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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
¹Trabalho apresentado no GP de Cinema, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento
componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2Mestranda em Comunicação na Universidade Paulista – [email protected]
O silenciamento das vozes:
A narrativa cinematográfica de um suicídio¹
Sílvia Sena Lima2
Universidade Paulista, São Paulo-SP
Resumo
A partir da abordagem psicológica, pretende-se analisar o discurso depressivo, sob a
temática da melancolia que estão em ocorrência no texto cinematográfico “Elena” uma
vez que, a melancolia e as vozes não ouvidas que podem ou não preceder o ato de
suicídio. Tem-se por hipótese que as relações projetadas a partir do texto fílmico
implicam modificação do discurso por meio da ressignificação. O trabalho tem por
objeto de análise o texto cinematográfico “Elena“, um drama que retrata os anseios de
três mulheres da mesma família que queriam se tornar atrizes, duas conseguem. O
documentário de Petra Costa, 2012, narra um drama familiar, o suicídio de Elena e
como, depois deste episódio foi possível seguir em frente, viver suas próprias vidas, sem
o peso da culpa.
Palavras-chave: Documentário; filme brasileiro; narrativa e suicídio.
Introdução
O presente trabalho está situado na área da linguagem cinematográfica,
fundamentada na Teoria Narratologia. Tem-se por tema tratar das “falas” que não são
ouvidas, nos discursos depressivos que representam o sofrimento velado mediado pela
tecnologia que nos distancia fisicamente. Para tanto, será focalizada a construção do
discurso depressivo sob a perspectiva de Sigmund Freud por meio da análise do
documentário brasileiro “Elena” lançado em 2012, com roteiro de Petra Costa e
Carolina Ziskind e direção de Petra Costa.
A linguagem contemporânea tem priorizado outros códigos semióticos além do
verbal, desse modo, entende-se que para estudar as linguagens verbal e não verbal são
necessários uma abordagem que propicie as condições para explicar as especificidades
da narrativa cinematográfica e suas relações de sentidos.
O filme é formado por imagens em movimento que estabelecem uma perspectiva
temporal, espacial e psicológica, assim, dialoga com a narrativa e suas sequencias de
ações.
A Teoria da narratologia contribui com a relação entre texto e contexto, pois,
entende-se que o texto, como manifestação do discurso, estabelece uma estrutura
narrativa para a qual convergem aspectos sociais, históricos, culturais e ideológicos.
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A partir da abordagem psicológica, pretende-se analisar o discurso depressivo,
sob a temática da melancolia que estão em ocorrência no texto cinematográfico “Elena”
uma vez que, a melancolia e as vozes não ouvidas que podem ou não preceder o ato de
suicídio. Tem-se por hipótese que as relações projetadas a partir do texto fílmico
implicam modificação do discurso por meio da ressignificação.
O trabalho tem por objeto de análise o texto cinematográfico “Elena“, um drama
que retrata os anseios de três mulheres da mesma família que queriam se tornar atrizes,
duas conseguem. O documentário de Petra Costa, 2012, narra um drama familiar, o
suicídio de Elena e como, depois deste episódio foi possível seguir em frente, viver suas
próprias vidas, sem o peso da culpa.
Tem-se por objetivo geral contribuir com os estudos discursivos na área da
linguagem.
Os objetivos específicos são:
1. Verificar como ocorre a exploração do filme documentário Elena;
2. Examinar a descrição da biografia familiar apresentada no documentário;
3. Analisar as falas(texto) da personagem título, enquanto discurso depressivo sob
o olhar da psicanálise de Sigmund Freud.
Esta pesquisa justifica-se, pois a narrativa na linguagem cinematográfica busca
entender o fluxo de transformações e as novas formas de representações dos
conhecimentos que convergem para o discurso social na atualidade. Segundo João
Moreira Salles, cineasta brasileiro, em entrevista ao Itaú Cultural em 2013, “este filme é
intransferível, só a Petra poderia ter feito”. Para ele, Elena é um filme necessário, nasce
para resolver questões pessoais e determinantes para a vida, essa é sua beleza e sua
força, não rejeita o afeto e o que está perto, humanizando o cinema brasileiro.
