o que é direito - paolo grossi resenha

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Grossi, Paolo – Primeira Lição de Direito Thiago André Marques Vieira * I – O que é o Direito? O autor explana o direito como algo imaterial, algo não real fisicamente. Afirma que o direito confia nos signos sensíveis, que o direito é a razão da divisão das coisas em que não se pode enxergar uma divisão clara, como os terrenos de dois vizinhos, a embaixada de um Estado e assim por diante. Afirma também que o direito é algo necessário para as relações interpessoais, que o direito surge a partir do momento em que dois sujeitos começam a dialogar para entrar em acordo. Ou seja, para o autor só existe direito no dado momento em que dois sujeitos relacionam-se, pois segundo ele não haveria necessidade do direito para um homem perdido numa ilha deserta. Ora, tal argumento é falho, pois é inerente ao ser humano o relacionamento com outros seres humanos ou outras formas de vida. Ou seja, é característica intrínseca do homem o direito e a convivência entre outros seres vivos. Portanto, nota-se que o homem é um animal apto a viver em comunidade, sociedade e nas mais diversas conglomerações de seres vivos. Neste ponto, vale lembrar o filme “O Naufrago” em que o protagonista após um acidente de avião encontra-se perdido numa ilha deserta. E que após tanto tempo sem conversar com outro ser humano acaba por criar um outro personagem, a bola Wilson. Assim, fica clarividente que o homem não consegue viver harmonicamente sozinho, ou seja, ele necessita de algo para organizar suas idéias, algo que o escute e que seja escutado, mesmo que isto seja fictício. Outro argumento plausível é o fato de que um homem numa ilha deserta pode não se relacionar com nenhum semelhante seu, no entanto, relaciona-se com todo o universo de vida que ali se encontra, gerando direito. E é desta concepção que surgiu o ramo do Direito Ambiental, tão presente hoje no mundo contemporâneo. É fato que o homem numa situação como esta é o elo forte da relação jurídica, pois é ele que determina quando cortar uma árvore e qual árvore cortar para fazer uma cabana. Em contrapartida tal escolha é feita a partir de diversos fatores levando em consideração o que é melhor para a sua vida e para a vida alheia, no caso a fauna e flora deste ambiente. Outro ponto é no momento em que este homem sente-se ameaçado por um animal feroz, e este homem decide matar tal animal ameaçador. Ora, isto também é direito, pois este homem decidiu aniquilar seu predador para manter sua vida.

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Page 1: O que é Direito - Paolo Grossi Resenha

Grossi, Paolo – Primeira Lição de Direito 

Thiago André Marques Vieira *  I – O que é o Direito? O autor explana o direito como algo imaterial, algo não real fisicamente. Afirma que o

direito confia nos signos sensíveis, que o direito é a razão da divisão das coisas em que não se pode enxergar uma divisão clara, como os terrenos de dois vizinhos, a embaixada de um Estado e assim por diante.

 Afirma também que o direito é algo necessário para as relações interpessoais, que o

direito surge a partir do momento em que dois sujeitos começam a dialogar para entrar em acordo. Ou seja, para o autor só existe direito no dado momento em que dois sujeitos relacionam-se, pois segundo ele não haveria necessidade do direito para um homem perdido numa ilha deserta.

 Ora, tal argumento é falho, pois é inerente ao ser humano o relacionamento com

outros seres humanos ou outras formas de vida. Ou seja, é característica intrínseca do homem o direito e a convivência entre outros seres vivos. Portanto, nota-se que o homem é um animal apto a viver em comunidade, sociedade e nas mais diversas conglomerações de seres vivos.

 Neste ponto, vale lembrar o filme “O Naufrago” em que o protagonista após um

acidente de avião encontra-se perdido numa ilha deserta. E que após tanto tempo sem conversar com outro ser humano acaba por criar um outro personagem, a bola Wilson. Assim, fica clarividente que o homem não consegue viver harmonicamente sozinho, ou seja, ele necessita de algo para organizar suas idéias, algo que o escute e que seja escutado, mesmo que isto seja fictício.

