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O PROJETO DE NATURALIZAÇÃO DO CONTEÚDO INTENCIONAL

(Homenagem aos 80 anos de Jerry Alan Fodor)

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porto alegre2015

Heloísa Pedroso de Moraes Feltes

I. Semântica

II. Filosofia da Mente

III. Filosofia da Linguagem

IV. Ciências Cognitivas

O PROJETO DE NATURALIZAÇÃO DO CONTEÚDO INTENCIONAL

(Homenagem aos 80 anos de Jerry Alan Fodor)

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© EDIPUCRS 2015

DESIGN GRÁFICO [CAPA] Shaiani Duarte

DESIGN GRÁFICO [DIAGRAMAÇÃO] Ingrid Paola Peralta Morales

REVISÃO DE TEXTO Luana Tiburi Dani

Edição revisada segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Ficha catalográfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS.

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

EDIPUCRS – Editora Universitária da PUCRS

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F325p Feltes, Heloísa Pedroso de MoraesO projeto de naturalização do conteúdo intencional :

homenagem aos 80 anos de Jerry Alan Fodor [recurso eletrônico] / Heloísa Pedroso de Moraes Feltes. – Dados Eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2015.

240 p.

Modo de Acesso: <http://www.pucrs.br/edipucrs>ISBN 978-85-397-0723-2

1. Semântica. 2. Cognição. 3. Psicologia Cognitiva.4. Filosofia da Linguagem. 5. Fodor, Jerry Alan - Críticae Interpretação. I. Título.

CDD 418.2

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SUMÁRIO

Introdução 7

1. As teses fundacionais do programa fodoriano 35

1.1 Fodor em contraponto: figuras naconstrução do programa de pesquisa 35

1.2 A Teoria representacional da mente ea hipótese da linguagem do pensamento 47

1.3 O projeto naturalista e a TeoriaComputacional da Mente 81

2. O programa semântico de Fodor para asrepresentações mentais 109

2.1 Superveniência e individualização não relacionalde estados mentais: o conteúdo restrito 109

2.2 A Teoria da Dependência Causal Assimétricae a primazia do conteúdo amplo 127

3. O eixo metodológico: natureza das críticas 156

3.1 Contra a factividade das representações mentais:o materialismo eliminativo 159

3.2 Problemas da implementação sintática dasleis intencionais 170

3.3 Problemas da naturalização pela DependênciaCausal Assimétrica 182

3.4 Contra o atomismo: conteúdo restrito eholismo semântico 190

3.5 Contra o abandono do conteúdo restrito 197

Notas 215

Referências 231

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Para Jorge Campos da Costa

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Heloísa Pedroso de Moraes Feltes 7

Introdução

1. Diretrizes da obra

Empreende-se, nesta obra, a análise e discussão da proposta de Jerry A. Fodor de semântica das representações mentais situada no projeto de naturalização do conteúdo. De acordo com as concepções metacientíficas fodorianas, entre elas a de que os compromissos metodológicos, historicamente constituídos, é que orientam a cons-trução do objeto, espera-se encontrar, na evolução desse programa de investigação, uma hierarquia de questões que, devidamente or-ganizadas, fornecerão as restrições metodológicas para a formula-ção de uma teoria descritiva e explanatoriamente adequada. Em ou-tras palavras, o debate sobre semântica das representações mentais pode ser situado basilarmente num nível metodológico. Reconhe-cer isso é, ao mesmo tempo, (a) compreender o contexto filosófico--científico em que se dão hoje os embates teóricos nesse domínio e (b), especificamente, compreender a natureza de grande parte dos argumentos de que se lança mão nas interlocuções. Isso significa dizer que não se trata de analisar prioritariamente as discussões com o apoio de resultados empíricos, avaliados já pela adequação descritiva e explanatória da teoria em questão. Isso conduziria à aplicação da noção de decidibilidade na análise. Ao se analisar a natureza dos argumentos no nível metodológico, aplicam-se, antes, as noções de plausibilidade e consistência, principalmente porque estão em jogo problemas nos limites da Filosofia e da Ciência. A não identificação de um nível metodológico de discussões, histori-camente estabelecido, a partir do qual se destacam as condições de investigação de um dado corpo disciplinar, pode acarretar para o curso dos debates uma série de prejuízos inter-relacionados, como por exemplo:

(i) desenvolver argumentos que não levam em conta a metateoria dos programas de pesquisa e que, portan-to, não têm condições de avaliar endogenamente sua consistência e plausibilidade;

(ii) desenvolver argumentos que desprezam a ontologia com a qual o programa se compromete e sobre a qual se constrói o objeto de estudo;

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O PROJETO DE NATURALIZAÇÃO DO CONTEÚDO INTENCIONAL8

(iii) não discriminar argumentos (em diferentes níveis) distinguíveis por graus de força no que concerne à extensão e eficácia da crítica;

(iv) sucumbir à tentação de uma argumentação retóri-ca superficialmente rica, mas que está a serviço da manutenção de um debate equivocado, fundado em questões epifenomenais.

Tais atitudes são especialmente prejudiciais nesse domínio das Ciências Cognitivas, em que o macroprojeto de investigação de Fodor se inscreve, tendo em vista que, ao longo do estabeleci-mento histórico desse campo, questões filosóficas, metodológicas, metateóricas, teóricas e de aplicação encontram-se fortemente en-trelaçadas. Fodor (1995) chega a afirmar jocosamente: “a Ciência Cognitiva é para onde a filosofia vai quando morre” (p. 148). A não identificação desses diferentes níveis de discussão representa um obstáculo para o entendimento mais verticalizado de qualquer teoria em seu domínio.

A questão torna-se ainda mais complexa quando hoje se constata em Semântica (cognitiva-conceptualista) a existência de um quadro plura-lista, revelando a coexistência de diferentes noções de representação mental, das quais nenhuma pode ser tida como a correta, pois as teorias que as postulam não competem entre si, na medida em se desenvolvem em ramos diferentes das Ciências Cognitivas (STICH, 1992, 1994).

Deve-se ter em conta, principalmente, que um dos problemas mais centrais nesse campo é a naturalização do mental, seja pela sua negação, seja pelas tentativas, por diferentes vias, de alcançá--la. E esta é uma questão com amplas implicações metodológicas em cada programa. Como se verá, esse tópico é fundamental para o tratamento da semântica fodoriana e se traduz no Questão Epônima do projeto semântico. Macnamara (1994)1 afirma com propriedade com relação a isso que:

[I.01] [s]e a psicologia contemporânea negligen-cia o problema mente-corpo não é porque ela re-moveu este problema, muito menos o resolveu, mas porque a psicologia contemporânea siste-maticamente ignora o coração da cognição, que é referir. A referência é a principal relação entre

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Heloísa Pedroso de Moraes Feltes 9

símbolos e o que eles simbolizam, assim como é uma relação estritamente lógica. Ela tem uma con-traparte psicológica, referir, que é o contato inten-cional que o usuário de um símbolo faz por meio de símbolos com o que os símbolos simbolizam. Ninguém tem uma boa ideia de como um siste-ma sob descrição física (e.g., um computador) ou descrição fisiológica (e.g., um cérebro) pode fazer tal contato intencional com outros fora do sistema. Este é o problema frequentemente chamado de ‘aboutness’. Caracterizar o problema dessa manei-ra, entretanto, é perder sua essência. O problema é que todo referir envolve contato intencional com objetos abstratos: precisamente o tipo de objeto que se esquiva de uma explanação puramente físi-ca/fisiológica. A dificuldade estende-se a ações, à medida que as ações são individualizadas por cren-ças e por desejos instruídos-por-crenças. Por isso as ações, também, esquivam-se de uma explanação física/fisiológica (MACNAMARA, 1994, p. 165).

Macnamara acrescenta que não parece apropriado que os psi-cólogos da cognição procurem “descobrir a forma e função das re-presentações mentais, e não a relação entre representações e o que elas representam” (1994, p. 165). Certamente não é esse o caso de Fodor. Ele concentra esforços para a formulação de uma semântica denotacional para as representações mentais – em que a questão da referência é central –, encontrando-se engajado na segunda linha de trabalho apontada por Macnamara.

Diante desse quadro, colocam-se em evidência duas questões específicas:

(i) A formulação de uma semântica das representações mentais de Fodor deve ser compreendida na articulação metodológica que dá conta de responder a Questão Epô-nima, no projeto de naturalização do conteúdo.

(ii) A formulação de uma semântica das línguas naturais a partir de uma semântica das representações mentais deve ser compreendida sob restrições desse projeto (i), mais os compromissos metodológicos assumidos pela Lin-guística de base cognitiva.

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As questões ancoram-se num modelo hierárquico de ciência. A características desse modelo são apropriadamente resumidas por Batens (1992):

[I.02] De acordo com os modelos hierárquicos de ciência, nosso conhecimento científico, no senti-do mais amplo, incluindo asserções descritivas, metodológicas e avaliativas, forma um sistema de conhecimento ou está encaixado num sistema de conhecimento mais amplo que tem duas pro-priedades: (i) é estratificado, e (ii) os itens de uma camada são ou deveriam ser justificados em ter-mos de itens de uma camada mais alta” (BATENS, 1992, p. 199).

Considerando-se as inquietações do universo acadêmico, levan-tam-se duas questões gerais:

(I) Por que tratar uma semântica das representações mentais?

(II) Por que discutir a proposta de semântica de Fodor?

Quanto à (I), julga-se pertinente dizer que o estudo da semântica das representações mentais é um dos caminhos inevitáveis para aque-les que partem do princípio de que a compreensão do mundo passa pela construção de conceitos, os quais constituem representações ou símbolos mentais de um algum tipo.

As representações mentais são sobre o mundo, ou seja, de alguma maneira carregam informações sobre o mundo. E tem-se aí a intencio-nalidade2. A intencionalidade é aboutness, no sentido de que “algu-mas coisas são sobre outras coisas”. A mente seria, então, constituída de um sistema de representações mentais, o qual exibe intencionali-dade. Desse modo, a proposta de Fodor supõe uma teoria intencional. Como ele afirma:

[I.03] Precisamos da noção de representação men-tal; em particular precisamos ser capazes de fazer sentido da ideia de que os postulados de uma teoria intencional podem estar representados por (ou, mais precisamente, podem expressar a mesma informação que é expressa por) determinadas estruturas mentais do organismo (FODOR, 1981, p. 121).3 /4

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Há quem creia que as representações mentais tenham intencio-nalidade primária ou intrínseca (não derivada), sendo, portanto, a fonte da significação. O ponto de vista de Fodor é o de que

[I.04] [o] problema da intencionalidade do mental é amplamente, talvez exaustivamente, o proble-ma da semanticidade das representações mentais (FODOR, 1990a, p. 28).

Seguindo nessa direção, Fodor (1981), reafirmando-se em Fo-dor (1994a), conforme [1.70], crê que a semântica das línguas na-turais, de alguma maneira, deriva da semântica das representações mentais, de modo que uma teoria do significado “vem junto” com uma teoria da mente (FODOR, 1987, p. 77):

[I.05] [S]ão as representações mentais que têm propriedades semânticas, poder-se-ia dizer, em primeira instância; as propriedades semânticas das atitudes proposicionais são herdadas daquelas das representações mentais e, presumivelmente, as propriedades semânticas das fórmulas das línguas naturais são herdadas daquelas das atitudes proposi-cionais que elas expressam (FODOR, 1981, p. 31).

Fodor e Lepore (1992), no entanto, descomprometem-se com essa posição [I.05], no que tange especificamente à propriedade se-mântica da composicionalidade (Será ela derivada do pensamento ou vice-versa? Veja-se [1.30]). De qualquer modo, Fodor estabele-ce uma de suas metas de trabalho: a formulação de uma teoria das representações mentais, conforme segue:

[I.06] O que precisamos agora é uma teoria para as representações mentais; uma teoria de como as representações mentais representam. Tal teoria eu não tenho (FODOR, 1981, p. 31).5

A posição [I.05] não pode ser confundida, entretanto, com a que reduz a semântica das línguas públicas (também chamada de Semântica-E) à semântica das linguagens internas.6 A posição de Fodor pode ser entendida de modo mais apropriado como afir-mando que a semântica das representações mentais estabelece um

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conjunto de restrições sobre a semântica das línguas naturais. Uma das consequências de (I) é a necessidade de compreender os fun-damentos filosóficos de sua teoria da mente e suas implicações on-tológicas no nível teórico, como se tentará evidenciar mais adiante no capítulo 1.

Quanto à (II), por que investigar a Semântica de Fodor entre ou-tras propostas aparentadas (a de Dretske ou a de Block, por exem-plo)? Pode-se dizer que a produção de Fodor

(i) tem a particularidade de atravessar de modo radical fronteiras disciplinares problemáticas, o que a coloca em evidência num debate multidisciplinar de grandes proporções e, ainda,

(ii) percorre mais de cinco décadas de estudos, a partir da explosão gerativista – que polinizou os estudos formais e cognitivistas dos fenômenos semânticos –, constituídas de esforços sucessivos de reformulações, debates e controvérsias, cuja roteirização fornece, sob determinado ponto de vista, um exemplar kuhniano de ciência.

O pensamento de Fodor apresenta certas características que re-fletem bem o contexto contemporâneo das discussões semânticas: ele constitui uma espécie de amálgama de filósofo, metodólogo e teórico. Seu projeto de trabalho nas últimas cinco décadas envol-ve, por exemplo: Semântica das línguas naturais, Psicolinguística Experimental, Psicologia Cognitiva Experimental, Filosofia da Linguagem, Filosofia da Psicologia, Filosofia da Mente. Sem pre-tender que se caracterize alguma espécie de visão apologética de Fodor, pode-se afirmar que o que se forma é a figura de um estu-dioso através de cuja produção pode-se obter, em particular, verda-deiras trilhas de problemas recalcitrantes em Semântica e Ciência Cognitiva.

Segundo Loewer e Rey (1991), “[m]esmo aos olhos de muitos de seus críticos, Fodor é amplamente considerado como o mais im-portante filósofo da psicologia de sua geração” (p. xi). Além disso, Gardner (1987) denomina-o de “o cognitivista completo”, ou “um cognitivista em escala completa – um filósofo que aparentemente não tem quaisquer reservas sobre o destino comum de filósofos e

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cientistas empíricos interessados em questões da mente” (p. 81). Brennan (1996), por sua vez, refere-se a ele como “o paladino (champion) filosófico da ciência cognitiva” (p. 228).

Loewer e Rey retomam uma afirmação de Dennett sobre Fodor:

[I.07] [A] maioria dos filósofos são como camas velhas: você pula sobre elas e se afunda em qualifi-cações, revisões, adendos. Mas Fodor é como uma cama elástica: você pula sobre ele e ele o faz pular de volta, apresentando afirmações duas vezes mais vigorosas e ultrajantes. Se alguns de nós podem ver adiante, é por saltar sobre Fodor (LOEWER; REY, 1991, p. xi).

Isso certamente o faz merecedor de uma atenção acadêmica concentrada e crítica. Mais do que isso, entretanto, trata-se de to-má-lo como uma espécie de exemplar prototípico de semanticista--filósofo no contexto contemporâneo de discussões em Ciências Cognitivas. Com isso, toma-se estrategicamente seu programa de pesquisa para a apreciação dos embates filosófico-científicos no campo em questão.

Dadas razões suficientes para um investimento direto na pro-posta de Fodor, julga-se de algum modo relevante fornecer, nesta introdução, uma visão mais pontual de seu percurso de investiga-ções no âmbito da Semântica, ao longo da segunda metade do sé-culo XX.7 Essa apresentação seletiva, embora longa, é necessária para que se tenha, de modo relativamente preciso, a visão dos com-promissos filosóficos e científicos que se mantêm com certa pereni-dade no conjunto da obra de Fodor, não obstante as reformulações e refinamentos por que esta vem passando.

Trata-se, é certo, de uma estratégia com um alto custo, mas tal procedimento – textualmente oneroso – pretende reunir o que con-sidero três fases das reflexões de Fodor, aparentemente dispersas. A organização desse roteiro é fundamental, porque evidencia os desdobramentos do programa de investigação fodoriano, os quais têm um caráter nitidamente metodológico. Após essa roteirização, retomam-se as pretensões e diretrizes desta obra.

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2. Fases das Investigações de Fodor

A primeira investida de Fodor em Semântica ocorre no âmbito da Semântica Interpretativa em parceria com Katz (Fase 1). Após essa fase, Fodor passa a assumir um projeto mais amplo de investi-gação semântica cuja fundamentação é, ao mesmo tempo, filosófi-ca e empírica (Fase 2). Essa segunda fase representa o ingresso de Fodor em discussões sistemáticas em Filosofia da Ciência, conso-lidando interesses da Fase 1, e envolve também uma linha de tra-balho experimental, em parceria com psicolinguistas e psicólogos, da qual deriva a adoção da noção de postulados de significado. De modo quase paralelo (Fase 3), é desenvolvido um outro projeto de caráter metateórico-filosófico, em parceria com psicólogos da cognição e filósofos da mente, visando à formulação de uma Teoria Computacional da Mente, inscrito num projeto maior de naturaliza-ção da semântica das representações mentais. Realizar-se-á, a partir daqui, a descrição das duas primeiras fases, considerando-se que a terceira é caracterizada ao longo desta obra.

Katz e Fodor (1964), inscritos no circuito chomskiano de pes-quisas e num projeto, em última instância, voltado para a metate-oria da semântica, procuram construir uma teoria semântica que complete a solução do problema da projeção na linguagem, ou seja, que explique a “habilidade do falante de produzir e entender um número infinito de novas sentenças” (p. 483).8 Esse projeto de teo-ria semântica passa a ser conhecido como Semântica Interpretativa, em vista da suposição de que o componente semântico atuasse so-bre a descrição estrutural da sentença, fornecendo-lhe uma inter-pretação semântica.

Para eles, a fim de que se justifique uma teoria semântica, deve ser suposta uma capacidade universal que não faça uso de informa-ção contextual. São estabelecidos, a partir disso, os limites inferior e superior do domínio de estudos semânticos. O domínio inferior é descrito pela fórmula: descrição linguística (-) gramática (=) a semântica, envolvendo abstração de (a) contextos linguísticos e extralinguísticos e (b) diferenças individuais entre os falantes. O domínio inferior da teoria semântica envolveria, então, descrever e explicar a habilidade do falante de interpretar sentenças. Isso ocor-re (i) ao tratar do número e conteúdo das leituras de uma sentença; (ii) ao detectar anomalias semânticas; (iii) ao decidir sobre relações

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parafrásticas entre sentenças; (iv) ao indicar qualquer outra pro-priedade semântica que desempenhe algum papel na habilidade de interpretar sentenças. O domínio superior da teoria semântica, por sua vez, seria fixado a partir da suposição de que as leituras que o falante atribui a uma sentença são independentes de uma seleção de contexto, fazendo com que uma teoria da interpretação semântica seja logicamente prioritária com relação a uma teoria sobre o modo como os contextos determinam a compreensão dos enunciados. Katz e Fodor, julgando que uma teoria que visasse a tratar de como o contexto físico-social determina a compreensão de um enunciado acabaria por anular a distinção entre conhecimento linguístico e co-nhecimento de mundo, fixam o limite superior de uma teoria semânti-ca de uma língua natural no ponto em que são satisfeitas “as exigências para uma teoria da interpretação semântica” (1964, p. 491).

Essa posição tem grandes implicações na obra global de Fodor com relação à hipótese da modularidade da mente, a partir da qual distinguem-se processos periféricos e modulares (como o módulo linguístico e de processamento semântico) de processos centrais (como aqueles relativos à interpretação pragmática).9

A Semântica Interpretativa toma como componentes de uma teoria semântica: (i) um dicionário e (ii) regras de projeção, carac-terizados da seguinte maneira:10

[I.08] O fato básico que uma teoria semântica tem a explicitar é que o falante determina o significado de uma sentença a partir dos significados dos itens lexicais que a constituem. A fim de explicitar esse fato, uma teoria semântica deve conter dois compo-nentes: um dicionário dos itens lexicais da língua e um sistema de regras (que denominaremos regras de projeção), que operam descrições gramaticais completas de sentenças e verbetes lexicais, para produzir as interpretações semânticas para cada sentença da língua [...]. O problema central desta teoria é que um dicionário normalmente apresenta mais sentidos para um dado item lexical do que esse item possui ao ocorrer numa determinada sentença, pois o verbete de dicionário é uma caracterização de todos os sentidos que um item lexical pode ter

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O PROJETO DE NATURALIZAÇÃO DO CONTEÚDO INTENCIONAL16

em qualquer sentença da língua. Por isso, o efeito das regras de projeção deverá ser o de selecionar o sentido conveniente de cada item lexical de um sentença (KATZ; FODOR, 1964, p. 493).

Os autores defendem que essa concepção confirma a hipótese da composicionalidade sentencial. Com suas palavras:

[I.09] [U]ma teoria semântica de uma língua na-tural é análoga a um modelo de interpretação de um sistema formal. Mais ainda, explicita o sentido exato do princípio de que o significado de uma sen-tença é uma função [princípio de projeção] dos sig-nificados das partes da sentença (KATZ; FODOR, 1964, p. 494).

E vão mais além, caracterizando, inclusive, um nível de compo-sicionalidade lexical. Os item lexicais são decompostos a partir de um aparato descritivo que contém (a) marcadores gramaticais, (b) marcadores semânticos e (c) distinguidores. Os marcadores grama-ticais indicam diferenças formais entre os itens lexicais (e. g., subs-tantivo, verbo, adjetivo). Com relação aos marcadores semânticos e distinguidores, Katz e Fodor dizem o seguinte:

[I.10] [S]ão utilizados como meio de decompor o significado de um item lexical (num dado senti-do) em seus conceitos atômicos, e possibilitar-nos mostrar a estrutura semântica de um verbete de dicionário e as relações semânticas entre verbe-tes de dicionário. Ou seja, as relações semânticas entre os diversos sentidos de diferentes itens lexi-cais são representadas pelas relações formais en-tre marcadores e distinguidores (KATZ; FODOR, 1964, p. 496).

Enquanto os marcadores semânticos visam a refletir relações sistemáticas entre os itens lexicais de uma língua, os distinguidores refletem o que é idiossincrático no significado de cada item (o que não é sistemático). Desse modo:11

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[I.11] A fim de descrever o caráter sistemático do significado de um item lexical é necessário con-tar com construtos teóricos cujas inter-relações formais representem concisamente esta sistemati-cidade. Os marcadores semânticos são estes cons-trutos teóricos. Os distinguidores, por outro lado, não participam de relações teóricas que se incluem numa teoria semântica. A parte do significado de um item lexical representada no dicionário pelos distinguidores é aquela para a qual uma teoria se-mântica não precisa fornecer explicitação geral (KATZ; FODOR, 1964, p. 498).

O sistema de marcadores a ser desenvolvido pela teoria semân-tica deve ser econômico: economia conceitual associada a poder explanatório e descritivo.

Articulada às ideias de economia, produtividade e simplicidade está uma das propriedades das línguas naturais, a composicionali-dade. Quanto a essa questão, os autores adicionalmente ressalvam o seguinte:

[I.12] Não vamos decidir agora se devem ser to-mados como itens lexicais palavras, morfemas ou qualquer outra unidade. Há, porém, algumas observações relevantes para esse tipo de decisão. O fato mais importante é que devemos escolher a unidade que nos possibilite descrever o máximo da estrutura composicional da língua. Se, em prin-cípio, o significado de uma palavra é uma função composicional dos significados de suas partes, temos de ser capazes de apreender essa composi-cionalidade. Além disso, um tratamento que nos leve a escolher como itens lexicais as unidades sintáticas, que nos permitam reconstituir ao má-ximo a estrutura composicional, tem a seu favor a simplicidade. Toda vez que nos for possível usar a composição, verbetes de dicionário se tornam dis-pensáveis (KATZ; FODOR, 1964, p. 501).

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Entretanto, o pressuposto é o de que é a sentença (com sua res-pectiva descrição estrutural) que dá entrada ao processo de inter-pretação, não os itens lexicais.

Produtividade e sistematicidade associadas à composicionali-dade são propriedades das línguas naturais (em nível gramatical e semântico) que são constantemente visadas na obra de Fodor, tomadas como propriedades da linguagem interna. Essas noções foram revigoradas na proposta de semântica das representações mentais e tornadas, inclusive, critério de avaliação de propostas de arquiteturas cognitivas em Inteligência Artificial.

Seguindo com a caracterização da Semântica Interpretativa, o dicionário representa formalmente todas as propriedades e rela-ções semânticas, a fim de que seja possível a postulação formal das regras de projeção, o que representa que as regras estabelecidas atuam mecanicamente sobre símbolos, a fim de que resulte a in-terpretação semântica da sentença. Parte-se do pressuposto de que o processo de interpretação consiste de uma computação formal. Para os autores, pelos procedimentos até aqui descritos:

[I.13] [Obtém-se uma] computação formal [...] sem interferência de intuições e percepções lin-guísticas, uma resposta para a questão de qual in-terpretação semântica se deve atribuir a uma dada sentença (KATZ; FODOR, 1964, p. 501).

A noção de computação, como apresentada acima, permanece tanto em sua teoria modular da mente, pois é desse modo que são realizadas as operações no módulo linguístico, sincronicamente impenetrável, como, de um modo mais amplo e extrapolando os limites do módulo linguístico, no próprio funcionamento mental, no nível dos processos mentais.

Falando genericamente, as regras de projeção aplicar-se-iam a partir dos níveis mais baixos da descrição estrutural (em constituin-tes) da sentença, formando, em seu caminho, amálgamas a partir dos domínios dos marcadores gramaticais. Por exemplo, tome-se (a) abaixo:

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(a) Pedro é um solteiro não-casado1.

O modificador ‘não-casado’ nada acrescenta ao composto ‘sol-teiro não-casado’e há uma regra de projeção que atuará no sentido de eliminar do caminho do modificador toda informação semânti-ca já representada no caminho do núcleo ‘solteiro’. Quanto a isso Katz e Fodor acrescentam:

[I.14] Esse fato de o modificador não acrescen-tar informação semântica ao composto parece dar conta da intuição geral de que expressões como ‘solteiro não-casado’ são redundantes e de que, em consequência, afirmações do tipo ‘solteiros são não-casados’ são vazias, tautológicas, inúteis, não informativas. Obtemos, assim, uma nova explica-ção para a analiticidade de um tipo clássico de ver-dade analítica (KATZ; FODOR, 1964, p. 509).

A discussão sobre a analiticidade, particularmente sobre a dis-tinção analítico/sintético, está presente no trabalho de Fodor e tem servido à construção de importantes argumentos contra as propos-tas holistas de semântica, como se verá no capítulo 1.

A partir de meados da década de setenta do século XX, passan-do a dedicar-se aos estudos cognitivos, seja em nível experimental, seja em nível metateórico-filosófico, e já tendo abandonado o pro-jeto de Semântica Interpretativa, Fodor adere à noção de postula-dos de significado, desenvolvendo estudos em parceria com alguns psicólogos do MIT (Fase 2).

Fodor et alii (1980), num projeto de investigação mais amplo que o anterior, desenvolvido na interface entre a Filosofia da Psico-logia e a Psicologia Cognitiva Experimental, e que tem um caráter retificador com relação àquele, defendem uma teoria da aprendi-zagem dos conceitos que parte do não comprometimento com a realidade psicológica de definições. Fodor e seus colaboradores argumentam contra as teorias que consideram que uma definição fornece o significado de uma palavra. Assim, eles rejeitam pelo menos duas ideias: (i) a de que saber o que uma palavra significa é saber sua definição; e (ii) a de que entender uma ocorrência de um

1 Nesta obra mantemos a ortografia original nas citações e o uso do hífen nos casos em que há um uso consagrado na literatura.

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enunciado é ter a definição “na mente”, a qual assume a forma de representações internas, de modo que o nível de representação se-mântica é onde as expressões são substituídas por suas definições.

Os autores criam, para os fins de sua argumentação, uma cate-goria de teorias semânticas e psicológicas que defendem a factivi-dade das definições, ou, no mínimo, que seu papel é imprescindí-vel. Chamam-na de The Standard Picture (TSP). A TSP envolve cinco tipos de teorias, que defendem, por exemplo:

(I) que a definição de uma palavra determina sua extensão;(II) que as definições subscrevem a validade de argumentos

informalmente válidos;(III) que compreender uma palavra é recuperar sua definição;(IV) que as definições expressam a decomposição de concei-

tos em seus elementos.

Fodor e seus colaboradores apresentam contra-argumentos a to-das essas afirmações. Contra (I), eles se perguntam:

[I.15] Se a definição de ‘solteiro’ fixa sua extensão relativa à extensão de ‘homem não-casado’, o que fixa a extensão de ‘homem não-casado’? (FODOR et alii, 1980, p. 266).

Ou seja, o apelo a definições para tratar das relações entre as palavras e o mundo esbarra no problema de interpretar a base pri-mitiva. A relação entre ‘solteiro’ e ‘homem não-casado’ parece ser uma relação entre palavras, não entre formas de palavras e suas ex-tensões. Vale ressaltar que “o-Fodor-da-semântica-interpretativa” propunha justamente uma teoria definicional da linguagem nesses termos (Veja-se [I.10], por exemplo).

Os autores concluem essa parte da argumentação contra (I) com a afirmação [I.16]. Para Fodor et alii, a TSP não fornece uma teoria sobre essa relação linguagem-mundo, mesmo se a base primitiva fosse expressa em termos sensório-motores:

[I.16] [A]s definições fornecem uma parte útil de uma teoria da linguagem e do mundo apenas se elas desembocarem numa base primitiva que é in-dependentemente interpretada. Isto é, as definições comparecem seriamente em teorias da linguagem

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e do mundo apenas se: (a) todas as expressões de uma linguagem forem equivalentes a expressões no vocabulário de sua base primitiva; (b) a base primitiva for notavelmente menor do que o léxico; e (c) as extensões das expressões na base primitiva puderem ser fixadas sem apelo adicional à noção de definição. A única base primitiva que até aqui tem seriamente satisfeito (a)-(c) é sensório-moto-ra, e é moralmente certo que esta alegação não se sustenta (FODOR et alii, 1980, p. 268).

Para os autores, segue-se da afirmação [I.16] a necessidade de uma teoria causal da referência:

[I.17] Isso nos deixa sem uma teoria da linguagem e do mundo. A melhor esperança hoje para tal te-oria é talvez aceitar aquele aspecto do tratamento empirista de termos primitivos, que sustenta que a relação entre as palavras e suas extensões é de alguma maneira mediada por cadeias causais, mas abandona a condição de que as cadeias relevantes são exaustivamente especificáveis por referência ao comportamento de mecanismos sensório-motores (FODOR et alii, 1980, p. 308).

Sobre a visão causal da referência, os autores advertem para o fato conhecido de que esta se ajusta relativamente bem, por exem-plo, a nomes, descrições e termos-tipo, mas que ela

[I.18] [c]laramente tem problemas profundos com referência abstrata, referência a ficções e similares. Nem um psicólogo realmente a considerará satisfa-tória mesmo onde ela opera melhor. O que um psi-cólogo quer entender é que tipo de cadeias causais fixa as extensões e quais são as condições nomolo-gicamente necessárias e suficientes para a existên-cia de tais cadeias (FODOR et alii, 1980, p. 309).

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Em suma, paralelamente ao aspecto propriamente empírico da questão, Fodor e colaboradores discutem filosoficamente a relação linguagem-mundo. Sabe-se que esse é o ponto central do projeto de investigação atual de Fodor – um tipo de teoria causal da referência –, muito embora abrindo mão de condições “necessárias”.

Com relação à (II), também acabam disparando seus argumen-tos contra teorias do tipo oferecido pelos semanticistas interpre-tativistas – o Fodor da fase anterior, que julgava que a noção de definição poderia fornecer “uma abordagem das intuições de va-lidade informal” (p. 270). Os argumentos informalmente válidos, esclarecem Fodor et alii, “são aqueles cuja validade gira em torno, no mínimo em parte, dos significados dos itens no vocabulário não lógico” (p. 269). (Veja-se, mesmo que em caráter indireto, [I.13]). Por exemplo, o argumento (a), abaixo, é válido em vista do signi-ficado de ‘e’ e de ‘portanto’ (o aparato lógico); já o argumento (b) seria válido em vista do significado de ‘solteiro’ (validade infor-mal, determinada por uma relação de ‘inclusão’ entre representa-ções mentais):

(a) Maria cantou e Pedro acordou, portanto Pedro acordou.

(a’) C (M) ∧ A (P) → A(P)

(b) Pedro é solteiro, portanto Pedro é não-casado.

Os autores, entretanto, têm três razões para discordar da aborda-gem definicional para a validade informal:

(1) Não há como garantir que todos os argumentos infor-malmente válidos possam ser formalmente válidos, mesmo se expressos no nível das representações se-mânticas. A reconstrução da validade informal parece requerer um enriquecimento do aparato inferencial da lógica padrão, mesmo a partir da suposição da exis-tência de definições.

(2) Parece que alguns argumentos informalmente válidos não podem ser reconstruídos a partir de relações de definição.

(3) As definições parecem ser casos especiais de postula-dos de significado: particularmente, casos de postula-dos de significado simétricos.

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O que é afirmado em (3) é a essência da argumentação de Fo-dor et alii. Estes defendem, sob um ponto de vista psicológico, um sistema de postulados de significado em que representações sintati-camente analisadas constituem o domínio para um aparato inferen-cial enriquecido, que contém regras (inferenciais não padrão) que governam o comportamento de palavras não lógicas. Os postulados de significado seriam (regras de) inferência assimétricas.12 Como explicam Fodor e Fodor (1980):

[I.19] Um postulado de significado é como outras regras de inferência em que se toma como input uma estrutura representando as propriedades se-mânticas de uma construção, e se fornece uma ou-tra estrutura como output. (De modo equivalente, para os nossos propósitos: um postulado de signi-ficado, quando visto como um axioma, é uma fór-mula com valor de verdade e interage com outras dessas fórmulas no curso de derivações lógicas) (FODOR; FODOR, 1980, p. 764).

A alegação (III) da TSP, retomando-se, é a de que compreender uma palavra é recuperar sua definição. Ela fundamenta teorias da compreensão de sentenças que reivindicam uma análise definicio-nal como parte da decodificação das ocorrências sentenciais. Mas Fodor et alii apresentam evidências experimentais que contestam a ideia de que as representações que especificam as definições este-jam internamente disponíveis no processo de compreensão de sen-tenças. Os experimentos não dão apoio à tese da TSP de que, dadas duas sentenças idênticas, digamos Si e Sj, em que a definição de Si é uma parte da definição de Sj, deve-se tomar Sj como mais com-plexa que Si. Tomando-se as sentenças (a), (b), (c) e (d), abaixo, (a) deveria ser mais complexa que (b), e (c) mais complexa que (d), o que não demonstrou ser experimentalmente o caso:

(a) Pedro é solteiro.(b) Pedro é não-casado.(c) Maria quebrou o prato.(d) O prato quebrou.

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A proposta de Fodor e seus colaboradores, até esse ponto da argumentação, é de (i) capturar a validade informal pelo enriqueci-mento do aparato inferencial da lógica padrão; (ii) considerar que nenhuma inferência deve ser derivada no curso da compreensão da sentença.

Contra a afirmação (IV) da TSP, segundo a qual as definições envolvem decomposição lexical e análise conceptual, a argumen-tação dos autores é radical. Inicialmente, apresentam as ideias que teorias de aprendizagem de conceitos tradicionais têm em comum:

(1) distinguem entre conceitos básicos e conceitos com-plexos;

(2) supõem que o repertório conceptual potencial do or-ganismo baseia-se num inventário de conceitos bási-cos, primitivos, mais um conjunto de princípios ou operações combinatoriais;

(3) defendem que a teoria da aprendizagem dos conceitos consiste de um conjunto de procedimentos indutivos que determinam a disponibilidade de um conceito complexo com relação à disponibilidade de conceitos básicos e à experiência do organismo. A aprendiza-gem de conceitos conta, então, com (a) conceitos bá-sicos, (b) aparato combinatorial e (c) lógica indutiva.

Para os autores, a primeira questão que se coloca, diante da necessi-dade de decomposição lexical, é: Como a base primitiva é adquirida? A resposta de Fodor é a seguinte:

[I.20] [A]s teorias de aprendizagem de conceitos pressupõem a disponibilidade da base conceptual de primitivos: elas não a explicam. Se, entretanto, a base primitiva é pressuposta em aprendizagem de conceitos, então não pode ela própria ser aprendida. Se não pode ser aprendida, presumivelmente é inata (FODOR et alii, 1980, p. 281)

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Segundo os autores, a base deve estar disponível no organismo, mas isso não significa que seja causalmente independente da experiência (da ativação do sensorium). A questão residual seria: Quanto do repertório conceptual é inato/primitivo?13 A tese de Fodor é radical: o que não é definível é inato.14 Ou de modo mais preciso:

[I.21] O que quer que não seja definível deve ser inato. Isto é, entretanto, mais fraco do que: o que quer que não seja internamente representado por sua definição deve ser inato (FODOR et alii, 1980, p. 313).

Fodor et alii, através de uma série de experimentos, tentam mos-trar que as definições não são construtos com status empírico. Os autores, por exemplo, retomam para discussão a perspectiva teórica da Semântica Interpretativa. Segundo eles, a análise semântica dos interpretativistas é definicional, sendo que esta é exibida apenas no nível semântico, que, como se sabe, diverge do nível da sinta-xe profunda. Contra essa alegação da Semântica Interpretativa, os autores realizam um experimento complexo, a partir de sentenças com quantificadores negativos, verbos intensionais e verbos causa-tivos, a fim de evidenciar que há uma diferença nas relações semân-ticas entre sentenças superficialmente similares, que diz respeito ao significado de uma das palavras constituintes. A argumentação vai em direção à ideia de que as diferenças lógicas entre as sentenças do teste são óbvias e que, mesmo que incidam sobre os significa-dos das palavras dos itens lexicais, não envolvem decomposições definicionais.15

Em outras palavras, Fodor, nesta fase, opõe-se ao lexicalismo em semântica, posição crítica já presente em Fodor, Bever e Garrett (1974), virando as costas à visão interpretativista, conforme [I.10], [I.11] e [I.14]. Estes afirmam:

[I.22] [A] posição lexicalista tem duas teses fun-damentais sobre a estrutura das entradas do di-cionário no léxico-semântico: primeiro, que tais entradas assinalam traços semânticos para itens lexicais; segundo, que a função característica de tais traços é especificar o sistema de classes supe-rordenadas às quais o designata do item pertence.

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A primeira dessas suposições tem recebido críticas ocasionais de teóricos que não gostam das abor-dagem composicionais, atomísticas para o signi-ficado que ela implica [...]. Mas mesmo entre os teóricos que aceitam a abordagem computacional da análise lexical, é agora universalmente aceito que há fenômenos semânticos que não podem ser abordados pela postulação de relações de superor-denação entre traços semânticos.Os tipos de fatos mais naturalmente tratados por apelo ao léxico semântico do tipo que temos discu-tido incluem o acarretamento [...] e a analiticidade (FODOR; BEVER; GARRETT, 1974, p. 209).

Uma das característica mais marcantes da Fase 2, entretanto, é o ingresso de Fodor em discussões metodológicas que se estabe-lecem no nível da Filosofia da Ciência. Esse interesse mantém-se vivo no que aqui se chama de Fase 3. Dadas as questões específicas desta obra, analisamos o posicionamento de Fodor sobre questões metodológicas amplas em Linguística (e, por extensão, em Ciência Cognitiva).

Em meados da década de 70, Fodor junta-se a um grupo de linguistas que começa a discutir Filosofia da Ciência, formando um circuito de debates sobre epistemologia, ontologia e metateoria da teoria linguística; além disso, discutem-se questões mais amplas como confirmação, verificabilidade, observação, experimentação, simplicidade, adequação empírica, descritiva e explanatória das te-orias. Nesse núcleo de discussões, encontram-se linguistas e filóso-fos como Noam Chomsky, Jerry Katz, Merrill F. Garrett, Stephen P. Stich, Ned Block, Hillary Putnam, para citar alguns nomes de destaque.

Desde então, com os progressos da psicologia cognitiva e com a emergência das Ciências Cognitivas e Neurociência, discussões filosóficas de caráter metodológico andam de mãos dadas com o avanço dos estudos linguísticos, grande parte deles, ressalta-se, de caráter estritamente metodológico como se constata, por exemplo, com o Programa Minimalista do gerativismo.

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Em meados da década de 80, Fodor publica uma discussão so-bre o que vem a constituir a base de dados de uma teoria linguística. Questões como verificação e experimentação, presentes nessa pu-blicação, são retomadas no início da década de 90 num artigo sobre Epistemologia Naturalizada, tematizando sobre o que ele chama de o terceiro dogma do empirismo – a observacionalidade dos dados –.

Fodor (1985) apresenta sua posição metodológica sobre o que faz a verdade de uma teoria linguística. Para ele, a verdade é cor-respondência entre os fatos. E no caso de uma teoria linguística é preciso saber (a) a quais fatos uma teoria linguística corresponde e (b) quais relações a esses fatos são constitutivas da correspon-dência. Quanto à (a), Fodor apresenta duas escolas de pensamento que ele denomina de (i) a Visão Errada, que sustenta que se pode especificar a priori um conjunto de fatos, e a verdade de uma teoria linguística consiste na sua correspondência com eles; e (ii) a Visão Certa, que sustenta que os fatos aos quais uma teoria linguística corresponde é uma resposta a posteriori, após teorias linguísticas adequadas terem sido desenvolvidas. Escolher uma das duas esco-las significa determinar a visão sobre o resto das questões metodo-lógicas no campo. Ele defende a Visão Certa.

A Visão Errada, afirma Fodor, diz respeito a dois princípios da Filosofia da Ciência positivista: (i) que a base de dados de uma teoria pode ser definida antes de sua construção, e (ii) que as teses verdadeiras que uma teoria sustenta são exauridas pelo que é dito sobre sua base de dados. Assim, para os positivistas, aquilo sobre o que é a Linguística pode ser é estabelecido a priori. O cientista aqui “estipula quais dados contam como relevantes para a (des)confirmação da sua teoria” (1985, p. 150-151).

A Visão Certa defende que:[I.23] (a) As teorias linguísticas são descrições de gramáticas. (b) É nomologicamente necessário que aprender uma língua envolva aprender sua gramática, assim, uma teoria de como as gramáticas são apren-didas é ipso facto uma teoria (parcial [?]) de como as línguas são aprendidas. (c) É nomologicamente necessário que a gramática de uma língua seja inter-namente representada pelo falante/ouvinte daquela língua [...]. (d) É nomologicamente necessário que

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a representação interna da gramática (ou [...] a gra-mática internamente representada) seja causalmente implicada nas trocas comunicacionais entre falantes e ouvintes [...]; falar e entender a língua normalmente envolve explorar a gramática internamente represen-tada (FODOR, 1985, p. 149).

Para os defensores da Visão Certa, a “linguística é parte da psi-cologia humana” (p. 149) e é sensível a qualquer informação sobre a psicologia dos falantes/ouvintes; transitivamente, é sensível às relações que a psicologia tiver com outras ciências (por exemplo: neurologia, etc.). Como consequência metodológica, não há a prio-ri distinção entre dados linguísticos e dados psicológicos (ou quais-quer outros tipos de dados). Tais distinções só podem ser feitas a posteriori. E o que se tem evidenciado é que se descobre mais e mais sobre como as gramáticas funcionam nos processos mentais de falantes/ouvintes. Defender a Visão Certa é, para Fodor, uma questão de seriedade metodológica visto que:

[I.24] ou a Visão Errada descreve impropriamente a linguística ou o que o linguista faz é algo como uma exceção aos princípios metodológicos que outras ciências endossam (FODOR, 1985, p. 151).

E afirma ainda:

[I.25] Qualquer ciência é obrigada a explicar por que o que ela toma como dados relevantes para a confirmação de sua teorias são dados relevantes para a confirmação de suas teorias. Tipicamente se encontra essa condição ao exibir uma cadeia causal que vai de entidades que a teoria localiza, através dos instrumentos de observação, até estados psico-lógicos do observador [...]. Ao passo que, se não há razão para supor que tal cadeia causal não conecte as observações às entidades postuladas, o cientista não tem garantia para apelar àquelas observações como dados em apoio às suas teorias (FODOR, 1985, p. 151-152).

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E é porque a Visão Certa está comprometida com um constru-to realista da noção de representações internas e, especificamente, com a de uma gramática internamente representada que ela pode definir, como uma verdade para a teoria linguística, “a correspon-dência entre a gramática que a teoria postula e a gramática que o falante/ouvinte aprende” (p. 152). Mas adverte:

[I.26] Se, então, a noção de representação inter-na não é coerente, a única coisa que se deixa para uma teoria linguística ser verdadeira são as obser-vações do linguista [...]. Tire a noção de represen-tação da metateoria linguística e você obtém o po-sitivismo por subtração (FODOR, 1985, p. 153).

Para Fodor, na Visão Certa, os dados linguísticos são aqueles que:

[I.27] são explicáveis por referência apenas aos construtos aos quais se apela em teorias do falante/ouvinte ideal. Como a gramática é, por suposição, uma teoria do falante/ouvinte ideal, segue-se que dados linguísticos são relevantes para a confirma-ção da gramática (FODOR, 1985, p. 156).

Fodor acredita que, à medida que as técnicas de observação vão se tornando melhores, também vão sendo revisados os critérios so-bre “quais” observações são o caso. Além disso, diz o autor, em filosofia geral da ciência, os dados relevantes para a confirmação de uma teoria incluem os dados previstos pela conjunção dessa teoria com qualquer outra que seja independentemente bem confirmada. A partir dessa ideia, a Visão Certa define os objetivos da linguística ex post facto, à luz de novas teorias. E Fodor acrescenta:

[I.28] Em princípio, há apenas os fatos, de um lado, e a totalidade das teorias científicas disponíveis, de outro. É provavelmente um acidente histórico que, até aqui, o melhor campo de dados para a confir-mação das gramáticas tenha sido as intuições bem formadas de falantes/ouvintes. Espera-se [...] que novos campos de dados tornem-se, cada vez mais, disponíveis à medida que aprendemos mais sobre como usar fatos sobre as interações entre gramáti-

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cas internamente representadas e outros mecanis-mos psicológicos para restringir tanto a teoria da gramática como a teoria das interações (FODOR, 1985, p. 157).

Fodor (1991) retoma parte dessa discussão ao tratar do que ele chama de o terceiro dogma do empirismo – acréscimo aos dois dogmas do empirismo de Quine: a distinção de verdade analítica e sintética e reducionismo. Brincando com as palavras da língua inglesa, o título do artigo é The Dogma that didn’t Bark – o dogma que não latiu. Para o autor, a observacionalidade dos dados é o terceiro dogma do empirismo. O ponto desta explanação de Fodor é a seguinte:

[I.29] Enquanto se supõe que a observação é res-tringida por uma conexão conceptual entre o que alguém pode observar e como pode ver coisas, os dados para uma teoria são apenas o que quer que seja que confirme suas predições e pode, portanto, ser praticamente qualquer coisa (incluindo, partes de outras teorias) (FODOR, 1991, p. 208).

Essas ideias estão presentes em Fodor (1985) e, na verdade, fa-zem parte da visão de confirmação científica já presentes em Fodor (1983), ao tratar de sistemas isotrópicos. Essa explanação serve como embasamento para a nossa questão (ii) – de que a formula-ção de uma semântica das línguas naturais deve ser compreendida sob as restrições do projeto de naturalização do conteúdo, mais os compromissos metodológicos da Linguística (de fundamento cog-nitivo). A Linguística que Fodor defende, como se viu, está forte-mente comprometida com a noção de representações internas, e os dados relevantes para a confirmação de suas teorias incluirão, sem dúvida, dados advindos de sua conjunção com teorias da mente que sejam, como ele próprio afirma, independentemente confirmadas.

Após essa justificada “digressão” histórico-teórica, numa ten-tativa de traçar um roteiro das preocupações semânticas de Fodor e de seus compromissos metodológicos, como se pode caracterizar seu projeto atual de investigação (Fase 3)? Este é, de fato, um dos objetivos mais amplos da presente obra.

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Fodor, visa, sobretudo, a uma teoria da representação com base no que afirma em [I.03], [I.05] e [I.06], por exemplo, mas ele pró-prio admite e ressalva:

[I.30] Talvez a teoria representacional realmente seja o que a teoria freudiana uma vez cruelmente disse ser: ela própria a doença da qual pretende ser a cura. Penso que essa seja uma objeção que me-rece uma resposta. Uma boa teoria da mente deve tornar claro por que ter uma mente é uma boa ideia (FODOR, 1994b, p. 88-89).

Ao estabelecer esse objetivo, Fodor inscreve-se no contex-to de investigações das Ciências Cognitivas. O roteiro que se construiu até aqui com certeza fornece alguma evidência so-bre o modo como se deu a afluência de Fodor nesse domí-nio disciplinar. O Diagrama I.1 sintetiza as fases aqui descritas.

Diagrama I.1 – Fases da Investigação Semântica de Fodor

FASES DAS INVESTIGAÇÕES SEMÂNTICAS DE FODOR

1ª FASE PROGRAMA GERATIVISTA [A Linguística como parte da Psicologia Cognitiva] <METATEORIA DA SEMÂNTICA>

Lexicalismo Composicionalidade

2ª FASE Firme ingresso das discussões em Filosofia da CiênciaPSICOLINGUÍSTICA EXPERIMENTAL

PSICOLOGIA COGNITIVA<AQUISIÇÃO DE CONCEITOS>

Antilexicalismo Composicionalidade/ Analiticidade

Postulados de Significado3ª FASE PROGRAMA DE NATURALIZAÇÃO DO MENTAL

<SEMÂNTICA NATURALIZADA DAS REPRE-SENTAÇÕES MENTAIS>

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3. Plano da Obra

Havendo várias alternativas de como apresentar a semântica das representações mentais de Jerry Fodor, esta obra tenta contribuir com um “modo de apresentação” dessa Semântica. O conjunto dos três capítulos constituem uma espécie de “sintaxe” possível do pen-samento fodoriano ao longo do que se tem aqui chamado, de forma não completamente arbitrária, de sua terceira fase de investigações.

Os três capítulos estão organizados com vistas a respeitar certos comprometimentos nucleares do programa de pesquisa de Fodor. Poder-se-ia dizer, na linguagem operacional da Teoria da Relevân-cia16 que esta obra constrói um contexto possível que conduz, de um determinado modo, o processo interpretativo da proposta fo-doriana. Nos termos da Relevância Ótima, tem-se a pretensão de fornecer um contexto que maximize a compreensão tanto de sua se-mântica das representações mentais como do que está amplamente implicado em sua construção ao longo dos últimos 30 anos.

Mesmo entre os scholars fodorianos há uma tendência para o empreendimento de argumentações minuciosas em que não se pautam os limites onto-epistemológicos relevantes. Sabe-se que, no âmbito das discussões filosóficas e metateóricas, racionalida-de e plausibilidade são, nessa ordem, as coordenadas a guiar a ar-gumentação. No caso dos debates em torno das ideias de Fodor, acresça-se, como elemento complicador, seu estilo discursivo fre-quentemente irônico e irreverente, carregado de alusões, metáforas e outras formas de analogia.

Esta obra pretende desenvolver não mais que um mapa com marcos de wayfinding, suficientemente seguros para perseguir questões semânticas relevantes, seja no nível interno do programa de pesquisa de Fodor, seja no nível externo – o da interlocução com dadas propostas concorrentes (se for possível falar, neste contexto, de competitividade de teorias), seja, ainda, no nível mais amplo da Filosofia.

