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O SER QUÂNTICO- Uma visão revolucionária da natureza humana E da consciência, baseada na nova física Parte 1 Como o conhecimento da nova física poderá iluminar nossa compreensão da vida diária, ajudar-nos a entender melhor nosso relacionamento com nós mesmos, com os outros e com o mundo como um todo. Colocar o ser humano no contexto quântico, é tema central desta série,pois esse é o modo de se sobrepujar essa forma particular de alienação que infestou a vida destas últimas décadas. Tal sentido de alienação vem da sensação de que nós, seres humanos, somos de certa forma estrangeiros no Universo, meros subprodutos acidentais de forças evolucionárias cegas, e sem nenhum papel especial a desempenhar no esquema das coisas; sem nenhuma relação significativa com as inexoráveis forças que impulsionam o mundo maior da matéria bruta e insensível. Para desenvolver este tema, estaremos examinando bem de perto o relacionamento entre matéria e consciência dentro da teoria quântica, assim como propondo uma nova teoria mecânico-quântica da consciência que promete nos trazer de volta a uma associação com o universo.

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O SER QUÂNTICO- Uma visão revolucionária da natureza humana E da consciência, baseada na

nova física

Parte 1

Como o conhecimento da nova física poderá iluminar nossa compreensão da vida diária, ajudar-nos a entender melhor nosso relacionamento com nós

mesmos, com os outros e com o mundo como um todo.

Colocar o ser humano no contexto quântico, é tema central desta série,pois esse é

o modo de se sobrepujar essa forma particular de alienação que infestou a vida

destas últimas décadas. Tal sentido de alienação vem da sensação de que nós,

seres humanos, somos de certa forma estrangeiros no Universo, meros

subprodutos acidentais de forças evolucionárias cegas, e sem nenhum papel

especial a desempenhar no esquema das coisas; sem nenhuma relação

significativa com as inexoráveis forças que impulsionam o mundo maior da matéria

bruta e insensível. Para desenvolver este tema, estaremos examinando bem de

perto o relacionamento entre matéria e consciência dentro da teoria quântica,

assim como propondo uma nova teoria mecânico-quântica da consciência que

promete nos trazer de volta a uma associação com o universo.

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COMEÇANDO EM PLATÃO

As raízes desta alienação estão fundo em nossa cultura, chegando, no mínimo, até a filosofia de Platão e sua distinção entre o âmbito das idéias e o mundo da

experiência dos sentidos, e passando pelo Cristianismo, que denegriu o corpo em favor da alma. No entanto, de comum acordo, as influências mais poderosas sobre

nossa cultura moderna derivam da revolução filosófica e científica do século 17, do cultivo da dúvida cartesiana e do nascimento da física newtoniana ou clássica.

Ambas mudaram radicalmente o modo como vemos a nós mesmos e nossa

relação com o mundo. A filosofia cartesiana arrancou os seres humanos do contexto religioso, social e familiar e lançou-os de ponta-cabeça no que chamamos

de “cultura centrada no eu”, uma cultura dominada pelo egocentrismo, por uma ênfase exagerada do “eu” e do “meu”. A visão de Newton arrancou-nos da própria

substância do Universo. A física clássica transmutou o cosmo vivo dos gregos e da Idade Média, um cosmo cheio de sentido e inteligência e movido pelo amor da

Fonte/ Deus em benefício do homem, numa máquina morta e previsível. A revolução de Copérnico havia deslocado a Terra, e portanto os seres humanos, do

centro das coisas; porém as três leis do movimento de Newton e seu modelo mecânico do sistema solar forneceram a planta para um projeto completamente

despido de vida. As coisas se moviam porque obedeciam a leis fixas e determinadas. Um silêncio glacial invadiu os céus antes cheios de vida. Os seres

humanos e suas lutas, toda a consciência e a própria vida tornaram-se irrelevantes ao funcionamento da vasta máquina universal. Ao longo da História, temos retirado

da teoria física corrente da época, nossa concepção a respeito de nós mesmos e de nosso lugar no Universo. Assim, ao longo destes trezentos anos, físicos e não-

físicos têm encontrado na coloração fria da visão newtoniana suas filosofias pessoais, seu sentido de identidade própria e suas noções de como se relacionam

com o mundo e com as outras pessoas.

AS TEORIAS-MARX- DARWIN-FREUD-NEWTON

As imutáveis leis da História descritas por Marx, a luta desesperada pela sobrevivência de Darwin e as tempestuosas forças da sombria psique de Freud

devem, em alguma medida, sua inspiração à teoria física de Newton. Todas, e mais a arquitetura de Le Corbusier e o completo arsenal da parafernália

tecnológica que toca todos os aspectos de nossa vida diária, permearam tão profundamente nossas consciências, que todos e cada um de nós nos enxergamos

refletidos no espelho da física newtoniana. Estamos mergulhados no que Bertrand Russell chamou de “desespero inarredável” ao qual ela deu origem. “O mundo que

a ciência nos apresenta para que acreditemos”, escreveu Russell na virada do

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século, “nos diz”: Que o homem é produto de causas que não tinham nenhuma

previsão do fim ao qual chegariam; que sua origem, seu crescimento, suas esperanças e temores, seus amores e crenças não passam do resultado do

posicionamento acidental de átomos; que nenhum heroísmo, nenhum grau de pensamento ou de sentimento pode preservar a vida individual após a morte; que

toda a labuta dos séculos, toda a devoção, toda a inspiração, todo o intenso brilho do gênio humano estão destinados à extinção na vasta morte do sistema solar; e

que todo o templo da conquista humana deverá inevitavelmente ser soterrado sob os escombros de um Universo em ruínas…; “Como”, pergunta-se Russell, “pode o

homem, num mundo tão alienígena e desumano, manter suas aspirações imaculadas?” Em larga escala, não conseguimos. A maioria dos relatos escritos

sobre nosso século e a experiência de muitas pessoas que viveram ao longo dele, mostram um quadro de considerável dissolução.

AS VÁRIAS FACETAS DA QUESTÃO

De todos os lados — moral, espiritual e estético — nossa cultura parece estar sob

tensão. Muitos dos “valores antigos” e crenças geralmente aceitas deixaram de ser inquestionáveis e nos vemos alicerçados apenas em nós mesmos. A grande

massa das pessoas foi compulsoóriamente obrigada a viver na era do herói existencial — audaciosamente indiferente ao “Deus morto”, tornando-se criador de

seus próprios valores e guardião de sua própria consciência. Esta é a experiência do modernismo, e seu preço, tanto em termos pessoais como em termos de

desenraizamento cultural,e foi alto. Em nosso relacionamento com nós mesmos e com os outros, a influência newtoniana vai muito fundo. Se não passamos de um

subproduto acidental da criação e um joguete na mão de forças maiores totalmente fora de nosso controle, como podemos ter alguma responsabilidade significativa

por nós mesmos ou pelos outros?

Como, dotados de existência temporária e de propósitos fúteis e jogados de um lado para outro pela dinâmica do id ou pela sub-corrente genética ou

ainda pela luta de classes e pela História, como realmente podemos ser

responsabilizados por qualquer coisa?

Grande parte da moderna sociologia, da pedagogia e toda a psicologia do Ser,

derivam desta linha de pensamento, assim como nossa violência característica do século 20/21, uma reação natural diante de tamanha impotência. Foi igualmente

afetada nossa atitude em relação à natureza e ao mundo material. Se nossa mente, nosso ser consciente, é totalmente diferente de nosso ser material, como

argumentou Descartes, e se a consciência não tem nenhum papel a desempenhar no Universo, como sugere a física de Newton, que relacionamento podemos ter

com a natureza ou com a matéria?

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UMA CRENÇA ADQUIRIDA;UM MUNDO ALIENÍGENA Á NÓS E NÓS Á ELE

Somos alienígenas num mundo alienígena, situados à parte dele e em oposição a

ele, nosso meio ambiente material. Portanto, lançamo-nos à conquista da natureza para sobrepujá-la e utilizá-la para nossos próprios fins sem olhar as conseqüências

disso. “O homem é um estranho ao mundo”, diz Michel Serres, “ao pôr-do-sol, ao céu, às coisas. Ele as odeia e combate. Seu ambiente é um perigoso inimigo

contra o qual deve lutar, e que deve ser mantido escravo…”. A violação do meio ambiente característica do século 20 e a caótica proliferação de estruturas

materiais construídas pelo homem advêm deste senso de alienação da natureza e da matéria. Mas, irônicamente, enquanto a cosmovisão newtoniana ainda

domina nossas vidas e pensamentos, todo e qualquer entusiasmo pela física de Newton em si já morreu há tempos. Ela ainda é a física que move

dínamos, que leva o homem à Lua, porém já não está na vanguarda do pensamento físico criativo. Nem sequer é ensinada nos cursos básicos das

universidades mais avançadas, pois a consideram adequada sómente a níveis

mais elementares do ensino da ciência. Em seu lugar, temos a ―nova física‖, a

teoria da relatividade de Einstein e a mecânica quântica, ambas tendo mudado radicalmente o modo de se fazer física. A teoria da relatividade em si,

embora tenha conseqüências importantes no modo como se faz uma parte da física, provavelmente não levará a uma nova visão de mundo. Embora uma leitura

errônea de Einstein tenha sido animadora para a tendência a favor do “relativismo”, para certas correntes históricas e antropológicas a teoria da relatividade em si trata

da física das altas velocidades e enormes distâncias. Ela se consuma numa escala cosmológica e não tem virtualmente nenhuma aplicação em nosso cotidiano, em

nosso mundo de pés na terra. Assim, ainda que qualquer colegial saiba que o

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espaço é curvo e o tempo, da forma como o conhecemos, é muito improvável que

as pessoas comuns cheguem á uma compreensão da realidade diária sob as luzes da obra de Einstein.