Bases teóricas
A linguagem Cinematográfica refere-se ao conjunto de ângulos, planos,
movimentos de câmera e recursos de montagem que compõem a montagem de um
filme.
Para isso, é preciso ter em conta que cada plano, movimento de câmera, etc., tem
um efeito psicológico, um valor dramático específico e exerce seu papel dentro da
totalidade que é um filme.
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A primeira exibição pública de cinema ocorreu em 28 de dezembro de 1895. Os
inventores do Cinematógrafo – os irmãos Lumière – projetaram “L’Arrivée d’un Train à
La Ciotat” para uma plateia de trinta e três pessoas, em Paris.
Os irmãos Louis e Auguste Lumière talvez não tivessem consciência de que
estavam criando um meio de expressão tão importante. Chegaram a dizer que sua
invenção não tinha o menor futuro como espetáculo, porém, ainda no fim do século
XIX, Georges Méliès, um ilusionista francês, percebeu que ele poderia ser um veículo
capaz de tornar real a imaginação. Estava criado o cinema.
Em seus cento e poucos anos de existência, o cinema passou por diversas
transformações técnicas, estéticas, ideológicas, formais, estilísticas e de conteúdo, para
citar apenas algumas.
A cada uma destas mudanças correspondeu não apenas uma forma de se fazer
cinema, como também diferentes formas de se pensar o cinema. Mas o que é importante
reter aqui é o fato de que ao falarmos a palavra cinema, podemos estar nos referindo
tanto ao filme propriamente dito, quanto a uma indústria ou mesmo a um lugar de
encontro físico e social.
Narrativa e linguagem cinematográfica
André Bazin foi o pioneiro em usar de decupagem clássica, abrigando um
conjunto de práticas de montagem, som e trabalho de câmera, ele faz uso de elementos
como o realismo psicológico, a causalidade linear, a aparição da continuidade espacial e
temporal e uma coerência interna. Todas essas mudanças culturais e evolução de
técnicas cinematográficas são construídas para ocultar as marcas enunciativas e assim,
transformam as atuações, as fotografias, composição de cenário, montagens e etc., a
abordagem textual do cinema engloba outras vertentes, algumas ligadas à teoria literária
e outras à chamada narratologia.
O narrador é a figura que conduz a narrativa, ou seja, direciona a narração da
história. Em geral, o narrador constitui-se no elemento fundamental do contrato
ficcional que a narração estabelece com o público, porque é a partir dele que o
espectador dá credibilidade ao discurso produzido pelo filme. Existem três tipos de
narradores: 1) o intra-diegético, aquele que pertence à história narrada, a exemplo do
personagem do filme Brás Cubas, que conta sua própria história ao longo filme; 2) o
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extra-diegético, que corresponde a um personagem do filme que narra uma história da
qual não participa, a exemplo dos narradores dos filmes Terra e Liberdade e Titanic; 3)
por fim, o narrador cinematográfico, que é uma instância narrativa oculta que dirige,
através dos elementos fílmicos, a condução da história e não está personificado.
Segundo ECO (1986) não há como perceber o fenômeno cinema a partir de uma
única matriz analítica.
Ainda segundo ECO (1986) cinema e narrativa são dois gêneros artísticos dos
quais se pode assinalar uma espécie de homologia estrutural, uma vez que ambas são
artes de ação.
Filme é uma construção de uma hiper-realidade, descrita por Baudrillard, não é
mais a realidade em si, são os significados. No filme isso é evidenciado pois a dor sai de
uma esfera pessoal e ganha as telas do cinema para alertar outros, a sociedade.
Segundo Keske (2004) todo o filme, ficcional ou não, é uma narrativa, podendo
ser analisada como uma das formas do fazer textual.
Em 1947, após o lançamento da Revue Internationale de Filmologie, surgiu uma
abordagem teórica denominada de Filmologia, com o propósito de estudar a relação do
cinema com a sociedade, com outras artes e áreas do conhecimento, assim como a
percepção dos filmes pelo público.
Edgard Morin, através de seu livro “O Cinema e o Homem Imaginário”, de
1962, autointitulado como um estudo sociológico/antropológico, partiu da teoria de que
o realismo do cinema seria resultante do processo de reprodução mecânica da realidade,
originário da sua base fotográfica (tese defendida por autores como Bazin e Krackauer).
