o que é história? a busca de uma identidade

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CAPÍTULO 1 (Monografia do Curso de Graduação em História) O que é História? A busca de uma identidade. Eric J. Hobsbawm, na introdução do seu livro “A Era dos Impérios 1875-1914”, dirigindo-se aos seus leitores afirma: “O que tentei fazer neste volume, bem como nos dois que o precederam (A Era das Revoluções 1789-1848 e A Era do Capital 1848-1875), foi entender e explicar o século XIX e seu lugar na história, entender e explicar um mundo em processo de transformação revolucionária, localizar as raízes de nosso presente no solo do passado e, talvez sobretudo, ver o passado como um todo coerente e não (como a especialização histórica tantas vezes nos força a vê-lo) como uma montagem de tópicos isolados: a história de diferentes Estados, da política, da economia, da cultura ou outros. Desde que comecei a me interessar por história, sempre quis saber como se articulam todos esses aspectos da vida passada (ou presente) e por quê.(1) Como historiador de concepção marxista procura Hobsbawn em suas pesquisas dialogar permanentemente com a antropologia, a economia e a ciência política, entre outras ciências humanas. Foi membro do grupo de historiadores marxistas britânicos, como Christopher Hill, Rodney Hilton e Edward Palmer Thompson que, nos anos 60, diante do desapontamento com o estalinismo, buscaram perceber a história da organização das classes populares em termos de suas lutas e ideologias, por meio da chamada "História Social". Considerado um dos historiadores atuais mais importantes, Hobsbawm, ao discorrer sobre a historiografia marxista informa que: “Por um lado, esse movimento questionava a idéia positivista segundo a qual a estrutura objetiva da realidade era, por assim dizer, evidente: bastava com aplicar a metodologia da ciência, explicar por que as coisas tinham ocorrido de tal ou qual maneira e descobrir wie es eigentlich gewessen (como ocorreu realmente). Para todos os historiadores, a historiografia se manteve e se mantém enraizada em uma realidade objetiva, ou seja, a realidade do que ocorreu no passado; contudo, não está baseada em fatos e, sim, em problemas, e exige investigação para compreender como e por que esses problemas - paradigmas e conceitos - são formulados da maneira em que são o em tradições históricas e em meios socioculturais diferentes.(2) 1 Hobsbawm, Eric; “O desafio da razão: manifesto para renovação da História.” 2 Idem, 1.

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Como historiador de concepção marxista procura Hobsbawn em suas pesquisasdialogar permanentemente com a antropologia, a economia e a ciência política, entreoutras ciências humanas. Foi membro do grupo de historiadores marxistas britânicos,como Christopher Hill, Rodney Hilton e Edward Palmer Thompson que, nos anos 60,diante do desapontamento com o estalinismo, buscaram perceber a história daorganização das classes populares em termos de suas lutas e ideologias, por meio dachamada "História Social".

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  • CAPTULO 1 (Monografia do Curso de Graduao em Histria)

    O que Histria? A busca de uma identidade.

    Eric J. Hobsbawm, na introduo do seu livro A Era dos Imprios 1875-1914,

    dirigindo-se aos seus leitores afirma:

    O que tentei fazer neste volume, bem como nos dois que o precederam (A Era das Revolues 1789-1848 e A Era do Capital 1848-1875), foi entender e explicar o sculo XIX e seu lugar na histria, entender e explicar um mundo em processo de transformao revolucionria, localizar as razes de nosso presente no solo do passado e, talvez sobretudo, ver o passado como um todo coerente e no (como a especializao histrica tantas vezes nos fora a v-lo) como uma montagem de tpicos isolados: a histria de diferentes Estados, da poltica, da economia, da cultura ou outros. Desde que comecei a me interessar por histria, sempre quis saber como se articulam todos esses aspectos da vida passada (ou presente) e por qu. (1)

    Como historiador de concepo marxista procura Hobsbawn em suas pesquisas

    dialogar permanentemente com a antropologia, a economia e a cincia poltica, entre

    outras cincias humanas. Foi membro do grupo de historiadores marxistas britnicos,

    como Christopher Hill, Rodney Hilton e Edward Palmer Thompson que, nos anos 60,

    diante do desapontamento com o estalinismo, buscaram perceber a histria da

    organizao das classes populares em termos de suas lutas e ideologias, por meio da

    chamada "Histria Social".

