
ao Conselho Econômico e Social proposições, recomendações e relatórios acerca da
proteção dos direitos do homem e de toda forma de não discriminação. Neste sentido, a
Comissão estabelece grupos de trabalho de composição aberta com a finalidade de
elaborar novas normas internacionais de direitos humanos. Existem atualmente os
seguintes grupos:
- Grupo de trabalho encarregado do projeto facultativo da Convenção Contra a Tortura;
- Grupo de trabalho encarregado do projeto facultativo da Convenção dos Direitos da
Criança, relativo à venda de crianças, à prostituição infantil e à utilização de crianças na
pornografia;
- Grupo de trabalho encarregado de elaborar projeto de declaração das Nações Unidas
sobre o direito dos povos indígenas58.
A Comissão deverá também prestar assistência ao Conselho no que tange à coordenação
das atividades de proteção dos direitos do homem, dentro do sistema das Nações
Unidas, procurando, deste modo, criar serviços de consulta utilizando especialistas,
promovendo ciclos de estudos, etc... Finalmente, cabe à Comissão exercer diretamente a
56 Ver o artigo 68 da Carta das Nações Unidas. 57 África (15 Estados), Ásia e Pacifico (12 Estados), Europa Oriental (5 Estados), América Latina e Caribe (11 Estados), Europa Ocidental e outros Estados (10 Estados). 58 Deve-se observar ainda que a Assembléia geral adotou recentemente um Protocolo Facultativo à
15
proteção dos direitos do homem mediante o recebimento de testemunho das vítimas ou
de seus familiares.
As funções da Comissão nem sempre tiveram um alcance tão abrangente. Em 1947,
após uma demanda de violação dos direitos do homem, a Comissão decidiu que ela não
tinha competência para agir. A Resolução 75 (V) do Conselho Econômico e Social, de 5
de agosto de 1947, confirmou a decisão da Comissão, classificou as demandas em listas
confidenciais e estabeleceu uma série restrita de critérios de admissibilidade, tornando
inviável o trabalho da mesma59. Posteriormente, a Resolução 72F (XXVIII), adotada
pelo Conselho em 30 de julho de 1959, confirmou a resolução anterior, mas codificou o
procedimento da demanda em caso de violação dos direitos humanos e acolheu
determinadas exceções que serão concretizadas pelas Resoluções 1235 (LXII) de 6 de
junho de 1967 e 1503 (LXVIII) de 27 de maio de 1970. Assim, a alínea 2 da Resolução
1235 autoriza a Comissão a examinar “ as informações referentes às violações de
direitos do homem e liberdades fundamentais...” 60 A alínea 3 da mesma Resolução
confere ainda à Comissão a competência para “ empreender... um estudo aprofundado
das situações que revelam uma constante e sistemática violação dos direitos do
homem... apresentando um relatório e recomendações a este respeito ao Conselho
Econômico e Social” . No que tange à Resolução 1503, esta confere à Comissão a
possibilidade de, após recebimento de uma comunicação a ela dirigida pela
Subcomissão de Luta contra Medidas Discriminatórias e de Proteção das Minorias,
empreender um estudo aprofundado da situação e designar um Comitê Especial
encarregado de fazer uma investigação61.
Deste modo, a Resolução 1503 estabeleceu um procedimento especial e confidencial
para poder examinar as comunicações ou demandas individuais de violações de direitos
humanos quando estas revelam a existência de um quadro flagrante e sistemático de
Convenção sobre a Eliminação de Toda Forma de Discriminação Contra a Mulher. 59 Ver, por exemplo, a necessidade do esgotamento dos recursos internos (ver Resolução 1 (XXIX), alínea 4, b), a necessidade do consentimento do Estado para estabelecimento de um órgão DG� KRF de investigação (ver Resolução 1503, alínea 6, b) e o caráter confidencial dos trabalhos da comissão (ver Resolução 1503, alínea 8). 60 A ênfase é dada ao DSDUWKHLG e à discriminação racial na Rhodésia do Sul. No entanto, a Resolução 1 (XXIV) de 14 de agosto de 1971 estende o papel da Comissão na luta contra a discriminação em qualquer país. Ver o Relatório oficial da 45ª Sessão da Comissão de Direitos do Homem, de 30 de janeiro a 10 de março, E/CN.4/1989/86, p. 249 e ss. 61 Evidentemente, dentro ainda do voluntarismo que marca o direito internacional, esta investigação somente será possível se o Estado em questão consentir. Ver a alínea 6, b, da Resolução 1503.
16
violações em um determinado país. Isto não significa, contudo, que este sistema admita
uma demanda individual. Evidentemente, os indivíduos podem encaminhar demandas à
Comissão62, mas estas devem dizer respeito unicamente às violações flagrantes e
sistemáticas dos direitos do homem e das liberdades fundamentais63. Logo, a Comissão
não tem competência para remediar violações a um indivíduo isoladamente, mas a atos
de natureza geral, ou seja, a violações a uma série de casos individuais que
caracterizaria uma situação geral.
Pode-se resumir o processo criado a partir da Resolução 1503 da seguinte forma: uma
comunicação ou demanda recebida é inicialmente examinada por um grupo de trabalho
da Subcomissão. Este grupo pode decidir encaminhar o caso à Subcomissão que, por
sua vez, poderá encaminhá-lo à Comissão. Caso a Comissão venha a receber a
demanda, esta será inicialmente encaminhada a um outro grupo de trabalho, composto
de cinco membros e denominado Grupo de Trabalho das Comunicações, que a
examinará antes da discussão no seio da Comissão64. Analisada a situação, a Comissão
pode decidir encaminhar uma comunicação ao Conselho Econômico e Social65. A
Comissão poderá também designar um relator especial para fazer um estudo
aprofundado da situação. A conseqüência será que o Conselho Econômico e Social, ou
mesmo a Assembléia Geral, poderá adotar resoluções, sem natureza obrigatória ou
condenatória, convidando os Estados a se conformar com as disposições da Carta das
Nações Unidas e com o respeito aos direitos do homem.
Ocorre que a partir dos anos 80, em situações particularmente delicadas, a Comissão de
Direitos Humanos tem dado preferência à utilização da Resolução 1235 em detrimento
da Resolução 1503. Desta forma, flexibilizou-se o processo já que, segundo a Resolução
1235, os debates são públicos e a investigação não necessita do consentimento do
Estado em questão, não sendo necessário, por conseguinte, o esgotamento dos recursos
internos. Por outro lado, dinamizou-se também o procedimento de avaliação, pois a
Comissão poderá solicitar que a matéria seja colocada na ordem do dia, evitando, assim,
a análise da Subcomissão e o fim do “ estudo aprofundado” . Desta maneira, busca-se
62 Conforme a alínea 2, a, da Resolução 1 (XXIV) de 14 de agosto de 1971, não é mais necessário que o autor da demanda seja ele mesmo a vítima da violação dos direitos do homem de que reclama. 63 O direito de demanda é iniquamente estendido às organizações não-governamentais. 64 De 1972 a 1988 o Grupo de Trabalho das Comunicações recebeu mais 350.000 demandas de violação dos direitos do homem. 65 Ver, por exemplo, a situação do Haiti segundo o Relatório da 40ª Sessão da Comissão de Direitos do
17
responder a situações de grave violação dos direitos humanos de forma mais
simplificada e em um período de tempo mais curto.
O procedimento proposto pela Resolução 1235 compreende dois tipos de mecanismos
de proteção:
- Mecanismos geográficos: a Comissão de Direitos Humanos estabelece mandatos para
investigar as violações de direitos humanos em determinados países. Os responsáveis
pelos mandatos geográficos podem responder como “ relatores especiais” ,
“ representantes da Comissão” , “ representantes do Secretário Geral” , ou “ enviados
especiais” . Todas estas denominações procuram melhorar a imagem do investigador
junto ao Estado investigado. Atualmente existem mandatos específicos para os
seguintes países: Afeganistão, Iraque, Myanmar, ex-Iugoslávia, Guiné Equatorial,
República Democrática do Congo, Burundi, Nigéria, Irã, Ruanda, Camboja, Somália,
Haiti, e territórios palestinos ocupados por Israel.
- Mecanismos temáticos: procuram investigar os fenômenos de violação dos direitos do
homem em qualquer parte do planeta. Classificam-se por temas de forma unipessoal ou
através de uma missão composta por diversos representantes e relatores.
Atualmente, podem-se identificar os seguintes mandatos temáticos unipessoais: tortura,
execuções sumárias, intolerância religiosa, emprego de mercenários, venda de crianças,
prostituição infantil, utilização de crianças na pornografia, direito à liberdade de opinião
e expressão, formas contemporâneas de racismo, independência de magistrados e
advogados, violência contra a mulher, efeitos nocivos do tráfico de drogas,
conseqüências da dívida externa, direito à educação, políticas de ajuste estrutural,
pobreza extrema, indenização e reabilitação das vítimas de violações aos direitos
humanos, direito ao desenvolvimento, e refugiados internos.
Os mandatos temáticos da Comissão formada por grupos de trabalho são, na atualidade,
os seguintes: desaparecimento forçado ou involuntário, detenção arbitrária, direitos
humanos da população migrante, estabelecimento de um foro permanente para as
populações indígenas, e direito ao desenvolvimento.
Homem, de 6 de fevereiro a 16 de março de 1984. E/CN.4/1984/77, p. 16-106.