 Outro argumento plausível é o fato de que um homem numa ilha deserta pode não se

relacionar com nenhum semelhante seu, no entanto, relaciona-se com todo o universo de vida que ali se encontra, gerando direito. E é desta concepção que surgiu o ramo do Direito Ambiental, tão presente hoje no mundo contemporâneo. É fato que o homem numa situação como esta é o elo forte da relação jurídica, pois é ele que determina quando cortar uma árvore e qual árvore cortar para fazer uma cabana. Em contrapartida tal escolha é feita a partir de diversos fatores levando em consideração o que é melhor para a sua vida e para a vida alheia, no caso a fauna e flora deste ambiente. Outro ponto é no momento em que este homem sente-se ameaçado por um animal feroz, e este homem decide matar tal animal ameaçador. Ora, isto também é direito, pois este homem decidiu aniquilar seu predador para manter sua vida.

 Ante esta breve explanação de que o homem é um ser sociável e que o direito existe

sempre em que um homem está presente em um ambiente, mesmo sendo o único ser humano de tal ambiente é importante retornar ao foco de que o direito hoje é tratado como uma relação de todos os homens na sociedade entre eles e entre o meio que vive. Desta forma, o direito necessita de algo que o dê força para a sua real validade e é aí que o Estado tem sua importância. Isto porque o Estado apenas conseguiu sua força através do direito e o direito apenas conseguiu manter-se através do amparo político que possui o Estado. Ou seja, o Estado moderno criou-se a partir da soberania popular e usou como instrumento fundamental para sua manutenção o direito, que segundo o Autor é uma “dimensão intersubjetiva, é relação entre vários sujeitos (poucos ou muitos) e é marcado pela sua essencial socialidade”.

 Assim, nota-se que o direito surgiu, como visto acima, das relações do homem entre

seus semelhantes ou da relação do homem perante o meio que vivi. Desta maneira, observa-

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se que através do aparato do Estado o direito consolidou-se como ferramenta de regulamentação da desordem. E assim o direito é imposto pelo Estado, que logra sua legitimidade da soberania popular nos dias atuais, que através de um conjunto de leis organiza as relações sociais, dando origem ao ordenamento jurídico.

 O autor, ainda, expõe que o ordenamento jurídico não pode e não deve ser

meramente cumprido e obedecido, ou seja, para ele o ordenamento jurídico deve ser tratado com observância e ser observado. Isto posto, pelo fato que o ordenamento jurídico não pode simplesmente emanar do Estado e não seguir o ideário do povo para qual é emanado. Ou seja, acaba-se por chegar no ponto em que a lei não pode ser simplesmente cumprida pelo fato de ser lei. Assim, entende-se que uma norma não pode ser cumprida e obedecida sem antes uma prévia valoração daquela norma para aquela sociedade a qual ela se dirige. Destarte, chega-se ao ponto que o direito não se encontra apenas na lei propriamente dita e sim nas mais diversas fontes de direito, levando assim a vocação pluralista do ordenamento jurídico.

 Por fim, ressalta-se que o principal motivo pelo qual deve ser observado o

ordenamento jurídico, pois tal ordenamento pode não corresponder com a filosofia, a ideologia e os costumes da sociedade para qual é destinado. No entanto, não se pode simplesmente afirmar que o ordenamento jurídico não seja obedecido, pois assim estaria o homem retornando a um Estado de Natureza a qual existira uma insegurança entre todos. Em contrapartida lembra-se que o homem tem como uma de suas características fundamentais a preocupação de sua relação com o meio que vive. Sendo assim, a desobservância de um ordenamento jurídico levaria a um Estado de Natureza e que por ser inerente do ser humano a criação de regras a serem obedecidas levaria a criação de um novo ordenamento jurídico. Desta maneira, nota-se que os lapsos de inexistência jurídica são sazonais, pois o aparecimento de um ordenamento jurídico e o fim deste mesmo para a criação de um novo ordenamento é um ciclo, dado o ímpeto de relacionamento interpessoal do homem.

  II – A vida do Direito Primeiramente, nesta parte final do texto, fez o autor um parecer da evolução do

direito desde a antiguidade até os dias atuais. Expôs o autor como era o direito romano, quem eram os responsáveis pela criação do direito, das leis. Mostrou duas faces do direito romano, sendo a primeira que os juristas romanos era seres isolados que criavam o direito quase que a partir de uma inspiração. Na segunda face, explanou que tais juristas não eram isolados, que eram operadores do direito por motivos políticos, ou seja, que os juristas romanos eram juristas com o intuito de atender alguns interesses particulares. Certamente que ambas as faces estão corretas e equivocadas, pois um jurista tem por sua essência querer resolver os problemas alheios, querer construir uma sociedade melhor, no entanto, não pode chegar a hipocrisia de dizer que os juristas são seres altruístas, até porque o homem é motivado pela sua ambição e, sendo assim, os juristas romanos possuíam ambições particulares que o motivavam a criar o direito não só para os outros, mas também para si.

