o que é o direito - roberto lyra filho

Upload: richard

Post on 08-Jul-2015

5.523 views

Category:

Documents


11 download

TRANSCRIPT

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    1/49

    Colecco

    o QUE I E Primeiros Passos 62

    Uma Enciclopedia Critica

    Quais as relacoes entre Direito e Justica,Direito e ideologia, Direito e conflito social?Em linguagem clara e precisa, 0 professorRoberto Lyra discute as varias dimensoes do,direito, apresentando-o nao como conjuntoirnutavel de regras, mas como atividade empermanente transtorrnacao,

    Areas de interesse:Diretto, Filosofia, Polftica

    ISBN 85-11-01062-9

    9788511010626

    CD~ - "n _ ,c .CD '.- "', "' .-'. '._ "e n .,c o. . ...CI ' I

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    2/49

    colecao pr imeiros62 passos

    DlOt:.ecaJ:',l _._N. RegAL032739

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    3/49

    ,~

    Roberto Lyra Filho "OQUEE

    DIREITO

    e d i t o r a b r a s il i e n s e

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    4/49

    Copyright by Roberto Lyra Filho, 1982Nenhuma parte desta publicaciio pode ser gravada,armazcnada em sistemas eletronicos, Jotocopiada,

    rcproduzida por meios mecdnicos ou outros quaisquer semautorizacdo previa da editora.Primeira edicdo, 1982

    17" ediciio, 19958" reimpressdo. 2003

    Revisiio: Jose Mauricio BicharaCapa e ilustraciio: Marcelo Pacheco

    Dados lnternacionais de Catalogacao na Publicacao (CIP)(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Lyra Fi lho, Rober to , 1926 - 1986.o que c direito I Rober to Lyra F ilho . - - Sao Paulo: Bras il iense ,2003. -- (Colecao primeir os passos ; 62)

    8" reimp r. d a 17. cd. de 1995.ISBN 85-11-01062-9

    1.Direi to . I . Ti tu lo . I I. Se rio.

    03-0214 CDU 34indices para catalogo sistematico:

    I.Direito 34

    editora brasilienseRua Air i, 22 - Tatuape - CEP 03310-010 - Siio Paulo - SP

    Fane/Fax: (Oxxll)6J98.1488E-mail: [email protected] brasiliense

    Rua Emilia Marengo.216 - TatuapeCEP 03336-000 - sao Paulo - SP - Fane/Fax (Oxxl l)6675.0J88

    sUMAruo

    Direito e lei 7Ideologias juridicas 13Principais modelos de ideologia juridica 25Sociologia e direito 49A dialetica social do direito 66lndicacoes para leitura 92

    - .

    mailto:[email protected]://www.editorabrasiliense.com.br/http://www.editorabrasiliense.com.br/mailto:[email protected]
  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    5/49

    A Marilena Chauido colega, admirador, amigo e irmiio, Roberto

    DIREITO E LEI

    A maior dificuldade, numa apresentacao do Direito, naosera mostrar 0que ele e, mas dissolver as imagens falsas oudistorcidas que muita gente aceita como retrato tiel.Se procurarmos a palavra que mais frequentemente eassociada a Direito, veremos aparecer a lei, cornecando peloingles, em que law designa as duas coisas. Mas ja deviamservir-nos de advertsncia, contra esta contusao, as outraslinguas, em que Direito e lei sao indicados por termos distin-tos: Jus e lex (Iatim), Derecho e ley (espanhol), Diritto e legge(italiano), Droit e loi (frances), Recht e Gsetz (alernao), Pravoe zakon (russo), Jog e torvenv (hungaro) e assim por diante.Noutra passagem deste livrinho, teremos de enfrentar asuqestao do grego, em que nomos (lei) tambern nao saidentifica, sem mais, com 0Direito eDikaion propoe a questaodo Direito justo. As relay6es entre Direito e Justiya constituemaspecto fundamental de nosso tema e, tambern ali, muitasnuvens ldeoloqlcas reeobrem a nua realidade das coisas.Em todo caso, nao se trata dum problema de vocabulario,A diversidade das palavras atinge diretamante a nocao da-quilo que estivarmos dispostos a aeeitar como Direito. Por

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    6/49

    Roberto Lvra Filhoisso mesmo, os autores ingleses e americanos tern de falarem Hight, e nao law, quando pretendem referir-se exclusiva-mente ao Direito, independente da lei ou ate, se for 0 caso,contra ela (isto nao significa, note leitor, que verdadeiroRight nao possa ser um Direito legal, porern que ele continua-ria a ser Direito, se a lei nao admitisse).

    A lei sempre emana do Estado e permanece, em ultimaanalise, ligada a c1asse dominante, pois 0 Estado, comosistema de orgaos que regem a sociedade polilicamenteorganizada, f ica sob 0 controle daqueles que comandam 0processo econornico, na qualidade de proprietaries dos mei-os de producao. Embora as leis apresentem contradicoes,que nao nos permitem rejeita-las sem exame, como puraexpressao dos interesses daquela c1asse, tarnbern nao sepode afirmar, ingenua ou manhosamente, que toda legislac;:aoseja Direito autentico, legitimo e indiscutivel. Nesta ultimaalternativa, nos nos daixariamos embrulhar nos "pacotes"legislativos, ditados pela simples conveniencia do poder emexercicio. A legislayao abrange, sempre, em maior ou menorgrau, Direito e Antidireito: isto e, Direito propriamente dito,reto e correto, e neqacao do Direito, entortado pelos interes-ses classisticos e caprichos continuistas do poder estabe-lecido.A identiticacao entre Direito e lei pertence, alias, ao reper-torio ideoloqico do Estado, pois na sua posicao privilegiadaele desejaria convencer-nos de que cessaram as contra-dicoes, que 0 poder atende ao povo em geral e tudo 0 quevem dali e imaculadamente juridico, nao havendo Direito aprocurar alern ou acima das leis. Entretanto, a leqislacao deveser examinada criticamente, mesmo num pais socialista,pois, como nota a brilhante colega Marilena Chaui, seriautcipico (ilusao) imaginar que, socializada a propriedade,estivesse feita a transtormacao social compieta.lsto e acentuado, tarnbern, com referencia ao Direito, pelojurista hunqaro Zoltan Peteri, quando assinala que as leis dum

    I 1./",. (' IJirl'itQ"-"

    J ,:tis soclalista podem niio exprimir os resultados da evolucao.clclalvisada pelos padroes atualizadores do socialismo. Aliinmbern surgem leis que carecem de "autenticidade a ada-quacao" e escapam ao que e "verdadeiro e correto" juridi-c.imente. Em que criterios poderemos buscar 0 meio deavaliacao deste elemento juridico, para aplica-lo a consi-deracao das leis, e precisamente a questao para a qual seencarninha 0 nosso itinerario, neste livrinho, e que apareceranas suas conclusoes.Repare 0 leitor na arroqancia com que todo governo maisdecididarnente autoritarlo repele a "contestacao" (como se asrernodelacoes institucionais nao fossem uma proposta ad-missivel e ate parcialmente reconhecida em leis - no casodas emend as constitucionais, por exemplo); na pretensao dopoder que, cedendo a "abertura" inevitavel, quer, depois,controlar 0 diametro, a seu gosto; na irritacao com que falaem "radicalismo" de toda oposicao que ameace trocar, rnes-mo pelas urnas, 0 estado de coisas presente; nas "salvaguar-das" com que pretende garantir 0 status quo (isto e, naestrutura implantada, os esquemas vigentes); na astucia queprocura separar os "confiaveis" (isto e, os grupos e pessoasque sao vinho da masma pipa) e os "nao confiaveis" (isto e,os grupos e pessoas que propoern alguma forma de reestru-turacao social, mesmo quando 0 fazem com a recomendacaode meios pacificos).Nisto, porern, 0 Direito resulta aprisionado em conjunto denormas estatais, isto e, de padrces de conduta impostos peloEstado, com a arneaca de sancoes organizadas (meios re-pressivos expressamente indicados com orqao e procedi-mento especial de aplicacao). No entanto, como notava Jider marxista italiano Gramsci, a visao dialetica precisa alar-gar foco do Direito, abrangendo as pressoes coletivas (eate, como veremos, as normas nao-estatais de cJasse egrupos espoliados e oprimidos) que emergem na sociedadecivil (nas instituicoes nao ligadas ao Estado) e adotam posi-

    9

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    7/49

    10 Roherto Lyra Filhocoes vanguardeiras, como determinados sindicatos, partidos,setores de igrejas, associacoas profissionais e culturais eoutros veiculos de engajamento progressista.o Direito autentico e global nao pode ser isolado emcampos de concsntracao le~islativa, pois indica os principiose normas hbertadores, considerando a lei um simples aciden-te no processo juridico, e que pode, ou nao, transportar asmelhores conquistas.

    Isto depende, e claro, de que Estado, concretamentesurge a leqislacao - se ele e autoritario ou democratico; serevesta u~a estru!ura social espoliativa ou tendente a [usticasocial efell~a e nao apenas dernaqoqica e palavrosa; se aclasse social que nele prevalece e a trabalhadora oua capitalista; se as bases dominam 0 processo politico ou aburocracia e a tecnocracia servem ao poder incontrolado; seos grupos minoritanos tern garantido 0 seu "direito a dife-renca" ou um rolo compressor os esmaga; se, em geral, fieamresguardad.os os Direitos (nao menos Direitos e ate supra-as-tatars; isto e, com validade anterior e superior a qualquer lei),charnados Direitos Humanos. Estes, como veremos, cons-cientizam e declaram 0 que vai sendo adquirido nas lutasso~iais e dentm. da Historia, para transformar-se em oP930jundica mceclinavel. E condenam, e evidente, qualquer Es-tado ou le,gislar,-:aoque deseje paralisar 0 con stante progres-S ? " atraves das ditaduras burocratico-policiais sejam elasCIOIcas e ostensivas ou hip6critas e distarcadas,

    Uma exata concepcao do Direito nao pod era desprezartodos esses aspectos do processo historico, em que 0 circuloda legalidade nao coincide, sem mais, com 0 da legitimidade,como notava, entre outros, inclusive 0grande jurista burquesHermann Heller. Diriamos ate que, se 0 Direito e reduzido a{Jura legalidade, ja representa a dorninacao ilegitima, porfor,? desta mesma suposta identidade; e este "Dire ito" pass a,entao, das normas estatais, castrado, morto e embalsamado,para 0 necroterio duma pseudociencia, que os juristas con-

    I II

    , "1"': ,; Direito 11;.orvadores, nao a toa, chamam de "doqrnatica". Uma cienciaverdadeira, entretanto, nao pode fundar-se em "dogmas", qued.vmizarn as normas do Estado, transformam essas praticaspseudocientificas em tarefa de boys do imperialismo e dadorninacao e degradam a procura do saber numa ladainhade capangas inconscientes ou espertos.

