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O SENTIDO DE SÍMBOLO DE UM ALUNO E A ÁLGEBRA DO 12.º ANO Maria Teresa Grossmann Colégio Internacional de Vilamoura Unidade de Investigação do Instituto de Educação, Universidade de Lisboa [email protected] João Pedro da Ponte Instituto de Educação, Universidade de Lisboa [email protected] Resumo Este trabalho tem por objectivo caracterizar o sentido de símbolo de um aluno do 12.º ano, Diogo, e a sua relação com a forma como trabalha conceitos específicos de Matemática A. A caracterização do seu sentido de símbolo é baseada num quadro de referência que incide na forma como resolve questões de Álgebra envolvendo expressões algébricas, equações, problemas e funções. A metodologia é qualitativa (estudo de caso), sendo a recolha de dados feita por um teste diagnóstico, duas entrevistas e outros documentos escritos pelo aluno. O quadro de referência mostrou ser uma ferramenta útil e adequada à caracterização do sentido de símbolo do aluno. Verificamos que o aspecto mais desenvolvido do sentido do seu símbolo é a manipulação simbólica e que os aspectos menos desenvolvidos são a sua passagem de estruturas mais concretas para mais abstractas, a tendência para atribuir à letra de uma expressão simbólica um único valor e a reduzida flexibilidade em mover-se entre as representações gráfica e algébrica. Palavras-chave: Sentido de símbolo, Álgebra, Expressões algébricas, Equações, Problemas e funções. Introdução Para muitos alunos a Matemática é constituída por um conjunto de regras e procedimentos rígidos, relativos a uma grande quantidade de tópicos compartimentados, sem relação entre si, o que torna impossível a sua retenção e em muitos casos torna inexequível a sua aplicação directa. Por vezes, os professores, na sua ânsia de concluírem os temas, fazem do ensino um caminho rápido para a procura da solução das questões propostas, o que pode constituir um obstáculo ao desenvolvimento do sentido de símbolo, um conceito proposto por Arcavi (1994), para quem os símbolos algébricos são “meios poderosos para resolver e compreender problemas, e para comunicar sobre eles” (p. 33). Desenvolver o sentido de símbolo constitui, também, uma forma de

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O SENTIDO DE SÍMBOLO DE UM ALUNO E A ÁLGEBRA DO 12.º ANO

Maria Teresa Grossmann Colégio Internacional de Vilamoura

Unidade de Investigação do Instituto de Educação, Universidade de Lisboa [email protected]

João Pedro da Ponte Instituto de Educação, Universidade de Lisboa

[email protected]

Resumo

Este trabalho tem por objectivo caracterizar o sentido de símbolo de um aluno do 12.º ano, Diogo, e a sua relação com a forma como trabalha conceitos específicos de Matemática A. A caracterização do seu sentido de símbolo é baseada num quadro de referência que incide na forma como resolve questões de Álgebra envolvendo expressões algébricas, equações, problemas e funções. A metodologia é qualitativa (estudo de caso), sendo a recolha de dados feita por um teste diagnóstico, duas entrevistas e outros documentos escritos pelo aluno. O quadro de referência mostrou ser uma ferramenta útil e adequada à caracterização do sentido de símbolo do aluno. Verificamos que o aspecto mais desenvolvido do sentido do seu símbolo é a manipulação simbólica e que os aspectos menos desenvolvidos são a sua passagem de estruturas mais concretas para mais abstractas, a tendência para atribuir à letra de uma expressão simbólica um único valor e a reduzida flexibilidade em mover-se entre as representações gráfica e algébrica.

Palavras-chave: Sentido de símbolo, Álgebra, Expressões algébricas, Equações, Problemas e funções.

Introdução

Para muitos alunos a Matemática é constituída por um conjunto de regras e

procedimentos rígidos, relativos a uma grande quantidade de tópicos compartimentados,

sem relação entre si, o que torna impossível a sua retenção e em muitos casos torna

inexequível a sua aplicação directa. Por vezes, os professores, na sua ânsia de

concluírem os temas, fazem do ensino um caminho rápido para a procura da solução das

questões propostas, o que pode constituir um obstáculo ao desenvolvimento do sentido

de símbolo, um conceito proposto por Arcavi (1994), para quem os símbolos algébricos

são “meios poderosos para resolver e compreender problemas, e para comunicar sobre

eles” (p. 33). Desenvolver o sentido de símbolo constitui, também, uma forma de

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reforçar as três capacidades transversais do Programa de Matemática do Ensino Básico

(ME, 2007) igualmente importantes no ensino secundário: Resolução de problemas,

Raciocínio matemático e Comunicação matemática.

Para trabalhar com os alunos o seu sentido de símbolo, é necessário percebê-lo e avaliar

os seus efeitos. Por isso, o objectivo deste trabalho é compreender o sentido de símbolo

de um aluno do 12.º ano do ensino secundário e a sua relação com a aprendizagem da

Álgebra. Mais especificamente, procuramos saber:

1. Que sentido de símbolo revela o aluno no modo como resolve questões de

Álgebra envolvendo expressões algébricas, equações, problemas e funções?