Tendo essa pretensão em vista, o primeiro capítulo apresenta, na primeira parte, um quadro que denomino “Fodor em Contraponto”. Esse quadro visa a discriminar as diferentes figuras assumidas por Fodor em seu macroprojeto de investigação: o filósofo, o metodó-logo e o teórico e, por descorrência, os níveis de argumentação em

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que se inscreve nos debates. Embora sejam figuras que coexistam e que, sob alguma outra forma de interpretação, formem um todo inextricável, uma ou outra figura acaba por se salientar em diferen-tes momentos. Essa discriminação encontra-se ligada à estratégia empregada para tratar das questões que estabelecemos para esta obra. Na segunda parte do capítulo, trata-se da Teoria da Repre-sentacional da Mente e da Hipótese da Linguagem do Pensamento com o objetivo de caracterizar o sistema simbólico da semântica informacional.17

Tem-se aí, então, uma visão da ontologia metateórica: o realis-mo intencional da psicologia do senso comum (psicologia folk), associado à tese de uma linguagem interna, um sistema simbólico (código) interno, que além de uma sintaxe possui uma semânti-ca. Essa linguagem interna teria uma estrutura composicional que dota a cognição de produtividade e sistematicidade. Na terceira parte, desenvolve-se o projeto naturalista de Fodor, representado pela Teoria Computacional da Mente. A naturalização da semântica associa-se (embora transcendendo-o) ao projeto de naturalização do mental, calcado, por sua vez, na metáfora do computador, o que leva ao funcionalismo e ao solipsismo metodológico, expresso pela condição de formalidade. O mental/intencional, em Fodor, é, nessa linha de reflexão, naturalizado por um mecanismo sintático formal de implementação.

O segundo capítulo também está organizado em duas partes. Na primeira, discute-se a superveniência do intencional sobre o físico a partir da noção de conteúdo restrito. Este é um genuíno interlú-dio filosófico fazendo a interface com a metateoria da semântica fodoriana. Na segunda parte, apresenta-se a Teoria da Dependência Causal Assimétrica, uma defesa da primazia do conteúdo amplo, raiz de uma semântica externalista/informacional. Essas duas par-tes retratam a descontinuidade do pensamento fodoriano sobre a semântica das representações mentais: o significado restrito passa a ser considerado supérfluo em relação ao significado amplo. Dessa forma, o que se discute é uma resposta para a chamada Questão Epônima de Fodor: como os conteúdos intencionais amplos podem ser computacionalmente implementados? A fortiori responde-se à questão: a semântica é psicológica?

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O capítulo três está dividido em cinco partes. Cada uma delas é dedicada a uma crítica paradigmática dirigida ao programa semân-tico de Fodor e por elas busca-se identificar o eixo metodológico da discussão. Selecionaram-se argumentações contra: a factividade das representações mentais, a implementação sintática do intencio-nal, a naturalização do conteúdo via Teoria da Dependência Causal Assimétrica, ao atomismo do conteúdo restrito e, finalmente, ao abandono do conteúdo restrito para a explanação psicológica. Em cada uma dessas discussões analisa-se a natureza metodológica dos argumentos, procurando-se denunciar os pontos em que é possível haver equívocos quanto ao nível em que se dá a crítica. Com isso, visa-se dar conta das questões específicas levantadas, formuladas a partir de uma concepção hierárquica de desenvolvimento das teo-rias científicas.

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1. AS TESES FUNDACIONAIS DO PROGRAMA FODORIANO

Este capítulo é dedicado às teses fundacionais do programa de pesquisa de Jerry A. Fodor e é constituído de três partes. Na pri-meira, procura-se organizar um quadro que revela um Fodor em Contraponto, introduzindo um esquema razoavelmente formante para a compreensão do seu programa de investigação global. A expectativa que se tem é a de que a compreensão de suas teses retiformes possa ser ampliada com tal organização. A estratégia de apresentá-la na primeira parte deste capítulo justifica-se pela ne-cessidade de proporcionar, desde já, uma forma de apreensão dos fundamentos mais gerais de seu pensamento. A segunda parte ca-racteriza, de modo extenso, a Teoria Representacional da Mente, partindo de sua tese central: a da Linguagem do Pensamento – “o coração da Teoria Representacional da Mente” –. A terceira parte trata da Teoria Computacional da Mente, construída sobre a supo-sição de que os processos mentais têm um caráter computacional, conduzindo à hipótese de que as leis intencionais são implementa-das por mecanismos computacionais – a metáfora do computador como uma saída para a naturalização do mental.

1.1 Fodor em contraponto: figuras na construção do programa de pesquisa

Nesta parte do capítulo, visa-se à criação de um quadro que se pode chamar de Fodor em Contraponto. A percepção que norteia esse empreendimento é a de que Jerry Fodor, estabelecendo um macroprojeto de investigação de natureza transdisciplinar, coloca--se, de modo inevitável, em diversas frentes de discussões, desde a Filosofia da Linguagem à Inteligência Artificial. Evidentemente, a natureza desse macroprojeto acaba por propiciar um debate reticu-lado de grandes proporções. Observa-se, todavia, que aqueles que nele se envolvem, pelo próprio modo de funcionamento das discus-sões acadêmicas, via de regra lançam um olhar agudo sobre algum dos tópicos de seu interesse. Sobre o conhecimento das diretrizes metateóricas e dos compromissos onto-epistemológicas do pro-grama fodoriano – relativos à delimitação das entidades admitidas

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como existentes, factíveis ou relevantes e tudo o que daí decorre sobre as possibilidades de acessá-las e explaná-las –, na eferves-cência dos debates, a argumentação acaba por tornar-se, não raro, uma disputa paradigmática indecidível. A questão é que não basta o conhecimento dessas diretrizes e desses comprometimentos: é preciso que a própria argumentação ocorra sob a restrição dessas condições de contorno, haja vista que, se assim não for, qualquer discussão teórica pode ter um caráter epifenomenal.

A estratégia aqui é ilustrar a existência desse níveis de argumen-tação, tomando-se excertos dos textos de Fodor, já que se parte da suposição de que ele discute questões em cada um desses níveis. Ao se fazer isso, criam-se diferentes figuras em dialogia.

Fodor é muito mais um psicólogo que examina os fundamen-tos filosóficos da psicologia (e tenta construir a melhor teoria da mente) do que um filósofo que investiga a natureza da psicologia. Isso traz a figura interseccional de um metodólogo que, atento aos resultados empíricos da psicologia cognitiva, da psicolinguística e de outras áreas de aplicação científica, regula as demandas de um projeto metateórico com a adequação explanatória e empírica das teorias.

Considerando-se que, para o que é de interesse focal desta obra, Fodor não tem uma semântica explícita e suficientemente articulada para as representações mentais. Os debates sobre suas teses (hipóteses e teorias), na comunidade científica relevante, aca-bam deslizando de um domínio de discussão para outro (Filosofia da Linguagem, Filosofia da Mente, Psicologia Cognitiva, Inteli-gência Artificial, para citar alguns). Tanta mobilidade acarreta, em alguma medida, prejuízos de diferentes ordens, tais como:

(a) adoção de reducionismos com alguns sacrifícios on-tológicos;

(b) abstração dos programas metateóricos dentro dos quais têm origem os modelos, as teorias, etc.;

(c) trânsito de argumentos que têm origem em matrizes disciplinares diferentes (e que dizem respeito, por-

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tanto, a questões que perseguem roteiros históricos diferentes);

(d) reducionismos que forçam oposições; e(e) reducionismos que forçam convergências, de modo

que tanto em (d) quanto em (e) seguem-se os prejuí-zos de (a), (b) e (c).

O que se propõe nesta parte do capítulo não pode, infelizmente, resolver esse quadro tão complexo; todavia, aponta-se um caminho para observar o debate, minimizando os prejuízos acima, e estabe-lecendo-se, desde logo, o modo como ele será apreciado no terceiro capítulo desta obra.

Como se disse, a estratégia para a criação desse Fodor em Con-traponto consiste na seleção de algumas passagens ilustrativas dos textos publicados pelo autor que o revelem como a combinação de várias figuras vivendo numa harmonia sofisticada. Através dessas passagens, pretende-se evidenciar os domínios de discussão em que Fodor se inscreve em sua tentativa de construir uma semântica das representações mentais. As figuras a serem destacadas, inspiradas nos níveis apresentados por Costa (1995), discutem questões em diferentes níveis da constituição da teoria semântica, quais sejam:

(a) o filosófico, entendido como uma nível difuso, em que se tratam de questões fundacionais nos limites da Filosofia da Linguagem, Filosofia da Mente e Filoso-fia da Psicologia;

(b) o metodológico, entendido como um nível interesec-cional, em que se discutem questões de Filosofia da Ciência, de metaciência, metateóricas e metodológi-cas da Linguística, da Psicologia e, mais amplamente, das Ciências Cognitivas; e

(c) o teórico, entendido como o nível em que é cons-truída uma teoria da mente – e do significado – que seja empiricamente plausível e explanatoriamente adequada e, em vista disso, fazendo a interface com os campos de aplicação.

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Pode-se perguntar sobre em que medida essa delimitação não é arbitrária. Não há nenhum mistério aqui: as delimitações são guia-das pela percepção de que, como já se aludiu anteriormente na In-trodução, a emergência das Ciências Cognitivas nas últimas décadas caracteriza-se pela tentativa de responder a questões de longa tra-dição filosófica, ao mesmo tempo em que vão se construindo teo-rias com pretensões explanatórias e com amplas possibilidades de aplicação. Esse é o quadro inevitável de um domínio científico em constituição. Assim, situado nesse contexto, Fodor revela-se, sim, uma figura híbrida, ou como se prefere, uma figura em contraponto. Pode-se argumentar pela arbitrariedade desses limites caso se con-sidere que não se discutem conceitualmente os rótulos atribuídos a cada nível. Resta afirmar-se, então, que se trata de uma delimitação ao mesmo tempo intuitiva e operacional.

A figura do filósofo, já no contraponto inevitável com as outras figuras, surge em passagens como, por exemplo, as seguintes, [F.1], [F.2], [F.3], [F.4] (Atente-se para as passagens grifadas):

NÍVEL FILOSÓFICO

F.1 Estados Mentais Intencionais e Processos Mentais – Compatibilização

Meu projeto filosófico, nos últimos vinte anos aproximadamente, tem sido entender a relação entre uma velha ideia respeitável emprestada do que os filósofos chamam de psicologia folk, e uma ideia inovadora emprestada principalmente de Alan Turing. A velha ideia é que os esta-dos mentais são caracteristicamente intencionais; ou, no mínimo, que aqueles estados mentais envolvidos na cognição caracteristicamente o são. A nova ideia é que processos mentais são caracteristicamente computa-cionais (FODOR, 1994b, p. 1-2).

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F.2 Semântica e Filosofia da Linguagem

O Fodor que se assume Filósofo discute “questões fundacio-nais”: Filosofia da Psicologia [F.1] e Filosofia da Linguagem [F.2]. Em [F.2], por exemplo, constata-se que mesmo Fodor e Lepore sentem a necessidade de pontuar que a discussão é filosófica e não semântica.

Há que se considerar, entretanto, que o que Fodor toma como projeto filosófico em [F.1] redunda num problema metodológico, de acordo com [M.4], logo adiante. Com isso indica-se como são facilitados os equívocos sobre os níveis de argumentação, ainda mais que as discussões metodológicas se situam no domínio bas-tante complexo da “filosofia da ciência”.1

Como se disse, o metodólogo é uma figura interseccional que surge na interface entre o psicólogo e o filósofo, à medida que está voltado para a construção de uma teoria da mente explanato-riamente adequada. Nessa categoria, Fodor atenta, por exemplo, para comprometimentos ontológicos na relação com a adequação (força) explanatória da teoria. Nesse nível, discutem-se também as grandes diretrizes metateóricas do programa de pesquisa. Verifi-quem-se as passagens [M.1], [M.2], [M.3], [M.4], [M.5] e [M.6], abaixo. Assumindo-se como um “filósofo impuro” em [M.4], Fo-dor reconhece-se contrapontado com as demais figuras.

É uma façanha das últimas décadas que as pessoas que trabalham em se-mântica linguística e pessoas que trabalham em filosofia da linguagem te-nham alcançado um entendimento de facto, amigavelmente, com relação às suas respectivas descrições de trabalho. Os termos desse acordo são que os semanticistas fazem o trabalho e os filósofos se atormentam. Os semanticistas tentam construir teorias efetivas do significado [...]. Os fi-lósofos, ao contrário, tentam vigiar as questões fundacionais amplas [...]. De vez em quando os filósofos e os semanticistas esperam se aproximar e comparar notas de seus respectivos progressos. Ou necessitam disso.De acordo com isso, este artigo não é sobre semântica, mas filosofia da linguagem. Alguns de nós têm remexido as bases da teoria do sig-nificado, e parece que descobrimos uma grande e vergonhosa rachadura (FODOR; LEPORE, 1994b, p. 142. Grifos nossos.).

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Havia uma disciplina chamada psicologia especulativa. Ela não era re-almente filosofia porque estava preocupada com a construção de uma teoria empírica. Não era realmente psicologia porque não era uma ci-ência experimental. Mas ela usava métodos tanto da filosofia como da psicologia, porque se dedicava à noção de que as teorias científicas de-veriam ser tanto conceptualmente disciplinadas como empiricamente restringidas [...]Havia [...] teorias epistemológicas da moda – teorias sobre a conduta pró-pria da ciência – que sugeriam que nenhum questionamento respeitável poderia ser parcialmente conceptual e parcialmente empírico do modo como a psicologia supunha ser. De acordo com tais teorias, questões de fato são distintas em princípio de relações de ideias, e sua elucidação deveria, portanto, ser distinta na prática científica. Filósofos que acei-tavam essa epistemologia poderiam acusar os psicólogos especulativos de psicologizar, e os psicólogos que a aceitavam poderiam acusá-los de filosofar. Visto que, de acordo com os epistemólogos, psicologizar e fi-losofar são atividades mutuamente incompatíveis, essas acusações eram recebidas com grave preocupação.Houve um período [...] em que a psicologia especulativa era vista como uma anomalia e um aborrecimento administrativo. Até agora a tradição especulativa não se diluiu completamente ou na psicologia ou na filosofia da mente. Psicólogos empíricos continuam a projetar seus experimen-tos e interpretar seus dados à luz de alguma concepção, mesmo obscu-ra, de como a mente é. (Tais concepções tendem a tornar-se explícitas no curso de disputas metodológicas, as quais os psicólogos têm em abundância) (FODOR, 1976, p. vii-viii. Grifos nossos.).

NÍVEL METODOLÓGICOM.1 Psicologia Especulativa: Questionamentos

Conceptuais e Empíricos

Em [M.1], vê-se um Fodor claramente situado nesse universo de fronteiras que é o nível metodológico, discutindo a construção das teorias (psicológicas) científicas.

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M.2 Elaboração de Teorias Empíricas da Mente

Uma leitura superficial pode levar alguém a pensar que [M.2] seja uma exposição no nível teórico. [M.2], todavia, situa-se pontu-almente no nível metodológico, à medida que trata de estabelecer os limites metateóricos de uma teoria possível da mente.

Este livro, em qualquer circunstância, é abertamente um ensaio em psico-logia especulativa. Mais especificamente, é uma tentativa de dizer como a mente opera à medida que respostas a esta questão emergem dos recen-tes estudos empíricos da linguagem e da cognição. A tentativa, para mim, parece valer a pena por duas razões: primeiro, porque a questão de como a mente opera é profundamente interessante, e a melhor psicologia que temos é, ipso facto, a melhor resposta que está atualmente disponível. Segundo, a melhor psicologia que temos é ainda pesquisa em curso, e estou interessado em avançar essa pesquisa.Os últimos dez anos aproximadamente têm testemunhado uma prolifera-ção de atividades de pesquisa baseada na visão de que muitos processos mentais são computacionais, consequentemente que muito do ‘com-portamento cognitivo superior’ é governado por regras. Técnicas para a análise de comportamentos baseados em regras são agora familiares para cientistas em uma variedade de disciplinas: linguística, psicologia de simulação, psicologia cognitiva, psicolinguística, etc. Não pode haver nenhum argumento senão o de que o emprego dessas técnicas tem revo-lucionado tanto a prática como a teoria das ciências comportamentais. Minha impressão é a de que muitos praticantes não se sentem seguros sobre o caráter geral do framework teórico com que eles têm operado e estão bastante incertos sobre o que deveria acontecer depois. Requerer--se-ia, portanto, uma tentativa de consolidação.Isto, eu acho, é uma das coisas para o que a psicologia especulativa serve. [...][E]la procura, fundamentalmente extrapolar as teorias científicas dispo-níveis [...] Finalmente, qua psicólogo especulativo procura-se elaborar teorias empíricas da mente que são, se não filosoficamente não tendenciosas, no mínimo, filosoficamente respeitáveis. Mas, obviamente, há mais do que uma visão do que se constitui como respeitabilidade filosófica, e tem que se escolher. Desenvolvi a discussão neste livro sob a suposição de que o realismo é melhor filosofia da ciência do que o reducionismo, e que, em geral, não é prudente que os filósofos tentem marcar pontos on-tológicos usando argumentos epistemológicos (FODOR, 1976, p. viii-ix. Grifos nossos.).

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O PROJETO DE NATURALIZAÇÃO DO CONTEÚDO INTENCIONAL42

Para começar, estou impressionado pelo fato de que, tanto quanto eu possa dizer todos os psicólogos que têm tomado a noção de conteúdo mental se-riamente [...] têm se comprometido ontologicamente com representações mentais: em particular eles têm procurado abordar as propriedades causais e/ou semânticas de estados mentais com referência aos traços das represen-tações mentais que são assumidas quando alguém se encontra num estado mental [...]A ubiquidade dessa estratégia parece-me estabelecer prima facie um caso marcante de que a quantificação sobre as representações mentais é um movimento natural para a construção teórica em psicologia cog-nitiva. O mínimo é mostrar que alguém que aceite a atribuição de conteúdo a estados mentais, mas não está preparado para admitir representações mentais, é obrigado a mostrar ou que todas teorias estão ontologicamente assim comprometidas são falsas [...] ou que elas são traduzíveis em teorias que reconstroem a noção de conteúdo mental sem apelar para o construto de representação mental.Penso que os filósofos têm subestimado seriamente a dificuldade de for-necer tais traduções (talvez porque eles frequentemente não tenham ten-tado dá-las). [...]Penso que o melhor tipo de argumento ontológico é que [...] precisamos desse construto para fazer ciência. Mas muitos filósofos parecem relutantes em aceitar esse tipo de argumento quando o construto é representação mental e a ciência é psicologia. [...][Seria certamente um absurdo defender que as demandas da parcimô-nia ontológica devem sempre exceder aquelas da adequação explana-tória. [p. 30]Há três fios condutores para essa discussão [...]: a ideia de que os estados men-tais são funcionalmente definidos; a ideia de que, a fim de especificar as gene-ralizações que as etiologias mentalísticas instanciam, precisamos referir-nos a conteúdos de estados mentais; e a ideia de que estados mentais são relações com representações mentais, a última sendo vista como, inter alia, objetos semanticamente interpretados. Muito do que vai nos ensaios que se seguem consiste de tentar ver como uma ou outra dessas ideias ajustam-se numa rede de restrições e aspirações que deveriam acondicionar uma teoria da mente. Questões como as seguintes estão na vanguarda: Se há representações mentais, de onde – ontologicamente falando – elas vêm? Se as represen-tações mentais têm tanto propriedades semânticas quanto causais, como conectá-las? Se tomarmos a noção de conteúdo proposicional seriamente, como isso afetará o que dizemos sobre a posição da psicologia entre as ou-tras ciências? E assim por diante (FODOR, 1981, p. 27-31. Grifos nossos.).

M.3 Comprometimentos Ontológicos com Representações Mentais

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[M.3] é, de modo bastante óbvio, um excerto de uma discussão metodológica que trata dos compromissos ontológicos da teoria da mente, na sua relação com a força explanatória desejável. E é uma discussão metacientífica em sentido amplo, à medida que denota a preocupação com o que decorre desses comprometimentos em nível de relações transdisciplinares.

M.4 A Questão Epônima

A Questão Epônima [QE] [...] era reconciliar a ideia de que as leis psi-cológicas são caracteristicamente intencionais com a ideia de que sua implementação é caracteristicamente computacional. [...] Se o conteúdo intencional é amplo, então ou QE não tem resposta, ou deveria haver mecanismos que (de modo contingente) assegurem que casos-Twins e casos-Frege não ocorram (com frequência). Visto que certamente é pos-sível que haja tais mecanismos, a questão puramente filosófica pode ser formulada: leis intencionais, construídas de modo externalista, podem ser computacionalmente implementadas se tais mecanismos estiverem no lugar certo. E, é claro, se o conteúdo intencional for restrito, não seria problemático que as leis intencionais pudessem ser computacionalmente implementadas, visto que o conteúdo restrito supervém sobre o papel computacional por decreto. A filosofia pura, portanto, revela duas formas em que a QE poderia ter uma resposta; e tendo feito assim, lava suas mãos e vai embora. Tão típico que é a filosofia pura partir antes de a festa começar.Um filósofo impuro poderia estar curioso sobre quais, se é que for o caso, dessas formas de responder a QE é a certa. Eu sou um filósofo impuro por esses padrões; talvez por qualquer padrão. Escrúpulos metafilosóficos ao vento, eu proponho, portanto, argumentar [...] que é plausível – que não é irracional acreditar – que o mundo está assim organizado para proibir a proliferação de casos-Twins e casos-Frege; consequentemente que, por tudo que sabemos, as leis da psicologia intencional podem bem ser amplas. Argumentar isso exige que se en-contre algo – algum mecanismo na falta de um milagre – que pudesse servir para manter o conteúdo amplo e o papel computacional em harmo-nia. (FODOR, 1994b, p. 27-28. Grifos nossos).

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O excerto [M.4] é especialmente interessante porque ele resume a questão central desta obra: a estratégia metodológica que a Ques-tão Epônima demanda – e que redunda na organização do capítulo 2 –. A resposta à Questão Epônima é dada a partir de um mecanis-mo engendrado em nível metodológico, como se verá.

M.5 Naturalização do Conteúdo

Esse último trecho fala dos comprometimentos que governam todo o investimento de Fodor na construção de uma semântica na-turalizada. Novamente, tal como em [M.3], defronta-se com uma questão metacientífica, em sentido amplo, e metateórica, em sen-tido restrito. Uma exposição de nível metateórico também pode ser encontrada em [M.6], onde Fodor diz pretender estabelecer um conjunto de condições a priori que uma teoria das atitudes proposi-cionais deveria satisfazer para ver assegurada sua verdade científica.

[U]ma psicologia intencional deve pressupor a naturalização do conte-údo. Os psicólogos não têm direito de defender a existência de esta-dos intencionais a menos que possam fornecer, ou de algum modo, prever, ou de algum modo não prever alguma razão fundamentada por que alguém não pudesse fornecer condições naturalisticamente suficientes para que algo esteja em um estado intencional.Não penso que esta seja especialmente uma questão sobre intencionalida-de; a naturalização, em sentido amplo, é uma restrição geral sobre a onto-logia de toda ciência especial (isto é, não básica). É uma consequência me-todológica de nossa convicção – contingente, sem dúvida, mas, de modo indutivo, extremamente bem confirmada – de que aquilo sobre o que todas as ciências falam é físico (FODOR, 1994b, p. 5. Grifos nossos.).

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M.6 Teoria das Atitudes Proposicionais e Exigências Empíricas

[M.6] não denuncia uma discussão teórica, mas sim uma que se direciona ao estabelecimento das restrições que asseguram os contornos desejáveis da teoria.

Finalmente, apresenta-se a figura do Teórico, voltado para as demandas dos campos de aplicação e para as implicações da expe-rimentação empírica, o que pode ser constatado, de modo ilustrati-vo, nas passagens [T.1], [T.2], [T.3] e [T.4], abaixo:

Alguns filósofos [...] defendem que a filosofia é o que você faz quando um problema ainda não é claro o suficiente para resolvê-lo pela ciência. Outros [...] defendem que, se um problema filosófico sucumbe aos méto-dos empíricos, isso mostra que ele não era realmente filosófico, para co-meçar. De qualquer modo, os fatos parecem claros o suficiente: ques-tões primeiramente levantadas por filósofos são às vezes cooptadas por pessoas que fazem experimentos. Isso parece estar acontecendo agora com a questão: “O que são atitudes proposicionais?” e a psico-logia cognitiva é a ciência por excelência.Uma maneira de elucidar essa situação é examinar as teorias que os psi-cólogos endossam, com um olho para explicar a abordagem das atitudes proposicionais que as teorias pressupõem. Essa foi minha estratégia em Fodor (1975). Neste artigo, entretanto, vou tomar outra direção. Quero delinear um número de condições a priori que, na minha visão, uma te-oria das atitudes proposicionais deveriam encontrar. Argumentarei que, consideradas juntas, essas condições muito claramente demandam um tratamento das APs como relações entre organismos e representações in-ternas; precisamente a visão que os psicólogos têm independentemente alcançado. Portanto, estarei argumentando que temos boas razões para endossar a teoria dos psicólogos mesmo à parte das exigências empíricas que as dirigiram para ela. Eu acho que essa convergência entre o que é plausível a priori e o que é exigido ex post facto é ela própria uma razão para acreditar que a teoria é provavelmente verdadeira (FO-DOR, 1981, p. 177. Grifos nossos).

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NÍVEL TEÓRICOT.2 Teoria Naturalizada do Significado

T.3 Teoria os Processos Mentais

T.4 Teoria das Representações e Resultados Empíricos na Psicologia

Verifique-se que o nível de formulação teórica não é completa-mente destacável do nível metodológico, como de resto este último não o é do nível filosófico. Isso é inevitável para quem aceita o mo-delo hierárquico de construção das teorias científicas.

Procurou-se aqui recortar diferentes domínios de discussão no programa de investigação de Fodor, com o intuito de (a) evidenciar as razões por que o autor se inscreve num debate de natureza re-ticulada; (b) propor um modo de apreciar esse debate a partir das categorias em contraponto. A partir de agora, apresentam-se as duas grandes teorias que constituem dois pilares fundacionais do progra-ma de Fodor: a Teoria Representacional da Mente e a Teoria Com-putacional da Mente, parte dois e três do capítulo, respectivamente.

Quero uma teoria naturalizada do significado; uma teoria que articule, em termos não semânticos e não intencionais, condições suficientes para que um segmento do mundo seja sobre (expresse, represente, ou seja verdadeiro de) um outro segmento (FODOR, 1987, p. 98).

Segundo, há certamente mais de um modo de ler a moral da pesquisa psicológica atual. Eu esboçarei uma teoria sobre processos mentais nes-te livro, e argumentarei que esta teoria é implicada na maioria do que os linguistas e psicólogos cognitivos sensíveis aceitam atualmente [...] (FODOR, 1976, p. ix).

O que devo fazer [...] é me concentrar apenas sobre uma das conclusões que parecem emergir da literatura experimental. [...] Muitos dos resul-tados a serem discutidos derivam da investigação de processos psico-linguísticos. Acho que é muito provável que esses achados possam ser generalizados para outras áreas da psicologia, mas considero isso como uma questão empírica ainda aberta. Será suficiente, para os propósitos deste livro, se eu puder mostrar que há no mínimo alguns tipos de acha-dos psicológicos que restringem a teoria das representações internas que medeiam no mínimo alguns processos (FODOR, 1976, p. 157).

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1.2 A Teoria representacional da mente e a hipótese da linguagem do pensamento

Esta parte do capítulo trata da relação fundamental estabelecida entre uma teoria das representações mentais e a hipótese sobre a existência de uma linguagem interna. Isso porque, segundo Fodor (1987):

[1.01] No coração da teoria [Teoria Representacio-nal da Mente] está a postulação de uma linguagem do pensamento: um conjunto infinito de ‘repre-sentações mentais’ que funcionam como os obje-tos imediatos das atitudes proposicionais como o domínio dos processos mentais (1987, p. 16-17).

Partindo disso, o objetivo aqui é o de caracterizar a linguagem do pensamento, a partir dos argumentos de Fodor para sua postulação. Também serão caracterizadas as atitudes proposicionais.

Para a formulação da hipótese da linguagem do pensamento, Fodor (1976) parte da seguinte premissa:

[1.02] [C]ertos tipos de padrões muito centrais de explanação psicológica pressupõem a disponibili-dade, para o organismos atuante, de algum tipo de sistema representacional (1976, p. 31).

Isso que dizer que no modelo de vida mental que um organismo tem disponível deve haver meios para representar (i) suas opções de comportamento, (ii) as consequências prováveis de agir sobre essas opções e (iii) a situação original em que ele se encontra. Assim, o modelo de decisão do comportamento seria algo como:

(a) O agente encontra-se numa situação S.

(b) O agente “acredita” que um conjunto de opções com-portamentais (B1, B2, ...Bn) está disponível e, dada S, tais opções constituem o que o agente “acredita” que pode fazer.

(c) A consequência provável de realizar cada uma das opções de B1 até Bn estão previstas, de modo que o agente as computa da seguinte forma ‘Se Bi é reali-zada em S, então, com uma certa probabilidade, Ci’.

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As relações causais entre estímulos e respostas, dessa forma, são mediadas, nos organismos, por um sistema de representações inter-nas. Mas, como Fodor salienta, é um equívoco pensar em termos de “o” sistema de representações internas, pois os organismos têm, para análise de eventos ambientais e opções de comportamento, di-ferentes tipos e níveis de representação, os quais são determinados “por uma diversidade de variáveis, incluindo fatores de motivação e atenção e o caráter geral das avaliações desse organismo sobre as demandas características de sua tarefa” (1976, p. 156). De um modo geral, a resposta de um organismo a um estímulo (input) é determi-nada pelo tipo de representação interna que este organismo atribui a esse estímulo, e essa atribuição depende, por sua vez, do tipo de sistema representacional disponível, nesse organismo, para a media-ção dos processos cognitivos. Em suma, a representação interna de um estímulo depende (i) da natureza do estímulo, (ii) da natureza do sistema representacional e (iii) das demandas da situação ou das atuações do organismo.1

Nessa linha de pensamento, o processo de decisão do organismo deve ser computacional, de modo que:

[1.03] a ação que o agente realiza é a consequência de computações definidas sobre representações de ações possíveis. Se não há representações, não há computações. Se não há computação, não há mo-delo (1976, p. 31).

O comportamento seria, por consequência, resultado de computação, e esta, por sua vez, pressupõe um medium, um sistema de representações ou linguagem do pensamento.2 As rotinas compu-tacionais que constituem o repertório cognitivo dos organismos são, portanto, definidas apenas por fórmulas na linguagem interna. A lin-guagem do pensamento torna-se, então, uma pré-condição para uma teoria em psicologia cognitiva.3 Fodor (1976) sustenta que:

(i) Os únicos modelos de processos psicológicos que pare-cem remotamente plausíveis representam tais proces-sos como computacionais.

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(ii) A computação pressupõe um medium de computação: um sistema representacional.

(iii) Teorias remotamente plausíveis são melhores que ne-nhuma teoria.

(iv) Está provisoriamente comprometido com a atribuição de um sistema representacional aos organismos, em que ‘provisoriamente’ quer dizer comprometido à me-dida que se encontram disponíveis hoje teorias sobre processos cognitivos.

(v) É um objetivo razoável de pesquisa tentar caracterizar o sistema representacional com o qual está provisoria-mente comprometido.

(vi) É uma estratégia de pesquisa razoável tentar inferir essa caracterização dos detalhes das teorias psicológicas, à medida que parece comprová-las.

O ponto central do argumento é que:

[1.04] [A] representação pressupõe um medium de representação, e não há simbolização sem sím-bolos. Em particular, não há representação interna sem uma linguagem interna (1976, p. 55).

Para Fodor, essa linguagem interna não é uma língua natural. Os sistemas representacionais de organismos pré-verbais ou infra-hu-manos certamente não podem ser linguagens naturais. Essa lingua-gem representacional dos organismos não é aquela que para alguns funciona como veículo de comunicação. Assim sendo, argumenta Fodor, estender a psicologia humana para espécies infra-humanas resulta num comprometimento com processos cognitivos mediados por sistemas representacionais que não são linguagens naturais. Fo-dor supõe que haja homogeneidades entre capacidades mentais de organismos infraverbais e de seres humanos, de modo que a psico-logia daqueles organismos deve ser, por hipótese, homogênea à dos humanos.

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Tal linguagem, entretanto, compartilha várias propriedades com as línguas naturais. Uma delas é a produtividade, como se verá mais adiante neste capítulo, considerada como uma idealização não arbi-trária. Assim como os falantes de uma língua têm uma competência que lhes permite produzir e entender uma infinidade de novas sen-tenças, sem treinamento anterior específico, um sistema simbólico representacional interno habilita o organismo a responder a novas estimulações, ou seja, habilita-o “a calcular as opções comportamen-tais apropriadas para um tipo de situação em que ele nunca se encon-trou antes” (1976, p. 31-32).

Na verdade, a própria aquisição de uma língua natural deveria ter como pré-condição a linguagem do pensamento. Segundo Fodor,

[1.05] [A]prender uma primeira língua envol-ve construir gramáticas consonantes com algum sistema inatamente especificado de universais da linguagem e testar aquelas gramáticas contra um corpus de enunciados observados em alguma or-dem fixada por uma métrica de simplicidade inata. E, é claro, deve haver uma linguagem em que os universais, as gramáticas candidatas, e os enuncia-dos observados são representados. E, é claro, esta linguagem não pode ser uma linguagem natural, visto que, por hipótese, é sua primeira língua que a criança está aprendendo” (1976, p. 58).

Ou seja, segundo [1.05], não se pode aprender uma língua a me-nos que já se saiba uma. A linguagem do pensamento não é apren-dida, mas é conhecida. Assim sendo, ela é inata, estando disponível como sendo o veículo de processos cognitivos.4

Fodor hipotetiza, entretanto, que a linguagem do pensamento pode ser como a linguagem natural: pode ser que os recursos do có-digo interno estejam diretamente representados nos recursos dos có-digos que se utilizam para a comunicação. Afirma que essa hipótese talvez pudesse participar de uma explicação de por que as línguas naturais são tão facilmente aprendidas e as sentenças, compreendi-das. Ou seja:

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[1.06] [A]s línguas que somos capazes de apren-der não são muito diferentes da linguagem que inatamente conhecemos, e as sentenças que somos capazes de compreender não são muito diferentes das fórmulas que internamente as representam (1976, p. 156).

Outra característica é a de que as fórmulas do sistema representa-cional exibem propriedades semânticas relativas à sua capacidade de representar a realidade e estados de coisas possíveis. Essas proprie-dades envolvem, portanto, verdade e referência.5 Quando se aprende o que um predicado em língua natural significa, sua extensão é repre-sentada na linguagem do pensamento. Fodor descreve esse procedi-mento de modo idealizado:

(i) os sistemas computacionais têm no mínimo duas lin-guagens diferentes: (a) uma linguagem de input /ou-tput através da qual é possível a comunicação com o ambiente e (b) uma linguagem da máquina através da qual são executadas as computações;

(ii) há compiladores que fazem a mediação entre as duas linguagens, especificando bicondicionais, em cujo lado esquerdo está uma fórmula no código de input /output e em cujo lado direito está uma fórmula da linguagem da máquina, os quais são representações de condições-de-verdade para fórmulas na linguagem de input/ output;

(iii) a habilidade da máquina para usar esta linguagem de-pende da disponibilidade dessas definições;

(iv) embora a máquina deva ter um compilador para usar a linguagem de input /output, ela não tem um compi-lador para a linguagem da máquina, pois a máquina é construída para usar essa linguagem;

(v) assim, a linguagem da máquina difere da linguagem de input/output porque suas fórmulas correspondem diretamente aos estados físicos e operações da máqui-na computacionalmente relevantes, de modo que a fí-sica da máquina garante que as sequências de estados

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e operações respeitem as restrições semânticas sobre as fórmulas em seu código interno;

(vi) a fortiori, a definição de verdade para a linguagem da máquina é dada pelos princípios de engenharia que garantem esta correspondência.

Desse modo, segundo Fodor:

[1.07] A propriedade crítica da linguagem-da--máquina de computadores é que suas fórmulas podem ser correlacionadas diretamente com os estados físicos computacionalmente relevantes da máquina, de tal forma que as operações que a má-quina realiza respeitem as restrições semânticas sobre fórmulas no código da máquina. Tokens de estados da máquina são, nesse sentido, interpretá-veis como tokens de fórmulas. Tal correspondên-cia pode também ser efetuada entre estados físicos da máquina e fórmulas do código de input/output, mas apenas se traduzidas primeiro numa lingua-gem da máquina. Isso expressa o sentido em que as máquinas são ‘construídas para usar’ sua lin-guagem da máquina e não são ‘construídas para usar’ seus códigos de input/output (1976, p. 67).

Nesse sentido, aprender uma língua natural como o Português envolveria aprender, por exemplo, o predicado ‘é um cão’ a partir de uma regra-de-verdade do tipo ‘y é um cão’ é verdadeiro sse x é G, sem que seja exigido aprender ‘y é G’, pois essa é a linguagem da máquina.

Acrescente-se, ampliando-se o que já foi anunciado antes, que há tipos e níveis de representação. Observa-se que mesmo uma sen-tença de uma língua natural possui níveis de descrição estrutural, atribuídos por uma dada gramática. O que um enunciado comunica é determinado por essas descrições estruturais e por convenções da língua. O próprio reconhecimento de um enunciado, afirma Fodor (1976), envolve atribuir a ele uma série de representações cada vez mais abstratas, correspondentes a cada nível de descrição da gramá-tica. A produção de um enunciado, por sua vez, envolve representar

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o comportamento pretendido numa ordem decrescente de abstração até chegar-se à matriz fonética do enunciado. Assim sendo, “a” repre-sentação de um enunciado é, na verdade, algo bastante heterogêneo:

[1.08] É, de fato, a soma lógica de representações extraídas de um número de diferentes sublingua-gens da linguagem interna. É uma questão empíri-ca o que estas sublinguagens têm em comum, se é que têm algo em comum (1976, p. 159).

E mais, na medida em que os seres humanos adultos utilizam estratégias de processamento, dirigidas por propósitos específicos, há um cálculo de como as representações internas podem ser em-pregadas. Esse cálculo é definido sobre representações, ou seja, trata-se de representações de representações. Desse modo,

[1.09] [a]lgumas propriedades da linguagem do pensamento devem estar, em suma, representadas na linguagem do pensamento, visto que a habili-dade para representar representações é, presumi-velmente, condição da habilidade para manipular racionalmente representações (1976, p. 172).

Para Fodor (1987), as atitudes proposicionais estão entre as enti-dades ontológicas de sua Teoria Representacional da Mente, seguin-do, portanto, em nível científico, a psicologia folk, do senso comum, também chamada a psicologia da crença/desejo. Fodor (1976) afirma que a psicologia cognitiva contemporânea ainda é bastante conserva-dora com relação à tradição do senso comum. Com uma linguagem metafórica, ele diz:

[1.10] Sem dúvida, a flora e a fauna da psicologia têm proliferado amplamente e processos mentais surpreendentes são postulados a torto e a direito. Apesar disso, no coração desse quadro, o expli-candum fundamental é o organismo e suas atitu-des proposicionais: o que ele acredita, o que ele aprende, o que ele quer e teme, o que ele percebe ser o caso (1976, p. 198).

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Fodor, entretanto, estabelece algumas condições para que se en-dosse uma psicologia do senso comum para as atitudes, são elas:

Q 1.1 Condições para Endosso de uma Psicologia do Senso Comum

Quanto à avaliação semântica (i), entenda-se que, para Fodor, o conteúdo de um estado psicológico é a relação desse estado com o mundo, de modo que a avaliação semântica, em termos gerais, diz respeito a essa relação. Ou seja:

[1.11] Dizer de uma crença que ela é verdadeira (/falsa) é avaliar esta crença em termos de sua relação com o mundo. Chamarei tais avaliações de ‘semânti-cas’ (1987, p. 11).

Quanto à força causal (ii), a psicologia do senso comum de Fo-dor – realista quanto às atitudes proposicionais – compromete-se com a causação em diferentes planos, especificamente:

Q 1.2 Força Causal dos Estados Mentais

Havendo algum paralelismo entre conteúdo e relações causais, Fodor coloca-se, de modo consciente, um dos principais problemas teóricos e metodológicos de sua proposta:

(i) Os estados e eventos mentais devem ser semanticamente avaliáveis.

(ii) Os estados e eventos mentais devem ter força causal.

(iii) As generalizações implícitas da psicologia da crença/desejo do senso comum devem ser verdadeiras sobre esses estados ou eventos.

(a) causação do comportamento por estados mentais:EM → Co

(b) causação de estados mentais por inputs ambientais (estimulação pro-ximal)

IA → EM(c) causação de estados mentais por outros estados mentais:

EM → EM

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[1.12] Que tipo de mecanismo teria estados que são tanto semânticos como causalmente conectados, tal que as conexões causais respeitassem as conexões semânticas? É a intratabilidade de tais questões que leva muitos filósofos a não terem esperança com a psicologia do senso comum (1987, p. 14).

Quanto à preservação das generalizações, Fodor afirma que uma psicologia explícita da crença/desejo deve fornecer explanações so-bre o comportamento na base do conteúdo dos estados mentais que subsumem.

A Teoria das Representações Mentais de Fodor, como ele próprio afirma, é a conexão de duas teses:

Q 1.3 Natureza das Teses da Teoria das Representações Mentais

Com relação às atitudes proposicionais (Tese 1), o autor es-clarece que:

[1.13] Acreditar que tal e tal é ter um símbolo mental que significa que tal e tal ocorreu em sua cabeça de uma certa maneira; é ter tal token ‘em sua caixa de crença’ (1987, p. 17).

A expressão ‘caixa de crença’ ou ‘caixa intencional’ é devida a Schiffer, em sua formulação esquemática da linguagem do pen-samento, de acordo com a qual há, em “nossa cabeça”, um certo mecanismo, uma caixa de intenção, que guarda tokens de símbolos mentais (atitudes proposicionais) e que faz computações, as quais resultam em comportamentos. Tais estados mentais estão associados com objetos intencionais e têm papéis causais (são estados funcio-nais). Com relação aos processos mentais (Tese 2), Fodor afirma:

(a) TESE 1: a da natureza das atitudes proposicionais

(b) TESE 2: a da natureza dos processos mentais.

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[1.14] Os processos mentais são sequências cau-sais de ocorrências de representações [...] que expressam as proposições que são os objetos dos pensamentos (1987, p. 17).

Em Fodor, há um estreito paralelismo entre as relações causais entre os estados mentais e as relações semânticas que se estabelecem entre os objetos proposicionais dos estados mentais. Esse paralelis-mo é tratável, sustenta o autor, pela Teoria Computacional da Mente, sintetizada na metáfora do computador, conforme [1.15], e que é tra-tada na segunda parte deste capítulo:

[1.15] O truque é combinar a postulação de repre-sentações mentais com a “metáfora do computa-dor”. Os computadores mostram-nos como co-nectar propriedades semânticas com propriedades causais por símbolos (1987, p. 18).

Alerta-se para o que afirma Fodor (1976), que comprova a afir-mação de Sayre (1987) de que o modelo do computador é mais do que uma metáfora heurística:

[1.16] [O] que se tenta fazer em psicologia cog-nitiva é explicar as atitudes proposicionais do organismo por referência a suas operações com-putacionais (hipotéticas), e que a noção de uma operação computacional está sendo tomada lite-ralmente aqui; ou seja, como uma operação defini-da para fórmulas internas (FODOR, 1976, p. 76).

Mas o que são, afinal, as atitudes proposicionais para Fodor? Uma teoria deve dar conta de dizer o que são, e, para Fodor (1981), uma tal teoria deve, como uma primeira condição, tomar as atitudes como relações de um certo tipo: relações entre organismos e repre-sentações internas. As atitudes proposicionais, então:

[1.17] [S]ão relações entre organismos e fórmulas numa linguagem interna (1981, p. 187).

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Uma segunda condição é a que chama de Condição de Vendler, segundo a qual deve-se explicar o paralelismo sintático-semântico entre verbos de atitudes proposicionais (como ‘acreditar’, ‘querer’, ‘esperar’, ‘lamentar’, etc.) e verbos de dizer (‘asserir’, ‘afirmar’, ‘ar-gumentar’, etc.), com relação à sintaxe de seus objetos-complemen-tos. Isso porque “o objeto da asserção é idêntico ao objeto da crença” (1981, p. 181). Assim, dizem-se paralelas:

(a) Pedro acredita [que chove].(b) Pedro diz [que chove].

Uma terceira condição, chamada de Condição de Frege, deveria dar conta da opacidade das atitudes proposicionais em operações in-ferenciais envolvendo, por exemplo, substituição de idênticos, como entre (c) e (d) abaixo.

(c) Pedro acredita que [cai água lá fora].(d) Pedro acredita que [cai H2O lá fora].

A opacidade da atribuição de atitudes proposicionais é apontada por Pylyshyn (1986) como uma das razões para que as representa-ções estejam codificadas numa linguagem do pensamento.6 Isso quer dizer que, por exemplo, se B acredita que P, então seu comportamen-to depende da forma da expressão de P (de como o estado de coisas está representado), antes que do estado de coisas que P refere. Isso ocorre com (a) e (b) abaixo, onde B pode comprometer-se com (a) e não com (b), embora ‘Fodor’ e o ‘ex-marido de Janet’ possam referir a mesma pessoa:

(a) B acredita que Fodor é um filósofo das Ciências Cognitivas.(b) B acredita que o ex-marido de Janet é um filósofo das

Ciências Cognitivas.Assim, para esse autor, uma linguagem conceptual, interna, que

chama de “mentalês”, deve ser suposta para uma explanação natural de que “ter uma crença consiste em estocar (numa ‘caixa de crenças ativa’ especial) uma inscrição-token de uma sentença do mentalês” (PYLYSHYN, 1986, p. 195). Desse modo, (a) e (b) são duas senten-ças do mentalês, que distinguem estados internos e comparecem em

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diferentes padrões de inferência e de comportamento. Isso explica, portanto, por que as inferências variam quando a estrutura das cren-ças varia: a aplicação das regras de inferência são sensíveis a essa estrutura. Essa última afirmação nos leva à quarta condição de Fodor para uma teoria das atitudes proposicionais.

A quarta condição é chamada de Condição de Aristóteles, segun-do a qual os objetos das atitudes proposicionais têm forma lógica, de modo que a teoria, racionalmente, construiria os verbos de atitudes proposicionais de uma maneira que permitisse referência à forma de seus objetos.

A última condição é a de que a teoria das atitudes proposicionais seja empiricamente plausível.

Em suma, quando se atribuem atitudes proposicionais aos orga-nismos, torna-se necessária uma explicação sobre como os organis-mos têm atitudes relativamente a proposições. A posição de Fodor, como se viu em [1.17], é a de que ter uma atitude proposicional é estar numa certa relação com uma representação interna, de modo que um estado mental pode ser descrito como relações entre orga-nismos e representações mentais. Estados mentais causalmente inter--relacionados sucedem-se a partir de princípios computacionais que se aplicam a representações mentais.

Convém agora que se fale de modo mais específico sobre os objetos das atitudes. Para Fodor, os objetos das atitudes proposi-cionais são entidades “como-sentenças”, estruturas da linguagem do pensamento, não sentenças das línguas naturais. Essa ressalva é importante, embora em alguma medida redundante a partir do que é afirmado em [1.04], [1.05] e [1.06], porque, não sendo assim, como posicionar-se com relação a organismos infraverbais ou aprendizes de primeira língua? Como afirma Fodor:

[1.18] A solução recomendada é, portanto, tomar os objetos das atitudes proposicionais como sen-tenças de uma linguagem não natural; de fato, fórmulas num Sistema Representacional Interno (1981, p. 194).

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Os objetos das atitudes não seriam proposições, pois, segundo Fodor:

[1.19] O problema com as proposições é que elas são os tipos de coisas que não têm [...] formas. As proposições neutralizam as diferenças léxico--sintáticas entre várias formas de dizer a mesma coisa[...]. Isto é o que significa falar de uma psi-cologia computacional. Princípios computacionais são aqueles que se aplicam em virtude da forma das entidades em seu domínio (1981, p. 201).

Fodor (1987), realimentando a hipótese da linguagem do pen-samento, afirma que tokens de atitudes proposicionais são relações com tokens de símbolos. Os símbolos têm conteúdo intencional e seus tokens são físicos, e, qua físicos, eles têm papéis causais. E, ainda, os objetos de estados intencionais são compósitos cujos ele-mentos são conceitos e proposições.7

Para o autor, o que faz a Tese da Linguagem do Pensamento algo mais do que um mero Realismo Intencional é a suposição de que “os estados mentais – e não apenas seus objetos intencionais – tipica-mente têm estrutura constituinte” (p. 136). Desse modo, crer e dese-jar são estados mentais estruturados. Especificamente, um Realista Intencional admite que (a) há estados mentais aos quais se associam objetos intencionais, e que (b) esses estados mentais têm papéis cau-sais. Todavia, o Realismo Intencional da Linguagem do Pensamento é, para além disso:

[1.20] a ideia de que esses estados mentais, que têm conteúdo, também têm estrutura sintática – estrutura constituinte em particular – que é apropriada para o conteúdo que eles têm (1987, p. 137).

Consequentemente, o que se coloca na caixa intencional são fór-mulas de estrutura composicional. Em outras palavras, tais fórmu-las semanticamente avaliáveis contêm subfórmulas semanticamente avaliáveis como constituintes. Assim:

(i) algumas fórmulas mentais têm partes; e

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(ii) as partes são transportáveis para a composição de ou-tras fórmulas mentais, como é no caso em que o ‘P’, que expressa a proposição P, na fórmula é um token do mesmo tipo que o ‘P’ que expressa a proposição P na fórmula ‘P&Q’.

Para Fodor, se o Realismo Intencional for considerado verdadei-ro, a discussão não se estabelece sobre o fato de se os estados mentais têm uma semântica, mas sobre o fato de eles terem ou não uma sinta-xe. Tal sintaxe leva à possibilidade de uma semântica combinatorial, ou seja, leva:

[1.21] ao tipo de semântica em que há expressões relativamente complexas cujo conteúdo é determi-nado, de uma forma regular, pelo conteúdo de suas partes relativamente simples (1987, p. 138).

Inscreve-se nesse contexto a tese funcionalista de Fodor, que será tratada na parte dois deste capítulo, à medida que ele admite que “os estados mentais são individualizados, pelo menos em parte, por referência a suas forças causais” (1987, p. 138). Esses estados têm uma estrutura interna e constituem uma linguagem, de modo que:

[1.22] a estrutura sintática dos estados mentais es-pelha as relações semânticas entre os objetos in-tencionais (1987, p. 138).

A relação entre estados mentais é estabelecida, então, através de sua constituência, que é o ponto nodal da Linguagem do Pensamen-to, conforme abaixo:

[1.23] Se as atitudes proposicionais têm estrutura interna, então precisamos reconhecer a constitu-ência – assim como conectividade causal – como uma relação fundamental entre estados mentais (1987, p. 139).

Há quatro argumentos, segundo ele, para acreditar que os estados cognitivos e não apenas seus objetos intencionais (proposições) têm estrutura constituinte: o argumento metodológico, o argumento dos processos cognitivos, o da produtividade e o da sistematicidade.

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I. Argumento metodológico:

A ideia central do argumento metodológico é a de que se deve preferir teorias que minimizem acidentes: as teorias são valorizadas pelas generalizações que elas articulam. Fodor salienta que o que está em questão “é a complexidade de eventos mentais e não mera-mente a complexidade das proposições que são seus objetos inten-cionais” (1987, p. 142). As propriedades de estados mentais são ipso facto não etiológicas.

O comportamento muitas vezes exibe estrutura constituinte, como é o caso paradigmático do comportamento verbal, visto que as formas verbais são articuladas a partir de elementos recorrentes. Embora os psicólogos distingam entre comportamentos segmentais e sinergéticos (elementos comportamentais fundidos uns aos outros), Fodor lembra que nem todos comportamentos são deste último tipo. Na verdade, o comportamento é em geral segmentado e, portanto, deve-se preferir uma teoria em que as causas do comportamento são complexas.

II. Argumento sobre os processos psicológicos:

Para Fodor, as representações mentais exercem duas funções nas teorias que as empregam: (a) elas fornecem uma notação canônica para especificar os conteúdos intencionais de estados mentais; (b) os símbolos mentais constituem domínios sobre os quais os processos mentais são definidos. Se um processo mental é, extensionalmente falando, uma sequência de estados mentais, especificados com refe-rência a seus conteúdos intencionais, então:

[1.24] [A]s representações mentais fornecem um me-canismo para a construção dessas sequências [de es-tados mentais]; elas lhe permitem passar, de um modo mecânico, de um estado para o próximo realizando operações sobre representações (1987, p. 145).