18
O trabalho das missões de investigação em um determinado país deve também possuir
certas garantias e facilidades, tais como:
- Liberdade de movimento em todo o país;
- Liberdade para investigar, tais como: acesso a todas as prisões e centros de detenção e
de interrogatório; contato com as autoridades locais, com os representantes das
organizações não governamentais, instituições privadas e meios de comunicação;
contatos confidenciais com testemunhas e outros particulares; e pleno acesso a toda
documentação;
- Confirmação por parte do governo de que nenhuma pessoa que tenha tido contato com
o mandatário será objeto de ameaça, castigo, ou processo judicial;
- Concessão das mesmas garantias ao pessoal das Nações Unidas que dão assistência ao
mandatário.
F���$�&RUWH�,QWHUQDFLRQDO�GH�-XVWLoD�
Composta de 15 magistrados independentes e eleitos pela Assembléia Geral e pelo
Conselho de Segurança pelo período de 9 anos com a possibilidade de reeleição, a Corte
Internacional de Justiça desempenha um papel importante na solução jurisdicional de
controvérsias internacionais em matéria de direitos humanos66. Competente para julgar
segundo o direito internacional, conforme o disposto no artigo 38 de seu Estatuto, a
Corte oferece uma possibilidade jurisdicional de solução de controvérsias
internacionais. De fato, muitos tratados internacionais de direitos humanos contêm
disposições que outorgam competência à Corte para que esta possa se pronunciar em
caso de controvérsia entre dois ou mais Estados no que tange à interpretação ou
aplicação de disposições das referidas convenções de direitos humanos67. Na realidade,
embora apenas os Estados possam ser partes no contencioso da Corte68, esta trata,
66 Ver. BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. $� $XWRULGDGH� GD� &RLVD� -XOJDGD� QR� 'LUHLWR� ,QWHUQDFLRQDO�3~EOLFR, Forense, Rio de Janeiro, 2002, p. 510. 67 Pode-se citar, como exemplo: a Convenção Para a Prevenção e Sanção do Delito de Genocídio; a Convenção Sobre o Estatuto dos Refugiados; a Convenção Contra a Tortura; a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher; e a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Em contrapartida, nenhum dos dois Pactos prevê um procedimento jurisdicional para solução de controvérsias entre dois Estados partes nos Pactos. Ver VILLAN DURAN, Carlos. &XUVR�GH�'HUHFKR�,QWHUQDFLRQDO�GH�ORV�'HUHFKRV�+XPDQRV. Strasbourg: I.I.D.H., 1996, p. 277-286. 68 O caráter exclusivamente interestatal do contencioso da Corte não tem, definitivamente, mostrado-se satisfatório. Em inúmeros casos, a presença do indivíduo interessado teria facilitado o trabalho da corte
19
igualmente, de questões relativas à proteção dos direitos humanos mediante exercício da
proteção diplomática e está, também, habilitada a conceder pareceres consultivos sobre
qualquer questão de natureza jurídica a pedido da Assembléia Geral, do Conselho de
Segurança ou de outros órgãos das Nações Unidas69.
Em diversas oportunidades a CIJ se pronunciou sobre questões relativas à proteção dos
direitos do homem. Assim, interpretando o conteúdo do artigo 53 da Convenção de
Viena que trata das regras de -XV� FRJHQV�� a Corte, no caso� %DUFHORQD� 7UDFWLRQ� distinguiu as obrigações puramente bilaterais das obrigações HUJD�RPQHV. Neste sentido,
a Corte afirma que: “ Uma distinção essencial deve ser estabelecida entre as obrigações
dos Estados YLV� j� YLV da Comunidade internacional e as que nascem YLV�j� YLV de um
outro Estado no seio da proteção diplomática. Por sua própria natureza, as primeiras
dizem respeito a todos os Estados. Visto a importância dos direitos protegidos, todos os
Estados podem ser considerados como possuindo um interesse jurídico no sentido de ter
estes direitos protegidos; estas obrigações são de natureza HUJD�RPQHV� Estas obrigações
aparecem no direito internacional contemporaneo na ilegalidade dos atos de agressão e
de genocídio, mas também nos princípios e regras concernentes aos direitos
fundamentais da pessoa humana, compreendendo a proteção contra a prática do trabalho
escravo e a discriminação racial”���
.
Em um de seus casos contenciosos – $WLYLGDGHV�0LOLWDUHV�H�3DUDPLOLWDUHV�QD�H�FRQWUD�D�1LFDUiJXD (Estados Unidos c. Nicarágua) – a Corte teve a oportunidade de se
manifestar contra a ilicitude, de acordo com as regras de direito internacional, do uso da
força unilateral por parte de um Estado (no presente caso, os estados Unidos) contra
outro (Nicarágua), utilizando como pretexto a proteção dos direitos humanos. Neste
sentido, a Corte afirma que: “ De qualquer forma, se os Estados Unidos podem
certamente ter sua própria apreciação sobre a situação dos direitos humanos na
(como exemplo, &DVR�GR�'LUHLWR�GH�$VLOR��&DVR�+D\D�GH� OD�7RUUH��&DVR�$PEDWLHORV��&DVR�1RWWHERKP��&DVR�GR�&RUSR�'LSORPiWLFR�H�&RQVXODU�GRV�(VWDGRV�8QLGRV�HP�7HHUm��&DVR�GDV�$WLYLGDGHV�0LOLWDUHV�H�3DUDPLOLWDUHV�QD�H�FRQWUD�D�1LFDUiJXD��H�&DVR�5HODWLYR�j�$SOLFDomR�GD�&RQYHQomR�FRQWUD�*HQRFtGLR). Vários autores criticam esta posição adotada pela Corte; ver JENNINGS, R. “ The International Court of Justice After Fifty Years” . In $PHULFDQ� -RXUQDO� RI� ,QWHUQDWLRQDO� /DZ, 1995; e ROSENNE, S. “ Reflections on the Position of the Individual in Inter-State Litigation in the International Court of Justice” . ,QWHUQDWLRQDO�$UELWUDWLRQ�/tEHU�$PHULFRUXP�IRU�0DUWLQ�'RPNH (ed. P. Sanders). Haia: Nijhoff, 1967. 69 Na opinião consultiva da Corte no &DVR�'XPLWUX�0D]LOX, ela responde à questão de saber se poderia ser aplicado o artigo VI da Convenção Sobre Imunidades e Privilégios ao membro da Subcomissão de Direitos Humanos.
20
Nicarágua, o uso da força não pode ser o método apropriado para verificar e assegurar o
respeito de tais direitos. Quanto às medidas que de fato tomou, a proteção dos direitos
humanos, visto seu caráter estritamente humanitário, não é de forma alguma compatível
com a destruição de portos, de instalações petrolíferas, ou com o treinamento,
armamento e equipamento dos ‘contra’ . A Corte conclui que o motivo baseado na
preservação dos direitos humanos na Nicarágua não pode justificar juridicamente a
conduta dos Estados Unidos, e que não se harmoniza, em qualquer caso, com a
estratégia judicial do Estado demandado fundada no direito à legítima defesa
coletiva” 71.
No caso relativo ao 3HVVRDO�'LSORPiWLFR�H�&RQVXODU�GRV�(8$�HP�7HHUm, a Corte tratou
da prisão arbitrária e enunciou que “ o fato de privar os seres humanos abusivamente de
sua liberdade e de lhes submeter a situações constrangedoras e a uma prisão física é
manifestadamente incompatível com os princípios da Carta das Nações Unidas e com os
direitos fundamentais enunciados na Declaração fundamental dos direitos do homem” 72.
,,,���2�6LVWHPD�5HJLRQDO�GH�3URWHomR�GRV�'LUHLWRV�+XPDQRV�
Pode-se distinguir três sistemas regionais de proteção dos direitos humanos: o sistema
interamericano, o sistema europeu e o sistema africano. Porém, será analisado no
presente trabalho o sistema interamericano, vez que estamos neste inseridos.73
O ideal de criar instrumentos internacionais de proteção dos direitos do homem no
âmbito interamericano é anterior ao sistema atual, baseado na Convenção Americana de
Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Ele tem início em 1948, com o
70 CIJ, 5HF. 1970, p. 32. 71 CIJ, 5HF. 1986, § 268. 72 CIJ, 5HF. 1980, p. 42. 73 Sobre o sistema europeu, ver SUDRE, F. /D� &RQYHQWLRQ� HXURSpHQQH� GHV� GURLWV� GH� O¶KRPPH. Paris: PUF, 1990; BERGER, V. -XULVSUXGHQFH� GH� OD� &RXU� HXURSpHQQH� GHV� GURLWV� GH� O¶KRPPH. Paris: Sirey, 1989; e MATSCHER, F. e PETZOLD, H. 3URWHFWLQJ�+XPDQ�5LJKWV��WKH�(XURSHDQ�'LPHQWLRQ��6WXGLHV�LQ�+RQRXU�RI�*pUDUG�:LDUGD. Köln: Heymanns, 1988. Sobre o sistema africano, ver KODJO, E. /D�&KDUWH�DIULFDLQH� GHV� GURLWV� GH� O¶KRPPH� HW� GHV� SHXSOHV. Revue universelle des droits de l’ homme, vol 1, 1989; GUENNOUNI. /¶28$�HW�OHV�GURLWV�GH�O¶KRPPH. Casablanca: Université Hassan II, 1985; e M’ BAYE, K. ,QWURGXFWLRQ� WR�WKH�$IULFDQ�&KDUWHU�RQ�+XPDQ�5LJKWV�DQG�3HRSOHV¶�5LJKWV. In International Commission of Juristes, “ Human and Peoples’ Rights in Africa and the Africa Charter” , 1985.