2. Qual a relação entre o sentido de símbolo do aluno e a forma como aborda

questões que incidem sobre os conceitos trabalhados no programa de

Matemática A do 12.º ano?

A Aritmética, a Álgebra e o sentido de símbolo

Procurando caracterizar os objectos matemáticos de cada domínio, Ponte (2006), indica

que, enquanto no centro da Aritmética estão os números, “no centro da Álgebra estão

relações matemáticas abstractas, que tanto podem ser equações, inequações ou funções

como podem ser outras estruturas definidas por operações ou relações em conjuntos” (p.

11). Quando se muda da Aritmética para a Álgebra, é necessária uma

reconceptualização dos objectos matemáticos representados por símbolos, pois, como

indicam Filloy, Puig e Rojano (2008), essa passagem não consiste apenas numa

generalização da Aritmética nem numa explicitação do que estava implícito. Estes

autores consideram que, para uma construção de certos elementos de sintaxe específicos

da Álgebra, é necessária a preservação de uma base aritmética bem consolidada, sendo

também fundamental a capacidade de romper com ideias específicas da Aritmética que

podem ser um entrave à modificação de algumas noções e à consequente atribuição de

sentido aos textos e processos matemáticos da Álgebra.

Sfard e Linchevsky (1994) acrescentam que a transição do operacional para o estrutural

implica um avanço na abstracção e generalização. Numa análise a partir de uma

perspectiva histórica, consideram que:

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Provavelmente a dificuldade não reside tanto na ideia da utilização de letras em vez de números ou de operações… Mas sim na necessidade de imbuir as fórmulas simbólicas com o duplo significado: o de procedimentos computacionais e o de objectos produzidos. (p. 199)

Este carácter dual da Álgebra simbólica em que a própria expressão encerra em si o

processo, visível nos operadores que contém, e é simultaneamente o produto desse

mesmo processo, fomenta, pelo menos numa fase inicial, uma certa resistência por parte

da nossa intuição (Sfard & Linchevsky, 1994). Lee e Wheeler (1989) estudaram a

conexão entre a Aritmética e a Álgebra em 350 alunos de 15-16 anos, concluindo que,

para estes, “a Aritmética e a Álgebra são dois mundos dissociados” (p. 44), o que não

nos deve surpreender, pois, apesar da utilização de alguns sinais em comum, o que é

efectivamente feito em cada uma das áreas é muito diferente.

Para Davis e Hersh (1998), “O que parece inicialmente pouco intuitivo, dúbio e de

alguma forma misterioso acaba por se tornar, após um certo tipo de processo mental,

numa verdade gloriosa” (p. 149). Apesar dos autores se referirem à demonstração

matemática, tais palavras também podem ser aplicadas à forma como se dá sentido à

Matemática. O processo mental envolvido neste “dar sentido a” é obviamente a chave

da questão e pressupõe um caminho longo e difícil que Sfard (1991) divide em três

etapas, a interiorização, a condensação e a reificação.

Kaput (2008) encara a Álgebra um artefacto cultural e o pensamento algébrico uma

actividade humana, pelo que considera fundamental a forma como os alunos fazem,

pensam e falam sobre a Matemática. No pensamento algébrico Kaput (1999) distingue

cinco componentes sobrepostas e interligadas entre si. A primeira é a Álgebra como a

generalização e formalização de padrões, considerando que são intrínsecas à actividade

matemática e ao pensamento, pressupondo a generalização um alargamento do

pensamento e da comunicação para além das situações concretas e sendo a formalização

a expressão dessa generalização numa linguagem mais ou menos formal. A segunda é a

Álgebra como manipulação de formalismos, criticando fortemente o exercício rotineiro

e sem significado da manipulação algébrica na sala de aula que não proporciona

aprendizagem com compreensão. Em terceiro surge a Álgebra como o estudo de

estruturas abstractas, devendo estas ser ensinadas para a compreensão e devendo partir

da experiência matemática dos alunos, em íntima relação com outros temas

matemáticos. A quarta componente é a Álgebra como o estudo de funções, relações e de

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variação conjunta, sendo possível abordar o conceito de função no início da

escolaridade sem valores numéricos e sem fórmulas, em contextos significativos para os

alunos. Finalmente Kaput indica a Álgebra como um nicho para a utilização de diversas

linguagens na modelação e de controlo de fenómenos.

Um outro autor que se tem dedicado à Álgebra e ao seu sentido é Arcavi (1994) que

utiliza a expressão “sentido de símbolo”. Considera que o simbolismo algébrico deve

ser introduzido desde muito cedo em situações nas quais os alunos possam apreciar o

poder dos símbolos na expressão, generalização e justificação de fenómenos

aritméticos. Segundo Arcavi (2006), todos, ou quase todos, podem desenvolver o

sentido de símbolo, mesmo que só parcialmente, e considera que seria um objectivo

desejável para a educação matemática tornar o sentido de símbolo uma parte inseparável

da Matemática, assim como os sentidos são uma parte integrante do nosso ser (Arcavi,

1994). Não utiliza o termo “pensamento algébrico”, que considera demasiado

abrangente.