Nesse sentido, o mecanismo de transição de estados mentais tem natureza computacional. Se as teorias psicológicas têm compromis-sos ontológicos oriundos do modo como abordam estados mentais e processos mentais, então:

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[1.25] a abordagem computacional dos processos mentais pareceria estar imprescindivelmente com-prometida com representações mentais constru-ídas como objetos estruturados (1987, p. 146-7).

Para Fodor, em suma, “o custo de não se ter uma Linguagem do Pensamento é não se ter uma teoria do pensamento” (1987, p. 147).

III. Argumento da produtividade

O fenômeno da produtividade está ligado à propriedade de os sistemas simbólicos poderem expressar um conjunto infinito de pro-posições; ou, em outras palavras, a produtividade refere-se à capaci-dade de se gerar um novo pensamento ou uma nova sentença além daqueles já presentes num dado corpus. Esse argumento é direta-mente apresentado na seguinte passagem:

[1.26] O argumento clássico de que estados men-tais são complexos refere-se à produtividade das atitudes. Há um conjunto (potencialmente) infinito de – por exemplo – estados de crenças-type, cada qual com seu objeto intencional distinto e seu pa-pel causal distinto. Isso é diretamente explicável sob a suposição de que estados de crença têm es-trutura combinatorial; que eles são de algum modo construídos a partir de elementos, e que o objeto intencional e o papel causal de cada estado depen-de de quais elementos ele contém e como eles são combinados (1987, p. 147).

A Linguagem do Pensamento é um paradigma desse tipo de ex-planação, visto que assume objetos em relações sintaticamente estru-turadas para os quais se assume uma semântica combinatorial.

Para o autor, ressalte-se, a pressuposição de que as capacidades mentais são produtivas é uma idealização científica. Quanto a isso esclarece que, por um lado, a idealização científica é apropriada se ela eventualmente conduz à construção de teorias que são indepen-dentemente bem confirmadas; por outro lado, é possível, obviamente,

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não apelar para idealizações, que são, com frequência, vistas como tendenciosas. O argumento de Fodor é simples:

Q 1.4 Produtividade e Semântica Combinatorial

O argumento da produtividade está diretamente ligado ao próxi-mo argumento, o da sistematicidade.

IV. Argumento da sistematicidade

Parte-se aqui da ideia de que as habilidades são sistemáticas, no sentido de que a capacidade de produzir e compreender algu-mas sentenças está intrinsecamente conectada com a capacidade de produzir e compreender muitas outras sentenças. Tanto a sistema-ticidade como a produtividade são propriedades de sentenças, não de palavras. Necessariamente, produtividade e sistematicidade são interdependentes, ou seja, se são postulados mecanismos adequa-dos para abordar uma, então, obtém-se a outra automaticamente, garante Fodor.

O fenômeno da sistematicidade, portanto, refere-se ao fato de que a habilidade para expressar/entender algumas proposições está intrinsecamente conectada com a habilidade de expressar/entender outras proposições; ou seja, refere-se ao fato de que qualquer lin-guagem que pode codificar certas sentenças poderá codificar uma série de sentenças relacionadas. Assim sendo, se A pode enunciar João ama Maria, A pode enunciar Maria ama João. Sentenças que estão sistematicamente relacionadas são compostas dos mes-mos constituintes sintáticos, ou, em outros termos, o pensamento de que bRa é constituído dos mesmos conceitos que o pensamento aRb, em que ‘a’ e ‘b’ representam notacionalmente argumentos, e ‘R’ um predicado.

Sobre a composicionalidade, Fodor e Lepore (1994b) afirmam:

P1: se a capacidade linguística tem uma certa propriedade (isto é, entender e produzir sentenças), dado o fato de as línguas naturais possuírem uma semântica combinatorial; e

P2: se o pensamento tem também essa capacidade,

C: então o pensamento também deve ter uma semântica combinatorial.

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[1.27] Uma linguagem é composicional [...] se o significado de suas expressões sintaticamente com-plexas for uma função de suas estruturas sintáticas mais os significados de seus constituintes sintáti-cos. Para os presentes propósitos, uma linguagem é composicional se o significado de suas sentenças é uma função de suas descrições estruturais sintáticas mais os significados de seus constituintes lexicais. Consideramos a doutrina de que as línguas naturais são composicionais, como se diz na Inglaterra, não negociável (FODOR; LEPORE, 1994b, p. 146).

Fodor e Pylyshyn (1988) sustentam que sistemas simbólicos dão conta da produtividade e sistematicidade da linguagem, porque fa-zem uso de uma sintaxe composicional das representações internas, e porque o significado das estruturas compostas é construído a partir dos componentes de acordo com aquelas regras sintáticas. E ainda, conforme Fodor e McLaughlin (1990), a composicionalidade forne-ce uma explicação para a sistematicidade: o conteúdo dos pensamen-tos é determinado, de um modo uniforme, pelo conteúdo dos concei-tos, independentemente de contexto, que são seus constituintes.

Para Pylyshyn (1986), com cujas propostas Fodor tem fortes convergências, estar em um dado estado representacional é ter, em alguma parte da memória, uma dada expressão simbólica, que co-difica a interpretação semântica. A estrutura combinatorial dessa expressão, por sua vez, “codifica a relação entre os conteúdos e as subexpressões, como no sistema combinatorial do cálculo de pre-dicados” (p. 29).

Em grande parte das teorias linguísticas de fundamento cognitivo, a composicionalidade sistemática é considerada como uma proprie-dade do pensamento, do sistema de representações mentais central, assim como de qualquer ato de comunicação.8 Conforme Fodor e Lepore (1992), o princípio de composicionalidade:

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[1.28] vigora para as línguas naturais como o in-glês e também aplica-se a qualquer que seja o sis-tema de representação que uma psicologia compu-tacional possa postular para fornecer o veículo do pensamento (FODOR; LEPORE, 1992, p. 175).

Desse modo, a produtividade/criatividade dos sistemas simbóli-cos estaria na base das línguas naturais e do código de representação interno. Tal é a hipótese do isomorfismo: havendo composicionali-dade nas linguagens naturais, haveria composicionalidade de repre-sentações mentais. Ou, em outras palavras:

[1.29] [S]e uma sentença S expressa a proposição que P, então os constituintes sintáticos de S ex-pressam os constituintes de P (FODOR; LEPORE, 1992, p. 259).

O isomorfismo seria, então, um traço universal tanto do pensa-mento como de sentenças. Todavia, os autores advertem:

[1.30] Pode ser que a composicionalidade da lin-guagem seja derivada da composicionalidade do pensamento ou vice-versa. Sobre essa questão também nos propomos a permanecer neutros. Mas nós entendemos como certo que, o que quer que o sistema de representações exiba, a intencionalida-de não derivada deve ser composicional (FODOR; LEPORE, 1992, p. 242, n. 19).

Em suma, produtividade, sistematicidade e isomorfismo são ex-plicáveis com base na suposição de que as representações linguísti-cas ou mentais são composicionais.9 Desse modo:

[1.31] [A]s três generalizações sobre as línguas natu-rais – produtividade, sistematicidade e isomorfismo – estão conectadas e são explicadas a partir da supo-sição da composicionalidade. Elas são todas conse-quências do princípio de que o significado de uma sentença é composto dos significados de suas partes (FODOR; LEPORE, 1994b, p. 146).

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Em Ciência Cognitiva, e especificamente em algum ramos da In-teligência Artificial, postula-se a existência de estados mentais repre-sentacionais (FODOR; PYLYSHYN, 1988). Os modelos teóricos dis-tinguem-se quanto à postulação ou não de estados representacionais simbólicos – estados que têm estrutura sintática e semântica compo-sicional –. O modelo clássico de arquitetura mental defende a exis-tência de tais estados simbólicos, que constituem uma linguagem do pensamento que, como já foi afirmado, viabiliza, como um medium, as operações computacionais. O modelo conexionista10,entretanto, desenvolve sistemas que podem exibir comportamento inteligente sem estocar, reter ou operar com expressões simbólicas estruturadas.

No mecanismo clássico, por exemplo, os objetos aos quais o con-teúdo A&B é imputado, ou seja, ocorrências da expressão ‘A&B’, literalmente contêm como partes objetos aos quais o conteúdo A é imputado. Além disso, a semântica, ou as condições de satisfação da expressão ‘A&B’, é determinada pela semântica de seus constituin-tes. No mecanismo conexionista, o conteúdo é imputado ao objeto por uma relação causal (uma relação primitiva), sem uma relação de constituência estrutural, do tipo parte-todo, como abaixo:

(1)A & Bl m

(2) (3)A B

A estrutura gráfica mostra a ativação de três nódulos, neurologi-camente distribuídos.11 O nódulo (1) afeta causalmente estados dos nódulos (2) e (3), mas não é o caso de que (1) e (2) estejam grama-ticalmente relacionados a (3). O rótulo A&B do nódulo (1) indica o seu conteúdo representacional. Esse rótulo tem estrutura, ou seja, tem sintaxe e semântica combinatorial, mas o nódulo a que esse ró-tulo é atribuído não tem tal estrutura.

A estrutura constituinte existe quando as partes das entidades se-manticamente avaliáveis são elas próprias avaliáveis. Um nódulo é neurologicamente distribuído porque, ao que parece, “seus estados de ativação correspondem a padrões de atividade neural – a grupos de unidades neurais – antes que à ativação de neurônios individuais” (FODOR; PYLYSHYN, 1988, p. 20).

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Para Smolensky (1988), por exemplo, o princípio de composicio-nalidade das arquiteturas clássicas é falso, porque o conteúdo não é invariante no contexto. De modo contrário pensam Fodor e Pylyshyn. Para eles, à medida que uma linguagem é sistemática, um item lexi-cal deve fazer aproximadamente a mesma contribuição para cada expressão em que ele ocorre. Os autores suspeitam que o grau de variação induzido pelo contexto do significado lexical é frequente-mente superestimado, porque outros tipos de sensibilidade ao con-texto são interpretados de modo errado como violação do princípio de composicionalidade.Os autores resumem o princípio de composi-cionalidade da linguagem do pensamento em três itens:

Q 1.5 Princípio da Composicionalidade

A sistematicidade da cognição é, para eles, uma boa razão para postular a estrutura combinatorial nas representações mentais, exa-tamente como ocorre na propriedade de produtividade: sistemas não composicionais não são produtivos.A sistematicidade, para os de-fensores das arquiteturas clássicas, depende crucialmente da ideia de que a representação mental é como a linguagem, ou seja, que as representações mentais têm sintaxe e semântica combinatoriais (FODOR; McLAUGHLIN, 1990). Sendo defensores do isomorfis-mo, os clássicos afirmam que geralmente quando uma fórmula com-pleta S expressa a proposição P, os constituintes de S expressam (ou referem) os elementos de P. Não importa quais sejam as suposições metafísicas sobre os elementos da proposição, se indivíduos mes-mo ou conceitos individuais, o que importa é que há, neste modelo, uma estrutura interna nas representações mentais, que corresponde à estrutura interna da proposição que elas expressam. Em outras pala-vras, “os processos mentais são sensíveis à estrutura constituinte das

(i) há uma distinção entre representações estruturalmente atômicas e es-truturalmente moleculares;

(ii) as representações estruturalmente moleculares têm constituintes sintá-ticos que são eles próprios ou estruturalmente moleculares ou estrutu-ralmente atômicos;

(iii) o conteúdo semântico de uma representação molecular é uma função dos conteúdos semânticos se suas partes sintáticas juntamente com sua estrutura constituinte – estruturas simbólicas –.

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representações mentais” (FODOR; McLAUGHLIN, 1990, p. 188). A sistematicidade, na abordagem clássica, é nomologicamente ne-cessária, pois “ela expressa uma lei psicológica que subsume todas as mentes sistemáticas” (p. 188).12

Indo adiante, se for o caso de os conexionistas aceitarem a sis-tematicidade, só haveria duas alternativas: (a) ou ela deve ser expli-cada sem composicionalidade, (b) ou eles devem aceitar a compo-sicionalidade. A resposta dos conexionistas a isso é variada. Alguns questionam a noção de composicionalidade, estabelecendo para ela algo como graus de composicionalidade (fraca ou forte), como Smo-lensky (1988), ou tipologias/estilos de composicionalidade (conca-tenativa ou funcional), como Van Gelder (1990). Para Van Gelder, por exemplo, há diferentes formas de mostrar como um item é cons-truído a partir de suas partes, e mesmo as noções de ‘parte’ e ‘cons-tituinte’ podem ser diferentemente entendidas.13 Van Gelder afirma que pelo método recursivo da composicionalidade são necessários três tipos de especificações: (a) regras recursivas que especificam que expressões-type são necessárias na linguagem; (b) um conjunto de regras que realize essa tarefa como uma gramática; (c) princípios recursivos que digam como as expressões do esquema são instancia-dos. Dessa forma, o modo de combinação relaciona tokens primiti-vos a tokens de expressões compostas. Disso resulta que os estilos de composicionalidade variam à medida que variam os modos de combinação. Van Gelder destaca os seguintes estilos de composi-cionalidade: a concatenativa e a funcional. Na composicionalidade concatenativa, os tokens constituintes estão literalmente presentes ou contidos na expressão. Este é o modelo das teorias clássicas. Na composicionalidade funcional, os tokens constituintes não são pre-servados nas expressões em si mesmas, mas existem formas de obter esses constituintes14. Conforme afirma o autor, tudo o que é reque-rido de um modo de combinação é que tenha métodos sistemáticos para gerar tokens de expressões componentes, dados seus constituin-tes, e decompô-los de volta a esses constituintes 15.

De qualquer modo, sobre como formular a composicionalidade, vale, para o presente propósito da exposição, o que Fodor e Lepore (1992) afirmam:

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[1.32] Discussões recentes, tanto em filosofia como em ciência cognitiva, têm ocasionalmente questionado se a exigência de composicionalidade pode realmente ser imposta [...] e, é claro, isto de-penderá muito de exatamente como o princípio de composicionalidade é formulado. Não queremos tomar uma posição sobre detalhes, mas parece-nos que há propriedades tanto da linguagem natural como do pensamento humano que sugerem forte-mente que alguma forma de composicionalidade vige para as representações linguística e mental (FODOR; LEPORE, 1992, p. 175).

Há, ainda, uma questão importante a ser analisada com relação às propriedades semânticas das representações mentais e que está fortemente conectada a sua composicionalidade: a analiticidade. O primeiro passo é levar em consideração que Fodor defende pro-priedades semânticas atomísticas para aos símbolos mentais. Esta posição é oposta ao anatomismo e ao holismo semântico 16. Atomis-mo, anatomismo e holismo semântico são assim definidos por Fo-dor e Lepore (1992):

Q 1.6 Atomismo Semântico

Q 1.7 Versões do Anatomismo

ATOMISMO SEMÂNTICOO significado de uma expressão depende de alguma relação símbolo/mun-do pontual, uma relação que uma coisa poderia manter com o mundo mes-mo se nada mais mantivesse (p. 260-261).

ANATOMISMOVersão Forte

[H]á proposições outras que P, tais que você não pode acreditar em P a menos que você acredite nelas (p. 261).

Versão Fraca[V]ocê não pode acreditar em P a menos que haja proposições outras que P em que você acredita (p. 261).

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Q 1.8 Holismo Semântico

O atomismo é o caso quando se afirma que as expressões têm significado independente-de-contexto. O ponto central, neste mo-mento da exposição, é que a discussão sobre se as propriedades se-mânticas são atomísticas ou holísticas leva à necessidade de retomar o problema da distinção analítico/sintético.17 Para Fodor e Lepore (1992, 1994b), há uma conexão intrínseca entre composicionalidade e analiticidade – a composicionalidade acarreta a analiticidade – e, no nível inferencial, elas chegam a ser a mesma coisa. Todavia, os autores concordam com a posição de Quine quanto à distinção ana-lítico/sintético. Isso poderia parecer um paradoxo, mas não é o caso, porque segundo eles:

[1.33] A composicionalidade licencia analiticidades estruturalmente governadas da variedade ‘vaca mar-rom’. Mas as analiticidades com que Quine está pre-ocupado são governadas lexicalmente, aquelas va-riedades como ‘vaca → animal’ (1992, p. 244-245).

A composicionalidade subsume, portanto, inferências do tipo (a):(a) gato cinza → cinza

Mas não subsume inferências do tipo (b) e (c):(b) gato cinza → felino(c) gato cinza → amistoso

Veja-se que (a) é uma inferência sintaticamente analítica, enquanto (b) é uma inferência lexicalmente analítica, e (c) uma inferência, talvez, sintética. Além disso, como já se viu, Fodor não admite decomposicio-nalidade semântica no nível lexical (Veja-se [I.21], por exemplo). Em (a) tem-se uma relação entre constituintes sintáticos, enquanto que em (b) tem-se uma relação entre constituintes no nível lexical.

HOLISMO SEMÂNTICO[É] a tese de que propriedades como ter conteúdo são holísticas no sentido de que nenhuma expressão na linguagem pode tê-las a menos que muitas outras expressões não sinônimas nesta linguagem as tenham também (p. 5). É a doutrina de que não pode haver linguagens pontuais (p. 258).

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Como Fodor (1987) afirma, a discussão sobre o holismo do signi-ficado é uma questão ligada à Filosofia da Linguagem e à Filosofia da Mente. Essa concepção de significado tem uma ligação histórica com a noção de significado restrito, a ser tratada na primeira parte do capítulo 2, à medida que está se falando de critérios (ou possibilida-des) de individualização de estados mentais. Como se verá, a noção fodoriana de significado restrito preserva a superveniência, individu-alizando os estados mentais através de propriedades intrínsecas da mente do agente cognitivo (estados cerebrais/mecanismo implemen-tador). O holismo semântico trata as relações entre estados mentais de forma bastante diversa. O quadro mais fundamental do holismo semântico pode ser resumido da seguinte forma:

Q 1. 9 Holismo Semântico e Conexões Epistêmicas

O ponto crítico dessa concepção, para o autor, é que as pesso-as diferem bastante sobre a estimativa de relevância epistêmica e, assim, seguem-se problemas para a psicologia intencional. Diz ele:

[1.34] se seguirmos o Holismo Semântico e indi-vidualizarmos os estados intencionais pela totali-dade de suas conexões epistêmicas, verificar-se-á, de fato, que duas pessoas (para o que interessa, nenhum recorte temporal da mesma pessoa) nunca estão no mesmo estado intencional (exceto, talvez, por acidente). Assim, duas pessoas nunca cairão sob as mesmas generalizações intencionais. As-sim, as generalizações intencionais, na verdade, não serão bem-sucedidas em generalizar. Conse-quentemente, não há esperanças para a psicologia intencional (FODOR, 1987, p. 57).

(i) Se o valor semântico de P é relevante para a avaliação semântica de Q, diz-se que P é uma conexão epistêmica de Q, no sentido psicológico: o que o agente cognitivo supõe como dependências entre os valores semânticos.

(ii) O holismo do significado é a ideia de que a identidade do conteúdo intencional de uma atitude proposicional é determinada pela totalidade de suas conexões epistêmicas.

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Segundo Fodor, o holismo semântico tem sido estabelecido, em Filosofia, de três formas:

(i) Epistemologia: no holismo da confirmação.(ii) Filosofia da Mente: no psicofuncionalismo.

(iii) Filosofia da Linguagem: na teoria do significado do papel funcional.

Cada uma dessas versões, de alguma forma, tenta estabelecer o Passo 1 do que Fodor chama de Argumento-Ur do Holismo do Significado, qual seja:

Q.1.10 Argumento-Ur do Holismo do Significado (FODOR, 1987, p. 60)

O holismo da confirmação, situado (a partir de Quine) na questão da avaliação semântica das teorias, leva, de acordo com Fodor, a um tratamento holístico da semântica, no sentido de que, sem esforço, parte-se

[1.35] da doutrina de que o sistema de crenças é a unidade mínima de confirmação para a doutrina de que o sistema de crenças é a unidade mínima do conteúdo intencional (FODOR, 1987, p. 63).

Um dos problemas no caso do holismo da confirmação é que ele é utilizado como um argumento para o holismo semântico, o que, para fodor, revela, no mínimo, uma circularidade:

Passo 1:Argumenta que no mínimo algumas das conexões epistêmicas de uma crença determinam seu conteúdo intencional.

Passo 2:Conduz um argumento “enviesado escorregadio” [slippery slope] para mostrar que não há um modo fundamentado de decidir sobre qual das co-nexões epistêmicas de uma crença determinam seu conteúdo intencional. Consequentemente, ou nenhuma determina ou todas determinam.

Passo 3:Conclui que todas elas determinam (de 1, 2 por modus tollens)

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[1.36] [U]ma inferência do Holismo da Confirma-ção para o Holismo Semântico provoca circula-ridade. Isto porque o Holismo Semântico (ou, de algum modo, a rejeição do localismo semântico [a tese de que as sentenças da teoria estão indi-vidualmente semanticamente conectadas com as sentenças dos dados]) é efetivamente pressuposto pelos argumentos padrão para o Holismo da Con-firmação (FODOR, 1987, p. 64).

Outro problema, antítese do anterior, é que, pela visão quineana, o Holismo da Confirmação não levaria ao Holismo Semântico, mas ao Niilismo Semântico. Em suma:

[1.37] O Holismo Semântico e o Localismo Semântico identificam o conteúdo de uma crença com sua posição num sistema de crenças. Seu desacordo é apenas sobre quanto do sistema conta semanticamente. (Os Localistas defendem que você pode traçar uma linha em torno da parte que conta; os holistas negam que isso seja assim). O Niilismo, ao contrário, dispensa a noção de conteúdo [...], que toma como [...] sendo insolúvel (FODOR, 1987, p. 67).

No psicofuncionalismo, segundo Fodor, os types de eventos men-tais (types psicológicos) são definidos relacionalmente pelas relações causais potenciais e efetivas em que seus tokens comparecem, ou seja:

[1.38] [O] que torna algo um estado de crença são algumas de suas relações causais efetivas ou potenciais com outros particulares mentais, como crenças, percepções, desejos, memórias, ações, in-tenções, e assim por diante (FODOR, 1987, p. 68).

Para Fodor, essas relações causais são conexões epistêmicas, de modo que um estado de crença não necessariamente é definido por um dado conteúdo (versão extrema), isto é, não há individualização pelo conteúdo, mas sim

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[1.39] é uma questão de ter as conexões certas com inputs, outputs e outros estados mentais (FODOR, 1987, p. 69).

Para o autor, nessa fase de suas reflexões, a não individualização pelo conteúdo é problemática, pois a força das generalizações das teorias psicológicas encontra-se, fundamentalmente, em relações de identidade e diferença de conteúdo, ou seja:

[1.40] O psicofuncionalismo implica um modelo de mente como uma rede de relações causais, em que cada nódulo corresponde a um estado mental nomologicamente possível e cada percurso cor-responde a uma relação causal nomologicamen-te possível entre os nódulos que conecta. Nessa notação, o papel funcional de um estado mental é apenas sua localização nessa rede causal, e o problema do holismo é encontrar uma noção de indentidade-type para nódulos que não requeiram a identidade-type das redes inteiras a que perten-cem (FODOR, 1987, p. 77).

Finalmente a teoria dos papéis funcionais. A ideia aqui é a de que o papel funcional de uma crença – conexões causais com suas ligações epistêmicas – estaria entre os determinantes de seu conte-údo. A semântica dos papéis funcionais surge como uma forma de resolver alguns problemas das semânticas denotacionais, como os casos-Frege, conforme se verá no capítulo 2, em que está em jogo:

[1.41] distinguir entre acreditar que a=b e acre-ditar que a=c, mesmo no caso onde tanto ‘b’ e ‘c’ denotem a (FODOR, 1987, p. 74).

No exemplo clássico de Édipo, o que se tem é que ‘casar com Jocasta’ e ‘casar com sua mãe’ tem o mesmo valor-de-verdade e, no caso, seriam “o mesmo pensamento”, mas diferem nas conexões epistêmicas, no sentido, por exemplo, de que ‘incesto não é permi-tido’ é uma conexão epistêmica com um dos estados mentais, mas não com outro.

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Essa questão será retomada no capítulo 2, que trata especifica-mente da evolução da semântica fodoriana. Uma semântica deno-tacional exige a individualização de estados mentais à maneira que Teoria Representacional da Mente, que tem como núcleo a Hipóte-se da Linguagem do Pensamento, sugere: uma estrutura composi-cional que se submeta à analiticidade e que pressupõe propriedades semânticas atomistas para símbolos mentais.

Como se verá, o programa de pesquisa de Fodor (pós-programa gerativista) não incorpora uma proposta de semântica para as lín-guas naturais. O que parece existir é um conjunto de hipóteses que oferecem restrições sobre o tipo de semântica que deveria/poderia ser desenvolvida para as línguas naturais, em vista de um conjunto de hipóteses sobre o modo como as “representações representam”. Fodor (1981) chega a afirmar:

[1.42] [O] que nenhum de nós está fazendo [psi-colinguística, psicologia cognitiva, semântica pro-cedural] [...] é fornecer uma semântica para uma língua natural (ou qualquer outra): uma teoria da linguagem-e-o-mundo. O que estamos todos fa-zendo é realmente um tipo de sintaxe lógica (ape-nas psicologizada): e estamos muito esperançosos de que, quando conseguirmos uma linguagem interna razoável (um formalismo para descrever representações canônicas), alguém muito legal e inteligente aparecerá e nos mostrará como interpe-tá-la; como supri-la com uma semântica (FODOR, 1981, p. 223).

A primeira restrição deriva da Hipótese da Linguagem do Pen-samento. Para Fodor, as representações mentais é que têm pro-priedades semânticas em primeira instância (intencionalidade não derivada ou intrínseca), as atitudes proposicionais herdam suas propriedades semânticas das representações mentais, e as línguas naturais, por sua vez, herdam suas propriedades semânticas das ati-tudes proposicionais, como é afirmado em [I.03].

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Para ele, ambas as semânticas, do mentalês e das línguas naturais, devem ser composicionais e sujeitas ao externalismo das condições de verdade. Mas, ao defender isso, como mostra a passagem abaixo, ele também deixa claro que há fatos semânticos distintos entre a se-mântica do mentalês e das línguas públicas:

[1.43] Observe – e isto é crucial – que essa infi-nidade de expressões do Mentalês não pode ser tratada apenas pela defesa de que M tem uma sintaxe recursiva. O que precisa ser explicado é que (sinonímia à parte) cada uma das expressões sintaticamente distintas de M tem suas condições de verdade distintas. O ponto é não apenas que o que corresponde em M ao Inglês “Vovó tem um gato” tem que ser morfossintaticamente distinto do que corresponde em M ao Inglês “Vovó tem dois gatos”. E também tem que aparecer que cada uma dessas expressões de M morfossintaticamen-te distintas tem uma condição de verdade diferente da outra. E, de um lado, sob pena de circularidade, tem-se que parar no Mentalês; esses fatos sobre os significados de expressões de M não podem ser parasitos de fatos semânticos sobre o Inglês. E, de outro lado, ninguém tem ideia, a menor ideia, de como M poderia ser semanticamente produtiva a menos que tenha uma semântica composicional (FODOR, 1990a, p. 190).

Isso é o que Jackendoff (1992) chama de casamento entre o Re-alismo da semântica das condições de verdade e o Mentalismo da gramática gerativa:

[1.44] isto é, uma teoria unificada de semântica--E e semântica-I, mediada pela relação de inten-cionalidade, que mesmo para Fodor é misteriosa (JACKENDOFF, 1992, p. 30).

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A questão da composicionalidade reveste-se de alguma com-plexidade na sua relação com a intencionalidade não derivada das representações na linguagem do pensamento e a intencionalidade derivada da semântica das línguas naturais, como se viu em [1.30].

Fodor (1976) apresenta já como formalismo para o vocabulário das representações internas os postulados de significado, como re-gras de inferência não padrão, numa posição contrária ao lexicalis-mo de Katz e Fodor (1964), que atribuía estrutura interna às expres-sões. Fodor e Fodor (1980) e Fodor et alii (1980) ampliam essas discussões no âmbito das análises linguísticas e da psicolinguística experimental, respectivamente. A partir desse dispositivo, já caracterizado na Fase 2 de seu roteiro de investigações, Fodor sus-tenta que o vocabulário de superfície das línguas naturais é idêntico ao vocabulário do código interno. Fodor (1983) estabelece que os postulados de significado medeiam inferências pós-compreensão no módulo de input linguístico. Assim, justifica-se seu formato de regra, de caráter computacional. Esse procedimento complica a lógica do sistema, mas o faz em favor da evidência empírica de que os proces-sos de compreensão são tão rápidos que só poderiam ser explicados por tal dispositivo inferencial.

Fodor e Fodor (1980) afirmam que os postulados, entendidos como axiomas, aplicam-se às sentenças semanticamente interpreta-das. São como outras regras de inferência que tomam como input uma estrutura que representa as propriedades semânticas de uma construção e fornece uma outra estrutura semântica como output. Um postulado de significado é, para eles, uma fórmula que é ava-liada em sua verdade e interage com outras fórmulas no curso das derivações lógicas. De qualquer modo, os postulados de significado parecem fazer parte do formalismo (lógico não padrão) necessário para o desenvolvimento de uma semântica para as línguas naturais.

Fodor, Bever e Garrett (1974) especulam sobre algumas das pro-priedades gerais que as teorias semânticas das línguas naturais de-vem ter e, dentre elas, destacam-se as seguintes:

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(i) a sentença deve ser a unidade fundamental de análi-se, e o problema linguagem-mundo traduz-se como o problema de fornecer uma abordagem dos usos-pa-drão de sentenças;

(ii) uma parte da teoria semântica deve ser uma função que estabelece para cada sentença uma representação que formalmente determina os atos de fala que podem realizar de modo padrão, e tal função deve ser defi-nida sobre a forma sintática e o conteúdo lexical da sentença (mas não se sabe como essa função opera ou que tipos de representações formais de sentença ela fornece);

(iii) no caso das asserções (ato de fala paradigmático), a teoria deve estabelecer representações que determi-nem que asserções a sentença faz de modo padrão, e tais representações, em combinação com regras de in-ferência apropriadas, devem determinar formalmente os acarretamentos da sentença;

(iv) as representações que uma teoria semântica estabelece para uma sentença são sensíveis a restrições linguísti-cas – devem ser mecanicamente computáveis dadas as análises sintática e lexical da sentença – e a restrições lógicas – devem fornecer o domínio apropriado para regras de inferência.

Nessa fase, Fodor, Bever e Garrett admitem que pouco sabem sobre as propriedades do sistema semântico que os falantes-ouvinte utilizam e afirmam que:

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[1.45] A parte da construção da teoria que consiste em análises conceptuais é, nesse sentido, metodo-logicamente anterior à parte que considera ques-tões sobre aplicação ou assimilação de conceitos. É muito provável, embora sem dúvida desanima-dor, que o trabalho especificamente psicológico sobre a semântica continue a ser muito inoportuno até que se consiga mais insights teóricos sobre a estrutura da teoria semântica formal além do que está hoje disponível (FODOR; BEVER; GAR-RETT, 1974, p. 272).

As tentativas de fornecer tal estrutura iniciam ainda nessa fase, quando esses autores mencionam a necessidade de regras de signi-ficado numa teoria semântica para as línguas naturais. Essas regras são regras de inferência (a) gerais, que são princípios da lógica; e (b) específicas, que explicam os conteúdos dos item lexicais. Elas mediariam todas as relações semânticas entre formas linguísticas e são mais ricas do que aquelas empregadas nos formalismos lógicos. E dizem mais, em nível de heurística negativa, que qualquer argu-mento que mostre que as interpretações semânticas não podem ser representadas num dado formalismo também mostra algo sobre a adequação desse formalismo como uma teoria do mentalês. Assim, o interesse pelo estudo da estrutura do sistema de representações semânticas vem do interesse de estudar a estrutura da Linguagem do Pensamento.

O Diagrama 1.1 a seguir resume o que se tratou nesta parte do capítulo.

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Diagrama 1.1 – Teoria das Representações Mentais – Plano das Discussões

A próxima parte deste capítulo trata da Teoria Computacional da Mente, dando conta da natureza dos processos mentais sob a ótica de Fodor.

TEORIA REPRESENTACIONAL DA MENTE ATITUDES PRO POSICIONAIS

PROCESSOS MENTAIS

<REALISMO INTENCIONAL><COMPUTACIONAIS>

HIPÓTESE DA LINGUAGEM DO PENSAMENTO

<A computação pressupõe um medium: um sistema representacional>

FUNCIONALISMO individualizaçãoESTADOS MENTAIS

l mCONTEÚDO ESTRUTURA SINTÁTICA

< Semanticamente avaliável > Forças causais< Estados mentais têm força causal > ESTRUTURA COMPOSICIONAL

ANALITICIDADE l m< Versus HOLISMO > Sistematicidade Produtividade

PROPRIEDADES SEMÂNTICAS ATOMÍSTICAS PARA

SÍMBOLOS MENTAIS

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1.3 O projeto naturalista e a Teoria Computacional da Mente

Essa seção do capítulo articula a Teoria Computacional da Men-te ao projeto de naturalização do conteúdo mental. Considera-se a Teoria Computacional da Mente como logicamente dependente da Teoria das Representações Mentais. A primeira conduz a proposta de Fodor ao que ele denomina de Questão Epônima, um impasse na construção de uma semântica do conteúdo amplo que tenta im-plementação computacional, objeto da segunda parte do segundo capítulo.

O projeto naturalista de Fodor inscreve-se num macroprojeto filosófico que visa a mostrar que os estados mentais são parte do mundo natural. Para ele, se não se puder oferecer uma abordagem naturalista da representação mental, não há como se ter uma psi-cologia científica. É o que Warfield e Stich (1994) genericamente chamam de restrição naturalista em Ciências Cognitivas.

Pode-se dizer que a colocação de Tye (1992), abaixo, consegue situar de modo bastante próprio o projeto de naturalização na filo-sofia contemporânea:

[1.46] Um projeto que muitos filósofos contempo-râneos tomam como sendo de importância cardi-nal é o desenvolvimento de uma teoria naturalista satisfatória da mente. Sem uma tal teoria, teme-se, o mental permanecerá para sempre enigmático – ou, mais radicalmente, se o mundo natural é consi-derado tudo o que há, a concepção profundamente enraizada que temos de nós mesmos como subme-tidos a e influenciados por estados mentais estará ameaçada (TYE, 1992, p. 420).

Em termos bem amplos, a ideia do naturalismo mental é a de que os estados mentais são parte do mundo natural, mas não são ontologicamente primitivos. Isso não significa necessariamente que uma teoria naturalista seja uma teoria fisicalista. O que se re-quer é que seu vocabulário seja, na totalidade, não mental, ou seja:

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[1.47] A suposição radical do naturalismo, então, [...], é a de que os estados mentais têm essências que são expressáveis numa linguagem não mental (TYE, 1992, p. 422).

Essa é a exata posição de Fodor, em seu projeto naturalista para o conteúdo mental. Fodor (1990a) mesmo afirma:

[1.48] A preocupação com a representação é, aci-ma de tudo, de que o semântico (e/ou o intencio-nal) mostrar-se-á permanentemente recalcitrante à integração na ordem natural; por exemplo, que as propriedades semânticas/intencionais das coisas falharão em supervir sobre as propriedades físicas. O que é requerido para abrandar-se a preocupação é, portanto, no mínimo, a formulação de condições naturalistas para a representação. Isto é, o que que-remos, no mínimo, é algo da forma ‘R representa S’ é verdadeiro sse C, onde o vocabulário em que a condição C é expressa não contenha expressões intencionais ou semânticas (FODOR, 1990a, p. 32).

Sua posição deve ser entendida, portanto, dentro do contexto mais amplo da filosofia. Fodor (1994a), de um modo redutivo para-digmático, estabelece duas categorias de filosofias tradicionais da mente: (i) as dualistas, em que a mente é uma substância não física; e (ii) as materialistas, em que o mental não é distinto do físico.1 A grande falha do dualismo, afirma, é não abordar adequadamente a causação mental, isto é, “como pode o não físico dar origem ao físico sem violar as leis da conservação da massa, da energia e do momentum?” (1994a, p. 25). Mas qual a saída para a superação do dualismo, sem cair-se no materialismo ou num monismo radical? Nesse sentido, Fodor (1987) afirma:

[1.49] Suponho que mais cedo ou mais tarde os fí-sicos completarão o catálogo que eles estão com-pilando das propriedades últimas e irredutíveis das coisas. Quando eles o fizerem, as contrapartes de rotação, atração, carga talvez aparecerão em sua lista. Mas o aboutness certamente não aparecerá; a intencionalidade simplesmente não aparecerá. É di-

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fícil ver, diante dessas considerações, como se pode ser Realista sobre a intencionalidade sem também ser, em alguma medida, um Reducionista. Se a se-mântica e o intencional são propriedades reais das coisas, deverá ser em virtude de sua identidade com (ou talvez de sua superveniência a?) propriedades que não são elas próprias nem intencionais nem se-mânticas. Se o aboutness é real, deverá realmente ser algo mais (FODOR, 1987, p. 97).

Enfim, a questão filosófica da naturalização pode se expressar da seguinte forma, como dizem Fodor e Lepore (1994b):

[1.50] Para colocar no jargão filosófico padrão, as propriedades semânticas devem supervir às pro-priedades não semânticas (FODOR; LEPORE, 1994b, p. 143).

As propriedades semânticas não seriam, pois, irredutivelmente semânticas. Ou como dizem os autores:

[1.51] [N]ão nos preocupamos com se as proprie-dades semânticas supervêm a algo que seja físico, contanto que elas supervenham a alguma outra coisa que não sejam elas mesmas (FODOR; LEPORE, 1994b, p. 143).

Essa discussão se dá num contexto da filosofia da ciência. Fodor (1981) discute a questão a partir do que chama de “a tese típica da filosofia positivista da ciência” a partir da qual “todas as teorias verdadeiras nas ciências especiais deveriam reduzir-se a teorias fí-sicas ‘com o correr do tempo” (1981, p. 127). Entende-se que essa seja uma forma de reducionismo, uma doutrina de pretensão empí-rica, no sentido de que todos os eventos que caem sob as leis de qualquer ciência são, na verdade, eventos físicos e devem, portan-to, submeter-se a leis físicas. Em outras palavras, teorias das ciên-cias especiais devem reduzir-se a teorias físicas. Essa redutibilida-de é tomada como uma restrição sobre a aceitabilidade das teorias nas ciências especiais. Fodor contesta essa restrição sob a alegação de que ela não desempenha qualquer papel relevante na validação

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prática de teorias. O autor caracteriza o reducionismo através do seguinte procedimento:2

Q 1.11 Reducionismo: Ciências Especiais às Ciências das Teorias Físicas

As leis (2a, b) são chamadas de leis-ponte entre leis particulares (‘proper’) do tipo (1) e (3). Tais leis conectam seus predicados das ciências especiais com os das teorias as quais se reduzem. Assim, qualquer fórmula que aparece como antecedente ou consequente de uma lei particular deve aparecer como fórmula reduzida em leis--ponte.

Para Fodor, o ponto a ser discutido é a natureza do conector ‘→ ‘. Ele afirma que se este for lido como “causa”, então deverá haver outros conectivos para as leis-ponte, porque a relação que se estabelece entre (1) e (3) é, na verdade, assimétrica, enquanto o conector ‘⇔‘ das leis-ponte expressam relações simétricas.

Esse é um problema para a tendência ontológica do programa reducionista: S e P devem (é nomologicamente necessário) aplicar--se às mesmas coisas. Fodor sustenta que isso é compatível com uma ontologia não fisicalista, ligada mais a propriedades do que a substâncias, isto é, predicados psicológicos e predicados físi-cos aplicam-se ambos a organismos, mas isso não quer dizer, por exemplo, que um evento que satisfaça um predicado psicológico seja um evento físico. O resultado, afirma, é um tipo de dualismo psicofísico de uma variedade não cartesiana, que não garante a ge-neralidade do físico.

(i) Considere-se a fórmula (1) como uma lei de uma ciência especial:

(1) S1 x → S2 y

(ii) S1 e S2 são predicados da ciência especial.

(iii) Considere-se que as fórmulas (2a, b) e (3) são leis e condições neces-sárias e suficientes para a redução:

(2a) S1 x ⇔ P1 x(2b) S2 y ⇔ P2 y(3) P1 x → P2 y

(iv) P1 e P2 são predicados da física e (3) é uma lei física.

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Entretanto, se as leis-ponte expressassem identidades de even-tos contingentes, do tipo “todo evento que consiste da satisfação de x de S1 é idêntico a algum evento que consiste da satisfação de x de P1 e vice-versa”, haveria a garantia de que todo evento que cai sob uma lei científica é um evento físico. Expressa-se, então, a ten-dência ontológica do reducionismo e garante-se a generalidade do físico frente às ciências especiais. A partir disso, chega-se ao que Fodor chama de fisicalismo-token, em que “todos os eventos sobre os quais as ciências especiais falam são eventos físicos” (1991, p. 130). Sobre o fisicalismo-token, Fodor observa o seguinte:

(i) é mais fraco que o materialismo;(ii) é mais fraco que o fisicalismo-type;(iii) é mais fraco que o reducionismo.

De acordo com Fodor (1994a), o materialismo, enquanto um termo genérico, engloba abordagens como o behaviorismo ra-dical, o behaviorismo lógico, a teoria da identidade do estado central. Segundo Fodor, cada uma delas apresenta algum tipo de problema. O behaviorismo radical simplesmente rejeita causas mentais na explicação do comportamento. O behaviorista lógico, reconhecendo a existência de estados mentais, defende uma teoria semântica em que a atribuição de um estado mental a um organis-mo é o mesmo que dizer que há uma disposição para um compor-tamento específico sob certas condições, havendo, portanto, uma espécie de tradução da linguagem mental em uma linguagem de estímulos e respostas. Como diz Fodor, “o behaviorismo lógico é apenas o behaviorismo radical numa forma semântica” (1994a, p. 28). A teoria da identidade afirma que a propriedade de estar num estado mental é idêntica à propriedade de estar num dado estado neurofisiológico, não sendo, portanto, uma tese semântica. A teoria da identidade expressa-se ou como um fisicalismo-token ou como um fisicalismo-type. No primeiro caso, todo particular mental que existe é neurofisiológico; no segundo, todo particular mental que pudesse existir seria neurofisiológico, no sentido de que “toda pro-priedade mencionada nas leis de qualquer ciência é uma proprie-dade física” (FODOR, 1981, p. 130). Ou, em outras palavras, é a

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doutrina de que os tipos psicológicos são idênticos aos tipos neu-rológicos, o que seria o caso se tipos de expressões sintaticamente primitivas do mentalês requeressem sua homogeneidade sob des-crição neurológica (FODOR, 1994a).

Para Fodor (1994a), o problema do fisicalismo-type é que ele exclui a possibilidade de outros sistemas de processamento de in-formação que não sejam neuronais, como o dos seres humanos, haja vista que se concentra na constituição física do sistema (no seu hardware). Nesse sentido, Fodor conclui que os teóricos da iden-tidade avançam um pouco na questão do caráter causal da relação mente-corpo; enquanto os behavioristas lógicos avançam um pou-co sobre a questão do caráter relacional das propriedades mentais.

O reducionismo, conforme o caracteriza Fodor, é “uma conjun-ção de fisicalismo-token com a suposição de que há predicados de tipos naturais em qualquer ciência especial idealmente completa” (1981, p. 131).

O fisicalismo-token é formulado da seguinte maneira:

[Q 1.12] Fisicalismo-Token (FODOR, 1981)

O reducionismo é uma condição apenas suficiente para o fisica-lismo-token, e ambos acarretam a generalidade da física, conside-rada a única ciência básica. Como afirma Fodor:

[1.52] É uma consequência de ambas as doutrinas que qualquer predição que se segue de leis de uma ciência especial (e do estabelecimento de condi-ções iniciais) seguir-se-á igualmente de uma teoria que consista apenas da física e de leis-ponte (mais o estabelecimento de condições iniciais) (FODOR, 1981, p. 131).

FISICALISMO-TOKENTodo evento psicológico é um evento neurológico.

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Nesse sentido, a redução do psicológico ao neurológico exige que qualquer evento que seja a instanciação de uma propriedade psicológica seja idêntico a algum evento que seja a instanciação de uma propriedade neurológica. Ou seja, a formulação do reducionis-mo psicológico é algo como o que segue:

Q 1.13 Reducionismo Psicológico (FODOR, 1981)

A coextensividade, além disso, deveria ser nomologicamente necessária, ou seja, a generalização que estabelece essa coextensão é uma lei (“leis-ponte são leis”).

Fodor defende um reducionismo psicológico não ontológico (da psicologia). Com suas palavras:

[1.53] [O] programa reducionista em psicologia nitidamente não deve ser defendido em bases ontológicas. Mesmo que eventos psicológicos--token sejam eventos neurológicos-token, não se segue que predicados tipo da psicologia sejam coextensivos com os predicados tipo de qualquer outra disciplina (incluindo a física). Isto é a supo-sição de que todo evento psicológico é um evento físico não garante que a física (ou, a fortiori, qual-quer outra disciplina mais geral que a psicologia) possa fornecer um vocabulário apropriado para teorias psicológicas (FODOR, 1981, p. 135-136).

Fodor considera que o reducionismo psicológico não é equiva-lente ao fisicalismo-token [Q1.12], mas, se houvesse tal equivalên-cia, esta deveria ser estabelecida através de uma correlação psicofí-sica tipo-a-tipo. O problema, adverte, é que “eventos psicológicos do mesmo tipo são muitas vezes emparelhados com eventos neuro-lógicos de diferentes tipos” (1981, p. 137). No fisicalismo-token, a confirmação empírica depende de mostrar que as contrapartes neu-rológicas de eventos psicológicos são idênticas às propriedades que determinam qual o tipo de evento psicológico um dado evento é.

REDUCIONISMO PSICOLÓGICOTodo tipo natural psicológico é, ou é coextensivo com, um tipo natural

neurológico.

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Como já foi dito, o reducionismo deve explicar os mecanismos físicos por meio dos quais os eventos se conformam às leis das ci-ências especiais. Isso conduz à questão da preservação da unidade da ciência. Fodor sustenta que, para preservar a unidade da ciência (numa abordagem revisada), basta que “toda lei das ciências espe-ciais deva ser passível de redução à física por asserções-ponte que expressem generalizações empíricas verdadeiras” (1981, p. 139). Não há necessidade de correspondência entre os predicados-tipo da ciência reduzida e da ciência redutora. As asserções-ponte expres-sam identidades de eventos-token. O ponto é que duas entidades podem diferir em sua estrutura física mas, apesar disso, convergir em muitas de suas propriedades.

Enfim, Fodor não crê que as taxonomias empregadas pelas ciên-cias especiais devam reduzir-se às taxonomias da física.

Fodor cria, para os fins de sua argumentação, uma categoria de filósofos da mente a qual denomina de ‘epifóbicos’. Para esses filósofos, “não é compatível com o fisicalismo que estados inten-cionais devam ser causalmente responsáveis pelos resultados com-portamentais qua intencionais” (1990a, 137). Ou seja, para os epi-fóbicos o mental é causalmente inerte: não tem força causal. Para ele, essa suposição pode ser obtida de três formas (no mínimo):3

(i) pela premissa da superveniência das forças causais, através da qual “as forças causais de um evento são inteiramente determinadas pelas suas propriedades físicas” (1990a, p. 138);4

(ii) pela premissa do dualismo da propriedade, atra-vés da qual as propriedades intencionais supervêm às propriedades físicas, mas não há identidade entre propriedades intencionais e propriedades físicas;

(iii) por estipulação, através da qual se diz que “[uma] propriedade é ‘causalmente responsável’ se e somen-te se ela afeta as forças causais de coisas que a pos-suem” (p. 138); não sendo assim, as propriedades são epifenomenais.

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O ponto, pois, é que as propriedades psicológicas têm sido con-sideradas epifenomenais. Fodor acredita poder enfrentar os epifó-bicos encontrando uma condição mínima, ou condições suficientes, para que o intencional seja causalmente responsável e não mera-mente epifenomenal, pois que condições necessárias e suficientes para a responsabilidade causal, assim como para qualquer coisa, dificilmente seriam obtidas.

Fodor acredita que, havendo leis intencionais, as propriedades intencionais podem ter força causal (Veja-se ainda [1.12] e [1.14]). Ou seja:

[1.54] [A] questão de se a propriedade P é causal-mente responsável reduz-se à questão de se há leis causais sobre P (1990a, p. 143).

Fodor discute passo a passo o problema de obterem-se, em ter-mos fisicalistas, condições para a formulação de leis intencionais. O autor inicia com considerações sobre a obtenção de leis causais. O seu raciocínio é o seguinte:

(i) As cláusulas causais singulares devem ser cobertas por uma lei causal.

(ii) Se um evento e1 causa um evento e2, então há pro-priedades F e G, em que (a) e1 instancia F e (b) e2 instancia G.

(iii) É uma lei que ‘instanciações de F são suficientes para instanciações de G’.

Disso se segue que:(iv) P é uma propriedade causalmente responsável se ela for

uma propriedade em vista da qual os indivíduos são subsumidos/cobertos pelas leis causais. Dito de outro modo:

(iv’) P é uma propriedade causalmente responsável se for uma propriedade projetada por uma lei causal.

(iv”) P é uma propriedade causalmente responsável se for uma propriedade devido à instanciação de uma lei de que a ocorrência de um evento é nomologicamente suficiente para a ocorrência de um outro.

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Se, por um lado, as leis causais das ciências especiais e das ciências básicas têm em comum o licenciamento de atribuições de responsabilidade causal (mesmo havendo diferenças metafísicas entre suas leis), por outro lado, divergem quanto a certos aspectos. Levando em consideração que, em termos de responsabilidade cau-sal, a verdade do antecedente de uma lei nomologicamente neces-sita da verdade do seu consequente, Fodor ressalta que a diferença entre leis básicas e leis especiais é que as leis básicas precisam de um “mecanismo em vista do qual a satisfação de seu antecedente leve à satisfação de seu consequente” (1990a, p. 144).

Para Fodor, os mecanismos que implementam as leis intencio-nais são computacionais ou mais especificamente sintáticas – a sin-taxe entendida como uma propriedade física de segunda ordem, um traço abstrato da forma do símbolo. Ele afirma, em adição ao que já de apresentou em [1.15 e 1.16]:

[1.55] Os computadores mostram-nos como co-nectar propriedades semânticas com propriedades causais por símbolos [...] Você conecta as proprie-dades causais de um símbolo com suas proprieda-des semânticas através de sua sintaxe. A sintaxe de um símbolo é uma de suas propriedades físicas de segunda ordem. Para uma primeira aproximação, pode-se pensar de sua estrutura sintática como um traço abstrato de sua [...] forma. Porque [...] a sintaxe reduz-se à forma, e porque a forma de um símbolo é um determinante potencial de seu pa-pel causal, é bastante fácil ver como poderia haver ambientes em que o papel causal de um símbo-lo correlaciona-se com sua sintaxe (1990a, p. 22; 1987, p. 18-19).

E, de um modo radical, arremata:

[1.56] [A]penas símbolos têm sintaxe, e nossa me-lhor teoria disponível dos processos mentais – de fato a única teoria disponível dos processos men-tais que não é conhecida como falsa – precisa de um quadro da mente como uma máquina dirigida--pela-sintaxe (1990a, p. 23; 1987, p. 19-20).

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Assim, reportando-se às atitudes proposicionais, isso significa, em adição ao afirmado, por exemplo, em [1.16] e [1.20], [1.24] e [1.25], que:

[1.57] [A]creditar (etc.) é uma relação entre um organismo é uma representação mental. As repre-sentações mentais têm (inter alia) propriedades sintáticas, e os mecanismos de mudança de crença são definidos sobre as propriedades sintáticas das representações mentais. (1990a, p. 145).

De modo bastante óbvio, [1.57] leva à chamada condição de ex-plicitude das representações mentais, ligada à ideia do paralelismo sintático-semântico, conforme [1.22]. Diferentemente, os procedi-mentos computacionais – as regras ou programas – não precisam se submeter a essa condição:

[1.58] [O]s conteúdos de uma sequência de atitu-des que constituem um processo mental devem ser expressos por ocorrências explícitas de represen-tações mentais. Mas as regras que determinam o curso das transformações dessas representações [...] não precisam elas próprias ser explícitas. Elas podem emergir dos procedimentos de implemen-tação representados explicitamente, ou das estru-turas de hardware, ou de ambos. [...] De acordo com a Teoria Representacional da Mente, os pro-gramas – correspondendo às ‘leis do pensamento’ – podem estar explicitamente representados; mas as ‘estruturas dos dados’ – correspondendo aos conteúdos dos pensamentos – devem estar (1987, p. 25).

