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O recorte de gênero na História Indígena: contribuições e reflexões
Suelen Siqueira Julio*
A experiência das mulheres na história não é separada da dos homens, porém é
uma história própria (BOCK, 1991). Nesse sentido, Margarita Ortega (2006) afirma a
necessidade de atentar para as diferentes possibilidades e papéis atribuídos a um e outro
gênero, e para as relações de poder, dependência e/ou reciprocidade entre eles. Diversos
trabalhos vêm contribuindo para a construção de uma história que não só acrescenta dados
sobre as mulheres, mas também permite abordar problemas que afetam a ambos os
gêneros e que fazem parte da História em geral. Tais trabalhos têm mostrado, inclusive,
que aquilo que por muito tempo foi chamado de “História em geral” era na verdade uma
história focada na ação masculina e que, de forma mais ou menos intencional, serviu à
naturalização de papéis de gênero. Surgiu daí uma dupla necessidade: lançar luz sobre as
experiências históricas das mulheres e investigar os mecanismos sociais de construção
desses papéis, mostrando que não é a natureza que estabelece o que é recomendado ou
próprio de cada sexo (SCOTT, 1994; LAMAS, 1996).
Ao estudar a conquista e a colonização da América e seu impacto sobre os povos
indígenas, devemos levar em consideração as variáveis de gênero. Sendo assim, podemos
levantar questões como: quais foram as implicações do gênero sobre a vida das índias?
De que formas os discursos e divisões de gênero de origem europeia vão sendo
(re)construídos na América e como as indígenas foram inseridas neles – tanto no plano
discursivo, como no social? Através dessas questões, pretendo tecer algumas reflexões
sobre como o recorte de gênero tem contribuído na construção de um conhecimento mais
refinado na disciplina em geral e na história indígena em particular. Inicio abordando os
esquemas de gênero europeus e os papéis exercidos pelas mulheres indígenas no mundo
colonial. Em seguida, analiso as possibilidades abertas pelo recorte de gênero na história
indígena.
*Mestra em História Moderna pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professora de História do
Colégio Pedro II. Agradeço o financiamento do CNPq durante todo o período do mestrado.
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As índias e os esquemas europeus de gênero
As populações indígenas atuaram – e atuam – de diversas formas sobre a história,
mesmo nas situações mais adversas desencadeadas pelos processos de conquista e
colonização. As relações de gênero eram indissociáveis desses processos e perpassavam
aspectos políticos, sociais e econômicos do estabelecimento das sociedades coloniais.
Asunción Lavrin (1990) escreve que o gênero determinava a posição ocupacional
das mulheres na maioria das culturas indígenas: além das tarefas domésticas, atuavam na
agricultura e na preparação das bebidas e de produtos medicinais. Semelhantemente, após
a conquista, as funções sociais, direitos e deveres das mulheres estavam claramente
diferenciados dos que eram atribuídos aos homens. Faz-se necessária uma análise que
verifique de que forma os colonizadores buscaram encaixar as índias nos papéis de gênero
europeus, os limites desse processo, bem como a influência que os estereótipos de gênero
exerceram sobre a escrita da história, mascarando uma realidade social mais complexa,
que não coincide totalmente com tais esquemas.
Na tradição europeia, havia a inferiorização do feminino, considerado incapaz,
por exemplo, de exercer funções de mando por ser entendido como frágil e menos
racional. Para preservar a dignidade das mulheres e não permitir que seus “defeitos”
trouxessem malefícios ao público, elas deveriam ser vigiadas, tuteladas, confinadas ao
mundo doméstico e separadas dos homens estranhos (HESPANHA, 1994; DELUMEAU,
2009[1978]). Esse esquema poderia ser resumido como atribuição do mundo público ao
masculino e do doméstico ao feminino. Mulheres de todas as camadas sociais tanto
viveram o peso das limitações impostas por essa sociedade patriarcal, quanto mostraram
com suas trajetórias que tal esquema não dá conta de suas experiências históricas. Assim,
a identificação entre os homens e o domínio público e as mulheres e o privado, obscurece
o fato de que, durante o Antigo Regime, havia muitos homens aos quais era negada a
plena participação na política por razões de propriedade, riqueza ou condição social,
enquanto certas mulheres, por nascimento e herança, tinham autoridade ou, pelo menos
uma influência política informal (DAVIS, 1991).