Para Arcavi (1994), os símbolos são o instrumento principal da Álgebra e ter sentido de

símbolo é dar significado a esses símbolos. Assim recorre à expressão “sentido de

símbolo” em relação à Álgebra como uma continuação do “sentido de número” da

Aritmética. Ancora os comportamentos que considera ilustrarem o sentido de símbolo

na sensibilidade que o aluno deve ter perante o símbolo, para tomar decisões sobre a sua

utilidade, provar relações e aceitar ou rejeitar conjecturas. Para ele, é fundamental que o

aluno não perca uma visão global do que está a trabalhar e seja flexível, evitando cair

em situações de circularidade ou em manipulações destituídas de significado, e seja

capaz de, a partir da inspecção dos símbolos e da comparação dos significados com os

resultados da manipulação, sentir o problema. A um nível cognitivo mais elevado, o

sentido de símbolo deve incluir a habilidade de criar e manipular uma expressão

simbólica para um determinado objectivo, tendo em atenção o ganho de significados

mais ricos que podem emergir de expressões equivalentes derivadas de manipulação

simbólica. Inclui ainda no sentido de símbolo a habilidade de escolher a representação

simbólica adequada a um determinado problema sem perder a noção dos diferentes

papéis que o símbolo pode desempenhar em diferentes contextos, bem como a coragem

de reconhecer quando não é a melhor escolha. O primeiro comportamento que Arcavi

(1994) apresenta como ilustrativo do sentido de símbolo é “fazer amizade com os

símbolos” (p. 24), o que sugere a necessidade de quebrar as barreiras mentais que os

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alunos parecem ter perante os símbolos, reconhecendo nestes, à semelhança de um bom

amigo, a capacidade de os ajudarem a ultrapassar inúmeras situações problemáticas, que

de outra forma seria muito difícil, ou mesmo impossível, de resolver.

O Programa de Matemática do Ensino Básico refere, para a Álgebra do 3º ciclo, “o

estudo de relações de diversos tipos (equações, inequações e funções) e da variação,

bem como o trabalho com tarefas que envolvam actividades de simbolização e de

modelação… A aprendizagem das operações com monómios e polinómios, e da

simplificação de expressões algébricas, deve ser progressiva e recorrer a situações que

permitam aos alunos compreender a manipulação simbólica envolvida…” (ME, 2007, p.

55). No ensino secundário espera-se que os alunos complementem e aprofundem a sua

compreensão das propriedades algébricas na resolução de equações e inequações e

trabalhem com formas equivalentes de expressões e funções, ampliando o seu repertório

de funções conhecidas. O programa de Matemática A (ME, 2001) explicita como um

conhecimento a ser adquirido pelos alunos, o “interpretar fenómenos e resolver

problemas recorrendo a funções e seus gráficos, por via intuitiva, analítica e usando

calculadora gráfica” (p. 4).

O sentido de símbolo envolve dar sentido à Álgebra e a tudo o que esta integra. Por isso,

à medida que avançam nos diversos níveis de escolaridade e crescem como pessoas, os

alunos devem desenvolver e aprofundar o seu sentido de símbolo, apreendendo as

potencialidades da sua utilização e compreendendo a forma como os símbolos se

relacionam e/ou substituem. A resolver equações, a simplificar expressões, a trabalhar

com funções ou a modelar um problema, o sentido de símbolo é indispensável. Assim

Grossmann, Gonçalves e Ponte (2009), a partir de alguns aspectos descritos por Arcavi

(1994), desenvolveram um conjunto de indicadores do sentido de símbolo com base no

que é necessário para se efectuar a passagem da Aritmética para a Álgebra. É esse

quadro, devidamente adaptado para o ensino secundário, que serve de referência e este

trabalho.

Metodologia

Esta comunicação tem por base um estudo diagnóstico mais vasto cujo objectivo é

compreender o sentido de símbolo de alunos do ensino secundário e a sua relação com a

aprendizagem da Álgebra. Insere-se no paradigma interpretativo, pretendendo através

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da interpretação do trabalho do aluno, compreender o seu sentido de símbolo e a forma

como ele é visível no seu trabalho com conteúdos do 12.º ano. Usa uma abordagem do

tipo qualitativo e assume uma lógica exploratória, sendo algumas das categorias de

análise de dados emergentes do próprio estudo.

A investigação tem um design de estudo de caso. O objectivo é compreender o sentido

de símbolo de um aluno, Diogo, que, no ano lectivo de 2009/10, frequenta apenas

Matemática, que vê como “ uma disciplina que requer bastante estudo”. Este é o último

ano em que o sistema de ensino nacional lhe permite inscrever-se no 12.º ano regular

para concluir o ensino secundário.

Diogo foi escolhido de um conjunto de seis alunos que realizaram um teste diagnóstico

e uma primeira entrevista por revelar, numa primeira análise, um sentido de símbolo

cujo estudo parecia ter potencial para evidenciar algumas das dificuldades sentidas

pelos alunos no seu trabalho em Álgebra. A primeira autora desta comunicação foi

professora do aluno durante a primeira metade do ano lectivo (até à interrupção do

Carnaval) por se encontrar a substituir o professor regular. A investigação teve lugar

paralelamente à actividade lectiva e não interferiu com o decorrer desta.