Fodor aponta para a difícil tarefa metodológica de conciliar a tese de que as propriedades intencionais são causalmente respon-sáveis com a tese de que os processos mentais são computacionais sintáticos. Essa é a já mencionada Questão Epônima a ser tratada no segundo capítulo. A resposta do autor é a de que o que é sintáti-co são os mecanismos de implementação, não as leis psicológicas; estas são intencionais. Como explicita:

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[1.59] [A] afirmação de que os processos mentais são sintáticos não acarreta a tese de que as leis da psicologia sejam sintáticas [...] O que é sintático não são as leis da psicologia, mas os mecanismos pelos quais as leis da psicologia são implementadas (FODOR, 1990a, p. 145-6).

Ele acrescenta ainda:

[1.60] Se você quer falar de leis psicológicas, você fala de vocabulário intencional; se você quer falar de mecanismos psicológicos, você fala de vocabulário sintático (ou talvez neurológico) [...]; [...] especificar as macropropriedades causalmente responsáveis não é o mesmo que especificar o micromecanismo de im-plementação (1990 a, p. 146).

Como adequadamente afirma Sayre (1987), verdade e referên-cia são traços que envolvem relações entre fórmulas e mundo; não envolvem, portanto, as propriedades físicas das fórmulas internas, o que faz, por sua vez, com que verdade e referência não participem do processo computacional, ou, como diz Fodor, do mecanismo de implementação.

Seguindo adiante, resta a Fodor justificar a natureza das leis in-tencionais. Para ele, essas leis são formuladas pela determinação de condições suficientes para a satisfação da cláusula ceteris paribus, acessíveis mesmo quando condições necessárias e suficientes não são alcançadas. Eis como Fodor coloca seu argumento:5

[1.61] Como você pode ter tanto que as leis especiais necessitam apenas de seus consequentes ceteris pa-ribus e que devemos conseguir Bs sempre que con-seguimos Ms? Resposta. Você não pode. Mas o que você pode conseguir é quase tão bom quanto: viz., que se é uma lei que M → B ceteris paribus, então se segue que você consegue Bs sempre que você con-segue Ms e condições ceteris paribus são satisfeitas. Isso mostra como leis ceteris paribus podem fazer um trabalho científico sério, visto que capturam a dife-rença entre a tese (substantiva) de que Fs causam Gs ceteris paribus, e a tese (vazia) de que Fs causam Gs,

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exceto quando não causam (1990a, p. 152).

Desse modo, a propriedade M é uma propriedade, tendo em vis-ta que:

(i) Ms causam Bs;(ii) ‘M → B ceteris paribus’ é uma lei;(iii) as condições ceteris paribus são satisfeitas com rela-

ção a alguns Ms.E acrescenta:

[1.62] M é causalmente responsável apenas se Ms causam Bs em qualquer mundo em que é descar-regada a cláusula ceteris paribus de ‘M → B’ tudo o mais sendo igual. Isso deixaria em aberto, e não é muito importante, se ‘todos e apenas os mundos em que as condições ceteris paribus são descar-regadas são efetivamente bem definidos’. Não é muito importante, porque o que determina se uma dada lei pode cobrir um dado evento é se a lei é de modo determinado satisfeita pelo evento. Não se requer também que seja determinado se a lei seria satisfeita por outros eventos arbitrários (ou pelo mesmo evento em outros mundos arbitrários) (1990a, p. 153).

Como se viu anteriormente, Fodor admite que as leis psicológicas não são leis básicas, e que as leis não básicas, como é o caso das leis intencionais, precisam de mecanismos de mediação (ao contrário das leis básicas). Uma mesma lei, desse modo, pode ter diferentes implementações. As cláusulas ceteris paribus quantificam, portanto, sobre esses mecanismos. Assim, ter-se -ia algo como:

Q 1.14 Leis ceteris paribus e Mecanismos de Mediação

‘As causam Bs ceteris paribus’ significa ‘Existe um mecanismo interve-niente de mediação tal que, quando está intacto, As causam Bs’

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A questão seguinte é se os mecanismos intervenientes são físi-cos. Fodor, de modo hábil, afirma que se as causas do mental são físicas, então os mecanismos de mediação são físicos. Esclarece que por ‘mecanismo físico’ deve-se entender os meios de operação cobertos por leis articuladas na linguagem da física. Considera que, mesmo que mecanismos físicos implementem leis de nível mais alto, há uma série de níveis de leis e mecanismos intermediários, ou seja:

[1.63] [L]eis intencionais são implementadas por mecanismos sintáticos que são regidos por leis sintáticas que são implementadas por mecanismos neurológicos que são regidos por leis neurológicas que são implementadas por mecanismos bioquí-micos que... e assim até o nível da física (1990a, p. 159, n. 17).

Mas a conclusão de Fodor é, ainda, em direção à psicologia do senso comum, por uma questão de “bom senso”. Diz ele:

[1.64] Não estou realmente convencido de que im-porta muito que o mental seja físico; ainda menos que importa muito se podemos provar que seja. Se não for literalmente verdadeiro que meu querer seja causalmente responsável por minha busca, e minha coceira seja causalmente responsável pelo meu coçar, e meu acreditar seja causalmente res-ponsável pelo meu dizer, se nada disso for literal-mente verdadeiro, então praticamente tudo em que acredito sobre qualquer coisa é falso, e é o fim do mundo (1990a, p. 156).

Tye (1992) afirma que, embora a proposta de naturalizar o men-tal seja identificada, tanto em nível type como token, com o físico, hipóteses de uma relação tipo-a-tipo têm sido preteridas em favor de uma visão mais popular de que os estados mentais são estados funcionais, como é o caso de Fodor, posição já anunciada na parte dois deste capítulo.

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Para Fodor (1994a), apenas o funcionalismo dá conta tanto do caráter causal quanto do caráter relacional dos estados e processos mentais, visto que, no funcionalismo, um estado mental é definido por suas relações causais com outros estados mentais. Ao mesmo tempo, ele é compatível com o fisicalismo-token [Q1.12], porque reconhece que particulares mentais podem ser físicos.

O funcionalismo identifica “os processos mentais que a psico-logia postula com as operações da classe restrita de computadores possíveis, chamada de máquinas de Turing” (p. 34). 6

Uma máquina de Turing pode ser caracterizada como um me-canismo com um número finito de estados de programa. Os inputs e outputs da máquina são escritos numa fita que é dividida em qua-dros idênticos onde consta um símbolo de um alfabeto finito. A má-quina passa de um estado para outro executando operações mecâni-cas elementares de esquadrinhamento, supressão e impressão.7 Os estados do programa são definidos em termos de símbolos de input, símbolos de output e tais operações elementares. O papel funcio-nal de um estado depende de sua relação com outros estados, além de inputs e outputs. Dessa perspectiva, a mente é concebida como um computador de um certo tipo, cujas operações são transforma-ções de símbolos, e em que as propriedades sintáticas dos símbolos dirigem as mudanças de estado “da máquina” (de Turing). Essas mudanças de estado envolvem símbolos de input verdadeiros que são transformados em símbolos de output verdadeiros, de modo, portanto, a preservar suas propriedades semânticas (valor-de-ver-dade) (FODOR, 1994a). A partir disso Fodor afirma o que segue:

[1.65] Visto que a definição do programa nunca se refere à estrutura física do sistema que corre o programa, a versão da máquina de Turing do fun-cionalismo também captura a ideia de que o ca-ráter de um estado mental é independente de usa realização física (1994a, p. 34).

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Em outras palavras, conforme [1.65], não há restrições sobre o hardware que realiza o programa, tanto pode ser o cérebro de um ser humano como um computador. Esse ponto de vista, em filoso-fia da mente, remonta a Putnam (1960, 1967a, 1967b, 1975), que sustenta, por exemplo, que (a) o ser humano como um todo é uma máquina de Turing e (b) que seus estados psicológicos são estados de uma máquina de Turing.8 Veja-se essa passagem:

[1.66] Uma máquina de Turing poderia bem ser um organismo biológico [...]. Hoje não conhece-mos nada estritamente incompatível com a hipó-tese de que você e eu somos todos máquinas de Turing (PUTNAM, 1967a, p. 412).

O funcionalista acredita que um estado cognitivo pode ser rea-lizado por diferentes estados físicos (a tese da superveniência). E mais, conforme Putnam (1960):

[1.67] Em particular, a ‘descrição lógica’ de uma máquina de Turing não inclui qualquer especifi-cação da natureza física desses ‘estados’ – ou, de fato, da natureza física da máquina como um todo [...]. Em outras palavras, uma dada ‘máquina de Turing’ é uma máquina abstrata que pode ser fi-sicamente realizada de um número quase infinito de formas diferentes” (PUTNAM, 1960, p. 371).

Aderindo a essa hipótese de Putnam, Fodor argumenta que o fato de a máquina de Turing manipular símbolos leva a “uma cone-xão entre explanação funcional e explanação mecânica” (1994 a, p. 35). O funcionalismo, em síntese, define os estados mentais a partir de suas causas e efeitos. Em outras palavras:

[1.68] [O] funcionalismo sustenta que a proposi-ção expressa por uma dada representação mental depende das propriedades causais dos estados mentais em que a representação mental figura (1994a, p. 39).

Isso que é afirmado em [1.68] é pontualmente compatível com Putnam (1960), conforme se pode constatar nesta passagem:

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[1.69] A organização funcional (resolver proble-mas, pensar) do ser humano ou máquina pode ser descrita em termos de sequências de estados mentais ou lógicos respectivamente [...] sem refe-rência à natureza da realização física desses estados (p. 373).

Como uma máquina de Turing não possui o que em sentido es-trito se chama de um estado mental, não há a condição de que opere com conteúdos intencionais, com propriedades semânticas, ou que se preocupe com (de conta de) a natureza da consciência. Se os símbolos mentais têm propriedades semânticas, uma crença, por exemplo, implica em estar relacionada a um símbolo mental, do qual herda as propriedades semânticas. E mais importante, Fodor acredita que:

[1.70] As propriedades semânticas das palavras e sentenças que enunciamos são, por sua vez, her-dadas das propriedades semânticas dos estados mentais que a linguagem expressa (1994a, p. 38).

O ponto é que os computadores manipulam símbolos, e uma computação é uma cadeia causal de estados, uma operação sobre fórmulas semanticamente interpretadas no código da máquina. As propriedades semânticas de um símbolo/representação mental são determinadas, como se viu, por aspectos de seu papel funcional, em termos causais. Fodor considera que há pelo menos três tipos de relações causais a serem utilizadas para fixar as propriedades semânticas das representações mentais (Veja-se também [Q 1.2]):

(i) relações causais entre estados mentais e estímulos: crenças como efeito de estimulações;

(ii) relações causais entre estados mentais e respostas: crenças como causa de efeitos comportamentais;

(iii) relações causais de estados mentais e outros estados men-tais: crenças como causa ou efeito de outras crenças.

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Segundo Fodor, a ideia de que as propriedades semânticas das representações mentais são determinadas por seu papel funcional é central em Ciências Cognitivas, embora, conforme [1.71], não se saiba como o papel funcional determina tais propriedades semân-ticas:

[1.71] Nenhum filósofo está hoje preparado para dizer exatamente como o papel funcional de uma representação mental determina suas propriedades semânticas (FODOR, 1994a, p. 39).

Fodor garante, entretanto, que:

[1.72] O conceito de que as propriedades semân-ticas de representações mentais são determinadas por aspectos de seu papel funcional está no centro do trabalho atual em ciência cognitiva. Todavia, o conceito pode não ser verdadeiro. Muito filósofos que não são simpáticos ao giro cognitivo na psico-logia moderna duvidam de sua verdade, e muitos psicólogos provavelmente rejeitam-no na forma rápida e mal-elaborada com que a esbocei aqui. Mesmo em sua forma esquemática, há muito a ser dito em seu favor: ele legitima a noção de repre-sentação mental, que tem se tornado incrivelmente importante para teorizar em todo ramo das ciên-cias cognitivas. Avanços recentes na formulação e testagem de hipóteses sobre o caráter das repre-sentações mentais em campos que vão da fonética à visão do computador sugerem que o conceito de representação mental é fundamental para as teo-rias empíricas da mente (1994a, p. 40).

Fodor, em seu estilo particular afirma ainda:

[1.73] A história da ciência revela que quando uma teoria bem-sucedida entra em conflito com um es-crúpulo metodológico, geralmente é o escrúpulo que cede (p. 40)

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Enfim, para Fodor (1994a, 1994b), as leis intencionais são im-plementadas por mecanismos computacionais. Este modo de im-plementação distingue-se de vários outros fisicalismos de segunda ordem que, numa perspectiva materialista clássica, defendem uma implementação biológica. Ele afirma que:

[1.74] Processos computacionais são aqueles de-finidos sobre objetos sintaticamente estruturados; vistas em extensão, as computações são mapea-mentos de símbolos para símbolos sob descrições sintáticas para símbolos sob descrição sintática (1994b, p. 8).

Uma das questões problemáticas a serem pontuadas é o modo como os processos computacionais podem dar conta das relações causais entre os símbolos e o mundo, conforme abaixo:

[1.75] Como poderia um processo, como a compu-tação, que meramente transforma um símbolo em outro, garantir as relações causais entre símbolos e o mundo dos quais [...] os significados dos símbo-los dependem? (1994b, p. 12-3).

Em outras palavras, como garantir que uma operação compu-tacional-sintática conecte causalmente tokens de um símbolo com tokens da propriedade a que correspondem? Além disso, para que haja a implementação computacional de leis intencionais, deve ha-ver (a) condições computacionalmente suficientes para a satisfação das propriedades intencionais e (b) condições intencionalmente su-ficientes para a satisfação das propriedades computacionais.

Considere-se que a estrutura sintática é definida em nível interno ao sistema:

[1.76] Se um objeto (um pensamento, uma senten-ça ou o que quer que seja) tem uma estrutura sintá-tica de qualquer modo, então a estrutura sintática que ele tem é fixada dadas apenas suas relações internas; i. e, dadas suas relações com suas partes (1994b, p. 14).

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Trata-se, assim, de uma relação entre estados internos. Entre-tanto, numa semântica externalista, as propriedades intencionais são consideradas como extrínsecas, uma relação entre pensamen-tos e o mundo 9 (Veja-se, por exemplo, [1.11]). Desse modo, como pondera Fodor, “[s]e as relações internas não garantem as relações externas, então as relações computacionais não garantem as rela-ções intencionais” (1994b, p. 14). Eis, pois, o problema central a ser deslindado, objeto do segundo capítulo.

Em síntese, a visão funcionalista parte do princípio de que a mente é uma espécie de programa de representações formais. Com relação ao problema da interação mente-corpo, a abordagem fun-cionalista pretende fornecer uma explanação sobre o mecanismo mediador de implementação. Ou como diz Loewer (1987):

[1.77] O funcionalismo parece chegar mais perto de fornecer uma abordagem fisicalista da repre-sentação (LOEWER, 1987, p. 287).

Esse mecanismo obedece a leis sintáticas e, devido a isso, surge a questão da intencionalidade dos estados mentais: se as represen-tações são sobre o mundo, ou seja, têm conteúdo, mas o mecanismo funciona prescindindo do conteúdo e atendo-se apenas à forma das representações, como compatibilizar a Teoria Computacional da Mente com a Teoria Representacional da Mente? Para tanto, é ne-cessário que se entenda um dos compromissos de Fodor e de toda uma geração em Ciências Cognitivas: o solipsismo. 10

Em Ciências Cognitivas, o termo ‘solipsismo’ é entendido de diferentes formas. Segundo Traiger (1991), há pelo três versões do solipsismo: (a) o solipsismo ontológico que advoga a primazia da consciência introspectiva; (b) o solipsismo epistemológico, a par-tir do qual as únicas coisas de que se pode tomar conhecimento são os próprios estados (do próprio indivíduo com relação a si mesmo); e (c) o solipsismo metodológico, a partir do qual

[1.78] o que é relevante para entender a mente e a representação mental não é o mundo que o agente cognitivo representa, mas o domínio mental interno em que as representações são construídas (TRAIGER. 1991, p. 2).

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Segundo Fodor (1981), é preciso tomar em consideração que alguns estados/processos mentais envolvem algumas relações com algumas representações, e suas operações, então, são definidas so-bre representações. Sua explanação se dá em três passos. O primei-ro passo envolve reivindicar para a psicologia alguma versão de uma Teoria Representacional da Mente, segundo a qual:

(i) os estados mentais distinguem-se pelos conteúdos de suas representações. Desse modo, há uma diferença entre os pen-samentos abaixo:

(a) Heloísa está altamente motivada.(b) Liane está altamente motivada.

(ii) os estados mentais distinguem-se pela relação que o sujeito estabelece com as representações envolvidas, o que explica as diferenças entre (a), (b) e (c) abaixo:

(a) Heloísa acredita estar altamente motivada.(b) Heloísa duvida estar altamente motivada.(c) Heloísa presume estar altamente motivada.

O segundo passo envolve levantar a tese de que estados e pro-cessos mentais são computacionais. Nesse ponto, Fodor levanta as propriedades básicas dos processos computacionais:

- Os processos computacionais são simbólicos, porque são definidos sobre representações.

- Os processos computacionais são formais, porque se aplicam a representações, a grosso modo, em vista da sintaxe das representações.

Sobre a relação entre ‘sintático’, ‘formal’ e ‘semântico’ a posi-ção de Fodor é a seguinte:

[1.79] Na minha opinião, estes processos com-putacionais são tanto simbólicos quanto formais. Eles são simbólicos porque são definidos sobre representações e são formais porque se aplicam a representações, em vista (a grosso modo) da sinta-xe das representações [...] Dizer que uma operação é formal não é o mesmo que dizer que é sintática, visto que poderíamos ter processos formais defi-

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nidos sobre representações que não têm, em qual-quer sentido óbvio, uma sintaxe. [...] O que faz das operações sintáticas uma espécie de operação formal é que ser sintático é uma forma de não ser semântico (1981, p. 226-7).

E mais:

[1.80] Afirmar que a mente é uma ‘máquina-di-rigida-pela-sintaxe’ é precisamente assumir que a teoria dos processos mentais pode ser estabeleci-da em sua totalidade sem referência a quaisquer das propriedades semânticas dos estados mentais (1990a, p. 29).

Fodor esclarece, em [1.80], que ser sintático opõem-se a ser semântico, e a formalidade, assim definida, implica, em suma, que:

[1.81] Operações formais são as que são especifi-cadas sem referência a tais propriedades semânti-cas de representações como, por exemplo, verda-de, referência e significado. Visto que não sabemos como completar esta lista (desde que não sabemos quais propriedades semânticas há), não vejo uma forma responsável de dizer ao que, em geral, a for-malidade corresponde. A noção de formalidade de-verá permanecer intuitiva e metafórica, no mínimo para o presente propósito (1981, p. 227).

De qualquer modo, como Fodor (1987, 1990a) afirma:

[1.82] A sintaxe de um símbolo poderia deter-minar as causas e efeitos de suas ocorrências da mesma maneira que a geometria de uma chave determina que fechaduras ela abrirá (1987, p. 19; 1990a, p. 22).

Ou seja, as relações semânticas teriam alguma relação homo-mórfica com as relações sintáticas, de modo que as operações com-putacionais exploram paralelismos entre a sintaxe de um símbolo e a semântica desse símbolo – o que Fodor caracteriza como “a re-ceita para a racionalidade mecanizante” (1987, p. 23). Como Fodor mesmo admite, esta não é uma situação confortável, porque não é

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suficientemente claro dizer-se que as operações formais são aplica-das a partir das formas de seus objetos (representações).

O terceiro passo consiste em de fato compatibilizar uma Teoria das Representações Mentais, definida, no mínimo, nos termos de (i) e (ii) acima, com uma Teoria Computacional da Mente. O que o caso indica é que os pensamentos não podem ser distinguidos ape-nas por seu conteúdo, a forma deve contar. Desse modo, surge a condição de formalidade:

Q 1.15 Condição de Formalidade

Fodor afirma que[1.83] aceitar a condição de formalidade sobre os estados mentais implica um estreitamento drástico da ontologia ordinária do mental (p. 227).

Para organizar sua argumentação, Fodor reconstrói o debate entre uma psicologia cartesiano-racionalista e uma psicologia na-turalizada. Em cada uma dessas abordagens a individualização dos estados mentais dá-se de um modo específico, quais sejam:

Q 1.16 Individualização dos Estados Mentais no Racionalismo

Q 1.17 Individualização dos Estados Mentais no Naturalismo

CONDIÇÃO DE FORMALIDADE:Os estados mentais podem ser tipo-distintos apenas se as representações que os constituem podem ser identificadas com relação a representações formalmente distintas.

Racionalismo:(a) os estados mentais são tipo-idênticos se e somente se eles são intros-

pectivamente indistinguíves; (b) a introspecção não pode distinguir, por exemplo, a percepção da

alucinação.

Naturalismo: (a) os estados mentais são individualizados por referência a relações

organismo-ambiente;(b) tais relações organismo-ambiente constituem o mental.

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A condição de formalidade é, para Fodor, um tipo de solipsis-mo metodológico, “como uma parte da estratégia de pesquisa da psicologia cognitiva contemporânea” (p. 232), na medida em que, numa abordagem computacional da mente, bem ao gosto cartesia-no, o caráter dos processos mentais é de algum modo independente de suas causas e efeitos ambientais. O que ocorre é, como já se viu, que os processos mentais têm acesso apenas às propriedades for-mais (não semânticas) das representações que manipulam.

Por outro lado, Fodor pontua que, caso se queira ter ao mesmo tempo uma psicologia naturalista, é preciso que se dê conta das interações organismo-ambiente, as quais, provavelmente, são de natureza causal, no contexto de uma teoria das relações entre re-presentações e o mundo, relações estas que fixam as interpretações semânticas dessas representações.

Para Fodor (1981), está fora de questão uma psicologia natu-ralista cujas generalizações sobre as relações entre pensamentos e seus objetos seriam, provavelmente, nomológicas. Para explicar isso, Fodor chama a distinção de Putnam entre estados psicológi-cos restritos e estados psicológicos amplos, ponto fundamental no próximo capítulo, à medida que tais estados definem espécies de conteúdo ou significados das representações mentais. Para ele, nesta fase de suas especulações, os estados psicológicos no sentido restrito seriam os únicos permitidos às teorias psicológicas do pon-to de vista do solipsismo metodológico. Conforme Fodor, a distin-ção entre estados psicológicos restritos e amplos está intimamente relacionada à distinção tradicional entre atribuição de estados men-tais construídos de modo opaco e transparente, respectivamente. Veja-se, por exemplo, que em ‘João acredita (amplamente) que água é F’ é verdadeira apenas se água (ou seja, H2O) é tal que João acredita que ela é F. Já o conteúdo restrito deve ser completamente opaco, porque só assim permitiria a identidade-type de crenças que têm diferentes condições-de-verdade. Sobre os estados psicológi-cos restritos, Fodor, fazendo uso de exemplos clássico fregeanos, afirma:

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[1.84] [S]ão aqueles individualizados à luz da con-dição de formalidade; ou seja, sem referir-se a tais propriedades semânticas como verdade e referên-cia. E respeitar a condição de formalidade é parte da tentativa de fornecer uma teoria que explique (a) como a crença de que a Estrela da Manhã é F poderia ser diferente da crença de que a Estrela Vespertina é F, a despeito de fatores astronômicos bem conhecidos; e (b) como os efeitos comporta-mentais de crer que a Estrela da Manhã é F po-deria ser diferente daqueles de crer que a Estrela Vespertina é F (FODOR, 1981, p. 247).

Uma psicologia naturalista seria, ao contrário, “uma teoria das transações organismo/ambiente” (1981, p. 247), uma teoria, portan-to, que individualiza os estados mentais de modo transparente ou, como se viu, a partir do sentido amplo. Reportando-se a Putnam, Fodor afirma que a defesa de uma psicologia naturalista pode sig-nificar a adoção de uma estratégia de pesquisa que diz “espere um pouco”, até que a ciência diga o que as coisas são. Fodor lembra também que este é o mesmo argumento de Bloomfield (1933).11.

[1.85] A fim de dar uma definição cientificamente precisa de significado para todas as formas de uma língua, precisaríamos ter um conhecimento cienti-ficamente preciso de tudo que existe no mundo do falante. A extensão real do conhecimento humano é muito pequena comparada a isto. [...] A deter-minação de significados é, portanto, o ponto fra-co no estudo da linguagem, e permanecerá sendo até que o conhecimento humano progrida muito além do seu estado atual. Na prática, definimos o significado de uma forma linguística, sempre que podemos, em termos de alguma outra ciência (BLOOMFIELD, 1933, p. 139-140).

Mas ele se pergunta: “quem quer esperar para sempre?” (FODOR, 1981, p. 248).

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Fodor (1981) crê que seja necessário distinguir os objetivos da semântica dos da psicologia naturalista da linguagem. A semântica, afirma, propõe-se a explicar as transações organismo/ambiente a partir de relações como referência, as quais exigem generalizações legais do tipo: o enunciado de X sobre ‘sal’ refere-se a sal sse C mantém uma relação R com ____, sendo que o que vai em ‘____’ é uma generalização projetável da extensão de ‘sal’, cuja descrição é projetável apenas a posteriori, tomando-se em consideração os resultados das ciências. A moral é:

[1.86] Podemos fazer (certos tipos de) semântica, se tivermos um modo de referir a extensão de ‘sal’. Mas não podemos fazer a psicologia naturalista da refe-rência a menos que tenhamos alguma forma de dizer o que sal é; quais de suas propriedades determinam suas relações causais (FODOR, 1981, p. 250).

Colocada a questão desse modo, o que se tem, nesse momento do programa fodoriano, é uma visão de desesperança com relação à construção de uma psicologia naturalista (dos estados mentais am-plos), e enfatiza-se a busca de uma psicologia dos estados mentais restritos – que honram a condição de formalidade –. Fodor acres-centa aí sua crença de que o que se pode fazer é, na verdade, psico-logia computacional, permanecendo a psicologia naturalista como um ideal, nos seguintes termos:

[1.87] [O] que se pode [...] esperar é uma teoria dos estados mentais completamente type-indivi-dualizados de forma opaca. Podemos tentar dizer o que a representação mental é, e o que a relação com a representação mental é, tal que alguém acredita que a Estrela da Manhã é F, em virtude de conduzir a primeira à segunda. E podemos ten-tar dizer como esta representação, ou esta relação, ou ambas diferem da representação e da relação constitutiva de crer que a Estrela Vespertina é F. A psicologia naturalista, ao contrário, perma-nece como um tipo de ideal da razão pura; deve haver tal psicologia, visto que, presumivelmente, às vezes pensamos em Vênus e, presumivelmente,

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fazemos isso, em virtude de uma relação causal entre ela é nós. Mas não há esperança prática de fazer ciência fora dessa relação. E, é óbvio, para a metodologia, a esperança prática é tudo (FODOR, 1981, p. 252).

Nessa linha de argumentação, emerge a posição de Fodor quanto ao solipsismo metodológico:

[1.88] [N]ão é que o solipsismo seja verdadeiro; é apenas que verdade, referência e o resto das no-ções semânticas não são categorias psicológicas (1981, p. 253).

Esta parte do capítulo encerra-se com o problema do solipsismo metodológico. Esse desfecho não é casual. Ao se finalizar com a questão dos estados mentais restritos, abre-se a discussão propria-mente semântica que é objeto desta obra: a semântica das represen-tações mentais de Jerry Fodor. O próximo capítulo apresenta justa-mente a passagem da defesa do que é exposto em [1.87] – primeira parte do segundo capítulo – para a defesa do que é problematizado em [1.88] – segunda parte do segundo capítulo.

O diagrama a seguir resume o que tratou nesta parte do capí-tulo 1.

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Diagrama 1.2 – Projeto de Naturalização e a Teoria Computacional da Mente – Plano das Discussões

TEORIA COMPUTACIONAL DA MENTEPROJETO NATURALISTA

RESTRIÇÃO NATURALISTA EM FILOSOFIA:

Os estados mentais não são ontologicamente primitivos

REDUCIONISMO PSICOLÓGICO

Coextensividade psicológico-neurológico é uma lei-ponte

o intencional tem força causal

(versus epifóbicos)

MECANISMO COMPUTACIONAL-SINTÁTICO

DE IMPLEMENTAÇÃO DO INTENCIONAL(& leis ceteris paribus)

FUNCIONALISMO

Postulado para a tarefa metodológica deCONCILIAR:

TESE DAS PROPRIEDADES INTENCIONAIS CAUSAIS LEIS INTENCIO-NAIS

TESE DOS PROCESSOS MENTAIS COMPUTACIONAIS LEIS SINTÁTICAS

CONDIÇÃO DE FORMALIDADE

Solipsismo Metodológico e Estados Mentais Restritos

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2. O PROGRAMA SEMÂNTICO DE FODOR PARA AS REPRESENTAÇÕES MENTAIS

Este capítulo resulta da tentativa de extrair do percurso de in-vestigações semânticas do Fodor-da-terceira fase a evolução de seu programa de pesquisa. Como se anunciou, trata-se de marcar a passagem da defesa de uma semântica do conteúdo restrito, com-patível com o solipsismo metodológico – parte 1 deste capítulo –, para a defesa de uma semântica do conteúdo amplo, em que os casos problemáticos sobre individualização de estados mentais não denotacionais seriam superados por uma estratégia metodológica (de acordo com a hipótese nuclear desta obra) – parte 2 do capítulo.

2.1 Superveniência e individualização não relacional de estados mentais: o conteúdo restrito

A discussão sobre o conteúdo restrito tem sido associada com a tese de que as representações mentais estão ‘na cabeça’. Como se viu, por exemplo, em [1.02], [1.03], [1.13] e [1.14], Fodor advoga sobre o papel das representações mentais, seus aspectos internos ao sujeito, na explanação do comportamento de agentes cognitivos. Partindo disso, quando se postulam casos de duplicatas molecu-lares (chamados casos-Twins), que supostamente teriam a mesma constituição interna, o que se busca é um questionamento sobre a identidade das representações mentais e, em vista disso, de suas forças causais. As colocações [1.22], [1.60], [1.62], [1.77] e, princi-palmente, [1.87] permitem que se diga que, para Fodor, numa dada fase de seu pensamento, as representações mentais individualizam--se a partir da conexão sintaxe/mecanismos de implementação e não da semântica ampla da Linguagem do Pensamento, sendo suas operações, de fato, operações formais sobre fórmulas tomadas sin-taticamente. Levando-se isso em consideração, como já se tratou anteriormente, tem-se uma noção de superveniência calcada numa implementação computacional do conteúdo intencional (as leis da mente não são as leis dos processos mentais).

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A noção de conteúdo restrito, entendida como algo próximo a uma semântica do sentido (fregeano), foi desenvolvida por Fodor para dar conta da superveniência ou, mais precisamente, do modo como a semântica (restrita) de um símbolo mental depende das proprie-dades intrínsecas da mente.1 Fodor considerava, nessa época, que o conteúdo restrito (mas não o conteúdo amplo) é que permitiria explanações (leis) psicológicas. Dado um contexto filosófico relevante, segue-se um roteiro de como a noção de conteúdo restrito foi por ele tratada, sem se considerar, ainda, as reformula-ções empreendidas em The Elm and the Expert (o que será objeto de discussão da parte 2 deste capítulo).

Para Fodor (1987), o caso-Twin de Putnam (1975) procura evi-denciar que as atitudes proposicionais não supervêm a estados do cérebro. Da mesma forma, Burge (1979) afirma que os estados intencionais não supervêm sobre a constituição física (química, neural ou mesmo funcional) das criaturas, pois dois indivíduos em estados físicos idênticos podem diferir em seus estados mentais.2

A questão da superveniência – retomando-se o que já se ex-planou – é a de que estados do tipo X (mentais) supervêm a esta-dos do tipo Y (cerebrais), se e somente se não há diferença entre estados (mentais) sem uma correspondente diferença entre es-tados de Y (cerebrais). Mas o problema com casos-Twins é que, embora nossos cérebros tenham constituições idênticas, nossas atitudes proposicionais podem diferir. Ou, em outras palavras, que os indivíduos podem estar no mesmo estado computacional e diferirem quanto às atitudes proposicionais. Tal constatação parece violar a superveniência mente/cérebro. Fodor, entretanto, pretende desenvolver uma explanação causal do comportamento, adotando uma taxonomia de estados mentais que respeite a superveniência.

Apresenta-se a seguir, à guisa de contextualização, o quadro dos casos-Twins de Putnam, para que se possa, em seguida, entender a posição de Fodor, com relação à questão.

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Putnam (1975) afirma que o problema tradicional do significado tem o seguinte desdobramento: (i) o problema da determinação da extensão e (ii) o problema da competência individual. Ele considera o primeiro um tópico de sociolinguística; o segundo, um tópico de psicolinguística. Para o tratamento do primeiro problema, Putnam retoma a discussão de Frege sobre a extensão, pois, como se sabe, esse filósofo fornece exemplos que dão conta da relação proble-mática entre intensão e extensão. A argumentação de Frege (1892) pode ser esquematizada da seguinte maneira: Caso se considere que a afirmação pela fórmula “a=b” seja verdadeira, e que a rela-ção se dê entre aquilo a que os nomes ‘a’ e ‘b’ referem, poder-se-ia supor que “a=b” não difere de “a=a”, ou seja, que a asserção não tem valor cognitivo, pois assevera-se a relação de uma coisa com ela mesma, o que é aprioristicamente trivial. Por outro lado, caso se considere que “a=b” expresse que os nomes ‘a’ e ‘b’ tenham a mesma referência, e que a relação entre esses nomes é asserida, então dever-se-ia estar reconhecendo que a relação é mediada pela conexão de cada nome com a mesma referência. Assim, se temos um nome próprio que designa um objeto, este objeto é a referên-cia. A conexão de cada nome com a sua referência, o modo como esta é apresentada, é o que Frege chama de sentido do nome. É através do sentido que se pode estabelecer uma diferença entre ‘a’ e ‘b’, ou seja, na medida em se apresenta de modos diferentes a mesma referência. O exemplo clássico de Frege é o de que “Estrela da Manhã” e “Estrela Vespertina” têm a mesma referência (Vênus), mas sentidos diferentes. Veja-se [1.87].

Putnam, tomando como exemplos as (clássicas) expressões “criaturas com coração” e “criaturas com rins”, afirma que estas têm exatamente a mesma extensão (aplicam-se ao mesmo conjun-to de indivíduos), mas seu significado, parece óbvio, é diferente. Assim sendo, como Frege mesmo apontou, o significado não pode ser igual à sua extensão, devendo haver um outro sentido para ‘significado’. Putnam afirma que filósofos mais tradicionais têm pensado esse outro sentido como sendo conceitos, entidades men-tais. Aqueles que defendem que os significados têm propriedades públicas, apreendidas por qualquer pessoa, tomam-nos como enti-

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dades abstratas. Para ele, “quer se tome a entidade ‘platônica’ ou o estado psicológico como o ‘significado’ pareceria ser, de qualquer maneira, uma questão de convenção” (PUTNAM, 1975, p. 222).

O filósofo argumenta que é possível que dois falantes estejam exatamente no mesmo estado psicológico, muito embora a extensão do termo A no idioleto de um seja diferente da extensão do termo A no idioleto do outro. Consequentemente:

[2.01] [A] extensão não é determinada pelo estado psicológico (PUTNAM, 1975, p. 222).

Ou seja, a extensão não determina a intensão. Para demonstrar isso, Putnam cria uma situação fictícia. Supõe que haja, em algum lugar da galáxia, um planeta que passa a chamar de Terra Gêmea (Twin Earth), exatamente igual à Terra, incluindo o fato de seus habitantes falarem, neste caso, Português.

Há, entretanto, uma pequena diferença entre os dialetos, que de-pende de certas peculiaridades da Terra Gêmea: o líquido que cha-mamos de ‘água’ (termo de um tipo natural) não é H2O, mas um lí-quido cuja fórmula química é abreviada como XYZ, ordinariamente indistinguível de água sob vários aspectos. Assim, ‘água’, na Terra Gêmea, é XYZ, de modo que os terráqueos afirmam que “Na Terra Gêmea, a palavra ‘água’ significa (tem como extensão) XYZ”. Do mesmo modo, os terráqueos-gêmeos afirmam “Na terra, a palavra ‘água’ significa (tem como extensão) H2O”. A extensão de ‘água’ no sentido de águaT é o conjunto de todos de moléculas de H2O, enquanto a extensão de água no sentido de águaTG é o conjunto de todos de moléculas de XYZ. Putnam vai mais longe e hipotetiza uma situação histórica em que terráqueos e terráqueos-gêmeos, num dado período de sua ciência, desconhecem a composição química do que designam por ‘água’. Para Putnam, caso se tome Oscar1 e sua contra-parte gêmea Oscar2 como falantes típicos de terráqueos e terráqueos--gêmeos, num determinado período suas crenças poderiam ser idên-ticas, estados psicológicos idênticos, portanto. O que Putnam quer demonstrar é que a extensão do termo ‘água’ não é uma função do estado psicológico do falante. Não se pode dizer que de um período para outro da história o ‘significado’ de água teria mudado.

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Um outro exemplo é dado com os termos ‘alumínio’ e ‘molib-dênio’. Aqui Putnam coloca uma situação em que molibdênio não pode ser distinguido de alumínio exceto por um expert. Seguindo com a hipótese da Terra Gêmea, Putnam estabelece que lá molib-dênio é tão comum como o alumínio o é na Terra, e que o alumínio é tão raro na Terra Gêmea quanto o molibdênio o é na Terra. Su-põe ainda que panelas sejam feitas de molibdênio na Terra Gêmea, sendo que lá ‘alumínio’ e ‘molibdênio’ são intercambiáveis. Nessa situação, se um terráqueo visitasse a Terra Gêmea, ele poderia obter de um dos terráqueos-gêmeos a informação de que as panelas são feitas de alumínio. Todavia, um terráqueo-expert poderia acabar por descobrir que as panelas de alumínio são, na verdade, panelas de molibdênio. Oscar1 tem a extensão alumínio para ‘alumínio’, e Oscar2 tem a extensão molibdênio para ‘alumínio’.

Outro exemplo, mas de natureza não ficcional, é o que envolve os termos ‘olmo’ e ‘faia’. Nesse caso, Putnam quer mostrar que pode ser o caso de que não se consiga, ordinariamente, distinguir entre olmos e faias, e que os conceitos de olmo e faia sejam iguais para alguém. A partir disso, a identificação do significado (inten-são) com conceito não é correta. Se a diferença entre as extensões de ‘olmo’ e de ‘faia’ for explicada por uma diferença entre estados psicológicos, as extensões seriam as mesmas. Afirma:

[2.02] ‘[O]lmo’ em meu idioleto tem uma exten-são diferente de ‘faia’ em seu idioleto (como de-veria). É realmente crível que esta diferença na extensão seja efetuada por alguma diferença em nossos conceitos? Meu conceito de olmo é exata-mente o mesmo que o meu conceito de faia [...]. (Isso mostra que a identificação do significado ‘no sentido de intensão’ com conceito não pode estar correta) (PUTNAM, 1975, p. 226).

Há, ainda, o exemplo em torno do termo ‘ouro’. Putnam traça uma analogia entre uma comunidade e uma fábrica. Nessa fábrica, algumas pessoas têm diferentes atividades: algumas usam alian-ças de ouro, outras vendem alianças de ouro e outras, por sua vez, encarregam-se de dizer se algo é ou não realmente de ouro. Aquele

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que usa ou vende ouro não precisa necessariamente saber se algo é ou não realmente de ouro, afirma Putnam. O que ele quer demons-trar é que:

[2.03] [E]les engendram uma divisão de trabalho linguístico: todos para quem o ouro é importante por qualquer razão têm que adquirir a palavra ‘ouro’, mas não têm que adquirir o método de reconhecer se algo é ou não ouro (PUTNAM, 1975, p. 227-228).

Nessa hipótese, maneiras de reconhecer se algo cai numa determinada extensão dizem respeito a uma subclasse de sujeitos da comunidade, de modo que “o corpo coletivo divide o ‘trabalho’ de conhecer e empregar essas várias partes do ‘significado’ de ‘ouro’” (p. 228). Esses sujeitos constituem os experts da comunidade. A partir dessa ideia de divisão de trabalho linguístico, entendida como produto da evolução social, Putnam formula a hipótese da universalidade da divisão de trabalho linguístico, segundo a qual:

[2.04] Toda comunidade linguística exemplifica o tipo de divisão de trabalho linguístico [...]: possui no mínimo alguns termos cujos ‘critérios’ associa-dos são conhecidos apenas por um subconjunto dos falantes que adquirem os termos, e cujo uso pelos outros falantes depende de uma cooperação estruturada entre eles e os falantes nos subconjun-tos relevantes” (PUTNAM, 1975, p. 228).

A conclusão de Putnam é que não é um estado psicológico in-dividual que fixa uma extensão, como afirma em [2.01], mas que:

[2.05] [A]penas o estado sociolinguístico do cor-po linguístico coletivo ao qual o falante pertence é que fixa a extensão (PUTNAM, 1975, p. 229).

Ou, em outras palavras, afirma-se que “a determinação da refe-rência é social, não individual” (PUTNAM, 1988a, p. 31). O mes-mo afirma Burge (1979), para quem o conteúdo é dependente de convenções sociais, determinado pelo ambiente externo, de modo que aquele variará se variarem as convenções da comunidade, suas

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normas e práticas sociais. O que remete à afirmação de Putnam de que:

[2.06] [O]s significados não estão na cabeça (PUTNAM, 1975, p. 227).

Avançando em sua discussão, Putnam retoma o caso das Terras Gêmeas para tratar do problemas dos dêiticos. O ponto a ser trata-do é a intensão. O filósofo parte do exemplo seguinte: quando eu (terráqueo) penso que estou com dor de cabeça, meu pensamento é do tipo ‘Eu tenho dor de cabeça’, de modo que a extensão do token ‘eu’ é diferente do token ‘eu’ que comparece no pensamento de meu gêmeo, quando ele pensa “Eu tenho dor de cabeça”. ‘Eu’, portanto, tem duas extensões diferentes, mas não se segue que o conceito que tenho de mim seja diferente do conceito que meu gê-meo tem de si mesmo.

Putnam nega, uma vez mais, que as intensões determinem as extensões, seja para o caso de ‘água’ (tipos naturais), seja para o caso de dêiticos. Da mesma forma, nega que o significado seja identificado com a extensão. Na verdade, ele quer dizer que:

[2.07] [A] extensão de um termo não é fixada por um conceito que o falante individual tem em sua ca-beça, e isso é verdadeiro tanto porque a extensão é, em geral, determinada socialmente – há divisão de trabalho linguístico assim como de trabalho ‘real’ – como porque a extensão é, em parte, determinada de modo indexical (PUTNAM, 1975, p. 245).

Putnam aborda o segundo problema, relativo à competência individual (dita psicolinguística), a partir da ideia de que uma co-municação significativa “requer que as pessoas saibam algo sobre o que estão falando” (1975, p. 248) num nível mínimo de compe-tência. Esse nível mínimo de competência, afirma ele, depende da cultura e do tópico em discussão. A noção de estereótipo dá con-ta desse problema. Um estereótipo pode ser entendido como uma ideia convencional sobre algo, a qual pode ser mesmo imprecisa. A maioria dos estereótipos, de acordo com Putnam, capturam apenas os traços de membros paradigmáticos de uma dada classe ou ca-

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tegoria. Assim sendo, por exemplo, tigres estereotípicos possuem listras e têm quatro patas.

Uma consequência dessas colocações é a de que Putnam não considera, por exemplo, que ‘tigres são listrados’ seja uma verdade analítica, porque tigres podem ser albinos. Se se diz que ‘ser listra-do’ é parte do significado de ‘tigre’, cai-se no problema da analiti-cidade. (Veja-se [1.33]). O que Putnam defende é que ‘ser listrado’ é parte da informação que os falantes adquirem, quando adquirem a palavra ‘tigre’. Com suas palavras:

[2.08] A informação sobre as habilidades mínimas requeridas para entrar numa comunidade linguís-tica é informação significativa; nenhuma circu-laridade do tipo criticado por Quine entra aqui (PUTNAM, 1975, p. 257).3

Fodor (1987) coloca as coisas da seguinte forma: quando as crenças dos gêmeos diferem em conteúdo, há uma padrão de in-dividualização relacional de atitudes proposicionais, de estados mentais. Quando o conteúdo dessas crenças é idêntico, há uma pa-drão de individualização não relacional ou individualístico de estados cerebrais. O caso-Twin, argumenta, só dá conta do padrão relacional. Isso porque os estados cerebrais de um gêmeo são tipo--idênticos ao do outro gêmeo apenas se propriedades relacionais como “ser um cérebro que vive num corpo que vive num mundo onde há XYZ e não H2 O” (p. 31) não contam para a individualiza-ção dos estados cerebrais.

Segundo o autor, em Ciências Cognitivas, individualizam-se atitudes através de uma noção restrita de conteúdo (não relacional). Fodor distingue dois padrões de concepção de atitudes proposicio-nais com relação ao problema da individualização: o padrão A do senso comum e o padrão B da psicologia:

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Q 2.2 Padrões de Individualização

Fodor sustenta que, numa abordagem revisionista, tais padrões taxonomizam as atitudes pelos mesmos princípios de individuali-zação (modo não relacional), levando à violação da superveniência e, no caso do padrão da psicologia, torna desnecessária a noção de conteúdo restrito. Nesta fase de seu pensamento, Fodor defen-de que é essencial que os estados cerebrais devam ser individuali-zados não relacionalmente para que se preserve a superveniência. O argumento aqui é metafísico: a individualização em ciência é sempre individualística. O ponto é que sua concepção de ciência implica que ela forneça explanações causais. Para tanto, a ciência deve pressupor um aparato taxonômico tanto para distinguir coisas, à medida que estas têm propriedades causais diferentes, como para agrupá-las, se tiverem as mesmas propriedades causais.

Voltando-se para o caso-Twin, Fodor argumenta que é preciso considerar que os estados mentais do terráqueo e de seu gêmeo têm a mesma força causal. A identidade da força causal é vista por ele da seguinte maneira

(1) Em primeiro lugar, a identidade de força causal deve ser acessada entre contextos, não dentro de contextos. Se o ter-ráqueo diz “Traga-me água”, ele obterá H20; se seu gêmeo enuncia “Traga-me água”, ele obterá XYZ. Isso porque os contextos desses enunciados são diferentes. Há, nessas cir-cunstâncias, dois contrafactuais importantes:

Padrão A<Senso Comum>

• Individualiza as atitudes relacio-nalmente: noção individualista de conteúdo.

• Distingue as crenças de terrá-queo e de seu gêmeo.

• Individualiza estados do cérebro de modo não relacional; portanto:

• viola a superveniência mente/cérebro.

Padrão B<Psicologia>

• Individualiza as atitudes não relacionalmente: noção restrita de conteúdo.

• Identifica as crenças do terrá-queo e de seu gêmeo.

• Individualiza estados cerebrais de modo relacional; portanto:

• preserva a superveniência men-te/cérebro.

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(i) Se o enunciado/pensamento do terráqueo tivesse ocorrido no contexto de seu gêmeo, os efeitos seriam aqueles deste contexto: ele obteria XYZ.

(ii) Se o enunciado/pensamento tivesse ocorrido no contexto de seu gêmeo-terráqueo, os efeitos seriam aqueles deste contexto: ele obteria H20.

Tais contrafactuais revelam subjuntivos causais idênticos so-bre os dois enunciados/estados mentais.

(2) Em segundo lugar, a identidade de força causal estabelece--se numa correlação entre formas de distinguir estados men-tais e formas de distinguir comportamentos: diferenças nos estados cerebrais acarretam diferenças nas consequências comportamentais.

A questão da individualização das atitudes por força causal, afirma Fodor, exige que se distinga entre individualismo metodo-lógico (taxonomias por forças causais) e solipsismo metodológico (taxonomias não relacionais). Fodor (1987, p. 42) faz a seguinte distinção:

Q 2.2 Individualismo metodológico

Q 2.3 Solipsismo Metodológico

As avaliações semânticas dependem de propriedades relacionais, isto é, de correspondências entre estados mentais e mundo. Para Fo-dor, o individualismo é um princípio metodológico geral em ciência, em vista de esta estar interessada em explanações causais, de modo que identidade de forças causais leva à identidade de consequências causais entre contextos nomologicamente possíveis.4 O solipsismo

INDIVIDUALISMO METODOLÓGICOO individualismo metodológico é a doutrina de que estados psicológicos são individualizados com respeito a suas forças causais.

SOLIPSISMO METODOLÓGICO

O solipsismo metodológico é a doutrina de que estados psicológicos são individualizados sem considerar suas avaliações semânticas.

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metodológico, por seu turno, como se viu em [1.79] e [1.82], por exemplo, é uma teoria empírica sobre os processos mentais, compre-endidos como computacionais-sintáticos.

Seguindo-se por esse raciocínio, pode-se chegar a uma conclusão que é problemática quando se trata dos casos-Twin e que é, aliás, um dos pontos centrais para Putnam. A colocação de Fodor é clara o suficiente:

[2.09] [M]esmo que a identidade fisiológica dos orga-nismos assegure a identidade de seus estados mentais [dos gêmeos], e a identidade de estados mentais asse-gure a identidade de conteúdos, a identidade dos con-teúdos de estados mentais não assegura a identidade de suas extensões (FODOR, 1987, p. 45).

Ou seja:

Q 2.4 Quadro das Identidades nos casos-Twin

Nesse ponto, Fodor retoma, no contexto da psicologia das atitudes proposicionais, o argumento de Putnam construído a partir de seu puzzle, o caso-Twin:

[2.10] Se os estados mentais supervêm à fisiologia, então os pensamentos não têm essencialmente condi-ções-de-verdade; dois tokens do mesmo pensamento podem ter diferentes condições-de-verdade e, con-sequentemente, diferentes valores-de-verdade. Se os pensamentos estão na cabeça, então os conteúdos não determinam a extensão (FODOR, 1987, p. 46).

Poder-se-ia dizer que a extensão sobrevém ao conteúdo, de for-ma que não haveria nenhuma diferença na extensão se não hou-vesse alguma diferença no conteúdo ou vice-versa. Ele salienta, entretanto, e este é o ponto fundamental, que pode ser o caso que

- Identidade Fisiológica Identidades de estados mentais

- Identidade de estados mentais Identidade de conteúdo- Identidades de conteúdo Identidade de extensões

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diferenças de extensão não impliquem diferenças de conteúdo. As-sim, o caso-Twin é um problema porque se supõe que ele quebre a conexão entre identidade extensional e identidade de conteúdo. Para ele, todavia,

[2.11] os exemplos de Terras-Gêmeas não quebram a conexão entre conteúdo e extensão; eles apenas a relativizam a contextos (FODOR, 1987, p. 47).

Ou, mais especificamente, no momento em que introduz a no-ção de conteúdo restrito:

[2.12] [O]s conteúdos ainda determinam exten-sões relativamente a um contexto. Se você quiser, os conteúdos são funções de contextos e pen-samentos para condições-de-verdade (FODOR, 1987, p. 47).

No caso-Twin, isso poderia ser descrito da seguinte forma:

(i) Tome-se a condição C {gêmeo, Terra-Gêmea} e tome--se a condição C’ {terráqueo, Terra}.

(ii) Sob a condição C, pensamentos-de-‘água’ são sobre XYZ; sob a condição C’, são sobre H2O.

(iii) Dada a identidade neurológica entre o terráqueo e seu gêmeo, num mundo em que o gêmeo do terráqueo está no contexto deste, seu pensamento será sobre H2O, se o pensamento do terráqueo é sobre H2O, e vice-versa.

(iv) Assim, dois pensamentos são idênticos, se eles efetu-am o mesmo mapeamento de pensamentos e contex-tos (inputs) para condições-de-verdade (outputs).

O passo (iv) estabelece o critério extensional para o conteúdo restrito, à medida que, conforme Fodor (1991f), partindo da noção de “mesmo estado mental”, efetua-se uma generalização sobre os ambientes relativamente aos quais os estados mentais são seman-ticamente avaliados (o conteúdo amplo). Ou seja, quando se espe-cifica um conteúdo restrito e se fixa um contexto obtém-se o con-teúdo amplo de um pensamento: o que é avaliável semanticamente (Veja-se [1.11]).