Em outra ocasião, destaquei a existência de algumas mulheres indígenas que
exerceram papéis políticos importantes – e até de liderança –, ainda que informais
(JULIO, 2015). A maioria das mulheres indígenas, no entanto, foi inserida no mundo
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colonial de forma distante dos postos de destaque. Mas, para elas, o confinamento ao lar
é ainda menos plausível. As prescrições segundo as quais as mulheres não deveriam
trabalhar fora de casa, sob pena de terem sua honra manchada, tinham pouco efeito sobre
uma população que vivia em condições econômicas precárias. Mulheres de cor –
indígenas, africanas, mestiças – trabalhavam dentro e fora do espaço doméstico, como
artesãs, vendedoras de comida e de bebidas alcoólicas, amas de leite, parteiras,
costureiras, prostitutas (SOCOLOW, 2007 [2000]).
Autores como John Monteiro (1994) e João Azevedo Fernandes (2003)
escreveram sobre a centralidade das mulheres indígenas como povoadoras e mão de obra
durante todo o período colonial no Brasil. Fernandes escreve que, no primeiro século da
presença europeia, as índias continuaram no centro da vida familiar, pois assim como os
homens indígenas, os europeus dependiam totalmente do trabalho delas. Mesmo nas
regiões que logo desenvolveram a escravidão africana, como a Bahia, ainda por muito
tempo a mulher tupinambá esteve associada à crucial produção agrícola de subsistência.
Monteiro aponta a predominância de mulheres e crianças nos plantéis de escravos de São
Paulo, situação que preservava o lugar tradicional da mulher nas sociedades tupi-guarani
e liberava os homens para o transporte de cargas e para as expedições de apresamento.
Isso só se altera no decorrer do século XVII.
Pablo Rodríguez (2006) mostra que as mulheres eram a maioria da população das
cidades coloniais da América espanhola. Grande parte dessa população feminina era
composta por índias, que se dedicavam a atividades como: pequeno comércio, serviços
em suas casas e nas casas dos espanhóis, empréstimo de dinheiro, aluguel de imóveis.
Como vemos, as índias atuaram dentro e fora do espaço doméstico: tanto em atividades
ditas femininas – como os serviços domésticos e a prostituição –, quanto naquelas vistas
como masculinas – o trabalho nas fazendas, por exemplo. Podemos retomar a questão das
implicações das concepções europeias de gênero sobre a inserção das mulheres indígenas
na sociedade colonial: se, como os homens, tiveram sua força de trabalho explorada, sua
condição feminina numa sociedade patriarcal trazia especificidades: como inclusive já
vem sendo exposto tradicionalmente pela historiografia, as índias tornaram-se mães,
esposas e, mais frequentemente, concubinas dos colonizadores (FREYRE, 2006 [1933]).
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Alguns trabalhos mais recentes têm chamado a atenção para a violência de gênero
que atingiu as mulheres indígenas. Por raça e condição de vencidas, eram vistas pelos
colonizadores como um grupo isento de honra, como afirma Ana María Presta (2006).
Tal pensamento facilitava os abusos cometidos contra as índias. Uma das expressões de
gênero da violência conquistadora era o estupro. Em 1750, D. Marcos de Noronha,
governador da capitania de Goiás, recomendava ao Intendente dos Pilões que, “caso
algum soldado queira violentar alguma [índia], ou usar dela ilicitamente, ainda que não
entrevenha o seu consentimento”, fosse aplicado a tal homem “o mais severo castigo”
(apud MARCONDES, 2011: 56). O escrito de D. Marcos nos revela não um efetivo
combate à violência sexual, mas a preocupação de um governador encarregado pela Coroa
de atrair vários povos indígenas como súditos e mão de obra. Nesse contexto, o estupro
poderia dificultar tais planos. As agressões domésticas constituíam outro tipo de violência
de gênero (ZAMBRANO, 2008). Vemos assim que ser uma mulher indígena numa
sociedade colonial e patriarcal amiúde significava uma frágil situação social. Porém, a
constatação do status subalterno atribuído às índias não esgota a análise sobre sua
experiência histórica. Vejamos algumas possibilidades abertas pelo recorte de gênero.