 Num segundo ponto da evolução história foi exposto o direito da Idade Média que

conforme disse o autor: “O direito medieval origina-se, toma forma e caracteriza em meio a dois vazios e

graças a dois vazios: o vazio estatal que se seguiu à queda do edifício político romano e àquele da refinada cultura jurídica estreitamente ligada às esturturas do edifício.”

 Assim, através desta passagem fica claro que o direito medieval se desenvolveu de

uma forma completamente diferente do direito romano, que era baseado na lei escrita e que

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vigorava perante todo o território romano, pois o vazio estatal colocado pelo autor nada mais é do que o novo modo econômico desenvolvido na Europa deste tempo: o Feudalismo.

 Por fim, chega-se ao último período da evolução história exposta pelo autor o da

Idade Moderna até os dias atuais. Neste período explana o autor que o direito acaba por se criar de duas formas: a “civil law” e a “common law”. A primeira possui grande base no direito romano, ou seja, basicamente baseia-se no direito positivo, coroando o princípio da legalidade. A segunda, em contrapartida, baseia-se num direito consuetudinário.

 Ora, é evidente que o direito teve uma evolução durante toda a existência da

humanidade, ainda mais pelos diversos momentos completamente diferentes que os homens passaram. Sendo assim, seria impossível admitir uma rigidez absoluta do direito, seria ultrajante que pelos diversos sistemas econômicos pelo qual passou a era dos homens o direito permanecesse imutável. Desta maneira, foi muito saudável as diversas mudanças pela qual passou o direito, gerando cada vez mais novas formas de relacionamento, e voltando o ciclo exposto no fim da primeira parte do presente texto. Ou seja, mais vez pode-se afirmar que o direito é cíclico no seu âmago de ser, e não na sua forma de ser.

 Após uma explanação histórica a respeito do direito tratou o autor explanar a respeito

do amparo do direito nas suas mais diversas formas, desde o amparo territorial do direito, onde o qual não pode sobrepujar o direito do Estado vizinho. Até o quesito da sociedade, ou seja, para quais sociedades um certo direito é destinado. Remetendo, mais uma vez, ao que já foi manifesto acima, ou seja, que o direito deve atender aos interesses da sociedade a qual ele destinado, neste ponto é importante citar que a palavra direito vem com o sentido de lei.

 Ainda, esclareceu as diversas manifestações do direito, sendo a principal delas, a

volta ao direito natural após a II Guerra Mundial. Explanou o autor que o direito natural ou a natureza dos fatos foi um dos principais fatores para a reorganização da sociedade italiana no pós-guerra.

 O autor colocou em seu parecer a importância dos costumes na construção do

direito, baseando sua argumentação de que o direito não é só formado pela lei propriamente dita. E como já foi muito bem exposto neste presente trabalho, é entendimento que a lei não pode ser a fonte por excelência de direito, pois a lei nada mais é do que uma disposição que pode não atender o entendimento do povo para a qual é destinada. Ou seja, elucidou o autor a suma importância do costume para que um direito fosse positivado, pois é o costume que vai dar a vigência a uma norma. Sendo assim, não pode um Estado detentor do poder de emanar legislação criar uma norma pelo simples exercício de seu poder. Pois se assim o fizer, não estará mais tal Estado legitimado a emanar leis, pois no momento de criar suas diretrizes, as faz a seu bel prazer. Olvidando, desta maneira, a vontade do povo.

 Sendo assim, é clarividente a real importância do costume na aplicação e validade da

lei. Pois, é ele que cria o nexo entre a norma e o povo que deve observância a tal norma. Desta maneira, o costume exerce o papel de ser a fonte de direito por excelência, isto posto, pelo fato de tal quesito dar validade ao direito emanado e dar legitimidade ao legislador, pois se este atende os interesses de seu povo é legítimo e, assim, gera validade ao sistema a qual faz parte. Traduzindo o legislador cria a lei levando em consideração os interesses do povo, que é titular da soberania, que respeitará tal lei emanada, pois ela atende os seus princípios e costumes.