    Em muitos paises, inclusive no Brasil, ha dispositivoslegais que contrastam com a Declaracao Universal dos Direi-los do Homem. Isto [a foi reconhecido, entre nos, pelo atualpresidente do Supremo Tribunal, Ministro F . M. Xavier deAlbuquerque, quando tentou, em voto famoso, na [usticaeleitoral, encaminhar uma jurisprudencia (decisao uniforme,dada pelos Tribunais, a questao de Direito) que situasseaquela Declaracao, como e devido, acima de qualquer desviolegislativo. Acentuou, entao, 0 destacado juiz liberal, que aDeclaracao dos Direitos do Homem e "capitulo duma evidenteConstituicao de todos os povos", que ainda nao "existe"(como lei formalizada), mas orienta superiormente a captacaodo Direito.Sob 0 ponto de vista do socialismo, nao e outro 0 posicio-.narnento de Ernst Bloch, 0 fil6sofo marxista alernao, quandoatirma que "a dignidade e impossivel, sem a Iibertacao econo-mica", mas a libertacao economica " e irnpossivel, tambern,se desapareee a causa dos Direitos do Homem. Estes doisresultados nao naseem, automaticamente, do mesmo ato,mas reciprocamente se reportam um ao outre. Nao ha verda-cairo estabelecimento dos Direitos Humanos, sem I) tim daexploracao: nao ha tim verdadeiro da exploracao, sem Destabelecimento dos Direitos Humanos". Dai a importanciada revisao critica, inclusive numa legislarrao socialista.Nosso objetivo e perguntar, no sentido mais amplo, 0 quee Direilo (com ou sem leis), mas e preciso esclaracer, igualmente, que nada e , num sentido parteilo a acabado; que tudoe, sendo. Queremos dizer, com isto, que as coisas naoobedecem a essencias ideais, criadas por certos fil6sofos,

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    8/49

    12 Roberto Lyra Filhocomo especie de modelo fixo, um cabide metafisico, em quependuram a realidade dos fanomenos naturais e sociais. Ascolsas, ao contrario, formam-se nestas proprias condicoes deoxlstencia que prevalecem na Natureza e naSociedade, ondeadernais se rnantem num movimento de constante e continuatranstormacao. E deste modo que elas se entrosam na tota-lidade dos objetos observciveis e das torcas naturais e socials,que os modelam e orientam a sua evolucao. Cada tenomeno(fenemeno e , etimologicamente, coisa que surge) pode, en-tao, revelar 0 seu fundamento e sentido, que so emerge emfun'fii0 daquela totalidade mover. Isoladamente, cada umperde a significa~o propria e a conexao vital, assim como 0argao sem 0 organismo em que funciona, ou 0 homem, sema sociedade, fora da qual ele nao existe humanamente eregride na escala zooloqica,Nesta perspectiva, quando buscamos 0 que 0 Direito e ,estamos antes perguntando 0que ele vem a ser,nas transfor-rnacoes incessantes do seu conteudo e forma de manifes-ta9ao concreta dentro do mundo hist6rico e social. Isto naosignifica, porem, que e impossivel determinar a "essencia" doDireito - 0 que, apesar de tudo, ele e , enquanto vai sendo:o que surge de constante, nadiversidade, e que sedenomina,tecnicamente, ontologia. Apenas fica ressalvado que umaontologia dialetica, tal como indicava 0 fil6sofo hunqaroLukacs, tem base nos tenomenos e e a partir deles queprocura deduzir 0User"de alguma coisa, buscado, assim, nointerior da propria cadeia de transformaes.

    .,.....,

    IDEOLOGIAS JURiDICAS

    Come98remos recapitulando, abreviadamente, ? S !i~os deideologia juridica encontrados no segment? da Historla quese estende da Antiguidade aos nossos dias no panoramageognifico denominado, segundo conven

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    9/49

    Roberto Lyra Filho'1'1I,,::nnl;;lrn; mas, logo, passou a designar essas ideiasIII'",",l:;, 0conjunto ~~_ideias duma pessoa au grupo, aI) ,lrutura do suas oprmoes , organizada am certo padrao.Iodavra 0 estudo das ideias e seus conjuntos padronizadoscornecou a. destacar. as deformaes do raciocinio, pelosseus conteudos e metodos, distorcidos ao sabor de variesoondicionamen!os, Iundamentalmente sociais. Por outras pa-lavras, des~bnu-~e que a rmaqern mental nao correspondeexatamante a reahdada das coisas.Esta verificacao era irresistivel, na analise das ideologias,e por rsto mesmo 0 escritor frances Stendhal ticou muitoi~ritad.oante a ~era proposta de urn estudo desse tipo. Naoe rnuno agradavel saber que andamos iludidos e Stendhalchegou a desabafar-se de forma pitoresca: "urn tralado deideologia e um desaforo! Entao pensam que eu nao raciocinocor~etamente?!" Alias, e isto mesmo que ocorre: ninquernraciocma com absoluta perteicao e ha sempre um boa mar-g_emde deformaes, a que nao escapam as proprias cien-eras, Queremos dizer que tarnbern nestas se intromete certograu de ideologia, afetando as premissas (principios queservem de base a um raciocinio) e as conclusoes a quechegam os cientistas.Assim, no desenvolvimento de suas pesquisas sobre 0quechama "discurso competente", Marilena Chaui mostrou, comacert~, de que maneira a ciencia nao so carrega elementosIdaologlCOsno seu interior, mas ate serve a dorninacao socialdos "donos do poder", quando irnpoem aqueles falsos conteu-

    dos a praxis social. Basta pensar, por exemplo, no que fazemos "Chicago boys", criados na incubadora do economist aFriedman a, depois, usados como assessores 'cientificos' doautoritarismo chileno ou ate na politica socio-econormca dasra. Thatcher, a "dama de ferro" do conservantismo ingles." ':- p~rtl( duma qu.otafatal de interferencias ideoJogicas (deIdelas preconcabidas e modeladas conforme os posicio-namentos classisticos), 0 estudo das ideologias e a critica do

    I) 'lin' ([ Direito IS.eu teor e efeitos encaminharam-se no sentido de falar daJeoloqia nao mais como simples conjunto de ideias, forman-(10 um padrao, mas apenas no setor desses conjuntos ou emconjuntos inteiros que carregam e transmitem as deforma-coes. Desta maneira, surgiu 0 emprego atual, mais comum,do termo ideologia, como uma serie de opinioes que naocorrespondem a realidade.Neste ponto e que surgem aquelas diferentes abordagansque ja mencionamos. Desprezando matizes e sutilezas, atalvez possivel reuni-Ias em tres modelos principais: a) ideo-logia como crenca; b) ideologia como falsa consciencia: c)ideoloqia como instituicao. Nos dois primeiros, ela e conside-rada em tuncao dos sujeitos que a absorvem e vinculam; noterceiro e procurada na sociedade e independentemente dossujeitos. A ideologia como crenca mostra em que ordem detenornenos mentais ela aparece. A ideologia como falsaconsciencia revela 0 efeito caracteristico de certas crencascomo detormacao da realidade. A ideologia como instituicaodestaca a origem social do produto e os processos, tarnbernsocials, de sua transrnissao a grupos e pessoas.Quando se fala na ideologia como crenca, nao se fazreferencia especial as crencas religiosas, embora estas ulti-mas possam estar - como efetivamente estao - infestadasde elementos ideoloqicos. A ideologia como crenca op6e estaultima as ideias, no sentido que a ambas as palavras dava 0pensador espanhol Ortega y Gasset. Por mais direitista quefosse, nem por isto ele seria incapaz de, em muitos pontes,acertar 0 martelo nos pregos em vez de golpear os dedos.Fazemos esta observacao porque notamos que certas pes-soas tem 0 habito de discordar, em principio, do nome ou daposicao social dos autores, dispensando-se de verificar sa,com tudo isso, 0que eles dizem a respeito de um tema e certoou errado. .Jalamos urn texto em que toda a filosofia de Kant,a grande figura do idealismo alemao, era explicada, resumidae liquidada em duas palavras: "pequeno-burguesa". Embora

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    10/49

    sejamos adversanc de Kant, este juizo surnario parece-nosinaceitavet, porque nao explica a diteren~ entre Kant e outropequeno-burgues qualquer, nao aprecia validamente todasas suas ideias, algumas das quais sao exatas, nem liquide asua influencia na hist6ria do pensamento, que vai da direitaa esquerda, compreendendo, inclusive, nao poucos marxis-las.Ortega considerava as ideias como algo que adquirimosatraves dum estorco mental deliberado e com maior graupossivel de senso critico. As crencas, ao contrario, repre-sentariam opinic5espre-fabricadas, que nos vsrn pelo conta-gio do meio, da educacao e do lugar que ocupamos naestrutura social. Diz ele que as ideias nos temos e nascrencas estamos; isto a , nem nos ocorre discuti-Ias, taoobvias nos parecem. E exato que, para Ortega, as crencaspodem ser positivas e negativas (ao exame exterior que delasse taca), nao se discutindo que, se alquem "ere" (sem refletir

    sobre isto) que a parede a trente e intransponivel pelo seuavantajado corpo, ta z muito bem quando evita uma topadadesastrosa.Mas, em todo caso, a natureza subliminar (inconsciente)das crencas a que Ihes vai dar uma caracteristica favore-cedora da ideologia. Em sintese, diriamos que nem toda acrenca e ideologia (pode ser um residue valido de certezasadquiridas), mas toda ideologia se manifesta como crenca(na medida em que nesta ficamos, sem verificar se, assimfazendo, e adotada a boa ou rna posi9ao; simplesmenteparece que outra qualquer posicao e inconcebivel e so pode

    surgir por burriee, ignoraneia ou safadeza dos que a mantern).A ideologia, portanto, e uma crsnca talsa, uma "evidencia"nao refletida que traduz uma detormacao inconsciente darealidade. Nao vemos os subtemineos de irretlexao em quea fomos buscar e, ao contrario, ela nos traz a ilusao dumacarteza tal, que nem achamos necessario demonstra-la, Aa-ciocinamos a partir dela, mas nao sobre ela, de vez que

    16 Roberto Lyra Filho ()que e Direito 17considera-la como objeto de retlexao e fazer incidir .sob~eaquilo 0 senso critico ja seria 0 primeiro pa~so da ~Irec;:_aosuperadora, isto a , iniciaria 0 procasso da desldeologl~a~o.Por isso mesmo, aceitamos, de bom grado, a ~roc:ade ideias,mas suportamos com dificuldade um desafl~ as crencas.Quem remexe nelas arrisca-se a reeeber um xmgamento ouum coiee. . bA ideologia, como crenca talsa, lev~-~os, portanto, a a or-dagem da talsa conscienci~. E ~st~ ul~lma,se expnme_comtanto mais vigor quanto mars fraqeis (isto e, falso.s) sao _osseus presumidos funda~e~t~s. Estes ~ass3;.m~ g~lar, ent~o~as nossas atitudes e raCIOClOlOSomo evidsncias de~val,r~das. 0 escritor frances Alain dizia que se trata du~ delirlodeclarnatorio", na medida em que repetimos tranqUlI~mente(e, se contestados, repetimos exaltadamente) os mal.ores emais convietos despropositos, Pense 0 leiter na enerqia comque 0 racista proclama a "superiorida.de" ~~ br~n~ sob:e 0negro; com que 0 machista denuncia a Inte~lorlda.de. damulher diante do homem; com que 0 burgues atribui ao"radical" 0 rompimento da "paz social" (que a , na ve~d~~~,0sossego para gozar, sem "contestacao", os seus prlVlleglosde classe dominante). , . . .A falsa conscisncia introduz-se nas an~hse$ da_ldeologla,sobretudo a partir das contribuies marxistas. Nao se tr,at~de ma-te, assinalam Marx e Engels, de ve~. que. a ma-!epressupoe uma distorcao consciente e vol~ntana; a ideoloqiae cegueira parcial da inlelige~cia sntorpecida pel~ propagan-da dos que a forjaram. 0 "dlscurs~ C?mpet~nte_, em qu~ aciencia se corrompe a fim de servir a doml~aya.o, ma~temliga9ao inextrincavel com 0 discurso ?,nveOiente: medianteo qual as classes privilegiadas substituern a re~hda.d9pelaimagem que Ihes e mais tavoravel, e tratam de Impo:la aosdemais, com todos os recursos de que dispoern (6rg~~s decomunicacao de massas, ensino, instrumentos especiars de

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    11/49

    I H Roberto Lyra Filho I,.,,/,-( l rirrito 19controle social de que participam e, e clare, com formadestacada, as proprias leis).Mas a esta altura, sem duvida, ja nos deslocamos danatureza e efeitos da ideologia, para as suas origens. Nestaordem de investiqacoes tarnbern e grande a inlluencia domarxismo em todo 0 pensamento conternporaneo. Uma dis-cip lina chamada Sociologia do Conhecimento, cuja finalidadecientifica e investigar as raizes sociais de qualquer tipo desaber, constitui, quer queiram quer nao os seus autores, umdialoqo com 0 marxismo, em que muito mais e recebido doque reelaborado. Basicamente, foi 0 marxismo que proposuma explicacao das origens da ideologia, apontando os inte-resses e conveniencias dos que controlam a vida social - jaque, nesta, se apropriaram dos meios de producao econo-mica e de tudo 0 que representa a Iorca e 0 poder, inclusiveos meios de comunicacao de massa, a orqanizacao do ens inoe a producao das leis.