A física quântica é diferente. Sendo a física desse minúsculo micromundo dentro

dos átomos, ela descreve o funcionamento interno de tudo o que vemos e ao

menos físicamente somos. Todo o mundo da matéria, incluindo nossos próprios

corpos, é feito de átomos e seus componentes ainda menores, e as leis que

governam esses pequenos pedacinhos de realidade básica transbordam para

nossa vida diária. Um único fóton, ou “partícula” de luz, afeta a sensibilidade do

nervo ótico. O princípio da incerteza que governa o comportamento dos elétrons

desempenha um papel na estrutura dos acidentes genéticos que contribuem para

o processo de envelhecimento e para a evolução de certos tipos de câncer, sendo

que o próprio processo evolutivo talvez seja afetado de maneira semelhante.3 Ao

nível da analogia, a física quântica está cheia de imagens que quase imploram

aplicação na vida diária. O princípio da incerteza de Heisenberg há muito

invadiu a linguagem dos sociólogos e psicólogos; a idéia do salto quântico tornou-

se o jargão comum para se discutir qualquer espécie de mudança rápida ; Ao longo desta série,estaremos mostrando vários modos segundo os quais, a

teoria quântica pode nos oferecer uma compreensão radicalmente nova de vários aspectos de nossa experiência, e este é o tema geral ; como uma

metáfora completamente nova para esta era, ou uma nova visão de mundo, deriva naturalmente daquilo que a física quântica nos conta sobre o mundo

físico e humano. As características desta visão de mundo se tornarão claras à medida que discutirmos por que a nova física é nova e percebermos como,

através de uma nova física da consciência, ela pode ser aplicada à filosofia da pessoa e à psicologia dos relacionamentos humanos.

A INFLUÊNCIA DA TEORIA QUÂNTICA

Sob alguns aspectos importantes, — como a física quântica se relaciona com

nossa experiência da vida diária-iremos direto ao coração do problema filosófico

central da própria teoria quântica. Até agora, passados sessenta anos de sua

jovem história, os físicos quânticos ainda se sentem absolutamente incapazes para explicar até mesmo como pode existir um mundo do cotidiano — o mundo de

mesas e cadeiras, pedras e árvores etc. — quanto mais para explicar como sua ciência se relaciona com este mundo. A teoria quântica é teoria física de maior

sucesso até hoje. Ela pode prever corretamente resultados experimentais com um acerto de várias casas decimais. No entanto, sua inabilidade em

explicar, quer as predições, quer os resultados, significa que nenhum quadro novo, uno da realidade, emergiu de todas as equações geradas, e menos

ainda uma nova visão de mundo na qual as descobertas da física quântica se

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enraízem para instigar a imaginação das pessoas comuns. Realmente, na

maior parte dos sessenta anos passados desde que a teoria quântica se completou, o consenso entre os físicos quânticos tem sido o de que eles não

podiam nem deveriam dizer coisa alguma sobre o mundo real e que sua única tarefa ―segura‖ seria continuar prevendo resultados através de suas

equações.

Essa posição “anti-realista”, que ficou conhecida como a Interpretação Copenhagen da teoria quântica por causa do físico dinamarquês Niels Bohr, seu

grande defensor, está influenciada pela natureza bizarra e indeterminada dos eventos no nível quântico, onde nada em particular pode ser declarado

existente em um local determinado e tudo flutua num mar de possibilidades. Isso levou a conversas absurdas entre os físicos quânticos e seus

seguidores filosóficos, incluindo-se aí a negação de uma realidade no nível subatômico ou mesmo, em alguns casos, a negação da existência de qualquer

realidade. Entretanto, há um mundo real onde as ―coisas‖ existem. As cadeiras são corpos sólidos e identificáveis, sobre os quais podemos nos

sentar. Para que a teoria quântica esteja realmente completa, e para que substitua, não só a física newtoniana como também toda a cosmovisão

newtoniana enquanto filosofia central de nossa era, ela deve ser conduzida a um diálogo mais estreito com tais fatos do mundo cotidiano. O argumento

central desta premissa é o de que nós, seres humanos conscientes, somos a ponte natural entre o mundo da experiência diária e o mundo da física

quântica, e que um exame mais acurado da natureza e do papel da consciência no esquema das coisas conduzirá a uma compreensão filosófica

mais profunda do dia-a-dia e a um quadro mais completo da teoria quântica.

E A CONSCIÊNCIA?

A existência da consciência foi sempre um problema. O que ela é, por que ela existe no mundo e como, de fato, pode tal coisa existir? Algumas respostas a estas

questões são necessárias a qualquer compreensão da vida ainda que em seu

sentido mais primário, como a “vida” de uma ameba. Num sentido mais amplo,

algumas respostas são necessárias para iluminar o significado e o propósito da vida, os porquês de nossa cultura e o lugar de um único indivíduo num universo

maior. Elas também são necessárias para se obter alguma compreensão do universo em si.Podemos considerar muito sériamente a possibilidade de que a

consciência, assim como a matéria, emerge do mundo dos acontecimentos quânticos e que ambas, embora completamente diferentes uma da outra, têm uma

“mãe” em comum na realidade quântica. Se assim for, nossos padrões de pensamento e, mais do que isto, nosso relacionamento com nós mesmos,

com os outros e com o mundo como um todo, poderão em alguns casos ser

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explicados pelas mesmas leis e padrões de comportamento que governam o

mundo de prótons e elétrons, em outros casos podem refletir essas mesmas leis e padrões. Se de fato nosso intelecto tira suas leis da natureza, segue-se que

nossa percepção dessas leis deve, em alguma medida, refletir a realidade da própria natureza. Se tal possibilidade existe, então, podemos retirar dela uma visão

similar àquela dos antigos gregos: Quando o homem está no mundo, é do mundo, está na matéria, é da matéria, ele não é um estranho mas um amigo,

um membro da família, um igual… Os gregos viviam num Universo conciliado, onde a ciência das coisas e a ciência do homem

coincidem. Podemos dizer que que temos hoje na física quântica os fundamentos de uma física sobre a qual podemos basear nossa ciência e

nossa psicologia, e que através de uma comunhão da física e da psicologia também poderemos viver num Universo conciliado, um Universo em que nós

e nossa cultura seremos plena e significativamente parte do esquema das coisas.

O QUE HÁ DE NOVO NA‖ NOVA FÍSICA‖

Certa vez Einstein disse que a teoria quântica lhe sugeria “um sistema de ilusões

de um paranóico extremamente inteligente, maquinado a partir de elementos de pensamento incoerentes”. Todos os adjetivos comumente aplicados a essa física

são do mesmo tipo: absurda, bizarra, assustadora, incrível, inacreditável etc. Até mesmo encontrar a maneira verdadeiramente apropriada para se descrever as

descobertas neste campo parece ser uma tarefa ardilosa. A nova física é tão nova que os próprios físicos quânticos ainda não se entenderam inteiramente a respeito

das mudanças conceituais que ela determina, refugiando-se na linguagem menos exigente das matemáticas. Mas é justamente aí, no cunhar de uma nova estrutura

conceitual para a nova física, que está o verdadeiro desafio cultural da ciência moderna. É difícil perder os velhos hábitos intelectuais. As categorias newtonianas

de tempo, espaço, matéria e causalidade impregnaram tão profundamente toda nossa percepção da realidade que emprestam sua cor a todos os aspectos de

nossa forma de pensar sobre a vida, e não é fácil imaginar um mundo que

arremede sua realidade. Ex;- Cada vez que dirigimos um automóvel de um

ponto a outro estamos, em alguma medida, conscientes do espaço entre os dois pontos e do tempo que levamos para percorrer o trajeto. O simples ato

de abrir e fechar uma porta nos torna subliminarmente conscientes tanto da existência material da porta como de nossa mão, e ainda da relação de causa

e efeito entre uma e outra. Como, então, lidar com a alegação de que não há espaço entre dois objetos distintos e, mais ainda, que não há objetos da

forma como normalmente os concebemos e que toda a noção de ―distintos‖ não tem nenhuma base na realidade? Como falar sobre acontecimentos ou

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relacionamentos se temos de renunciar a toda esta conversa de tempo e

nunca dizer que uma coisa causou outra?

Da primeira vez que se apresentam tais problemas, eles provocam uma espécie de torpor intelectual a que se segue uma tentativa de lidar com eles de alguma forma

conhecida. Mesmo os físicos quânticos, quando procuram entender o que suas equações estão indicando, inadvertidamente tentam colocar conceitos quânticos

novos dentro de categorias newtonianas antigas, o que por sua vez faz que vejam o próprio trabalho com a mesma estranheza dos leigos. Até agora, nenhum deles

conseguiu dizer realmente o que é que tudo isto significa. Ao longo desta série, tentaremos expressar os conceitos da teoria quântica numa linguagem

corriqueira e em termos do dia-a-dia sem, no entanto, cair na armadilha comum de tentar colocar ―pinos redondos em buracos quadrados‖. A radical

novidade de tudo ficará instantaneamente evidente quando examinarmos as noções básicas de ser, movimento e relacionamento no contexto da nova

física, e esperamos que nossa capacidade de assimilação dessas noções como parte integrante de nossa experiência pessoal cresça nos posts

posteriores.