 Por fim, tratou o autor da interpretação e aplicação do direito, ou seja, quis o autor

explanar que para a aplicação do direito se faz necessária à interpretação deste mesmo direito. O autor expôs que na “civil law” estão os juízes de mãos atadas, pois apenas podem aplicar o direito imposto e, assim, apenas podem interpretar a lei válida. No entanto, os juízes da

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“common law” possuem um maior âmbito de interpretação do direito, pois não estão atrelados diretamente ao direito positivado.

 Agora, não se pode tomar tal verdade como absoluta. É verdade que os juízes da

“civil law” estão amarrados ao texto normativo válido, no entanto, vale lembrar que nem sempre o legislador leva em consideração o pensamento do povo para a construção de uma norma. Sendo assim, o fato é que o molde do direito estatutário permite a interpretação, pois uma norma pode não atender os interesses do povo. Desta maneira, no momento de julgar cabe ao juiz muitas vezes fazer o papel de legislador e realmente pesar se tal norma apresentada possui vigência. Ou seja, levar em consideração tudo o que foi esquecido pelo legislador, como os costumes, a ideologia e a vontade do povo. Assim, está o juiz criando o direito válido e vigente, pois está em sua mão a aplicabilidade da lei e cabe a ele a responsabilidade da interpretação da lei da forma que melhor for para o povo, pois se assim não o fizer, estará o julgador deixando de lado a qualidade de neutralidade e mantenedor da justiça para apenas ratificar disposições, muitas vezes incoerentes, do legislador.  * Acadêmico de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

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1- O que é o direito? O direito confia nos sinais para trazer uma eficaz comunicação. Tem caráter imaterial.

O direito para o homem de hoje mostra-se como o poder de comandar, são mandamentos que estão longe da consciência

comum.A Europa Continental nos últimos duzentos anos consolidou o vinculo entre o poder

político e o direito. O poder político transformado no Estado moderno controlador das manifestações sociais e, com interesse para com o Direito. O Direito como o alicerce do poder. Criou-se o mito da lei como resultado da vontade geral.

 Assim o processo de evolução foi definido: “a lei é um comando, um comando com

autoridade e autoritário, um comando geral, um comando indiscutível, com sua vocação essencial de ser silenciosamente obedecido” (p.5)

 Desse processo resultou o distanciamento do homem comum pelo direito, em temê-lo,

por desconfiar de sua arbitrariedade. O objetivo do texto é delinear os traços mal compreendidos da realidade. O direito foi

criado do homem e para o homem (humanidade do direito). Além disso, provém das relações entre os homens (socialidade). Esse é um passo, mas procura-se ir além, pois nem todas as manifestações sociais são por si mesmas jurídicas. Se fosse assim o direito se extinguiria na sociologia.

 O ponto de partida do direito é a sociedade. É a partir dela que tudo é organizado, que

se produzem normas jurídicas. O produtor das normas tem como limite a vontade e o respeito da complexidade social. Organização pressupõe coexistência de sujeitos diferentes. Ela procura o bem de todos os indivíduos envolvidos através do controle social. Portanto, o direito não é patologia é fisiologia.

 O absolutismo trouxe leis repugnantes ao convívio social porque apesar de refutadas

na consciência foram acatadas no real. A ordem jurídica atinge os valores de uma comunidade. O valor é um princípio ou comportamento importante consciência coletiva. O valor é o patrimônio de uma comunidade. Assim os  ethnos encontravam sua unidade naquilo que se convencionou chamar de costume. Os valores são sempre realidade radical.

 O costume é não “furar” a fila, mas se ela for “furada” por uma pessoa, não há nada

que o direito possa fazer.   O direito é uma regra imperativa, determina comandos através das regras. Ele não se

origina delas, e sim de uma sociedade que se auto-ordena. Trata-se aqui de diminuir a importância normativa e não de renegá-la. O direito vira comando quando se insere num  aparato de poder. 

 O texto sempre busca a substituição do termo observância em vez de obediência.

Assim não se pretende aceitar passivamente a imposição de regras, mas também de tomar consciência para interpretação. A linguagem fará essa ligação, procurando a maior efetividade.