    As Iormacoes ideoloqicas estariam, assim, relacionadascom a divisao de classes, favorecendo uma (privilegiada) ese impondo a outra (espoliada na propria base da sua exis-tencia material). Tal domlnacao, evidentemenle, nao seraeterna, pois as contradicoes da estrutura acabam rompendoa pirarnide do poder e, conscientizados, nisto, os que carre-gam 0 peso da opressao, abre-se espaco a contestacao daideologia "oficial".

    Mas decerto convern matizar este influxo, na proporcaomesma do processo dialetico, que esta no cerne do marxis-mo, apesar de obscurecer-se bastante, quando certas deri-vadas dele se desviam para a visao doqrnatica e rnecanica.Engels dizia, com bastante enfase, que 0materialismo histo-rico pretende ser um guia para 0 estudo, nao uma receita Iacila fim de que se derive, sem mais, da estrutura social basicatudo 0 que vier a ocorrer.o fato e que nao se pode reconduzir, em linha reta,qualquer fen6meno ideoloqico a orqanizacao socio-econo-

    ,,"I :I, Ha produtos ideoloqicos relativamente soluvels, samI , " , :Ido modo de producao, como os ha relativamente indis-'.' oilivtlls, mesmo quando a troca se consumou. Exemplo disto.. " machismo, ja citado, que se vai atenuando, em certas',f 1\"ledades capitalistas, e resiste com mais vigor em determi-n.l~los paises de socialismo implantado, ao menos quanta IiIo:I~Q material das relacoes de producao.Ern todo caso, as ideologias, absorvidas e definidas por..:.IQ ou. aquele sujeito, nao sao por ala criadas, mas race-/ ' ' '/ O J S , E isto que suscita a abordagem da ideologia como"1'lIIIUiyao, como algo que se cria e se manifesta na sociedaden n.-10 na cabeca deste ou daquele individuo. A ideologia e1.11" social (exterior, anterior e superior aos individuos), antes,I, rornar-se um fato psicoloqico (enquanto invade a formacao"""llnl, entretanto, sorrateira, nas profundezas da mente).j'Owrn nao se trata, propriamente, dum "aparelho" ideoloqico,I" que esta rnetatora (siqniticacao duma palavra estendida a",lira coisa semelhante ao que ela designa) tem 0 risco de.'J\Jerir urna forma, tarnbern mecanica, de atuacao. Neste,flc,O. 0 homem seria boneco inerte, fatal mente preso asdeterminacoes externas. E quem escaparia para corrigir aJ .Iorrnacao ou proclarna-la incorrigivel?

    Alias, existe uma especie curiosa de maniqueismo (dou-t/'tl;) que ve tudo como urna especie de bangue-bangue, com, :t "mocinhos" dum lade e os "bandidos" do outro) na oposi-"" o entre ideologia e ciencia, que tende a considerar ideo-logia 0 saber ... des outros e ciencia imaculada 0 saber de taisrnaniqueus. Em verdade, as coisas sao muito mais com plica-'las, porque ficamos sempre oscilando entre a crenca (iludi-,1;1) e a ciencia (retificadora) que, de qualquer forma, nuncae poe, definitivamente, como perfeita e acabada. E, coleti-varnente, nao participamos duma traqedia, em que todos se.gitam em vao, arrastados para a catastrote inevitavel, comourn banda de cegos incuraveis: participamos, ao contrario, deurn drama, em que os personagens buscam 0 seu itinerario.

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    12/49

    20 Roberto Lyra Filholutando contra barreiras de todo genero e com a chance dumavitoria final contra 0 "destino" (na medida em que temos apossibilidade de transformar a cegueira em miopia e procuraros oculos mais aperteicoados para ver 0 caminho).Marx ja lembrava que nao somos nem totalmente livresnem totalmente determinados. Se podemos superar as deter-rmnacoes, elas sao, portanto, antes condicionamentos ("de-terminacces" venciveis, e nao fatais), e e assim que seentende melhor a posicao de Marx ao dizer que a maneira desuperar as "determmacoes" e conscientiza-las, A proposito,um autor frances, Cuvitlier, ja observou que, em textos lunda-mentais do marxismo, a Ilexao alerna bedingt (condiciona)tende a ser traduzida, inexatamente, como "determina". Dequalquer maneira, a superacao das "deterrninacces" ja acen-tua a participacao ativa do homem e nao apenas 0 Iunciona-mento de rnaquinas e aparelhos.Por outro lado, ha condicoes sociais que tevorecem aconscientizacao: elas emergem quando as contradicoes du-ma estrutura social se agravam e a crise mais lunda tornaclaros os contrastes entre a realidade e as ideologias. Hoje,o operario nao lira mais 0 bone lazendo urna reverencia ao"sr, dr." que passa lumando charuto e com a rnais-valia nobolso. Ete ja percebeu que existe "algo errado" no sistema,em que 0 valor dos bens produzidos pelo seu trabalho naocorresponde a parte que Ihe cabe a titulo de salario: e eprecisamente nesta diferenya que consiste a mais-valia, cujodestino e demasiadamente obvio para que 0 trabalhador seconforme com ve-Ia engordar a riqueza do capitalista enquan-to a miseria do povo se lorna cada vez mais dolorosa. A criseeconcrnica e, mais amplnmente, a crise social determinamrachaduras nas paredes institucionais e rompem 0 verniz dasideoiogias.Denlro deste clima, nao e rnais possivel 0 funcionamento,por exemplo, daquela crenca de que "cada um tem 0 seulugar", como se este fosse irnposto pela natureza das coisas

    21I" H Deus ou pela racional parti lha - e nao pelos interessesftl ll,ormados duma classe dominante. A proposito de "dar a, nd,'1urn que e seu", como principio "juridico". mostrava 0

    \1' ,111(10urista Joao Mangabeira que e expressao muito velha.t.1 soparacao social das classes entre os proprietaries e os,,,,o'proprietarios, entre os dominantes e os espoliados: "por-'lUll se a justica consiste em dar a cada um 0 que e seu, de-se.... pobre a pobreza, ao rniseravel a miseria, ao desgrayado.1 desqraca, que e isso 0 que e deles ... Nem era senao por1 .'.f> que ao escravo S9dava a escravidao, que era 0 seu, no.I',loma de producao em que aquela formula se criou. MasI'''Ill sabeis que esta justica monstruosa tudo pode ser,menos1"',11(,:3. A regra da .Justicadeve ser a cada um segundo 0 seuII.IU,llho, como resulta da sentence de Sao Paulo na carta.IIJ~Tessalonicenses, enquanto nao se atinge 0 principio de.1 cada um segundo a sua necessidade".A medida que a crise social desenvolve as contradicoesd., sistema, emergem as conscientizacoes que apontam os~"US vicios estruturais e surge um pensamento de vanguar-1 . L ! , que va mais precisamente onde estao os rombos, supe-',1I1doa ideologia e fazendo avancar a ciancia. Um jurista,lllJal nao pode mais receber 0 seu rubi de bacharel repetindo,..urn serenidade, "a cada um 0 que e seu", como se fosse aserena verdade do Direito.A ciencia, porern, nao sera nunca, repetimos, definitiva,ucabada e perfeita. A verdade absoluta - recorda-nos 0rnarxista polones Adam Schaff - e apenas um limite ideal,como na serie maternatica, um limite que efetivamente val.ecuando cada vez mais a medida que avancarnos. Isto naoquer dizer que as verdades relativas alcancadas palo homemsejam menos objetivas e validas: a opcao a fazer, nota Schaff,e pela "verdade mais completa possivel", na etapa atual e, aInn de procura-la, e preciso combater em sua origem - asociedade injusta - e em nos mesmos - pela conscien-tll3yao assentada numa praxis libertadora - os fantasmas

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    13/49

    2 2 Roberto Lyra FiLhoideoloqicos, a fim de que nao nos transformemos naquele tipode intelectual atarantado, que "contesta" sem saber bem 0que nem por que. Este ja foi corretamente visto como "a faceexotica do poder".Em sintese, a tormacao ideologica (tatc-instituicao social),oriunda, em termos gerais, de contradicoes da estruturasocio-eoonornica (mas nao exclusivamente redutivel a estas,pois, com relativa independencia, aparece, subsiste ou sedissolve) cristaliza um repertorio de crencas, que os sujeitosabsorvem e que Ihes deforma 0 raciocinio, devido a cons-ciencia falsa (isto e , a mconsciencia de que eles sao guiadospor principios reeebidos como evidencias e que, na verdade,constituem meras conveniencias de classe ou grupo encara-pitados em posicao de privileqio).No estorco para nos libertarmos desses condicionamentostloresce, por outro lado, uma consclentizacao. favorecida, emseu impulso critico, pelas crises que manifestam as contra-diy6es da estrutura social, onde primeiro surgiram as crencas,agora contestadas ou de contestacao viavel (se nao nosacomodarmos na atienacao, desligando a mente do que vaiem torno). 0 grau desta conscientizacao, a sua propria coe-rancia e persistencia dependem sempre do nosso engaja-mento numa praxis, numa participacao ativa consequents. 'I INao adianta ver que "0mundo esta errado" e encolher osombros, fugindo para algum "paraiso artificial", no porre, noembalo, no sexo obsessivo ou na transterencia de qualqueratuacao positiva para mais tarde, noutra vida, no "alern". Equando falamos em praxis e evidente que ela pode sertambem de maior ou menor amplitude; mas a atitude modes-ta, limitada mesmo, ia e uma forma valida de participar pelodiscurso, pelo voto, pela arreqirnentacao. pela ajuda materiale moral a espoliados e oprimidos.Tudo isto se retlete nas ideologias juridicas. Tal como asoutras, elas aparecem dando expressao. em ultima analise, I iaos posicionamentos de classe, tanto assim que as correntes

    I' .

    (J ./,,1' Iif)ireito, 23rill "Ideias aceitas" podem mudar - e, de fato, mudam -I(Informe esteja a classe em ascensao, relativa estabilidade1 1 1 1 docadencia, Veremos adiante, por exemplo, que a burgue-hili chegou ao pader desfraldando a bandeira ideoloqica doduolto natural- com fundamento acima das leis - e, tendor.onquistado a que pretendia, trocou de doutrina, passando adllfender 0 positivismo juridico (em substancia, a ideologia daordom assente). Pudera! A "guitarra" legislativa ja estava em',liaSmaos. A prime ira fase contestou 0 poder aristocratico-Ioudal, na torca do capitalismo em subida, para dorninar 0I stado. A segunda fez a diqestao da vitoria, pois ja. naoprocisava mais desafiar um poder de que se apossara. E daiquo surge a transtormacao do grito libertario (invocandoduoitos supralegais) em arroto social, de panca cheia (nao.idmitindo a existsncia de Direito senao em suas leis).Apesar de tudo, as ideologias juridicas encerram aspectospmticularmente interessantes, alern de traduzirem, conquan-to deformados, elementos de realidade. Porque distorcao aprccisamente isto: a imagem alterada, nao inventada. 0Diretto, alongado au achatado, como reflexo numa superficieconcava ou convexa, ainda apresenta certas caracteristicasroconheciveis. Resta desentortar 0 espelho, torna-lo, tantoquanto possivel, plano e abrangedor, dentro das condicoesatuais de reexame global.Isla se beneficia, par Dutro lado, como processo de cons-cientizacao, da "crise do Direito" - isto e o desse "direito" queainda aparece nos cornpendios, nos tratados, no ensino e napratica de muitos juristas; no discurso do poder e ate - porlarnentavel contagia - no de certos grupos e pessoas desincero engajamento progressista. Estes ultimos desafiam 0estreito legalismo como se ali residisse 0 Direito inteiro; e,assirn, com 0desaparecimento de leis que representam meraconveniencia e interesse duma ilegitima dominacao, pensamque sumira 0 Direito mesmo.