Os instrumentos de recolha de dados utilizados são um teste diagnóstico sobre o sentido

de símbolo e duas entrevistas, sendo ainda recolhidos outros documentos escritos pelo

aluno tais como fichas de trabalho e testes de avaliação internos e externos, sempre

realizados individualmente. As tarefas do teste diagnóstico e das entrevistas envolvem

expressões algébricas, equações, problemas e funções, sendo escolhidas de modo a

permitirem apreender aspectos do sentido de símbolo na resolução escrita e oral do

aluno.

O teste diagnóstico e as entrevistas foram realizados na escola, numa sala de trabalho. A

primeira entrevista foi realizada no 1.º período pouco depois da realização do teste

diagnóstico e de uma primeira análise deste. A realização da entrevista perto do teste

pretendeu garantir que o aluno se lembrasse do trabalho que tinha efectuado em cada

questão e estivesse em condições de prestar esclarecimentos adicionais. A segunda

entrevista foi realizada perto do final do ano lectivo. Trata-se de uma entrevista semi-

estruturada e baseada em tarefas e tem o objectivo de obter um conhecimento mais

aprofundado do sentido de símbolo do aluno. Tem uma vertente de entrevista clínica na

medida em que é baseada em tarefas específicas sobre as quais o aluno trabalha. Ambas

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as entrevistas foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas. A recolha

documental consistiu, para além das respostas do teste diagnóstico e de notas de campo

no decorrer das entrevistas, na recolha de outros elementos escritos pelo aluno

facultados pela sua professora.

Os dados têm origem no teste diagnóstico, nas entrevistas e nos documentos escritos

pelo aluno. A análise tem duas vertentes; a primeira incide sobre o teste diagnóstico, as

transcrições das entrevistas e as notas de campo tiradas no decorrer das mesmas e

pretende contribuir para a compreensão e caracterização do sentido de símbolo de

Diogo e para a reconstrução dos processos utilizados e das dificuldades sentidas, na

resolução das tarefas propostas. A segunda tem como finalidade estabelecer uma relação

entre o sentido de símbolo do aluno e a forma como este aborda questões que incidem

sobre os conteúdos trabalhados no programa de Matemática A do 12.º ano, baseando-se

nos documentos escritos pelo aluno em fichas de trabalho e testes de avaliação interna e

externa.

A caracterização do sentido de símbolo do aluno tem como base o quadro de referência

de Grossmann, Gonçalves e Ponte (2009), adaptado no âmbito deste trabalho,

nomeadamente com a introdução do aspecto “compreender e utilizar diferentes

representações do mesmo objecto matemático” como um aspecto do sentido de símbolo

em relação às funções (anexo 1). Assim são quatro categorias em análise (expressões

algébricas, equações, problemas e funções), procurando-se para cada uma analisar

aspectos mais salientes do sentido de símbolo de Diogo.

O sentido de símbolo de Diogo

Expressões algébricas

Passar de uma estrutura concreta para uma mais abstracta. A dificuldade

em utilizar letras quando pensa em números é confirmada por Diogo, numa alínea da

primeira tarefa da entrevista, na qual o aluno insiste em trabalhar com valores concretos:

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Entrevistadora: Por exemplo, encontraste dois números que verificam essa condição, mas se fosse uma expressão geral, com letras.

Diogo: Com letras…

Entrevistadora: Exactamente.

Diogo: Isto das letras…

Entrevistadora: É que para ti é mais fácil pensar em dois números?

Diogo: Eu ainda não consegui perceber isso.

Tendo em atenção a forma como utiliza o símbolo, Diogo não parece ter

assimilado o sentido da letra como um símbolo que pode ser utilizado para

escrever expressões algébricas sem ter que tomar um valor específico. O aluno

sente sempre necessidade de atribuir um número à letra e considera que ela

apenas toma esse valor, transportando dessa forma a Álgebra de volta à

Aritmética.

A questão 3 do teste diagnóstico pressupunha, em cada alínea, uma passagem do

trabalho com números para o trabalho com letras. As respostas de Diogo são as

seguintes:

Em relação às regras das potências, o aluno atribui-lhes um sentido que não se baseia na

sua compreensão. Considerando o que escreve na primeira parte da alínea b) este

confirma na entrevista que aplica a seguinte regra: “multiplicar as bases e somar os

expoentes”. No entanto, ao responder à segunda parte dessa alínea, Diogo aplica a

mesma regra mas indica agora que “as partes literais estão a somar” e daí o resultado

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apresentado. Ou seja, parece que, para ele, o que está em jogo é a multiplicação

aaa ×× que considera ser uma soma à qual atribui o valor a. Neste caso particular a

sobreposição de regras e concepções erradas resulta numa resposta correcta mas o

caminho que percorre para lá chegar evidencia um fraco sentido de símbolo.