SER - A MAIS REVOLUCIONÁRIA

A mais importante afirmação que a física quântica faz acerca da natureza da matéria, e talvez do próprio ser, provém de sua descrição da dualidade onda—

partícula — a afirmativa de que todo ser, no nível subatômico, pode ser igualmente bem descrito como partículas sólidas, como um certo número de minúsculas bolas

de bilhar, ou como ondas, como as ondulações na superfície do oceano. Mais que isto, a física quântica prossegue dizendo que nenhuma das duas descrições tem

real precisão quando isolada e que tanto o aspecto onda como o aspecto partícula do ser devem ser levados em conta quando se procura compreender a natureza

das coisas. É a própria dualidade o aspecto mais básico. A “substância” quântica é, essencialmente, ambos: o aspecto onda e o aspecto partícula

simultaneamente. Esta natureza do Ser Quântico está condensada numa das

colocações mais fundamentais da teoria quântica, o princípio da

complementaridade, que declara que cada modo de descrever o ser, como onda ou como partícula, complementa o outro e que o quadro completo

surge somente do ―pacote‖. Como os hemisférios direito e esquerdo do cérebro, cada uma das descrições fornece um tipo de informação que feita à

outra. Se, num dado momento, o ser elementar se mostra como uma ou como a outra, isso depende das condições gerais — o crucial nisso, como

veremos mais adiante, pode ser que qualquer uma das duas ou que nenhuma esteja observando, ou, quando elas estão, o que estão procurando.

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ONDA E PARTÍCULA-QUAL A MAIS FUNDAMENTAL?

Tal dualidade e o conceito um tanto etéreo de matéria que isso representa, não

poderiam estar mais distantes da noção corriqueiramente sustentada pela física newtoniana ou clássica. Na física de Newton, como em nossa percepção comum

de questões maiores, presumia-se que o ser, em seu nível mais básico e

indivisível, consistia em partículas pequeninas e distintas entre si, os átomos que

colidem, se atraem e se repelem uns aos outros. Eram sólidos e separados, cada qual ocupando um lugar próprio e definido no espaço e no tempo. Em

contrapartida, os movimentos de onda (como ondas de luz) eram considerados vibrações que ocorriam numa espécie de “gelatina” subjacente (o éter), não sendo

coisas fundamentais por si mesmas. Assim, tanto ondas como partículas tinham seu papel dentro da física newtoniana, mas as partículas eram consideradas mais

básicas, e delas é que a matéria se formava. Para a física quântica, porém, tanto ondas como partículas são igualmente fundamentais. Uma e outra são

modos pelos quais a matéria se manifesta, e as duas juntas são o que a matéria é. E, ainda que nenhum dos ―estados‖ seja completo em si mesmo e

ambos sejam necessários para nos dar um quadro completo da realidade, na verdade só conseguimos focalizar um de cada vez. Esta é a essência do

princípio da incerteza de Heisenberg, que, como o da complementaridade, é um dos princípios mais fundamentais do ser na teoria quântica. Segundo o

princípio da incerteza, as descrições do ser como onda e como partícula se excluem mutuamente. Embora ambas sejam necessárias à compreensão

integral do que o ser é, somente uma está disponível num determinado momento do tempo. Consegue-se medir ou a exata posição de algo (como

um elétron) quando ele se manifesta como partícula, ou seu momentum (sua velocidade) quando ele se expressa como onda, mas nunca se consegue

uma medida exata de ambos a um só tempo. A charada da medição dos elétrons é um pouco como a dinâmica de uma primeira entrevista

psiquiátrica na qual, idealmente, o psiquiatra gostaria de saber tanto os fatos relevantes do histórico do paciente como também estabelecer algum tipo de

relação com ele. O problema é que, se o psiquiatra faz perguntas factuais para conseguir o histórico, recebe respostas factuais, e o paciente em si, seu

modo de ser naquele momento, fica em segundo plano. Em contrapartida, se o psiquiatra decide abandonar as perguntas para ouvir de forma mais criativa

e receptiva, conseguirá ―sentir‖ o paciente muito bem, porém chegará ao fim

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da entrevista sabendo muito pouco do histórico. Colheita de fatos e criação

de um relacionamento parecem se excluir e, no entanto, ambos são necessários para formar um quadro completo do estado do paciente.

NEM PARTÍCULA NEM ONDA….

Da mesma forma, a maioria dos elétrons e outras entidades subatômicas não são nem totalmente partículas nem totalmente ondas, mas, antes, uma

confusa espécie de mistura das duas conhecida como ―pacote de onda‖, e é aqui que a dualidade onda— partícula e o mistério quântico se revelam

plenamente. Embora possamos medir propriedades das ondas e propriedades das partículas, as propriedades exatas da dualidade sempre escapam a qualquer

medição. O máximo que se pode pretender em relação a qualquer pacote de onda é uma leitura nublada de sua posição e uma leitura igualmente nublada de seu

momentum. Este ―nublamento‖ essencial é a incerteza à qual se refere o princípio da incerteza, e ele substitui o velho determinismo newtoniano, em

que tudo da realidade física é fixo, determinado e mensurável, por um vasto ―mingau‖ de ser onde nada é fixo nem totalmente mensurável, onde tudo

permanece indeterminado, algo fantasmagórico e sempre um pouco além de nossa compreensão.

Assim como muitas vezes sentimos que nunca compreendemos inteiramente uma

outra pessoa, nunca realmente conseguimos determinar sua natureza essencial, é

uma verdade indubitável que nunca conhecemos plenamente uma partícula

elementar. É como se estivéssemos eternamente condenados a enxergar apenas

sombras em meio à neblina. A natureza total dessa indeterminação quântica vai

direto ao coração do problema filosófico central levantado pela mecânica quântica

— a natureza da própria realidade. Alguns teóricos quânticos, e em primeiro lugar

dentre eles Niels Bohr, bem como o próprio Heisenberg, argumentam que a

realidade fundamental em si é essencialmente indeterminada, que não há um

“algo” nítido e fixo subjacente a nossa existência diária que possa ser conhecido.

Tudo da realidade é e continua sendo uma questão de probabilidades. Um elétron

pode ser uma partícula, pode ser uma onda, pode estar nesta órbita, pode estar

naquela — de fato, tudo pode acontecer. Só podemos prever essas coisas com

base no que é mais provável dadas as condições gerais de determinada situação

experimental. Dentro desta visão, na qual a base essencial da realidade tal como a

conhecemos consiste apenas em tais e tantas possibilidades, ficamos com o

problema central da teoria quântica irresoluto: como podem as coisas deste mundo

chegar a se tornar reais, fixas? É o exato oposto do dilema levantado pelo

Universo mecânico de Newton no qual não há espaço para o novo. Lendo Newton,

sentimos a necessidade de perguntar: como é que alguma coisa consegue

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acontecer? Com a interpretação de Bohr— Heisenberg da mecânica quântica o

problema passa a ser: como é que alguma coisa consegue ser? Mas outros

teóricos quânticos, liderados por um apaixonado Einstein, argumentaram que

qualquer realidade tão completamente indeterminada, probabilística, não poderia

ser concebida. O Todo-Poderoso, assegura-nos Einstein, não sancionaria um

Universo que funcionasse como uma casa de jogo banal — “Deus não joga dados

com o Universo”, disse ele. Os partidários de Einstein argumentam que o

indeterminismo essencial exigido pela mecânica quântica repousa não na própria

realidade, mas antes deriva do fato de que a teoria quântica em si não está

completa, ou seja, da nossa inabilidade em estudar a natureza sem perturbá-la.

Eles ressaltam que a teoria falha justamente no ponto em que deveria explicar a

existência das coisas concretas e insistem em que o mundo concreto é tão fixo e

real como sempre pensamos. Somos nós que, por causa dos métodos de medição

ou das equações que empregamos, não conseguimos conhecê-lo.

PROBABILIDADES INFINITAS

Embora concordando com Einstein que a atual física quântica, da forma

como está estruturada, deixa de nos dar uma explicação adequada do mundo material de nosso dia-a-dia, nossa tendência pessoal é adotar a visão de

Bohr—Heisenberg á respeito da indeterminação; isto é, queremos defender a visão de que o fundamento mesmo da realidade é um labirinto móvel e

indeterminado de probabilidades; Esta tendência virá mais adiante quando discutirmos a natureza da consciência e sua relação com a física quântica. O

funcionamento de nossa própria mente poderá fornecer uma chave para a natureza fundamental da realidade. Por enquanto, a indeterminação quântica

é, no mínimo, uma maneira metafórica muito poderosa para se perceber a

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realidade. Ao nível do cotidiano podemos ver o princípio da incerteza e o da

complementaridade — a dualidade onda—partícula — como algo que nos oferece a chance de escolher entre diversas maneiras de se enxergar um

mesmo sistema. Por exemplo, podemos pensar nas ondas como gigantescas ondulações na superfície do mar ou podemos pensar nelas como certa

quantidade de ―partículas‖ (moléculas) de água. Podemos pensar numa nação como uma entidade viva com características próprias, etnia e história,

ou podemos dividi-la em cidades separadas, prédios distintos, pessoas distintas. Se levarmos isto ainda mais adiante, poderemos pensar nos tijolos

que compõem os prédios ou nas células corporais das pessoas, ou mesmo nas moléculas e átomos que formam cada uma delas. Vários tipos de coisas

podem ser vistos mais claramente se observados sob várias perspectivas, e quem poderá dizer qual a mais fundamental? Qual ou o que existe mais

―realmente‖? A teoria do campo quântico nos leva ainda mais longe, para além do Universo morto e silencioso de Newton, dando-nos um quadro

vivido do fluxo dinâmico que repousa no coração de um ser indeterminado. Ali, mesmo aquelas partículas que chegam a se manifestar como seres

individuais o fazem apenas rapidamente. Em níveis de energia suficientemente elevados, partículas podem surgir de um fundo de pura

energia (ondas), existir por um tempo ínfimo e então dissolver-se novamente para formar outras partículas ou voltar àquele profundo oceano de energia —

como os pequenos rastros de vapor que aparentemente surgem do nada, atravessam um pequeno espaço na neblina e então desaparecem novamente.