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    14/49

    24 Roberto Lyra Filho

    ; ,

    Procuraremos demonstrar, adiante, queisto nao e exato eque, ao contrario, andava certo 0 eminente colega DalmoDallari quando, noutro volume destecolecao, escreveu: "narealidade, 0 direito usado para dominacao e injustica e umdireito ilegitimo, um falso direito". 0 que se faz, aqui, eampliar, desenvolver este excelente ponto de partida, ssbo-cando umaabordagem global do Direito, sob0pontodevistadialetico.

    \

    ~ - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ~

    PRINCIPAlS MODELOS DEIDEOLOGIA JURiDICA

    Nao e possivel repassar, agora, todas as ideologias juridi-cas, uma por uma. Vamos, portanto, simplificar 0 imensorepertorio de doutrinas que aparecem, da Antiguidade aosnossos dias. Tomaremos apenas dois modelos baslcos, emlorno dos quais sepolarizamas diferentes subgrupos ideolo-gicos - a que so faremos um breve aceno, sem descer apormenores da posicao de autores e movimentos. Funda-mentalmente, aqueJas ideologias situam-se entre a direitonatural e 0 direito positive, correspondendo as concepcoesiurisnaturalistaepositivista doDireito.A estasduas daremos,portanto,especial atencao, porquea maior partedos juristas,ainda hoje, adota uma ou a outra, como se, fora deambas,nao houvessemaneira dever 0 tenomeno juridico.E certo que muitos autores tradicionais nao sejulgariam

    corretamente enquadrados numa dessas duas posicoes:mas, quando observamos os alicerces da construcao quepretende ser diferente, aparece ali a mesma oposicao. que

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    15/49

    26 Roberto Lyra Filho ,...--- 27se pretendia evitar, entre direito positive e direito natural.Antes de fazer um exame especial destas duas resistentesconcepcoes, que assinalam a grande cisao das ideologiasjuridicas - de um lado, 0 Direito como ordem estabelecida(positivismo) e, de outro, como ordemjusta (iurisnaturalismo)-, daremos uns exemplos daquelas doutrinas que suposta-mente fugiram ao dilema.Assim, Miguel Reale,entre outros, recusaria a classi-ficacao como positivista e, no entanlo, para este filcsofo doDireilo, e na ordem que se encontra a raiz de loda a elabo-racao juridica: "em loda a comunidade, e mister que umaordem juridica declare, em ultima instancia, 0 que e l icito ouilicito". E, para mais enfatizar este posicionamento, 0mesmodestacado pensador da direita repete e endossa uma frasede Hauriou, no sentido de que "a ordem social representa 0minimum de existencia e a justica social e um luxo, ate certoponto dispensavel. ..". Nao se poderia fixar mais claramentea opcao positivista. Depois disto, qualquer acrescirno oumatizamento e secundario: permanece, no amaqo, 0 cornpro-misso com a ordem estabelecida e as barreiras que ela opoeao Direito justo nao seriam jamais transponiveis, porque, naverdade, para 0 positivista, a ordem e a "Justica''.Por outro lado,0jurista alemao HansWelzel afirma expres-samente que nao e iurisnaturalista e, no entanto, admitecertos principios fixes, inalteraveis, anteriores e superiores asleis e que nenhum legislador pode modificar validamente. Porisso mesmo e , comumente, classificado como um adepto dodireito natural.

    Somente uma nova teoria rea/mente dieletice do Direitoevita a queda numa das pontas da antitese (teses radical-mente opostas) entre direito posit ive e direito natural. Isto, eclaro, como em toda superacao dialetica, importa em censer-var os aspectos validos de ambas as posicoes, rejeitando osdemais e reenquadrando os primeiros numa visao superior.Assim, veremos que a positividade do Direito nao conduz

    ; ,

    : 1,I'

    :1

    I' ' li lt (:/)ireito,tntatmente ao positivismo e que 0 direito justo integra arJl.l lt it ica juridica, sem voar para nuvens metafisicas, isto e,' , 1 1m desligar-se das /utas sociais, no seu desenvolvimentoIustorico, entre espoliados e oprimidos, de um lado, e espo-hndores e opressores, de outre.Esta sintese dialetica sera exposta nas conclusoes destelivrinho. Por enquanto, vejamos 0 panorama tal como ele senpresenta nas ideologias juridicas duma tradiyao qu~ ai~daumpolga e divide em taccoes opostas os cultores rotineiroscloDireito; pois, antes de esbocar um passo adiante, e precisetor emmente 0caminho percorrido pelos antecessores e que,docerto nao foi inutil, nem mesmo quando representou umadl.!rorm~9ao ideoloqica, E a propria tabua, sobre a qual sehaiancararn (e balancarn ainda) tantos juristas ilustres, que110de servir-nos como trampolim para 0 saito dialetico.Embora 0 iurisnaturalismo (a ideologia do direito natural)soja a posicao mais antiga (e de nenhum modo inteiramentehquidada) eo positivismo que hoje predomina entre osjuristasdo nosso tempo. seja ele 0 que assenta na ordem burguesao capitalista, seja 0 que, como "Iegalismo socialista", ~e~re-sontou aquele mesmo tipo de congelamento caractenstico,por exemplo, no stalinismo, e que ainda prevalece na URSS.Talcongelamento, alias, tende a desaparecer nas mais av~n-cadas construcoes de uma filosofia juridica realmente dia-letica,Esta intencao superadora, ainda hesitante, e muito nit idanos mais avancados escritores atuais da teoria socialista doDireito, que combatem 0 estreito legalismo, tanto nos paisesde modele socialista implantado, em termos socio-econo-micos como e 0 caso de Imre Szabo ou Zoltan Peteri, naHung;ia, quanta em autores socialistas que trabalham nospaises de estrutura fundada no capitalismo, como era 0 casode Ernst Bloch, na Alemanha, ate a sua morte, e ainda e 0deMichel Miaille, na Franca, em obras mais recentes. A estesdois ultirnos faremos reterencia especial, a proposito de uma

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    16/49

    , "1 1 ' 1 ,

    28 R oberto Lyra F ilh otensa, limitada, mas fecunda recolocacao da problernatica dodireito natural, sob 0ponto de vista do marxismo.De qualquer forma, trataremos, em primeiro lugar, dopositivismo, tal qual ele se apresenta nas ideologias burgue-sas, [a que e , por assim dizer, 0 trivial variado da cozinhajuridiea, no mundo capitalista que ai temos it nossa frente.Faremos, aqui, apenas a ressalva de que 0 "Iegalismo socia-lista" apresenta diferenyas resultantes do fato de que esocia/ista, revestindo, portanto, uma estrutura diversa e so-cialmente mais avancada: enquanto esquema ou modelo,contudo, vem a dar no mesmo, pols que apresenta umareduyiio it ordem posta e, portanto, ordem do Estado, aceita,sem mais, e subsiste a restricao que, como lese juridica, jadecai, por isso mesmo, no pensamento de vanguarda.Assim como este, do ponto de vista social mais amplo,tende a procurar outro sistema de reestruturacao socialista,de baixo para cima, antes no eaminho da autoqestao (de queparticipa 0 povo mais diretamente) do que na pesada maqui-naria autoritario-burocratico-estatal, que estabelece um do-minio de cima para baixo, a reflexao socialista mais modernatende, igualmente, a busear uma teoria juridica mais flexivel,e, afinal, propriamente dialetica, em que se liberte daquelano

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    17/49

    30 Roberto Lyra Filho

    I II I

    diretamente com normas sociais nao-leqisladas (0 costumeda classe dominante, por exemplo) ou se articula no Estado,como orgao centralizador do poder, atraves do qual aquelaordem e classe dominanle passam a exprimir-se (neste caso,ao Estado e deferido 0monopolio de produzir ou controlar aproducao de normas juridicas, mediante leis, que so reco-nhecem os limites por elas mesmas estabelecidos).De todo modo, as normas - isto e, como vimos, ospadroes de conduta, impostos pelo poder social, com arneacade sancoes organizadas (medidas repressivas, expressa-mente indicadas, com orgao e procedimento especiais deaplicacao) - constituem, para 0 positivismo, 0 completoDireito. E note-se que, no caso, se trata das normas da classedominante, revestindo a estrutura social estabelecida, porquea presence de outras normas - de classe ou grupos domi-nados -nao e reconhecida, pelo positivismo, como elementojuridico, exceto na medida em que nao se revelam incom-pativeis com 0 sistema - portanto, unico a valer acima detudo e todos - daquela ordem, classe e grupos preva-lecentes.Quando 0 positivista tala em Direito, refere-se a esteultimo - e unico - sistema de normas, para ele, validas,como se ao pensamento e pratica juridicas interessasseapenas 0que certos orgaos do poder social (aclasse e gruposdominantes ou, por elas, 0 Estado) imp6em e rotulam comoDireito. E claro que vai nisto uma contusao, pois tal posicio-namento equivale a deduzir todo Direito de certas normas,que supostamente 0 exprimem, como quem dissesse queacucar H e " aquilo que achamos numa lata com a eti-queta acucar, ainda que um gaiato la tenha colocado po-de-arroz ou um perverso tenha enchido 0 recipiente comarssnlco.Ha, porern, varias especies de positivismo. Destacaremos,no rninirno, tres: 0 positivismo legalista; 0 positivismo histori-cista ou sociologista; 0positivismo psicologista. Vamos expli-car, brevemente, em que consistem eles.

    oque e Direito 31opositivismo legalista volta-se para a lei e, mesmo quandoincorpora outro tipo de norm~ ~ como, po~ exemplo, 0costume -, da a lei total supenondade, tudo flca~~o subor-dinado ao que ela determina e jamais sendo permitido - d~novo, a titulo de exemplo - invocar um costume contra a lei.Nao e este, contudo, 0 unico positivismo. ..Ha, tarnbern, 0 positivismo historicista ou socioloqista. Amodalidade historicista recua um passo e prefere volt~r-separa as tormacoes juridicas pre-Ieg.isl~t~vas,i~to e, a~tenor~sa lei. Mergulha, antao, nas normas juridicas .~aoescntas, naoorganizadas em leis e co?igos, mas adrnitidas ,~m? umaespecie de produto espontaneo do qu~ ~e ~a~a esplrito d?povo". Acontece que este fantasma, utlhsslI:no.ao.rdemdomi-nante, atribui ao "povo" os costumes pnn:lpals (aquelesmores, indicados pelos antropoloqos e que ~ao os costumesconsiderados essenciais para a rnanutencao da ordem so-cial). Ora, estes mores sao se~pre .o~ da cla~se. e gruposdominantes, mascarados pelo hlstcricismo positivista sob 0rotulo de produtos do "espirito do povo".Desta maneira, nao importa muito que se desloque 0 focoda legislacrao (imposto pelo Estado) para os mores, de vezque estes, sendo focalizados em termos de moces da classee grupos dominantes, eo Estado sendo expressao .da~~smaclasse e tambern a mesma ordem a que ambos (histoncisrnce legalismo) se referem e con~ider~m inatacavel. De qualquerforma, quando aparece a leglslas:ao estatal, a~u~la~ for'!'u-lact5es pre-leqislativas tendem ~ ce~er pre~edencla as leis.e

    so se aplicam supletivarnente: isto e, nas areas em que naoha disciplina legislativa. E 0 caso, por ~x;~plo, do commonlaw anglo-americano, direito consuetudmano (dos costumes),que nao prevalece contra lei expres~~. . . . .A modalidade sociologista de postnvrsmo tern hg~s:aointi-ma com a historicista (por isto, foram citadas nu~ so W~po),uma vez que e apenas uma generalizayao ~o ~/storlclsm~.Queremos dizer que, emvez de tocalizar um direito costumer-

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    18/49

    ; ~ I !