21
estabelecimento da Organização dos Estados Americanos (OEA)74. A Carta de Bogotá,
que cria a OEA, incluiu o respeito e a garantia dos direitos humanos entre seus
princípios básicos, estabelecendo que a solidariedade humana só é possível dentro de
“ um regime de liberdade individual e justiça social, fundado no respeito dos direitos
fundamentais do homem” 75. Em seu artigo 3, l, faz referência direta a estes direitos: “ Os
Estados Americanos proclamam direitos fundamentais da pessoa humana, sem fazer
distinção de raça, nacionalidade, credo ou sexo.”
A Carta da OEA define, em seus artigos 106 e 145, o marco geral de proteção dos
direitos humanos, referindo-se a três elementos. O primeiro, base dos outros, é a
proclamação do respeito aos direitos humanos entre os objetivos e o âmbito de atuação
da Organização. O segundo é a determinação de implantar um regime de promoção e
proteção destes direitos através de uma Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
O terceiro, a adoção de um mecanismo transitório, a cargo da Comissão76, com o
objetivo de zelar pelo respeito a estes direitos enquanto a Convenção não entrar em
vigor, ou mesmo depois, de zelar pelo respeito dos Estados membros da OEA que não
forem partes nesta.
Na mesma Conferência que redigiu a Carta de Bogotá foi aprovada a Declaração
Americana dos Direitos Humanos77. A Declaração, que teve o caráter de
“ recomendação” , carecendo de força obrigatória formal, contém uma lista de 27 direitos
e dez deveres, compreendendo tanto direitos civis e políticos quanto econômicos,
sociais e culturais. Dessa forma, incluem-se o direito à vida, à liberdade, integridade da
pessoa humana, igualdade perante a lei, proteção à honra, reputação e vida privada e
familiar, à inviolabilidade de domicílio e de correspondência, à nacionalidade, à
proteção da maternidade e da infância, à saúde, e à liberdade de culto, opinião, reunião,
residência e trânsito. Também se reconhecem os direitos à educação, ao trabalho, a uma
justa distribuição de renda, ao descanso, à propriedade, ao voto, à participação no
governo e à seguridade social. A Declaração ampara igualmente direitos judiciais, como
74 A Organização dos Estados Americanos foi criada em 1948, pela Carta de Bogotá, adotada originalmente na IX Conferência Internacional Americana. A Carta entrou em vigor em 1951 e foi emendada pelo Protocolo de Buenos Aires de 1967, pelo Protocolo de Cartagena de Índias (Colômbia) de 1985, pelo Protocolo de Washington de 1992 e, finalmente, pelo Protocolo de Manágua de 1993. 75 Preâmbulo da Carta de Bogotá. 76 A Comissão Interamericana de Direitos Humanos será posteriormente analisada. 77 Resolução XXX, de 2 de maio de 1948, portanto, seis meses antes da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
22
o direito ao devido processo legal, a não ser detido arbitrariamente, o direito de petição
e de asilo. Dentre os deveres, estão aqueles que se têm perante a sociedade, a criança e o
país, aí incluídos o de votar, trabalhar, dar educação aos filhos, pagar impostos e
obedecer a lei. Também são proclamados deveres de assistência, como servir à
comunidade e à nação e abster-se de atividades políticas em país estrangeiro.
Em 1965 é realizada a II Conferência Interamericana Extraordinária (Rio de Janeiro). A
Comissão de Direitos Humanos, criada pela Declaração de 1948, tem seus poderes
ampliados e é solicitada a prestar “ particular atenção à observância dos direitos
humanos mencionados nos artigos I, IV, XVIII, XXV e XXVI78 da Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem” 79. A própria Comissão reconheceu sua
falta de atenção em relação a estes direitos, ao dizer que “ se concentrou, desde o início
de suas atividades, nos direitos civis e políticos” , na esperança de que “ uma ordem
política de democracia representativa, por sua própria natureza, deveria traduzir-se em
melhoras substantivas na qualidade de vida da grande maioria, senão da totalidade, da
população” . Entretanto, a experiência demonstrou “ que não existe esta relação
automática e necessária” 80.
Nesta mesma Conferência se considerou o projeto de preparação de uma convenção
americana de direitos humanos. A questão foi remetida ao Conselho da OEA, que
convocou a Conferência Interamericana Especializada, em San José, Costa Rica, entre 7
e 22 de novembro de 1969, na qual se adotou o texto da Convenção Americana de
Direitos Humanos.81 A partir deste momento, surge uma questão: como definir a
situação dos Estados membros da OEA que não forem partes na Convenção? A
Assembléia Geral da OEA decidiu que, para estes Estados, continuaria a aplicação do
sistema vigente, baseado na Resolução XXII da Conferência do Rio de 1965.82
Dessa forma, percebe-se um sistema duplo de proteção dos direitos do homem nas
78 Tais artigos proclamam, respectivamente, o direito à vida; à liberdade; à segurança e integridade da pessoa humana; o direito de liberdade de opinião e expressão; o direito de justiça; de proteção contra prisão arbitrária; e o direito a um devido processo legal. 79 Resolução XXII da Conferência Interamericana Extraordinária. 80 Informe Anual da C.I.D.H., 1983-1984 (OEA/Ser V/II. 63 doc. 10, 28 de setembro de 1984), p. 137. 81 A Convenção, também denominada Pacto de San José, foi aprovada pela Resolução II da Conferência; aberta a assinatura em 22 de novembro de 1969, entrou em vigor em 18 de julho de 1978. 82 Artigo 20 do Estatuto da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, aprovado pela Resolução 447 adotada pela Assembléia Geral da OEA em seu nono período ordinário de sessões, celebrado em La Paz, Bolívia, outubro de 1979.
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Américas: de um lado, o sistema geral, baseado na Carta da Organização e na
Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, cujo órgão de salvaguarda é a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos; de outro, o sistema mais exigente
emanado da Convenção Americana de Direitos Humanos, obrigatória somente às partes
do tratado, cujo sistema de proteção compreende a mesma Comissão e a Corte
Interamericana de Direitos Humanos. Entretanto, segundo Buergenthal: “ A pesar de esa
dualidad, la vocación del sistema hacia la unidad es manifesta. Primero, porque el
artículo 150 de la Carta y la Resolución II de la Conferencia Especializada que adoptó
la Convención, establecieron el caráter transitorio del sistema anterior a la entrada en
vigencia de ésta. Segundo, porque existe un órgano común a ambos sistemas, que es la
Comisión. Tercero, porque la Comisión há reglamentado los procedimientos para el
trámite de los asuntos que se propongan ante ella con una orientación claramente
unificadora, de manera que se somete a reglas comunes varias etapas procesales con
prescindencia de que se esté aplicando uno u otro sistema.” 83
Devido a este fato, a análise que se segue dará ênfase ao sistema baseado na Convenção
Americana de Direitos Humanos (A), mesmo porque ele abarca e completa o sistema da
Carta, confirmando as funções da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (B) e
instituindo um órgão jurisdicional competente para julgar as violações a estes direitos –
a Corte Interamericana de Direitos Humanos (C).
$���$�&RQYHQomR�$PHULFDQD�GH�'LUHLWRV�+XPDQRV�
Ao contrário da Declaração, a Convenção Americana de Direitos Humanos é um tratado
que constitui uma fonte de obrigações internacionais para os Estados Partes; por sua
própria natureza, a Convenção impõe deveres que vinculam juridicamente aqueles que a
ratificaram. Portanto, a questão que se coloca é saber qual o alcance destas obrigações.
Trata-se de estabelecer se a obrigação imposta aos Estados de assegurar o pleno
exercício e gozo dos direitos do homem dentro de seu território é imediatamente
exigível, de modo que qualquer atitude contrária a estas obrigações seria uma violação
do tratado, ou se, pelo contrário, a Convenção estabelece um sistema de medidas
progressivas, de forma que os Estados as realizem na medida em que suas condições
83 BUERGENTHAL, T., GROSSMAN, C. e NIKKEN, P. 0DQXDO�,QWHUQDFLRQDO�GH�'HUHFKRV�+XPDQRV. Caracas/San José: I.I.D.H./Editorial Jurídica Venezoelana, 1990, p. 79.