Na alínea d), apesar da aplicação da propriedade distributiva errada, Diogo faz

correctamente a multiplicação 2842 aaa =× . No entanto, ao fazer 222 160208 aaa =×

volta a considerar que 222 aaa =× , justificando mais uma vez que as partes literais

“estão a somar”.

As respostas de Diogo revelam um conjunto de incoerências e uma aplicação de regras

matemáticas erradas mas revestidas de algum sentido para o aluno, que traduzem um

fraco sentido de símbolo, nas expressões algébricas, na passagem de uma estrutura

concreta para uma mais abstracta.

Equações

Manipulação simbólica utilizando os procedimentos adequados. Diogo

resolve correctamente algumas questões que envolvem uma manipulação com algum

grau de complexidade. Tal é o caso da questão quatro da entrevista clínica apesar de, ao

longo da resolução escrita, o aluno ir sempre pedindo confirmação por parte da

entrevistadora em relação aos vários procedimentos que vai adoptando.

No decorrer da entrevista, o aluno também analisa com sentido de símbolo a posição

relativa das letras numa expressão, concluindo correctamente quando lhe é pedido que

resolva a equação em ordem a uma outra letra:

Entrevistadora: (…) Se em vez de te pedir para fazeres em ordem a x, te pedir para fazeres em ordem a a, o que é que mudava na tua resolução?

Diogo: O def passava para o outro membro

Entrevistadora: Da mesma maneira?

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Diogo: Sim.

Entrevistadora: E depois?

Diogo: … Acho que fazia a mesma coisa.

Entrevistadora: Portanto ficaria a igual a?

Diogo: a igual a… Posso fazer aqui?

Entrevistadora: Podes, podes.

Diogo: Sim, fazia a mesma coisa.

Entrevistadora: E se fosse o b ou o c, achas que haveria uma grande diferença?

Diogo: Acho que não, porque está tudo a multiplicar, estes membros. Se estão a multiplicar, depois têm que ir a dividir.

Perante a sexta tarefa proposta na entrevista:

O aluno tem dúvidas na simplificação do numerador com o denominador. Na expressão

2

34 −y, não sabe se deve dividir só o quatro por dois ou dividir também o três. O erro

da resolução apresentada na questão baseia-se exactamente nessa operação incorrecta. O

aluno identifica o erro no segundo membro (que está correcto) em vez de o identificar

no primeiro, obtendo uma condição impossível que não identifica como tal.

Assim, manipulação simbólica recorrendo aos procedimentos adequados parece ser um

dos aspectos do sentido de símbolo com algum relevo em Diogo, apesar do aluno nem

sempre estar seguro sobre procedimentos essenciais.

(Sharma, 2000)

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Problemas

A utilidade de recorrer ao símbolo e de o interpretar no contexto do

problema. Na questão 7, proposta no decorrer da entrevista clínica o aluno reponde da

seguinte forma:

Diogo: Isto deve ser uma regra de três simples.

Entrevistadora: Achas?

Diogo: Acho que sim.

Entrevistadora: E que condições é que…? Como é que…?

Diogo: Pode ser… quantos bilhetes de cada tipo foram vendidos? 1000 bilhetes.

Entrevistadora: Sim?

Diogo: ...

Entrevistadora: 1000 bilhetes corresponde a 7300?

Diogo: Eu estou a arranjar hipóteses…

Entrevistadora: Sim. E o que é que é o teu x?

Diogo: É o 8,50 vezes 1000 a dividir por 7300.

Entrevistadora: Que corresponderia a quê? Esse número?

Diogo: Ao valor de… Supostamente… Não sei, depende do resultado que me der… Dos, da quantidade de bilhetes que custam.

Entrevistadora: 8,5? Os de adulto?

Diogo: Sim.

Entrevistadora: Quanto é que te deu o x?

Diogo: 1,17.

Entrevistadora: 1,17.

Diogo: Não deve estar correcto. Quantos bilhetes de cada tipo foram vendidos?

Entrevistadora: Porque é que pensaste na regra de três simples?

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Diogo: Não sei professora.

Entrevistadora: E se aí tivesse dado assim um número razoável… De 500 ou…

Diogo: Depois ia achar para o…

Entrevistadora: Fazias o mesmo para?

Diogo: O de 4,5.

Entrevistadora: Para o 4,5. E tinhas maneira de verificar a tua solução?

Diogo: Se tinha maneira?

Entrevistadora: Sim. Imagina que arranjavas um número para o x. Aí na máquina em vez do 1,17 dava-te um número que te parecia que podia ser. Fazias o mesmo para os outros bilhetes, era? E como é que no fim… Imagina que tinhas dois valores, esses dois valores, tinhas alguma maneira de verificar se estariam bem? Comprovar que não te tinhas enganado. Que esses valores estariam certos?... Não? Ok.