Algumas das propriedades dessas partículas individuais transitórias são

conservadas — sua massa, carga e spin (movimento angular intrínseco) —,

porém, para o número e tipo da população de uma nação ou a construção e

declínio de suas cidades e prédios distintos, tal constância se restringe ao balanço

geral do sistema como um todo. Este quadro gráfico de surgimento e

desaparecimento, ou início e cessação de partículas subatômicas isoladas no nível

quântico da realidade, traz profundas implicações para nossa maneira de enxergar

a natureza e a função das personalidades individuais, ou a sobrevivência do ser

individual.

O MOVIMENTO NA FÍSICA CLÁSSICA

O movimento parece um conceito bastante simples, familiar à nossa percepção

diária, do modo como as coisas se deslocam. Um objeto, digamos, uma bola, viaja sem interrupção do ponto A ao ponto B, leva determinada quantidade de tempo

para transitar de um ponto ao outro e só começa sua viagem porque alguém a jogou. Portanto, ela se move suavemente pelo tempo e pelo espaço como

resultado de uma relação de causa e efeito. Todos sabemos que esta é a forma

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básica pela qual os acontecimentos de nosso mundo são estruturados. No

entanto, ao nível quântico da realidade, todo esse quadro de movimento contínuo pelo tempo e pelo espaço se desfaz. A física quântica, conforme

coloca um físico de Oxford, é uma física de ―pacotes‖ e ―pulos‖. Os ―pacotes‖ apareceram nos primeiros tempos da física quântica quando Max

Planck provou que toda energia é irradiada em pacotes individuais chamados ―quanta‖, em vez de em correntes fluindo sobre um espectro contínuo. Os

―pulos‖ ou ―saltos‖ surgiram alguns anos depois quando Niels Bohr demonstrou que os elétrons pulam de um estado energético a outro por meio

de saltos quânticos descontínuos, cujo tamanho depende de quantos quanta de energia os elétrons absorveram ou

liberaram. O átomo de Bohr original, atualmente um

tanto obsoleto, mas ainda útil para

demonstrar o efeito dos saltos quânticos, se

assemelhava a um minúsculo sistema solar.

Ele tinha um núcleo comparativamente

grande no centro, fazendo o papel do Sol, e

vários elétrons o circundavam, cada qual em

sua órbita individual — cada órbita

representando um determinado estado de

energia que o elétron pode ocupar. No final das contas não havia nenhuma regra

ou razão para um átomo pular de uma órbita a outra, ou para o tamanho do salto

que ele daria. Tudo o que se podia prever era que seu caminho não seria suave e

que a “distância” (diferença energética) percorrida poderia ser medida em tantos

quanta inteiros. A nova descrição do movimento como uma série de saltos

descontínuos foi uma das mudanças conceituais mais fundamentais que

emergiram da teoria quântica. Foi como substituir o suave fluir da vida real por

fotogramas como os que compõem as unidades individuais de um filme. De fato, a

teoria mostrava que todo movimento — mesmo o que percebemos como suave e

contínuo — está estruturado da mesma forma que a sucessiva apresentação dos

fotogramas. E assim como ocasionalmente um filme pode “saltar” dentro do

projetor, também as partículas subatômicas podem saltar “vários fotogramas para

frente” pulando os estágios intermediários que pareceriam o caminho mais natural.

As analogias que se pode fazer com processos mentais e culturais são

inumeráveis.

AS QUESTÕES PRÁTICAS

Como já vimos na discussão sobre o “Ser” na teoria quântica, o princípio da incerteza de Heisenberg surgiu do problema de se tentar seguir e descrever o

verdadeiro movimento de uma partícula subatômica ao longo de seu caminho

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descontínuo. Numa região onde a realidade parece constituir-se não de realidades

fixas que podemos conhecer, mas sim de probabilidades que talvez conheçamos, quanto mais se procura analisar os movimentos de qualquer partícula, mais

enganosa ela se torna. Esta qualidade enganosa é o maior problema levantado pela teoria quântica. O outro grande problema é o destino de todas aquelas

probabilidades não aproveitadas. Se a realidade, no nível do cotidiano, em que normalmente a experimentamos, consiste de fato de coisas reais como

corpos e escrivaninhas e cadeiras, ao passo que no nível quântico não existem ―coisas‖ reais mas somente uma miríade de possibilidades de

incontáveis realidades, o que é feito de todo este potencial? Em que estágio e por que uma das muitas possibilidades da natureza se fixa no mundo das

―coisas reais‖, e que papel desempenham todas essas possibilidades não aproveitadas (se é que desempenham algum papel) na realização desse

estado final das coisas?

A resposta a estas perguntas será de

nosso interesse mais tarde, quando

discutiremos a natureza e função da

Consciência. Até agora não há

nenhuma boa resposta para o porquê

da realidade presente — e teremos

boas razões para entender isso mais

tarde —, mas já se compreende melhor

o papel espantoso da possibilidade na

sua fixação ou mesmo na sua criação.

Isto pode ser visualizado de forma

impressionante nos saltos de elétrons.

Quando um elétron faz uma transição

de um estado de energia a outro dentro do átomo, vimos que ele o faz de forma

completamente espontânea e aleatória. Súbitamente, sem aviso prévio e

certamente sem “causa”, um átomo antes “quieto” poderá experimentar o caos em

suas camadas de energia eletrônica. Tudo depende muito de sorte. E os elétrons

podem, com igual probabilidade, fazer uma transição de um estado de energia

mais alto para um mais baixo, ou de um mais baixo para um mais alto. Por isso se

diz que há reversibilidade do tempo no nível quântico: as coisas podem acontecer

em qualquer direção. Nesse átomo perturbado não há nenhuma sucessão

conhecida de acontecimentos, com uma coisa causando a outra. As coisas

simplesmente “acontecem porque acontecem”, assim como as imagens livremente

reunidas num poema, onde se sucedem, uma após outra, sem obedecer a

nenhuma ordem necessária. E, pior do que isso, elas acontecem simultâneamente

em todas as direções, o que nos leva à questão das “possibilidades

perdidas”. Quando um elétron, a pretexto de uma onda de probabilidade,

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pretende mudar de uma órbita para outra, ele primeiro se comporta como se

estivesse ―espalhado por uma ampla região do espaço‖, revelando uma espécie de onipresença sobrenatural em muitas órbitas. Ele lança ―sensores‖

temporários na direção de sua futura estabilidade, experimentando — de uma vez só — todas as novas órbitas possíveis nas quais poderá futuramente

assentar-se, algo bem parecido conosco quando experimentamos uma idéia nova, criando cenários imaginários nos quais vemos suas inúmeras

possíveis conseqüências.

Na teoria quântica estes “sensores”

temporários são chamados “transições

virtuais”, ao passo que a transição final do

elétron para sua casa nova e definitiva é

chamada “transição real”. No entanto, como

previne o físico quântico David Bohm, não

devemos tirar conclusões errôneas levados

pelos termos “virtual” e “real”. Por vezes

permanente (isto é, energia conservante)

são chamadas transições reais, para se

distingui-las das chamadas transições

virtuais, que não conservam energia e que,

portanto, devem ser revertidas antes que

cheguem longe demais. Esta terminologia é muito infeliz, pois sugere que as

transições virtuais não têm efeitos reais. Ao contrário, geralmente elas são da

maior importância, porque um grande número de processos físicos resulta dessas

assim chamadas transições virtuais. Ex;- A situação é um pouco parecida com aquela de uma jovem recatada que é por fim apresentada à sociedade em seu

début. Antes tão serena, ela se vê excitadíssima quando confrontada com pedidos de casamento de vários pretendentes. Todo um mundo novo de

possibilidades abriu-se a ela, que, naturalmente, quer realizar seu maior potencial de fazer o casamento certo com o homem de seus sonhos. No

mundo real (o mundo da realidade diária) ela teria de examinar uma a uma

essas diversas possibilidades, talvez saindo várias vezes com cada um dos

pretendentes antes de se sentir segura de estar escolhendo o homem certo. Mas no mundo quântico a indecisa mocinha ficaria com todos os

pretendentes ao mesmo tempo, talvez até montando uma casa com cada um deles simultâneamente. Se seus pais, escandalizados, quisessem lhe

escrever uma carta condenando seu comportamento libertino, não conseguiriam saber onde encontrá-la. Teriam de mandar cópias da carta para

todos os seus endereços já que, na verdade, ela estaria em todos eles. E, se os ninhos de amor dessa mocinha fossem suficientemente próximos uns dos

outros,• ela poderia até se postar em suas várias varandas e acenar para si

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mesma do outro lado! Por fim, é claro, tendo explorado plenamente suas

possibilidades, a moça acabaria assentando-se, casando e morando em uma casa com apenas um dos pretendentes, mas não sem deixar ―traços‖ seus

nas várias vizinhanças onde ocupou endereços temporários. Os vizinhos talvez se lembrassem dela, perguntando-se o que teria sido feito daquela

moça; e, se a natureza tivesse seguido seu curso normal, haveria proles advindas de suas muitas ligações temporárias, que por sua vez cresceriam e

viriam a influenciar o mundo. (Pois um grande número de processos físicos é resultado dessas transições virtuais.)