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O eixo da argumentação é que a denotação de um pensamento não é determinada apenas pelo seu significado (ou intensão), mas pelo contexto em que está “ancorado”. Isso evidencia uma carac-terística problemática do conteúdo restrito – o de ser uma função e não propriamente um ‘conteúdo’ –. Fodor mesmo afirma a inex-pressibilidde do conteúdo restrito:

[2.13] O conteúdo restrito é radicalmente inexpres-sável, porque é apenas potencialmente um conte-údo; é o que consegue ser conteúdo quando – e apenas quando – consegue ser ancorado (FODOR, 1987, p. 50)

Nessa fase do pensamento fodoriano, essa característica ressalta o fato de que não é possível expressar exatamente o que os pensa-mentos do terráqueo e seu gêmeo têm em comum. O que eles têm em comum não é semanticamente avaliável. Avalia-se, então, ape-nas o conteúdo de uma sentença/proposição qua ancorada. Fodor diz, entretanto, que caso se pretenda obter o conteúdo compartilha-do mencionando a sentença, abstraindo uma forma das palavras a partir das consequências de ela estar ancorada, cair-se-ia num tipo de falácia da subtração, pelo seguinte procedimento:

- toma-se o conteúdo ancorado; - retiram-se as condições de ancoragem; - acaba-se com um novo tipo de conteúdo: não ancorado.

Ao final, o que é compartilhado é um estado mental que é se-manticamente avaliável dado um contexto:

[2.14] [A] expressão portuguesa ‘o pensamento de que a água é molhada’ pode ser usada para especi-ficar o conteúdo restrito do estado mental que meu gêmeo e eu compartilhamos (muito embora, qua ancorado em H2O, ele não expresse, é claro, aquele conteúdo). Em particular, ela pode ser usada para selecionar o conteúdo do pensamento-de-‘água’ de meu gêmeo, via as condições-de-verdade que ela teria tido se meu gêmeo estivesse “plugado” em meu mundo (FODOR, 1987, p. 51)

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Disso tudo resta o fato de que o conteúdo restrito é essencial-mente uma função de contextos para condições-de-verdade.

Enfim, para Fodor, há duas maneiras de individualizar os pen-samentos: o modo restrito e o modo amplo. Com relação ao modo restrito, afirma:

[2.15] Algumas funções são implementadas nos cérebros; e os cérebros causam coisas. Você pode pensar em estados mentais restritos ao determinar uma classe de equivalência de mecanismos, onde o critério para pertencer à classe é semântica (FODOR, 1987, p. 52).

O conteúdo restrito, portanto, pode ser definido como sendo, em essência:

[2.16] uma função de contextos para condições--de-verdade; funções diferentes de contextos para condições-de-verdade são ipso facto conteúdos restritos diferentes (FODOR, 1987, p. 53).

Os contextos, mesmo que assim vagamente formulados, são os responsáveis pela avaliação semântica das fórmulas – o conteúdo representacional –. Através desse mecanismo, Fodor tenta seguir em direção à sua proposta de naturalização do conteúdo: são as propriedades causais dos tokens de símbolos, em sua natureza tanto intrínsecas (restritas) quanto extrínsecas (contexto-mun-do), que são as responsáveis pelo conteúdo das atitudes propo-sicionais. Fodor (1991c) ressalta, todavia, que:

[2.17] [O] que tem conteúdo restrito não é um obje-to sintático como tal, mas um objeto sintático junto com o feixe de mecanismos que medeiam suas rela-ções mente/mundo (FODOR, 1991c, p. 269).

O que ele quer dizer é que os mecanismos que conectam um símbolo mental a uma propriedade num determinado mundo im-plicam uma função parcial de mundos para propriedades, de modo que alguém que instancie essa função compartilha, como já se viu anteriormente, o conteúdo restrito correspondente, qualquer que

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seja o mecanismo usado para mediar esse mapeamento. Disso Fo-dor conclui:5

[2.18] Assim, cada conceito restrito implica um critério de equivalência funcional para os mecanis-mos implementadores (FODOR, 1991c, p. 269).

Com relação à inseparabilidade dos termos na relação símbolo/mecanismos implementadores (ou como FODOR (1991f) prefere: símbolo/organização funcional), em [2.17], a explicação é que a identidade de mecanismos é suficiente, mas pode não ser necessá-ria para a identidade do conteúdo restrito, enquanto a identidade sintática dos símbolos não é nem necessária, nem suficiente. Com suas palavras:

[2.19] As pessoas compartilham [dado] conceito res-trito se elas têm um par símbolo-e-mecanismo que seleciona este mesmo conjunto de propriedades no mesmo conjunto de mundos. A série de mecanismos que fará isso é presumivelmente ampla, assim a iden-tidade de mecanismos que causam a covariância é suficiente, mas não é necessária para a identidade do conteúdo restrito. E é claro, a mera identidade sintá-tica dos símbolos mentais não é nem necessária nem suficiente (FODOR, 1991c, p. 269).

Na visão fodoriana dessa fase, como se viu, é de suma impor-tância que estados mentais tenham propriedades semânticas in-trínsecas à sua individualização, do que resulta a reivindicação, para a psicologia científica, de uma noção de conteúdo ‘restrito’, individualizado em termos de forças causais de estados mentais, que supervêm a estados do cérebro. Esses estados mentais são o que Soames (1990) chama de funções não constantes, as quais, como funções, atribuem diferentes conteúdos proposicionais como valores para diferentes contextos “fodorianos”, implicando uma certa extensionalidade, conforme Fodor (1991f) admite:

[2.20] [O]s conteúdos restritos são funções, conse-quentemente, extensionalmente individualizados (FODOR, 1991f, p. 302).

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Aliás, Soames (1990) apresenta uma formulação de conteúdo restrito que não parece ferir o pensamento fodoriano. A formula-ção toma (a) e (b), abaixo; se (a) for o caso (b) é verdadeiro:

(a) Para todas as proposições p, indivíduos i (em tempo t), i acredita que p (em t) sse há (em t) uma represen-tação mental M, com conteúdo restrito N e contexto C com i como agente (e t como tempo), tal que i mantém uma certa relação R com M (em t) e N(C)=p.

(b) Para todas as proposições p, indivíduos i (em tem-po t), i acredita que p (em t) sse há (em t) uma re-presentação mental M, tal que i mantém uma certa relação R com M (em t) e p é o conteúdo de M, quando tomados como uma das representações mentais de i (em t).

Como já se sabe, entretanto, para Fodor, a semântica de um símbo-lo não depende apenas das propriedades intrínsecas da mente, já que o conteúdo amplo varia de mundo para mundo, à medida que o par símbolo-mecanismo escolhe um conjunto de propriedades para cada mundo em que o conteúdo restrito do símbolo é definido. Para ele:

[2.21] A equivalência funcional de mecanismos psicológicos é definida por referência a um crité-rio independentemente especificado para a iden-tidade de conteúdo. Isso ocorre em dois passos: primeiro o conteúdo amplo, então o restrito. À medida que a fixação do conteúdo amplo CÃO está fixada, tudo o que é requerido de um mecanis-mo é que ele efetue a conectividade à caninidade (FODOR, 1991c, p. 269).

A colocação [2.21], na verdade muito sintética, pode ser melhor entendida a partir da seguinte exposição de Fodor (1991f), quando ele se refere à relação de controle existente entre ocorrências de um estado mental e de traços do ambiente (mundo “externo”):

[2.22] Uma condição necessária para um estado ter conteúdo restrito é que haja algum ambiente

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em que ele teria conteúdo amplo (algum contexto relativamente ao qual ele é semanticamente avali-ável). Se você acredita em semânticas informacio-nais, o que faz um estado mental semanticamente avaliável relativamente a um contexto é algum tipo de relação de controle entre ocorrências de um estado e ocorrências de certos traços do ambiente. Para estar nesse tipo de relação de controle, você tem que ter o tipo certo de organização mental que pode ser controlada por variáveis ambientais da maneira certa [...], assim, pedras não têm conte-údo restrito.A moral dessas observações é que, se há algo que determina quando os estados têm conteúdo res-trito, parece ser algo sobre a estrutura interna das criaturas (FODOR, 1991f, p. 300-301).

Como bem resume Reeves (1995):

[2.23] A proposta de Fodor (1991[c]) é que uma representação mental é individualizada como um objeto sintático, mais mecanismos que implemen-tam relações nômicas com a propriedade, que é o conteúdo amplo da representação mental no con-texto em questão (REEVES, 1995, p. 3).6

Importante nesta fase, portanto, em vista de reformulações te-órico-metodológicas que ocorreram posteriormente no programa de Fodor, é a ênfase sobre a relevância explanatória do conteúdo restrito, expressa, a título de exemplificação, na seguinte passagem:

[2.24] É plausível que a noção de conteúdo restri-to tenha algum trabalho científico a desempenhar. [...] [A] taxonomia dos estados psicológicos pelas suas forças causais não pode respeitar diferenças de conteúdo amplo per se [...]. Se isso estiver cor-reto, [isso] levanta as apostas; significa que ou a

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taxonomia psicológica (científica) é restrita ou não é intencional de todo (FODOR, 1991f, p. 300).

Um dos aspectos polêmicos relativos ao conteúdo restrito é que, para alguns, se tal significado for defensável, ele depende de uma teoria holística do significado (Veja-se [Q 1.8]), tal como se verá na parte quatro do capítulo 3.

Com relação, especificamente, ao conteúdo amplo, tema da se-gunda parte desse capítulo, Fodor afirma que é preciso encontrar argumentos para a ideia de que a extensão de um estado mental res-trinja seu conteúdo, de modo que, dado um contexto, os conteúdos são diferentes se as extensões são diferentes.

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2.2 A Teoria da Dependência Causal Assimétrica e a primazia do conteúdo amplo

Nesta parte do capítulo, é tratada uma das teses centrais de Fodor, desenvolvida na Teoria da Dependência Causal Assimétrica. Apresenta-se o quadro geral da Teoria tomando-a, basicamente, em dois de seus estágios principais, a proposta tal como se apresen-ta em A Theory of Content (1990a) e em The Elm and the Expert (1994b)1.

O tratamento dessa Teoria visa a responder a seguinte questão: Qual o papel de uma semântica externalista, ampla e denotacional, na explanação intencional? Na base dessa indagação está a crença de que uma semântica do conteúdo amplo forneça uma certa estabi-lidade ao conteúdo e, ao final, ela seria explanatoriamente suficien-te para dar conta das regularidades comportamentais dos sujeitos. Assim sendo, cabe esclarecer, de início, a relação entre causal e de-notacional numa semântica desse tipo. Conforme Fodor (1991f):

[2.25] [U]ma semântica causal completa uma semân-tica denotacional, ao dizer em virtude de que fatos so-bre as relações (causais) entre os símbolos e coisas no mundo o símbolo tem a condição de satisfação que tem [...] [U]ma teoria denotacional especifica a condição de satis-fação de uma certa expressão (num dado ambiente); uma teoria causal diz o que torna algo condição de satisfação dessa expressão nesse ambiente (FODOR, 1991f, p. 300).

Assim sendo, uma teoria semântica causal fornece o critério de sa-tisfação para que um símbolo tenha uma referência (causal) no mundo, e a teoria denotacional especifica a condição de satisfação. Como se verá mais adiante, a denotação será tratada em termos de relações nô-micas entre propriedades ou covariâncias entre suas instanciações.

Em linhas gerais, a Teoria da Dependência Causal Assimétrica é uma proposta de semântica naturalizada, não psicológica. O pro-pósito de Fodor expressa-se da seguinte maneira:

[2.26] Quero uma teoria naturalizada do significado; uma teoria que articule, em termos não semânticos e não inten-cionais, condições suficientes para que um segmento [bit] do mundo seja sobre (expresse, represente, ou seja verda-deiro de) um outro segmento [bit] (1987, p. 98).

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Essa proposta de semântica tem caráter informacional, ou, em outras palavras, é uma semântica do conteúdo amplo.

Para Loewer e Rey (1991), a Teoria da Dependência Causal As-simétrica, sendo uma teoria do conteúdo amplo, parece estar bem de acordo com “as intuições externalista de Putnam” (p. xxviii).

Fodor (1990a) sustenta que uma semântica naturalizada do con-teúdo deve dar conta de dois aspectos fundamentais de um símbo-lo: a informação e a robustez. Tal abordagem deve ser, ao mesmo tempo e em alguma medida, verificacionista, fisicalista e atomísti-ca. Integrar essas condições significa responder a questões como: o Problema de Brentano, o Problema da Disjunção2 e o caso das Terras Gêmeas3, para citar algumas. Para o autor, a formulação do conteúdo em termos de dependência causal assimétrica dá conta dessas questões.

Loewer e Rey (1991) classificam a Teoria da Dependência Cau-sal Assimétrica como uma teoria covariacional-contrafactual, o que, é certo, seria admitido por Fodor. Nesse modelo teórico, concebe-se que certas propriedades disposicionais contrafactuais covariam com propriedades no mundo, ou seja:

[2.27] [S]ob condições epistemologicamente ideais, ocor-rências de um predicado covariam com as propriedades que expressam (LOEWER; REY, 1991, p. xxvi).

Considere-se que, conforme [2.21] e [2.22], com relação ao conteúdo restrito, para Fodor (1991c):

[2.28] Os tipos de covariâncias legais em que os símbo-los mentais podem entrar são restringidos não pela sua sintaxe, mas pelos tipos de mecanismos (p. ex.: compu-tacional/transdutivo, etc.) disponível para mediar sua co-variação mente/mundo. Tais restrições não determinam a referência [...], mas determinam nomologicamente com quais propriedades um dado símbolo mental, sintatica-mente definido, pode covariar; consequentemente, qual o conteúdo amplo que ele pode expressar; consequente-mente, qual o conteúdo restrito ele pode expressar (FO-DOR, 1991c, p. 268-269).

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Todavia, entrando na questão denotacional, conforme a formu-lação do Problema da Disjunção, nem todas as causas da ocorrên-cia de um símbolo caem em sua extensão ou têm a propriedade que o símbolo expressa: tokens de um símbolo, por exemplo, podem ser produzidos por coisas erroneamente tomadas como tendo certa propriedade ou por coisas meramente associadas com certa pro-priedade. Segundo Fodor (1990b), há várias situações em que um token serve para representar sua extensão: (a) em nomeações do tipo “Lá vai um cão”; (b) em generalizações existenciais nas repre-sentações, como “Um cão tem quatro patas”; (c) em existenciais, como “Há cães”; (d) em proposições hipotéticas do tipo “Se há cães, pode haver qualquer coisa; se há qualquer coisa, pode haver cães”; (e) em proposições encaixadas em verbos de atitudes pro-posicionais, como “Todo mundo acredita que existam cães”. Em todas essas situações, garante o autor, o token ‘cão’ é um símbolo com propriedades intencionais genuínas.

Antony e Levine (1991), sobre o Problema da Disjunção aler-tam para o fato de que:

[2.29] Um dos melhores argumentos para a existência de intencionalidade autêntica, e para os tratamentos in-tencionalistas específicos de processos perceptuais e cognitivos, é a possibilidade de erro por representações equívocas. Desde ilusões ópticas a premissas falsas, os erros fornecem a melhor evidência para a existência de algum mecanismo para “ver-como”, para um nível de representação que faz a mediação entre o estímulo e a resposta. Ao mesmo tempo, entretanto, a possibilidade de erros representacionais constituem o desafio maior para qualquer tentativa de naturalizar as relações semânticas (ANTONY; LEVINE, 1991, p. 7-8).

Indo nessa direção, Fodor (1990a) estabelece dois tipos de si-tuações sobre a covariação entre o símbolo e a propriedade que ele expressa, isto é, um símbolo pode ter dois tipos de etiologia, quais sejam:

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Q 2.5 Etiologias Possíveis de um Símbolo

Pela natureza informacional do conteúdo, como defende Fodor, a teoria deve dar conta do fato de que símbolos carregam informa-ção sobre a sua extensão (Situação 1, em [Q 2.5]). Por essa via, o conteúdo de um símbolo é, de alguma maneira, dependente de rela-ções causais legais em que seus tokens entram. Pelo caráter robusto do símbolo, a teoria deve dar conta do fato de que algumas formas de usar símbolos são ontologicamente parasitas de outras: tokens do mesmo símbolo-type podem ter causas heterogêneas (Situação 2, em [Q 2.5]). Nesse último caso, como se sabe, tem-se o problema da disjunção. E, para Fodor, resolver o problema da disjunção é escla-recer como o significado de um símbolo poderia ser, de certo modo, insensível à variação das causas de suas ocorrências. Decorre disso que deve haver um modo de escolher as relações causais semanti-camente relevantes em que os tokens de um símbolo podem com-parecer.

Essas relações causais expressam-se, no projeto fodoriano de naturalização do conteúdo, através de relações nômicas.4 Em ou-tros termos, conforme Antony e Levine (1991), o projeto de natu-ralização requer que haja relações nômicas entre estados mentais e seus conteúdos, a fim de que a relação de representação forneça uma espécie de relação natural. A representação seria uma conexão causal, tomando-se relações nômicas confiáveis como relações do tipo ter-informação. Dessa forma, a força simbólica da represen-tação:5

[2.30] deriva de algum modo da existência de uma relação nômica entre alguma propriedade das causas ambientais da-quele símbolo e uma propriedade do organismo respondente, fornecendo uma disposição da parte do organismo para res-ponder seletivamente (i. e., produzir um símbolo) ao estímulo com esta propriedade (ANTONY; LEVINE, 1991, p. 2).

ETIOLOGIAS POSSÍVEIS DE UM SÍMBOLOSituação 1:

O que quer que cause a instanciação de um símbolo é sua extensão.

Situação 2:Os símbolos podem ser causados por coisas às quais eles não se aplicam.

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Utilizando-se um exemplo, pode-se dizer que um token do sím-bolo ‘maçã’ expressa a propriedade maçã. Ou seja, usa-se o símbo-lo para falar-se de maçãs. Todavia, por quaisquer razões, pode-se usar um token do símbolo ‘maçãs’ para expressar a propriedade pêra. O ponto é que, no primeiro caso, ‘maçã’ significa maçã; no se-gundo caso, não. Para Fodor, nesse caso, ‘maçã’ significa maçã se:

(a) há uma relação nômica entre a propriedade de ser uma maçã e a propriedade de ser uma causa de um token do símbolo ‘maçã’;

(b) há uma relação nômica entre outras propriedades, a de ser uma pêra, e a propriedade de ser uma causa de tokens de ‘maçã’;

(c) a última relação nômica depende assimetricamente da primeira, em que quebrando-se a primeira relação nômica, quebra-se automaticamente a segunda.

Esquematicamente tem-se:

Q 2.6 Esquematização de Relações Nômicas

Estas, como se vê, são relações nômicas entre propriedades, não entre indivíduos, sendo que as relações entre as propriedades são esti-puladas. O conteúdo, portanto, origina-se de tais dependências causais nômicas: articulam-se uma teoria causal e uma teoria nômica. Verifi-ca-se, pois, que essa teoria se compromete com objetos intenSionais, como propriedades, relações e leis. Para Fodor, carregar-informação é, em algum sentido, uma relação intensional, uma propriedade intensio-nal fundamental de um símbolo. Atente-se para suas colocações:

[2.31] [O] que temos é uma explicação de uma relação se-mântica (viz., a relação semântica entre um predicado sintati-camente primitivo e a propriedade que ele expressa) expressa num vocabulário que envolve apenas expressões (especifica-mente causais) naturalistas e expressões que denotam objetos intensionais com-um-s (especificamente expressões que de-notam leis e propriedades) (FODOR, 1990a, p. 127).

(a) ser uma maçã/ relação nômica /ser causa de tokens ‘maçã’(b) ser uma pêra/ relação nômica/ ser causa de tokens ‘maçã’(c) Se ser uma maçã/ não relação nômica/ ser causa de tokens ‘maçã’,

então ser uma pêra/ não relação nômica/ ser causa de tokens ‘maçã’.

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Segundo Fodor, embora fazendo apelo a expressões intensio-nais, essa proposta de semântica é fisicalista, pois não apela para expressões intenCionais ou semânticas. O autor faz a seguinte re-flexão:

[2.32] Se este tipo de Realismo [intensional] prejudica a pretensão de uma semântica de ser fisicalista – e se ela prejudica, se for importante que uma teoria semântica seja fisicalista – são questões de algum interesse; mas não que eu me proponha a tratar aqui. Satisfaz que o naturalismo, como eu entendo o termo, não implique materialismo, se o último for entendido como negando o status ontológico de entidades abstratas (FODOR, 1990a, p. 132, n. 6).

A saída de Fodor em direção à Teoria da Dependência Causal Assimétrica é inspirada na ideia de que o erro é ontologicamente parasito da verdade. Por exemplo, ‘cão’ com relação a gato-no--escuro é causalmente dependente de ‘cão’ com relação a cão, mas não o contrário. Com suas palavras:

[2.33] É uma velha observação – tão velha quanto Platão, suponho – que falsidades são ontologicamente dependen-tes de verdades de um modo que verdades não são onto-logicamente dependentes de falsidades. Os mecanismos que geram falsidades são de algum modo parasitos daque-les que geram verdades (FODOR, 1987, p. 107).

Consequentemente, pela lei da dependência assimétrica, toman-do-se as relações anteriormente referidas, ‘maçã’ não significa, disjuntivamente, [maçã ou pêra], significa apenas maçã. Isso por-que, de acordo com a robustez do significado, nem tudo o que causa a instanciação de um símbolo é sua extensão. A Lei da Dependên-cia Assimétrica dá conta disso, acredita Fodor, já que permite que símbolos sejam causados por coisas às quais eles não se aplicam. Essa proposta de semântica não especifica todas as circunstâncias em que é semanticamente necessário que todas as maçãs causem tokens de ‘maçã’s. Também não assume que haja circunstâncias no-mológica e naturalisticamente possíveis em que é semanticamente necessário que todas as maçãs causem tokens de ‘maçã’s. Afirma apenas que para ‘maçã’ significar maçã alguns tokens do símbolo ‘maçã’ deveriam ser causados por (deveriam carregar informação

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sobre) maçãs, e que tokens do símbolo ‘maçã’ não-causados-por--maçãs são assimetricamente dependentes daqueles.

Em outras palavras, acrescentando-se especificidade ao afirma-do em [2.33]:

[2.34] pode haver tokens falsos, mas esses são metafisica-mente dependentes dos verdadeiros (FODOR, 1987, p. 91).

Não há nenhum token do símbolo ‘maçã’ não-causado-por-maçã sem que haja tokens de ‘maçã’ causados-por-maçã. Essa última rela-ção causal é nomologicamente necessária. Fodor, portanto, não quer uma Teoria Causal Bruta que, via de regra, supõe que

[2.35] um símbolo expressa uma propriedade se é nomo-logicamente necessário que todas e apenas instâncias da propriedade causem ocorrências do símbolo (FODOR, 1987, p. 100).

Fodor quer uma teoria causal mais refinada que dê conta dos er-ros de representação – o Problema da Disjunção. A Lei da Depen-dência Causal Assimétrica é, então, formulada da seguinte maneira:

Q 2.7 Lei da Dependência causal Assimétrica

A teoria do conteúdo fundada sobre a dependência assimétrica não aceita princípios tais como P1 e P2:

Q 2.8 Princípios Rejeitados pela Teoria da Dependência Causal Assimétrica

Tomando-se A, B, C e D como sendo proriedades, a lei ‘C → D’ é as-simetricamente dependente da lei ‘A → B’ se e somente se a conexão A→B não pode ser quebrada sem que se quebre a conexão C → D, mas a conexão C→ D pode ser quebrada sem que se quebre a conexão A→B.

P1: Não se pode ter um símbolo/conceito que expresse a propriedade X a menos que seja nomologicamente possível distinguir instanciações de X de instanciações de outra propriedade.

P2: Se “X” expressa no mínimo X E se há um Y que não se pode nomo-logicamente distinguir de X, então “X” expressa Y, assim como X expressa a propriedade disjuntiva [X ou Y].

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Por outro lado, segundo Fodor, resolver o Problema de Bren-tano requer que se encontrem apenas condições suficientes para a intencionalidade, não condições necessárias e suficientes. O autor elabora a suficiência em termos de condicionais subjuntivos/con-trafactuais, em que se tem: ‘”X” significaria X se S fosse o caso’ ou ‘se houvesse instâncias de S, elas causariam ocorrências de “X”’. Esses contrafactuais são também estipulados.

Nesse ponto deve-se acrescentar que a relação nômica é esta-belecida em termos de: tudo o mais sendo igual, quebrando-se a relação nômica maçã/ ‘maçã’, quebra-se a relação X/ ‘maçã’.6

Vendo-se a questão de forma panorâmica, para Fodor (1987), há pelo menos três instâncias a serem tomadas em consideração quando se fala da dependência assimétrica:

(i) numa instância ontológica, ele acredita que é um prin-cípio básico que o mundo contenha propriedades e re-lações nômicas entre propriedades;

(ii) numa instância epistemológica, ele está convicto de que é possível saber se há uma relação nômica entre propriedades, mas não sabe que contrafactuais são verdadeiros quando a relação se estabelece;

(iii) numa instância metodológica, esses contrafactuais são estipulados, sob a forma de construções subjun-tivas do tipo: “se houvesse instâncias tal-e-tal, elas causariam ocorrências do símbolo”.

Conforme Pylyshyn (1986), a argumentação por contrafactuais é uma propriedade geral dos princípios explanatórios, em oposição às generalizações empíricas. Isso significa que devem fazer pre-dições em circunstâncias não atuais: “o que poderia ser feito em certas situações contrafactuais” (p. 206).

O critério de apoio contrafactual opera no nível intencional, porque

[2.36] [N]enhum outro conjunto de princípios está equipa-do para expressar regularidades que podem ser alteradas sistematicamente e de um modo racionalmente explicável pelo conteúdo semântico das mensagens (PYLYSHYN, 1986, p. 211).

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Os princípios no nível intencional tornam possíveis respostas a questões do tipo:

O que o organismo faria se [ele viesse a acreditar que P]?O que o organismo faria se [ele viesse a desejar que P]?

Fodor (1990a) argumenta que, numa semântica informacional, nos moldes em que ele a propõe, são as contingências subjuntivas com contrafactuais que devem ser levadas em consideração.

É importante observar que Fodor não aceita tratar a constru-ção causal das relações semânticas em termos de normatividade, de uma orientação ou prática linguística. Para ele, as orientações linguísticas não produzem relações semânticas, apenas relações causais; e estas é que produzem relações semânticas (Veja-se [I-05] e [1.70] por exemplo.). Assim, não são as orientações linguísticas per se que interessam para a semântica, mas sim os padrões de de-pendência causal aos quais as orientações linguísticas dão origem. Essas orientações dão origem às dependências causais assimétricas, a partir das quais a robustez do conteúdo é definida, mas as condições para a robustez quantificam sobre os mecanismos mediadores da covariância, prescindindo das orientações linguísticas mesmas, consideradas apenas um tipo de canal causal.

Fodor (1990a), num “interlúdio não verificacionista”, como ele próprio denomina, propõe uma versão da dependência assimétri-ca que minimiza o verificacionismo de uma abordagem informa-cional pura. Essa proposta é apresentada com o espírito de “um exercício”. A ela deu o nome de teoria mista. Na teoria mista, as relações semânticas, pela dependência assimétrica, são construídas tanto por condicionais subjuntivos quanto pela história efetiva das ocorrências do símbolo. Essa proposta diverge de uma versão pura-mente informacional em que apenas conexões nômicas fariam todo o trabalho. Ao fazer isso, Fodor compromete-se com um verifica-cionismo mínimo:

[2.37] [A] maneira de evitar o verificacionismo é esta: você relaxa a exigência de que as relações semânticas se-jam construídas apenas por referência a condicionais sub-juntivos; você deixa as histórias efetivas das ocorrências contarem também (FODOR 1990a, p. 120).

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Assim, nesse “interlúdio”, para “X” significar X, deve haver três condições:

Q 2.9 Interlúdio Verificacionista: Teoria Mista da Dependência Causal Assimétrica

A C1, em [Q 2.9], é basicamente informacional. A C2 evoca a histó-ria efetiva do símbolo. A C3 dá conta da dependência assimétrica (e da robustez). A C2 é chamada por Prinz (1995a) de Suposição das Causas Efetivas (SCE) (“The Actual Causes Assumption”):

Q 2.10 Suposição das Causas Efetivas

Sobre a existência de algum “resíduo” verificacionista, Fodor esclarece:

[2.38] Temos dito que o significado X de “X” requer a pos-sibilidade nomológica de distinguir X de qualquer proprie-dade que causasse “Xs” se ela fosse instanciada. (Conse-quentemente, dissemos que “água” significa algo disjuntivo a menos que haja mundos nomologicamente possíveis em que H2O é distinguido de XYZ, etc.). Agora, tudo o que é requerido é que seja nomologicamente possível distinguir X de qualquer propriedade que seja efetivamente instanciada na história causal de “Xs”. (Qualquer propriedade que não cause efetivamente “Xs” ipso facto falha em encontrar a condição 2; porque “água” não significa XYZ de acordo com a pre-sente abordagem.) A teoria é residualmente verificacionista apenas ao assumir que, se vacas-em-noite-escura realmente causam “cavalos”, ou “cavalo” significa algo disjuntivo ou é nomologicamente possível distinguir cavalos de vacas-em--noite-escura. (i. e, o verificacionismo residual é requerido à medida que tokens de “cavalo” que são causados por va-cas em noite escura podem cair sob a condição 3.) (FODOR 1990a, 122-123).

TEORIA MISTA C1: ‘Xs causam “X”s’ é uma lei [relação nômica]C2: Alguns “Xs” são realmente causados por XsC3: Para todo Y não=X, se Ys qua Ys realmente causam “Xs”, então Ys

causando “Xs” é assimetricamente dependente de Xs causando “Xs”.

SCE: C refere-se a Xs apenas se C-tokens são realmente causados por Xs

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Como bem observa Prinz (1995a), se a SCE for o caso, a refe-rência não é restringida por um fato epistemológico – pela nossa habilidade de distinguir coisas e propriedades –, mas for um fato sobre o mundo – a história causal de um conceito.

Para Fodor, a Teoria da Dependência Causal Assimétrica evi-ta o pansemanticismo.7 O uso do predicado ‘carregar-informação’ pode acarretar situações do tipo em que ‘fumaça’ significa fumaça e ‘fumaça’ significa fogo, porque ‘fumaça’ carrega-a-informação fogo, tendo em vista que o predicado ‘carrega-informação’ é tran-sitivo. Para Fodor, basta que se diga que tokens de ‘fumaça’ car-regam a informação sobre fogo, mas não significam fogo, porque sua dependência sobre fogo é assimetricamente dependente de sua dependência de fumaça. Ou seja, quebra-se a conexão ‘fumaça’ → fumaça e vê-se quebrada a conexão ‘fumaça’ → fogo.

Segundo Fodor, tudo o que se necessita para a informação é de uma covariância causal confiável, enquanto que para o significado precisa-se também de, no mínimo, dependência assimétrica. Em suma:

[2.39] A informação é ubíqua, mas não é robusta; o signifi-cado é robusto, mas não é ubíquo (FODOR, 1990a, p. 93).

Por outro lado, em perfeito acordo com os comprometimentos fodorianos, essa abordagem do conteúdo é atomística – no senti-do de não holística – (Vejam-se [Q 1.6] e [Q1.7]), visto que uma dependência assimétrica não depende de outras dependências assi-métricas. Visa-se à naturalização de “estados mentais, se é a repre-sentação mental que está sendo naturalizada” (1990a, p. 58), mas, como decorrência do atomismo, o que se tem é a naturalização de símbolos atômicos. Em vista disso, essa posição coloca em foco o caráter produtivo/recursivo do sistema representacional (Vejam-se [1.26] e [1.31], por exemplo.). Fodor esclarece sua posição quanto à produtividade do sistema de representações, ao dizer que o apa-rato produtivo a partir de símbolos atômicos não opera na distinção do conteúdo, mas que as condições para um símbolo ter um con-teúdo podem, através desse aparato, ser satisfeitas por um número potencialmente infinito de fórmulas. Ele diz:

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[2.40] [U]ma teoria semântica fornece uma condição na-turalizada para o conteúdo em termos de relações nômicas entre propriedades; a grosso modo, o símbolo S expressa a propriedade P se é uma lei que Ps causam S-tokens. Essa condição é perfeitamente geral no sentido de que pode ser satisfeita tanto por símbolos atômicos como comple-xos. De forma correspondente, o apelo ao aparato recur-sivo (“tarskiano”) em uma teoria semântica funciona não como parte da definição do conteúdo, mas para mostrar como as condições para o conteúdo podem ser satisfei-tas por um número infinito de fórmulas que perten-cem a um sistema produtivo de representações. A ideia é que o conteúdo emerge da relação legal entre ocorrên-cias da propriedade (no mundo) que o símbolo expressa e ocorrências do símbolo (no organismo); e a represen-tação interna do aparato tarskiano é parte do mecanismo computacional que medeia essa relação legal (FODOR, 1990a, p. 84).

Se o aparato produtivo parte de tais relações nômicas entre pro-priedades, o que dizer de exemplos como o do símbolo ‘duende’, cujo conteúdo deve ser determinado respeitando-se a condição C2 (Alguns “Xs” são realmente causados por Xs)? Como se viu, Fodor parte do princípio de que é entre propriedades (não entre indivíduos) que se estabelece uma relação nômica. A C2 leva à ne-cessidade de propriedades instanciadas. A única saída seria pressu-por que essa relação possa ser estabelecida entre propriedades não instanciadas, de modo que a propriedade de ser um duende seria nomologicamente ligada à propriedade de ser causa de ‘duendes’s, mesmo que não haja duendes. E aqui entram os contrafactuais: não haveria tokens de ‘duendes’ não-causados-por-duendes, a menos que duendes causassem tokens de ‘duende’ se houvessem duendes. A solução de Fodor, portanto, seria tomar DUENDE como um con-ceito que expressa uma propriedade não instanciada.

Surgem, então, alguns problemas. Como, para o autor, concei-tos que expressam propriedades não instanciadas não podem ser considerados conceitos primitivos, já que dependem de relações com conceitos que expressam propriedades instanciadas, a solução é tratá-los como descrições abreviadas. A descrição seria, então, uma construção de conceitos que expressam propriedades instan-

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ciadas. A partir disso, as relações nômicas tornar-se-iam possíveis. O fato de Fodor aceitar, na Teoria Mista, a C2 torna necessário, portanto, que se fale de descrições abreviadas, enquanto que numa abordagem puramente informacional bastariam conexões nômicas. O autor observa, entretanto, que tanto uma teoria informacional pura como uma teoria mista devem reconhecer uma distinção do tipo primitivo/derivado. O que ocorre, afirma, é que a semântica puramente informacional

[2.41] tolera uma conexão mais estreita entre ser seman-ticamente primitivo e ser sintaticamente mais simples do que as mistas (FODOR, 1990a, p. 124).

O problema, aqui, é determinar o que se entende por primitivo. Fodor admite que a noção de primitividade não é clara. Para ele, poder-se-ia ter um símbolo sintaticamente primitivo – entendendo--se que um símbolo é sintaticamente primitivo se e somente se ele não tem partes semanticamente avaliáveis – desde que introduzido por uma definição. Mas, embora afirme que todas as propriedades necessariamente não instanciadas possam ser expressas por símbo-los complexos, Fodor não tem certeza sobre a plausibilidade dessa suposição e conclui simplesmente que “sugestões são gratamente solicitadas” (1990a, p. 101). Apesar dessas dúvidas, o autor admite uma mudança de pensamento desde “Current Status of the Inna-teness Controversy” (1981). Naquela época pensava em conceito primitivo em termos de conceito lexical. Na fase em que cogita a Teoria Mista, ele prefere pensar em termos de conceito lexical e instanciado, ao ponto de considerar que “[t]alvez os conceitos le-xicais instanciados constituam um tipo natural semântico” (1990a, p. 124).

Sobre a semântica dos predicados que expressam abstrações, Fodor diz apenas que ela não é de modo algum diferente das de-mais situações já referidas. Ele afirma que

[2.42] Todos os predicados expressam propriedades, e todas as propriedades são abstratas. A semântica da pala-vra ‘virtuoso’, por exemplo, é determinada pelas relações nômicas entre a propriedade de ser uma causa de tokens daquela palavra e a propriedade de ser virtuoso. Não é, de um modo que seja interessante, diferente da semântica de ‘cavalo’ (1990a, p. 111).

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Prinz (1995a) pontua bem a posição de Fodor (1990a) quando afirma que este [mesmo ali] admite que a SCE [Q 2.10] complique a semântica de tipos naturais não instanciados, como os de UNI-CÓRNIO, DUENDE, etc., permanecendo indeciso até The Elm and the Expert sobre sua inclusão numa semântica informacional.

Retomando-se o ponto mais básico da discussão, para Fodor, resolver o problema da disjunção é estabelecer que o que ‘cão’ cau-sado por cão e ‘cão’ causado por gato-no-escuro compartilham não é a informação que carregam (o que leva ao erro), mas o que eles significam, na medida em que ambos expressam a propriedade cão. Ocorrências errôneas de ‘cão’ não carregam a mesma informação que nomeações verdadeiras. Fodor admite não saber se informação e robustez são suficientes para a resolução do Problema de Brenta-no, mas considera que sua proposta possa oferecer:

(i) uma explicação da relação semântica entre um pre-dicado sintaticamente primitivo e a propriedade que ele expressa, expressa num vocabulário de expressões naturalístico-causais e de expressões que denotam objetos intensionais;

(b) um tratamento para os símbolos, em que estes podem ser informativos e robustos;

(c) uma abordagem atomística.Para Fodor (1990b), todavia, a Teoria da Dependência Causal

Assimétrica não resolve o problema do erro, ao contrário do que pensava em Psychosemantics (1987), por exemplo. Isso porque ocorrências representacionais dos símbolos são assimetricamente dependentes de rotulações verdadeiras de símbolos. O autor coloca a questão da seguinte forma:

[2.43] O ponto sobre os erros, acima de tudo, é que eles são coisas que queremos evitar; e sua dependência assi-métrica sobre rotulações verdadeiras não explica, em si mesma e de si mesma, porque isso é assim. (Para colocar de uma outra maneira, a tentativa de Platão de derivar a objeção normativa para crenças falsas a partir da priorida-de ontológica das verdadeiras simplesmente não funcio-na) (FODOR, 1990b, p. 187).

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Neste momento, admitindo não ter uma solução para o proble-ma do erro, Fodor diz haver duas situações básicas que podem ser, todavia, consideradas:

(a) a de aplicar um símbolo; (b) e a de expressar uma propriedade.

Aplicar um símbolo a uma coisa envolve uma disposição para raciocinar e agir de determinada maneira, tanto com relação ao sím-bolo como com relação à coisa a que este se aplica. Assim sendo, aplicando a questão a um exemplo interessante, numa perspectiva funcionalista, caso se aplique ‘ornitorrinco’ a, por exemplo, Bossie, e caso se aceite que ‘ornitorrincos põem ovos’, o símbolo expressa (aplicação do símbolo) tal propriedade, ceteris paribus ‘Bossie põe ovos’, de modo que:

[2.44] há um símbolo [...] que expressa uma proprieda-de que é instanciada por e apenas por estados de coisas que são constituídas por Bossie ser um ornitorrinco. Uma maneira de aplicar ‘é um ornitorrinco’ a Bossie é ter um token deste símbolo em sua caixa-de-crenças-verdadeiras. A caixa-de-crenças-verdadeiras é definida por referência aos papéis causais que ela contém; isto é, um símbolo está na caixa-de-crenças-verdadeiras se seus tokens têm certas causas e efeitos. Entre as consequências dessa caracte-rização funcional está que, ceteris paribus, se ‘Bossie é um ornitorrinco’ e ‘ornitorrincos põem ovos’ estão ambos na caixa-de-crenças-verdadeiras, então ‘Bossie põe ovos’ também está. Uma consequência adicional é que alguns símbolos na caixa-de-crenças- verdadeiras têm relações causais específicas com tokens de símbolos localizados numa caixa-de-desejos-verdadeiros, e ter ‘eu quero co-mer um omelete de ornitorrinco’ em sua caixa-de-dese-jos-verdadeiros é que, ceteris paribus, você ficará em tor-no de Bossie à procura de ovos de ornitorrinco (FODOR, 1990b, p. 188).

Segundo Fodor, a resposta naturalística (de certo modo irreve-rente) para “o que há de errado com crenças falsas?” é que:

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[2.45] crenças falsas nos levam a ações abortivas. E se alguém quer saber o que há de errado com ações aborti-vas, a resposta é elas não levam a conseguir o que você quer. E se alguém quer saber o que há de errado com não conseguir o que você quer, a resposta é que a explicação tem que parar em algum lugar. Esta explicação pára aqui (FODOR, 1990b, p. 188).

Num segundo estágio de desenvolvimento de uma semântica do conteúdo, Fodor passa a negar a participação da SCE [Q 2.10]. Fodor (1994b) adere a uma semântica puramente externalista. Como se viu, tal semântica parte do princípio de que as represen-tações mentais constituem uma espécie de relação causal com o mundo e, naturalizada dessa forma, ela tem caráter não intencional, não sendo, portanto, parte da psicologia. A partir disso, o conteúdo dos pensamentos pode explicar o sucesso do comportamento. Fo-dor explica a situação, aplicando a metáfora do computador (Veja--se também [1.15]):

[2.46] [A]s representações mentais podem mediar os efei-tos do mundo sobre o comportamento, porque as mesmas propriedades das representações mentais que determinam seus papéis computacionais também carregam informa-ções sobre o mundo. De modo mais prático, a computa-ção é, por definição, sintática, e a informação é, por defi-nição, etiológica, e representações mentais podem mediar comportamento e mundo porque sua estrutura sintática carrega informação sobre suas (reais ou possíveis) histó-rias causais. Parece que o problema da interação [mente--corpo] pode ser tratável a partir da suposição de que as mentes são computadores os quais são, de modo apropria-do – isto é, de modo que são engendrantes de informação – encaixados causalmente num mundo de objetos mente--independentes (FODOR, 1994b, p. 86).

Mais adiante afirma:

[2.47] [É] precisamente esse tipo de conexão causal entre o estado do mundo e os conteúdos de crenças que a redução do significado à informação destina-se a assegurar (FODOR, 1994b, p. 96).

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A ideia central é a de que o conteúdo é constituído externa-mente através dessas relações causais. Para Fodor, embora teorias internalizadas possam mediar tais relações causais, não são elas que vêm a constituir o significado.

Fodor-de-The Elm refere-se ao Fodor-de-A Theory como al-guém que contemplava uma teoria metafísica mista, em que o conteúdo é um híbrido de fatores disposicionais e históricos. Com relação a isso, sua posição na presente fase, é a seguinte:

[2.48] Isso [a teoria híbrida], entretanto, é antiestético, e perde um dos traços mais interessantes da semântica in-formacional, sua capacidade de fornecer [...] a autonomia e a produtividade do conteúdo (FODOR, 1994b, p. 116).

Na nova proposta de semântica, o conteúdo passa a depender apenas de relações nômicas entre propriedades e de contrafactu-ais. As conexões nômicas operam mesmo que, por exemplo, tokens de ‘água’ nunca tenham tido efetivamente água como suas causas, conforme abaixo:

[2.49] Onde relações nômicas são a questão, a história efetiva cai fora, e o que conta são apenas os contrafactuais (FODOR, 1994b, p. 116).

Um aspecto sumamente importante do pensamento fodoriano nesta fase está relacionado ao modo como os contrafactuais ope-ram. Segundo Fodor, as tradições culturais, os experts e modelos teóricos, por exemplo, são mecanismos de mediação que “susten-tam os contrafactuais dos quais a metafísica do conteúdo depende” (1994b, p. 119). A partir do momento em que a história/etiologia efetiva deixa de contar, a metafísica do conteúdo passa a interes-sar-se pela disponibilidade desses mecanismos. É importante ob-servar que não está em jogo a história efetiva da operação desses mecanismos, apenas, convém repetir, que eles estejam disponíveis.

Para Fodor, o caso-twin de Putnam evidencia que a superveni-ência do intencional sobre o computacional não é conceptualmente necessária, porque, como se afirmou anteriormente, os indivídu-os podem estar no mesmo estado computacional e diferir quanto às suas atitudes proposicionais. Fodor, entretanto, não argumenta contra a superveniência nomológica do conteúdo amplo sobre a computação, visto que

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[2.50] tanto quanto se sabe, XYZ é nomologicamente im-possível (FODOR, 1994b, p. 28).

Com isso ele quer dizer que não há mundos (i) em que nossas leis químicas permaneçam intactas; (ii) em que haja criaturas cujos pensamentos sejam computacionalmente parecidos aos nossos pensamentos sobre água, mas (iii) que não estejam conectados a amostras de H20. Em outras palavras:

[2.51] Admitir a possibilidade conceptual de XYZ é com-patível com a afirmação de que, como uma questão de necessidade nomológica, todos pensamentos amplos que são computacionalmente como meus pensamentos sobre água são idênticos em conteúdo aos meus pensamentos sobre água em todos mundos nomologicamente possíveis; consequentemente, não poderia haver twins H2O/XYZ. E se não pode haver twins, não é objeção a uma psicologia do conteúdo amplo, que, se eu tivesse uma, ela falhasse em expressar tais generalizações [...] Teorias empíricas são responsáveis apenas por generalizações que envol-vem mundos nomologicamente possíveis. (FODOR, 1994b, p. 29).

Segundo o autor, não se quer uma psicologia que capture gene-ralizações acidentais. Seu posicionamento é o de que:

[2.52] Uma psicologia do conteúdo amplo falharia em expressar as generalizações que subsumem tais twins, quando existem; e essas generalizações a psicologia do conteúdo restrito poderia capturar. Mas eu defendo que, embora tais casos ocorram, é razoável tratá-los como acidentes e considerar as generalizações malogradas como espúrias (FODOR, 1994b, p. 30).

O que está pontualmente acontecendo é que Fodor passa a as-sumir uma visão externalista-informacional para a semântica da linguagem do pensamento. Descartando a possibilidade de duas se-mânticas, a do significado restrito e a do significado amplo, Fodor argumenta em favor da existência de leis intencionais formuladas de modo externalista, e que podem ser computacionalmente im-plementadas. Fodor adverte para o fato de que não está afirmando que as leis psicológicas devam ser formuladas de modo amplo; do

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mesmo modo, não está argumentando contra o conteúdo restrito. Sua posição é, mais exatamente, a seguinte:

[2.53] O que argumentarei é isto: as considerações que têm supostamente mostrado que uma construção externalista do conteúdo não vai ao encontro da explanação psicológica não são sob balanço convincentes. Assim, talvez o conteúdo res-trito seja supérfluo (FODOR, 1994b, p. 28).8

Fodor admite que talvez seja de fato o conteúdo amplo que torne a psicologia ao mesmo tempo

(i) irredutivelmente intencional e(ii) irredutivelmente computacional.

Com isso, não elimina a intencionalidade, apenas naturaliza-a.Para explicar como a noção de conteúdo restrito deixa de ser

necessária, Fodor introduz a noção de tipo funcional relativo ao sujeito.9 Trata-se de uma espécie de conceito do qual, por exemplo, tokens de ‘H2O’ e ‘XYZ’ são instanciações. O ponto é que, confor-me [2.52], não distinguir água de XYZ é acidental. Numa semân-tica informacional, as disposições em vista das quais um conceito C – como um tipo funcional – aplica-se a Xs supõem regularidades legais (não acidentais) nas interações causais com X, de modo que, se ela vier a falhar em capturar generalizações acidentais, não será impugnada. Conforme Fodor:

[2.54] Em outras palavras é isto: de acordo com a semânti-ca informacional, se for necessário que a criatura não pos-sa distinguir Xs de Ys, segue-se que a criatura não pode ter um conceito que se aplica a Xs mas não a Ys. Visto que a semântica informacional sempre imputa conteúdos disjuntivos em tais casos, nunca permitirá que se origi-nem twins com relação a eles. A semântica informacional permitir-lhe-á ter um conceito de Xs, muito embora você não distinga Xs de Ys, quando sua falha em distingui-los é acidental; isto é, quando não há lei que diga que você não possa distingui-los (FODOR, 1994b, p. 32-33).

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Porém, como adverte Fodor, há o caso, sistemático e não aci-dental, em que vários conteúdos amplos podem corresponder ao mesmo mecanismo implementador. É a situação em que não se pode distinguir entre olmo e faia (Veja-se [2.02]). OLMO e FAIA seriam conceitos deferenciais para alguém, mas não para os ex-perts.10 Para um dado indivíduo pensar OLMO é estar num deter-minado estado computacional que é funcionalmente indiscernível daquele quando pensa em FAIA. Mas se tais pensamentos têm diferentes condições-de-verdade, a individualização do conteúdo amplo deve distingui-los. O fato é que grande parte de nossos con-ceitos são deferenciais – um grande problema para a psicologia do conteúdo amplo –. Como Fodor diz, tais espécies de conceitos são de interesse para a epistemologia, não para a semântica, visto que o que se usa para manipular a correlação entre os pensamentos de OLMO e olmos são experts-botânicos. O que ele quer dizer (com sua ironia habitual) é que:

[2.55] O que os filósofos chamam de ‘deferência linguís-tica’ é efetivamente o uso de experts como instrumentos, não a divisão marxista de trabalho em semântica, mas a exploração capitalista em epistemologia (FODOR, 1994b, p. 36).

Esta é, na verdade, a orientação empírica da semântica infor-macional, rejeitando as implicações dos twins sobre a dualidade do conteúdo. Fodor constata o seguinte:

[2.56] O resultado é que, na maior parte do tempo, meus pensamentos de olmo e meus pensamentos de faia são, de fato, idênticos em sua implementação computacional e, por conseguinte, em suas consequências sobre meu comportamento. Não, entretanto, porque eu tenha o mes-mo conceito de olmo (individualizado de modo restrito) e de faia, mas porque, em geral, sou indiferente se penso de algo como um olmo, uma faia ou, para o que interessa, como apenas uma árvore (FODOR, 1994b, p. 36).

A ideia que deve ser reafirmada aqui, conforme [2.49], é que a se-mântica informacional é em geral sobre contrafactuais, de modo que o que deve ser levado em consideração para a identidade dos conceitos não é o que efetivamente se distingue, mas o que se poderia distinguir.

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Esta é a parte semântica, diferente da parte epistemológica da história sobre o conteúdo. Sobre isso, Fodor metaforicamente afirma que:

[2.57] [a] epistemologia é, por contraste, na maioria das ve-zes, sobre dinheiro; isto é, sobre o que eu estou preparado para pagar a fim de assegurar que uma ou outra de minhas crenças sejam verdadeiras, e se o seguro que eu posso obter vale o custo da cobertura (FODOR, 1994b, p. 37).

A semântica externalista, com relação ao conceito OLMO, por exemplo, afirma que tê-lo (o conceito) é estar numa determinada dis-posição para ter pensamentos que são causalmente ou nomologica-mente conectados à olmidade instanciada. Trata-se de uma relação de tokens de representações mentais com propriedades intenSionais no mundo. Desse modo, conforme anunciado em [2.53]:

[2.58] O coração do externalismo é que a semântica não é parte da psicologia. O conteúdo de seus pensamentos (/enun-ciados), diversamente, por exemplo, da sintaxe de seu pen-samento (/enunciados), não supervêm sobre seus processos mentais [...]. Minha presente causa não é, entretanto, recon-ciliá-lo com o externalismo. É antes, convencê-lo de que os processos psicológicos precisam ser computacionais, mesmo se o externalismo for verdadeiro, e as leis intencionais forem, portanto, amplas (FODOR, 1994b, p. 37-38).

Todavia, ainda restam os casos-Frege. Seriam eles suficiente-mente sistemáticos para desconfirmarem leis intencionais amplas? A resposta de Fodor é dada, pode-se dizer, da seguinte forma:

P1 Se a psicologia intencional é especial, suas leis são especiais.P2 As leis especiais são leis ceteris paribus.P3 As leis ceteris paribus toleram exceções (porque estas não

são sistemáticas).C Exceções não desconfirmam leis especiais.Pergunta: Casos Frege são consequências de falhas de leis ce-

teris paribus?Resposta: Esta é uma questão empírica, não conceptual.