 No decorrer da história o Direito passou a perder seu caráter privado, passando a ser

absolutamente público e sob o monopólio do poder político que se utiliza deste para alcançar o controle social.

 O combalimento do poder político estatal que determina a produção das leis traz

consigo a crise do legalismo, surgindo novas fontes do direito para a produção jurídica. Na

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tentativa de preponderar o público sobre o privado, nesse universo jurídico, perdeu-se a essência do direito. O direito está desfigurado de suas funções originárias. Diz-se que o Estado quer adentrar os lares cada vez mais, numa tarefa de trazer a obediência de toda a sociedade.

 O mundo está demarcado pela pluralidade de ordenamentos jurídicos. Há

comunidades que se auto-ordenam em razão de valores, regras e até códigos. Mas todos têm um ponto em comum: para que esses ordenamentos sejam válidos, devem respeitar a complexidade social.

  2- A Vida do Direito O direito está inserido no tecido social, econômico e político, obtendo variações no

tempo e no espaço. Faz-se então uma evolução histórica do direito, pois este é velho como o mundo.

 A idade antiga revela manifestações jurídicas de civilizações culturalmente refinadas,

com o surgimento de institutos com certa organicidade, com destaque para o direito romano. Este penetrou nas civilizações jurídicas ocidentais. Juristas romanos elaboraram técnicas de leitura e um estilo de análise que foi consolidando conceitos. A realidade socioeconômica já estava num contexto do pensamento jurídico. Os juristas romanos já estavam inseridos no tecido político.

 Dentre as contribuições científicas trouxe o direito romano a terminologia, os

formulários e os conceitos, além de um rigor argumentativo buscando a perfeição formal, ganhando o status de clássico. Era um direito civilista privilegiando a propriedade e os direitos reais, contratos e obrigações. Portanto, trata-se de um direito para a conservação social.

 Numa nova fase, já no direito medieval, originou-se dum vazio estatal resultante da

queda do império romano e, por conseguinte o direito romano. O novo direito é pluralista, consuetudinário. Apesar de se afirmar que ele perdeu seu caráter controlador há controvérsias. Sabe-se que a produção jurídica estava limitada a Igreja. Assim, essa instituição sob o seu império cultural controlava a mente da população da Idade Média.

 A segunda Idade Média é marcada pela mesma monotonia. Surgem as primeiras

universidades que assumem antigas fontes romanas acrescentando as fontes da Igreja.  Na Alta Idade Média o direito se manifesta como o “Direito Comum” (direito obra de doutrinadores e só secundariamente de juízes).

 A marca da modernidade é a presença cada vez maior de um novo ator: o Estado.

Ente que surge com uma nova faceta e um novo comando, o Príncipe. O Príncipe se torna um novo legislador visto que o direito se torna sempre mais legislativo.  Ele incorpora o direito à visão política com o intuito controlador como corolário da atividade soberana. Reconhece-se cedo o instrumento de controle: a lei. Antes da Revolução, o Príncipe tinha a incumbência de interpretá-la para o bem de seus súditos. Com a Revolução, cria-se a ficção da lei como expressão da vontade geral. A conseqüência negativa foi a forte vinculação do interesse político e do direito. Nesse contexto histórico cabe salientar a formulação do Código Civil Napoleônico.

 O princípio da legalidade é o âmago da sociedade. Impede os arbítrios contra a

administração pública. Aos poucos se tem a constituição do Estado Democrático de Direito ao qual toda manifestação jurídica está sob o império da lei. É a partir daí que se forma a civil law, comum aos países da Europa Continental e suas colônias.

 

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Com common law se faz referência aos Estados anglo-saxões. Ela tem traços diferentes da continental e é fruto de uma história jurídica inglesa. Seu traço peculiar provém de uma raiz medieval, pois cabe aos juristas garantir o desenvolvimento do direito e da sociedade. A visão inglesa incorpora a primazia do aplicador do direito. Assim, até hoje, o Reino Unido, não possui códigos, nem sequer uma Constituição escrita.

 Nessa linha evolutiva cabe analisar a era moderna do direito até a sua globalização

jurídica.  A civilização moderna tem como pressupostos uma civilização de massa, marcada por lutas sociais. A ordem jurídica elitizada pela burguesia não suporta a pressão. Os Estados sofrem pela incapacidade de ordenar a tudo e pelo crescimento e amontoamento de leis improvisadas e malfeitas, os Códigos já não satisfazem a globalidade atual e distanciam o poder político da sociedade. A Constituição do século XX vincula os cidadãos como também os próprios órgãos do Estado. O parlamento traduz a vontade dos constituintes de maneira imediata e direta.