Na realidade, para a teoria quântica, as casas poderiam estar a qualquer distância

uma da outra, pois as transições virtuais de um elétron influem uma na outra mesmo a uma distância infinita. A realização de múltipla escolha de fato acontece

sempre que há um ponto de decisão a respeito do meio pelo qual um processo físico indeterminado poderá se resolver. Chamada ―teoria dos muitos mundos‖,

ela sugere que há um número infinito de mundos, em cada um dos quais poderemos encontrar uma versão de nós mesmos, cada qual diferente da

outra, na medida em que cada uma seguiu uma diferente corrente de acontecimentos. Segundo essa visão, não há possibilidades perdidas —

podemos viver todas. No entanto, haverá razão para empregar de vez em quando as muitas analogias entre os processos psicológicos e o papel das

transições virtuais quânticas. Na natureza, por exemplo, David Bohm já sugeriu que, ―sob muitos aspectos, o conceito da transição virtual assemelha-se à

idéia da evolução na biologia, que sugere que todas as espécies podem aparecer como resultado de mutações, mas que somente algumas espécies

podem sobreviver indefinidamente, a saber, aquelas que satisfazem certas exigências de sobrevivência do meio ambiente específico daquela

espécie‖. As muitas espécies criadas por mutações podem ser vistas como várias possibilidades (estados virtuais) sendo exploradas pela natureza

como novas formas por intermédio das quais ela procura expressar seu potencial. As possibilidades menos inviáveis acabam morrendo, como diz

Bohm, mas freqüentemente não sem antes deixar algum traço de si, que perdura, tornando-se parte da trama da vida. Dois mutantes inviáveis

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poderão, por exemplo, cruzar e formar uma terceira espécie capaz de

sobreviver por longo tempo (uma transição real). É muito provável que os seres humanos sejam resultado de tal cruzamento entre duas ―espécies

virtuais‖, uma mutação secundária que deu certo, vinda de obscuras formas de vida conhecidas apenas como o elo extraterrestre perdido.

RELACIONAMENTO,TALVEZ….

Mais do que qualquer outra coisa, a física quântica promete transformar nossas

noções sobre relacionamento. Tanto o conceito do Ser enquanto dualidade indeterminada de onda— partícula como o conceito de movimento que deriva das

transições virtuais, pressagiam uma revolução em nossa percepção de como as coisas se relacionam. Coisas e acontecimentos que antes eram concebidos como

entidades separadas pelo espaço e pelo tempo, agora são vistos pelo teórico quântico como tão integralmente ligados que sua ligação faz as vezes de ambos,

espaço e tempo. Eles se comportam como aspectos múltiplos de um todo maior, sendo que suas existências “individuais” ganham definição e sentido através do

contato com esse todo. A nova noção mecânico-quântica de relacionamento vem co mo conseqüência direta da dualidade onda—partícula e da tendência de que

uma “onda de matéria” (ou “onda de probabilidades”) deve se comportar como se estivesse espalhada por todo espaço e tempo. Mas, se todas as “coisas”

potenciais se estendem indefinidamente em todas as direções, como se poderá falar em alguma distância entre elas ou conceber alguma separação? Toda as

coisas e todos os momentos tocam uns nos outros em todos os pontos; a unidade do sistema completo é suprema. Segue-se disto que a noção antigamente

fantasmagórica do ―movimento á distância‖, em que um corpo influencia o outro instantâneamente apesar de inexistir troca aparente de força ou de

energia, é um fato banal e corriqueiro para o físico quântico — um fato tão estranho a qualquer estrutura de tempo e espaço que permanece um dos

maiores desafios conceituais levantados pela teoria quântica.

Uma visão da realidade que aceita o movimento instantâneo á distância ou a não-

localidade, como é mais adequadamente chamada (princípio que diz que algo

pode ser afetado mesmo na ausência de uma causa local), tem uma coloração óbviamente mística. Na verdade, ela afronta violentamente o bom senso e a física

clássica. Ambos repousam no princípio intuitivo de que, em algum nível, a realidade é composta de componentes básicos, indivisíveis, inerentemente

distintos entre si e que qualquer efeito experimentado por uma parte tem uma causa que a explique em outra parte. Além disso, segundo a teoria da relatividade,

nenhuma causa (digamos, sinal) é capaz de viajar de um pedaço de realidade para afetar outro mais rápidamente que a velocidade da luz. Assim, quaisquer idéias de

influências instantâneas deveriam estar fora de cogitação. Todo o problema da

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não-localidade é tão difícil que nem sequer foi levantado nos primórdios da teoria

quântica, e sómente nos últimos anos é que os físicos vêm tentando entender-se com ele. Foi Einstein quem primeiro demonstrou que as equações da teoria

quântica prediziam a necessidade de não-localidade instantânea. Para ele, isto era impossível (“fantasmagórico e absurdo”, como disse) e jamais sentiu-se à vontade

com as implicações metafísicas mais amplas da física quântica. A previsão da não-localidade era a prova clara de que ele precisava para dizer que a teoria quântica

estava “incompleta e mal pensada”, e ele se empenhou para que isso fosse reconhecido.

Num dos famosos paradoxos da física — o Paradoxo de Einstein, Podolsky e

Rosen ou E.P.R. — ele demonstrou, de uma vez por todas, como supôs, que a presumida existência das influências não-locais levava a uma contradição. O teor

do Paradoxo de E.P.R. pode ser compreendido se imaginarmos o destino de um hipotético par de gêmeos idênticos; nascidos em Londres, mas separados desde o

nascimento. Um deles continua morando em Londres. O outro foi viver na Califórnia. Ao longo dos anos não há contato entre os gêmeos; na verdade, um

ignora a existência do outro. O bom senso dirá que os gêmeos vêm levando vidas completamente distintas. Mas, apesar de sua separação e da ausência de

comunicação entre eles, um psicólogo que vem estudando a vida dos gêmeos

observou uma impressionante correlação em seus estilos de vida. Ambos

adotaram o apelido de “Badger”, ambos trabalham como advogados no escritório de um procurador da prefeitura, ambos se vestem quase exclusivamente em tons

de marrom e ambos casaram-se com loiras de nome Jane na idade de 24 anos. Como se explica tudo isso? O físico quântico não teria nenhuma dificuldade em

acreditar na correlação das vidas dos gêmeos. Ele diria que suas equações sempre previram isto e que todas as ligações entre eles são satisfatoriamente

explicada pelo fato de suas existências individuais serem aspectos de um todo maior. Mas Einstein achava que isto não bastava. Em sua teoria das variáveis

escondidas sugeriu como alternativa (continuaremos utilizando a analogia dos

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gêmeos) que devia haver algum fator ; Na realidade, o Paradoxo de E.P.R. diz

respeito a um experimento mental proposto por Einstein, Podolsky e Rosen no qual um físico tentaria medir posição e momento linear de dois prótons

que se projetam em direções opostas partindo de uma fonte comum. David Bohm revisou isto mais tarde sugerindo que o físico medisse o spin de dois

prótons, e sua sugestão tornou-se a base para experimentos de real correlação, realizados na década de 70, com fótons ou “partículas de luz”. comum, talvez o

material genético comum, que predeterminava a similaridade de suas vidas. A controvérsia foi enfim resolvida por um físico chamado John Bell, que sugeriu uma

experiência conhecida como teorema de Bell. Para obedecer ao teorema de Bell, que determina que se interfira com um dos elementos do par para ver o que

acontece com o outro, teríamos de escolher um momento e dar um bom empurrão no gêmeo que mora em Londres, fazendo-o cair da escada e quebrar a perna.

Ninguém pode sustentar que a herança genética explicaria o fato de o outro gêmeo sofrer uma queda similar lá na Califórnia. Portanto, se o gêmeo da Califórnia

continuar são e salvo enquanto sua contrapartida londrina sofre o acidente, então a teoria quântica está errada e Einstein certo; porém, se o gêmeo da Califórnia cair,

Einstein está errado e a teoria quântica correta.

Na verdade o que ocorre é que, quando o gêmeo londrino leva o empurrão, o da Califórnia também cai exatamente da mesma forma, no mesmo momento e

também quebra a perna, embora ninguém tenha lhe dado um empurrão. Todos os aspectos de suas vidas são inseparáveis. No nível subatômico, tais experimentos

de correlação foram realizados muitas vezes usando-se pares de fótons correlatos. As influências não-locais que unem seus “estilos de vida” foram provadas muitas e

muitas vezes. Os padrões de comportamento dos fótons são tão extraordinariamente ligados mesmo através de qualquer separação espacial —

poderia ser uns poucos centímetros ou todo o Universo — que parece não haver nenhuma distância entre eles.

Experiências similares foram realizadas para provar os mesmos efeitos espantosos

de correlação no tempo. Eles conseguem vencer o tempo numa espécie de dança

sincronizada que desafia toda nossa imaginação tão atrelada ao bom

senso;Imagine, por exemplo, o caso de dois barqueiros que transportem mercadorias de um lado para outro do rio, cada qual com seu barco. O barqueiro A

com um barco, o barqueiro B com outro. Quando há muito movimento de mercadorias ambos trabalham em período integral, mas nos períodos de

movimento fraco decidem trabalhar em turnos. O barqueiro A trabalha de manhã e o barqueiro B à tarde. Nos períodos de muito movimento, quando os dois

trabalham o dia todo, escolhem arbitrariamente o barco que irão usar, sendo que nenhum dos dois considera um dos barcos o “seu”. Quando passam a trabalhar

em turnos esta arbitrariedade na seleção dos barcos persiste — mas com uma

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peculiaridade decisiva. Quando o barqueiro A chega para o turno da manhã,

escolhe arbitrariamente um dos barcos para usar; quando B chega para cumprir o turno da tarde sempre pega o barco que A não usou pela manhã (embora não

tenha meios de saber que barco A usou).