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internas permitirem84. No primeiro caso, qualquer atitude que não resultasse na proteção
efetiva destes direitos significaria uma violação da Convenção. No segundo, a questão é
um pouco mais complexa, já que a violação dos direitos protegidos não importaria
automaticamente uma infração da Convenção, vez que seria necessário estabelecer se a
conduta do Estado se distanciou de certos padrões e que, mesmo tendo meios
disponíveis para promover a real proteção destes direitos, não tomou as medidas
corretas.85
O problema surge pela orientação aparentemente distinta entre os artigos 1º, §186, e o
artigo 287 da Convenção. Uma leitura isolada do artigo 2 poderia levar a pensar que os
Estados Partes somente se obrigariam a adotar, de conformidade com seu direito
interno, “ medidas legislativas ou de outra natureza” para a proteção dos direitos
previstos. Tal interpretação é inconcebível, já que o próprio preâmbulo da Convenção
determina que seu objetivo é estabelecer um “ regime de proteção internacional (...)
complementar ao oferecido pelo direito interno dos Estados americanos.” 88 É
precisamente a insuficiência dos recursos internos o que explica e justifica a
salvaguarda internacional. De acordo com a Corte Interamericana, o artigo 2, lido à luz
do artigo 1º, somente “ recoge una regla básica del derecho internacional, según la cual
todo Estado Parte en un tratado tiene el deber jurídico de adoptar las medidas necesarias
para cumplir con sus obligaciones conforme el tratado, sean dichas medidas legislativas
o de otra índole” .89
84 A resposta a esta questão é determinante para estabelecer o valor e a utilidade do sistema de proteção presente na Convenção. Se este tratado fosse meramente programático, vários seriam os argumentos para justificar violações a estes direitos. Ao contrário, se as obrigações decorrentes da Convenção são imediatamente exigíveis, a simples violação destes direitos constituiria uma infração de direito internacional. 85 Ver NIKKEN, Pedro. “ Los derechos humanos en el sistema regional americano” . ,Q� &XUVR�,QWHUGLVFLSOLQDULR�HQ�'HUHFKRV�+XPDQRV��0DQXDO�GH�&RQIHUHQFLDV. San José: I.I.D.H., 1990, p. 66-71. 86 Artigo 1º: “ Obrigação de respeitar os direitos. §1. Os Estados Membros nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.” 87 Artigo 2: “ Dever de adotar disposições de direito interno. Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1º ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados Membros comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.” 88 A própria Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados determina, em seu artigo 31, que “ um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade.” 89 Corte I.D.H., ([LJLELOLGDG�GHO�GHUHFKR�GH�UHFWLILFDFLyQ�R�UHVSXHVWD �DUWV������������\���GH�OD�&RQYHQFLyQ�$PHULFDQD�VREUH�'HUHFKRV�+XPDQRV�. Opinião Consultiva OC-7/86 de 29 de agosto de 1986, série A, nº
25
Entretanto, tal conclusão não exclui o fato de que certos direitos apareçam concebidos
para se realizarem progressivamente e que, de certa forma, não sejam exigíveis de
imediato.90 Contudo, mesmo nestes casos, o poder público não pode agir de forma a
evitar sua realização, pois “ nenhuma disposição da Convenção pode ser interpretada no
sentido de permitir a qualquer dos Estados Partes suprimir o gozo ou exercício dos
direitos e liberdades reconhecidos nesta Convenção, ou limitá-los em maior medida do
que a nela prevista” .91
A Convenção garante amplamente os principais direitos civis e políticos. Estão
compreendidos os direitos à vida92; à integridade pessoal; à liberdade pessoal; às
garantias judiciais93; a proibição da escravidão e da servidão; a não ser punido por regra
posterior ao fato (princípio da retroatividade); à indenização por erro judicial; proteção
da honra e da dignidade; liberdade de consciência e religião; liberdade de pensamento e
expressão94; direito de retificação ou resposta; de reunião; liberdade de associação;
proteção da família; a um nome; proteção da criança; à nacionalidade; à propriedade
privada; liberdade de circulação e residência; direitos políticos95; igualdade perante a
lei; e proteção judicial dos direitos humanos.
7, § 30. 90 Como exemplo, podemos citar os direitos econômicos, sociais e culturais. De acordo com o artigo 26 da Convenção: “ Os Estados Membros comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de FRQVHJXLU SURJUHVVLYDPHQWH a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, QD�PHGLGD�GRV�UHFXUVRV�GLVSRQtYHLV, por via legislativa ou por outros meios apropriados.” (grifo nosso). 91 Artigo 29, a, da Convenção. 92 É interessante ressaltar que a Convenção Americana de Direitos Humanos trata de determinados assuntos em relação ao direito à vida – dois, em particular – que outras convenções similares não fazem. Em primeiro lugar, a Convenção dispõe que a proteção à vida começa, em geral, “ desde o momento da concepção” (artigo 4, §1º), expressão cujo alcance ainda está por ser determinado. Segundo, a Convenção, de certa forma, regula a pena de morte, impondo restrições não existentes em outros tratados, ainda que não a proíba efetivamente (artigo 4, §§ 2, 3, 4, 5 e 6). Sobre a pena de morte, ver Corte I.D.H., 5HVWULFFLRQHV� D� OD� SHQD� GH� PXHUWH� �DUWV�� ���� \� ���� GH� OD� &RQYHQFLyQ� ,QWHUDPHULFDQD� VREUH� 'HUHFKRV�+XPDQRV�, Opinião Consultiva OC-3/83 de 8 de setembro de 1983, séries A e B, nº 3. 93 As garantias judiciais estão dispostas no artigo 8 da Convenção, dentre as quais se destacam: direito ao devido processo legal, presunção de inocência, publicidade do processo penal, duplo grau de jurisdição, e assistência judicial. 94 Ver Corte I.D.H., /D� FROHJLDFLyQ� REOLJDWRULD� GH� SHULRGLVWDV� �DUWV�� ��� \� ��� GH� OD� &RQYHQFLyQ�,QWHUDPHULFDQD� VREUH� 'HUHFKRV� +XPDQRV�. Opinião Consultiva OC-5/85 de 13 de novembro de 1985, série A, nº 5. 95 Os direitos políticos estão dispostos no artigo 23 da Convenção. São eles: participar na direção dos assuntos públicos; votar e ser eleitos por sufrágio universal e secreto; e de ter acesso às funções públicas em condição de igualdade.
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Os direitos econômicos, sociais e culturais estão previstos de forma muito geral pelo
artigo 26. Os Estados se comprometem a adotar medidas com o objetivo de
implementar os “ direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre
educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados
Americanos” . O Protocolo de San Salvador96 proclamou e precisou o conteúdo destes
direitos, compreendendo o direito ao trabalho; à associação sindical; à seguridade
social; a condições eqüitativas de trabalho; a um meio ambiente sadio; à cultura; à
constituição e proteção da família; e a proteção à criança, idosos e minorias.
A Convenção traz igualmente algumas limitações aos direitos protegidos. Inicialmente,
o artigo 32, §2, contém uma cláusula geral que dispõe que “ os direitos de cada pessoa
são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas
exigências do bem comum97, em uma sociedade democrática.” Ademais, em casos de
emergência, os governos estão autorizados a suspender certas garantias. O artigo 27 da
Convenção contempla este fato em caso de guerra, de perigo público ou ameaça à
independência ou segurança do Estado Parte, pelo período necessário a resolver esta
situação excepcional e com o dever de informar imediatamente aos demais Estados
Partes.98 Sobre a suspensão de garantias, a Corte Interamericana já teve a oportunidade
de enfatizar que se trata de uma medida totalmente excepcional, somente justificada
porque “ puede ser en algunas hipótesis el único medio para atender a situaciones de
emergencia pública y preservar los valores superiores de la sociedad democrática” 99.
Entretanto, também afirmou que tal suspensão de garantias não pode se desvincular do
exercício efetivo da democracia representativa a que faz referência o artigo 3 da Carta
da OEA.
96 Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado em 17 de novembro de 1988 pela Assembléia Geral da OEA. 97 Em relação ao bem comum, a Corte se pronunciou ao dizer que esta noção não pode ser invocada como “ meio para suprimir um direito garantido pela Convenção” , devendo-se levar em conta “ o equilíbrio entre os distintos interesses em jogo e a necessidade de preservar o objeto e finalidade da Convenção.” Cf. Corte I.D.H., /D�FROHJLDFLyQ�REOLJDWyULD�GH�SHULRGLVWDV� �DUWV�����\����GH�OD�&RQYHQFLyQ�,QWHUDPHULFDQD�VREUH�'HUHFKRV�+XPDQRV�. Opinião Consultiva OC-5/85 de 13 de novembro de 1985, série A, nº 5, § 67. 98 Sobre o tema, FAÚNDEZ, H. /D�SURWHFFLyQ�GH�ORV�GHUHFKRV�KXPDQRV�HQ�VLWXDFLRQHV�GH�HPHUJHQFLD. In “ Contemporary Issues in International Law” (Essays in Honor of Louis B. Sohn), T. Buergenthal (org.), Kehl/Strasbourg/Arlington: Engel Editor, 1984, p. 101-126; SEPÚLVEDA, C. /RV�GHUHFKRV�KXPDQRV� \�HO� 'HUHFKR� ,QWHUQDFLRQDO� +XPDQLWDULR� DQWH� OD� VXEYHUVLyQ� HQ� $PpULFD� /DWLQD. Boletín Mexicano de Derecho Comparado, nueva seris, nº 49, enero-abril 1984, p. 141-152; e GROSSMAN, C. $�)UDPHZRUN�IRU�WKH�([DPLQDWLRQ�RI�6WDWHV�RI�(PHUJHQF\�8QGHU�WKH�$PHULFDQ�&RQYHQWLRQ�RQ�+XPDQ�5LJKWV. American University Journal of International Law & Pol., p. 35 e ss. 99 Corte I.D.H., (O�KiEHDV�FRUSXV�EDMR�VXVSHQVLyQ�GH�JDUDQWtDV��DUWV�������������\�����GH�OD�&RQYHQFLyQ�$PHULFDQD�VREUH�'HUHFKRV�+XPDQRV�� Opinião Consultiva OC-8/87 de 30 de janeiro de 1987, série A, nº 8, § 20.