Num momento posterior do texto, ele desconstrói esta teoria, na medida em que passa a
defender que o filme é também produto da subjetividade do olhar do espectador, ou
melhor, da participação deste no processo de significação do que é visto.
(MORIN, 1980, p.84). Com este livro, Morin antecipou algumas abordagens do
cinema, articulando perspectivas que seriam retomadas pela sociologia, pela psicanálise,
pela semiologia e pela filosofia de Deleuze.
Segundo Nichols (2005) Se pensarmos em documentário cinematográfico,
existem seis subgêneros (poético, expositivo, participativo, observador, reflexivo e
performático) e entre eles o performático ao qual o documentário Elena, 2012 está
situado, subjetivo e afetivo, cada filme é carregado de características de um dos
subgêneros, mas isso não quer dizer que não tenha traços dos outros também.
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Segundo Nichols (2005), o documentário performático mistura livremente as
técnicas expressivas que dão textura e densidade à ficção (planos de pontos de vista,
números musicais, representações de estados subjetivos da mente, retrocessos,
fotogramas congelados, etc) com técnicas de oratória para tratar das questões sociais
que nem a ciência nem a razão conseguiram resolver.
No documentário performático a característica mais comum é que o real é
amplificado pelo imaginário e segundo a psicanálise nossa memória nos trai porque essa
construção é reconstruída todos os dias a partir de uma lembrança, ou seja, lembro-me
de um fato ao qual já vi se passar diante da vida em outros momentos e minha
consciência junta tudo isso para formatar este dado numa única informação.
Esses filmes tem tom autobiográfico, traz a complexidade emocional
e experiência do próprio cineasta. Elena dá mais ênfase às características subjetivas e da
memória, seus acontecimentos reais são amplificados pelo imaginário.
O discurso depressivo
A depressão é o diagnóstico mais comum em suicídios consumados e podem ser
observados, pois os depressivos dão sinais dessa patologia. Alguns dos sintomas de
depressão: sentir-se triste durante a maior parte do dia, todos os dias; não ter vontade de
fazer tarefas rotineiras; perder peso ou ganhar peso, sem o menor esforço; dormir
demais ou de menos; sentir-se cansado e fraco os tempo todo; sentir-se inútil, culpado e
sem esperança; sentir-se irritado o tempo todo; sentir dificuldade de concentração, não
conseguir lembrar das coisas e ser incapaz de tomar decisões. Ter pensamentos
frequentes de morte e suicídio.
Todos estes pedidos de ajuda não podem ser ignorados!
Em ordem decrescente de risco, segundo a Organização Mundial de Saúde esses
são os grupos mais prováveis de cometer suicídio: depressão (todas as formas);
transtorno de personalidade (antissocial e borderline com traços de impulsividade e
agressividade e frequentes alterações de humor); alcoolismo (e ou abuso de substância
em adolescentes); esquizofrenia; transtorno mental orgânico.
Freud durante as Conferências Introdutórias sobre a Psicanálise, Conferências
XXII e XXVI (1916-17) apresenta o texto Luto e melancolia que trata das
características de quem passa por luto e de quem tem melancolia. Na representação do
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luto entende-se a tristeza como um fator externo, ou seja, um ato com duração de tempo
que leva a um estado efêmero; quanto à melancolia está relacionada ao ego, desse
modo, considerado um fator interno, um ato com duração de tempo que leva à
permanência.
A ambivalência que constitui a melancolia propicia a construção de uma
consciência que se reconhece e, portanto, é cônscia de uma parte que não é essencial e
nem sequer é uma parte à qual possamos atribuir o mérito de ter contribuído para o
estado melancólico, assim, o ego se degrada e não consegue implementar mudanças.
Dessa forma, podemos atribuir tal função à parte inconsciente do trabalho de
construção de identidade, pois não é difícil perceber uma analogia essencial entre o
trabalho da melancolia e o do luto.
Para Freud a busca de comunhão com o objeto é perpassada por pulsões de vida
ou de morte. O objeto amado pode se referir as aspirações, expectativas de alcançar um
equilíbrio, a eterna busca pela sensação de completude, a busca do objeto fora do
sujeito.