Diogo recorre ao símbolo mas não explica com clareza o que representa x limitando-se a

tentar dar-lhe um valor. Parece resolver a questão um pouco ao contrário, procurando

chegar a valores com a calculadora e, depois, tentando atribuir-lhes significado no caso

de eles se enquadrarem no contexto do problema. Apesar de parecer considerar útil

recorrer ao símbolo x, não o interpreta pois obtém um valor sem sentido no contexto do

problema. Das suas respostas na entrevista, depreende-se que se o valor de x, apesar de

obtido da forma incorrecta, fosse um inteiro positivo, iria considerá-lo correcto,

atribuía-lhe significado e seguiria o mesmo processo para obter o outro valor pedido,

não conseguindo no entanto indicar uma forma de verificar se a resposta estava correcta.

Assim, apesar de obter um valor descontextualizado, o aluno não utiliza essa

informação para rever a sua estratégia de resolução e não encontra o erro através dessa

análise, revelando nesta situação pouco sentido de símbolo.

Funções

Escolher a representação simbólica adequada, compreender e utilizar

diferentes representações do mesmo objecto matemático. A escolha da representação

simbólica adequada pressupõe que o aluno conhece várias representações e sabe

trabalhar com cada uma delas com um certo grau de eficiência. Na questão 11 do teste

diagnóstico Diogo opta pela resolução analítica da questão em detrimento da utilização

do gráfico ou da tabela:

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No decorrer da entrevista, Diogo mostra que não compreende como utilizar a tabela ou

o gráfico nesta situação, justificando que não tem valores de x:

Entrevistadora: Porque é que tu utilizaste a resolução analítica? (…) Porque é que optaste pelas contas e não pela tabela ou pelo gráfico?

Diogo: Por… Porque se fizer as contas acho que… Acho que comprovou-se que era o valor indicado, mas se fosse …

Entrevistadora: Como farias como uma tabela ou com um gráfico?

Diogo: Tinha que saber os valores do x.

Mais uma vez, parece que, para Diogo, tem pouco sentido atribuir a x diversos valores,

que não são explicitados na questão. Fica assim limitado à manipulação simbólica, o

que estreita o seu leque de opções e, consequentemente, a amplitude do seu sentido de

símbolo.

A tarefa 12 da entrevista apresenta o gráfico de uma recta e pede que o aluno identifique

a sua expressão entre quatro hipóteses:

(Duval, 1999, Duval, 2006)

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Entrevistadora: Achas que a recta dada é a recta y= x porquê?

Diogo: Porque como passa aqui…(Diogo identifica o ponto (0,0)) se passasse o 2 (Diogo aponta para o ponto (2,0)) dizia que era y = 2x.

(…)

Entrevistadora: E se fosse x +2? Qual é que seria a diferença?

Diogo: Não sei, por isso é que agora quando tentei explicar esta voltei outra vez à…

Entrevistadora: Aquela.

Diogo: Porque não sei se é esta ou

Entrevistadora: Se era a) ou se era d)?

Diogo: Se era a c) ou a d), quando a recta passava aqui no ponto…

Entrevistadora: Ah!

Diogo: No ponto 2.

Entrevistadora: Não te lembras?

Diogo: É esta.

Entrevistadora: Achas que é a c)? Como é que estás a pensar?

Diogo: Se aqui, se eu digo que y = x.

Entrevistadora: Hum hum…

Diogo: E está no ponto 0, então é porque o valor de x está aqui no valor 0. Se passa para 2, o valor de x é 2, por isso diria que era y = 2x. 2x tem valor…

Entrevistadora: Onde é que o x tem valor 2?

Diogo: Se passasse aqui na recta.

Entrevistadora: Então qual é a nossa recta?

Diogo: Quando?

Entrevistadora: Esta recta que está traçada, a que…?

Diogo: …y = x.

Entrevistadora: Ah. Se passasse aqui é que dirias que era y = 2x. Ok

No decorrer da entrevista, Diogo faz confusão entre 2 como ordenada na origem (que

situa no eixo horizontal) da recta y=x+2 e o declive 2 da recta y=2x e não recorre a

nenhuma estratégia que lhe permita encontrar a representação correcta. Termina como

começou confirmando que se a recta passasse no ponto (2,0) então a equação seria

y=2x. O Quadro 1 sistematiza o sentido de símbolo de Diogo nos aspectos analisados.

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Quadro 1. Resumo do sentido de símbolo de Diogo

Passar de uma estrutura concreta para uma mais abstracta (sentido do número para sentido de símbolo).

(Expressões algébricas)

Assume um conjunto de regras, algumas erradas mas que considera correctas, às quais atribui um sentido próprio e que utiliza frequentemente. A sua necessidade de atribuir valores concretos às letras que figuram numa expressão algébrica, também dificulta a forma como se move entre a Aritmética e a Álgebra. Sente-se mais à vontade a trabalhar com a primeira (que lhe permite “fazer contas”) embora nem sempre o faça de forma correcta.

Não vê com clareza, os vários papéis que a letra pode desempenhar numa expressão algébrica e tem tendência a considerá-las como representantes de um único valor.

Manipular simbolicamente utilizando os procedimentos adequados.

(Equações)

Revela destreza, apesar de por vezes se deparar com dúvidas em procedimentos essenciais relativamente simples que podem comprometer o resultado final.

Decidir se é útil recorrer ao símbolo e interpretá-lo no contexto do problema.