27
%���$�&RPLVVmR�,QWHUDPHULFDQD�GH�'LUHLWRV�+XPDQRV�
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi criada em 1959 pela V Reunião
Consultiva de Ministros de Relações Exteriores, antes mesmo da criação da
Convenção.100 Como a Carta da OEA de 1948 não havia previsto esta instituição, ela foi
considerada como uma unidade autônoma da Organização. Ao mesmo tempo, foi
demandado ao Conselho Interamericano de Juristas a preparação de um projeto de
convenção sobre direitos humanos, reconhecendo a necessidade de adoção de um
tratado que estabelecesse as condições de funcionamento de um regime regional de
proteção dos direitos do homem. Dessa forma, a Comissão constituiria uma solução
transitória até a entrada em vigor da Convenção. Entretanto, como tal fato só ocorreu 20
anos mais tarde101, a prática da Comissão, com base na OEA, transformou-se em um
ativo regime de proteção. O mesmo Conselho foi encarregado de elaborar o Estatuto da
Comissão, aprovado em suas sessões de 25 de maio e 18 de junho de 1960.
Apesar da duplicidade de base legal da Comissão – Carta da OEA e Pacto de San José –
, sua composição e organização atuais são objeto de um regime unitário, disposto em
seu Estatuto e em seu Regulamento102. Sediada em Washington103, é integrada por 7
membros104 eleitos a título pessoal sem representar um governo determinado, com
mandato de 4 anos, com a possibilidade de reeleição uma única vez.
Inicialmente, a Comissão só tinha competência para a promoção dos direitos do homem,
através da preparação de estudos e relatórios e de fazer recomendações aos governos
dos Estados tendo em vista a adoção de medidas progressivas favorecendo os direitos
humanos no quadro de sua legislação interna. Atualmente, ela possui igualmente
competência para a efetiva proteção dos direitos humanos, realizada através do
100 A Convenção foi criada 10 anos mais tarde, em 1969. 101 A Convenção entrou em vigor em 18 de julho de 1978, nos termos de seu artigo 74, 2, que dispõe que “ esta Convenção entrará em vigor logo que onze Estados houverem depositado os seus respectivos instrumentos de ratificação ou de adesão (...)” . 102 O Regulamento foi feito pela própria Comissão. A última versão foi adotada em 24 de novembro de 2000, entrando em vigor em 01 de junho de 2001. 103 Dispõe o artigo 16 do Estatuto da Comissão que esta pode reunir-se em qualquer outro Estado Parte, com a anuência ou o convite do respectivo governo. 104 Os membros devem ser pessoas de alta autoridade moral e reconhecida competência em matéria de direitos humanos (artigo 2, 1, do Estatuto).
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conhecimento de petições individuais e das comunicações interestatais105 que
contenham denúncia de violação a direitos consagrados pela Convenção106.
Dentre suas funções de promoção encontram-se: estimular a consciência dos direitos
humanos nos povos da América; formular recomendações aos governos dos Estados no
sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos direitos humanos, no âmbito
de sua legislação, de seus preceitos constitucionais e de seus compromissos
internacionais, bem como disposições apropriadas para promover o respeito a esses
direitos; preparar os estudos ou relatórios que considerar convenientes para o
desempenho de suas funções; solicitar aos governos dos Estados que lhe proporcionem
informações sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos humanos; e atender
às consultas que, por meio da Secretaria Geral da Organização, lhe formularem os
Estados membros sobre questões relacionadas com os direitos humanos e, dentro de
suas possibilidades, prestar assessoramento que eles lhe solicitarem.107
Em relação à suas funções de proteção, destacam-se o exame de casos ou situações de
violação dos direitos humanos; as observações LQ� ORFR; e a atuação perante a Corte
Interamericana.
Com base nas disposições da Convenção (artigo 44) e de seu Estatuto (artigos 19, a, e
20), a Comissão dispõe de competência para receber e tramitar as petições108 que lhe
forem dirigidas por qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidades não
governamentais legalmente reconhecidas em algum Estado americano, referentes a
possíveis violações de direitos humanos reconhecidos na Convenção ou na
Declaração.109 Trata-se, portanto, de uma função a ser exercida perante todos os
membros da OEA, partes ou não na Convenção. Contudo, esta competência da
Comissão não se esgota nas comunicações individuais, já que ela mesma pode iniciar
um processo quando, a partir de uma informação disponível, estabeleça que se reuniram
105 Artigos 44 e 45 da Convenção Americana de Direitos Humanos. 106 O artigo 51 de seu Regulamento dispõe que ela também possui competência para examinar petição que contenha denúncia sobre violação de direitos consagrados na Declaração Americana de Direitos Humanos, em relação aos estados membros da OEA que não sejam partes na Convenção. 107 Artigo 18, a, b, c, d, e, do Estatuto da Comissão, aprovado pela Assembléia Geral da OEA em sua resolução AG/RES. 447 (IX-O/79), em outubro de 1979. 108 O artigo 46 da Convenção estipula as condições de admissibilidade das petições e comunicações. 109 De acordo com o artigo 26, 1, de seu Regulamento: “ A Secretaria Executiva da Comissão será responsável pelo estudo e pela tramitação inicial das petições que forem apresentadas à Comissão e que preencham os requisitos estabelecidos no Estatuto e no artigo 28 deste Regulamento.”
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as condições necessárias para tal fim.110 Trata-se, dessa forma, de verdadeira
competência H[� RIILFLR para iniciar procedimentos.111 A Comissão pode igualmente
conhecer denúncias de um Estado parte contra outro, desde que ambos tenham
previamente reconhecido sua competência para tal.112
A Comissão tem a faculdade de “ fazer observações LQ� ORFR em um Estado, com a
anuência ou a convite do Governo respectivo” 113. Na prática, porém, estas observações
não se vinculam com o exame de um caso determinado; elas servem para fazer uma
avaliação geral da situação dos direitos humanos em um país. A presença da Comissão
em um Estado pode ser resultado de um volume de denúncias individuais recebidas,
para verificar fatos previamente denunciados ou para receber novas comunicações114.
Desde sua instalação, a Comissão realizou intensa atividade neste âmbito115, sendo a
primeira observação realizada na República Dominicana, em 1961116.
As visitas LQ� ORFR são normalmente acordadas através de uma troca de notas ou
telegramas entre a Comissão e o governo envolvido. A regra geral é que a Comissão
requeira a autorização para a visita, mas existem casos em que o próprio governo toma a
iniciativa de convidar a Comissão117. As regras sobre a matéria estão dispostas no
Capítulo IV do Regulamento da Comissão. A visita fica a cargo de uma “ Comissão
110 Ver artigo 26, 2, do Regulamento. 111 Conforme Nikken, nem a Convenção nem o Estatuto contêm disposições a este respeito, o que explica a redação confusa do artigo 26, 2, o qual, ademais, não foi invocado pela Comissão em nenhuma resolução contida nos informes submetidos à Assembléia Geral desde que entrou em vigência seu Regulamento. Entretanto, ressalta a tendência da Comissão em ampliar progressivamente o âmbito de suas funções. NIKKEN, Pedro. “ Los derechos humanos en el sistema regional americano” . ,Q� &XUVR�,QWHUGLVFLSOLQDULR�HQ�'HUHFKRV�+XPDQRV��0DQXDO�GH�&RQIHUHQFLDV. San José: I.I.D.H., 1990, p. 91. 112 Artigo 45 da Convenção. 113 Artigo 18, g, do Estatuto. 114 Ver VARGAS CARREÑO, E. “ Las observaciones LQ�ORFR practicadas por la Comisión Interamericana de Derechos Humanos” . In 'HUHFKRV� +XPDQRV� HQ� ODV� $PpULFDV� �+RPHQDMH� D� &DUORV� 'XQVKHH� GH�$EUDQFKHV�. Washington: Publicaciones: C.I.D.H., 1984; e RODRÍGUEZ, E. M. “ Visitas de observaciones LQ�ORFR de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos y sus informes” . In (VWXGLRV�%iVLFRV�GH�'HUHFKRV�+XPDQRV�,,,. San José: I.I.D.H., 1995, p. 135-144. 115 O Brasil recebeu uma única visita de observação, de 4 a 8 de dezembro de 1995, relativa à situação do sistema penitenciário brasileiro. Os resultados da visita foram publicados em um relatório de 1997, que incluiu um capítulo sobre as condições carcerárias: Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 5HODWyULR�VREUH�D�6LWXDomR�GRV�'LUHLWRV�+XPDQRV�QR�%UDVLO (Washington, D.C.: Organização dos Estados Americanos, 1997). Até maio de 2002, a Comissão realizou o total de 83 visitas LQ�ORFR, de acordo com seu próprio endereço eletrônico: <http://www.cidh.org/visitas.esp.htm>. 116 Nesta oportunidade, a Comissão percorreu o país; concedeu audiências; entrevistou líderes da oposição e do governo, bem como da Igreja, do empresariado e dos trabalhadores; e estabeleceu escritórios oficiais para receber denúncias escritas ou verbais. Esta prática serviu de modelo para as atuações posteriores da Comissão. 117 Por exemplo, C.I.D.H., ,QIRUPH� VREUH� OD� VLWXDFLyQ�GH� ORV� GHUHFKRV� KXPDQRV� HQ�3DQDPi. OEA/Ser. L/V/II, 44, doc. 38, ver. 1, 1978, p. 1-3.