O luto compele o ego a desistir do objeto, declarando-o morto e oferecendo ao
ego o incentivo de continuar a viver, assim também cada luta isolada da ambivalência
distende a fixação da libido ao objeto, depreciando-o, denegrindo-o e mesmo, por assim
dizer, destituindo-o de valor. Esse ato de abandono tende a propiciar a melancolia ou o
término dela uma vez que o ego pode derivar daí a satisfação de saber que é o melhor
dos dois, que é superior ao objeto, ou seja, a superação.
O luto de modo geral refere-se a perda, de um ente querido, ou algo que está no
lugar de um ente querido, um país, a liberdade, um emprego etc. É um processo com um
tempo de vida útil, deve ser vivido na dor, no choro, na retirada do mundo externo,
experimentado esta passagem de perda, volta-se a vida normal. Em algumas pessoas
esses sentimentos causam melancolia ao invés de luto.
A melancolia traz traços mentais de profundo desânimo, falta de amor por si e
por outrem, perda da autoestima, retirada do mundo externo, auto recriminação e
autopunição. Na melancolia o objeto perdido pode não ter sido necessariamente morto,
mas a falta pode não ser superada, tem-se neste estado um empobrecimento do ego, um
vazio.
O melancólico frequentemente se descreve como fraco, mesquinho, egoísta,
carente de independência, sem vontade de viver. Uma característica marcante no quadro
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clínico do melancólico é que ele exibe uma insatisfação com o ego de ordem moral,
preocupa-se menos com o corpo. Ao corpo dá-se uma auto tortura o que lhe é agradável.
No luto o problema é exterior, na melancolia o problema é de ordem interior.
Resultados obtidos e discussão
A título de exemplificação, temos:
1. Exploração do documentário
O elenco foi composto pela cineasta Petra Costa, a mãe, Li An e a irmã, Elena
Andrade. O nome da mãe só aparece nos créditos do filme, não foi possível identificar o
nome do pai, nem extra filme, este aparece em poucas cenas, sem fala alguma.
O filme foi construído com cenas reais de todos os personagens a partir dos 13
anos de Elena, quando ganha uma filmadora e coloca em prática seu desejo de ser atriz
desde os 04 anos de idade, as cenas foram sendo gravadas ao longo dos anos e
esquecidas até que Petra decide retomá-las para o documentário que constrói a memória
da irmã.
Inicia e termina com Elena dançando, ela dizia que dançava com a lua. Logo
depois cenas de Petra, no banco detrás de um carro em movimento a noite, em Nova
York numa conversa mental com Elena, ela conta sobre um sonho que tivera com a irmã
e daí parte todo seu desenrolar numa narrativa não linear.
Todas as cenas são reais, intercala cenas atuais da mãe e Petra adulta e cenas de
Elena dos 13 aos 20 anos. Quando Elena esteve fora do Brasil, enviava cartas em áudio
para a família, estas fitas cassetes foram usadas no filme, algumas na voz de Petra.
A partir dos aspectos da linguagem cinematográfica temos:
O campo compreende tudo o que está presente na imagem: cenários,
personagens, acessórios.
O filme foi adaptado com cenas atuais e vídeos caseiros de anos atrás, as
imagens antigas são de uma casa paredes brancas, móveis escuros, estilo colonial,
outras em palco de teatro, no Brasil e em Nova York, as atuais são em sua maioria em
nova York, na rua ou na casa onde as personagens viveram. As personagens são reais,
Elena, a irmã e a mãe. Mulheres brancas, magras de cabelos lisos, o pai aparece uma
vez, o amigo Michael aparece no fim, uma babá que não se vê o rosto.
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O extra-campo remete ao que, embora perfeitamente presente, não se vê. É o que
não se encontra na tela, mas que complementa aquilo que vemos. Designa o que existe
alhures, ao lado ou em volta do que está enquadrado.
A busca por um ideal, sonhado, desejado, perseguido. A vida artística e por
conta de não alcançar o objeto, a melancolia, a frustação o suicídio e no luto, a dor, a
culpa, as memórias, a realização e a superação.