    Considerado um dos historiadores atuais mais importantes, Hobsbawm, ao

    discorrer sobre a historiografia marxista informa que:

    Por um lado, esse movimento questionava a idia positivista segundo a qual a estrutura objetiva da realidade era, por assim dizer, evidente: bastava com aplicar a metodologia da cincia, explicar por que as coisas tinham ocorrido de tal ou qual maneira e descobrir wie es eigentlich gewessen (como ocorreu realmente). Para todos os historiadores, a historiografia se manteve e se mantm enraizada em uma realidade objetiva, ou seja, a realidade do que ocorreu no passado; contudo, no est baseada em fatos e, sim, em problemas, e exige investigao para compreender como e por que esses problemas - paradigmas e conceitos - so formulados da maneira em que so o em tradies histricas e em meios socioculturais diferentes. (2)

    1 Hobsbawm, Eric; O desafio da razo: manifesto para renovao da Histria. 2 Idem, 1.

  • No outro lado da moeda, construa-se uma aproximao com as cincias

    sociais da histria procurando juntar estas em uma disciplina geral, que pudesse elucidar

    as transformaes da sociedade humana, pois o objeto da histria, segundo a

    expresso de Lawrence Stone, (...) deveria ser propor as grandes perguntas do

    porqu. (3)

    Argir neste princpio de captulo, utilizando dos pensamentos de Eric J.

    Hobsbawm, permite-me destacar conceitos: transformao, entender e explicar,

    investigao, localizar as razes, por onde a proposta do estudo histrico deste trabalho

    circula livremente, conforme veremos.

    A palavra etimologia, etymology em ingls, vem do grego tumos (real,

    verdadeiro) + logos (estudo, descrio, relato) e expressa hoje o estudo cientfico da

    origem e da histria das palavras. Apreciar o progresso da acepo de uma palavra

    desde sua origem, significa descobrir seu verdadeiro sentido e conhec-la

    completamente.

    O termo histria tendo como elemento de composio o antepositivo histori,

    do grego histora,(as), significa: pesquisa, informao, relato, histria. Pesquisando em

    dicionrios da lngua portuguesa encontramos algumas definies interessantes, entre

    outras menos votadas:

    1 conjunto de conhecimentos relativos ao passado da humanidade, segundo o

    lugar, a poca, o ponto de vista escolhido;

    2 cincia que estuda eventos passados com referncia a um povo, pas, perodo

    ou indivduo especfico;

    3 a evoluo da humanidade ao longo de seu passado e presente; seqncia de

    acontecimentos e fatos a ela correlatos;

    4 Derivao: por metonmia: compndio histrico que trata desses fatos e

    eventos;

    5 Derivao: por extenso de sentido: o julgamento da posteridade; a memria

    dos homens.

    Empregada na nossa lngua com sentidos que antes de se parecerem ambguos,

    conforme entende a autora Vavy Pacheco Borges (4), se completam, pois ao mesmo

    tempo em que se entende pelos fatos ou acontecimentos do passado, esse termo tambm

    empregado como o estudo desses acontecimentos.

    3 Idem, 1. 4 Borges, Vavy Pacheco, O que Histria?; Coleo Primeiros Passos, Editora Brasiliense, 2005.

  • Esta relao assim se apresenta porque o instrumento para a pesquisa perde o

    seu valor ou utilidade, sem o objeto a ser pesquisado.