30
Especial” designada para cada caso, sendo que “ o membro da Comissão que for
nacional ou que residir no território do Estado em que se deva realizar uma observação
LQ�ORFR estará impedido de nela participar” 118. Uma vez autorizada a visita, os Estados
têm o dever de prestar toda a assistência necessária à Comissão para a realização de sua
tarefa.119 Em relação às observações, finalmente convém destacar que quando a visita é
requerida para o exame de uma denúncia individual, o Estado afetado está obrigado a
prestar todas as facilidades necessárias, de acordo com o artigo 48, §1º, d, da
Convenção, sendo que em todos os demais casos não existe um dever jurídico de
consentir com a visita da Comissão.
De acordo com os artigo 61 e 64 da Convenção, a Comissão está legitimada a submeter
casos contenciosos perante a Corte e a solicitar desta opiniões consultivas120. Pode até
mesmo solicitar, de acordo com o artigo 63 da Convenção, medidas cautelares em caso
de extrema gravidade e urgência, para evitar danos irreparáveis em casos que ainda não
foram submetidos a uma decisão da Corte121. A Comissão deve ainda, de acordo com o
artigo 57 da Convenção, comparecer em todos os casos perante a Corte, disposição que
lhe atribui “ uma clara função de auxiliar da justiça, da mesma maneira que o ministério
público no Sistema Interamericano” 122.
Para a admissão de uma petição, faz-se necessário o cumprimento de certas condições
de forma e fundo. Quanto à forma, devem ser escritas, contendo os dados dispostos no
artigo 46, d, da Convenção e 28 do Regulamento. Quanto às condições de fundo, o
primeiro requisito é o prévio esgotamento dos recursos da jurisdição interna123, de
118 Artigo 52 do Regulamento. 119 De acordo com o artigo 55 do Regulamento, o Estado deve outorgar as garantias necessárias àqueles que prestarem informações, testemunhos ou prova de qualquer natureza; deve conceder todas as facilidades que forem cabíveis para que os membros da Comissão Especial possam viajar livremente por todo o território do país, inclusive a documentação necessária; deve assegurar a disponibilidade de meios de transporte local; deve proporcionar à Comissão Especial qualquer documento relacionado com a observância dos direitos humanos que esta considerar necessário para a preparação de seu relatório; deve adotar as medidas de segurança adequadas para proteger a Comissão Especial; e, finalmente, disponibilizar alojamento apropriado para seus membros. 120 A própria Corte enfatizou que, em virtude das funções que a Carta lhe atribui, “ al contrario de otros órganos de la OEA, la Comisión posee un derecho absoluto a pedir opiniones consultivas” . Corte I.D.H., (O� HIHFWR� GH� ODV� UHVHUYDVVREUH� OD� HQWUDGD� HQ� YLJHQFLD� GH� OD� &RQYHQFLyQ� $PHULFDQD� VREUH� 'HUHFKRV�+XPDQRV��DUWV�����\����, Opinião Consultiva OC-2/82 de 24 de setembro de 1982, série A, nº 2, § 16. 121 Ver Corte I.D.H., &DVR�9HOiVTXH]�5RGUtJXH], Sentença de 29 de julho de 1988, série C, nº 4, §§ 39-43; e Corte I.D.H., &DVR�*RGtQH]�&UX], Sentença d 20 de janeiro de 1989, série C, nº 5, §§ 41-44. 122 Corte I.D.H., $VXQWR�GH�9LYLDQD�*DOODUGR�\�RWUDV, Sentença de 13 de novembro de 1981, série A, nº 6 101/81, § 22. 123 Artigo 46, a, da Convenção.
31
acordo com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos124.
Evidentemente, esta regra não é aplicada quando tais recursos não existem ou são
insuficientes, tal como ocorre quando não existe o devido processo legal para proteger o
direito lesado, quando se nega à vitima recurso à justiça, ou quando há atraso
injustificado para decidir a questão levantada. A Comissão também decidiu que esta
regra não é aplicada quando se tratar de casos gerais de violação de direitos do
homem125. Ainda sobre a admissibilidade, a petição deve ser apresentada em um prazo
de seis meses, a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha
sido notificado da decisão definitiva, e a matéria levantada não pode estar pendente de
outro processo de solução internacional.
Quanto à inadmissibilidade, a Comissão declarará uma petição inadmissível quando esta
não preencher algum dos requisitos estabelecidos no artigo 46; não expuser fatos que
caracterizem violação dos direitos garantidos na Convenção; for manifestamente
infundada pela exposição do próprio peticionário ou do Estado; ou for substancialmente
reprodução de petição anterior, já examinada pela Comissão ou por outro organismo
internacional.126
Após ter dado entrada à petição, a primeira atitude a ser tomada pela Comissão é a
solicitação de informações ao governo, que dispõe de 90 dias para responder,
prorrogável até 180 por solicitação do mesmo. A resposta é comunicada ao peticionário,
que dispõe de 30 dias para fazer suas observações, às quais são remetidas ao governo
para suas observações finais. Nesta fase, a Comissão pode aceitar todos os meios de
prova para o estabelecimento dos fatos em discussão127.
Concluída a investigação sem que se alcance uma solução amistosa entre as partes128
124 Sobre o entendimento da Corte acerca de “ princípios de direito internacional” , ver Corte I.D.H., &DVR�9HOiVTXH]� 5RGUtJXH], Exceções Preliminares, sentença de 26 de junho de 1987, série C, n º1, § 87; e Corte I.D.H., &DVR�)DLUpQ�*DUEL� \� 6ROtV�&RUUDOHV, Exceções Preliminares, sentença de 26 de junho de 1987, série C, nº 2, § 86.�125 Cf. C.I.D.H., caso 1684. ,QIRUPH� VREUH� OD� ODERU� GHVDUUROODGD� SRU� OD� &RPLVLyQ� ,QWHUDPHULFDQD� GH�'HUHFKRV�+XPDQRV�HQ�VX�����SHUtRGR�GH�VHVLRQHV, OEA/Ser. L/V/II, doc. 24, ver.1, de 20 de fevereiro de 1973, p.14-22. 126 Artigo 47 da Convenção. 127 Ver artigos 43 e 44 do Regulamento. 128 Se os Estados envolvidos chegarem a uma “ solução amistosa, a Comissão aprovará um relatório que incluirá uma breve exposição dos fatos e da solução alcançada e será transmitido às partes e publicado. Antes de aprovar esse relatório, a Comissão verificará se a vítima da presumida violação ou, se pertinente, seus beneficiários, expressaram seu consentimento no acordo de solução amistosa. Em todos os casos, a
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(artigo 41 do Regulamento), em relação aos Estados que não são parte na Convenção, a
Comissão adotará uma resolução final contendo um sumário dos fatos, suas conclusões,
recomendações, e um prazo para seu cumprimento. A Comissão transmitirá este
documento às partes envolvidas e, caso elas não cumpram as recomendações no prazo
estipulado, poderá publicar seu relatório. Poderá igualmente transmiti-lo à Assembléia
Geral da OEA. Como as discussões da Assembléia são acompanhadas por um grande
público, o fato de submeter um relatório à discussão, eventualmente seguido de uma
resolução apropriada, pode ter um efeito considerável no comportamento de um
governo que a Comissão acredite ter violado direitos humanos. Embora as resoluções da
OEA não tenham caráter jurídico obrigatório, elas constituem atos que emanam do mais
alto órgão político da Organização e têm, em conseqüência, um peso moral e político
considerável. Enfim, a eficácia dos relatórios da Comissão depende, por um lado, do seu
prestígio e credibilidade, e por outro, da pressão da opinião pública, que pode dar
suporte às suas recomendações e às resoluções que a Assembléia Geral possa adotar
para apoiar a Comissão.
Quanto aos Estados partes da Convenção, feito o exame da matéria apresentada, a
Comissão se empenhará em buscar uma solução amigável entre as partes. Se a solução
for alcançada, ela “ redigirá um relatório que será encaminhado ao peticionário e aos
Estados Partes nesta Convenção e, posteriormente, transmitido, para sua publicação, ao
Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos.” 129 Entretanto, se tal solução
não for alcançada, a Comissão redigirá um relatório e o transmitirá às partes
interessadas, da mesma forma como é feito para os Estados não partes da Convenção.
Entretanto, se a Comissão considerar que o Estado envolvido não deu cumprimento às
recomendações contidas no relatório aprovado de acordo com o artigo 50 da
Convenção, ela pode decidir pela submissão do caso à Corte Interamericana de Direitos
Humanos130, desde que o Estado parte tenha reconhecido, mediante declaração
expressa, a competência da Corte no que concerne à interpretação e aplicação da
Convenção, em conformidade com o artigo 62 da mesma.131
solução amistosa deverá ter por base o respeito aos direitos humanos reconhecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, na 'HFODUDomR� $PHULFDQD e em outros instrumentos aplicáveis.” (grifo nosso) – Artigo 41, 5, do Regulamento da Comissão. 129 Com relação aos Estados partes da Convenção, além do artigo 41 de seu Regulamento – comum a todos os Estados da OEA – aplica-se também o artigo 49 da Convenção. 130 Com base no artigo 44 de seu Regulamento. 131 A Comissão não submeterá o caso à Corte se houver decisão fundamentada da maioria absoluta dos seus membros.