A fusão é quando uma cena desaparece simultaneamente ao aparecimento da
cena seguinte. As cenas se superpõem: enquanto uma se apaga, a outra aparece. Mantém
a fluidez e a suavidade de uma sequência. Seu uso pode significar uma passagem de
tempo. Também é usada quando se quer suprimir ações que sejam dispensáveis na
narração (processo conhecido como elipse).
Começa com uma cena de Elena (personagem principal da trama) em imagens
de arquivo pessoal, dançando. logo depois a irmã, Petra dentro de uma carro em
movimento, já adulta em Nova York, e assim o filme é uma dualidade de cenas recentes
e antigas, todas reais.
A montagem paralela é quando duas ou mais sequências são abordadas ao
mesmo tempo, intercalando as cenas pertencentes a cada uma, alternadamente, a fim de
fazer surgir uma significação de seu confronto. Ocorre quando se quer fazer um
paralelo, uma aproximação simbólica entre as cenas, como por exemplo a aproximação
temporal.
As cenas de Petra atuando no teatro mais ao final do filme, e com uma narração
paralela de uma conversa mental com Elena, morta há anos.
O Off são vozes ou sons não produzidos na cena focada. Um personagem que
fale, sem estar em cena, fala em off.
Elena mandava cartas ao Brasil em fitas cassetes, por vezes no filme esses
áudios são usados.
O argumento refere-se ao resumo de uma história, para roteirização de um filme,
que pode ser original ou adaptado de uma obra literária. É a narrativa de um fato,
ocorrido no seio familiar, gestado numa adaptação para alerta social e cura pessoal.
2. Descrição da biografia familiar
Elena é a filha mais velha de Li An e o pai um político cujo nome não foi
exposto, eles se conheceram em meio às manifestações políticas e só não foram para a
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guerra do Araguaia porque Li An estava grávida de 06 meses de Elena. Escaparam da
morte, quase todos morreram por mãos dos militares na época.
Elena cresceu na clandestinidade, jamais podia dizer onde morava, pouco se sabe sobre
o que se passava na cabeça de uma criança crescendo em meio a esta realidade.
Em 1980 nasce Petra, a situação do país ganha outros rumos e a família volta a
viver fora dos riscos políticos, mas aos 15 anos os pais de Elena se separam, pior fase
para experimentar tristeza, a adolescência, sinônimo de amor e ódio, ao invés de
confrontar o outro se mutila, torna-se masoquista, adquire gosto por sofrer, mas
também, na adolescência há possibilidade de cura do que não foi resolvido na infância,
segundo o psicanalista Gilberto Safra em palestra, 12/05/2018 em São Paulo, todo
problema psicológico criado na infância há possibilidade de cura na fase da
adolescência, o psicólogo pode provocar uma crise para depois curá-la.
Alguns problemas mais comuns de acordo com cada faixa etária:
– do nascimento até os 6 meses: perda do contato físico com a mãe e ruídos muito
fortes;
– dos 7 aos 12 meses: pessoas estranhas, situações diferentes e ansiedade de separação
(separação real ou ameaça em relação a pessoa da qual gosta e estabelece vínculos);
– dos 2 aos 3 anos: medo de animais;
– dos 3 aos 6 anos: medo do escuro, medo de criaturas imaginárias e medo de perder
pessoas próximas;
– dos 6 aos 10 anos: preocupações em se machucar e preocupações acerca da escola;
– dos 10 aos 12 anos: preocupações com amizades;
– a partir dos 13 anos: preocupação com relação ao sexo oposto, a serem independentes
e planos futuros para a vida.
Vale ressaltar que esse é um comparativo de medos por faixas etárias, podem
acontecer de durarem por mais tempo, criar ansiedade e frustração para vida adulta.
Aos 17 anos, Elena ingressa no Grupo de teatro Boi voador em São Paulo e
trabalha em algumas peças, sai em diversos jornais, vira notícia. Quem a conhece, fala
da sua intensidade, do desejo de fazer tudo primoroso, mas mesmo quando tudo parecia
perfeito para ela nunca estava bom, queria sempre mais. Ensaiava obsessivamente,
achava que sempre faltava algo.