Assim, embora os dois barqueiros cheguem ao trabalho em horas diferentes durante o dia, continuam a usar os dois barcos como se ambos estivessem

presentes. Seus comportamentos estão ligados, apesar da diferença de tempo entre seus turnos, de tal modo que sempre são correlatos. As correlações

demonstradas por um experimento com fótons seguindo esta mesma idéia dos barqueiros hipotéticos foram sempre tão exatamente simétricas que não faz

sentido dizer que o barqueiro A escolheu um certo barco prevendo que B escolheria o outro, ou que B escolheu tal barco por algum conhecimento misterioso

de qual barco A escolhera antes. Só se pode afirmar que as correlações mostram que dois eventos podem estar relacionados através do tempo de tal modo que

garanta que seu comportamento seja sempre “sintonizado”, sendo inútil tentar estabelecer um vínculo de causa e efeito. Tal relacionamento sincrônico é a base

de todo o relacionamento mecânico-quântico, o que empresta uma nota bastante moderna à noção grega pré- socrática da “unidade do ser”. Em que medida

existem influências não-locais correlatas entre dois corpos ou eventos aparentemente distintos é algo que depende da medida em que um sistema esteja

num estado de “partícula” ou de “onda”. As partículas comportam-se mais como indivíduos e são menos correlatas; as ondas apresentam um padrão de

comportamento correlato mais do tipo grupal. Voltarei a esta questão em capítulos posteriores ao discutirmos a identidade pessoal e as raízes da alienação. A

existência de correlações quânticas não-locais abalou o mundo da física e é um dos principais fatores que impossibilitaram os físicos quânticos de dizer

o que significa sua teoria. Será, então, importante nos perguntarmos se o novo conceito de relacionamento alicerçado na não-localidade não nos

estará oferecendo uma chave para uma compreensão completamente nova de nós mesmos.

CONCLUSÃO E NOTA DO BLOG

Um experimento recente, que parece mostrar que a função de onda é real,

está mexendo com a nossa concepção filosófica da realidade.Seguindo o caminho das partículas subatômicas até as entidades cosmológicas –

lembrem-se da busca pela unificação da mecânica quântica com a relatividade -, uma das possibilidades dentre aquelas que têm sido levadas a

sério pelos físicos, está a existência de universos paralelos, ou multiversos.Podemos postular até agora, o seguinte;

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1-O universo no qual vivemos é apenas um de um número gigantesco de

mundos. Alguns são quase idênticos ao nosso, mas a maioria é muito diferente;

2-Todos esses mundos são igualmente reais, existindo continuamente ao longo do tempo, e todos possuem propriedades definidas com precisão;

3-Todos os fenômenos quânticos emergem a partir de uma força universal de repulsão entre os mundos ‗próximos‘ (ou seja, semelhantes), o que tende a

torná-los mais desiguais. A teoria quântica poderia então ser entendida como o limite contínuo de uma

teoria mecânica vigorando em um número enorme, mas finito, de mundos clássicos, e os efeitos quânticos decorreriam exclusivamente de uma

interação universal entre esses mundos, sem referência a qualquer função de onda.O que os físicos chamam de ―mundo‖ é um universo inteiro, com

propriedades bem definidas, determinadas pela configuração clássica das suas partículas ecampos.Isso, claro, compromete o conceito tradicional de

Universo como compreendendo ―tudo‖. Essa questão aparentemente semântica começa então a ganhar significado prático: para manter o

Universo como o ―todo‖, a equipe chama seus ―universos individuais‖ de mundos.Em nossa abordagem, cada mundo evolui de forma

determinística, as probabilidades surgem devido à ignorância a respeito de qual mundo um determinado observador ocupa, e argumentamos que, no

limite de um número infinito de mundos, a função de onda pode ser recuperada (como um objeto secundário) a partir do movimento desses

mundos. Parte 2

A CONSCIÊNCIA E O GATO

Os que já leram algum dos populares livros sobre mecânica quântica conhecem o gato de Schrödinger. Seu destino é o de viver e viver parcialmente. O pobre animal

sofre de uma crise de identidade peculiarmente quântica, estando indefinidamente

suspenso num estado intangível no qual não está nem vivo nem morto. Sua triste

condição já gerou mais especulação e controvérsia do que qualquer outro problema levantado pela nova física, e não sem razão, pois ela lança a questão da

consciência humana e seu possível papel na formação da realidade física.Ficou claro no último post que o enigma central a ser resolvido pela física quântica

e por aqueles que gostariam de usá-la para falar sobre o mundo não é ―Como é que as coisas podem acontecer?‖ mas, antes, ―Como é que as coisas

podem ser (ou existir?)‖ Se, como a corrente dominante dos físicos quânticos acredita, a realidade, em seu nível mais fundamental, for apenas um indefinido

mingau de infinitas possibilidades, um fluxo pululante de ondas híbridas de

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matéria, como é que se consegue obter o mundo conhecido de objetos sólidos e

definidos que vemos à nossa volta? Em que ponto e por que a matéria se torna real? Para ilustrar o problema e seu paradoxo, Irwin Schrödinger, um dos

fundadores da teoria quântica, trouxe seu gato para a discussão. O gato de Schrödinger foi colocado em uma daquelas indefectíveis jaulas de laboratório

usadas para experimentação com animais, só que desta vez as paredes da jaula eram sólidas. Isto é fundamental, pois para compreender onde repousa o paradoxo

não se pode ver o gato até o final da história. Dentro da caixa opaca, Schrödinger arquitetou um experimento macabro. Ele colocou um pedacinho de material

radioativo lá dentro, sendo que este material radioativo (para facilitar a metáfora) tem uma chance de 50% de emitir uma partícula de decaimento para baixo. Se a

partícula for para cima ela encontra um detector de partículas que, por sua vez, aciona uma alavanca que libera um veneno letal para dentro do prato de comida

do gato. O gato come e morre. De forma semelhante, se a partícula for para baixo é acionada uma alavanca que libera alimento e o gato sobrevive para enfrentar

outra experiência.

OS RESULTADOS POSSÍVEIS

Para cima ele morre e para baixo ele vive — são os que esperaríamos no mundo do dia-a-dia. Mas as coisas não são tão simples assim para os gatos quânticos. Na

verdade, elas não são nada simples, pois, segundo a corrente dominante na teoria quântica, o gato está vivo e morto ao mesmo tempo. Ele existe num estado

sobreposto de ambos os estados de uma vez — como os elétrons que são considerados ambos onda e partícula ao mesmo tempo (post anterior). Assim

como a libertina quântica que foi capaz de viver com todos os namorados simultâneamente(vide post anterior), o ser do gato mecânico-quântico de

Schrödinger está “espalhado” pelo espaço e pelo tempo. Sua possível vida e seu possível estado de morte se “abrem” pela jaula como uma onda de probabilidade

que enche o espaço do experimento. Só o que podemos fazer é descrever todos os seus possíveis estados através da função de onda de Schrödinger — isto é,

com uma equação matemática que menciona suas várias possibilidades, assim

como as regras do pôquer determinam os vários tipos de jogo que podemos

montar e o que poderemos fazer com eles, sem, no entanto, revelar-nos que jogo sairá para nós do baralho. Isto é uma questão de probabilidades.

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Nesse caso, a função de onda (a ―regra do jogo‖) nos diz que o gato comeu o

veneno e morreu (Possibilidade I) e que o gato desfrutou de uma nutritiva refeição e vive (Possibilidade II). Sómente quando a função de onda ―entrar

em colapso‖, no momento em que todas as possibilidades que ela descreve subitamente se solidificarem numa realidade fixa, é que poderemos obter um

gato para acariciarmos ou enterrarmos.

Um colapso (ou ponto de decisão) desse tipo, óbviamente tem de acontecer mais cedo ou mais tarde pois, conforme consta na história do gato, quando abrimos a

jaula e observamos o animal ele está, sem sombra de dúvida, morto; Mas por quê? O que matou o gato de Schrödinger? Esta pergunta, que se aplica não só a gatos

mecânico-quânticos como também a nós mesmos e a tudo o que vemos à nossa volta, vai direto à questão: por que existe a realidade?, e ilustra o motivo pelo

qual a crise de identidade do gato cria um paradoxo. Trata-se de um paradoxo, pois de um lado está o mundo repleto de gatos bastante normais, vivos ou mortos,

e de outro, a física, que vem ocupando as melhores cabeças científicas de nosso século, nos diz que isto é impossível. A matemática da equação de Schrödinger

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argumenta no sentido de que nada tem a capacidade de decidir o destino do

gato — nada pode colocar em colapso sua função de onda. Ao menos nada do mundo físico. Qualquer objeto físico posto dentro de sua jaula, como uma

câmara, por exemplo, que nos dissesse se ele está vivo ou morto, seria atingido pelo toque de Midas das excessivas possibilidades. Passaria a

apresentar um comportamento mecânico-quântico clássico e começaria a ser todas as coisas para todas as pessoas.

Assim, apesar do testemunho de nossos próprios olhos, a teoria quântica nos diz

que o gato está — e sempre estará — tanto vivo como morto.

Compreensívelmente, este paradoxo foi apelidado “o problema da observação”,

porque desafia nossas observações fundadas no bom senso e porque ressalta o

papel intrigante da observação (e do observador) na formação da realidade.