 A globalização também tem seu aspecto jurídico com os fenômenos da privatização e

da fragmentação das fontes de produção do direito. O Estado é a conjunção de um povo, um território e um poder político. A estatalidade

do Direito exige a sua territorialidade. E a expressão do poder político deve atuar num âmbito geográfico, o qual exercita sua soberania, dominação, e tudo isso se perfaz pela sua intervenção jurídica. Assim sendo, um Estado, um território, um direito.

 O direito atinge um prospecto maior, uma dimensão imaterial. O seu objeto torna-se

complexo. Ao mesmo tempo a globalização preconiza a mundialização da economia o direito passa a resguardar suas técnicas. “O direito é realidade radical, ou seja, atinente às raízes de uma sociedade que ainda que, na vida cotidiana, manifestam-se em usos de populações, leis dos detentores do poder político, atos da administração pública, sentenças de juízes, praxe de operadores econômicos e assim por diante”. (p.69)

 O Direito sendo parte da história se manifesta de tempos em tempos e em espaços e

com a observância e a organização social o direito é formado. A idéia de direito natural deve ser confrontada com a de direito positivo, estabelecendo uma relação dialética. O direito positivo é um direito posto, entendido como o único possível no mundo moderno. Há uma preocupação sobre sua formalidade, quem emana a lei, e não um controle sobre os seus conteúdos. O direito natural é apenas uma forma de preencher lacunas. Na Alemanha, nazista e pós-nazista, cria-se a mentalidade que uma lei positiva que contrarie o direito natural pertence ao anti-direito. O direito natural é um direito superior que conduz à validade do direito posto. A idéia de direito natural faz parte do eterno problema humano na busca do direito justo.

 As constituições são manifestações do século XX. As até então constituições

demarcadas pelo século XVIII, como a francesa, de matriz liberal, mas não popular, porque impediam o verdadeiro poder constituinte do acesso ao princípios norteadores da sociedade. Assim o Estado de direito, constituído pelo ao longo ao longo do século XIX, com o reconhecimento dos direitos de liberdade ao cidadão, com a correta aplicação das leis pelo Estado. A Constituição coordena a sociedade civil com seus princípios e regras de validade absoluta, sendo instrumento de identificação dos valores. Ela cria vínculos e estabelece sua superioridade perante outras normas.

 Logo, a Constituição no estado constitucional é rígida podendo sofrer modificações

somente com um procedimento especial e tem um valor superior a lei ordinária ao qual não pode violar os padrões estabelecidos por ela.   Dessa lei que surge o modelo do Estado marcado pelo seu protagonismo absoluto, com o principio da legalidade.

 

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O Estado de Direito é um Estado soberano (munido de soberania), é um Estado parlamentar, pois confere ao parlamento o caráter representativo do povo. É um Estado com suporte na divisão dos poderes, na garantia dos direitos fundamentais. Cabe ao Parlamento, esse ser “onisciente e onipotente” a produção do direito que se traduz na formulação de leis. O Estado de Direito é um Estado legalista e tem como estrutura o princípio da legalidade, garantia de certeza da lei para o cidadão. Em contrapartida, supervaloriza-se o papel do juiz, ser que torna o direito vivo e engrandece a função da ciência jurídica.

 Dentre as encarnações do Direito apresentam-se o costume e a interpretação. Aquele,

fonte jurídica, consiste na reiteração de atos pela coletividade durante uma situação de normalidade e na observância e, consequentemente no respeito por esta. O costume é a fonte genuína do direito. Savigny diria que exprime o espírito do povo. Já a interpretação revela o caráter da efetividade do direito que se consubstancializa nas palavras do juiz. Cabe aos interpretadores dar a tenacidade e vida ao direito, de forma que, esteja ao alcance de toda a sociedade. Não é pedir nada demais, visto que, sem atuação para ela não há razão da existência do direito. GROSSI, Paolo. Primeira Lição Sobre Direito. Tradutor: Ricardo Marcelo Fonseca. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006. * Acadêmico de Direito da UFSC