Caminhos para análises
Podemos apontar pelo menos três possibilidades: comparar o status social das
mulheres indígenas antes e depois da conquista; analisar os discursos dos diferentes
agentes colonizadores, observando de que forma as índias vão sendo inseridas nos
discursos e práticas europeias de gênero; e investigar como o status subalterno incidiu
sobre a historiografia acerca das indígenas. O conhecimento sobre essas mulheres foi
marcado e limitado por diversos fatores: em primeiro lugar, elas aparecem menos nas
fontes do que outros sujeitos. Além disso, foram atingidas tanto pela invisibilização dos
povos indígenas quanto pela construção do esquecimento do gênero feminino na
historiografia tradicional – o que resultou em informações escassas e estereotipadas.
Abaixo, exponho brevemente de que forma as três possibilidades de investigação têm
contribuído para reverter esse quadro.
Status social antes e depois da conquista
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Há diversos indícios sobre a existência de mulheres que exerciam posições de
poder antes da conquista. Susan Socolow (2007 [2000]) escreve que, em alguns povos,
as mulheres da elite desempenhavam um papel político importante, embora os homens
estivessem numa posição superior. Em certas regiões da América espanhola, aquelas
mulheres que permaneceram em suas comunidades conseguiram manter alguns de seus
papéis políticos tradicionais. Em Mixteca, no México, pelo menos nos cem primeiros
anos após a conquista, mulheres continuaram a herdar cacicados e a exercer poder
econômico e político – embora este fosse declinando cada vez mais, nunca desapareceu
completamente.
Outros estudos sugerem que vários povos atribuíam às mulheres um status mais
elevado do que fizeram crer os relatos de europeus e o olhar de muitos pesquisadores –
status deteriorado pelo processo de conquista, que desmontou as estruturas que conferiam
prestígio ao gênero feminino. Uma abordagem nesse sentido é feita por Azevedo
Fernandes (2003), ao escrever sobre o lugar da mulher na sociedade tupinambá e o papel
das índias e mamelucas no processo de contato com os europeus. Sem negar que havia
uma supremacia masculina entre os tupinambás, o autor defende que uma leitura crítica,
apoiada na antropologia das mulheres e na etnologia indígena contemporânea, é capaz de
mostrar que a visão unicamente masculina da sociedade tupinambá é inadequada. As
mulheres tinham esferas de autonomia e poder, o que é corroborado por relatos como o
do jesuíta Antônio Blázquez que, escrevendo em 1557 na Bahia, relatava aos seus
superiores o poder que as “velhas feiticeiras” tinham nas aldeias. Poder que usavam para
se opor à evangelização, segundo o padre (Blázquez apud FERNANDES, 2003:33). Mais
tarde, no século XVIII, o padre João Daniel observava com pesar a reverência que as
mulheres idosas recebiam dos índios do Amazonas. Tais índias eram tratadas como
“oráculos” ou “evangelhos da sorte” (João Daniel apud CARVALHO JÚNIOR,
2005:269).
Cláudia Garcia (2000) faz uma análise semelhante, ao abordar o impacto do
contato com os ingleses sobre a organização social dos miskitus, índios que habitavam a
Costa dos Mosquitos (hoje Nicarágua e Honduras). Os britânicos fizeram dali a sua área
de influência, traçando profundas relações sociais, comerciais e políticas com os miskitus.
Os primeiros testemunhos sobre a organização social miskitu apontam para relações
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sociais igualitárias – o que vale para relações de gênero. Tal igualdade foi se deteriorando
a partir do estabelecimento do reino miskitu (1687), que estabeleceu o rei como líder mais
importante, além de outros líderes menores.