(Problemas)

Recorre ao símbolo mas quando este não tem sentido no contexto do problema, não utiliza essa informação para reavaliar os seus procedimentos.

Escolher a representação simbólica adequada.

(Funções)

Tem alguma dificuldade em trabalhar com algumas representações o que limita a sua escolha.

Compreender e utilizar diferentes representações do mesmo objecto matemático.

(Funções)

Opta pela resolução analítica em detrimento do recurso ao gráfico ou à tabela. Não identifica correctamente a representação gráfica de uma recta com a sua equação.

O sentido de símbolo de Diogo e a Álgebra do 12.º ano

O sentido de símbolo de Diogo reflecte-se na forma como aborda questões que incidem

especificamente sobre os conteúdos trabalhados no âmbito do programa de Matemática

A do 12.º ano. Um aspecto relevante do sentido de símbolo do aluno é a manipulação

simbólica. O exemplo seguinte, retirado do último teste intermédio realizado no

decorrer do ano lectivo, mostra o seu trabalho num exercício de números complexos no

qual ele efectua uma manipulação simbólica utilizando sempre os procedimentos

adequados:

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No entanto, a manipulação simbólica de Diogo é por vezes afectada por alguma

insegurança em operações básicas essenciais. Num outro teste intermédio, esse aspecto

é visível na resolução de uma equação de 1.º grau e condiciona o sentido de símbolo do

aluno num aspecto que este mostra ter desenvolvido com procedimentos mais

complexos. O seu trabalho na Álgebra é assim afectado pelo facto de não conseguir dar

sentido a procedimentos básicos em algumas manipulações simbólicas.

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No teste diagnóstico realizado no âmbito deste trabalho, Diogo revela ter o seu sentido

de símbolo condicionado por um conjunto de regras incorrectas que ele considera

adequadas, nomeadamente as regras das potências. No exemplo seguinte verifica-se que

isso tem consequências no seu trabalho sobre conteúdos do 12.º ano. Trata-se de um

exercício que envolve logaritmos e as suas propriedades, o aluno não responde à

primeira questão pois não aplica a regra das potências que lhe permitiria fazer 2

52

5 525log2 555 loh×=

+ e a partir daí proceder à simplificação pedida. A sua dificuldade

não se prende com as propriedades dos logaritmos, que utiliza bem tanto em 3.1 como

em 3.2, mas sim com a regra das potências.

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No decorrer da tarefa 12 da entrevista Diogo já tinha revelado pouco sentido de símbolo

numa tarefa relacionada com rectas e o seu declive. Esse aspecto parece condicionar o

seu trabalho no exemplo que a seguir se apresenta, no qual não identifica os declives das

rectas bissectrizes dos quadrantes como 1=m e 1−=m . O aluno não parece dar

sentido ao papel de m na equação de uma recta pelo que, apesar de determinar através

do cálculo de limites o declive da assímptota, não lhe atribui o papel que ele deve

desempenhar.

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A escolha da representação simbólica adequada reveste-se para Diogo de alguma

dificuldade pois não trabalha com as diferentes representações da mesma forma. Neste

exemplo, recorre às resoluções analítica e gráfica da mesma questão, mas não estabelece

qualquer correspondência entre elas, revelando pouco sentido das diferentes

representações do mesmo objecto matemático.

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O sentido de símbolo de Diogo, retratado anteriormente, é visível e influencia a forma

como o aluno trabalha os conceitos do 12.º ano.

Conclusão

Este trabalho permite-nos caracterizar o sentido de símbolo de Diogo tendo por base o

quadro de referência indicado (anexo 1). O aluno evidencia dificuldade na passagem de

uma estrutura mais concreta para uma mais abstracta, tendendo a atribuir à letra de uma

expressão simbólica um único valor, não conseguindo ver o seu papel no contexto de

um dado problema e não recorrendo a ela para escrever uma expressão geral. Parece não

ter conseguido ultrapassar a especificidade da Aritmética como referem Filloy, Puig e

Rojano (2008), nem avançar na abstracção e generalização envolvida na passagem do

operacional para o estrutural (Sfard & Linchevsky, 1994). Diogo revela também pouca

flexibilidade em mover-se entre as representações gráfica e algébrica, não as

relacionando com clareza e não evidenciando o que Arcavi (1994) define como a

habilidade de escolher a representação simbólica adequada a um determinado problema.

Além disso, o aluno parece ter interiorizado algumas regras muito próprias que utiliza

com frequência no seu trabalho sem se questionar sobre a sua correcção, não tirando

conclusões a partir da inspecção dos símbolos e da comparação dos significados com os

resultados da manipulação (Arcavi, 1994).

A vertente do sentido de símbolo de Diogo que identificamos como a mais desenvolvida

é a manipulação simbólica, visível na forma como consegue resolver tarefas exigíveis

no 12.º ano, envolvendo cálculo de limites, propriedades dos logaritmos, números

complexos, etc. No entanto, os indícios de sentido de símbolo que apresenta quando lida

com esses conceitos, acabam por se esvair ao não atribuir sentido a conceitos e

procedimentos básicos, que usa por vezes de forma incorrecta. A caracterização do

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sentido de símbolo de Diogo está em sintonia e tem consequências no seu trabalho na

sala de aula e nos testes de avaliação (internos e externos). O seu trabalho surge

frequentemente destituído de sentido, o que se traduz em alguma falta de coerência,

inclusive ao longo do mesmo exercício e em dificuldades na transferência de

conhecimentos e procedimentos para outras situações.