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Tome-se a exemplificação abaixo. Se o conteúdo intencional for restrito, se for verdadeiro que (P1), mesmo considerando (P2), (C) não se segue como acarretamento:

P1 ‘Pedro acredita Fa’P2 ‘a=b’C ‘Pedro acredita Fb’O fato, sustenta Fodor, é que a proliferação generalizada de

casos-Frege (agora tidos por ele como aberrações) não é tolerada tanto por uma psicologia ampla como por uma psicologia restrita. Deve-se considerar, entretanto, que apenas o conteúdo restrito po-deria distinguir crenças construídas a partir de conceitos denota-cionalmente construídos, mas deveria assumir que elas são causal/computacionalmente equivalentes quando a equivalência denota-cional conta para o sucesso comportamental. Os casos-Frege, de qualquer modo, não devem/podem proliferar. O que garante isso, afirma Fodor, é o Princípio de Equilíbrio Informacional (PEI):

Q 2.11 Princípio do Equilíbrio Informacional

O PEI deve ser aceito ou endossado por qualquer psicologia, ampla ou restrita, devido aos seguintes truísmos (T) e seu acarreta-mento (TA):

Q 2.12 Truísmos na Psicologia Ampla ou Restrita

T1 X não pode escolher A em detrimento de B, a menos que acredite que poderia preferir A a B, se todos os fatos fossem conhecidos por X.

T2 O sucesso de uma ação é acidental, a menos que as crenças sobre as quais o agente atua sejam verdadeiras.

TA Nenhuma psicologia da crença/desejo pode ver o sucesso normal de ações racionais como acidentes.

Os agentes estão normalmente em equilíbrio epistêmico com relação aos fatos sobre os quais atuam.

Corolário:Ter toda a informação relevante não levaria um agente a agir de maneira diferente do que ele age.

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Em síntese, quando se pensa nos casos-Frege, sai-se em defesa de uma semântica do sentido (do conteúdo restrito). Fodor, admi-tindo estar menos convicto sobre isso, repensa a questão, como se vem mostrando até aqui, e argumenta que seria possível eliminar os casos-Frege. Veja-se o caso de Édipo, apresentado em Fodor (1987 e 1994b). Édipo queria casar com Jocasta, não com sua mãe, mas o fez. Considere-se que os desejos (i) e (ii), abaixo, diferem quanto aos seus conteúdos restritos:

(i) querer casar com Jocasta(ii) querer casar com sua própria mãe

Para Fodor, esse é um caso em que “as coisas vão muitíssimo mal”, e não se deveria tomá-lo como um paradigma. Como ele afirma:

[2.59] A moral da história de Édipo não é que as leis in-tencionais são restritas; é apenas que, se você for audacio-so, é melhor você ter sorte (FODOR, 1994b, p. 46).

Entenda-se que uma coisa é considerar que as leis psicológicas são amplas, outra que o conteúdo amplo é o único tipo de conteúdo requerido pela explanação psicológica. Se o conteúdo for amplo, saber que Jocasta é Jocasta é saber que Jocasta é a mãe de Édipo. Embora Édipo tenha agido fora de suas crenças e desejos, não se segue que tenha agido fora do conteúdo de suas crenças e dese-jos. Especificamente, o desejo de Édipo de casar com Jocasta tinha como seu conteúdo uma proposição (individualizada de modo am-plo), que pode ser descrita, indiferentemente, como a proposição de que Édipo casa com Jocasta ou como a proposição de que Édipo casa com sua mãe. Embora o desejo de casar com Jocasta tenha, ipso facto, o mesmo conteúdo que o desejo de casar com sua mãe, e que caia, consequentemente, sob as mesmas leis intencionais, não se segue que eles sejam o mesmo desejo. De fato, eles não são, eles diferem, segundo Fodor, quanto ao modo de apresentação. O modo de apresentação, como uma sentença do mentalês, é indi-vidualizado não pelo seu conteúdo, mas pela sua sintaxe, ou seja,

[2.60] se o conteúdo intencional é amplo, então algo que não o conteúdo deve poder distinguir entre atitudes pro-posicionais (FODOR, 1994b, p. 49).

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Com isso, Fodor pretende estar fornecendo uma resposta para o que chama de Questão Epônima (QE): Como reconciliar a ideia de que as leis psicológicas são intencionais com a ideia de que sua implementação é computacional. Diz ele:

[2.61] Uma preocupação muito bem conhecida com o conteúdo restrito é a de que ele tende a ser um pouco sui-cida. Em particular, suponhamos uma resposta à QE de que o conteúdo restrito possa ser implementado pelo papel computacional, porque é metafisicamente constituído pelo papel computacional. Você, então, encara a objeção de que são os papéis computacionais dos estados mentais e não seu conteúdo que está fazendo todo o trabalho na explanação psicológica. O papel computacional é independentemente motivado [...]. O conteúdo amplo é também independente-mente motivado, porque, sendo ou não útil para explicar o comportamento, precisamos dele para ter sentido o fato de que os pensamentos têm as condições-de-verdade que têm. Mas, por suposição, o conteúdo restrito supervêm sobre o papel computacional, assim para que precisamos dele? Não está realmente implícito no quadro do conteúdo restrito que a explanação do comportamento não é completamente inten-cional? (FODOR, 1994b, p. 49-50).

Ou seja, se o conteúdo restrito é identificado com o papel com-putacional, ele deixa de ser conteúdo, e se ele supervém a estados neurofisiológicos ele não é necessário.

A QE surge diante da suposição de que os processos psicológi-cos são dirigidos pela sintaxe, o que metodologicamente elimina-ria o conteúdo da explanação psicológica. Isso poderia conduzir à ideia, equivocada, de que:

[2.62] [s]ão as propriedades sintáticas dos modos de apre-sentação que fazem todo o trabalho, e a ligação com um nível de explanação psicológica intencional, enquanto oposta ao computacional, seria meramente sentimental (FODOR,1994b, p. 50).

A reação de Fodor passa a ser a defesa do conteúdo amplo para a explanação comportamental:

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[2.63] [A]s leis psicológicas que se aplicam a um esta-do mental apenas em virtude de seu conteúdo amplo po-deriam desempenhar um papel essencial na explanação comportamental, mesmo que se admitisse que a imple-mentação das leis psicológicas fosse sensível apenas aos modos de apresentação (FODOR, 1994b, p. 50).

Para explicar isso, Fodor supõe uma situação (que ele chama de “wittgensteiniana”) em que há uma população cujos indivídu-os têm em sua mente modos de apresentação de água, mas não o mesmo modo de apresentação de água. Caso se tome como certa a hipótese do conteúdo amplo, não é relevante qual o modo de apre-sentação que delineie as interações com água. Isso significa, mais exatamente, que os sujeitos

[2.64] enquanto tendo-a-crença-sobre-água, não pre-cisam ter algo mais em comum: suas conexões causais compartilhadas com água deixaram suas marcas em cada um deles – eles têm todos modos de apresentação de água – mas ela não deixa a mesma marca em cada um deles – seus modos de apresentação de água diferem de várias maneiras (1994b, p. 52).

Para Fodor, em suma, o conteúdo deve ser amplo, sendo sua metafísica externalista (o que significa dizer que é causal/informa-cional), e os modos de apresentação são sentenças do mentalês. E quanto às diferenças nos modos de apresentação, o autor explica o que segue:

[2.65] Modos de apresentação com histórias causais similares (ou afiliações nômicas, de qualquer maneira com conteúdos amplos similares) sobrepõem-se o suficiente em sua sintaxe para sustentar generalizações psicológicas robustas. Mas não o suficiente para tornarem homogêneas as mentes que essas generalizações subsumem sob descrição sintática. Tanto as similaridades como as diferenças entre os modos de apresen-tação de água seriam explicáveis: de um lado, a heterogenei-dade da experiência individual conta para diferenças de in-formação colateral; de outro lado, somos todos o mesmo tipo de criaturas, e estamos causalmente conectados ao mundo do mesmo modo (1994b, p. 52-53).

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Como Fodor mesmo admite, esse quadro é leibniziano, em vista de que:

Q 2.13 Quadro Leibniziano relativo aos Modos de Apresentação

Dessa forma, o mundo sustentaria uma harmonia entre dois ti-pos de propriedades:

(i) propriedades extrínsecas e históricas em vista das quais uma sentença do mentalês é um modo de apresentação da proposição que-P (conteúdo amplo) e

(ii) propriedades sintáticas em vista das quais uma sen-tença do mentalês é uma causa do tipo de disposições comportamentais que, segundo as leis da psicologia, aqueles que acreditam que-P compartilham (papel computacional).

Fodor afirma:

[2.66] A harmonia deste modo estabelecida entre conteúdo amplo e papel computacional, embora contingente, é confiá-vel e suficiente para responder à QE: os processos computa-cionais-sintáticos podem implementar os processos amplos--intencionais, porque o mundo, e todos os outros mundos que são nomologicamente próximos, arranjam as coisas de tal modo que a estrutura sintática do modo de apresentação confiavelmente carrega informação sobre sua história-cau-sal (FODOR, 1994b, p. 54).

P1 Somos todos mônadas, espelhando o fato que P.

P2 ‘Espelhar o fato que P’ é estar em estados que são causados por/carre-gam informações sobre o fato que P.

P3 Esses estados são sintaticamente estruturados, e sua sintaxe dirige o comportamento.

P4 É um fato sobre o mundo que as propriedades causais de nossa mente são similares, e que as cadeias causais que conectam nossas mentes ao fato que P não são arbitrariamente diversas.

C A sintaxe das representações mentais que têm o fato que P em suas histórias causais tende a se sobrepor de uma maneira que apóia simila-ridades comportamentais robustas entre aqueles-que-crêem-que-P.

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O ponto em que se deve chegar é aquele em que se conseguem leis intencionais para a psicologia computacional, leis de conteúdo amplo, ou seja:

[2.67] [A]s leis que uma psicologia computacional im-plementa deveriam ser intratável e imprescindivelmente intencionais precisamente porque elas são leis sobre con-teúdo amplo, leis sobre o tipo de conteúdo que mentes computacionalmente heterogêneas podem compartilhar em virtude de similaridades em suas relações extrínsecas (FODOR, 1994b, p. 53).

Disso se segue, então, que, em Fodor:

(i) as leis psicológicas são intencionais;(ii) a semântica é puramente informacional e(iii) pensar é computar.

O autor sustenta que o projeto metafísico da psicologia intencional não deve depender de suposições sobre a física no nível material. Para ele:

[2.68] É central para a psicologia computacional que os efeitos das identidades e diferenças semânticas sobre os processos mentais sejam mediados por propriedades ‘locais’ de representações mentais, consequentemente, por suas propriedades não semânticas, assumindo que a semântica seja externalista (FODOR, 1994b, p. 107).

Sobre o externalismo, Fodor admite que deixa de lado os proble-mas representados pelos casos-Frege e casos-Twins, mas conclui que:

[2.69] O externalismo sofre dos problemas de Frege, dos casos-Twins e da inescrutabilidade [...]. Mas se você come-ça com a questão de como o pensamento pode tanto con-trolar o comportamento como fazer contato com o mundo, uma semântica que reduz o conteúdo à causação símbolo--mundo é claramente o que o caso pede. Se a história exter-nalista for verdadeira, os pensamentos podem contatar com o mundo, porque a representação é uma espécie de relação causal com o mundo. É precisamente porque a semântica não é parte da psicologia que o conteúdo de nossos pensa-mentos podem explicar o sucesso de nossos comportamen-tos (FODOR, 1994b, p. 87).

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De um modo mais específico, o mentalês comporta uma rela-ção type/token que é funcional, recursiva e altamente contrafactual, de modo que dois tokens são do mesmo type se eles conduzem a máquina aos mesmos estados – uma relação, portanto, de co-tipi-cidade.

Fodor (1994b) esclarece um ponto fundamental: deve-se consi-derar que o conteúdo é constituído por relações causais entre sím-bolos e mundo – sob um ponto de vista externalista. É possível, entretanto, que essas relações causais sejam mediadas por “teorias” internas. Mas, como autor adverte, “mediação é uma coisa e cons-tituição é outra” (1994b, p. 98).

Cabe mencionar aqui uma possível diferença entre a semântica do mentalês e a semântica-E das línguas naturais: o caráter inter-pretativo da última. De acordo com Fodor, deve-se distinguir uma teoria do conteúdo de uma teoria da interpretação: as represen-tações mentais não são objeto de alguma atividade interpretativa, embora as atitudes proposicionais o sejam. Mesmo as relações causais-nômicas entre símbolos-mundo não são acessíveis aos in-térpretes de uma língua. De acordo com Fodor e Lepore (1992):

[2.70] [A] teoria da interpretação não tem nenhuma rela-ção interessante com a teoria do conteúdo. Acima de tudo, as representações mentais nunca são, como uma questão de fato, objetos da atividade interpretativa de alguém; os objetos de facto da atividade interpretativa são as atitudes proposicionais e similares. Além disso, supõe-se que o con-teúdo de representações mentais dependam de (digamos) relações causais ou nômicas entre coisas-no-mundo e es-tados neurológicos aos quais os intérpretes reais normal-mente não têm acesso (FODOR; LEPORE, 1992, p. 128).

De um modo geral, Fodor defende, como uma consequência da sua semântica informacional, que as expressões da linguagem do pensamento e as línguas naturais são significativas exatamente no mesmo sentido, à medida que ambas estão envolvidas nas covari-âncias símbolo-mundo que definem as propriedades semânticas, conforme abaixo:

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[2.71] Poderia bem ser uma consequência das teorias semânticas informacionais, por exemplo, que expressões do Mentalês e aquelas do Português sejam significativas exatamente no mesmo sentido; viz., ambas estão envol-vidas nas covariâncias símbolo-mundo em termos das quais as propriedades semânticas são definidas (FODOR, 1991h, p. 307).

De acordo com o que se apresentou desde a caracterização da Fase 2 das investigações de Fodor, na Introdução, passando pela parte 2 do capítulo 1 e o presente capítulo, pode-se dizer que a Se-mântica para Fodor envolve três frentes teóricas (FODOR, 1981, p. 329, n.11):

(i) uma teoria da referência ou uma semântica formal, que consiste de uma função de expressões de uma língua para os objetos que as interpretam;

(ii) uma teoria do mecanismo que realiza a semântica ou uma psicologia da referência, como uma teoria psicológica que responda à questão: tendo em vista uma dada língua ou o modo como um dado organismo a usa, o que faz uma ou outra interpretação semântica ser correta para esta língua?

(iii) teorias que operem na área que ele tem chamado de sintaxe lógica psicologizada: uma abordagem da sintaxe lógica dos veículos de representação.

Quanto a (i), diz o autor, há trabalhos em semântica clássica. Quanto a (ii), afirma que não há teorias plausíveis. Quanto a (iii), diz que é nessa direção que correm os esforços em linguística moderna e psicologia cognitiva.

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3. O EIXO METODOLÓGICO: NATUREZA DAS CRÍTICAS

O percurso até aqui foi uma tentativa de articular as teses funda-cionais do programa fodoriano à sua proposta de naturalização da semântica. Na primeira parte do primeiro capítulo, evidenciou-se o comprometimento de Fodor com representações mentais, símbolos mentais que carregam conteúdo de um determinado tipo. Ao fazer isso, Fodor também compromete-se com um Realismo Intencio-nal – a factividade das representações mentais –. Na segunda par-te do capítulo, tratou-se do projeto fodoriano de naturalização do mental, através da postulação de mecanismos computacionais de implementação [sintática]. Como se viu, naturalizar o intencional significa explicá-lo em termos não semânticos, não mentais. No segundo capítulo, apresentaram-se as duas concepções de conteúdo que emergem no programa de pesquisa de Fodor, articulando-as com seu projeto de naturalização, o qual conduz a uma semântica informacional-externalista-causal. Essa evolução enfatiza a prima-zia do conteúdo amplo sobre o conteúdo restrito.

Este capítulo tem como objetivo mostrar o eixo sobre o qual se articulam as discussões, mais especificamente as críticas, dirigidas à semântica fodoriana, entendida aqui não como “a” semântica, mas como a semântica programática que se constitui no macro-projeto de investigações de Fodor. É no eixo metodológico que se deve procurar entender as argumentações nesse domínio de discus-sões. Não se trata aqui de buscar a consistência dos argumentos em disputas puramente conceituais, caminho que tem sido privilegiado na comunidade em questão. Procura-se uma dimensão de análise de caráter estratégico: o eixo metodológico.

Com a identificação dos argumentos situados nesse nível, as questões específicas podem ser tratadas: (i) a de que a formulação de uma semântica das representações mentais, sob a restrição na-turalista, deve ser compreendida na articulação metodológica que responde à Questão Epônima; e (ii) a de que a formulação de uma semântica das línguas naturais deve ser compreendida sob as res-trições do projeto que (i) representa, mais os compromissos me-

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todológicos específicos da Linguística de fundamento cognitivo, conforme [I.26], [I.27] e [1.28].

Grande parte dos trabalhos de divulgação dos estudos semân-ticos em Ciências Cognitivas consiste de amplas revisões, certa-mente elucidativas, que fornecem bons mapas sobre os caminhos conceituais por que passam as diferentes teorias. Isso, sem dúvida, é de extrema relevância, já que as teorias, a grosso modo entendi-das como sistemas conceituais que dão conta da compreensão de dado objeto, precisam ser avaliadas quanto à plausibilidade de suas asserções, tendo em vista alguma espécie de correspondência com os fatos, tal como se apresentam face à experimentação.

Propõe-se, aqui, encontrar o eixo metodológico, como sendo um substrato estratégico, normalmente identificável percorrendo--se a evolução da teoria e identificando o modo como ela se cons-trói. Como se procurou mostrar na Introdução desta obra, Fodor de-senvolveu diferentes teorias ao longo de mais de quarenta décadas. Embora com aparentes descontinuidades, seu roteiro apresenta, de fato, continuidade. Essa continuidade caracteriza seu programa de pesquisa, o qual permite agrupar as teorias que tem proposto pela percepção do referido eixo metodológico. Um programa de pesqui-sa, segundo Lakatos (1978), consiste em regras metodológicas: algumas nos dizem os caminhos de investigação que devem ser evitados – a chamada heurística negativa – e outras, os caminhos que se deve seguir – a chamada heurística positiva. Tais heurísticas perfilam o framework conceptual do programa.

A estratégia adotada para desenvolver essa proposta dá-se em dois passos. O primeiro passo consiste em selecionar algumas abor-dagens que podem ser consideradas “paradigmáticas” no contexto de debates em que a semântica fodoriana se inscreve, entendendo--se ‘paradigmático’ como a sobreposição de dois sentidos aponta-dos por Masterman (1970) à noção kuhniana de paradigma: como um princípio organizador que possa governar a percepção sobre a questão, e como algo que define ampla extensão da realidade. Ou seja, através dessas abordagens pode-se construir e ocupar uma espécie de mirante que fornece um ângulo privilegiado, cobrindo

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uma vasta área de discussões críticas sobre o tema. Tal cobertura se dá à medida que elas se concentram em pontos cruciais do pro-grama de pesquisa fodoriano, seja no nível das teses fundacionais (capítulo 1), seja no nível da proposta estritamente semântica (ca-pítulo 2), com todas as relações interníveis relevantes. O segundo passo consiste em mostrar, através de uma análise de como os crí-ticos de Fodor procuram atacar seu programa de pesquisa, o modo como se dá o desenvolvimento do conhecimento científico pela percepção desse eixo metodológico.

Um ponto fundamental a ser levantado é que tais críticas são compatíveis com a maneira como Fodor faz filosofia e ciência. A supremacia do metodólogo – a figura interseccional – em sua carreira intelectual, os movimentos estratégicos na formulação metateórica, a concentração de esforços na discussão ontológica, conduz seus críticos a buscarem aí suas fraquezas. Plausibilidade e consistência tornam-se critérios mais relevantes do que a decidi-bilidade face à empiria que, por quaisquer razões, ainda não tem força decisiva de refutação ou falseamento.

Seguem-se cinco partes destinadas a críticas paradigmáticas ao programa fodoriano de semântica para as representações mentais. Na primeira parte, trata-se do materialismo eliminativo que cons-titui uma argumentação contra a factividade das representações mentais. A segunda parte consiste em uma crítica à estratégia de Fodor de estabelecer níveis de implementação para solucionar o problema da superveniência do mental sobre o físico e, num nível pontualmente metateórico, conciliar a Teoria Representacional da Mente com a Teoria Computacional da Mente. Na terceira parte, é discutida a proposta de naturalização do conteúdo via Teoria da Dependência Causal Assimétrica. A quarta parte é destinada a uma argumentação que questiona o atomismo do conteúdo restrito. Fi-nalmente, a quinta parte discute o abandono do conteúdo restrito para a explanação psicológica. Em cada uma dessas discussões analisa-se a natureza metodológica dos argumentos, procurando-se denunciar os pontos em que é possível haver equívocos quanto ao nível em que se dá a crítica.

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3.1 Contra a factividade das representações mentais: o materialismo eliminativo

A primeira abordagem selecionada ataca o cerne da Teoria Re-presentacional da Mente em dois aspectos: (a) o realismo intencio-nal, aqui resumido na tese da factividade das representações men-tais e das atitudes proposicionais, e (b) a hipótese da Linguagem do Pensamento, em sua natureza sintática, e tudo o que dela decorre em nível de implementação computacional (Veja-se [Q 1.3], [1.20], [1.23]). A crítica formulada por Churchland e Churchland (1990) e Churchland (1993), defensores do chamado materialismo elimi-nativo, é considerada aqui uma das mais radicais porque contesta o programa fodoriano globalmente. A tese do materialismo é assim caracterizada por esses autores:1

[3.01] O materialismo eliminativo é a tese de que nossa concepção do senso comum de fenômenos psicológicos constitui uma teoria radicalmente falsa, uma teoria tão fundamentalmente defeituosa que tanto os princípios quanto a ontologia desta teoria eventualmente serão substituídos, antes que moderadamente reduzidos, por uma neurociência completa [...] mais substancialmente integrada com a ciência física (CHURCHLAND, 1993, p. 225).

Como se vê, a tese comporta um núcleo negativo – a suposição de falsidade da psicologia folk – e um núcleo positivo – a suposição de que uma neurociência completa é que pode fornecer a ontologia apropriada para o tratamento do que se tem chamado de “mental”. Verifica-se, pois, que, desde já, os comprometimentos ontológicos são assumidos, e a percepção que orienta a busca de argumentos é por eles governada.

Os autores perguntam-se como a ontologia da psicologia folk relacionar-se-ia à ontologia do que chamam de neurociência com-pleta. Os Churchland traçam o seguinte quadro no campo das dis-putas ontológicas:

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(i) Os teóricos da identidade esperam que a psicologia folk seja moderadamente reduzida à neurociência completa e sua ontologia preservada por força de identidades transteóricas.

(ii) O dualista espera que a psicologia folk possa provar ser irredutível à neurociência completa, por força de ser uma descrição não redundante de um domínio não físico autônomo de fenômenos naturais.

(iii) O funcionalista espera que a psicologia folk possa provar ser irredutível à neurociência completa, na base de uma organização abstrata de estados funcio-nais, uma organização instanciável numa variedade de substratos materiais muito diferentes.

(iv) O materialista eliminativo é pessimista sobre os prospectos para a redução, porque a psicologia folk seria uma abordagem radicalmente inadequada, con-fusa e defeituosa para lograr sobreviver ao longo da redução interteórica, ou seja, não é boa o suficiente a ponto de sobreviver à competição com teorias mais recentes sobre como a mente-cérebro funciona.

Para Churchland (1993), a estagnação da psicologia folk leva a supor que suas categorias acabem por não se encontrar nitidamente refletidas no framework da neurociência. Com grande ironia, o au-tor diz que se deve lembrar

[3.02] de como a alquimia deve ter parecido quando a química elementar foi tomando forma, como a cosmolo-gia aristotélica deve ter parecido quando a mecânica clás-sica foi sendo articulada, ou como a concepção vitalista da vida deve ter parecido quando química orgânica avan-çava (CHURCHLAND, 1993, p. 262).

O funcionalismo, lembra o autor, defende que os princípios que caracterizam nossos estados internos não fazem referência à sua natureza intrínseca ou constituição física, mas à rede de relações causais que eles compartilham uns com os outros e com as circuns-tâncias sensórias e o comportamento aberto. Assim, pela sua espe-

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cificação abstrata (de economia interna), pode ser realizada numa variedade nomicamente heterogênea de sistemas físicos (Veja-se a posição de Fodor em [1.65] e [1.69].). O autor afirma, mantendo a ironia, que também a alquimia adota esse “estratagema funciona-lista”, já que o nível de descrição compreendido pelo vocabulário alquímico é abstrato: várias substâncias materiais apropriadamente podem, por exemplo, substituir os traços de um metal.

Dada a possibilidade de instanciações múltiplas em substratos físicos heterogêneos, não se poderia eliminar a caracterização fun-cional em favor de qualquer teoria particular para tal substrato, o que impediria a descrição da organização (abstrata) que qualquer instanciação compartilha com todas as outras (CHURCHLAND, 1993). Churchland afirma que o materialismo eliminativo é con-sistente com a alegação de que a essência de um sistema cognitivo reside na organização funcional abstrata de seus estados internos, mas não está comprometido com a ideia de que uma abordagem correta da cognição deva ser uma abordagem naturalista. Esse é o pensamento de Fodor, diz ele, para quem, de fato, a linguagem mental é ineliminável das teorias comportamentais.

Como se vê, o materialismo não se compromete com a restrição naturalista para os estudos da cognição, e, portanto, não se seguem todas as questões que derivam desse roteiro histórico-metodológi-co de discussões.

Churchland (1993) considera que a posição de Fodor possa ser resumida em três focos:

(i) na ineliminabilidade do vocabulário psicológico da psicologia;

(ii) na concepção de atividade cognitiva como consistin-do na manipulação de atitudes proposicionais;

(iii) na convicção de que psicologia folk não possa ser “substituída por qualquer teoria naturalística de nosso substrato físico, visto que são os traços funcionais abstratos dos estados internos que fazem uma pessoa, não a química desse substrato” (1993, p. 264).

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De fato, esses são alguns dos comprometimentos centrais de Fodor, e Churchland, ao identificá-los, pode organizar sua argu-mentação de modo apropriado. A crítica, portanto, deve situar--se no nível mais básico dessas suposições. Atingido o nível dos compromissos ontológicos, questões de nível mais alto, como o de uma semântica naturalizada para as representações mentais, não se colocam. Mesmo assim, o autor segue sua argumentação em dire-ção à formulação da semântica “sintatizada” de Fodor. A crítica de Churchland chega, sob esse ponto de vista, à hipótese da linguagem do pensamento, conforme abaixo:

[3.03] [O] uso da linguagem é algo que é aprendido por um cérebro já capaz de atividade cognitiva vigorosa; o uso da linguagem é adquirido apenas como uma entre uma grande variedade de práticas manipulativas aprendidas; e é dominado por um cérebro que a evolução modelou para muitas funções, o uso da linguagem sendo apenas a mais tardia e talvez a menor delas. Contra o background desses fatos, o uso da linguagem aparece como uma atividade extremamente periférica, como um modo biologicamente idiossincrático de interação social, que é dominado gra-ças à versatilidade e força de um modo de atividade mais básico. Por que aceitar, então, uma teoria cognitiva que modela seus elementos sobre elementos da linguagem hu-mana? (CHURCHLAND, 1993, p. 269).

Essa crítica é incrementalmente formulada conjugando-a à Teo-ria Computacional da Mente como um modelo racionalista-senten-cial, avançando em direção aos problemas que tal modelo gera para a semântica das representações mentais. Para Churchland e Chur-chland (1990), a pesquisa sobre a questão de como a mente-cérebro opera segue duas linhas metodológicas. Uma delas segue a tradição racionalista, enfatizando o linguístico e o aspecto de “seguir-regra” da cognição, representada pela psicologia cognitiva computacional. A outra é por natureza naturalista, guiando o framework da maioria de neurocientistas e psicólogos fisiológicos (Veja-se a posição de Fodor em [Q 1.17]). Embora haja aspectos difusos em suas frontei-ras, os contrastes são suficientemente distintos.

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A psicologia computacional procura uma concepção de proces-sos cognitivos que se incorpora ao modelo racionalista-sentencial. E porque a psicologia computacional é metodologicamente so-lipsista não pode fornecer uma teoria de como um sistema repre-sentacional conecta-se ao mundo (Veja-se a posição de Fodor em [1.78].). Segundo eles, as hipóteses dominantes da versão raciona-lista da psicologia computacional são:

(i) O paradigma do estado representacional é a atitude proposicional, onde o objeto da atitude, seu conteúdo, é uma sentença.

(ii) “Na atividade cognitiva, as transições entre estados representacionais são uma função das relações ló-gicas mantidas entre os conteúdos desses estados” (1990, p. 301).

(iii) Tais representações e as transições entre elas podem, por-tanto, ser modeladas ou realizadas num computador.

Se o que a mente-cérebro faz é computável, afirmam os autores, então pode, em princípio, ser simulado por um computador, e um programa imita o que o organismo cognitivo faz. No framework naturalista o problema consiste em imaginar como as máquinas epistêmicas operam. Diante desse problema, destronam a lingua-gem como modelo para a estrutura e dinâmica da atividade repre-sentacional. As representações não emergem com a evolução de animais verbalmente competentes. Já se sabe que o insight central da psicologia computacional é que os computadores são máquinas formais, no sentido de que operam com símbolos em vista da forma do símbolo, não em vista de como o símbolo pode ser interpretado (Veja-se [1.75], [2.17], [2.60], [2.62], [2.65], [2.66].). Em outras palavras, como entendem os autores:

[3.04] Se a máquina trata dois tokens diferentemente, é porque eles têm uma diferença formal em vista da qual a máquina pode discriminá-las, e se eles são formalmente indistinguíveis, então a máquina não pode distingui-los também (1990, p. 303).

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Pela condição de formalidade (Veja-se [Q 1.16].), os estados cog-nitivos são tipo-distintos apenas se as representações que constituem seus objetos são formalmente distintas. Tal é a suposição do solipsis-mo metodológico, segundo a qual a explanação causal de processos cognitivos deve proceder sem referência a quaisquer propriedades semânticas que os estados cognitivos podem ou não ter. A semântica, então, concluem os autores, não é essencial e tem uma imagem pura-mente sintática (Veja-se a posição de Fodor em [1.82].).

Com relação a esse ponto, Churchland (1993) formula as se-guintes questões:

(a) O que é essa semântica que tem uma imagem sintática?(b) Quais critérios de atribuição de conteúdo a estados

mentais especificam conteúdos que têm uma imagem sintática, e quais critérios falham em especificar tais conteúdos?

(c) Se a psicologia computacional aceita e executa a con-dição de formalidade, que modo de atribuir conteúdo especificará conteúdo que tem um substituto sintático?

O autor segue dizendo que, se a psicologia computacional deseja generalizações que descrevam rotas de input a output, e os únicos traços semânticos relevantes são traços que a máquina pode detectar, então o conteúdo semântico da representação deve ser fixado por seu papel conceptual restrito, porque é este que covaria com diferenças numa estrutura formal intrínseca de representação (Veja-se [1.84].). Este é o tipo de conteúdo que Churchland chama de conteúdo translacional: a similaridade de papel conceptual é o que a tradução fiel tenta capturar.

Churchland exemplifica: ao se atribuir a Trudeau a crença de que a dopamina é um neurotransmissor, está-se dizendo que Trudeau está numa relação de crença com uma representação que desempenha, em seu sistema representacional, o mesmo papel inferencial/causal/funcio-nal que “Dopamina é um neurotransmissor” desempenha em meu sis-tema representacional. A relação, assim, não é entre as representações de Trudeau e alguma parte do mundo, mas entre o sistema representa-cional de Trudeau e meu sistema representacional.

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A adesão à condição de formalidade significa para o progra-ma de pesquisa da psicologia computacional que questões sobre como os estados mentais se conectam ao mundo são questões que ela considera fora de sua “província”, de modo que uma psicolo-gia computacional completa é, apesar de tudo, afirma Churchland (1993), uma teoria radicalmente incompleta de como os humanos funcionam, e ela, então, não tem nada a dizer sobre como os siste-mas representacionais representam traços no mundo.

Ao especificar o conteúdo do estado de Trudeau, está-se dizen-do que seu estado representacional é como o meu, e que sua co-nexão ao mundo é como a minha, mas isso, conclui o autor, não é uma teoria de como os sistemas representacionais se conectam com o mundo. Para Churchland, isso poderia ser evitado da seguinte maneira:

(i) ao dizer-se que os estados na mente-cérebro têm aboutness intrínseco/último (of-ness) ou intenciona-lidade original;

(ii) baseando-se a teoria de como as representações se conectam ao mundo na ideia de que o conteúdo do estado mental do sujeito está ligado às condições de verdade para a sentença, como em ‘J sabe o significa-do de p’ em termos de ‘J sabe quais condições podem fazer p verdadeira’.

(iii) atribuindo-se às representações perceptualmente sen-síveis conteúdo proposicional na base de conexões causais com o mundo – conteúdo calibracional: os estados carregam informações sobre o ambiente em vista de conexões governadas por leis.

Com relação a (iii), surgem alguns problemas:

(a) Como tratar de representações que não são conve-nientemente ligadas a aspectos do ambiente (fora da periferia sensória)?

(b) Mesmo para as representações perceptuais, os con-teúdos atribuídos não são idênticos aos conteúdos translacionais mais familiares. Eis um exemplo: para

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o homem de Neanderthal há o seguinte conteúdo cali-bracional: “O vento está produzindo ressonâncias at-mosféricas”, mas o conteúdo translacional é “O deus da chuva está furioso”.

(c) A dinâmica das propriedades funcionais de uma repre-sentação, dentro de uma economia cognitiva global, não é determinada por seus conteúdos calibracionais, mas por suas propriedades formais ou estruturais te-rem contato com o sistema de comportamento. Essa é a tese do solipsismo metodológico.

Segundo Churchland (1993), não se deveria esperar que todas cria-turas epistêmicas tivessem representações que são de algum modo como sentenças, ou que uma abordagem satisfatória devesse procurar a relação entre termos singulares e coisas, predicados e propriedades, sentenças e estados de coisas.

Para ele, “em seus ossos”, a neurociência também é solipsista e hon-ra a condição de formalidade, de modo que se poderia perguntar sobre como ela espera dar conta da questão da conexão dos sistemas repre-sentacionais com o mundo. Como é que a máquina sintática parece ter intencionalidade?

Verifica-se, nesse ponto, o modo como o nível metodológico é iden-tificado pelo autor: dada a aceitação de um comprometimento com a condição de formalidade, não se seguem, então, para o seu programa de pesquisa, os mesmos compromissos como, por exemplo, fornecer uma resposta à Questão Epônima (traduzida na conjunção das duas questões formuladas)? A saída do autor é afirmar que a história de organismos complexos será construída sobre a história da semântica calibracional de organismos mais simples, seguindo os passos da evolução. A espi-nha dorsal do conteúdo calibracional é a observação de que há relações regulares e padronizadas entre respostas neurais específicas, de um lado, e tipos de estados no mundo, de outro. A noção explora o fato de que respostas neurais específicas são regularmente causadas por tipos de estado no ambiente normal do organismo, como no exemplo abaixo:

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(i) Sendo x um receptor de uma cobra,(ii) sendo y objetos no ambiente,(iii) sendo y uma coisa quente e pequena que se move e

que é comestível, tem-se:(x) (Excitado [x] → (Prob ($y) (Quente[y]= 0.98)(x) (Quente [x] → Prob (Comida [x]))= 0.7)(x) Excitado [x] > Prob ($y) (Pequeno[y] & Movendo

[y] & Quente [y]) = 0.98))

Churchland considera tais computações triviais, mas suficientes para fornecer uma concepção do “afinamento” representacional da cobra a certos aspectos do ambiente, sem atribuir representações como uma sintaxe do tipo sentencial ou que fale sobre a referên-cia de termos ou significado de predicados. Para ele, o sistema de representações de criaturas que aprendem não será completamente monolítico ou uniforme, pois possuímos uma hierarquia integra-da de sistemas computacionais/representacionais muito diferentes (sistemas visual, auditivo, proprioceptivo, motor). Mesmo a cito-arquitetura das áreas relevantes do cérebro é diferente para cada sub-sistema cognitivo. O autor considera que talvez algum entre esses sub-sistemas desse mosaico funcional revele estruturas simi-lares à linguagem humana, mas com papel relativamente menor nas atividades cognitivas globais, servindo a funções essencialmente sociais.

A conclusão do autor é a de que a psicologia computacional não pode dar-se ao luxo de abraçar um princípio de indiferença categó-rica ou desdém metodológico pela neurociência porque (a) caso se queira saber como as criaturas cognitivas se conectam ao mundo que elas habitam, a neurociência é a melhor esperança para uma abor-dagem esclarecedora; e (b) mesmo se restringindo a preocupação a atividades computacionais abstratas do cérebro, a neurociência empírica forneceria dados decisivos sobre o que exatamente essas atividades são e sobre suas muitas variedades. Churchland não tem dúvidas de que a neurociência é a melhor esperança para entender o processo evolucionário individual chamado de aprendizagem. Afir-ma, todavia, que a história de como o sistema cognitivo humano se conecta com o mundo deve esperar sua descoberta e exame.

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Como se vê e de acordo com o que se aponta no capítulo 1, parte 1.3, esta é nitidamente a mesma estratégia de pesquisa da psicolo-gia naturalista segundo Fodor: “espere um pouco” até que a ciência diga o que as coisas são. Nesse sentido, veja-se [1.85].

Em termos lógicos, o ataque à ontologia da Teoria Representa-cional da Mente é radical. Pode-se dizer que se resume em negar tudo o que é afirmado por Fodor em [1.01]. Ao fazer isso, opera--se um modus tollens sobre a Teoria Computacional da Mente, já que, segundo Fodor, em [1.03] e [1.04], se não há representações, não há computações. Ontologicamente, negando-se a Teoria Re-presentacional da Mente, nega-se de resto a Teoria Computacional da Mente. Essa consideração é trivial mesmo para Fodor, como se constata em [1.25]. Esse procedimento atacaria o núcleo duro do programa de pesquisa de Fodor.

Entretanto, a argumentação dos Churchland, toda calcada na expectativa de completude de um domínio científico, como se res-saltou anteriormente, coloca em compasso de espera a explanação de uma série de fenômenos tidos como “mentais”. Os argumentos apresentados por Fodor no capítulo 1, quais sejam: o metodológico, o dos processos psicológicos, o da produtividade e o da sistematici-dade caracterizam uma estratégia bastante diferente. A estratégia é: dadas certas evidências, que espécie de suposição (hipótese) teria potência explanatória suficiente para – mesmo que provisoriamen-te (e afirma-se isso confiando no que Fodor admite em [1.73]) – abarcá-las?

Afirmações como as que Fodor faz em [1.60], [1.64] e [1.83] evidenciam, respectivamente: (a) uma distinção operacional de níveis causais – um nível de macropropriedades de natureza in-tencional, numa ponta, e um nível de micromecanismo implemen-tador de natureza fisiológica, noutra ponta –; (b) a irrelevância da natureza do mecanismo implementador (o que leva ao funciona-lismo); e (c) um critério de economia metateórica, pelo “corte” ontológico promovido pela condição de formalidade. Ora, o que parece ficar claro é uma espécie de processo de racionalização de recursos metateóricos, mesmo com algum ônus epistemológico

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– aceitar o realismo intencional da psicologia folk. Nesse ponto, convém lembrar que, conforme [1.49], é gerado um compromisso com o reducionismo. Esse reducionismo, entretanto, com base em [1.53], não deve ser defendido em bases ontológicas. Diz-se “ônus” porque o universo teórico povoa-se de atitudes proposicionais, sintaxe e semântica combinatoriais, códigos internos de grande complexidade, relações intensionais, leis de mediação. Se não houver (a hipótese de) representações mentais que se submetem a uma organização funcional via linguagem do pensamento, opera-se uma economia teórica de grandes proporções. E, assim, operar-se-ia o desmanche de todo um domínio de discussões que se resumem no que é apresentado no capítulo 2. Mas, não custa repetir, o custo é a espera pelas respostas que poderiam ser dadas sem a assunção de um nível abstrato de organização mental que provaria ser im-próprio.

O diagrama abaixo resume os aspectos gerais desta argu-mentação:

Diagrama 3.1 – Crítica do Materialismo Eliminativo.

Materialismo Eliminativo versus Realismo Intencional FuncionalistaNeurociência Completa versus Psicologia Folk Psicologia Computacional-Sintática

<representações monolíticas/sentenciais>

Nível Metodológico da Argumentação:

• Ataque aos compromissos com a intencionalidade das

representaçõesTeoria Representacional da Mente

• Ataque aos compromissos com o racionalismo-sentencialTeoria Computacional da Mente

Estratégia Metodológica:

Aguardar o desenvolvimento de uma ontologia fornecida por uma Neurociência completa

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3.2 Problemas da implementação sintática das leis intencionais

Apresenta-se aqui a crítica de Devitt (1991) à proposta de Fodor, que, de modo bastante sistemático, discute o problema da implemen-tação sintática das leis intencionais, na relação com as propriedades semânticas restritas e amplas das representações. Este tipo de crítica se encontra exatamente sobre o eixo metodológico e pontualmente sobre a estratégia de conciliação de leis intencionais (propriedades extrínsecas dos símbolos) e leis sintáticas (propriedades intrínsecas dos símbolos) que a Questão Epônima sintetiza. Tal estratégia é a de postular um nível de implementação em que atuam leis sintáticas, as quais, no último estágio de evolução da teoria fodoriana, seriam res-ponsáveis por relações causais através dos modos de apresentação das sentenças do mentalês – estados mentais sintaticamente estruturados.

Devitt problematiza a tentativa de Fodor de reconciliar a teoria não intencional dos processos mentais (Teoria Computacional da Mente) com a teoria intencional da mente (Psicologia Folk).1 O pon-to do problema, segundo ele, é que Fodor defende uma teoria que alude apenas a propriedades sintáticas, mantendo-se, todavia, como se sabe, entusiasmado por uma psicologia intencional que opera com significados. A Devitt não parece plausível a ideia de que através de uma distinção de níveis (o nível intencional e o da implementação) o sintático implementaria o semântico. A tese do autor é seguinte:

[3.05] [A] mente não é puramente sintática em ne-nhum nível, nem no da implementação (DEVITT, 1991, p. 100).

Ou mais exatamente como segue:

[3.06] A teoria dos processos mentais não está num nível diferente da psicologia intencional. A teoria não tem uma tarefa explanatória separada daquela da psi-cologia, e a psicologia não é, em geral, implementada nas propriedades sintáticas, que, de acordo com Fo-dor, são aludidas na teoria. A mente como um todo não é puramente sintática em qualquer nível (embora parte dela seja) (DEVITT, 1990, p. 115).

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Um dos pontos centrais da crítica de Devitt é o fato de que:

[3.07] há várias formas naturais de entender a TCM, dependendo de como se entende ‘sintático’ e ‘formal’ e de se estar falando de ‘processos men-tais’ com referência a processos mentais em geral ou apenas aos processos de pensamento (DEVITT, 1991, p. 107).

Essa discussão é relevante à medida que a Teoria Computacio-nal da Mente dá conta do nível de implementação das leis psicoló-gicas, a partir da condição de formalidade, que, como se viu, ba-seia-se nas noções de ‘formal’ e ‘sintático’. Devitt reduz a questão da implementação à seguinte formulação:

Q 3.1 Implementação das Leis Psicológicas

Essa formulação dá conta da descrença de Fodor de que as leis da mente (intencionais) sejam as leis dos processos mentais (com-putacionais), ponto de vista que Devitt apresenta como a negação da pressuposição:

As leis da mente são as leis dos processos mentais.

Q 3.2 Pressuposição Negada por Fodor

Mas o autor se pergunta sobre o que vem a ser exatamente o nível da implementação em Fodor. Para responder a essa questão, traça três distinções: (i) entre processos formais e propriedades sintáticas; (ii) entre processos de pensamento e processos mentais em geral; (iii) entre processos sintáticos e propriedades semânticas restritas.

As leis dos processos mentais referem-se a propriedades de representações que são implementadas apenas por propriedades (não semânticas) formais das representações.

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Como se viu em [1.79], [1.80] e [1.81], Fodor utiliza os ter-mos ‘formal’, ‘sintático’ e ‘não semântico’ como sinônimos. De-vitt afirma, entretanto, que se trata de coisas diferentes: o sintático diz respeito às propriedades que a representação tem em virtude, exclusivamente, de sua relações com outras representações num determinado sistema representacional, ou seja, são propriedades extrínsecas e funcionais. Já as propriedades formais, consideradas intrínsecas às representações estão:

[3.08] no nível da implementação física-bruta das propriedades mentais e, consequentemente, no ní-vel errado para serem referidas por leis psicoló-gicas [...] Se você se torna formal, você deixa de fazer psicologia (DEVITT, 1991, p. 101).

Se Fodor baseia sua proposta de implementação sintático-for-mal na condição de formalidade, segundo Devitt, considerando-se [3.07], devem ser levantadas três versões (ou tipos de doutrinas) para sua proposta:

Q 3.3 Versão 1: Psicologia Sintática

Q 3.4 Versão 2: Implementação Sintática

Q 3.5 Versão 3: Implementação Formal

IMPLEMENTAÇÃO SINTÁTICA

As leis dos processos mentais referem-se a propriedades das representações que são implementadas apenas por proprie-dades sintáticas de representações.

IMPLEMENTAÇÃO FORMAL

As leis dos processos mentais referem-se a propriedades das representações que são implementadas por propriedades formais de representações.

PSICOLOGIA SINTÁTICA

As leis dos processos mentais referem-se a propriedades das representações que são apenas sintáticas.

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Segundo Devitt, para que Fodor tenha razão em afirmar que os processos de pensamento são computacionais sintáticos (Veja-se de [1.79] a [1.82]), há que se distinguir entre processos de pen-samento e processos mentais em geral. Os processos mentais de que trata a psicologia cognitiva são de três tipos básicos (conforme também [Q 1.2] ):

(i) processos de pensamentos para pensamentos (P-P),(ii) processos de inputs sensórios para pensamentos (I-P),(iii) processos de pensamentos para outputs comporta-

mentais (P-O).Os processos P-P, que ocorrem entre representações, são do tipo

inferencial (por exemplo: modus ponens, como em: Se X acredita [P→ Q e P], então X infere [Q]). Esses processos são, de fato, sin-tático-computacionais, diferentemente dos demais, que não são de todo sintáticos. Sendo assim, não se tem psicologia sintática, tida como muito fraca, porque esta não dá conta de leis para os demais processos (I-P e P-O). A crítica de Devitt a Fodor, a respeito desse tópico, é a seguinte:

[3.09] Os P-P são tratados como se eles fossem representativos de todos os outros. Fodor é par-ticularmente insistente a esse respeito (DEVITT, 1990, p. 103).

Para Devitt, isso leva a supor que Fodor não tem uma psicolo-gia sintática, como de fato deseja, mas sim algo como processos de pensamento sintáticos:

Q 3.6 A Teoria dos Processos de Pensamento Sintáticos de Fodor

Na psicologia sintática, as relações causais entre estados men-tais são determinadas pelas suas propriedades sintáticas. A imple-mentação sintática requer, por sua vez, que os mecanismos subja-centes às leis intencionais sejam sintáticos. Os processos causais

PROCESSOS DE PENSAMENTO SINTÁTICOS

As leis dos processos de pensamento referem-se a proprie-dades de representações que são só sintáticas.

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especificados na lei mantêm-se em vista dessa implementação. Como se sabe, o ponto dessa discussão é que a analogia com o computador é um argumento fisicalista: a implementação formal dos processos mentais sintaticamente definidos. Segundo Devitt, essa implementação formal em Fodor não é apenas implementação física (sobre o cérebro/hardware), porque opera sobre as proprie-dades formais das representações. Nessa linha de raciocínio, surge o seguinte argumento:

(i) Se apenas processos P-P são sintáticos, a Psicologia não é sintática.

(ii) Se a implementação formal é física & formal-sintáti-ca, não dá conta de I-P e P-O.

(iii) Se apenas processos P-P são sintáticos, a implemen-tação psicológica não é formal.

Segundo Devitt, ao rejeitar a pressuposição [q 3.2], Fodor coloca para si duas exigências: (a) para manter o caráter explanatório da teoria, deve mostrar que as leis dos processos mentais têm uma tarefa diferente daquela das leis intencionais; (b) para manter a supervenção, deve mostrar que a implementação é sintática. Mas, como apontado acima, o grande problema reside no fato de que os processos I-P e P-O não são levados em consideração por Fodor, não podendo, então, distinguir um nível que se ocupa da teoria dos processos mentais daquele que se ocupa das leis da mente.

Essas colocações de Devitt não se situam em outro nível que não o metodológico, especificamente o metateórico – como o estra-to causalmente responsável por articulações no nível teórico-con-ceitual. Até mesmo a interpretação do que se entende por ‘formal’ ou ‘sintático’, conforme [3.07], que poderia se dar numa discussão no nível teórico, só pode ser levada a efeito a partir da discussão do que sejam os mecanismos de implementação, cuja postulação comparece no empreendimento de uma estratégia metodológica.

Partindo desse raciocínio, Fodor não tem nem psicologia sintá-tica nem implementação formal.

Com relação ao solipsismo metodológico e às questões semân-ticas que acarreta, Devitt distingue ainda dois tipos de psicologia:

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Q 3.7 Solipsismo Metodológico e Propriedades Semântico-Restritas

Q 3.8 Solipsismo metodológico e Propriedades Semântico-Amplas

Para Devitt, o solipsismo requer psicologia restrita, que, por ser de algum modo semântica, é incompatível com a psicologia sintática, mas compatível com os processos de pensamento sin-táticos. Devitt crê que se deva defender psicologia restrita e pro-cessos de pensamento sintáticos:

[3.10] As leis dos processos de pensamento – leis P-P – referem-se apenas às propriedades sintáti-cas, mas as leis dos processos mentais em geral devem cobrir I-P e O-P e, assim, devem referir-se a significados. É apenas quando estamos preocu-pados com esses últimos processos, amplamente ignorados, que há a necessidade de semântica em psicologia (DEVITT, 1990, p. 105).

Segundo o autor, o significado restrito não é, de nenhuma for-ma, sintático, nem se assemelha com propriedades de símbolos num sistema formal. Para ele, os significados restritos requerem que se expliquem que I-P e O-P não supervêm às propriedades for-mais das representações. Tudo se resume em:

(i) se não se respeita a distinção entre propriedades for-mais e sintáticas, confunde-se a doutrina com imple-mentação formal (que é falsa);

(ii) se não se respeita a distinção entre processos de pen-samento e processos mentais em geral, confunde-se

PSICOLOGIA AMPLA

As leis dos processos mentais referem-se a propriedades de representações que são semântico-amplas.

PSICOLOGIA RESTRITA

As leis dos processos mentais referem-se a propriedades de representações que são semântico-restritas.

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a doutrina com processos sintáticos de pensamento (que são verdadeiros); e

(iii) se não se respeita a distinção entre propriedades sintá-ticas e semântica restrita, confunde-se a doutrina com psicologia restrita (que é verdadeira).

Fodor, como se viu, nega a pressuposição – as leis da mente (leis do conteúdo a partir de generalizações com apoio contrafactu-al) são as leis dos processos mentais –. Para ele, recapitulando, as leis da mente são implementadas pelas leis dos processos mentais (Vejam-se [1.15], [1.16], [1.50], por exemplo.). Como diz Devitt, ao fazer isso:

[3.11] Fodor coloca a teoria da mente num nível diferente da teoria dos processos mentais. Desse modo, espera reconciliar a teoria folk com a Teoria Computacional da Mente (DEVITT, 1990, p. 108).

A partir disso, colocada a questão em níveis, as leis da mente exigiriam, na perspectiva de Fodor, uma psicologia ampla:

Q 3.9 Psicologia Ampla de Fodor

Numa psicologia semântico-restrita, uma psicologia da imple-mentação formal apresentaria problemas, segundo Devitt, pois, se as leis se referem às propriedades semântico-restritas, vão de fato além da sintaxe. Para Devitt, Fodor defende, na verdade, uma im-plementação sintática:

Q 3.10 Implementação Sintática de Fodor

PSICOLOGIA AMPLA DE FODOR

As leis da mente referem-se a propriedades de representa-ções que são só semântico-amplas.