O comércio com os ingleses baseava-se na troca de produtos não tradicionais
(facas, armas) por produtos da região. As armas possibilitaram que os miskitus
submetessem outros grupos. Esse poderio militar derivou num marcado controle
masculino sobre a sexualidade e trabalho das mulheres capturadas: espanholas, mulatas,
negras, indígenas, mestiças. No início, existia uma distinção entre essas cativas, por um
lado, e as mulheres miskitus, por outro, que permaneceram bastante autônomas. As
miskitus eram, inclusive, importantes intermediárias no comércio com os ingleses e é
possível que as que eram concubinas e mães dos filhos dos estrangeiros tenham
conseguido prestígio e poder ante a comunidade. Mas o poderio militar dos homens
miskitus deteriorou o status social das mulheres. Assim, em finais do século XVIII, a
situação das miskitus tendia a parecer com a das cativas: podiam ser trocadas por produtos
e submetidas a relações não voluntárias. O caso nos mostra que a presença dos europeus
alterou a vida não só das índias que passaram a viver na sociedade colonial, mas também
das pertencentes a grupos que mantiveram autonomia em relação aos estrangeiros, como
os miskitus.
Sob o olhar dos europeus, sob novos papéis de gênero
Representadas pelos viajantes do século XVI e pelos missionários jesuítas do
século seguinte, as indígenas foram logo encaixadas nos estereótipos produzidos pelo
olhar europeu. Para os primeiros, elas eram belas, sexualmente pecaminosas e as
responsáveis pela recepção dos visitantes das aldeias. Já para os jesuítas, elas iam
passando de auxiliares do demônio e incitadoras da luxúria à condição de grandes
devotas, pregadoras inclusive, à medida que se convertiam. Os padres buscavam tomar
essas convertidas como exemplos, destacando casos de índias que mortificavam a carne
com golpes a fim de fugir da luxúria, que foram mortas por se recusarem ao sexo ou que
se arrependeram após algum santo aparecer para elas. (FLECK, 2006; RAMINELLI,
1997; TENÓRIO & GOMES, 2004).
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O olhar eurocêntrico foi construindo também a ideia de que as indígenas seriam
totalmente submetidas às ordens dos homens. Essa ideia foi rebatida já no século XIX,
por Joaquim Machado de Oliveira (1790-1867), que foi sócio fundador do IHGB e
presidente da província do Espírito Santo. Apesar do desenvolvimento de pesquisas sobre
as índias ser considerado algo recente, o autor já se mostrava pioneiro no assunto ao
escrever Qual era a condição social do sexo feminino entre os indígenas no Brasil?,
publicado em 1842. O artigo defendia a importância das mulheres nas diversas sociedades
indígenas, baseando-se em exemplos de índios de diferentes localidades e etnias.
Pretendia mostrar que a ideia de que as índias eram tratadas como escravas era uma
construção baseada nos escritos dos primeiros observadores europeus, que não conheciam
a fundo as realidades ameríndias.
Conforme os europeus iam estabelecendo seu domínio, procuravam encaixar as
índias nos padrões de gênero que traziam consigo, obtendo nisso maior ou menor sucesso.
Os aldeamentos produziram documentos que trazem importantes informações para
pensarmos sobre os esforços empregados pelos colonizadores para socializar homens e
mulheres indígenas nos moldes europeus. Assim, em 1781, D. Luís da Cunha, então
governador da capitania de Goiás, escrevia que ele criara, no aldeamento de São José de
Mossâmedes, uma “Escola de Ler”, destinada aos rapazes indígenas, enquanto as moças
teriam sido entregues a uma “Mestra de Ler e Costura” (apud BERTRAN, 1996:24). Pelo
menos no plano do esperado pelos colonizadores, havia diferenças de gênero na educação
a ser oferecida, no tipo de trabalho, nas vestimentas e até mesmo nos castigos físicos
aplicados nos aldeamentos.