Para o adolescente o jogo é sempre sério. Essa prática a levou para fora do país,
queria ser atriz de cinema, conheceu Coppola e até foi convidada para assistir as
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gravações do Poderoso Chefão. É parte de o adolescente correr riscos, só assim ele sente
que a vida vale ser vivida, mas também, precisa de uma rede afetiva que a sustente no
sofrimento. E em outro país, Elena não tinha isso, nota-se no discurso “Me sinto gorda,
vazia, só”. Como se vê numa das falas no filme. Segundo Barbero (2000) o povo latino
americano é extremamente oral porque somos letrados, mas Elena odiava sua caligrafia
e então gravava suas cartas e as enviava em cassete, talvez na tentativa de estar em
conversas com os seus familiares. Em outra cena do filme uma fala que remete a isso,
“queria chegar em casa agora e ter, pai, mãe e irmã”. Com menos de um ano fora, volta
ao Brasil, seu sentimento é de derrota, de quem não deu certo. Aqui não havia abertura
para um cinema de qualidade, fazia-se um filme ao ano, além disso, havia uma
concorrência implacável.
Petra tem sete anos, Elena recebe uma carta, é aceita na Columbia University em
Nova York para estudar teatro e sua mãe decide ir com Petra para que ela não ficasse
sozinha.
Petra odeia morar fora do Brasil, tinha ódio da escola, da professora de saia de
oncinha, de ter que aprender a falar em inglês e do frio, todo dia fazia dois rituais,
arranhava os pulsos com uma faca de serrinha até ficar vermelho e colocava bandaid na
testa.
Segundo a doutora em psicologia e pesquisadora cientista Sonja Lyubomirsky,
50% da nossa felicidade vem de genes familiares, aqui se observa um padrão de
sofrimento, já que a mãe declara no filme que aos 13 anos ela sentia uma tristeza e um
vazio tão profundo que por três ou quatros anos só pensava em morrer, todos os dias.
Decidiu que aos 16 anos daria um jeito na sua vida, saiu do colégio de freiras, conheceu
o marido nas manifestações de rua em meio a ditadura militar, filiaram-se ao PCdoB e
engravidou de Elena.
A Organização mundial de Saúde - OMS divulgou um relatório em 2014,
colocando o crescimento das taxas de suicídio como um grave problema mundial de
saúde pública. É a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos e há indícios de
que, para cada adulto que se suicida, 20 tentaram cometer o ato. O Brasil é o oitavo no
ranking mundial de suicídio.
As questões da adolescência acompanham o mal-estar do mundo, Elena
continuava sem amor por si. Passava dias em casa, deitada na cama. Um dia sua mãe
disse: “Sua frustação machuca sua irmã, faça algo para não deixá-la tão triste”. Elena
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ficou furiosa e disse: “Vou me matar!”. Saiu de casa por horas, sua mãe, desesperada à
sua procura, depois ela voltou.
O ser humano não pode ser compreendido sem o registro da sua historicidade,
onde estão as memórias desta família?
3. Os discursos depressivos
Petra ainda tinha sete anos. Elena aos 20 toma um frasco inteiro de aspirina com
cachaça e, em seu leito de quase morte, deixa uma carta.
“Esse mistério!
Me sinto escura, no escuro que nunca vai terminar.
Não ouso querer trabalhar em teatro, cinema, dança, canto, porque já vivi e poucos
momentos depois já não possuía sua luz e nem sabia porque e pra que os fazia e toda tristeza de
sempre tomava conta de mim.
Que mal estar, gostaria de pelo menos vomitar, nem isso, me sinto fraca, covarde e
envergonhada perante a vida e todos.
Eu quero morrer!
Razão? São tantas que seria ridículo mencioná-las, eu desisto, desisto porque meu
coração está tão triste que eu sinto achar-me no direito de não perambular por ai com este corpo
que ocupa espaço e esmaga mais o que tenho de tão frágil, quero desaparecer, desta vez não era
para eu lutar”.
Era primeiro de dezembro de 1990. Causa morte: Intoxicação aguda por etanol,
doximatina e difenidramina, suicídio.
Elena foi impedida de continuar seu sonho, perdeu o interesse pela vida. Para
Elena, o resultado de sua vida artística era a sua principal fonte de gratificação, segundo
a perspectiva de Freud, perdendo isso, perdeu-se a vontade de viver.