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&���$�&RUWH�,QWHUDPHULFDQD�GH�'LUHLWRV�+XPDQRV�
A Corte Interamericana de Direitos Humanos foi criada pela Convenção Americana,
com sede em San José, Costa Rica132. De acordo com o artigo 52 da Convenção, a Corte
será composta por sete juízes, “ nacionais dos Estados membros da Organização, eleitos
a título pessoal dentre juristas da mais alta autoridade moral, de reconhecida
competência em matéria de direitos humanos, que reúnam as condições requeridas para
o exercício das mais elevadas funções judiciais, de acordo com a lei do Estado do qual
sejam nacionais, ou do Estado que os propuser como candidatos” , sendo que “ não deve
haver dois juízes da mesma nacionalidade” . Os juízes são eleitos por um período de seis
anos, com a possibilidade de reeleição por mais um período, em votação secreta na
Assembléia Geral da OEA133, podendo também serem eleitos juízes DG� KRF para
determinado caso134.
Apesar de não estar expressamente incluída na Carta como um dos órgãos da OEA, a
Corte é uma instituição judicial do sistema interamericano. Primeiro, porque foi criada
por uma Convenção prevista na Carta e concebida dentro do sistema de proteção de tal
maneira que só podem ser partes em seus procedimentos Estados membros da
Organização; segundo, porque tem competência para exercer suas funções em relação a
Estados que não são partes na Convenção. Duas são estas funções: a contenciosa, da
qual se beneficia unicamente os Estados partes (a); e a consultiva, dirigida a todos os
Estados da OEA e a outras entidades enumeradas no Capítulo VIII da Carta (b).
D���&RPSHWrQFLD�&RQWHQFLRVD�
A competência UDWLRQH�PDWHULDH da Corte está limitada pelo artigo 62, 3, da Convenção,
que dispõe que esta pode “ conhecer de qualquer caso relativo à interpretação e
132 De acordo com o artigo 3 de seu Estatuto, ela poderá “ realizar reuniões em qualquer Estado membro da Organização dos Estados Americanos (OEA), quando a maioria dos seus membros considerar conveniente, e mediante aquiescência prévia do Estado respectivo” . O mesmo artigo dispõe ainda que “ a sede da Corte pode ser mudada pelo voto de dois terços dos Estados Partes da Convenção na Assembléia Geral da OEA.” O Acordo de Sede foi subscrito em 10 de setembro de 1981. 133 Artigo 53 da Convenção. 134 Ver o artigo 55 da Convenção, que dispõe sobre alguns requisitos para a designação de juízes DG�KRF. Além dos juízes titulares e DG�KRF, a Corte também instituiu a figura dos juízes interinos que, de acordo com o artigo 17 do Regulamento, têm os mesmos direitos e atribuições dos juízes titulares, excetuadas as limitações expressamente estabelecidas.”
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aplicação das disposições desta Convenção” .135 Quanto aos demandantes, somente os
Estados Partes e a Comissão podem acioná-la, ou seja, o indivíduo ainda não possui
legitimidade para propor a demanda136. Entretanto, o artigo 21 do Regulamento da
Corte dispõe que os “ Estados que sejam partes de um caso serão representados por um
agente que, por sua vez, poderá ser assistido por quaisquer pessoas de sua escolha” ,
permitindo uma participação indireta do indivíduo no processo. No que concerne ao
pólo passivo, o Estado tem que ter reconhecido a competência da Corte, seja por
declaração unilateral, seja por convenção especial, sendo que a declaração pode ser feita
sob condição de reciprocidade137.
Com relação ao seu procedimento, a Corte possui uma fase escrita e outra oral138, sendo
que a introdução da instância deve ser feita por escrito. Nos procedimentos escritos há a
apresentação da demanda, cuja petição inicial deve indicar “ as partes no caso, o objeto
da demanda, uma exposição dos fatos, as provas oferecidas com a indicação dos fatos
sobre os quais as mesmas versarão, a indicação das testemunhas e peritos, os
fundamentos de direito e as conclusões pertinentes.” 139 A demanda então será notificada
ao Estado demandado, que poderá apresentar por escrito sua contestação dentro dos
quatro meses seguintes à notificação, ou opor exceções preliminares – até dois meses
seguintes à notificação –, sendo que “ a apresentação de exceções preliminares não
exercerá efeito suspensivo sobre o procedimento em relação ao mérito, aos prazos e
respectivos termos.” 140 A data de abertura dos procedimentos orais será fixada pelo
Presidente, que indicará as audiências necessárias. É ele quem dirige os debates,
determinando a ordem segundo a qual as pessoas autorizadas a intervir usarão a
palavra141. As testemunhas, os peritos e qualquer outra pessoa que compareça perante a
Corte podem ser interrogados pelos juízes e pelos representantes dos Estados, da
135 Entretanto, como algumas disposições da Convenção fazem referência a outras normas internacionais, a Corte pode, em certas ocasiões, ter que interpretar esta norma. O artigo 75, por exemplo, faz referência à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, e a Corte já teve a oportunidade de interpretar este acordo no que tange às reservas. Cf. Corte I.D.H., (O�HIHFWR�GH�ODV�UHVHUYDV�VREUH�OD�HQWUDGD�HQ�YLJHQFLD�GH� OD�&RQYHQFLyQ�$PHULFDQD� �DUWV�� ��� \� ���� Opinião Consultiva OC-2/82 de 24 de setembro de 1982, série A, nº 2. 136 No sistema europeu já há a possibilidade de acesso direto ao órgão jurisdicional – após a adoção do Protocolo nº 9 à Convenção Européia – e acredita-se que o sistema interamericano caminha no mesmo sentido. 137 Ver artigo 62, 1 e 2, da Convenção. 138 O Regulamento da Corte, aprovado em seu XXIV Período Ordinário de Sessões, realizado de 9 a 20 de setembro de 1996, dispõe sobre os procedimentos escritos do artigo 32 ao 38; e sobre os procedimentos orais, do artigo 39 ao 42. 139 Artigo 33, 1, do Regulamento. 140 Artigo 36, 4, do Regulamento.
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Comissão e das vítimas ou de seus familiares.
As provas apresentadas pelas partes devem ser indicadas na demanda e na
contestação142, sendo reconhecidas as provas circunstanciais, os indícios e as
presunções. O ônus financeiro das provas deve ser arcado pela parte que a propuser.
A sentença deve ser fundamentada, tendo os juízes o direito de anexar a ela suas
opiniões dissidentes ou individuais143. A sentença será definitiva e inapelável e, em caso
de divergência sobre seu sentido ou alcance, a Corte tem a faculdade de interpretá-la a
pedido de qualquer uma das partes; o pedido de interpretação não exerce efeito
suspensivo na execução da sentença. A Corte pode ordenar reparação e o pagamento de
uma justa indenização à vítima144, sendo que “ a parte da sentença que determinar a
indenização compensatória poderá ser executada no país respectivo pelo processo
interno vigente para a execução de sentenças contra o Estado.” 145 Os Estados partes se
comprometem a cumprir a decisão da Corte, entretanto, a Convenção não estabelece
mecanismos concretos para fiscalizar a execução das sentenças146. Existe somente a
previsão de indicar, em seus informes anuais à Assembléia Geral, os casos em que um
Estado não tenha dado cumprimento às sentenças147, o que oferece a possibilidade de a
Assembléia discutir o assunto; mesmo não tendo poderes para adotar resoluções
coativas frente aos Estados, suas decisões têm considerável peso político.
E���&RPSHWrQFLD�&RQVXOWLYD�
Além da competência contenciosa, a Convenção confere à Corte competência para
interpretar a própria Convenção ou qualquer outro tratado concernente à proteção dos
direitos humanos nos Estados americanos148. A pedido de um Estado membro da OEA,
141 Artigo 40 do Regulamento. 142 “ Excepcionalmente, a Corte poderá admitir uma prova se alguma das partes alegar força maior, impedimento grave ou fatos ocorridos em momento distinto dos anteriormente assinalados, desde que se assegure à parte contrária o direito de defesa.” (Artigo 43 do Regulamento). 143 Ver os artigos 66 a 69 da Convenção e artigos 55 a 58 do Regulamento da Corte. 144 Ver SALVIOLI, F. O. “ Algunas reflexiones sobre la indemnización en las sentencias de la Corte Interamericana de Derechos Humanos” . In (VWXGLRV� %iVLFRV� GH� 'HUHFKRV� +XPDQRV� ,,,. San José: I.I.D.H., 1995 145 Artigo 68, 2, da Convenção. 146 Sobre os efeitos da UHV� MXGLFDWD�no direito internacional, ver BRANT, Leonardo N. C., $�$XWRULGDGH�GD�&RLVD�-XOJDGD�QR�'LUHLWR�,QWHUQDFLRQDO�3~EOLFR. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 147 Artigo 65 da Convenção. 148 As regras referentes aos pareceres consultivos estão dispostas nos artigos 59 a 64 do Regulamento.
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a Corte pode igualmente “ emitir pareceres sobre a compatibilidade entre qualquer de
suas leis internas e os mencionados instrumentos internacionais.” 149 A própria Corte
interpretou que esta consulta pode versar sobre projetos legislativos.150
Contudo, a Corte considerou que sua competência consultiva é permissiva, podendo
negar-se a responder uma consulta se estão violados os limites dentro dos quais é
chamada a se pronunciar, de modo que se uma consulta solicitada sobre tratados
distintos da Convenção se refere a assuntos externos ao sistema interamericano, ela
pode se abster de responder por uma decisão motivada.151
Com relação à legitimação para demandar uma opinião, todos os Estados membros da
OEA, mesmo se não forem partes da Convenção, podem solicitar opiniões consultivas.