IMPLEMENTAÇÃO SINTÁTICA DE FODOR

As leis da mente referem-se a propriedades de representa-ções que são implementadas apenas pelas propriedades sintáti-cas das representações.

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Heloísa Pedroso de Moraes Feltes 177

Devitt defende uma psicologia restrita, descartando, em refor-çamento a [3.05],

[3.12] a visão de que a teoria da mente seja pu-ramente sintática em qualquer nível (DEVITT, 1990, p. 109. Grifo nosso.)

Para ele, a descrição não intencional dos processos mentais de Fodor não é psicológica, mas física-bruta. Ou seja,

[3.13] [a]s leis I-P explicam a formação de pensa-mentos sintaticamente descritos como o resultado de inputs fisicamente descritos. As leis P-P expli-cam a formação de pensamentos sintaticamente descritos como o resultado de outros pensamen-tos sintaticamente descritos. As leis O-P explicam outputs fisicamente descritos como o resultado de pensamentos sintaticamente descritos (DEVITT, 1990, p. 109).

Devitt crê que seja um equívoco chamar processos assim des-critos de processos “mentais”, já que comportam fatores psicofísi-cos cujas leis (psicofísicas) são leis de interníveis (níveis psicoló-gico e físico).

Além disso, afirma que, se há um terceiro nível psicológico – o da implementação sintática – que relaciona o nível dos processos mentais com o das leis da mente, ele não dá conta dos processos I-P e O-P.

Como se viu, para Fodor, as relações causais entre estados men-tais são determinadas pelas propriedades sintáticas das represen-tações mentais. E isso diz respeito a processos P-P, já que inputs/outputs que não são representações (/símbolos) não têm relações sintáticas.

Para Devitt, a semântica denotacional de Fodor conduz ao fato de que:

[3.14] Não há nenhum nível em que uma represen-tação tenha essas propriedades [denotativas] sim-plesmente em virtude de suas relações com outras representações [...]. Assim, não há nenhum nível em

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O PROJETO DE NATURALIZAÇÃO DO CONTEÚDO INTENCIONAL178

que se tenha essas propriedades em virtude de suas propriedades sintáticas (DEVITT, 1990, p. 111).

Devitt observa ainda que se os significados restritos fossem implementados sintaticamente eles teriam algum papel a desem-penhar na vida da mente, mas, como ele demonstra, não o são. Ele afirma que se os significados restritos fossem identificados com sig-nificados de papel funcional – que é a sua hipótese pessoal – o seu papel causal estaria bem especificado, mas essa hipótese é descar-tada por Fodor, que considera que significados de papel funcional conduzem ao holismo do significado. Se é assim, Devitt pergunta:

[3.15] Por que então seus [de Fodor] significados restritos não são epifenômenos? (DEVITT, 1990, p. 112).

Sobre a metáfora do computador no que concerne ao seu papel na implementação das leis intencionais, Devitt afirma:

[3.16] A analogia com o computador é capaz de processar apenas P-P e está especialmente voltada para sua natureza, não para sua implementação. A analogia com a computação lança luzes especial-mente sobre a natureza de parte da mente, não so-bre a implementação global da mente (DEVITT, 1990, p. 114).

Em suma, a discussão da Teoria Computacional da Mente sugere, para Devitt, cinco doutrinas distintas: implementação formal, proces-sos de pensamento sintáticos, psicologia restrita, psicologia sintáti-ca e implementação sintática. A doutrina da implementação formal deve ser excluída por não ter caráter psicológico; a dos processos de pensamento sintáticos, por não ser geral o suficiente; a psicologia res-trita, porque é incompatível com o fato de a Teoria Computacional da Mente referir a um nível que implementa as propriedades semânticas no nível folk; a psicologia sintática, por sua vez, porque as leis da men-te não podem ser apenas sintáticas; e a implementação sintática, por se referir apenas a processos de pensamento (P-P), e essa implementa-ção, conforme Devitt:

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[3.17] não é uma questão de a semântica ser imple-mentada no sintático, como Fodor afirma. É uma questão de o sintático ser implementado no sintático (DEVITT, 1990, p. 115).

Poder-se-ia dizer que Devitt está numa interlocução como o “Fodor Teórico”, já que toda a discussão se encontra pautada na Teoria Computacional da Mente e suas relações com a Psicologia Intencional, o que leva diretamente à Questão Epônima.2 Mesmo que se possa dizer que sim – que essa interlocução de fato existe –, ela se encontra muito mais no substrato metodológico. Partindo da ideia de que Fodor nega a pressuposição, Devitt conduz sua argu-mentação no sentido de mostrar que Fodor – um Fodor que se mos-tra “mais psicólogo” – não obtém, ao final, o que deseja; não obtém o alcance explanatório necessário. Entenda-se que esse alcance diz respeito ao poder explanatório de todo o programa de investiga-ção – em que as hipóteses estão todas interconectadas –. Conforme Bunge (1974), o poder explanatório de uma teoria equaciona-se na relação “alcance x precisão”, na tentativa de

[3.18] resolver os problemas propostos pela expli-cação dos fatos e pelas generalizações empíricas, se existirem, de um dado domínio e precisa fazê-lo da maneira mais exata possível. [...] Mas o alcance de uma teoria não pode aumentar além de todo limite: uma teoria científica não pode pretender solucionar todo e qualquer problema, sob pena de tornar-se irre-futável (BUNGE, 1974, p. 135).

Devitt ataca justamente o que compromete o alcance da Teoria Computacional da Mente, como uma teoria que pretende resolver o problema da naturalização do mental/intencional. Partindo-se do que Fodor afirma em [I.05], o processo de tomada de decisão do organismo é de natureza computacional. E esse é o modelo de processos psicológicos que ele toma como plausível. Aliando-se essa afirmação às condições de endosso da psicologia folk, confor-me [Q 1.1, ii], Fodor compromete-se com a causação em diferen-tes planos: Estados Mentais a Comportamento; Inputs Ambien-tais a Estados Mentais, e Estados Mentais a Estados Mentais.

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Desse modo, lança-se o problema teórico-metodológico expresso em [1.12]: que tipo de mecanismo postular em vista da (hipóte-se da) existência de estados que são simultaneamente semântica e causalmente conectados? Esta é, novamente, uma das formula-ções da Questão Epônima. Em [1.15], Fodor apresenta o “truque” para tal empreendimento: a metáfora do computador mostra qual o mecanismo implementador capaz de efetuar tal conexão. Mais do que uma metáfora heurística, Fodor aceita a operação compu-tacional, para fórmulas internas (na Linguagem do Pensamento), como um modelo de como os organismos processam informação. Como afirma em [1.22] e [2.28], por exemplo, a estrutura sintática dos estados mentais espelha as relações semânticas entre os obje-tos intencionais. Essa é a única forma de manter a superveniência, via condição de formalidade, e não cair no que Devitt levanta em [3.15], o caráter epifenomenal do conteúdo restrito – ou seja, sua inércia causal.

O que Devitt faz é negar a sintaticidade como propriedade de todos os estados mentais, aplicando-a apenas a estados P-P. Ao ne-gá-la, obtém a fratura no poder explanatório de uma Teoria Com-putacional da Mente em psicologia cognitiva. Essa é uma discussão que se efetua nitidamente no substrato metodológico.

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LEIS DA MENTE [Intencionais]

e LEIS DOS PROCESSOS MENTAIS [Computacionais-sintáticas]

NÍVEL DE IMPLEMENTAÇÃO

IMPLEMENTAÇÃO DOS PROCESSOS MENTAIS

SINTÁTICA FORMAL P-P I-P [psicofísicos] P-O

[FODOR]

PROPRIEDADES DAS REPRESENTAÇÕES PROCESSOS MENTAIS NÃO SINTÁTICOS

[Não são cobertos por Psicologia Sintática ou

Implementação Sintática ou Formal]

extrínsecas [Fodor]

PROCESSOS DE PENSAMENTO SINTÁTICOS[Redunda em uma teoria parcial dos processos mentais]

PSICOLOGIA RESTRITA (Solipsismo) (Propriedades Semânticas Restritas)

PSICOLOGIA AMPLA e IMPLEMENTAÇÃO SINTÁTICA[As leis da mente, intencionais/

amplas são implementadas pelas leis dos processos mentais][FODOR]

[Não dá conta das Leis da Mente]

intrínsecas

Diagrama 3.2 – Problemas da Implementação Sintática

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3.3 Problemas da naturalização pela Dependência Causal Assimétrica

Dentre as críticas existentes à Teoria da Dependência Causal Assimétrica, selecionou-se a de Baker (1991), principalmente porque Fodor (1990a) já mantém com a autora uma forte interlo-cução.1 Embora essa discussão possa parecer situar-se num nível filosófico (talvez, nos termos de Fodor-filosófico-impuro), a leitura mais apropriada ainda é a de que se situa no plano metodológico.

Baker afirma que a semântica das representações mentais de Fodor desenvolve-se como

[3.19] uma teoria redutora que ‘naturaliza’ o con-teúdo ao especificar condições suficientes, em ter-mos fisicalistas e atomistas, para um símbolo men-tal representar ou expressar uma certa propriedade (BAKER, 1991, p. 17).

E é a causação, afirma a autora, que carrega o peso da redução naturalística. Para mostrar os problemas que essa decisão acarreta, as críticas de Baker concentram-se (a) na representação de proprie-dades não instanciadas; (b) no problema da disjunção; e (c) na es-pecificação das relações semanticamente relevantes para o conteú-do. Para tratar dessas questões, Baker apresenta de modo esquemático três versões da dependência assimétrica de Fodor, to-das elas compatíveis com o que se apresentou na parte 2 do segun-do capítulo:

VERSÃO IHistória-Efetiva

Um token do tipo não semântico T significa X se:

(1) “Xs causam T-tokens” é uma lei;(2) Para todo Y (não=X), se “Ys causam T-tokens” é uma lei, então Ys

causam T-tokens é assimetricamente dependente de Xs causam T--tokens;

(3) Alguns T-tokens são efetivamente causados por Xs.

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A versão do tipo I, afirma Baker, como já se expôs na parte 2 do segundo capítulo, não permite que um símbolo primitivo do mentalês signifique unicórnio, por exemplo. Apenas a versão III pode fazer isso, visto que ela prevê que há uma relação nômica entre unicórnios e tokens de ‘unicórnio’, pois, caso se considere um mundo onde haja unicórnios, tokens de ‘unicórnio’ são causados pela propriedade unicórnio.

Baker levanta, então, um problema: como distinguir, por exem-plo, unicórnios de shunicórnios (animal fictício parecido com uma pequena zebra com um chifre no meio da testa), visto que estes são não-unicórnios. A dependência assimétrica deveria dar conta de problemas de representações tanto de shunicórnios como de uni-córnios, mas, segundo Baker, se não há como distinguir a distância de mundos em que há shunicórnios e mundos onde há unicórnios, a partir do mundo real, esses mundos deveriam ser equidistantes de nosso mundo. Assim sendo, mundos onde unicórnios causam tokens de ‘unicórnio’, mas shunicórnios não o fazem, parecem equidistantes de nós como mundos em que shunicórnios causam tokens de ‘unicórnio’, mas unicórnios não o fazem. A consequência disso, para ela, é que:

VERSÃO IIIInformacional-Pura

Um token do tipo não semântico T significa X se:(1) “Xs causam T-tokens” é uma lei;(2) Para todo Y (não=X), se “Ys causam T-tokens” é uma lei, então Ys cau-

sam T-tokens é assimetricamente dependente de Xs causam T-tokens;

VERSÃO IIInstanciação-Local

Um token do tipo não semântico T significa X se:(1) “Xs causam T-tokens” é uma lei;(2) Para todo Y (não=X), se “Ys causam T-tokens” é uma lei, então Ys cau-

sam T-tokens é assimetricamente dependente de Xs causam T-tokens;(3) A propriedade X é localmente instanciada.

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[3.20] há um dilema relativo a propriedades não instanciadas: ou a dependência assimétrica requerida é perdida, e a versão informacional pura [...] falha na abordagem de tokens primitivos que repre-sentam propriedades não instanciadas, ou há “muita” dependência assimétrica e conseguimos a contradição da dependência assimétrica mútua (ou um novo pro-blema da disjunção) (BAKER, 1991, p. 20).

O que Baker quer dizer é que, de um lado, não se tem nenhuma base para a dependência assimétrica, visto que a relação nômica entre shunicórnio e os tokens de ‘unicórnio’ não é assimetricamen-te dependente da relação nômica unicórnio a‘unicórnio’. De ou-tro lado, há a contradição em que tokens de ‘unicórnio’ causados--por-shunicórnios seriam assimetricamente dependentes de tokens de ‘unicórnio’ causados-por-unicórnios E ‘unicórnio’ causados--por-unicórnios seriam assimetricamente dependentes de tokens de ‘unicórnio’ causados-por-shunicórnios. Conforme Baker, essa contradição seria evitada tomando-se tokens de ‘unicórnio’ como representando unicórnio-ou-shunicórnio, o velho problema da disjunção.

A tentativa de evitar esses problemas a partir do tratamento de ‘unicórnio’ como um termo definido e não como um primitivo, se-gundo Baker, acarreta uma restrição sobre o projeto de naturaliza-ção do conteúdo: os termos primitivos devem representar ape-nas propriedades instanciadas, de modo que a tentativa, para o desagrado de Fodor:

(a) torna a instanciação de propriedades relevantes uma condição necessária para a dependência assimé-trica;

(b) leva ao abandono da versão informacional pura, a par-tir de relações nômicas, por uma versão de instancia-ção local ou da história-efetiva.

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O que não parece ser plausível para Baker é que determinar se um símbolo é primitivo semanticamente depende de que a proprie-dade que ele representa seja instanciada. Mas, para ela, há mais problemas a serem considerados. Um deles é o de que, na linha de raciocínio dos casos-Twin, se meu gêmeo vive num mundo onde haja unicórnios, mas, assim como eu, só o conhece por gravuras, ocorre que o símbolo que representa unicórnio seria semantica-mente primitivo, enquanto para mim deveria ser “uma abreviação de símbolos que representam propriedades instanciadas” (p. 21). Um problema derivado é que eu e meu gêmeo diferimos quanto às relações mentais sintático-semânticas, em vista de que os meus predicados não são sintaticamente primitivos.

A conclusão de Baker é de que:

[3.21] propriedades não instanciadas não parecem expressáveis por símbolos primitivos, e a visão alternativa de que elas são expressáveis por sím-bolos não primitivos tem consequências implausí-veis (BAKER, 1991, p. 22).

O que parece estar em questão aqui é um aspecto que é fun-damental na proposta de Fodor: a produtividade da semântica das representações mentais. Sua semântica precisa dar conta do fato de que símbolos primitivos, ligados a propriedades instanciadas, de alguma forma combinados, podem expressar propriedades não instanciadas.

Num nível mais fundamental de discussão, Baker desenvolve o Problema da Disjunção. A autora concentra-se no caso gato/gato--robô. Esse caso ilustra uma situação em que um dado indivíduo habita um mundo em que há gatos e também gatos-robôs, os quais não são facilmente distinguíveis. Esse indivíduo, até um dado mo-mento, tem contato apenas com gatos-robôs, conectados ao token F. Todavia, ao primeiro contato com um gato, o indivíduo também o conecta ao token F. Baker quer saber qual é o conteúdo de tokens de F causados por gatos. Para ela, há três alternativas, as quais são avaliadas à luz da dependência assimétrica:

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(a) Tokens de F causados por gatos representam gatos, e os tokens de F causados por robôs constituem er-ros de representação. Pela Teoria, os tokens causados por gatos-robôs seriam assimetricamente dependen-tes dos tokens causados por gatos. Mas no caso em questão a situação seria inversa: a conexão F/gato seria assimetricamente dependente da conexão F/gato-robô.

(b) Tokens de F causados por gatos erroneamente represen-tam gatos como robôs. Segundo Baker, aqui se ignoram os contrafactuais relevantes: se o indivíduo tivesse en-contrado gatos, eles causariam tokens de F. Seu conta-to apenas com gatos-robôs foi um acidente.

(c) Tokens de F causados por gatos representam gatos como gato-ou-robô-gato.

Baker acredita que Fodor deva restringir a relação de depen-dência assimétrica a propriedades semanticamente relevantes. Ele faz isso compatibilizando a dependência assimétrica com a robus-tez (heterogeneidade nas histórias causais de um token de símbolo mental), bloqueando contra-exemplos e o pansemanticismo, mas, segundo Baker, isso é inaceitável para uma abordagem fisicalista. Baker afirma que a robustez, entendida como um fato semântico, não poderia fazer parte da teoria como um mecanismo de eliminar casos irrelevantes de dependência assimétrica. O fato é que, como uma noção semântica não reduzida e como uma condição para a dependência causal assimétrica, ela “falha em atender às demandas do fisicalismo” (BAKER, 1991, p. 27). O problema se agrava à medida que, mesmo construída não semanticamente, a robustez, para Baker, não elimina relações semanticamente irrelevantes. Ela afirma o seguinte:

[3.22] Penso que tem havido a fusão de duas questões distintas, uma das quais identifica tokens mentais não semanticamente, e a outra identifica tokens mentais semanticamente, e essa fusão permitiu à robustez es-corregar para a abordagem, inadvertidamente, como uma ideia semântica: (a) Dado que o token t é um

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Tn-token (i. é, tem uma certa propriedade restrita não--semântica), o que determina sua extensão? (b) Dado que o token t é um ‘gato’-token (i. é, tem uma pro-priedade ampla de representar gato), como pode ter qualquer um de um número infinito de causas e ainda representar gato? (a) indaga por uma solução do pro-blema da disjunção; (b) indaga por uma abordagem da robustez (BAKER, 1991, p. 28).

Baker assinala a natureza dos dois problemas:

(i) o problema da disjunção origina-se na determinação da extensão de um símbolo identificado não semanti-camente;

(ii) o problema da robustez origina-se apenas depois de o token mental estar simbolizado semanticamente, fa-zendo com que um token com múltiplas causas possa representar a mesma propriedade.

Colocada a questão dessa forma, a robustez não pode resolver o problema da disjunção, pois (b), em [3.22], é logicamente anterior a (a). E, para Baker, uma teoria fisicalista deve fornecer uma res-posta para (a). Das três opções abaixo, a autora acredita que apenas a última representaria uma opção informativa de redução:

(i) É uma lei que gatos causam tokens de um type que representa gatos.

[Aqui não há redução se a propriedade nomicamente relacionada a gatos é a de representar gatos.]

(ii) É uma lei que gatos causam tokens de um type legal-mente causado por gatos.

[Baker apenas considera essa formulação obviamente trivial.]

(iii) É uma lei que gatos causam tokens do type Tn.

As conclusões de Baker são radicais:

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[3.23] (i) Fodor vacila entre duas interpretações da redução – a versão informacional pura (quando ele considera unicórnios) e a versão de instanciação lo-cal (quando ele considera gatos e robôs); (ii) nenhu-ma das versões da visão de Fodor pode lidar adequa-damente com a representação de propriedades não instanciadas em geral; (iii) nenhuma das opções pos-síveis no caso gato/robô é adequada; (iv) a visão de Fodor cai no tipo de visão de dois-tipos-de-situação característica das teorias teleológicas que ele critica. Diante desses problemas, concluo que a afirmação de que a representação mental tenha sido naturali-zada não se sustenta – ou no mínimo não ainda –. (BAKER, 1991, p. 29).

A argumentação de Baker é rica o suficiente para ser tomada como um exemplo de crítica dirigida à Teoria da Dependência Causal As-simétrica. O foco não poderia deixar de ser a estratégia naturalística da qual essa teoria redunda.

Como se viu na parte 3 do primeiro capítulo, a restrição natu-ralista em Ciências Cognitivas coloca-se no plano de um proje-to filosófico (Veja-se [1.46] e [1.50]). Como um projeto filosófico visa a lidar com a superveniência causal das propriedades inten-cionais sobre propriedades não intencionais. Tais propriedades não intencionais, nas palavras de Fodor, não precisam desembocar em alguma espécie de fisicalismo, já que uma teoria naturalista não é, necessariamente, uma teoria fisicalista. Fodor, conforme [1.53], defende um programa reducionista em que a suposição de que todo evento psicológico é um evento físico (fisicalismo-token, [Q 1.12]) não leva à suposição de que teorias físicas possam fornecer o voca-bulário naturalístico. Assim, ele não acredita que as taxonomias das ciências especiais se reduzam às taxonomias da física.

Baker atém-se ao fato de que é preciso haver leis intencionais para que as propriedades intencionais tenham força causal, de acor-do com [1.54]. Ora, essa é uma questão metodológica, como de res-to o é a conciliação da tese de que as propriedades intencionais dos estados mentais são causalmente responsáveis com a tese de que os processos mentais são computacionais. Se as leis do intencional não são leis básicas, e se são necessárias leis para a causação e,

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ao mesmo tempo, que sejam leis naturalísticas da causação, torna--se necessário um mecanismo de mediação de um nível mais baixo (ou física). Através desse mecanismo implementam-se leis de nível mais alto, como é o caso das leis intencionais. É, então, através do funcionalismo que o caráter causal dos estados mentais passa a ser abordado no programa de pesquisa fodoriano.

A Teoria da Dependência Causal Assimétrica encontra-se asso-ciada à causação, à medida que propriedades disposicionais cova-riam legalmente com propriedades do mundo. O mecanismo compu-tacional transdutivo medeia a covariação mente/mundo. Entretanto, como se viu em [Q 2.5], a covariação pode ter diferentes etiologias, o que redunda no Problema da Disjunção, no da Robustez e no Pan-semanticismo, entraves típicos de semânticas informacionais.

Tendo em conta sempre que a força simbólica da representação é garantida, para Fodor, pela existência de uma relação nômica en-tre alguma propriedade das causas ambientais e uma propriedade do organismo, o modo como essas relações impedem a Disjunção e a Robustez precisa de tratamento adequado. As dependências causais nômicas recebem, então, seu caráter assimétrico, conforme [2.34] e [Q 2.7].

Tendo-se retomado o quadro teórico relevante, fica evidente que a operação metodológica de Baker é justamente a de mostrar que a Teoria da Dependência Causal Assimétrica falha em resolver tais problemas, mas sobretudo falha no seu propósito mais radical: naturalizar o conteúdo mental. E para mostrar isso ela argumenta escavando exemplos que problematizam o uso dos próprios recur-sos do aparato com que a teoria opera, um aparato desenvolvido no nível metateórico.

Mesmo que estejam sendo abordados problemas de natureza filosófica e, portanto, de caráter fundacional com relação a todo o programa de investigação de Fodor, a estratégia básica até aqui é nitidamente metodológica.

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3.4 Contra o atomismo: conteúdo restrito e holismo semântico

Apresentamos aqui a crítica que Block (1991) dirige ao com-promisso de Fodor com o atomismo semântico e que representa, portanto, um ataque direto a um dos elementos fundacionais do seu programa de pesquisa. Para Block, o conteúdo restrito leva ao holismo, ou mais especificamente:

[3.24] [S]e ele [o conteúdo restrito] existe, ele é holístico (BLOCK, 1991, p. 41).

Mesmo levando-se em consideração que, numa fase posterior a esta em que Block desenvolve sua crítica, Fodor passa a considerar o conteúdo restrito como supérfluo para a explanação psicológica, como se viu na parte 2 do segundo capítulo, a argumentação de Block atinge uma das teses que Fodor rejeita com veemência: o holismo semântico, conforme [1.34] e [Q 1.10], e constitui uma crítica exemplar no contexto das discussões semânticas em Ciência Cognitiva.

Como bem observa Block (1991) e de acordo com o que se viu no capítulo dois, Fodor desenvolve uma noção de conteúdo restrito nestes termos:

[3.25] O conteúdo restrito está ‘na cabeça’ no sen-tido que ele supervém a propriedades do corpo que são não intencionais e não envolvem relações com coisas fora do corpo (BLOCK, 1991, p. 33).

Block pretende analisar a concepção fodoriana de conteúdo res-trito como sendo uma função de contextos para condições de ver-dade, posição que ele denomina de Teoria do Mapeamento, a fim de distingui-la da concepção funcionalista de conteúdo restrito. Sua argumentação pretende mostrar que:

[3.26] [A] Teoria do mapeamento não se ajusta à visão de Fodor de explanação psicológica e sua à oposição ao holismo (BLOCK, 1991, p. 33).

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Block defende que a Teoria do Mapeamento conduz ao holis-mo, fornecendo, assim:

[3.27] um argumento independente para o holismo do conteúdo restrito [se mudanças diárias na cren-ça mudam o conteúdo restrito, então o conteúdo restrito revela-se fortemente holístico] (BLOCK, 1991, p. 62).

Para ele, sob uma abordagem razoável da referência, o conteú-do restrito é inevitavelmente holístico, não sendo, portanto, com-partilhável por qualquer pessoa. Em sendo assim, não serve à ex-planação psicológica e suas leis.

Segundo esse crítico, a Teoria do Mapeamento tem algumas pretensões com relação ao conteúdo restrito:

1. O conteúdo restrito deveria ser restrito, i.e., individualístico. Deveria supervir sobre propriedades não relacionais não intencionais do corpo.

2. O conteúdo restrito deveria ser relevante para a explanação psicológica – explanação causal –. O papel do conteúdo restrito em leis psicológicas está relacionado à sua generalidade. Conteúdos holísticos que são compartilhados apenas por duplicatas funcionais ou físicas não têm generalidade.

3. O conteúdo restrito deveria ser um tipo de conteúdo.

Quanto a (1), a ideia é de que o que quer que determine o ma-peamento de contextos a conteúdos para uma palavra deveria ser o que é compartilhado pela pessoa em todos os ambientes em con-sideração – o que tem caráter individualístico. Para Block, ‘água’ mapeia para água em função do contexto de aquisição da palavra. Quanto a (2), o conteúdo restrito serve à explanação psicológica. Quanto a (3), coloca-se em questão a exigência de que o conteúdo restrito seja de fato um tipo de conteúdo na Teoria do Mapeamen-to – isto é, que ele represente o mundo de uma certa maneira. Para Block, se ele é representativo apenas em relação a contextos, pode não ser um conteúdo propriamente.

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Block parte da suposição de que, num determinado modo de entender a Teoria do Mapeamento, o conteúdo restrito de um enun-ciado poderia ser definido como a função parcial cujos argumentos (inputs) são ambientes possíveis do enunciado, incluindo os con-textos em que as palavras são adquiridas (em que se é criado e se aprende a linguagem), e cujos valores (outputs) são condições de verdade (conteúdos amplos) que o enunciado dessas palavras (ou sons) teria naqueles contextos (em que se é criado). A função com-preendida desse modo faz do mapeamento algo inteiramente ligado à formação no mundo físico e social, não algo relativo a traços da mente do falante. Block considera, por exemplo, que os enunciados Lama dá um bom shampoo e Eisenhower é um pato apresentam apenas uma diferença constante em suas formas sintáticas quanto aos estados mentais nos mundos em que são adquiridos, e acres-centa:

[3.28] Não haverá nenhuma diferença constante em algo sobre meus estados da mente que intuiti-va e pré-teoricamente contariam como semântico, visto que o que esses ruídos significarão depende-rá inteiramente do encaixamento físico e social no contexto de aquisição (BLOCK, 1991, p. 38).

Desse modo, para ele, os mapeamentos representam formas sin-táticas, não um tipo de conteúdo, de modo que:

[3.29] [o] conteúdo restrito da teoria do mapea-mento cai na sintaxe (BLOCK, 1991, p. 38)

Ocorrendo isso, o conteúdo restrito não serve à explanação psi-cológica porque:

[3.30] [o]bjetos sintaticamente idênticos podem desempenhar papéis funcionais muito diferentes e ser associados com capacidades de reconhecimen-to diferentes (BLOCK, 1991, p. 39).

Para este crítico, a Teoria do Mapeamento encaminha-se para o holismo da seguinte maneira:

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[3.31] A esperança ardente do teórico do mapea-mento é encontrar alguma condição que tenha o efeito de forçar que os conteúdos restritos em cada contexto sejam os mesmos que no mundo real sem efetivamente estipular isso diretamente. Sua tarefa é encontrar uma restrição sobre contextos de input que tenham este efeito sem que pressuponha a no-ção de conteúdo restrito. A tragédia da Teoria do Mapeamento é que não se tem feito uma propos-ta não holística que comece a fazer esse trabalho (BLOCK, 1991, p. 39).

Block, como um defensor do significado como papel funcional, afirma que o conteúdo restrito é holístico se não há diferenças entre entradas de dicionário e entradas enciclopédias para uma palavra. Sendo assim, não há como individualizar os conteúdos restritos por quaisquer subconjuntos dessas entradas. Se houver alguma dife-rença nessas entradas entre duas palavras, então essas palavras têm diferentes conteúdos restritos. Um exemplo que o autor dá é que nas sequências (a) e (b), abaixo, “água” tem diferentes conteúdos restritos:

(a) Água é mais esverdeada que azulada.(b) Água é mais azulada que esverdeada.

Para Block, ao se aceitar a versão holística do conteúdo restrito, a Teoria do Mapeamento passa a depender de uma abordagem fun-cional do conteúdo, e disso se segue que:

[3.32] Se os conteúdos restritos são holísticos, as leis psicológicas não poderiam ter a generalidade que Fodor almeja (BLOCK, 1991, p. 40).

Para ele:

[3.33] Se o conteúdo restrito existe, ele é inevita-velmente holístico (BLOCK, 1991, p. 41).

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Block acredita que os conteúdos restritos da Teoria do Mape-amento estão sujeitos a duas forças: (a) como qualquer conteúdo restrito, devem ser restritos, e twins devem compartilhá-los aqui e agora; (b) deve-se individualizá-los em termos do que seria adqui-rido em diferentes ambientes historicamente.

A estratégia argumentativa de Block é assumidamente a seguinte:

[3.34] [A]presentar Fodor com alternativas que le-vam ou ao holismo, ou a conteúdos restritos exces-sivamente grosseiros ou a não existência de conteú-dos restritos (BLOCK, 1991, p. 59).

Sua tarefa é a de mostrar que, conforme [3.24], se houver con-teúdos restritos, eles são holísticos e, assim sendo, “qualquer teoria do conteúdo restrito que evita o holismo deve estar errada” (p. 59). Para tanto, ele retoma a ideia de que o conteúdo restrito supervém sobre propriedades físicas não relacionais (isto é, relacionais não externas) do corpo e a aplica a um caso de gêmeos-duplicatas, nos moldes de Putnam. Block, assim, menciona o caso fictício de Bar-ry e Bruce, gêmeos de 10 anos, separados em diferentes lares: um no Sul outro no Norte da Ruritânia. Em cada lugar, B & B obser-vam adultos tomando um líquido chamdo ‘grug’. No Sul, ‘grug’ é cerveja; no Norte, uísque. Nenhuma diferença que existe entre esses dois tipos de bebida afetam deferencialmente B & B, apenas o fato de que os adultos a tomam e ficam bêbados. Desse modo, não há nenhuma diferença “dentro da cabeça” de B & B relativamente a ‘grug’ e, portanto, não há entre eles o compartilhamento de proprie-dades físicas não relacionais: eles têm o mesmo conteúdo restrito para ‘grug’. Prosseguindo com a ficção, B & B recebem professo-res voluntários do Corpo da Paz e começam a aprender Inglês e, como adolescentes curiosos, querem aprender fatos novos sobre o que chamam de ‘grug’. Bruce aprende que ‘grug’:

1. É chamado de ‘beer’ em Inglês Americano.2. Vem em recipientes como os vasilhames de soda.

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3. É preciso que o indivíduo beba um bom número de copos antes de ficar bêbado.

4. O indívíduo que o bebe faz muito pipi.

Barry, por sua vez, aprende que ‘grug’:1. É chamado de ‘Scotch’ em Inglês.2. Vem em garrafas como as de vinho.3. É caro.4. Quem toma mais de um copo cheio da substância fica

enjoado.

Sabe-se, afirma Block, que o conteúdo amplo de ‘grug’ de Bru-ce é tão diferente do de Barry quanto são os conceitos amplos de beer e Scotch da maioria das pessoas e, consequentemente, seus ‘grugs’ têm diferentes conteúdos restritos. Assinala que os conte-údos restritos eram os mesmos até a aprendizagem adicional, mas tornam-se diferentes após. Assim, pode-se argumentar que mudan-ças de crença que são perfeitamente comuns podem mudar o conte-údo restrito. Como Block ressalta, esse argumento não depende de qualquer teoria sobre o que os conteúdos restritos são:

[3.35] Observe que meu argumento depende ape-nas das suposições mencionadas e não de qualquer teoria sobre o que os conteúdos restritos realmente são. Eu não suponho que eles sejam papéis funcio-nais ou conjuntos de mundos nocionais ou mape-amentos de qualquer tipo (BLOCK, 1991, p. 61).

Tomando-se em consideração toda a exemplificação a partir dos gêmeos B&B, poder-se-ia pensar em um universo de discus-sões basicamente filosófico, considerando que Block fornece mais uma versão para os clássicos casos-Twins. Esse recurso é estraté-gico, pois, se o conteúdo restrito pretende (pretendia) dar conta da explanação de problemas como esses, levantados em filosofia da linguagem e transportados para a filosofia da mente, cabe, pois, re-formulá-los, acrescentando-lhes os componentes necessários para a estratégia argumentativa. Essa estratégia visa a criar um compro-metimento não com o atomismo, mas com o holismo (Ver [Q.1.8],

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[1.34], [1.36]), promovendo uma das mais graves rachaduras possí-veis no programa de pesquisa de Fodor. Como se sabe, para Fodor, o holismo levaria ao niilismo (FODOR; LEPORE, 1992; FODOR, 1991b), conforme [1.37].

A conclusão de Block resume-se no seguinte:

[3.36] A ideia intuitiva da teoria do Mapeamen-to é que se pode identificar o conteúdo restrito de ‘água’ com o conjunto de pares cujos primeiros membros são contextos em que ‘água’ é adquirido e enunciado com o mesmo conteúdo restrito que ele tem no mundo real, e cujos segundos membros são os conteúdos resultantes. O truque é especi-ficar os mapeamentos tanto quanto assegurar que ‘água’ tem seu conteúdo restrito normal sem tornar a teoria vaga por efetivamente usar o conceito não analisado de conteúdo restrito. O problema com a Teoria do Mapeamento é que nenhuma ideia de-cente, não holística, de como fazer isso é ofere-cida. O giro especial de Fodor sobre o problema é pensá-lo em termos de uma abordagem causal--informacional do conteúdo amplo. Mas a abor-dagem de Fodor não mostra sinais de ajudar com o problema básico, à medida que as demandas da individualização da covariação causal entre pala-vras e o mundo estão em tensão com as demandas da individualização da explanação psicológica. As primeiras requerem vasta disjunção de estados intervenientes cuja única restrição é que eles me-deiam a covariação causal; os últimos requerem suficiente unidade para ser de uso na explanação psicológica (BLOCK, 1991, p. 62).

Poder-se-ia dizer, numa rápida apreciação da crítica, que a dis-cussão de Block é de natureza estritamente filosófica. Mas, nova-mente, não é esse o caso quando o ponto fundamental é o poder explanatório do programa fodoriano. Atacar o atomismo na in-dividualização é retomar o problema apontado por Fodor em [Q 1.9] e [1.34], relativamente à estimativa individual de relevância

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epistêmica. Diferenças nessas estimativas impedem generalizações intencionais e, portanto, trazem sérios problemas para a constru-ção científica de uma psicologia intencional. Visto sob o ângulo metodológico, o argumento de Block adquire proporções mais am-plas.11 Não se quer dizer aqui que problemas de método não sejam de natureza filosófica, apenas que uma discussão filosófica não implica necessariamente uma discussão metodológica.

A estratégia de Block é denunciar o caráter holístico do con-teúdo restrito. Esse é um movimento argumentativo que vai em direção às bases do programa de Fodor. Ou seja, se adotarmos o modelo hierárquico, o ataque às bases filosóficas mais genéricas consiste numa tentativa de fraturar os pilares de sustentação do edi-fício teórico, passando, evidentemente, pelo nível intermediário da metodologia. Se for possível comprometer Fodor com o holismo, o que se obtém é inconsistência.

3.5 Contra o abandono do conteúdo restrito

Toma-se, finalmente, a argumentação de Prinz (1995a) como uma crítica exemplar situada numa dialogia com a metateoria da semântica fodoriana, operando estritamente no nível dos argumen-tos que levam à suposição de que o conteúdo restrito é supérfluo para a explanação psicológica, conforme [2.53] e [2.58]. E o mais importante, para os propósitos desta obra, é que os argumentos des-se crítico se desenvolvem no mesmo plano dos de Fodor (1994b). A estratégia de Prinz é retomar os problemas filosóficos que justifi-cavam historicamente a ideia de que o conteúdo restrito teria força explanatória, procurando, através de recursos lógicos, tornar evi-dente que as generalizações que o conteúdo restrito abarcaria não são meros acidentes e, mais importante, não podem ser assumidas por uma noção de conteúdo amplo.

Prinz (1995a) inicia sua argumentação com a seguinte colocação:

[3.37] Até pouco tempo atrás, Jerry Fodor era considerado o mais ardente defensor do conteúdo restrito. Tudo isso mudou com a publicação de The Elm and the Expert: Mentalese and Its Semantics [...] No segundo capítulo desse livro, Fodor anun-

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cia o que podemos fazer sem o conteúdo restrito. A retração de Fodor tem sido percebida como um ato de trincheira por aqueles de nós que estimam o conteúdo restrito. Diz-se que uma causa alcança sua hora mais escura quando seus maiores paladi-nos tendem para o lado de seus oponentes. Se este é o caso, o conteúdo restrito parece ter-se aproxi-mado de seu ocaso (PRINZ, 1995a, p. 1).

Prinz (1995a) acredita que os argumentos de Fodor contra o conteúdo restrito são malsucedidos, o que significa, por outro lado, que ele não demonstra que leis psicológicas amplas são suficientes para a explanação psicológica. Prinz inicialmente situa a questão do individualismo, a partir da formulação de três princípios:

Q 3.11 Princípio da Autonomia

Q 3.12 Princípio da Semanticidade

O Princípio da Semanticidade assegura que estados mentais restritamente individualizados não sejam apenas estados sintáticos, mas estados com propriedades semânticas – o conteúdo restrito –,o que não equivale a serem semanticamente avaliáveis. Para Prinz, ao se propor o conteúdo restrito, deve-se ter em conta o seguinte Princípio:

Q 3.13 Princípio do Valor Explanatório

PRINCÍPIO DA AUTONOMIA

Há um modo de individualizar os estados mentais de um indivíduo que não depende fundamentalmente do ambiente físico ou social em que este indivíduo está situado.

PRINCÍPIO DA SEMANTICIDADEEstados restritamente individualizados possuem propriedades semânticas e podem ser diferenciados na base dessas propriedades.

PRINCÍPIO DO VALOR EXPLANATÓRIO:Estados individualizados sem referência ao ambiente são relevantes para a, necessários para a, ou privilegiados pela psicologia científica.

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Para ele, o argumento de Fodor ataca apenas este último princí-pio, conforme [2.47] e [2.57].

Prinz resume o argumento de Fodor com relação os casos-twins da seguinte maneira:

[3.38] [O]s casos twins [...] são citados como evi-dências contra o conteúdo restrito. Mas os propo-nentes do individualismo têm argumentado que twins podem ser mais exitosamente listados em defesa do conteúdo restrito (PRINZ, 1995a, p.1).

Tomando-se, abaixo, o ARG1 em defesa do conteúdo restrito, Fodor acertaria o ARG2.

Esse argumento pode ser resgatado a partir de [2.45], [2.46]. Para Prinz:

[3.39] São vulneráveis tanto as premissas cruciais de que Twins são nomologicamente impossíveis, como as de que as leis psicológicas restringem-se aos casos nomologicamente possíveis. (PRINZ, 1995a, p. 2).

ARG1: P1 Twins comportam-se do mesmo modo.P2 Portanto, as leis psicológicas deveriam generalizar sobre twins [ de P1].P3 Leis psicológicas amplas falham em generalizar sobre twins.C Portanto, leis psicológicas amplas são inadequadas [de P2 e P3].

ARG2:P1 Jones e Twin-Jones compartilham um conceito C [restritamente indivi-

dualizado], mas Jones aplica C-tokens para água e Twin-Jones aplica C-tokens a twin-água.

P2 As leis da química de Twin-Terra diferem das leis da química da Terra.P3 Portanto, Twin-Jones é nomologicamente impossível. [de P1 e P2]P4 As leis psicológicas que governam terráqueos precisam subsumir ape-

nas casos que são nomologicamente possíveis na Terra.C As leis psicológicas no limite da Terra não precisam subsumir Twin-Jones

[de P3 e P4 ].

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Prinz lembra que uma característica das ciências especiais é a de que não se reduzem às taxonomias das ciências às quais supervêm (Veja-se [1.48] e tudo o que se segue), o que é consistente com:

[3.40] a visão de que uma ciência poderia ser preservada mesmo que as leis que governam seu substrato subjacente fossem diferentes (PRINZ, 1995a, p. 2).

Desse modo, mesmo que P4 de ARG2 não diga exatamente o contrário:

[3.41] Se os estados psicológicos não são tipo--identificados com estados físicos, é razoável con-cluir que leis psicológicas poderiam ser destinadas a generalizar tanto sobre casos nomologicamente possíveis como sobre casos nomologicamente im-possíveis (PRINZ, 1995a, p. 2).

O que ele quer dizer é que mesmo que as ciências especiais pos-sam fazer isso, com P4 de ARG2, Fodor diz que não é necessário (Veja-se [2.45]). O problema com a defesa de P4 é que:

[3.42] poder-se-ia ter outras razões para construir leis que subsumam Twins. Não é suficiente mostrar o que se pode conseguir com leis que não subsumem twins. Para defender a cláusula do Valor Exploratório, Fodor deve mostrar que leis que subsumem twins não fazem nenhuma contribuição à psicologia científica. Mesmo se as leis que subsumem twins não tenham mais força preditiva do que leis que falham em subsumir twins, elas poderiam ter mais força exploratória. Se for assim, P4 não se justifica (PRINZ, 1995a, p. 2).

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O autor retoma o fato de que as leis que não subsumem twins são amplas, e os estados mentais amplamente individualizados se referem a aspectos do ambiente – propriedades relacionais –. Como se sabe, isso acarreta que estados mentais restritamente equivalen-tes possam ser amplamente distintos, o que, por sua vez, acarreta que propriedades relacionais amplas não contribuem para a eficácia causal. Ou seja:

[3.43] [O] estudo de twins tem valor explanatório. Leis psicológicas amplas falham brutalmente em distinguir as propriedades causalmente eficazes dos estados mentais a partir de propriedades rela-cionais causalmente inertes (PRINZ, 1995a, p. 2).

Com relação aos experts, Prinz retoma o caso dos conceitos de-ferenciais OLMO e FAIA (Vejam-se [2.49], [2.50]), que, segundo Putnam, levam à conclusão de que, sendo os conceitos indistinguí-veis, têm a mesma força causal, mas, em sua discussão, Fodor apre-senta o seguinte argumento, conforme Prinz:

Para Prinz, C1 de ARG3 é ambíguo sobre se se trata de individualização ampla ou restrita. Se for ampla, fala-se do que consta em [2.02], nos termos de Putnam, para conceitos deferenciais, e, então, não se segue C2. Se for restrita, portanto conceitos restritos, Prinz sustenta que:

ARG3P1 Assuma que se tem estados mentais restritamente individualizados mui-

to similares que caem sob OLMO e FAIA.P2 Se uma pessoa pode distinguir objetos na extensão de dois conceitos

com a ajuda de instrumentos, aqueles conceitos são distintos.P3 É possível distinguir olmos e faias apelando para experts.P4 Experts são instrumentos.C1 Portanto, os conceitos de OLMO e FAIA são distintos (de P1-P4).C2 Portanto, os conceitos de OLMO e FAIA deveriam ser subsumidos por

leis diferentes.

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[3.44] A ideia parece ser de que os mecanismos internos que me levam a me submeter a experts resultam no fato de que meu conceito OLMO co-varia com olmos, e meu conceito de FAIA covaria com faias, sob condições ideais. Meus conceitos OLMO e FAIA não são instanciados em todas as situações contrafactuais, porque, em algumas des-sas situações, estou usando um expert como uma ferramenta. Se esse argumento estiver correto, en-tão meus conceitos de OLMO e FAIA não podem ser subsumidos sob as mesma leis estritas (PRINZ, 1995a, p. 5).

Esse é o ponto a que Fodor quer chegar: esvaziar o argumento para o individualismo quando se trata do conteúdo restrito. Aqui o argumen-to é diferente daquele contra os twins, pois, segundo Prinz, naquele caso Fodor tenta provar que leis amplas não individualísticas são suficientes. Aqui, ele mostra que tanto individualistas como não individualistas são distintivos usando experts como “empatadores” entre individualismo e não individualismo (ou anti-individualismo), de modo que não se sabe, de fato, se os conceitos deferenciais caem sob leis restritas ou amplas. Mas, afirma, tais tipos de conceitos são comumente utilizados para ar-gumentar contra o individualismo, como o faz Fodor. E acrescenta:

[3.45] Intuições pré-filosóficas são cépticas com teo-rias que não são capazes de distinguir meu conceito de OLMO e FAIA. Consequentemente, os individua-listas, via de regra, apelam para outros tipos de casos para defender seu programa. O argumento de Fodor permite aos individualistas acomodar as intuições pré-filosóficas. Se ele estiver certo, o individualista pode sustentar que os conceitos deferenciais são estri-tamente distintos. Dessa perspectiva, o argumento de Fodor é água para o moinho individualista (PRINZ, 1995a, p. 5).

Os casos-Frege, por sua vez, são utilizados para defender a in-dividualização restrita, à medida que, conforme os exemplos de Fodor (na discussão antes da conclusão [2.53]), as crenças de Édi-po são mediadas por estados internos distintos – conteúdos restritos

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diferentes – evidenciando que a individualização extensional é ina-dequada. Como se viu, Fodor, nessa discussão, apela para o PEI [Q 2.11], afirmando, contra a proliferação de casos-Frege, que o equi-líbrio epistêmico – a posse da informação relevante – garante a ação racional. Prinz resume assim o argumento de Fodor contra os casos-Frege:

Nesse cenário, Édipo (Ver parte 1.2) não satisfaz PEI, pois ele age irracionalmente. Para Prinz, PEI não pode ser conclusivo, pois (Ver argumento de Fodor em [2.50], [2.51] e [2.52]):

[3.46] Uma coisa é afirmar que casos-Frege são raros e outra completamente diferente é afirmar que eles não precisam ser tratados por uma boa teoria psicológica. Para defender esta última tese Fodor deve livrar-se da palavra ‘normalmente’ da asserção de PEI. Se a normalidade fosse meramen-te uma medida estatística de frequência relativa, casos anormais não poderiam ser banidos do do-mínio da psicologia. As teorias científicas deve-riam explicar casos excepcionais, se esses casos não forem sem fundamento (PRINZ, 1995a, p. 6).

Para Fodor, Édipo irracionalmente cometeu incesto. Para Prinz, Édipo, ou qualquer agente de casos-Frege, agiu racionalmente, o que contraria os truísmos ligados ao PEI (Veja-se [Q 2.12], levan-do-se em consideração que Prinz toma o acarretamento TA como um terceiro truísmo (T3)). Para ele, a falha em identificar coexten-sionalidade não é sintoma de irracionalidade.

ARG4P1 O PEI é verdadeiro.P2 Agentes racionais reconhecem que seus conceitos coextensionais são

conceitos coextensionais. (de P1)P3 Leis psicológicas não precisam subsumir agentes irracionais.C Leis psicológicas não precisam subsumir casos em que os agentes fa-

lham em reconhecer que seus conceitos são coextensivos.

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O PROJETO DE NATURALIZAÇÃO DO CONTEÚDO INTENCIONAL204

O autor considera que o sucesso de ações racionais pode ser acidental em algum sentido. Para ilustrar sua posição, ele toma um exemplo. Supõe que, caminhando-se por uma floresta, observa-se que se está cercado por lobos, sobre os quais se sabe que habitam florestas e que são perigosos. Isso faz com que se opte por fugir da floresta – o que seria considerado uma ação racional paradigmática. Considere-se, todavia, (i) que o que se viu eram, na verdade, robôs hollywoodianos de um filme sendo rodado nas imediações, e (ii) que atrás desses robôs se escondiam – sem que fossem vistos – lobos verdadeiros. Assim, evitou-se um perigo real acidentalmente, já que não se evitou a parte real do perigo. Do que conclui:

[3.47] [C]renças justificadas não são essenciais para a ação bem-sucedida. [...] O resultado disso é que o uso da palavra ‘acidental’ em T2 difere do uso desta palavra em T3[CT]. Na minha leitura, a psicologia da crença/desejo requer que as crenças subjacentes a nossas ações racionais sejam justifi-cadas, não que sejam verdadeiras. [...] Portanto, a racionalidade não impede as ações bem-sucedidas que são baseadas em crenças falsas; elas apenas impede ações bem-sucedidas que são baseadas em crenças injustificadas (PRINZ, 1995a, p. 7).

A sugestão de Prinz é que T2 é muito forte e que deveria ser re-escrita desta forma:

Para o autor, a justificação da crença, via de regra definida a partir de um corpus de informação, prescinde do PEI, pois crenças podem ser justificadas, mesmo quando não se tem toda informação relevante, ou seja, é justificado acreditar que P, dado o que sei e o que se pode razoavelmente encontrar. A partir disso, Prinz forma um princípio (PEI) mais fraco:

Q 3.14 PEI-Humilde

T2’ O sucesso de uma ação é acidental a menos que as crenças sobre as quais um agente atua são justificadas.

PEI-HUMILDEO agente racional está justificado a acreditar que não agiria diferentemente se soubesse toda a informação relevante.

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Heloísa Pedroso de Moraes Feltes 205

Desse modo, a P1 do ARG4 é considerada falsa e com ela P2. E se segue que as leis psicológicas deveriam subsumir os casos-Frege sob pena de ser uma ciência explanatoriamente estéril, conclui Prinz. Com suas palavras:

[3.48] Sob certas circunstâncias, os agentes racio-nais falharão em reconhecer identidades cruciais. Fodor quer nos fazer acreditar que esses casos excepcionais caem fora do domínio explanatório da psicologia, mas não nega que as leis psicoló-gicas poderiam ser construídas para acomodá-las. Na verdade, ele parece conceder que se poderia facilmente construir tais leis se admitíssemos os conteúdos restritos em nosso arsenal explanató-rio. Por que essas leis restritas seriam excluídas? Fodor não fornece uma resposta satisfatória. Ele não tem nenhuma razão independente-da-teoria para não incluir o emprego de leis restritas na explanação de casos Frege. Como com outras ciências, uma boa teoria psicológica deveria ex-plicar tanto casos normais como exceções raras (a menos que essas exceções sejam completamente infundadas) [...] [A] responsabilidade científica deveria ser determinada pela habilidade científica (PRINZ, 1995a, p. 7).

Em suma, quando Prinz cria o caso dos lobos-robôs, ele rea-presenta especulações da base filosófica inicial que historicamente originou o problema com cuja formulação e resolução a disciplina se comprometeu, gerando a ontologia necessária para o quadro te-órico (por exemplo, fornecendo-se respostas a perguntas como: de-ve-se assumir um comprometimento com um tipo de conteúdo de caráter restrito?). Essa situação é idêntica àquela de Block, quando um caso filosófico clássico é aprimorado, para que acompanhe a complexidade gerada pela evolução das pesquisas ou teorias.

Ao tomar como ponto da discussão a argumentação de Fodor sobre o poder do conteúdo restrito para a explanação psicológica, Prinz não está apenas discutindo uma ontologia tratável no nível fi-losófico. Ele está, antes, de acordo com seus argumentos em [3.46]

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e [3.48], averiguando a estratégia metodológica de Fodor; ou seja, como, partindo (i) de suas concepções metacientíficas (de Fodor) e (ii) de algumas suposições sobre a superveniência no nível do papel computacional, decisões são tomadas sobre quais dados de-vem contar como evidências ou como base paras a formulação das teorias científicas.