    32 r J ' I I I " , : Direito,.-- 33oberto Lyra Filhoro (afinal engolido pelas leis estatais, quando aparecemestas) 0 sociologismo propoe 0 esquema da abordagemhistoricista, generalizando-o. Assim, ele se volta para 0 sis-tema de controle social, que reveste a ordem estabelecida ena qual 0 Estado seria apenas um representante daquelaordem, que Ihe da substancia, validade e fundamento.

    De certo modo, ainda mais se destaca, aqui, a dorninacaoclassistica, pois fica bem clara a natureza e posicao dosgrupos e pessoas que encarnam a ordem (isto e, antes detudo, a ctasse dominante, de que 0 Estado e visto comosimples porta-voz). A presence de outros projetos, outrasinstituicoes, oriundas de outra classe e grupos (nao-dominan-tes), e desprezada. 0 Direito aparece tao-so como forma decontrole social,ligado a orqanizacao do poder classistico, quetanto pode exprimir-se atraves das leis, como despreza-las,rasgar constituicoes, derrubar titulares e orqaos do Estadolegal, tomando diretamente as redeas do poder.Estas contradicoes da classe dominante, no entanto, aca-bam reforc;:andoa dorninacao, pois 0que invoca 0novo grupodo poder e a mesma ordem social, que enlendia mal deten-dida pelos seus representantes. E assim como se0mandantecassasse os mandatos de seus procuradores, mais ou menosintieis, com receio de que estes entreguem 0 Duro aos beni-dos (do poder), isto e , os dominados, que "devem" continuardominados. Ve-se, entao, que as contradicoes it superficierepresentam uma coerencia rnais profunda (a da dorninacao,e claro).No positivismo sociologista e a classe dominante (a queele nao alude, por motivos obvios, como tal, preferindo Ialarna sociedade, como se esta, por presuncao inatacavel, esti- ,vesse bem defendida por aquela classe) que pretende expri- I 'imir "a" cultura e tracar "a" orqanizacao social a resguardarpelos mecanismos de controle e "seguranc;:a"desta ordemestabelecida. 0 comportamento divergente dos grupos eclasse dominados, seus padroes de conduta (com normas

    opostas as normas do sistema) sao vistos como "subcultu-101$", comportamentos "aberrantes", "antijuridicos", uma "pa-telogia" que constitui "problema social" a ser tratado comrnedidas repressivo-educativas para conduzir os "transvia-dos" ao "bom caminho".Se cresce a contestacao, a atitude anomica (isto e , quecontesta 0 nomos, as normas, da ordem estabelecida), aslupocrisias paternalistas logo tiram a mascara, abandonam 0milo da "educacao" dos dominados (segundo os padroes daclasse e grupos dominantes e para methor servi-Ios) e saernpara a "iqnorancia'', no sentido popular da palavra, isto e,rocorrern it porrada, que os donos do poder e seus doceissorvidores consideram perfeitamente "juridica".Noutras palavras, 0 positivismo legalista, historicista ousocioloqista (os dois ultirnos reforcando 0 primeiro, a que seucabam rendendo) canoniza a ordem social estabelecida,que so poderia ser alterada dentro das regras do jogo queosta propria estabelece ... para que nao haja alteracao funda-mental. Alias, se as regras do jogo, apesar de todas ascautelas e salvaguardas, trazem 0 risco de vitor ia, mesmopelas urnas e dentro dos canais da lei, de correntes reestru-turadoras, 0poder em exercicio (pression ado pelas torcas dosistema e pelo seu proprio gosto de ficar no topo da piramide)trata de mudar as ditas regras do jogo, empacotando outroconjunto de normas legais. E assim como se 0arbitro criasseum novo caso de impedimento, no meio da partida. Istoquando 0 time que nao Ihe e simpatico ja via toda defesaadversaria "furar" e cair, diante do jogador mais agil, que estasozinho diante do goleiro e na irninencia de fazer gol.Alias, se os representanles da ordem estabelecida, che-gando ao poder estatal, hesitam ou se revelam mais recepti-vos a pressao popular pelas reestruturacoes sociais, amesma classe dominadora nao teme substitui-los por outros,mais enerqicos, ainda que, para isto, rompa todo um cicio delegalidade e substitua a legalidade Ieita por outra, entiio

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    19/49

    34 Roberto Lyra Filhc 1 1 1 / 1 1 1 ' 1 ' /)ireifo! --

    35considerada lntocavel, E, durante esta substituicao, os juris-tas do positivismo fieam no terrivel suspense, esperando paraver quem vai "dar as eartas" do jogo; isto a , as novas leis, quetais rabulas diplomados e endomingados interpretarao e apli-carao, com a maior eara de pau e todos os balanqandas datecnica "juridiea".

    Se, porem, a situacao interna se transmuda e a classedominante a derrotada, mesmo nas urnas, chegando asIorcas progressistas ao poder, 0 sistema imperialista de con-trole internacional nao tarda a intervir, fomentando a resis-tencia (a isto se chama "desestabilizar" governos),desprezando 0 principio de autodeterrninacao dos povos emandando dinheiro e armas para manter a "ordem" nosquintais de sua "zona de intluencia". No meio deste jogoviolento, 0 positivismo psicologista desempenha 0 papel deinocente util, Nele, 0 "espirito do povo" nao fica pairando nasociedade: baixa na euea de um ou mais sujeitos privile-giados.Sao estes que pretendem: 1. haver deseoberto 0 "direitolivre" dentro de suas "belas armas", revelando um "sentimen-to do direito"; ou 2. que deferem aos juizes, como no judge-made law (0 direito eriado pela magistratura), de eertasideologias norte-americanas, 0 poder judicial de eonstruirnormas, alern e acima do que esta nas leis: um dire ito maisrapido, "realista" e concreto do que 0 dos codigos: ou ainda3. VaGa busea duma "essencia tenomenoloqica do direito",que nao tem 0 romantismo do "direito livre" ou 0pragmatismo(neste, 0 criterio da verdade e 0 sucesso) do "direito dosjuizes", mas tarnbern nao rende mais do que umas furnacespretensiosas. Da tudo no mesmo e 0 que este buque deideologias tem de comum, de psicologista, e a transterenciade foco, passando daquele panorama exterior (de leis, con-trole social, "espirito" - objetivo - do "povo") para as cabe-cas dos ideoloqos.

    Vojamos um pouco mais de perto 0 positivismo do terceiroll'upo (os positivismos psicologistas). 0 "sentimento do direi-ln", proeurado numa intuiyao livre, aeaba descobrindo, e nao1'01 mera coincidencia, na "alma" dos pesquisadores, a ideo-IOUlo juridiea peculiar a sua classe e seu grupo, isto e, ospnncipios perfeitamente compativeis com a ordem estabe-lncida. Cornecando nas "belas almas", em que a ideologialncta como uma flor, e idealizando, romantieamente, a domi-I I 1 Ic ;:5 0 , 0 "sentimento do direito" aeaba amadurecendo nosmnsrnos frutos repressivos.Nem os senhores delicados, do "sentimento" - nem, poroutre lado, os senhores praticos, do direito criado por juizes"rcalistas" - sequer intentam uma eritiea real e profunda depmssupostos estabelecidos pelaordem social dominante. Aoontrario, eles proeuram melhor servi-Ia, apenas aehandoque a leqislacao e um carmnho muito estreito (bruto, para ossnntrmentais, ou atrasado, para os realistas), em relacao asIIxiglncias de manter a estrutura em perfeito funcionamento,com um pouco de aqua-com-acucar ou pondo oleo e pecasnovas na rnaquina.Restam os artificios da fenomenologia, que e tambern umpositivisrno psieologista. Aqui, ha pretensoes menos roman-licas, mas 0processo nem por isto deixa de parecer-nos umaospecie de maqica besta. Sua intenyao declarada, alias, seriaultrapassar 0 psicologismo, ir as "coisas mesmas", aos Ieno-menos e, por assirn dizer, descasca-Ios, ate que revelem, noamaqo, a propria "essenciar.Mas, perguntemos: quais sao osfen6menos assim descaseados? Sao os fatos de dorninacaoque os legalismos, historicismos e soeiologismos apresenta-ram como "juridicos", isto e , de novo e sempre, a ordemestabelecida e seus instrumentos de controle social. Este naoe jamais questionado e, sim, trabalhado mentalmente peloIenornenoloqo, ate que so reste a "essencia" ... da dorninacao,Equal 0 processo utilizado para extrair a "essencia"?Como e que 0 tenornenoloqo pretende atingir as coisas

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    20/49

    I 10 ,

    ,I "II "! I ,!I I '

    36 Roberto Lyra Filho

    Ii

    f,

    rI/IU' (' J),TL';to, . -" 0 cJiroitopositive (este direito ja feito e imposto, em subs-t ncia, pelo Estado), pois a fun~o daquele principio a preci-'mlllonte dar fundamento juridico ao direito positivo.Ahnal de contas, por que se atribui ao Estado 0monopoliorln produzir Direito, com a legisla9iio? Que razao juridicaICI(lltlmariaeste privilegio? Nenhum positivista escapa a estaqucstao: no maximo, ele a transfere para outra sede, isto a ,piocura oterecer a sua ideologia juridica 0 aval de sua ideo-logia polftica - 0 que nao deixa de ser engrayado em quem11 0 ofirma "objetivo", isento, ate "neutron politicamente. U!1lcnso extremo a 0 de Kelsen, a quealudiremos brevemente,porque ele nos conduz aos limites do paradoxo, na suaIotrnosia positivista.Assim a que, para conservar aquele mito da "neutraJidade",nfirrna que 0 Direito a apenas uma tecnica de organizar arorya do poder: mas, desta maneira, deixa 0 poder semjustiticacao, como que nu e pronto a ferrar todo 0mundo, masdo calcas arriadas, com perigo para sua dignidade; portantoo mesmo Kelsen acrescenta que a Iorca a empregada "en-quanto monopolio da comunidade" e para realizar "a pazsocial". Desta mane ira, opta pela teoria polit ica liberal, queoquipara Estado e comunidade, como se aquele represen-tasse todo 0 povo (ocultando, deste modo, a dorninacaoclassistica e dos grupos associados a tais classes). Chama-sa, entao, de "paz social" a ordem estabelecida (em proveitodos dominadores e tentando disfaryar a luta de classes egrupos).