A REALIDADE ACONTECE QUANDO A VEMOS

Desde seus primórdios, a teoria quântica sugeria que algo muito estranho e de

suma importância acontece quando observamos um sistema quântico. Fenômenos quânticos inobservados são radicalmente diferentes dos observados — este é um

dos pontos principais da história que envolve o gato de Schrödinger. No momento da observação, ou da medição, elétrons préviamente inobservados que são tanto

ondas como partículas tornam-se ou onda ou partícula; fótons solitários não vistos, que de alguma forma misteriosa haviam conseguido passar por duas aberturas ao

mesmo tempo, de repente decidem escolher uma abertura em vez da outra, e o gato vivo e morto se torna algo com o qual podemos nos relacionar. Em suma, o

momento em que uma indefinida função de onda quântica de muitas possibilidades é vista (ou medida) tem alguma coisa que a faz ―colapsar‖

para uma única realidade fixa. O gato de Schrödinger não foi simplesmente encontrado já morto quando abrimos a jaula. De alguma maneira estranha

que ninguém compreende ainda, ele morreu porque olhamos para ele. A observação matou o gato.Isto é fato quântico comprovado — algo no ato da

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observação (ou da medição) faz colapsar a função de onda quântica• — e

este feto isolado tem implicações que examinaremos mais tarde. Mas por ser um fato sem explicação, e na verdade um fato que não deveria existir, ele

deixa todas as perguntas interessantes sem resposta e leva, compreensivelmente, a um bocado de especulação quântica — e a alguma

confusão quântica também.

Embora naturalmente curiosos para saber por que, afinal, o olhar pode matar, não

há motivo para nos perdermos nesta confusão. Solucionar o problema do colapso da função de onda é algo bem além da intenção desta série do blog.O argumento

é no sentido de que há uma física da consciência, e que esta física nos sugere muitas coisas sobre a ligação entre nós mesmos e a realidade física.

A base deste argumento, contudo, é muito diferente daquela utilizada pelos que alegam que foi a própria consciência que matou o gato de Schrödinger.

Sua utilização da consciência como um eficaz exterminador de gatos

repousa numa compreensão inteiramente diversa da natureza da consciência

do que aquela que estarei apresentando mais adiante.

Uns poucos físicos (e muitos de seus divulgadores) propõem que, pelo fato de a teoria quântica demonstrar que nada físico poderia ter exterminado o gato, deve

haver alguma explicação não física para sua morte. Algum deus ex- máquina, por assim dizer, entra na história, vindo de fora das leis da física para salvar

Schrödinger, seu gato e todos nós de um excesso de possibilidades. Este agente metafísico da realidade não pode ser o aparelho de medição do

observador nem seu cérebro ou sua mente, que são todos do mundo físico e,

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portanto, previstos na equação de Schrödinger. Assim, deve ser o próprio

observador quem mata o gato — isto é, a consciência incorpórea, imaterial do observador.

Segundo esta visão, proposta principalmente pelos físicos quânticos John Archibald Wheeler eEugene Wigner , a consciência humana é o elo perdido

entre o bizarro mundo dos elétrons e a realidade do cotidiano. Ironicamente, esta conclusão se aproxima muito da minha, mas as razões pelas quais

cheguei a ela são radicalmente diferentes, e esta diferença é importante para tudo o que vem mais adiante neste livro. Aqueles que concluem que a

consciência provoca o colapso da função de onda porque sua natureza é essencialmente não física comprometem-se e comprometem a física quântica

com a velha visão cartesiana de que a mente e a matéria são entidades distintas. Eles vêem a consciência como algo necessáriamente externo ao

mundo físico e, portanto, como algo alheio a ele — um ―fantasma dentro da máquina‖. Também deixam a porta aberta para especulações anti-realistas

no sentido de que ―a realidade só existe na mente‖ e que não existe nenhum mundo se não houver alguém observando, deixando-nos a imaginar como é

que nós surgimos, então. Que ser consciente estava aqui no início de tudo para provocar o colapso da primeira função de onda?

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Os argumentos para sugerir que a consciência é um elo de ligação importante

entre o mundo quântico e o da nossa experiência diária ,têm uma origem muito

diferente. Todo o projeto de definir um novo “ser quântico” repousa na

argumentação de que a física quântica, e mais especificamente um modelo

mecânico-quântico da consciência, permite que vejamos a nós mesmos — nossas

almas, se quiser — como parceiros integrais dos processos da natureza, “tanto na

matéria como da matéria”. Este item de argumentação tem implicações muito

diferentes para quem está procurando compreender como nós, criaturas

conscientes, nos relacionamos com tudo o mais no Universo.

Como a realidade acontece depende de como a vemos

Já vimos que o ato de observar um sistema quântico o transforma num objeto

comum. Nossa mera interferência na natureza a transforma, e este simples ato nosso exigiria que mudássemos totalmente nossa maneira de nos vermos e a

nosso lugar dentro do mundo natural. Mas, ainda pior para aqueles que gostam de pensar que o mundo “é desse jeito mesmo e pronto”, nossa interferência tem uma

dimensão inesperada. Não só a observação de alguma maneira traz o colapso da função de onda, ajudando-nos assim a ter um mundo, mas ocorre que o modo

especial que escolhemos para observar a realidade quântica determina parcialmente o que veremos. A função de onda quântica contém muitas

possibilidades e depende de nós qual delas será realizada. Um fóton, por exemplo, tem ambas as possibilidades: de posição (com sua natureza

partícula) e de momentum (com sua natureza onda). Um físico poderá armar seu experimento para medir, e portanto determinar, qualquer uma delas —

embora ao determinar uma delas ele perderá a outra (princípio da incerteza de Heisenberg).

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O CONTEXTUALISMO

Na física quântica esta dependência do ser de uma coisa em relação a seu

ambiente geral é chamada―contextualismo‖, e suas implicações são muitas, tanto para nosso conceito de realidade quanto para nosso entendimento sobre nós

mesmos como parceiros nesta realidade. Este contextualismo é uma das razões centrais de minha afirmação de que a teoria quântica deverá finalmente contribuir

para uma nova visão de mundo, com suas próprias e distintas dimensões epistemológicas, morais e espirituais. A dimensão epistemológica — qual a

natureza de nosso conhecimento e o que entendemos por verdade — foi muito bem expressa na fenomenologia do filósofo francês Merleau Ponty no

que ele chamou a ―verdade dentro de uma situação‖:

Enquanto mantenho diante de mim o ideal de um observador absoluto, do

conhecimento na ausência de todos os pontos de vista, só posso ver minha

situação como uma fonte de erro. Mas, tendo reconhecido que através dele sou

dirigido a todas as ações e a todo conhecimento significativos para mim, então

meu contato com o social na finitude de minha situação revelou-me o ponto de

partida de toda verdade, incluindo a científica, e, uma vez que temos alguma idéia

da verdade, uma vez que estamos dentro da verdade e não podemos sair dela,

tudo o que posso fazer é definir uma verdade dentro de uma situação.

Mal compreendido e forçado na direção errada, o fato de que o observador

humano de alguma forma ajuda a evocar a realidade que observa poderia ter implicações culturais desastrosas. Poderia emprestar todo o peso da física à

noção muito popular (um tanto perniciosa) de que o ser individual é o único criador dos valores — de que não há ―verdade‖ neste mundo mas apenas a

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―perspectiva‖ de cada um.Em alguma medida, certos livros de sucesso sobre

a física quântica encorajaram seus leitores a tirarem tais conclusões.

Tomemos, por exemplo, as implicações epistemológicas e morais da alegação que Fritjof Capra faz no sentido de que, como “a mente do observador cria as

propriedades que o elétron tem”, tais propriedades não podem ser de nenhum modo chamadas objetivas. Em Física Atômica ele diz:

―Ao transcender a distinção cartesiana entre espírito e matéria, a física

moderna não só invalidou o ideal clássico de uma descrição objetiva da natureza como também desafiou o mito de uma ciência livre de valores (…)

Os resultados científicos obtidos [por cientistas] e as aplicações tecnológicas por eles investigadas serão condicionados por seu estado de

espírito‖.

A própria teoria quântica predominante encerra os perigos de tal subjetivismo (para

citar a lição de Heisenberg: “Assim evaporou-se o conceito de uma realidade

objetiva…”), mas Capra leva a coisa mais longe, introduzindo as noções de “valor”

e de “estado de espírito”. Nada na teoria quântica em si sugere que a observação

ou o observador “criam” a realidade (as propriedades das partículas subatômicas).

No momento da observação, algum diálogo entre a função de onda quântica e o

observador (seja homem ou máquina) evoca, dando assim forma concreta, uma

das muitas realidades possíveis inerentes à função de onda. Mas já existe ali o

potencial de um tipo muito definido de realidade — a função de onda de uma mesa não pode colapsar num gato ou num canguru. Só pode tornar-se uma

mesa. Além do mais, uma vez que a função de onda tenha sofrido o colapso, sua realidade é tão objetiva quanto qualquer outra coisa estudada pela

ciência. Se duas pessoas distintas olharem para o gato de Schrödinger concordarão que ele está objetivamente morto — não parecerá morto a um e

vivo ao outro. Sua morte não é uma questão do ―ponto de vista‖ de alguém,

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muito menos do ―julgamento de valores‖ deste alguém. Ele está simples e

definitivamente morto. Todo o grande conjunto de questões levantado pelo enigma

do gato de Schrödinger, dentre elas o papel do observador humano na formação

da realidade, e o problema da objetividade como corolário apenas ressaltam o fato

de que, neste estágio, não possuímos suficiente compreensão dos observadores

humanos e tampouco da física de sua consciência para chegarmos a qualquer

conclusão elucidativa. O problema do gato obviamente nos incita a repensar boa

parte de nossos preconceitos sobre nós mesmos e, possivelmente, sobre o

propósito de nossa existência; mas, para fazer face a esse tremendo desafio,

devemos encarar de frente o problema da consciência.

SERÃO OS ELÉTRONS CONSCIENTES?