    So estes objetos - a Histria como fatos ou acontecimentos do passado, que

    so resultados das transformaes sociais nas diversas civilizaes, ocorridas em

    tempos pretritos, que esto intimamente ligados s construes e desconstrues

    humanas, tendo o instrumento, a histria no estudo destas, a funo (...) de fornecer

    sociedade uma explicao sobre ela mesma (...), entendendo o tempo como a

    dimenso da anlise da Histria. (5)

    Na seqncia de suas reflexes a autora do livro O que Histria?, apresenta

    algumas afirmativas que ao reproduzi-las nesta, conforme segue, permite-me trabalhar

    com uma abordagem de significaes, utilizado-as para reafirmar um conceito no

    aceito por todos os historiadores, de que a histria, tem a capacidade de ajudar-nos a

    compreender o mundo.

    (...) As alteraes so decorrente da ao dos prprios homens, sujeitos e agentes da histria. (...) Sua finalidade estudar e analisar o que realmente aconteceu e acontece com os homens, o que com eles se passa concretamente. (...) Explicar as transformaes sociais esclarecendo seus comos e porqus leva a perceber que a situao de hoje diferente da de ontem (...) O homem vive em um determinado perodo de tempo, em um espao fsico concreto; nesse tempo e nesse lugar ele age sempre, em relao natureza, aos outros homens, etc. (...) Mesmo quando se analisa um passado que nos parece remoto, portanto, seu estudo feito com indagaes, com perguntas que nos interessam hoje, para avaliar a significao desse passado e sua relao conosco. - Vavy Pacheco Borges (6)

    A enciclopdia colaborativa Wikipdia expe: a Histria o estudo da ao

    humana ao longo do tempo por meio da avaliao de processos e de eventos ocorridos

    no passado.

    Considerando a temtica central do estudo constitutivo da minha monografia

    Fotografia e Histria, entendo que o olhar que dirigimos ao fragmento histrico que

    registra ou onde se insere as transformaes arquitetnicas do espao fsico urbano de

    uma cidade, atenta-se para a comparao que os registros fotogrficos de ontem,

    permitem com a realidade atual, atestando nesse processo, que houve a inegvel e

    intensa participao humana.

    5 Idem, 4. 6 Idem, 4.

  • a ao do homem, objeto de estudo pelo prprio homem, que cria marcas,

    registros, memria, documentos e monumentos, que ao serem resgatados, so cicatrizes

    que falam, mesmo que no em toda a sua possibilidade e intensidade, tornando-se as

    fontes do trabalho investigativo do historiador, que deve buscar se aproximar ao

    mximo da verdade; at porque, apesar da afirmativa do imperador francs Napoleo

    Bonaparte de que a Histria um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um

    acordo, o historiador, no tem como alcanar a verdade plena, por no tocar o fato,

    mas deve este caar a verdade, negar as mentiras oficiais ou no, arriscar aproximaes.

    Atualmente, vencida em parte a historiografia positivista onde vale o

    documento, entendido este como texto oficial, escrito pelos vencedores, uma histria

    metdica e factual, centrada no estudo de "grandes eventos histricos" e "grandes

    personalidades"; o extenso conjunto de mudanas na natureza do discurso histrico,

    culminou com uma historiografia ps-moderna, que ao deixar de lado suas funes

    fundadoras e celebrativas, nncio de rupturas ou revolues historiogrficas, permitiu se

    apropriar de diversas metodologias e abordagens.

    Assim, trata-se a escrita da histria como um fenmeno complexo que s pode

    ser estudado no entroncamento de vrias especialidades: histria social, histria das

    idias e dos conceitos, a histria dos discursos e linguagens, histria das cincias e

    instituies de saber, histria cultural, entre outras; o que Hobsbawn define como o

    antiuniversalismo.

    Este termo apresenta uma crtica do autor ao estado fragmentar das teorias

    histricas que vem levando muitos historiadores e pseudos-historiadores a

    apresentarem-se confusos em meio a um furaco de paradigmas e, muitas vezes,

    construindo histrias completamente desvinculadas dos problemas do presente,

    banalizando mesmo algumas pesquisas.