    Ora, este artificio, que poe no Estado sempre a paz e 0interesse da comunidade, a mais do que poderia engolir umiurisnaturalista consciente. Onde ficam, perante isso, oDireitode resistencia a t irania, ao poder usurpado? E a guerra justacontra os Estados imperialistas que atacam na~es maisfracas como 0 lobo ao cordeiro?Junto a questao do Estado emerge a da seguranya juri-dica, outro mimo da ideologia positivista. Afirma-se que ha

    37

    mesmas? Com a sua "visao" individual, que acaba transferin-do para 0objeto os proprios elementos ideoloqicos do obser-vader, Lukacs observa que se trata duma "abertura para 0mundo de um sujeito que na verdade nao sai de si mesrno",Dizendo que se libertou da psicologia e das representacoesmentais paraver as coisas no que essencialn:ente sao, ?fenomenologo toma as coisas (no caso, os fenomenos jun-dicos) tal como as apresentou um tato de domina9ao e buscaa "essimcia" dele, numa laboriosa "visao", que esquece detirar os oculos, de lentes deformadoras, que a ideologia po~no seu nariz. Finalmente, e muito entusiasmado, grita que "jamorou na essencie daquilo"oo,Nem foi a toa que as mais laboriosas pretensoes fenome-noloqicas, na teoria do Direito, acabaram "casando" com ateoria "pura" de Hans Kelsen: isto e, a fenomenologia juridicade Kaufmann ou de Schreier nao passa de um caminhocomplicado para 0 positivisrno legalista de ~elsen, Todas asformas do positivisrno, assim, rodam num circulo, porque, apartir do legalismo, giram por diversos graus para chegaremao mesmo ponto de partida, que e a lei e 0 Estado,Em todo esse jogo de positividades manhosas, entretanto,a arqucia de Radbruch apontou um limite: e que, mesmo noplano ideoloqico, 0 positivismo, que diviniza a "lei e a ordem"como se ali estivesse 0 Direito inteiro, ha de oferecer umqualquer fundamento juridico para tal ordem, tal Estad,opr,o-dutor de leis, tal priYilegio e exclusividade de produzir leis,que seria do Estado, E Radbruch, 0 grande iurisfilesotoalernao, com certeira malicia nos mostra que 0 positivismo,neste empenho, "pressupoe um preceito juridico de direitonatural, na base de todas as suas construcoes", isto e, umpreceito juridico anterior e superior ao direito positive. 0 quese pretende afirmar assim e que, ou 0 positivismo se descobrecomo nao-juridico, fazendo derivar 0 Direito do simples tatode dominacao, ou, para tentar a leqit irnacao ,da,ordem e ~opoder que nela se entroniza, recorre a um pnncrpio que nao

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    21/49

    I I J :

    38sequranca para os cidadaos, tendo-se em vista que as precei-tuacoes legais estabelecem como todos devern pautar a suaconduta, a fim de evitar as sancoes estabelecidas, no casodum descumprimento dos deveres que as leis impoern, Mashavera maior inseguranya do que uma determinacao semlimites, atraves da legislayao, do que e permit ido ou proibido,alern do mais realizada por um certo poder que se dispensade provar a propria legitimidade? Este poder, ao contrario, sepresume legitimo, a partir do fato de que esta em exercicio echegou it posicao desempenhada, seguindo os processosque ele proprio estabelece, altera e, de todas as formas,controla a seu bel-prazer.Um circulo de legalidade (alias, provindo de uma ruptura,mais proxima ou mais remota, de outra legalidade) nao e , emsi, prova de coisa alguma, quanto a /egitimidade do poder, jao repetia, entre outros, Heller, conforme lembramos. Qualquertirania pagava com gosto (e paga mesmo) este pequenotributo, que e cobrir de leis 0 corpo nu do poder, pensandoque isto basta para toma-to inatacavelmente juridico. Rad-bruch, que teve de enfrentar a persequicao de Hitler, advertia,tambem, que uma legalidade .nao e suficiente, pois, emsituacoes comuns, ela e, em todo caso, 0 revestimento dumaestrutura de dominacao, que e preciso avaliar criticamente e,em situacoes extremas, pode ser constituida pelos "editos deum paranoico", isto e, pelas leis de um doente mental commania de grandeza.Volta sempre a questao da fonte suprema de qualquerDireito, inclusive do direito de produzir norrnas legais. Aidolatria da ordem nunca elimina (apenas tenta distarcar) 0problema da Justice. Que sera, entretanto, esta Justica, quese poe no centro das preocupacoes iurisnaturalistas? De quemaneira, mesmo a este nive/ ideoloqico, emerge a dialeticada ordem e da .Justica? Ressalvemos que, neste ponto,estamos fazendo abstracao do posicionamento concreto erea/mente dialetico do problema (que so pode ser focalizado

    1 1 ' / 1 1 1 ' I' l nunt 39" IUlIlIr da dialetica social, e nao apenas ideoloqica, do1lllllllo) 0 nosso objetivo, por enquanto, e mostrar que asIrllloloUlns juridicas refletem, apesar de tudo, algo mais pro-lunuo, nelas tarnbern relativamente deformado.

    () direito natural apresenta-se, fundamentalmente, sob1I1)!1 Iormas, todas elas procurando estabelecer 0 padraojllll(lico, destinado a validar as normas eventualmente produ-Ild.IS, ou explicar por que alas nao sao validas. As tres formasItHO: a) 0 direito natural cosrnoloqico: b) 0 direi to naturallunloqico: c) 0 direito natural antropoloqico. A primeira liga-seIIU cosmo, 0 universe fisico; a segunda volta-se para Deus;" lorceira gira em torno do homem.()Izem que 0 dire ito natural tem origem na propria "natu-rU/lI das coisas", na ordem cosmica, do universo; e dai vem1\ oxprassao direito natural, isto e, buscado na natureza.I ntretanto, se nos aproximarmos das concepcoes do que etornado como "natureza das coisas", verificamos que esta e.iponas invocada para justificar uma determinada ordem so-I.lill estabelecida, ou revelar 0 choque de duas ordens tam-IlI"m sociais. Notemos, por exemplo, no primeiro caso, a.unbuicao ao direito natural, isto e, a "natureza das coisas"tin escravidao, naquelas sociedades em que 0escravagismoII0 modo de producao econornica e, portanto, a base daostrutura assente. No segundo caso, temos, por exemplo, 0conflito entre os costumes tradicionais reliqiosos, invocadospor Antigona na traqedia grega de Sofocles, e a lei daCrdade-Estado. representada por Creonte.

    Desde este ultimo ponto se esboca a especial tensao doiurisnaturalisrno, que vive oscilando entre os dois palos, jaentrevistos por Mannheim, socioloqo alernao, e mais recen-tomente focalizados pelo marxista Miaille: 0direi to naturalconservador e 0 direito natural de combate. Porque, nota esteultimo autor, "todos os movimentos socials fundaram-se num'Direi to' que exprimia a sua propria situacao e reivindicacoes".Assim e que Miaille vai recomendar um "novo direito natural"

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    22/49

    I "\ !1' 1 I I

    40 Roberto Lyra 41" / f I ' , . /111"1((/- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ~111'1111111\scandalosamente contra esses preceitos. Mas isto" IIIIIIIIIII/ado, seja porque, como em Sao Tomas de Aquino,

    1 1 1 1 podor social e deferida uma larga discricao no estabelecerII"jll*,IOparticularizado" (e a tradicao, que vem de Aristoteles)," 1 1 j I 1 porque, como em Santo Agostinho, seadmite que, criado(Imnmtdo pela Providencia Divina, 0poder social extrai desta[nvunlidura uma especie de apoio moral de Deus para todos1111::IlUS abusos. 0 que "Deus criou e rnantern" se entendeCplO oxprime 0 que Deus quer e consagra. De outra forma, 0:;unbor destronaria 0 soberano, com um divino pontape noII.l':('iro.I'm nosso tempo, 0 tilosoto catolico Maritain demonstrabflrn a tendencia a minimizar 0 conflito entre lei divina e leihumana, recomendando ao oprimido a "coragem de sofrer"," "paciencia", diante da dominacao interna ou externa (01',lado que oprime 0 povo ou imperialismo que submete este1IIIImo- e ate 0Estado - a dorninacao estrangeira). Assim,II lorca Iisica prepotente, nada mais se oporia do que a "torca1110rol",0 que e muito conveniente para 0 dominador, quej,Hnaisdeu bola para tal "superioridade".Alias, 0 direito natural teoloqico, prevalecendo na IdadeMedia, servia muito bem a estrutura aristocratico-teudal. ge-Ialmente fazendo de Deus uma especie de politico situa-cronista. Mesmo quando a Igreja e 0 soberano (naoosquecarnos de que a Igreja era Estado tarnbem) andavamns turras, estas pugnas de gigantes poderosos nada tinhama ver com 0 povo, nem contestavam as bases espoliativas daordem socio-econornica, Era, de novo, uma cobertura ideo-loqica para 0modo de producao. Tanto assim que a burgue-sia, no alvorecer do capitalismo, ja tendo adquirido 0 poderoconomico, partiu para a conquista do poder politico, adotan-do outro tipo de iurisnaturalismo, 0 mesmo que as nacoesemergentes, como a Holanda, invocavam para quebrar aparti lha do mundo entre as nacoes catolicas. dentro da linhatracada pelo Vaticano.

    de combate e concentrado na luta de classes e na liberacaode grupos oprimidos.Temos insistido, invariavelmente, nesta referenda a clas-ses e grupos, e e preciso explicar que ela distingue 0aspectobasico da oposicao entre uma classe dominante, espoliadora,e uma classe dominada, espoliada, paralelamente a oposicaoentre grupos opressores e oprimidos, esta ult ima oposicaonao estando diretamente ligada a outra. Assim e que Miaillerecorda os conflitos de grupos, em termos de "minoriasexiqindo 0 direito a diterenca", um contraste colateral (dealcance juridico, mas nao vinculado a questao socio-econo-mica apenas): minorias regionalistas, minorias sexuais, mino-rias etnicas. Assim como deixamos registrado, quanta asideologias, 0 contraste nao representa, sem mais, um choqueclassistico, podendo dissolver-se ou subsistir, independen-temente da troca do modo de producao. Citamos, por exem-plo, 0 machismo, que mantern a opressao da mulher ou doshomossexuais, em sociedades cuja base econornlca ja alte-rou 0 sistema classistico e a espoliacao maior da injustadistribuicao da propriedade.As limitacoes que um "novo direito natural" apresentariaserao indicadas no final deste capitulo; mas, de qualquerforma, 0direito natural de combate pretende fundar um quartomodelo, que se poderia chamar de direito natural historico-social e que nada tem a ver com os tipos tradicionais, cosmo-loqico, teoloqico e antropoloqico.Vimos em que consiste a forma cosmoloqica; a teolcqicapretende deduzir 0 direito natural da lei divina. Esta iriadescendo, como que por uma escada: Deus manda; 0sacer-dote abencoa 0 soberano; 0 soberano dita a "particulariza-9aO" dos preceitos divinos, em suas leis humanas ... e 0 povo?A este so cumpriria aceitar, crer e obedecer. E claro quesempre fica admitida, em tese, a possibilidade dum errodedutivo, em que a lei humana, por malicia ou cegueira, emvez de "concretizar" as vagos preceitos da lei de Deus,

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    23/49

    f I I

    I ~ ;j I, ',"' \ 1 0 11 \ : ' .

    42 Roberto Lyra Filho t I1111' I:Direito,. 43A contestacao burguesa da ordem aristccratico-teudat,internamente, assim como do sistema internacional montado,recorreu, entao, a forma de direito natural, que denominamosantropoloqico, isto a , do homem, que extraia os principiossupremos de sua propria razao, de sua inteligencia. Estesprincipios, e de novo nao por mera coincidencia, eram, evi-

    dentemente, os que favoreciam as posicoes e reivindicaesda classe em ascensao - a burguesia - e das nacoes emque capitalismo e protestantismo davam as rnaos para aconquista do seu "Iugar ao sol".Esta visto que, chegando ao poder, a burguesia, como jaacentuamos, descartou 0 seu iurisnaturalismo, passando adefender a tese positivista: [a tinha conquistado a rnaquinade fazer leis e por que, entao, apelar para um Direito Supe-rior? Bastava a ordem estabelecida, Por outre lado, no planointernacional, as novas correlacoas de Iorcas iam formar-se,para a ordem, em que 0 liberal, 0 burques, 0 capitalista -ontem execrados - ganhassem transite, extravasassem nosimperialismos e acabassem ate obtendo a reconhecimentodo Vaticano, que, repitamos, e tarnbern um Estado e, comoEstado, se tornou capitalista,Na verdade, 0direito natural nao e tanto imobil ista (apesarde suas pretensoes a criterio eterno e fixo de avaliacaojuridica) como bastante manhoso: ele sempre deixa lugarpara as "concretizacoes", em que os preceitos atribuidos anatureza, a Deus ou ao proprio estorco racional, tendem aconciliar 0 padrao absoluto e as leis vigentes. Todavia, 0merodualismo (oposicao de direito natural e direito positive) temuma certa dinamica, que ao menos conserva a ideia potencialduma confrontacao, E por isto, alias, que has horas deintoleraveis tensoes - em que 0 poder instituido vai au men-tan do a intensidade da prepotencia e sua autoridade desgas- I,tada vai tarnbern fazendo aumentar a intensidade da IIcontestacao - costuma reaparecer, com especial atrativo, 0velho direito natural. .Jase falou, por isto, em "eterno retorno",diante da longevidade iurisnaturalista.