Os órgãos permanentes do Capítulo VIII da Carta152 têm igualmente legitimidade para
demandar opiniões a respeito dos assuntos próprios de sua competência particular.
Quanto à Comissão, a Corte considerou que ela tem o direito absoluto de pedir opiniões
consultivas, cumprindo, dessa forma, uma função geral dentro do sistema
interamericano em seu conjunto.
A Corte salientou que suas opiniões carecem “ del efecto obligatorio que se reconoce
para sus sentencias en materia contenciosa” 153. Na prática, porém, as opiniões da Corte
podem gozar de grande autoridade e cumprir um importante papel como meio de
proteção dos direitos do homem, especialmente se for considerada a complexidade do
acesso à jurisdição contenciosa. Foi no âmbito desta função que a Corte desenvolveu
sua maior atividade até o momento, criando um corpo de doutrina judicial sobre o
sistema interamericano.
149 Artigo 64 da Convenção. 150 Cf. Corte I.D.H., 3URSXHVWD�GH�PRGLILFDFLyQ�D�OD�&RQVWLWXFLyQ�3ROtWLFD�GH�&RVWD�5LFD�UHODFLRQDGD�FRQ�OD�QDWXUDOL]DFLyQ. Opinião Consultiva OC-4/84, de 19 de janeiro de 1984, série A, n° 4, §§ 15-30. 151 Cf. Corte I.D.H., ³2WURV� WUDWDGRV´� REMHWR� GH� OD� IXQFLyQ� FRQVXOWLYD� GH� OD� &RUWH� �DUW�� ��� GH� OD�&RQYHQFLyQ�$PHULFDQD� VREUH�'HUHFKRV�+XPDQRV�. Opinião Consultiva OC-1/82, de 24 de setembro de 1982, série A, n° 1, §§ 28, 31 e 52. 152 De acordo com o artigo 53 da Carta, reformada pelo Protocolo de Manágua de 1993, são eles: a Assembléia Geral; a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores; os Conselhos (Permanente e Interamericano de Desenvolvimento Integral); a Comissão Jurídica Interamericana; a Comissão Interamericana de Direitos Humanos; a Secretaria-Geral; as Conferências Especializadas; e os Organismos Especializados.
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,9���&RQFOXVmR�
De fato, a evolução do sistema de proteção internacional dos direitos do homem teve
um grande desenvolvimento durante a segunda metade do século XX154. Contudo, o
processo de internacionalização dos direitos da pessoa humana, iniciado com o Direito
Humanitário155, ainda tem muito a progredir, sobretudo a partir do reconhecimento aos
indivíduos da condição de sujeitos de direito internacional156. Esta condição exige a
satisfação de duas condições básicas: primeiro, “ serem titulares de direitos e obrigações
estabelecidos diretamente pelo direito internacional” e, segundo, “ serem titulares de
direitos e obrigações sancionados diretamente pelo direito internacional” 157. Porém, este
reconhecimento deve ser acompanhado da capacidade processual de vindicá-los. É
somente com a consolidação da plena capacidade processual dos indivíduos que a
proteção dos direitos humanos se torna uma realidade.158 A Convenção Americana, ao
consagrar a “ qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não governamental
legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização” 159 o direito
de petição individual à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, avança na
direção certa para a plena e efetiva proteção internacional dos direitos do homem160.
Em relação ao acesso direto do indivíduo a um tribunal internacional (MXV� VWDQGL), entretanto, percebe-se que o sistema interamericano precisa ser urgentemente revisto,
principalmente se comparado com o sistema europeu.161 No tocante ao ORFXV�VWDQGL�LQ�
153 Cf. Corte I.D.H., ³2WURV�WUDWDGRV´���, § 51. 154 Segundo Hobsbawm, o século XX pode ser retratado como um período da história marcado sobretudo pelos crimes e loucura da humanidade. Cf. HOBSBAWM, E. $�(UD�GRV�([WUHPRV�±�2�%UHYH�6pFXOR�;;. São Paulo: Cia. das Letras, 1996, p. 561. 155 A partir da publicação do livro 0HPyULD�GH�6ROIHULQR, sobre o massacre ocorrido na Itália, inicia-se o caminho de proteção da pessoa humana – no caso do direito humanitário, a proteção em situações de conflito armado – que vai se consolidar efetivamente com a criação das Nações Unidas, após as atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial. 156 Ver o artigo do Prof. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado LQ�BRANT, Leonardo Nemer Caldeira, 2�%UDVLO�H�RV�1RYRV�'HVDILRV�GR�'LUHLWR�,QWHUQDFLRQDO, Forense, Rio de Janeiro, 2003. 157 REUTER, Paul. 'URLW�,QWHUQDWLRQDO�3XEOLF. Paris: PUF, 1993, p. 235. 158 Lauterpacht afirma que o indivíduo é o sujeito final de todo direito, não existindo nada no direito internacional que o impeça de se tornar um de seus sujeitos e de se tornar parte em procedimentos perante tribunais internacionais. Cf. LAUTERPACHT, H. ,QWHUQDWLRQDO� /DZ� DQG� +XPDQ� 5LJKWV. Londres: Stevens, 1950, p. 51-69. 159 Artigo 44 da Convenção. 160 Ver Corte I.D.H., &DVR�&DVWLOOR�3HWUX]]L�YV�3HUX. Exceções Preliminares, sentença de 4 de setembro de 1998, série C, n° 41, Voto Concordante do Juiz A.A. Cançado Trindade, §§ 1-46. 161 A partir da adoção do Protocolo n° 9 à Convenção Européia de 1990 e, posteriormente, do Protocolo n° 11 de 1994, o indivíduo finalmente adquire plena capacidade jurídica, podendo acessar diretamente a
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MXGLFLR, a Corte Interamericana tomou um passo significativo ao adotar seu quarto
Regulamento162, prevendo a participação dos indivíduos não só na etapa de reparações,
mas em todas as etapas do procedimento contencioso.163 A atual condição de
participação do indivíduo no sistema interamericano, negando-lhe o reconhecimento do
MXV�VWDQGL, é insuficiente para proporcionar a efetiva proteção dos direitos humanos, pois
a Comissão atua inicialmente como órgão decisor – ao analisar a admissibilidade da
petição – e, posteriormente, como um verdadeiro Ministério Público, devendo, além de
zelar pela ordem pública internacional, atuar em nome dos interesses da vítima perante a
Corte. Dessa forma, podem existir conflitos de interesses entre os representantes das
vítimas e a Comissão, o que poderia acarretar prejuízos à pessoa humana.164
Hoje, a criação do Tribunal Penal Internacional165 deu novo ímpeto à luta da
comunidade internacional na proteção dos direitos humanos e da dignidade da pessoa
humana. O estabelecimento de uma jurisdição penal internacional fortalece o próprio
direito internacional, superando uma incapacidade do passado em punir criminosos de
guerra e de crimes contra a humanidade166. Este avanço se deve à própria sociedade,
inconformada com as atrocidades que vêm vitimando milhões de pessoas em todo o
mundo. Espera-se que a sociedade continue realizando este trabalho de fiscalização da
implementação do sistema de proteção, como uma forma de pressionar os Estados a
adotarem e respeitarem as normas existentes.
Corte Européia. 162 Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos adotado em 24 de novembro de 2000, entrando em vigor em 01 de junho de 2001. 163 No tocante a esta matéria, é de fundamental importância uma análise do caso (O�$PSDUR, de 1996, relativo à Venezuela, em cuja audiência pública de 27 de janeiro de 1996, um dos juízes passou a perguntar diretamente aos representantes da vítima, que deram suas respostas naquele momento e, posteriormente, apresentaram dois escritos à Corte. 164 Tal situação ocorreu no &DVR�&D\DUD, apresentado à Corte em 14 de fevereiro de 1992. Na decisão sobre as Exceções Preliminares levantadas pelo governo do Peru, a Corte declarou que a denúncia apresentada pela Comissão havia sido feita fora do prazo disposto no artigo 51, 1, da Convenção, arquivando um caso que relatava graves violações de direitos humanos. Corte I.D.H., &DVR� &D\DUD. Exceções Preliminares. Sentença de 3 de fevereiro de 1993, série C, nº 14, 1994. 165 O Tratado de Roma, instituindo o Tribunal Penal Internacional, foi aprovado em 17 de julho de 1998 pela Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas sobre o Estabelecimento de uma Corte Penal Internacional. Dispõe seu artigo 1º: “ Institui-se pelo presente um Tribunal Penal Internacional (“ Tribunal” ). O Tribunal será uma instituição permanente, estará facultado para exercer sua jurisdição sobre pessoas a respeito dos crimes mais graves de transcendência internacional de conformidade com o presente Estatuto e terá caráter complementar às jurisdições penais nacionais. A competência e o funcionamento do Tribunal serão regidos pelas disposições do presente Estatuto.” 166 Ver ASCENSIO, H., DECAUX, E., e PELLET, A. 'URLW�,QWHUQDWLRQDO�3HQDO. Paris: Pédone, 2000; e MARRUS, M. R. 7KH�1XUHPEHUJ�:DU�&ULPHV�7ULDO�����������±�$�'RFXPHQWDU\�+LVWRU\. Boston/Nova York: Bedford Books, 1997.