    Mas se apropriar de diversas metodologias e abordagens no pode ser entendido

    somente como um contratempo ou uma alterao da Histria, afinal, a contribuio da

    interdisciplinaridade j havia sido citado pelos historiadores da Escola dos Annales e a

    preocupao com os aspectos culturais, instigada pela Antropologia, permitiu uma nova

    apreenso da histria, caminhando para um ps prticas sociais, apresentando novos

    horizontes de pesquisas e indagaes.

    importante observar que historiadores como Marc Bloch e Lucien Febvre da

    Escola dos Annales sugeriram esta variao de temas j em 1920, mas voltados para as

    "pessoas comuns" e minimizando a importncia de "marcos polticos" para a escrita da

  • Histria. Esse foi o primeiro passo que culminou com a diversificao do uso de fontes,

    englobando tambm a iconografia, a literatura e trabalhos artsticos.

    Nos ltimos tempos, a historiografia prima por reformulaes e

    questionamentos, em um procedimento de rupturas e adequaes frente a sua realidade

    e a interdisciplinaridade com outras cincias, de abordagens humanas e sociais. A

    falncia dos modelos analticos como o Marxismo e o Estruturalismo e a ascenso da

    Nouvelle Histoire estimularam o aparecimento de mltiplas abordagens, mtodos e

    alianas interdisciplinares que pareceram, para alguns, o esfacelamento da Histria,

    conforme escreve Dosse (7), e at mesmo seu limiar como uma configurao de

    conhecimento especfico.

    Elias Saliba afirma que:

    "(...) nos encontramos meio 'embasbacados' diante do concreto, em estado de empatia constante com a singularidade. Este mundo do imprevisvel parece-nos prefervel do que nos alojar num sistema ordenado de fixao e explicao do real, num 'ismo' qualquer, numa teoria. Como Tntalos, procuramos uma armao terica, mas temos medo dela, porque adivinhamos a desiluso posterior e a espcie de sofrimento psicolgico da decorrente - o que s aumenta o clima de desencanto e inutilidade de esforo" (8)

    Apesar dos mritos da Nova Escola e na dianteira do tempo, da Histria

    Cultural e da Micro-histria, vive-se um momento da histria como cincia, de busca

    de uma identificao, ou melhor, de perceber quais as que atendem ao momento

    histrico de nossas civilizaes. Por isso que Hobsbawn praticamente conclama aos

    historiadores:

    tempo de restabelecer a coalizo daqueles que desejam ver na histria uma pesquisa racional sobre o curso das transformaes humanas, contra aqueles que a deformam sistematicamente com fins polticos e simultaneamente, de modo mais geral, contra os relativistas e os ps-modernos que se recusam a admitir que a histria oferece essa possibilidade. (9)

    a defesa da capacidade, ou do retorno a esta, da histria de ser objetiva na

    ajuda ao homem para que compreenda os caminhos utilizados pelos homens para chegar

    ao presente e como arremeter-se para um futuro melhor, retomando o que existe de

    melhor na historiografia marxista.

    7 Dosse, F., A Histria em Migalhas. So Paulo: Ed. Unicamp, 1989. 8 Saliba, EliasThom. Mentalidades ou histria sociocultural; a busca de um eixo terico para o conhecimento histrico. In: Revista Margem. N1. So Paulo: EDUC, 1992, p.30. 9 Idem,1.

  • Como foram citadas, preciso entender um pouco a participao da Histria

    Cultural e da Micro-histria neste momento da histria contempornea.

    A Histria Cultural surge como uma proposta de leitura da histria que recusa

    fundamentalmente a excluso do sujeito da histria, desistindo dos modelos

    estruturalistas que no apreciam as vivncias dos prprios atores histricos,

    demandados como sujeitos de suas aes. Assim, abandona as contradies entre

    coletivo e individual e entre quantitativo e qualitativo, utilizando-se de ambos os

    termos...