O problema do gato de Schrödinger lança o enigma da participação do observador consciente na formação da realidade e sugere que talvez esta seja uma questão a

ser abordada pela própria física. Mas isto, por sua vez, lança outros problemas, que afetam nossa atitude frente à biologia, psicologia, filosofia e religião — toda a

vasta extensão de disciplinas que têm como objetivo a compreensão dos seres humanos e nosso lugar no Universo. A física hoje está no centro de nossas

ocupações, e o problema da consciência dentro da física é um dos mais centrais. Embora aquilo que o observador vê possa ser descrito nas equações da mecânica

quântica, o próprio observador não pode. Não temos uma equação para observadores, humanos ou não. Estão fora do sistema quântico. Assim,

ironicamente, embora incitando-nos a transcender a antiga dualidade observador—observado, a física quântica, da forma como está expressa nos dias de hoje, na

verdade apóia esta dualidade. Ela ainda está constrangedora-mente incompleta e permanecerá assim até que possamos incluir os observadores e, ao menos no

caso dos observadores humanos, incluir a consciência com a qual fazem suas observações. No entanto, a consciência que se tornou questão de interesse dos

físicos talvez seja mais do que somente a humana. Ao considerar a triste condição do gato de Schrödinger, por que não levar em conta como seu estranho estado

parece ser ou é de fato afetado pela consciência do gato em si? Ou pela da pulga

sentada em sua orelha? Ou, embora possa parecer afrontoso, pela da partícula

radioativa que determina se ele vive ou morre? Algo mais amplo que a questão só do homem, ou do relacionamento do homem com a matéria, poderá estar

em jogo.

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A NOVA FÍSICA E A METAFÍSICA DO SER

Alguma coisa do comportamento da realidade fundamental, da forma como

está expressa pela nova física, exige que façamos uma reavaliação de toda a questão da consciência, não só da sua relação conosco, mas também

cogitando de sua relação com outras criaturas e coisas do Universo — talvez, como veremos mais adiante, até com os componentes mais

elementares da matéria. No todo, a tradição judaico-cristã, que informa boa parte de nossa consciência cultural e de nós mesmos no Ocidente, colocou o

homem numa categoria à parte como algo único neste mundo, com certeza, e possivelmente também no Universo como um todo. Segundo essa tradição, o

Plenum Cósmico/Deus fez todas as criaturas segundo sua própria espécie, mas fez o homem à Sua própria imagem e lhe deu domínio sobre toda a

Terra. O homem deveu sua colocação especial não a seu corpo, que era feito de mero ―barro‖, mas ao fato de possuir uma alma — em termos modernos,

uma consciência — que de alguma forma espelhava a do Divino Ser. Em termos filosóficos modernos, tudo isso foi esclarecido e transmitido a nós no

dualismo mente—corpo de Descartes, na divisão da realidade em

substâncias pensantes (rés cogita) e substâncias puramente mecânicas,

estendidas no espaço (rés extensa).

Tendo-se fé numa deidade transcendente, pouco importa que a

alma, ou consciência, do homem possua escassa relação com as outras

coisas deste mundo. Unidos ao Plenum Cósmico/ Deus, que necessidade

temos de comungar com as feras e as

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coisas? Mas, com o advento da ciência moderna no século 17 e a retirada

lenta, mas inexorável da deidade transcendental do esquema das coisas, nossa consciência humana parecia não mais espelhar nada senão a si

mesma. Sem o Deus cristão, sem a fé num reino transcendental da alma, e cego para a ―alma‖ (consciência) das coisas e criaturas, o dualismo

cartesiano ateu nos deixou de mãos vazias, exceto por um grosseiro materialismo. O senso de ser único por ter sido escolhido deu lugar ao

sentido de alienação comum do século 20/21, pois somos diferentes de tudo à nossa volta e estamos inexoravelmente sós.

Durante algum tempo era moda entre os

modernos psicólogos e filósofos — os

behavioristas e positivistas e analistas

lingüísticos — reagir a esta alienação única,

negando sua razão de ser através da

negação de toda a importância da

consciência e da relevância de todo o mundo

subjetivo de pensamentos e emoções.

Parece ter chegado o tempo em que a

psicologia deve descartar toda menção à

consciência; ela não mais precisa iludir-se e

pensar que está tornando os estados mentais

um objeto de observação . A psicologia do

behaviorista é um ramo puramente objetivo e

experimental das ciências naturais que

necessita tão pouca introspecção quanto as

ciências da química e da física.Irônicamente, esta linha de pensamento é hoje tão

obsoleta para a física quanto foi mutiladora para a psicologia. A visão de mundo

cartesiana foi necessária ao cultivo da física de Newton e a todo o progresso

tecnológico que seguiu em sua esteira, mas numa cultura pós-cristã ela é filosófica

e espiritualmente estéril. Enquanto a alma do homem moderno clama por algo

mais, por algum sentido de companheirismo com algo além de nós mesmos, por

uma sensação de estar em casa dentro do Universo, nossa razão também exige

que compreendamos melhor nossa experiência. A consciência é um fato desta

experiência, e uma filosofia ou uma ciência que não consiga explicar a consciência

está necessariamente incompleta. Isso tornou-se uma verdade familiar aos físicos,

que vêm lutando para compreender os desenvolvimentos de seu próprio campo,

mas ainda é necessário que ela se infiltre na visão dos intelectuais em geral. E se tanto o cristianismo como a ciência moderna pré-quântica estiverem

errados? E se o homem não for um ser único? E se, afinal de contas, em algum grau partilhamos com outras coisas ou criaturas do Universo o fato de

sermos conscientes? Fica impossível ignorar tais questões se levarmos em conta

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o conhecimento da moderna biologia, ou se levarmos a sério as sugestões de

filósofos e físicos como Alfred North Whitehead eDavid Bohm no sentido de que

mesmo as partículas subatômicas talvez possuam propriedades rudimentares de

consciência. Antes de explorar nos capítulos seguintes a natureza da consciência

humana, sua possível física e as implicações psicológicas e morais daí advindas,

seria útil aqui apreciar novamente a questão de qual o lugar dos seres conscientes

no esquema geral das coisas. O que mais podemos dizer sobre essa

―consciência‖ à qual estamos sempre nos referindo e quem mais ou, por mais extraordinário que possa parecer, o que mais a possui? Será que nós,

seres humanos, somos realmente diferentes de tudo o mais, como vem sustentando a tradição ocidental predominante, ou sob um aspecto

importante será nossa consciência um contínuo com outras coisas do Universo? E, se for contínua, até que ponto se estende esta continuidade? A

cães e gatos? Às amebas? Às pedras? Ou até elétrons? Já ao começar a pensar desta forma, estamos experimentando uma boa mudança de

paradigma.

CONCLUSÃO E NOTA DO BLOG

Sómente os mais extremos defensores do caráter único do homem negariam a vida consciente dos mamíferos domésticos como gatos e cachorros. Eles

evidentemente não estão anestesiados (insensíveis) (o critério mais elementar para a determinação de se algo é consciente). Eles se

movimentam, envolvendo-se em atividades espontâneas e propositadas, têm uma capacidade indubitável de sentir prazer ou dor, aprendem de seu

ambiente e adaptam-se a ele e, ao menos até certo ponto, são dotados de livre-arbítrio — eles são capazes de fazer e de fato fazem escolhas. O senso

comum associa todas essas coisas à consciência, no caso dos seres humanos. Se os gatos e cães também desfrutam de uma ―vida interior‖ como

nós, ou se possuem um senso do ―eu‖, é algo sem resposta por parte dos defensores de ambas as teses, mas em geral não temos dificuldade para

perceber que são também criaturas conscientes. À medida que nos

afastamos dos mamíferos mais comuns da vida diária, descendo pela escada

filogenética, a sensação de ―companheirismo‖ se torna menos impositiva. Argumentos baseados na analogia — nós somos conscientes e, portanto, as

coisas que se parecem conosco são conscientes também — perdem sua força à medida que criaturas cada vez mais estranhas surgem aos nossos

olhos como nem um pouco parecidas conosco. Este é um dos problemas lançados pelo filósofo Thomas Nagel em seu ensaio muito debatido ―Como É

Ser um Morcego?‖; Quando toda a experiência sensorial e o estilo de vida de uma criatura são tão diferentes dos nossos, fica difícil sabermos ―como é

ser‖(pensemos nos extraterrestres,por exemplo) aquela criatura, ou seja, que

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tipo de vida interior ou experiência interior ela tem. Mesmo assim, parando

para pensar, a maioria de nós atribuiria algum tipo de vida consciente aos morcegos, formigas, ou talvez até às minhocas, sendo que os biólogos( cuja

experiência destas coisas é mais ampla que a da maioria), estão dispostos a ir mais longe ainda, encarando os organismos como a ameba e a anêmona-

do-mar, também como criaturas conscientes; é provávelmente seguro supor, mesmo com as evidências que temos hoje, que quando falamos de

consciência estamos falando de uma ―propriedade‖ ou de um ―processo‖ que nós, seres humanos, partilhamos, ao menos em certo grau, com todos

os outros membros do reino animal. Esta suposição abrange nossos sentimentos intuitivos em relação a outros animais e aceita a possível

validade dos argumentos filosóficos por analogia. Assim, estabelecendo graus de qualidade e complexidade, podemos admitir que, em certo sentido,

todos os outros animais têm uma consciência, são capazes de um determinado grau de atividade espontânea e proposital, são sensíveis a

estímulos parecidos com prazer e dor e são dotados de alguma capacidade rudimentar de livre-arbítrio;No sentido mais primitivo possível, a posse desse

conjunto de qualidades também significaria que existe algum tipo de ―vida interior‖ subjetiva nos outros animais — toda criatura deve ter seu próprio

―ponto de vista‖. A aceitacão disso pode muito bem afetar nossa postura moral em relação às criaturas diferentes de nós,incluindo todos os seres do

universo.