É difícil prever com clareza o que leva uma pessoa a cometer suicídio, o
problema é bem mais complexo, pois as causas são inúmeras, tem os fatores biológicos,
genéticos, psicológicos, sociais, culturais e ambientais.
O melancólico traz consigo alguns dos sentimentos como: tristeza, solidão,
desamparo, desesperança e autodesvalorização, frequentemente seus pensamentos são; "
Eu preferia estar morto", "Eu não posso fazer nada", "Eu não aguento mais", "eu sou um
perdedor e um peso pros outros", " Os outros vão ser mais felizes sem mim".
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Segundo Freud (Luto e melancolia, 1925) para o adolescente, morrer é a
possibilidade de viver na memória do outro. A mãe sente culpa e uma tristeza profunda,
pensa em morrer junto com Petra e acabar com o sofrimento das duas. Petra cria uma
barreira emocional, bloqueando o que aconteceu, tenta tirar a mãe da tristeza com gesto
de carinho e beijos, sem diálogos.
Ternura é a capacidade de tocar o corpo do outro movido pelo afeto. Todo ser
humano tem necessidade de ternura. Segundo Jung o abraço do outro me possibilita
existir.
Li An leva Petra para uma avaliação psicológica, fala em querer morrer e está
tendo pesadelos. O relatório médico diz que há evidência de depressão e sentimentos de
culpa, Petra evita falar sobre a irmã, está usando defesas que sugerem tendências
obsessivas compulsivas para lidar com situações difíceis. É provável que continue
usando essas defesas por um tempo, estas a permitem negar os motivos de sua
verdadeira depressão.
Só aos dez anos, Petra se dá conta de que Elena morreu e se foi para sempre.
Petra entra na adolescência e inconscientemente segue os passos da irmã, segundo o
medo que pairava na família, ela poderia morar em qualquer lugar, menos Nova York,
ela poderia fazer qualquer coisa menos ser artista e foi exatamente isso que ela fez,
viver a vida imitando a vida da outra. Isso não foi deliberado.
Petra “pensa” Eu tenho medo do que o tempo vai fazer comigo”. E assim, mãe e
filha têm um só discurso em seus pensamentos. “Se ela me convencer que a vida não
vale a pena, eu tenho que morrer junto com ela”.
Quando Petra faz 21 anos, a mãe diz: “Agora você está mais velha que Elena”. O
medo de seguir os mesmos passos começa a se desfazer, embora haja uma identidade
que vem do afeto, da admiração, da apropriação do eu no outro.
Petra estuda cinema e também encena no teatro, decide fazer o filme sobre a
vida e a morte da irmã e o faz de modo quase poético, embora, trate do tema suicídio.
Leva quase 05 anos para terminar, mas ganha a libertação da culpa da mãe e quebra o
padrão familiar, o estigma, a sobra que as acompanhava.
Considerações finais
Em síntese, o documentário entra em modo performático, baseado nas
especificidades da experiência pessoal e carregado de afeto. As atrizes são as
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personagens reais e revivem uma história do passado como meio para cura do presente e
um alerta para todos que assistiram.
Petra acredita que fazendo este resgate pode finalmente deixar Elena ir em paz.
Continua achando que Elena está dentro de si...toma forma, corpo, renasce para morrer
de novo. Consciente da dor ela encena a morte para encontrar ar para poder viver.
“As dores viram água, viram memória”, Petra.
Concordo que falar em suicídio na mídia pode causar o efeito Werther, que se
baseia na ideia de que explorar o tema pode incentivar potenciais suicidas a cometerem
o ato, ao lerem notícias de pessoas famosas que se mataram, por exemplo.
De forma mais abrangente, o efeito fala sobre como comportamentos humanos
podem ser influenciados por ideias, e tem esse nome herdado de um romance de Goethe
– “Os Sofrimentos do jovem Werther” (1774), em que o protagonista se suicida por
causa de um amor frustrado. Utilizar o medo desse efeito como justificava para ficarmos
calados não é válido e talvez uma das causas para as taxas aumentarem ainda mais.
Claro que não é benéfico falar em suicídio de forma sensacionalista, mas fora
isso, é fundamental discutirmos esse tema e suas ramificações.
Referências
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