    ...mas que, em funo da reao que representa, inova ao postular a dignidade terica do individual e a fecundidade metodolgica do qualitativo. Por repensar modelos macro-histricos e por considerar a experincia dos homens em seu tempo e lugar como crucial para o entendimento dos processos sociais, essa histria cultural floresceu em grande parte associada a uma mudana na escala de trabalho do historiador, vale dizer, associada micro-histria. - Angela de Castro Gomes (10)

    Definida por Giovanni Levi, um dos pioneiros da Micro-Histria, como uma

    tentativa de ver o que havia por debaixo de falsas classificaes (a forma como a

    historiografia de esquerda descrevia a sociedade), como a suposta solidariedade

    automtica da classe operria... ler a sociedade para alm dos esquematismos que se

    usavam. Assim nasceu a micro-histria. (11)

    Respondendo como a micro-histria se formaliza na prtica, afirma Giovanni

    Levi:

    Dado um episdio, um lugar, um documento, devemos aplicar nele uma reduo de escala. A micro-histria uma prtica que implica o rompimento de hbitos generalizantes. No buscamos a generalizao das respostas, e sim das perguntas: quais so as perguntas que podemos criar e aplicar tambm a situaes totalmente diferentes? Sendo bem sinttico: estamos interessados na pergunta geral que emerge de uma situao local. (12)

    Assim testemunhamos o abalar das certezas nas abordagens histricas do

    sculo XX, observando os historiadores a repararem a ao dos indivduos na

    construo dos laos sociais.

    10 Gomes, ngela de Castro, Nas malhas do feitio: o historiador e os encantos dos arquivos privados. Extrado: http://virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/viewFile/2069/1208 11 Levi, Giovanni, O microscpio infinito. Entrevista a Revista de Histria da Biblioteca Nacional. 12 Idem, 11.

  • Da resultaram vrios deslocamentos fundamentais: das estruturas para as redes, dos sistemas de posies para as situaes vividas, das normas coletivas para as estratgias singulares. A "micro-histria", (...) foi a traduo mais viva dessa transformao da abordagem histrica baseada no recurso a modelos interacionistas ou etnometodolgicos. Radicalmente diferente da monografia tradicional, a microstoria pretende construir, a partir de uma situao particular, normal porque excepcional, a maneira como os indivduos produzem o mundo social, por meio de suas alianas e seus confrontos, atravs das dependncias que os ligam ou dos conflitos que os opem. O objeto da histria, portanto, no so, ou no so mais, as estruturas e os mecanismos que regulam, fora de qualquer controle subjetivo, as relaes sociais, e sim as racionalidades e as estratgias acionadas pelas comunidades, as parentelas, as famlias, os indivduos. - Roger Chartier (13)

    Para os historiadores que entendem ser efetivo a incluso da histria s cincias

    sociais, incluindo-me nesta prerrogativa, o objeto basilar de uma histria cujo projeto

    reconhecer a maneira como os atores sociais investem de sentido suas prticas e seus

    discursos parecem-me residir na tenso entre as capacidades inventivas dos indivduos

    ou das comunidades e os constrangimentos, as normas, as convenes que limitam -

    mais ou menos fortemente, dependendo de sua posio nas relaes de dominao - o

    que lhes possvel pensar, enunciar e fazer; encerra Roger Chartier o seu discurso e

    eu este captulo, relacionando que Michel de Certeau convida-nos a ponderar no

    especfico da compreenso histrica.

    Em que condies se podem considerar coerentes, plausveis, explicativas, as relaes institudas entre os ndices, as sries e os enunciados que a operao historiogrfica constri, e, de outro lado, a realidade referencial que eles pretendem representar adequadamente? A resposta no fcil, mas certo que o historiador tem por tarefa oferecer um conhecimento apropriado, controlado, sobre a "populao de mortos-personagens, mentalidades, preos" que so seu objeto. Abandonar essa inteno de verdade, talvez desmesurada, mas certamente fundadora, seria deixar o campo livre a todas as falsificaes, a todas as falsidades que, por trarem o conhecimento, ferem a memria. No exerccio de seu ofcio, cabe aos historiadores serem vigilantes. (14)

    13 Chartier, Roger, A Histria hoje: dvidas, desafios, propostas. 1994. 14 Idem, 14.