A construção do esquecimento
A terceira possibilidade se refere à investigação do impacto do baixo status social
atribuído às mulheres indígenas sobre a escrita histórica. Explorar essa possibilidade
implica refletir sobre os mecanismos de construção do esquecimento do feminino, bem
como sobre a reprodução de estereótipos de gênero pela historiografia tradicional. Tais
reflexões ilustram bem a estreita relação entre o social e a escrita histórica: assim como a
dominação europeia implicou a invisibilização da história dos povos indígenas, uma
sociedade androcêntrica tende a produzir uma história voltada para a ação masculina. Por
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sua vez, uma história androcêntrica contribui para reforçar essa mesma sociedade e para
construir uma memória social pouco atenta à presença das mulheres. Asunción Lavrin e
Pilar Cantó (2006) escrevem que as fontes mais utilizadas pela história tradicional foram
as que informavam sobre a política e a economia dos países – fontes protagonizadas por
homens. Porém, as autoras chamam atenção para o problema do poder nessa escolha de
fontes: nesse movimento, a historiografia ignorou algumas e privilegiou outras. Dessa
escolha emergia uma história onde havia espaço para poucas mulheres: mais
precisamente, para as que protagonizaram fatos dignos de homens: rainhas, santas,
heroínas.
Um escrito nessa linha foi feito no século XIX por Joaquim Norberto de Sousa e
Silva (1829-1891), pesquisador de diversas áreas e presidente do IHGB entre 1887 e
1891. Com seu livro Brasileiras Célebres (1862), publicado no momento de consolidação
do Império brasileiro, o autor insere-se na corrente de intelectuais que buscavam formar
uma memória nacional coletiva e oferecer exemplos a serem seguidos pelos brasileiros,
no caso, brasileiras. O livro destaca biografias de algumas mulheres, passíveis de ser
imitadas, seja por exercerem com êxito o que se esperava de uma “mulher exemplar”, ou
por façanhas dignas de um homem. Quatro delas são índias: Paraguaçu, Maria Bárbara
(esta mameluca), Clara Camarão e Damiana da Cunha – louvadas como “as dignas
representantes por parte de seu sexo, dessa raça desgraçada e infeliz” (SOUSA E SILVA,
1862:47). Ao mesmo tempo em que o autor assegura um espaço para as índias na memória
social, se encarrega de localizá-las no passado, já que afirma que os indígenas
caminhavam para a extinção. Paraguaçu e Maria Bárbara foram destacadas como
exemplo de amor e fidelidade conjugais, virtudes louvadas ao longo de todo o livro. Se a
intenção de Brasileiras Célebres era dar exemplo às mulheres da nação, fica claro o que
mais se esperava delas: amor e abnegação ao marido e à nação. Sem acrescentar detalhes
sobre o contexto de Maria Bárbara, o autor apenas escreve que foi assassinada em Belém
do Pará por resistir a um estupro: ela “preferiu a morte à desonra”. A resistência a perder
a sua “honra” era o bastante para que a índia fosse um exemplo para outras mulheres.
Assim, o conhecimento sobre as índias muitas vezes foi escrito tendo como fonte esse
tipo de olhar, sem que se problematizassem os estereótipos de gênero que carregavam em
si.
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Considerações finais:
Novas pesquisas têm proporcionado um retrato histórico muito mais complexo
sobre as mulheres indígenas. Utilizando diversas abordagens, têm problematizado os
esquemas de gênero, bem como mostrado que o significado de ser uma mulher indígena
no mundo colonial era múltiplo. O status social das indígenas era marcado pela
subalternidade, sem dúvida. Porém, era muito mais complexo do que os velhos
estereótipos – dentro e fora da academia – nos fizeram crer. Estudos têm mostrado o papel
fundamental das divisões de gênero na realidade social, cultural, histórica. A escrita da
história sempre foi marcada pelo gênero, no caso masculino, que foi construído como o
“geral”, o “neutro”. A história das mulheres e das relações de gênero vem deixando isso
claro, apontando as insuficiências dessa história e buscando expor as implicações e
contribuições da história das mulheres no todo. Uma análise mais refinada requer levar
em consideração as variáveis de gênero; a forma como tais relações são construídas,
mantidas e/ou contestadas; bem como os papéis exercidos por mulheres e homens nas
sociedades estudadas. Há um longo caminho a ser percorrido pela historiografia nesse
sentido.
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