Alicerçado numa base pouco sólida, o sentido de símbolo de Diogo ameaça ruir perante

qualquer dificuldade, pois o aluno parece conceber a Matemática como um conjunto de

regras que é preciso saber aplicar, mas não lhes reconhece um sentido mais profundo.

Tem sempre que escrever, fazer algo, começa invariavelmente por fazer contas, de

preferência com a calculadora e tenta encaixar os valores a que chega por esta via na sua

resposta, não fazendo nunca uma inspecção dos símbolos nem antes de iniciar o seu

trabalho nem quando o termina. A falta de sentido de símbolo manifesta-se assim na sua

grande dificuldade em recorrer ao poder do símbolo para corrigir o seu próprio trabalho

e para tirar conclusões com fundamento.

Apesar de Diogo ter conseguido concluir a disciplina, ficam as questões: Que utilidade

terá a Matemática na sua vida futura? Para que servirá este emaranhado de regras

aplicadas ao último tema tratado na aula? Terminado o contacto com a disciplina ser-

lhe-á alguma vez possível recorrer a ela para resolver algum problema? Algures no seu

percurso escolar algo falhou e as consequências são graves. A passagem para a Álgebra

não foi totalmente concretizada e, apesar do aluno conseguir resolver questões

algébricas, não compreende o seu significado, não consegue dar sentido ao símbolo, e o

que não tem sentido depressa se esquece…

Referências

Arcavi, A. (1994). Symbol sense: Informal sense-making in formal mathematics. For the Learning of Mathematics, 14(3), 24-35.

Arcavi, A. (2006). El desarrollo y el uso del sentido de los símbolos. In I. Vale et al. (Eds.), Números e Álgebra na aprendizagem da Matemática e na formação de professores (pp. 29-48). Lisboa: SEM-SPCE.

Davis, P. J., & Hersh, R. (1998). The mathematical experience. New York: Mariner Books.

Filloy, E., Puig, L., & Rojano, T. (2008). Educational algebra. A theoretical and empirical approach. Boston, MA: Springer.

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Grossmann, M. T., Gonçalves, A. S., & Ponte, J. P. (2009). Um enquadramento do sentido de símbolo no 3.º ciclo. Actas do XX Seminário de Investigação em Educação Matemática (p. 547), Braga: Universidade do Minho.

Kaput, J. J. (1999). Teaching and learning a new algebra. In E. Fennema & T. A. Romberg (Eds.), Mathematics classrooms that promote understanding (pp. 133-155). Mahwah, NJ: Erlbaum.

Kaput, J. J. (2008). What is algebra? What is algebraic reasoning? Algebra in the early grades (pp. 5-17). Mahwah, NJ: Erblaum.

Lee, L., & Wheeler, D. (1989). The arithmetic connection. Educational Studies in Mathematics, 20, 41-54.

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Ponte, J. P. (2006). Números e Álgebra no currículo escolar. In I. Vale et al. (Eds.), Números e Álgebra na aprendizagem da Matemática e na formação de professores (pp. 5-27). Lisboa: SEM-SPCE.

Sfard, A., & Linchevsky, L. (1994).The gains and pitfalls of reification: The case of algebra. Educational Studies in Mathematics, 26, 191-228.

Sfard, A. (1991). On the dual nature of mathematical conceptions: Reflexions on processes and objects as different sides of the same coin. Educational Studies in Mathematics, 22,1-36.

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Anexo 1

Quadro de referência do sentido de símbolo

Estar familiarizado com os símbolos e o seu significado. Traduzir para linguagem simbólica a linguagem corrente. Passar de uma estrutura concreta para uma mais abstracta (sentido do número para sentido de símbolo).

Expressões Algébricas

Criar uma expressão simbólica para um determinado objectivo. Sentir o problema a partir da inspecção dos símbolos. Manipular simbolicamente utilizando os procedimentos adequados. Manter uma visão global do que se está a trabalhar evitando cair em manipulações destituídas de significado. Identificar equações equivalentes procurando novos aspectos dos significados originais.

Equações

Compreender os diferentes papéis que os símbolos podem desempenhar. Decidir se é útil recorrer ao símbolo. Criar uma expressão simbólica que traduza a situação. Interpretar o símbolo no contexto do problema. Utilizar os símbolos para aceitar ou rejeitar conjecturas.

Problemas

Generalizar. Utilizar o símbolo para estabelecer relações quantitativas. Escolher a representação simbólica adequada. Analisar o efeito da mudança e da variação dos símbolos. Utilizar o símbolo para modelar situações. Compreender que os símbolos podem desempenhar papéis distintos em contextos diferentes. Utilizar o poder dos símbolos para tomar decisões.

Funções

Compreender e utilizar diferentes representações do mesmo objecto matemático.