    Na falta duma visao dialetica, 0 jurista nao sabe para quenpelar, quando aparecem as situacoes monstruosas, que anlnquern mais permitem engolir os sapos inevitaveis (ossapos tornaram-se indeglutiveis). Assim e que, na AlemanhaOcidental, durante 0nazismo, para a resistencia, ou apos ele,para a restauracao liberal dernocratica, 0 iurisnaturalismoressurgiu com extraordinario vigor. Depois de ficar subjacentea todo 0 julgamento dos criminosos levados ao Tribunal deNuremberg (onde foram julgados, apes a 21.Guerra Mundial,os dirigentes nazistas), 0 dire ito natural serviu de fundamentoa sentences da Justice alerna, anulando velhas decisoes,baseadas em leis nazistas, e empolgou as catedras univer-sitarias daquele pais.o Direi to de resistencia a tirania, 0 Direito a guerra dehbertacao nacional, 0 Direito a guerra justa em geral, umacerta praocupacao com a legitimidade (nao so a legalidade)do poder tern nitido sabor iurisnaturalista, e esta ideologia serevigora, como dissemos, a todo instante de maior tensao. 0mal e que, nela, as questoes vern tratadas no plano ideal, daabstracao, no sentido de que nao conseguem ligar a elabo-racao taorica aos grupos, classes, dominacoes e impulsoshbertarios, sistemas de normas estatais e pluralidade deordenamentos (isto e, outros conjuntos de normas juridicas.nao-estatais, institucionalizadas e funcionando em circulosde atuacao dos grupos oprimidos e classes espoliadas).Por outro lado, 0 direito natural fica preso a nocao deprincipios "imortais" (da natureza, de Deus ou da razaohumana) e, quando eles descem a "particularizacao", tendema confundir-se com 0direito positivo do Estado ou dos grupose classes prevalecentes. Apesar de tude, e possivel distinguir,naquela dinarnica dos do is direitos - 0que aparece na ordemestatal ou costumeira e 0 que surge como direito superior -um germe da contestacao possivel, que torna 0 direito naturalateicoavel as reivindicacoes supralegais (acima das leis e atecontra elas) e, em consequencia, muito propicio a utilizacao,

    "1.b=-~~- """_ -- __ -_-"--'------.-

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    24/49

    , I

    44 Roberto Lyra Filho

    II

    () que e Direito 45nas horas de crise do direito positive, pela classe e gruposdominados.E por esse motive, como virnos, que Mannheim tala numdireito natural progressista (perante 0cohservador) e autoresmarxistas como Ernst Bloch ou Miaille nao hesitam em ado-ta-lc sob 0 angulo dum direito natural de combate. Ernst Blochchegou mesmo a fazer uma longa investiqacao historicasobre essa idaologia, procurando mostrar que 0 germe decontestacao a que aludimos e muito mais forte do que cornu-mente se pensa. Entretanto, permanece 0dualismo - direitopositive e direito natural - como uma antinomia (uma con-tradicao insoiuvel), que parte 0 Direito num angulo que so vea ordem e noutro que invoca uma .Justica, cujo fundamentonao e adequadamente assentado nas propries lutas sociaise, sim, em principios abstratos.Por esse motivo, era perfeitamente compreensivel a irrita-9ao de Engels contra Lassalle, quando este cogitava dum"Direito absolute", uma "ideia de Direito", pairando acima doprocesso historlco e suas lutas concretas. Engels afirmou,entao, que tal "ideia do Direito" nada mais era do que 0"processo historico mesmo", sua direyao superadora e liber-tadora.Mas decerto ai podemos discernir nao so a praxis dosgrupos e classes em ascensao, porern, na medida em queestas formulam os objetivos de sua luta, uma sarie de reivindi-cacoes, juridicas tembem. Isto, desde que por Direito nao setome, nem 0 que a ordem dominante estabelece, nem urnconjunto de principios que nao revelam bem de que fonteextraem substancia e validade e por que mudam, historica-mente, ficando uns superados - como vimos, quanta ao "dara cada urn 0que a seu" - e outros aparecendo no horizonte- como por exernplo, 0 direito de todos a urn nivel de vidaadequado, que emerge na Declaracao Universal dos DireitosHumanos de 1948. consagrando umprincipio ganho nas lutassociais mais modernas.

    So urn lolego dialetico poderia unificar, dentro da totalidadedo processo histonco e na sua perpetua transtormacao, osaspectos polarizadores de positividade e J~.sti~, de ela.bo-racao de normas e padrao avaliador da leglt lmldade. MUitosautores tern reconhecido, como Dujardin e Michel, que aindanao existe uma teoria dialetica de Direito perteitamente elabo-rada, e que e insuficiente 0 "positivismo de esquerda" (aequiparacao do Diraito as normas estatais, as leis, com 0acrescimo de uma "explicacao", em geral bastante meca-nicista, deste direito pela chamada infra-estrutura socio-eco-nomica). .Dentro desta perspectiva, 0 maximo que se pode fazer eo "uso alternativo" do direilo positive e estatal, como propoemBarcellona e seus seguidores, isto e. explorar as contradicoesdo direilo positivo e estatal em prove ito nao da classe egrupos dominantes mas dos espoliados e oprimidos. A tarefae de nao pequena irnportancia, mas tambam nao supre aslacunas da concepcao positivista do Direito - que anal i-sames neste capitulo.E foi isto que viram os marxistas de outra orientacao, istoe, os que voltaram para urn novo tipo de direito natural.Entretanto, [a apontamos 0 problema de urn "novo direitonatural" (0 iurisnaturalismo "de combate"): ele quer evitar 0t ipo tixo, abstrato, de principios eternos, mas nao conseguenem dar uma nocao global de Direito, em que positividade eJustica se entrosem, nem mostrar de que modo 0 processohistorico mesmo ganha um perfil juridico. 0 inconveniente,alias, vem de que tratam de do is direitos - 0 positive e 0natural - sem reperguntar 0 que e Direito como nocao queunifique esses tipos opostos, ou seja, nao chegam a visaohistorico-social do Direito, mas apenas a oposicao historico-social de dois direitos, que nao sabem muito bem por queseriam juridicos. Isto fica muito claro em Miaille quando sefala em "direito" natural de combate, pondo assim entre aspasa palavra Direito, como sa nao fosse um Direito propriamente

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    25/49

    I

    46 Roberto Lyra Filho () c lu e e Diretto 47di!o ~ tr~i~do um vestigio do "positivismo de esquerda" queso ve Direito - sem aspas - no direito estatal.Em sintese, 0 proprio exame da problernatica, a nivelideoloqico, mostrou-nos que 0direito positivo e insustentavel,sem um complemento, que 0 jurista vai busear no direitonatural- com todos os deteitos deste - porque nao va ondese busque outro apoio, nada obstante indispensavel, Pararealizar a nova construcao seriam necessarios outros mate-riais ~, sob~etudo, outra atitude, propriamente dialetica, que,por se-I.o,nao ~~Ieraaquela antinomia (contradicao insoluvel)de direito POSltlVOe natural, tomados como unidades isola-das, estanques e desligadas da totalidade juridiea, na totali-dade maior, histonco-social.Numa pagina celebre, a que ja fizemos reterencia, .JoaoMangabeira notava que 0Direito existe antes do Estado nasso~iedades primitivas, e que, mesmo admitindo 0 des'apa-recirnento do Estado, numa sociedade em que 0governo daspessoas seja substituido pela administracao das coisas epela direcao do processo de producao, 0 que desaparece eo Estado, nao 0Direito. Entretanto, se quisermos demonstraro que este vem a ser, nessas transtorrnacoes, da sociedadeprimitiva a sociedade tutura, antes do Estado, perante 0Estado e ate depois do Estado, qual 0 f io da meada?As ideologias juridicas deram-nos, com seus reflexos dis-torcidos, uma visao dos problemas que surgem, quando 0homem pensa, abstratamente, sobre 0Direito; esses proble-mas, entretanto, constituem a imagem da realidade, da praxishumana (da atividade historica e social do homem) no seu~ngulo .juridico. 0 eaminho para corrigir as distorcoes dasideoloqias c:omeya no exame nao do que 0 homem pensasobre 0Diretto. mas do que juridicamente ele taz. Poderemoschegar, nisto, a dialetica do Direito nao ja como simplesrepercussao mental na cabeca dos ideoloqos, porem comofato ~ocial, a~o concreta e constante donde brota a reper-cussao mental.

    A Sociologia Juridiea e a unica base solida para inciarmosa nova reflexao, a nova Filosofia Juridiea, a fim de que estaultima nao se transforme num jogo de fantasmas ideoloqicos,perdendo nas nuvens 0 que vem da terra. As ideologiasjuridieas sao filosofia corrompida, infestada de cr~nyas f~ls~se falsifieada consciencia do que e juridico, pela mtrorrussaode produtos forjados pelos dominadores. Para uma con-cepcao dialetica do Direito, teremos de rever, antes de ~u~o,a concepcao dialetica da sociedade, ond~ 0 Estado ~ 0 direitoestatal sao, a bem dizer, um elemento nao desprezivel, massecundario.E ali tarnbern que se ha de precisar e desentortar aconsideracao do que, apesar de tudo, ficou bem claro, noexame das ideologias juridicas e que consiste nas duasvertentes do Direito (nao, como elas continuam a foealizar, osdois direitos opostos e separados): a positividade manifesta-da em conjuntos de normas (varies conjuntos, que conflitame vern de classes e grupos em luta), e os padroes de legiti-midade, que nos permitem assumir posicao, ante aquelesconjuntos, sem nos perdermos nalguma ideia de .Justica quevoa nas nuvens, ou nos voltarmos para uma .Justica Social,ainda vaga, uma resultante do processo nistorico (da luta declasses e grupos), que nao sabe distinguir a face jurfdicadesse processo.o primeiro passo rumo it concepcao dialetica do Dire~osera, deste modo, a Sociologia Juridica. 0 fil6sofo alemaoErich Fechner falava na Filosofia Juridiea enquanto "Socio-logia e... metafisica do Direito". Para vencer a "metafisica" doDireito, que e ideologia tambern, vamos tracer 0 esboco dumaSociologia Juridica, que nada fique devendo, par outro lado,a "metafisica" da Sociedade (uma apresenta~o desta queutiliza "ideias" abstratas e falsas crencas) mas, ao contrario,se funde numa ciencia dos fatos sociais. Sociologia e FilosofiaJuridica se completam, pais, como assinala Marilena Chaui,inspirando-se em Merleau, nao ha razao para uma rivalidade

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    26/49

    I , ~

    48 Roberto Lyra Filhoentre filosolos e socioloqos, os primeiros considerando-sepossuidores da verdade porque defensores da "ideia" e ossegundos reivindicando para si a posse do verdadeiro, por-que conhecedores do fato.Esta rivalidade priva 0 filosoto do contato com 0 mundo (eentrega-o as ideologias) e priva 0 socloloqo da interpretacaodo sentido de sua investiqacao - 0 que conduz a sociologiaa outros desvios, ideoloqicos tambem. A concepcao dialeticaha de' repensa-lo em totalidade e transtormacoes, numaFilosofia Juridica, que e Sociologia (e nao sociologismo positi-vista - uma ideologia que [a criticamos aqui) e Ontologia doDireito, no sentido que evocamos inicialmente, com Lukacs,e que nada tem de "metafisico". Para a visao dialetica doDireito e necessaria uma Sociologia dialetica. No capituloseguinte, procuraremos explicar em que consiste esta Socio-logia.

    SOCIOLOGIA E DIREITO

    Vimos que as ideologias refletem certas caracteristicas doDireito, embora deformadas, porque tendem a polarizar-seem torno de duas visoes unilaterais e redutoras. Os positivis-tas conservam a tendencia a enxergar todo 0Direito na ordemsocial estabelecida pela cJassee grupos dominantes, direta-mente (com suas normas costumeiras) ou atraves das leis doEstado. -Os iurisnaturalistas insistem na necessidade dumcriterio de avaliacao dessas mesmas normas, para medir-Ihesa "Justica" (isto e , a legitimidade da origem e conteudo);entretanto, nao conseguem determinar satisfatoriamente 0padrao da medida.Vimos, em seguida, que so um f61ego dialetico poderiasuperar a oposicao assim criada, entre 0 direito positivecastrador e 0 direito natural, que muitas vezes se limita alegilimar a ordem posta e imposta, por falta dum real eautentico estalao critico. A antitese ideoloqica (direito positive- direito natural) so se dissolvera, como acentuamos, quan-do for buscado, no processo historico-soclel, aquele estalao.Mas isto nao importa em identificar, simplesmente, Direito e

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    27/49

    ,

    50 Roberto Lyra Filho ( J .iue II Direito 51processo historico e, sim, procurar neste 0 aspeclo peculiarda praxis jurfdica, como algo que surge na vida social e foradel a nao tem qualquer fundamento ou sentido.Em sintese, colhemos na abordagem das ideologias certomaterial preliminar, que agora cumpre rever, sem distorcoese entrosado na totalidade em movimento, onde se manifestaa procurada "essencia" do tenorneno juridico.Nao se trata, e clare, de recapitular, na sua imensa varie-dade, 0 Direito de todos os povos, um por um, atraves dostempos - inclusive porque este recorte nos darla uma seriede retratos mais ou menos sugestivos, mas nao 0 processode torrnacao, transformacao e substituicao de normas juri-dicas, bem como dos criterios por que elas podem ser avali-adas, sem recurso a medidas ideais, previas, fixas e eternas.A "essencia" do Direito, para nao se perder em especulacoesmetafisicas, nem se dissolver num monte de pormenoresirrelevantes, exige a mediacao duma perspecliva cientifica,em que os "retratos" historicos se ponham em movimento,seguindo 0modelo ger~1 da constituicao de cada uma daque-las imagens. A Historia e um labirinto, onde nos perderemos,as vottas com fatos isolados, se nao carregarmos uma bus-sola capaz de orientar-nos a respeilo da posicao de cada umdeles na estrutura e no processo.Contudo, entre a variedade dos fatos e 0 esquema condu-tor, tambern nao podemos trocar a bussola por um mapapre-fabricado, que deseje ver, efTI cada episodic, a confir-macao fatal dum roleiro teorico. E por isto que Engels, ja 0lembramos, combatia os que se limitavam a sub meIer osfatos socia is a esquemas previos e mecanicos, tachando-osde ignorantes e prequicosos, por chegarem a Historia comuma pseudociencia feita e acabada. Mas, por outro lado, nemMarx nem Engels jamais sustentaram que bastasse colher,ao acaso, fatinhos soltos, para, com isto, chegar a cienciavisada. Eles, ao contrario, procuravam a conexao necessariade fatos reteventes, seguindo uma hipotese de trabalho. Esta,

    formulada ao contacto dos processes sociais, num examepreliminar, era, depois, submetida a pacientes e constantesveriticacoes rnetodicas.Desta forma, os modelos nao passavam - nem deviampassar - de arranjos duma primeira abordagem, depoisconferidos e aperteicoados perante os tenomenos mesmos.Basta lembrar, por exemplo, como ilustrayao dessa troca(tenomencs - hipotese de trabalho - verificayao ante ostenornenos - reajuste da hipotese), os tipos de modo deproducao - comunidade primitiva - escravagismo - feuda-usrno - capitalismo - socialismo - corrigido pelo encontrodo modo de producao asiatico. Este ultimo emergia na inves-tiqacao historica e Marx 0 registrou, como tipo especial,embora ate hoje alguns de seus discipulos 0 omitam, carre-gando os cinco oulros como um fetiche doqrnatico, a que ternde ajustar-se .tudo 0 que for encontrado, assim como teriamde chegar a um comunismo final, que e simples previsao (is toe, outra hipotese, neste caso prefiguradora e tarnbern sujeita: 1 prova historical.Naquele procedimento circular, que entra no oficio histo-nco, trazendo hipoteses e modelos, resultantes de exameanterior, sobre 0 material acumulado, para subrnete-los, de-pois, ao crivo de novas veriticacoes, Marx e Engels faziamHistoria Social, isto e, voltavam a Historia com a bussoladuma Sociologia. Nao nos referimos, aqui, a Sociologia bur-guesa, tal como a concebeu Comte, na "Fisica Social", masa Sociologia Historica. de que precisamente sao precursoresMarx e Engels, em bora nao usassem esta etiqueta. Porquee Sociologia a disciplina mediadora, que constroi, sobre 0monte de fatos historicos, os modelos, que os arrumam (coma ressalva de emendas, ao novo contacto com 0 processo).

    A Histor ia registra 0 concreto-singular, a Sociologia 0 abor-da na multiplicidade - generalizada em modelos, segundoos traces comuns. Assim, a analise da Revolucao Francesa,

    \. em suas causas e peripecias, apresenta-se ao historiador.que

    ,

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    28/49

    . ,52 Roberto Lyra Filhc o que e Direito 53. . . . .a reconstitui cientificamente. Mas,poroutro lado, registrando vista; eesta nesta possibilidade a diferenc;:adas abordagenso tenorneno duma revolucao em especial e para nao se citadas.perder na massa informe de relevancias e irrelevancias de Falamos em Socioloqie do Direito, enquanto seestuda adados importantes e insignificantes, 0 historiador ha de~m- basesocial deum direito especifico. Por exemplo, e Socio-pregar os modelos quea Sociologia ministra no exame coor- logia do Direito a analiseda maneira por que0 nosso direitodenado das revolues emgeral. estatal reflete a sociedade brasileira em suas linhas geraisIsto Ihepermitira, inclusive, mostrarquealguns episodios, (depoucascontradicoes eminima flexibilidade, dado0siste-c~jos protagonistas chamamderevolucao, na verdadenao0 I ma, ainda visceralmente autoritario, de pequenas "abertu-sao, .c~mo, por exemplo, no caso duma "revolucao" cujos ras", controladas, como um queijo suico, perpetuamente apropositos e comportamento fossem manter e resguardar I enrijecer-se, no receio deque os ratinhos da oposicao alar-uma estrutura. UmgolpedeEstado, de indoleconservadora guem os buracos). Toda aquela velha estrutura entao 'se

    nao e uma revolucao: e uma forma brusca deconservar. A~ desvenda como elemento condicionante, que pesa sobre0abordagens historica e socioloqica sao, portanto, comple- pais, obstaculizando as rernodelacoes, sob a pressao simul-mentares e se escoram reciprocamente. Por isso mesmo, I tanea das classes e grupos nacionais dominantes e dastoda Hstoria realmente cientifica (e nao apenas cronica de I correlacoes detorcas internacionais, interessadasemqueaofatos isolados ou biografias coordenadas de "homens ilus- i imperialismo nao escapetao gordo quinhao.tres") e Hstoria Social; etoda Sociologia realmentecientifica Socioloqie Juridica, poroutro lado, seria0examedo Direito(enao apenas manipulacao ideoloqica de"formas" ideais) e emgeral, como elemento do processo socioloqico, em qual-Sociologia Hstorica (empenhada, sempre, em determinar a quer estrutura dada. Pertence a Sociologia Juridica, pororigem, os antecedentes das "formas" sociais, que nao sao exemplo, 0 estudo do Direito como instrumento, ora decon-desovadas no mundo por algum espirito criador ou lider trole, ora de mudanca, sociais; da pluralidade de ordensexcepcional, nemdeduzidas pela inteligEmcia"pura" dealgum normativas, decorrente da cisao basica em classes, comteorico degenio). normasjuridicas diversas - nodireito estatal enodireitodosAplicando-se ao'Direito uma abordagem socicloqica sera espoliados, formando conjuntos competitivos denormas, no

    entao possivel esquematizar os pontes de inteqracao do contrasteentre 0 direito dessas classes (atedegrupos opri-tenorneno juridico na vida social, bem>como perceber a sua I midos, como vimos) e 0 que a ordem dominante pretendepeculiaridade distintiva, a sua "essencia" verdadeira. Cabe, manter.entretanto, uma ressalva aquisobreduasmaneiras dever as E claro, repetimos, quea Sociologia do Direito e a Socio-relacoes entreSociologia eDireito: a queorigina uma Socio- logia Juridica realizam uma especie de intercarnbio perma-/ogia Juridica ea queproduz umaSocioloqie do Direito. Estas I nente, mas e ditici] admitir que sejam identicas as duasduas expressoes sao comumente tomadas como sin6nimas, I tarefas cientificas. A base do que acima ficou assentadoporerna questao e mais seria do queumproblema derotulo. quanta a diferenc;:aentre Sociologia e Hstoria, diriamos.Elas constituem abordagens diferentes, apesar de interliga- I inclusive, queaSociologia do Direito (comoestudo particulardas,numintercarnbio constante.0 fato e queresulta possivel de "casos socioloqiccs") e , mais propriamente, capitulo daolhar 0 Direito, sociologicamente, sob mais de umponto de Hstoria Social (Hstoria Social do Direito, no que a nos

    I ,,

    l' J'

    - -

  • 5/10/2018 O que o Direito - Roberto Lyra Filho

    29/49

    s" ' Roberto Lyra Fillto II 1 1 1 1 ' e Direito ssinteressa aqui) e a Sociologia Juridica e capitulo da Socio-logia Geral, versando sobre 0 aspecto juridico da vida emsociedade.De qualquer forma, a Sociologia, Geral ou Juridica, tam-bern nao e uma disciplina univoca (de um sentido ou dire~oapenas), [a que, nesta ciencia, ha diferentes orientacoes, quecorrespondem ao posicionamento do cientista no processohistorico-social, em que ele e , simultaneamente, ator e obser-vader. Esta divisao, notemos de passagem, e apenas maisclara nas ciencias sociais, onde 0 homem tarnbem esta maisdiretamente empenhado; porern ela existe em todas as cien-cias, traduzindo interterencias ideoloqicas a que nenhumaescapa.Nas rnaternaticas, por exemplo, racionalismo, empirismoe operacionalismo defrontam-se, como diferentes concep-yoes, produzindo diversos resultados, como e 0 caso daadrnissao ou neqacao da estrutura axiomatica (proposicoesque parecem racionais, evidentes e eternas) desafiada peladialetica, segundo a qual ja se ve 0 declinio dos "absolutosloqicos", Oa mesma forma, ha finalismos e vitalismos, quedesafiam a concepcao logico-estatistica dos Ienomenos es-tudados pela Biologia, com a seria consequencia interna deque defendem a existencia de leis teleonornicas (agrupamen-to segundo um sentido ou finalidade), negadas, entretanto,pelos que discernem, nos fatos bioloqicos, apenas relacoesestatisticas, sem "finalidade" alguma.A analise dos vinculos (e suas rnediacoes), desde a situa-yao do cientista (e sua quota de ideologia) ate 0 padrao dasdoutrinas e teorias por tal situacao afetadas e objetivo daSociologia do Conhecimento, que constitui, sob certo aspec-to, Sociologia ao quadrado. Partindo do fato de que 0 conhe-cimento - qualquer que seja 0 sentido - e sempre obrasocial, com participacoes individuais, a Sociologia do Conhe-cimento, cujas raizes mergulham na contribuicao marxista,procura a razao e 0 modo de influencia do engajamento,

    expresso ou implicito, do homem no "saber". inclusive socio-Ioqico, que ele produz.Faz, por isto, a Sociologia da Sociologia tarnbern, isto e ,um