A crítica de Prinz, portanto, ataca o argumento de Fodor, em sua tentativa de tirar o conteúdo restrito do núcleo duro de seu progra-ma de pesquisa, já que, como discutido na crítica de Block (1991), parte 3.4 deste capítulo, o conteúdo restrito estaria atrelado ao ho-lismo semântico, repudiado por Fodor, já que o holismo, segundo suas próprias palavras, leva ao relativismo, o qual, por sua vez, redunda em niilismo. Portanto, Prinz atua na heurística negativa de Fodor ao argumentar que não se pode negar a centralidade do conteúdo restrito dos estados intencionais com o intuito de com-prometer-se apenas com conteúdos amplos. Essa crítica de Prinz, é, como as demais críticas apresentadas neste capítulo, fundacional, no nível de chamamos de metodológico.

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Considerações Finais

Fodor, em The Elm, com a alegação do caráter supérfluo do con-teúdo restrito para a explanação (causal) psicológica desencadeia uma espécie de revolução no circuito de debates sobre semântica das representações mentais em Filosofia da Mente e Ciências Cog-nitivas. Mas é preciso que se retomem algumas posições de Fodor--como-metodólogo (ver parte 1.1 desta obra). Como já foi dito, para Fodor, uma teoria à medida que se constrói adequadamente pode responder à questão sobre quais fatos é que contam para as relações de correspondência que estabelecem sua verdade. Não se trata de uma estipulação, mas de uma constatação resultante dos avanços da própria teoria como de teorias relacionadas. No momento em que Fodor deixa de tomar os casos-Frege e casos-Twin como evi-dências fundamentais para a definição de uma noção de conteúdo de caráter restrito com força explanatória, tal noção perde o sta-tus teórico. Na verdade, perde o status metodológico que tinha, já que essa noção só se justificava à medida que não se podia atribuir à noção de conteúdo amplo as relações com (e individualização de) estados internos do organismo. Ou seja, permanecia aberta a Questão Epônima. Com a noção sintática de modos de apresenta-ção, Fodor reafirma a Teoria Computacional da Mente, consolida a Teoria Representacional da Mente e responde à Questão Epônima: o conteúdo restrito não é de fato um conteúdo; se ele supervém a estados computacionais, então ele não tem poder explanatório, e a semântica é puramente informacional: está fora da psicologia.

Observa-se, sem esforço, que há a retomada de questões no nível filosófico, haja vista que a discussão sobre casos-Frege e casos-Twins são uma herança da Filosofia da Linguagem (e, pos-teriormente, da Filosofia da Mente) que alicerça a formulação da hipótese do conteúdo restrito para a explanação em Psicologia Cognitiva. Pode-se pensar, à primeira vista, que a discussão se si-tue focalmente nesse nível. Na verdade, ele está a serviço do nível metodológico. Isso está bem de acordo com a visão hierárquica de formulação das teorias científicas.

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[3.49] A força dos modelos hierárquicos repousa essencialmente no fato de que decisões no nível mais baixo derivam diretamente de itens do nível mais alto (BATENS, 1992, p. 200).

É dentro dessa concepção que estruturamos esta obra. O capítu-lo 1, parte 1.1, iniciou com o quadro de um Fodor em Contraponto, onde se visou ao estabelecimentos dos níveis de argumentação em que ele se inscreve e que servem de base para a estratégia adotada em nossa organização da obra. Em seguida, parte 1.2, procurou--se caracterizar a Teoria Representacional da Mente e a Hipótese da Linguagem do Pensamento. Nessa parte, apresentaram-se as propriedades supostas do código interno, do sistema representacio-nal cujos símbolos são os objetos imediatos das atitudes propo-sicionais. Num modelo mecanicista poder-se-ia dizer que se trata de uma linguagem da máquina. Esse sistema simbólico tem uma sintaxe e uma semântica, as quais são condições para representar línguas naturais (externas). Evidenciou-se que os estados mentais devem ter duas características básicas, conforme [Q 1.1]: devem ser semanticamente avaliáveis (numa relação símbolo-mundo) e ter força causal (EM a Co, IA aEM e EM aEM). Esses compro-missos são basilares à medida que: (a) a força causal dos processos mentais – como sequências de estados mentais – é objeto da Teoria Computacional da Mente; (b) associar essas duas características gera a Questão Epônima; (c) a Teoria da Dependência Causal As-simétrica é incrementalmente formulada para dar conta de (b).

No capítulo 1, parte 1.2, apontou-se uma das características mais centrais do sistema representacional interno: este possui uma estrutura constituinte – composicional (cf. [Q1.5]) – responsável por propriedades gerais da cognição: produtividade e sistematici-dade. O comprometimento metodológico com a composicionalida-de é um compromisso com analiticidade e com a individualização de estados mentais pelo conteúdo – o atomismo [Q1.6] – uma linha direta de confronto com as propostas holistas para teorias do con-teúdo mental [Q1.8]. Isso porque a força das generalizações das teorias psicológicas encontra-se na possibilidade de estabelecerem--se relações de identidade e diferença de conteúdo. Na sequência,

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na parte 1.3, discute-se a Teoria Computacional da Mente como uma proposta de naturalização do intencional. Partiu-se da restri-ção naturalista em filosofia: a de que os estados mentais não são ontologicamente primitivos, já que supervêm (causalmente) a esta-dos físicos (Ver [1.46], [1.47] e [1.48]). Metodologicamente, Fodor sustenta uma espécie de reducionismo psicológico, a partir do qual há uma coextensividade entre estados psicológicos e físicos (neu-rológicos, por exemplo), e essa coextensividade faz-se representar por um tipo de lei-ponte (Ver [Q1.13]). O intencional tem força cau-sal, não é inerte, mas suas leis não são básicas. Assim, mostrou-se a solução fodoriana de que existiria um mecanismo de mediação, implementador, expresso por leis ceteris paribus, de natureza com-putacional-sintática (Ver [1.61]). A postulação de tal mecanismo se justifica metodologicamente, na tentativa de conciliação de duas teses: (i) a de que as propriedades intencionais são causais; e (ii) a de que os processos mentais são computacionais. No primeiro nível há leis intencionais, noutro há leis sintáticas. O causal expressa-se mediaticamente no nível sintático. Como afirma Fodor, a sintaxe de um símbolo é como a geometria de uma chave (Ver [1.82]): deter-mina que fechaduras ela abrirá. Essa é a essência do funcionalismo defendido por Fodor, o qual foi caracterizado em suas linhas gerais e encontra-se baseado na condição de formalidade e no solipsismo metodológico. (Ver [Q1.15] e [1.88]) Nesse sentido, o que deveria contar em psicologia, numa cadeia metodológica de determinações causais, seriam estados semanticamente restritos, estados em que conta apenas o domínio interno de construção das representações. Ora, esse é um problema para a intencionalidade dos estados men-tais que, como se afirmou, são semanticamente avaliáveis, ou seja, estão numa relação com o mundo que o agente cognitivo representa (extensionalmente). Essa é a essência da Questão Epônima, que é explicitamente de natureza metodológica. O capítulo 1 encerrou com a discussão dos estados mentais restritos, que são os únicos estados mentais que o solipsismo metodológico admite, em conso-nância com a condição de formalidade. Estados mentais restritos geram uma semântica do conteúdo restrito, um tipo de semântica que tentaria resolver problemas oriundos da filosofia da linguagem, como os casos-Frege e casos-Twin de Putnam, em que (i) a exten-

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são não determina a intensão e (ii) dois tokens de estados mentais do mesmo pensamento podem ter condições-de-verdade diferentes.

O capítulo 2, estritamente destinado a apresentar a evolução da semântica fodoriana, iniciou justamente com a discussão me-todológica de como resolver a superveniência e individuação não relacional de estados mentais – ilustrados pelos casos filosóficos mencionados. Procurou-se mostrar como Fodor desenvolveu, numa dada época de seu pensamento, a noção de conteúdo restri-to para dar conta da explanação psicológica, respeitando a super-veniência causal. O conteúdo restrito passou a ser caracterizado como uma função de contextos para condições-de-verdade (Ver [2.12] e [2.13]). Como uma função, seu caráter de “conteúdo” é minimizado; ao mesmo tempo liga-se à noção de conteúdo amplo cuja individualização é feita extensionalmente. Essa ligação é de dependência à medida que um estado mental só pode ter conteúdo restrito se houver algum ambiente (de ancoragem) em que ele tenha conteúdo amplo, ou seja, em que ele seja avaliável numa relação extensional (símbolo-mundo). A segunda parte do capítulo destina--se à caracterização da noção de conteúdo amplo, na formulação da Teoria da Dependência Causal Assimétrica, uma teoria covaria-cional-contrafactual, que explora relações nômicas entre símbolos e propriedades intensionais (Ver [Q2.6], [Q2.7] e [Q2.8]). Ela é construída para dar conta de duas propriedades consideradas dese-jáveis em uma teoria semântica: causação e denotação. Em termos metodológicos, essa teoria pretende fornecer uma semântica na-turalizada por um critério de extensionalidade através de relações nômicas entre estados mentais e conteúdos (amplos), fornecendo--se, assim, uma espécie de relação natural (Ver [Q2.6]). Disso redunda uma semântica informacional: a representação é uma co-nexão causal em que as relações nômicas expressam relações do tipo ter-informação. Como uma semântica naturalizada, afirmou--se que deve explicar dois aspectos do conteúdo: a informação (os símbolos carregam informação sobre sua extensão) e a robustez (tokens de um mesmo símbolo podem ter causas heterogêneas). Foi dito que a robustez pode gerar o Problema da Disjunção. O cará-ter assimétrico das relações nômicas garante que robustez e, então,

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disjunção sejam tratados na base da suposição que tokens falsos ou equivocados de um símbolo são metafisicamente dependentes de tokens verdadeiros. Em seguida, mostrou-se que saber quais as re-lações nômicas relevantes é uma questão de caráter metodológico. Surgem, então, duas alternativas: (i) propor uma teoria informacio-nal pura, em que contam apenas contrafactuais-subjuntivos estipu-lados; (ii) propor uma teoria mista em que conta a história efetiva do símbolo (em que alguns tokens de símbolos são efetivamente causados por propriedades no mundo). Esta última proposta não passa de um interlúdio verificacionista e é descartada por Fodor, porque não dá conta da representação de propriedades não instan-ciadas (ser duende, por exemplo). Tendo-se a proposta (i) como a mais viável, os contrafactuais são sustentados pela disponibilidade de um mecanismo de mediação representado pelas tradições cultu-rais, experts e modelos teóricos.

O movimento metodológico mais radical de Fodor é dado no momento em que ele abre mão de construir uma teoria semântica que pudesse responder aos problemas paradigmaticamente repre-sentados pelos casos-Frege e casos-Putnam. Até este momento da construção metateórica do programa, Fodor comprometeu-se com a ideia de que o conteúdo restrito seria necessário para a explana-ção psicológica, em vista do comprometimento com o solipsismo metodológico (entendido como uma estratégia) e com a condição de formalidade. A questão que se coloca não é que o conteúdo res-trito não exista “mais”, apenas que, em nível metodológico, ele se torna supérfluo em vista de que os problemas representados pelos casos-Frege & Putnam passam a ser entendidos como acidentes. A relevância desses casos é reavaliada dentro do programa, sob a perspectiva fodoriana de que os dados que contam para a verda-de de uma teoria são determinados a posteriori, à luz do desen-volvimento da própria teoria ou de teorias relacionadas. Tomados como acidentes, as generalizações psicológicas que eles poderiam expressar passam a ser entendidas como espúrias (Ver [2.52]). Sob esse novo prisma, uma semântica do conteúdo amplo, externalista, poderia dar conta de leis intencionais, as quais seriam computacio-nalmente implementadas (Ver [2.54]). A semântica perde todo o

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caráter psicológico que eventualmente poderia ter caso fosse man-tida uma noção mais poderosa de conteúdo restrito. No plano da implementação das leis intencionais, atua um mecanismo sintático que é sensível aos modos de apresentação das sentenças do men-talês, estabelecendo, assim, seu papel computacional (Ver [2.58]).

Como afirma Watkins (1970), “o desenvolvimento do pensa-mento científico supõe importantes descontinuidades conceptuais” (p. 55), sendo que os sistemas conceptuais que são substituídos podem basear-se em princípios até mesmo incongruentes. Assim, pode-se entender que as descontinuidades no pensamento fodoria-no, ao longo de todas as suas fases (tal como propostas nesta obra), constituem movimentos “normais” e não “revolucionários” no sen-tido kuhniano. Acresça-se a essa suposição que os movimentos de constituição histórica das Ciências Cognitivas, domínio de afluên-cia dos estudos de Fodor, levam a constantes revisitações a ques-tões filosóficas a partir de demandas metodológicas e avanços tec-nológicos nos campos de aplicação. As mudanças conceptuais não seriam, pois, sob este ponto de vista, prerrogativas dos períodos ditos revolucionários. A tradição intelectual que Fodor representa desenvolve-se nitidamente nos termos de evoluções conceptuais, embora não sejam estas tão vigorosas que redundem em rachadu-ras ou traumas no seu programa de pesquisa. Entretanto, em nosso entendimento, os grandes movimentos teóricos não são de natureza meramente conceptual, mas antes e primordialmente de natureza metodológica.

Numa tentativa de provar que as críticas pertinentes devem cap-tar esse nível da evolução teórico-metodológica, o capítulo 3 foi organizado de modo a abordar os grandes eixos de desenvolvimen-to do programa, desde aspectos centrais das teses fundacionais até o último movimento da semântica externalista. Foram seleciona-das cinco críticas, focalizando especificamente: realismo intencio-nal, implementação sintática, atomismo e conteúdo restrito, teoria causal da referência e naturalização do conteúdo e, finalmente, o abandono do conteúdo restrito. Verificou-se, então, que as críticas mais pertinentes são aquelas que atacam pontos chaves da meto-dologia do programa, de modo que o ataque aos compromissos

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metodológicos permite uma avaliação do framework de um ponto de vista, pode-se dizer, endógeno: dados tais e tais comprometi-mentos metodológicos, a proposta atinge seus objetivos? Ou dados tais e tais resultados, a proposta não fere seus comprometimentos metodológicos? Esse tipo de ataque é especialmente eficaz numa proposta que se constrói historicamente na base de estratégias me-todológicas, num programa de pesquisa cujos comprometimentos estão razoavelmente explícitos.

Conclui-se que o manejo dos argumentos em qualquer crítica deve levar em conta que há níveis argumentativos, e que a atua-ção da crítica em um ou outro nível redunda em maior ou menor eficácia no que/quanto ela atinge a teoria. Tais níveis argumentati-vos, brevemente esboçados nesta obra, ainda carecem de precisão e caracterização. Há, sem dúvida, indícios de que mesmo críticos argutos e extremamente bem informados de toda a história de um programa podem não estar devidamente acertados sobre (i) quais os níveis que devem ser levados em consideração no debate; (ii) quais níveis são mais relevantes em determinados pontos da dis-cussão. A determinação mais apurada desses níveis ainda está para ser feita, mas estes poderiam vir a ser caracterizados de modo a servir para discriminar tipos diferentes de semântica segundo a me-tateoria de cada programa. Na discussão e crítica a um programa de pesquisa, estabelecem-se relações de interdependência entre a natureza das entidades semânticas e a natureza da metodologia em-pregada. Os compromissos metodológicos geram os compromissos ontológicos, como se procurou demonstrar nos dois primeiros ca-pítulos. Pode-se concluir que a Questão Epônima transforma-se em um problema dentro do programa, em vista exclusivamente de um encadeamento de compromissos histórico-pragmáticos assumidos, e uma série de decisões são tomadas a partir da tarefa metodológica de conciliar teses aparentemente conflitantes que poderiam afetar seu núcleo estrutural e lógico. A arqueologia e a arquitetura do pro-grama não podem prescindir de uma discriminação sobre a nature-za das questões envolvidas.

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Provavelmente, cogitando-se de forma especulativa, diferentes disciplinas poderiam abordar níveis diferentes de argumentação, do metacientífico ao teórico-aplicativo, segundo um conjunto de crité-rios ou diretrizes, devidamente acordado, o qual permitiria avaliar o curso de um determinado programa em sua consistência e plau-sibilidade. O que se procurou indicar nesta obra é justamente uma posição para a observação desse quadro pluralista nas semânticas das representações mentais que não dependa de se resolver o pro-blema da mensuração ou, mais simplesmente, da decidibilidade. A procura de um ângulo observacional ajuda a discernir o curso dos debates e garante, senão regras ou princípios de avaliação, um modo de discernir o que, afinal, está em questão em dado momento histórico. Nas Ciências Cognitivas, o intrincado debate envolvendo questões fundacionais, metodológicas, teóricas estritas, programas de pesquisa, eficácia de aplicação, por exemplo, não pode prescin-dir de algum dispositivo de facilite o discernimento do que está em jogo efetivamente em determinadas zonas de conflito.

De qualquer maneira, ao tratar-se aqui do eixo metodológico de discussões no programa fodoriano, privilegiou-se o movimento pendular que existe entre filosofia-ciência, especialmente caracte-rístico dos estudos semânticos.

Encerra-se essa obra com a expectativa de que se tenha forne-cido uma indicação confiável de como apreciar e avaliar as dis-cussões em torno da proposta de semântica para as representações mentais de Jerry Alan Fodor. Ao mesmo tempo em que se mostrou como os níveis de análise e argumentação se encontram imbri-cados, também se procurou evidenciar como se distinguem e, ao distingui-los, a relevância de fazê-lo.

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Notas

Notas da Introdução1 Macnamara (1994) tem uma posição que diverge da de Fodor em muitos aspectos. Ele critica as propostas fisicalistas – do materialismo ao funcionalismo –, defendendo, inicialmente, uma distinção entre percepção e cognição. Esta última, diferentemente da primeira, afirma o autor, apela a universais (objetos abstratos), os quais são necessários numa abordagem do referir: “a abordagem de estados intencionais, que envolvem es-sencialmente referência a objetos abstratos, não pode ser completamente traduzida em asserções expressas exclusivamente nos primitivos da psicologia fisiológica” (p. 166).

2 Segundo Dennet e Haugeland (1987), o termo ‘intencionalidade’ foi cunhado pelos escolásticos na Idade Média e foi revivido no século XIX pelo psicólogo Franz Bren-tano, predecessor da escola fenomenológica. Para Brentano, a intencionalidade é o que distingue o mental do físico: todos e apenas os estados mentais exibem intencionali-dade. Desde que a intencionalidade é traço irredutível dos fenômenos mentais, estes não podem ser considerados fenômenos físicos, merecendo um tratamento autônomo. O que se tem chamado de o Problema de Brentano é a tentativa de dar uma abordagem naturalista à intencionalidade. Dada a posição cética de Brentano, o Problema também é conhecido como a Tese da Irredutibilidade. Ainda, segundo os autores, nas décadas de 60 e 70 do século XX, o termo ‘intencionalidade’ é revivido por filósofos ingleses e americanos da tradição analítica, como Chisholm e Quine, e abordada em termos lógicos e semânticos.

3 Fodor (1981) observa que uma teoria intencional não é sobre o que acreditamos, mas sobre o que causa nossas crenças.

4 Todas as traduções, da línguas inglesa e espanhola, são de inteira responsabilidade da autora desta obra. Excetuam-se aqui os poucos casos em que serão utilizadas traduções consagradas disponíveis. Observe-se, ainda, que as citações são numeradas, a fim de que se possa, quando necessário, referi-las ao longo da obra. A numeração das citações reinicia a cada capítulo. Em vista disso, as citações feitas na Introdução recebem a indi-cação [I], as do Capítulo 1 [1], as do Capítulo 2 [2] e as do Capítulo 3 [3]. Além disso, optou-se por manter algumas palavras em inglês de uso consagrado na área: type, token, aboutness, background, input, output, folk, twin(s), Twin-Earth, scholars, framework, wayfinding. Essas palavras são apresentadas em itálico, assim como as palavras do latim que são utilizadas em alguns momentos. Utilizar-se-ão aqui as expressões em língua inglesa ‘type’ e ‘token’ porque são expressões consagradas tanto em semânticas cogni-tivas como nas ciências da cognição em geral. A tradução espanhola desses termos é, respectivamente, ‘tipo’ e ‘caso’, conforme Priest (1991), as quais seriam, certamente, apropriadas. Todavia, como se afirmou, prefere-se manter as expressões originais.

5 Como afirma Stich (1992, 1994), mesmo que ironicamente: “Teorias do conteúdo mental ou da representação mental estão muito na moda atualmente. E como com todos produtos da moda, o mercado oferece uma série vertiginosa de opções. Há teorias da covariação causal, teorias teleológicas, teorias dos papéis funcionais, e teorias inspiradas

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pela teoria causal da referência. Há teorias do fator simples, teorias de múltiplos fatores, teorias restritas, teorias amplas e uma profusão de variações sobre todos esses temas. De fato, parece que é difícil achar um volume recente de um grande periódico da área que não tenha no mínimo um artigo oferecendo um argumento para ou (mais tipicamente) contra a teoria da representação mental de alguém. Além disso, muita dessa literatura tem um inequívoco tom de urgência para tal” (STICH, 1992, p. 243; 1994, p. 347).

Stich (1992, 1994) endossa um quadro pluralista na formulação de teorias da repre-sentação mental. Ele afirma: “À medida que diferentes paradigmas dentro da ciência cognitiva usam diferentes noções de representação, então não se tem uma teoria da rep-resentação mental do tipo que se está discutindo. Haveria quantidades de teorias. Além disso, não faz sentido perguntar qual dessas teorias é a certa, visto que elas não estão em competição uma com a outra. Cada teoria objetiva caracterizar a noção de represen-tação explorada em algum braço da ciência cognitiva. Se diferentes braços da ciência cognitiva usam diferentes noções de representação, então haverá uma diversidade de abordagens corretas da representação mental. Naturalmente poderia ser pensado que os vários braços da ciência cognitiva estão eles próprios em competição, e que a teoria correta da representação mental é aquela que descreve a noção de representação mental explorada pela ciência cognitiva correta. Mas não vejo razão para supor que haja um único framework para as teorias em ciência cognitiva” (1992, p. 253; 1994, p. 356-357).

6 Veja-se, por exemplo, Field (1994), que, sem se referir a Fodor, afirma: “[P]ode bem ser necessário desenvolver a teoria semântica das linguagens internas e a teoria semântica das linguagens públicas juntas antes que desenvolver um tipo de semântica independentemente da outra e reduzir o outro tipo a ela. A estratégia reducionista (par-ticularmente a estratégia que tenta reduzir a semântica pública à semântica interna) é merecedora de investigação, mas estratégias alternativas também o são” (p. 71).

7 Considerando-se estritamente seu percurso no âmbito dos estudos semânticos, não apresentaremos, por exemplo, seus argumentos com relação à hipótese da modularidade da mente. Sobre esse ponto, veja-se Feltes (1996), num ensaio voltado para a influência dos fundamentos fodorianos no desenvolvimento da Teoria da Relevância.

8 Visto que se dispõe de uma tradução consagrada de Katz e Fodor (1964), realizada por Lobato (1977), utilizar-se-á esta tradução, mas referir-se-ão as páginas da obra original.

9 Com relação a essa questão, veja-se, por exemplo, Feltes (1996) e Silveira e Feltes (1997).

10 Não se entrará no detalhamento desses componentes, porque visa-se apenas à apre-sentação das ideias de Fodor que possam compor um quadro de seus compromissos nessa época.

11 Embora o modelo seja bem conhecido, cabe apresentar o exemplo clássico dessa de-composição. Tome-se a seguinte notação: elementos sem parênteses ou colchetes in-dicam marcadores gramaticais; elementos entre parênteses indicam marcadores semân-

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ticos e elementos entre colchetes indicam distinguidores:

A noção de distinguidores foi bastante discutida até o final da década de 60 do sécu-lo XX. Também foi discutida a distinção entre marcadores gramaticais e marcadores semânticos. Não avançaremos, todavia, nessa discussão.

12 Sobre os postulados de significado Chierchia e McConnell-Ginet (1990) dizem que são um outro modo de formular restrições sobre a relação entre itens lexicais. No Cálcu-lo de Predicados Intensionais (CPI) os postulados de significado “colocam restrições so-bre a interpretação semântica de um sistema ou cálculo de linguagem formal ao limitar a classe de modelos admitidos para interpretar tal cálculo” (p. 361) Afirmam, ainda, que são apropriados para “especificar as condições necessárias ou suficientes para se aplicar uma palavra ou especificar outras formas em que sua interpretação poderia ser restrin-gida pela interpretação de outras palavras na linguagem. Ao contrário da decomposição tradutiva de uma palavra, a análise semântica da tradução em CPI de uma palavra por meio de postulados de significado não requer uma análise da palavra em termos de um conjunto de condições individualmente necessárias e conjuntamente suficientes para sua aplicação. Os postulados permitem análises semânticas incompletas em que eles apenas restringem a classe de modelos admissíveis. Por essa única razão, os postulados de significado e outros modelos restritivos parecem ser mais flexíveis que a tradução decomposicional” (p. 366). Veja-se, ainda, a nota 14, a seguir.

13 Sem dúvida extrapola os objetivos desta obra desenvolver a questão do inatismo no macroprojeto de semântica de Fodor.

14 Fodor quer dizer com isso que um adulto pode representar ‘matar’ como matar, e crianças podem aprender ‘matar’ como causar matar.

15 Chierchia e McConnell-Ginet (1990) sintetizam a questão da decomposicão lexical tradicional de modo bastante apropriado: as propostas decomposicionalistas não consideram as palavras como átomos não analisáveis, mas como constituídas de traços conceptuais. Assim, as palavras que designam conceitos complexos seriam traduzidas, por exemplo, em expressões sintaticamente complexas do cálculo lógico, como nos casos seguintes (p. 351):

‘bachelor’→ substantivo → (Humano) → (Macho) → [que nunca se casou].

‘bachelor’→ substantivo → (Humano) → (Macho) → [jovem cavaleiro que serve sob o estandarte de um outro]

‘bachelor’→ substantivo → (Humano) → [que possui o primeiro nível de grau acadêmico universitário]

‘bachelor’→ substantivo → (Animal) → (Macho) → (Jovem) → [foca (macho) sem par durante o período de acasalamento]

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‘mãe’ =λx [progenitor (x) ∧ fêmea (x)]‘pai’ = λx [progenitor (x) ∧ macho (x)]‘esposa’ = λx [casado (x) ∧ fêmea (x)]‘esposo’ = λx [casado (x) ∧ macho (x)]

Para uma visão diversa da decomposicionalidade, veja-se Jackendoff (1983, 1992).

16 Refere-se ou alude-se aqui à Teoria da Relevância de Sperber e Wilson. Remete-se à Silveira e Feltes (1997) para uma visão sinóptica do modelo proposto por esses autores.

17 Parece oportuna, nesse ponto, uma colocação de Stalnaker (1991): “[S]uponha que haja uma linguagem do pensamento. Mais especificamente, suponha que o que faz os estados mentais intencionais é que eles consistam da presença na mente ou no cérebro da pessoa de tokens de estados de sentenças de uma linguagem mental – tokens que desempenham algum papel funcional ou causal apropriado [...]. [A] suposição suge-re a seguinte agenda para aqueles que querem uma abordagem da intencionalidade: se queremos explicar como os estados mentais podem ter conteúdo e dizer para casos particulares que conteúdos eles têm, deveríamos fazer semântica da linguagem mental à qual os tokens que constituem os estados mentais pertencem. Mas como fazemos isso? Há pouco acordo sobre como fazer semântica, assim, mesmo depois de assumirmos a agenda, temos algum trabalho a fazer antes de sabermos como levá-la a cabo” (STALNAKER, 1991, p. 229).

Notas do Capítulo 1

Notas da Parte 1.11 Vale citar aqui as palavras de Bunge (1979), em sua tentativa de definir o papel da Epistemologia. O filósofo analisa a relação entre ciência e filosofia de modo bastante elucidativo: mediante relações preposicionais – filosofia da, na, desde, com e para a ciência: “Se dizemos filosofia da ciência, damos a entender que se trata do exame fi-losófico da ciência: de seus problemas, métodos, técnicas, estrutura lógica, resultados gerais, etc. E assim é: de tudo isso se ocupa a epistemologia; mas também de algo mais. Provemos ‘em’. Por filosofia na ciência – ou mais exatamente, “filosofia da fi-losofia na ciência” – deveríamos entender, talvez, o estudo das implicações filosóficas da ciência, o exame das categorias e hipóteses que intervêm na investigação científica, ou que emergem na síntese de seus resultados [...]. De acordo: também disso se ocupa a epistemologia; sem dúvida não basta. O que nos dirá a expressão “filosofia desde a ciência”? Sugere que se trata de uma filosofia que [...] substituiu a especulação sem freio pela investigação guiada pelo método científico, exigindo que todo enunciado tenha sentido e que a maioria das asserções sejam verificáveis. E o que designa “filosofia com a ciência”? Esta expressão sugere – ambiguamente – que se trata de uma filosofia que acompanha a ciência, que não se esconde atrás dela [...], que não é, em suma, uma disciplina que não emprega conhecimentos anacrônicos nem trata de forçar portas já abertas. Examinemos, por último, a expressão “filosofia para a ciência”. Sugere uma filosofia que não se limita a nutrir-se da ciência, mas que aspira ser-lhe útil, ao assinalar, por exemplo, as diferenças que existem entre a definição e o dado, ou entre a verdade

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do fato e a proposição que é verdadeira ou falsa independentemente dos fatos: será esta uma filosofia que não só escava os fundamentos das ciências para pôr a descoberto as hipóteses filosóficas que elas admitem em um momento dado, mas que além disso esclarece a estrutura e função dos sistemas científicos, assinalando relações e possibi-lidades inexploradas. Tudo isso é, com efeito, a epistemologia: filosofia de, em desde com e para a ciência”. (BUNGE, 1979, p. 93-94).

Notas da Parte 1.21 Fodor esclarece que a etiologia do material sensorial “repousa em interações entre o organismo e fontes de estimulação distal, e tais interações não têm [...] representação no vocabulário psicológico” (1976, p. 201). O que a psicologia cognitiva tem a dizer sobre os estímulos é o que é dado por uma ou outra de suas representações proximais, efeitos das interações causais entre o organismo e o ambiente. A etiologia da sensação pode ser tratada pela psicofísica, afirma, que poderia predizer o estado sensório do organismo, a partir das descrições físicas das estimulações impingidas ao organismo. Enquanto a psicologia cognitiva volta-se para transformações sobre representações, a psicofísica volta-se para a atribuição de representações a manifestações físicas.

2 Fodor (1976) observa que as abordagens behavioristas não aceitam que decidir seja um processo computacional, de modo que a ação pode ser tratada sem postular um sistema de representações internas, reduzindo as ações calculadas a hábitos, “respostas treinadas a inputs ambientais” (1976, p. 32)

3 Fodor (1976) examina essa pré-condição no caso da aprendizagem de conceitos, esta considerada como “um processo em que o que o organismo sabe é alterado como uma consequência de suas experiências, [...] de suas interações com o ambiente” (p. 34). Para ele, a “aprendizagem de conceitos é essencialmente um processo de formação e confir-mação de hipóteses” (p. 35), um caso de extrapolação indutiva, um tipo de inferência não demonstrativa. É uma situação em que (i) o organismo representa as experiências relevantes como experiências de que algo, por exemplo, x cai na categoria F; (ii) uma das hipóteses formuladas é a de que talvez todos x são F; (iii) na fixação de sua crença, o organismo emprega uma regra de confirmação que diz que todos os x observados sen-do F é, ceteris paribus, base para acreditar que todos os x são F. Nos casos de inferência indutiva, sustenta o autor, deve-se pressupor uma linguagem em que a indução é efetua-da, visto que: “(a) um argumento indutivo é garantido apenas à medida que as asserções relativas às observações que constituem suas premissas confirmem as hipóteses que constituem sua conclusão; (b) se esta relação de confirmação mantida entre premissas e conclusões depende, no mínimo em parte, da forma das premissas e conclusões; e (c) a noção de ‘forma’ é definida apenas para objetos ‘linguísticos”; viz. para representações” (1976, p. 42). Portanto, deve-se pressupor, na aprendizagem de conceitos, “um formato para representar os dados da experiência, uma fonte de hipóteses para predizer dados futuros e uma métrica que determina o nível de confirmação que um dado corpo de dados confere a uma dada hipótese” (p. 42).

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4 Quanto à questão de se a linguagem interna é uma língua natural, veja-se a discussão em Kaye (1995) e Prinz (1995b). Kaye afirma que nossas representações ocorrem numa linguagem, mas, ao contrário de Fodor, não a toma como inata ou como distinta das línguas faladas. Segundo ele, “[a] hipótese de que os pensamentos ocorrem numa linguagem interna, ou ‘mentalês’ continua, firmemente, a ganhar aceitação tanto em filosofia como em psicologia cognitiva. Segundo Fodor [...] o mentalês é muitas vezes concebido como linguagem que, embora estritamente relacionada à linguagem natural em conteúdo, é distinta de todas as línguas naturais. Entretanto, poucos concordam com sua afirmação adicional de que esta linguagem é inata” (p. 1). Kaye sustenta que (a) é plausível supor que são as línguas naturais mesmas as responsáveis pelos estados mentais que têm conteúdo linguístico complexo; (b) é provável que nossa vida mental envolva vários outros tipos de códigos representacionais, alguns dos quais são inatos, (c) embora não haja nenhuma razão para pensar que sejam muito similares em conteúdo ou forma às línguas naturais. Para ele, existem dois tipos de hipóteses sobre a Linguagem do Pensamento: (i) a forma fraca, em que no mínimo algumas representações mentais são linguísticas (no sentido de que têm estrutura sintática e são sintática e semantica-mente combinatoriais); (ii) a forma forte, em que todas as representações mentais são linguísticas (no sentido referido). Kaye defende a forma fraca. Prinz (1995b), por sua vez, rotula a tese de Kaye de N-LOT (Linguagem-natural do Pensamento). Conforme o autor, a hipótese N-LOT é defendida por vários estudiosos (Harman, Devitt e Sterelmy e outros), mas estes constituem uma minoria diante dos que consideram a LOT como distinta de todas as línguas naturais utilizadas nas comunicações públicas. Prinz, após analisar parte dos argumentos de Kaye (apenas três dos oito desenvolvidos por este), conclui que “algum pensamento linguístico não é formulado em linguagem natural” (p. 7). Trata-se de uma posição em favor de uma versão enfraquecida de N-LOT, que não exclui a possibilidade (por acarretamento) de que algum pensamento seja formulado em linguagem natural. Observe-se, todavia, que Prinz, em contato com a autora desta obra, afirma, com relação a Prinz (1995b): “Não penso que concordaria com muito dele [do artigo] agora. Penso que tanto Kaye como eu estávamos errados” (E-mail de 7/12/96, 3:49h). Observação: Esta nota inaugura um procedimento que será adotado em todos os capítulos: apesar de ter-se no capítulo 3 um espaço destinado a um pequeno conjunto de críticos de Fodor, sempre que oportuno apresentar-se-á, em notas, o ponto de vista de diferentes autores sobre tópicos relevantes para a exposição.

5 Kaye (1995) afirma que a hipótese da LOT é uma forma de realismo intencional ou representacional – “a doutrina de que há uma classe importante (e.g., para a psicologia) de estados mentais que têm conteúdo representacional” (p. 2) – mas é possível ser um realista intencional e rejeitar-se a LOT.

6 Com relação às posições teóricas que têm defendido que apenas uma parte muito pequena da cognição pode ser assim abordada, ficando de fora, por exemplo: desen-volvimento ontogenético, emoções, raciocínio intuitivo e raciocínio imagético, para ci-tar alguns, Pylyshyn (1986) apresenta a seguinte resposta: (a) a cognição, como domínio científico, pode não incluir muitas das áreas que as intuições pré-teóricas haviam incluí-do; (b) há muitas áreas que, por razões erradas, deixaram de ser tratadas pela abordagem cognitivista, como é o caso do raciocínio imagético (ao qual dedica grande parte de sua explanação na obra).

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7 Hornstein (1984) sustenta que o “aspecto composicional das entidades semânticas é necessário se a teoria do significado espera dar conta da produtividade linguística” (p. 125).

8 Essa hipótese, para alguns, encontra suas evidências no processo de aquisição da lin-guagem. No modelo chomskiano, o Princípio de Projeção, na Teoria dos Princípios e Parâmetros, é “o princípio que determina a composicionalidade das estruturas da lin-guagem natural, predizível das propriedades sintáticas de suas partes” (KEMPSON, 1988, p. 220). O critério-teta, por sua vez, “induz a composicionalidade da interpretação daquelas estruturas da linguagem natural a partir das restrições sobre a construção da proposição imposta por suas partes” (p. 220). Em contraposição, tem-se a Teoria dos Modelos Cognitivos Idealizados de George Lakoff, para quem as estruturas cognitivas são gestálticas e não necessariamente composicionais. (Veja-se FELTES, 1992a, 1992b e 1996).

9 Morril e Carpenter (1990) consideram dois tipos de composicionalidade no nível semântico: (a) uma versão forte, em que se toma o significado de uma expressão como uma função dos significados de suas subexpressões sintáticas imediatas, mais seus modos de combinação, que são, por sua vez, funções dos significados de suas subex-pressões imediatas e seus modos de combinação, e assim por diante; (b) uma versão fraca, em que se toma o significado de uma sentença como uma função dos significados de suas palavras e seus modos de combinação configurados. Caso se considere esta uma tipologia válida, Fodor defende um versão fraca de composicionalidade, pois ele não admite decomposição lexical, como se viu na Fase 2 de suas investigações.

10 McLaughlin (1993) afirma que o termo ‘conexionismo’, usado por Feldman e Ballard para referir a uma família de programas de pesquisa em Ciências Cognitivas, passou a ser usado para cobrir todos os programas que desenvolvem modelos de processamen-to distribuído e paralelo da cognição. Tais programas têm raízes históricas na tradição associacionista empirista de Hume. O conexionismo parece se estabelecer como uma alternativa à concepção clássica da cognição, a da linguagem do pensamento, esta, como se viu até aqui, uma concepção computacional da mente baseada na manipu-lação de símbolos governados por regras – uma “metáfora do computador digital”. Os conexionistas vêm a computação em termos de uma “metáfora do cérebro”, concebendo sistemas neurologicamente distribuídos. Estes, apesar de, em algum nível, levarem à ideia da existência de partes, não levam à ideia da existência de constituintes. McLaughlin (assim como outros estudiosos da área) acredita que a arquitetura cognitiva deveria tentar incluir uma arquitetura clássica que fosse implementada no cérebro por uma arquitetura conexionista, de modo que os processos intencionais seriam implementados por proces-sos simbólicos clássicos e estes por processos conexionistas. Ele diz: “[O] conexionismo seria mecânica quântica e o classicismo apenas química. Se houvesse um Prêmio Nobel em psicologia, uma proposta de como uma rede conexionista no cérebro implementa uma arquitetura clássica certamente ganharia” (1993, p. 184).

11 A expressão, ‘neurologicamente distribuído’ está ligada à “metáfora do cérebro”: as representações “imitam” o funcionamento das redes neuronais.

12 Isso é contestado por Schiffer (1993), a partir do argumento de que a produtividade

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de uma linguagem não é necessariamente explicada por uma teoria do significado composicional. Esta poderia ser explicada pelo que chama de teoria da superveniência composicional. Segundo Fodor (1990a), Schiffer defende um realismo intencional e um naturalismo, que conduzem ao monismo de propriedades, o qual “requer a identidade de propriedades psicológicas com propriedades físicas” (p. 181).

13 Van Gelder sugere que o paradigma geral de representação composicionalmente es-truturada pode ser descrito do seguinte modo:

Tomando-se como exemplo as expressões. P. (P&Q). ((P&Q)&R),o esquema composicional deverá satisfazer no mínimo as seguintes condições:

(i) Há um conjunto de types primitivos (símbolos, palavras, etc.) Pi e para cada type há um número não limitado disponível de instâncias ou tokens.

(ii) Há um conjunto (possivelmente não limitado) de expressões-type Ri e para cada type há um número de tokens não limitado disponível.

(iii) Há um conjunto de relações de constituência transitivas e não reflexivas sobre esses primitivos e expressões-type.

(iv) Assim, expressões do tipo Rj; tais como ((P&Q)&R), poderiam ter como constituintes expressões do tipo Ri, tais como (P&Q), caso em que a situação pode ser descrita pelo esquema geral C(Ri, Rj).

14 Bechtel (1993), por sua vez, faz suas críticas aos defensores das arquiteturas simbóli-cas clássicas concentrando-se na afirmação de que a produtividade e a sistematicidade do pensamento não são propriedades do pensamento per se, mas sim do pensamento pela linguagem, e essas propriedades podem ser tratadas mostrando-se “como um sistema sem representações sintáticas internas pode aprender a extrair informação da linguagem codificada sintaticamente e produzir linguagem adequadamente estruturada” (p. 151).

15 Este é o caso do esquema de composição de Gödel, abaixo aplicado à lógica prop-osicional:

P ............................... 32(P&Q) ......................... 51342984000

((P&Q)&R) .................... 388282251281722597800000

Os constituintes primitivos das expressões são encontrados pelo teorema da decom-posição-prima (Cf. Van GELDER, 1990).

16 Sobre o holismo, Fodor afirma: “Eu odeio o holismo (porque o holismo leva sempre ao relativismo, e eu realmente odeio o relativismo” (FODOR, 1991f, p. 299). E re-forçando: “Eu odeio o relativismo” (FODOR 1990a, p. 205).

17 Quine (1953), tratando do problema da confirmação, conclui que a distinção analíti-co/sintético não pode ser mantida. Quine rejeita a analiticidade, sustentando que nosso conhecimento da confirmação é contingente e a posteriori.

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Notas da Parte 1.31 Nas décadas de 20 e 30 do século XX, o positivismo lógico defende a tese de que a ciência deveria fundar-se sobre alguma espécie de verificabilidade intersubjetiva, ob-servacional e empírica. Nessa época, por exemplo, o behaviorismo estabelece que a condição de verificação seria satisfeita pela observação do comportamento, que passa a ser o locus da relação mente-corpo. Nessa perspectiva, o comportamento, padrões de respostas físicas a estímulos físicos, é o único dado observacional em psicologia. Entre as décadas de 50 e 70, é desenvolvida a Teoria da Identidade. Aqui, todo estado/evento mental é identificado com estados/eventos neurofisiológicos. Cada estado/even-to é numericamente idêntico a um estado/evento neurofisiológico, negando-se, assim, a existência de entidades irredutivelmente mentais (LYCAN, 1990; PLACE, 1990; WAT-SON, 1990).

2 Fodor (1981) toma o termo ‘redução’ num sentido especial: a expressão ‘reduz-se a’ nomeia uma relação entre teorias das ciências físicas e das ciências especiais: “Quando uma relação se estabelece entre um par de teorias, digamos T0 e T1, diz-se que T0 sub-juga T1. A relação de redução é transitiva e assimétrica, consequentemente irreflexiva” (p. 149). A ideia de que a psicologia reduz-se à física – o reducionismo fisicalista – não acarreta a unidade da ciência, mas é acarretada por ela.

3 Searle (1992) resume bem a questão (problemática) da superveniência causal. Ele es-clarece que a discussão sobre a superveniência inicia no âmbito da ética como uma noção constitutiva e não como uma noção causal. Por exemplo: interessava saber que traços de um objeto constituíam sua bondade e não que traços causavam sua bondade. A noção constitutiva não é relevante para o problema mente-corpo, afirma Searle. De acordo com o filósofo, a superveniência é uma relação entre propriedades. Em Filosofia da Mente diz-se que os estados mentais supervêm (são dependentes ou correspondem) a estados neurofisiológicos. O clássico problema do “cérebro na cuba” sugere que dois cérebros que fossem type-identificados, molécula com molécula, teriam, sob uma base causal, fenômenos mentais idênticos. Mas essa superveniência estabelece-se de modo que os “estados físicos são causalmente suficientes, mas não necessariamente causal-mente necessários para os estados mentais correspondentes” (p. 125). A ideia de que os estados mentais são epifenômenos é ligada exclusivamente à noção de superveniência causal. Enfim, “a identidade na neurofisiologia garante identidade de mentalidade; mas identidade de mentalidade não garante identidade de neurofisiologia” (p. 125).

4 Fodor (1990a) procura livrar-se do argumento de Davidson sobre a anomia do mental (ver premissa (ii), abaixo), que pode ser esquematizado da seguinte forma (conforme Fodor): (i) As causas mentais precisam ser cobertas por alguma lei estrita ou outra (leis de cobertura); (ii) mas não por leis intencionais, porque estas não são leis estritas (já que a satisfação de seus antecedentes não é nomologicamente suficiente para a satisfação de seus consequentes, e que as únicas leis estritas são as da física); (iii) assim, as causas mentais devem ser cobertas por leis físicas; e (iv) então elas devem ter propriedades físi-cas. Fodor procura, a partir disso, tratar da responsabilidade causal do mental em termos de condições nomologicamente suficientes para que estados intencionais produzam re-sultados comportamentais. Para Priest (1991), Davidson reconcilia (i) os Princípios da

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Interação Causal (relativa à produção de um evento físico por um mental e vice-versa); (ii) o Caráter Nomológico da Causalidade (relativo ao caráter legal (na forma de lei) en-tre os eventos); (iii) e o Anomismo ou Anomalismo do mental (à medida que “anômalo” é o contrário de nomológico: o que não cai sob uma lei científica). A reconciliação é descrita por Priest da seguinte maneira: “Entre os acontecimentos mentais e físicos não se dá apenas uma relação de interação causal, mas também uma de identidade. Aqueles acontecimentos que na realidade são mentais caem subsumidos pelas leis científicas naturais somente em virtude de descrições físicas que, quando aplicadas a elas, resultam verdadeiras. Sem dúvida o mental qua mental (quer dizer, os acontecimentos mentais descritos unicamente em termos mentais) não pode subsumir-se em nenhuma lei cientí-fica” (p. 147). Para uma análise da posição materialista de Davidson (“os estados men-tais são eventos físicos”), remete-se a Davidson (1992).

5 Tye (1992) acredita que o erro de muitos filósofos é acreditar que o naturalismo psi-cológico é defensável apenas se ele puder mostrar ou (i) que os tipos de estados men-tais têm essências científicas não mentais ou (ii) que nossos conceitos psicológicos são suscetíveis a uma análise filosófica exaustiva, parcial e redutiva (este um dogma da Filosofia da Mente). Para ele, a intencionalidade já é naturalista. Ele afirma: “Naturalis-tas contemporâneos de um ângulo reducionista tomam o problema de Brentano como dele solicitando formular condições para a intencionalidade em termos naturalísticos. Isso, me parece, é um engano. Se nem condições suficientes ou necessárias e suficientes podem ser formuladas pelos filósofos num vocabulário não intencional para um estado ter um conteúdo intencional, o que isso mostra, contra Brentano, é que a intenciona-lidade não pode ser analisada em termos de algo mais no domínio natural” (p. 438). Tye (1994) afirma ainda: “[O] Problema de Brentano é apresentado como um desafio para o naturalista. O desafio é produzir uma explanação aceitável de como um sistema físico pode experimentar estados intencionais, isto é, uma explanação que ou toma a forma de condições necessárias e suficientes redutivas (especificando as essências de estados intencionais em termos não intencionais naturais), ou, senão, que consiste de condições suficientes redutivas que são passíveis de descoberta através de reflexão ape-nas [armchair reflection alone]” (p. 131). Tye defende a tese de que esse problema não é real e tenta “dissolvê-lo”. Nessa mesma direção segue Stich (1992) ao afirmar que o projeto naturalista para as representações mentais é desesperançoso: “A despeito de muitos anos de pesquisa sofisticada, não há atualmente nenhuma resposta naturalista disponível” (p. 258).

6 A expressão ‘máquina de Turing’ advém do fato de Alan Turing, um matemático britâni-co, ter “desenvolvido a noção de uma máquina simples [...] que poderia, em princípio, efetuar qualquer cálculo concebível possível” (GARDNER, 1987], p. 17). Turing apre-sentou essa máquina em 1936. Nas décadas de 1940 e 1950, John Neuman e Stephen Kleene, conforme Kovács (1997), “geraram uma formalização mais manipulável de máquina de Turing definindo-a como um autômato não finito” (p. 147).

7 Para uma descrição mais detalhada do mecanismo da Máquina de Turing, veja-se Putnam (1960/1975, p. 364ss).

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8 Putnam posteriormente nega essa posição e passa a afirmar que o funcionalismo assim concebido está “essencialmente errado” (1973/1975, p. 298). Veja-se também Putnam (1988b).

9 Tal é a condição de naturalizabilidade da intencionalidade, baseada numa restrição sobre a ontologia de toda ciência especial: as coisas sobre as quais ela fala devem ser físicas. Todavia, Fodor não admite implementação meramente neurológica. Sua argu-mentação contra a implementação biológica dos processos intencionais é a seguinte:

P0 Deve haver condições suficientes para a instanciação de propriedades intencionais.

P1 As propriedades intencionais são extrínsecas.P2 Os estados computacionais são individualizados por suas propriedades locais (por

relações/internas entre as suas partes).P3 As relações locais não garantem relações intencionais.

C Os estados computacionais não são condições suficientes para as relações intencio-nais.

P0’ Deve haver condições suficientes para a instanciação de propriedades intencionais.P1’ As propriedades intencionais são extrínsecas.

P2’ Os estados neurológicos são individuados por suas propriedades locais.P3’ As relações locais não garantem relações intencionais.C Os estados neurológicos não são condições suficientes para as relações intencionais.

10 O solipsismo, em termos genéricos, é entendido como a teoria de que possa haver uma linguagem cujos significados advenham apenas dos conteúdos de uma única mente. O termo ‘solipsismo metodológico’ é devido a Putnam e diz respeito a estados mentais internos sem referência ao mundo externo. Não se empreenderá aqui, entretanto, uma discussão filosófica sobre o solipsismo.

11 Fodor apresenta a mesma citação, mas de modo mais completo. Utiliza-se aqui a tradução de Dascal (1982, p. 29-30).

Notas do Capítulo 2Notas da Parte 2.1

1 Searle (1992) afirma que as noções de conteúdo restrito e de conteúdo amplo foram originalmente desenvolvidas acerca de problemas da Filosofia da Linguagem, estenden-do-se, posteriormente, aos conteúdos mentais.

2 Segundo Stalnaker (1991), Fodor (1987) tenta conciliar a posição de Burge com “uma semântica restrita, distinguindo os valores semânticos que uma semântica apropriada associaria com sentenças mentais, a partir dos conteúdos condicionais-de-verdade des-sas sentenças (p. 230).

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3 Tal circularidade diz respeito a um processo definicional-sinonímico, em que uma expressão remete a outra e vive-versa.4 Conforme Rabuske (1987), a explicação dedutivo-nomológica (DN): “Consiste em descobrir e formular uma lei ou teoria de que o fenômeno em questão pode ser deduzi-do. A explicação DN não afirma uma derivação causal do individual a partir do geral: o que causa um fato são outros fatos, antecedentes, denominados “condições iniciais” ou condições de contorno”. É a razão ou a inteligibilidade dessa causação que é expressa pela explicação” (p. 33). Assim sendo, ‘nomológico’ refere-se ao emprego de leis, sendo a lei um “universal nomológico”, um enunciado universal e necessário, valendo para todos os indivíduos dentro de uma classe. Desse modo, pode-se explicar, por exemplo, porque uma barra de ferro se dilatou no passado e predizer que uma barra vai dilatar-se no futuro sob determinadas condições. Como o autor diz: “Por isso a lei pode servir para sustentar condicionais contrafactuais, como, p. ex.: Se esta vela da (sic!) parafina tivesse sido colocada numa chaleira com água fervente, teria derretido” (p. 33). Sugere-se que sejam lidas atentamente as colocações de Pylyshyn (1986), para infor-mações adicionais sobre os contrafactuais e a explanação psicológica, na segunda parte desse capítulo.

5 Trata-se de uma função parcial no sentido de que não é em qualquer ambiente que o enunciado tem um conteúdo.

6 Na segunda parte deste capítulo define-se o que são tais relações nômicas. Veja-se, em especial a nota 4 da segunda parte.

Notas da Parte 2.21 Apresenta-se de modo esparso o que Fodor (1987) concebeu da dependência as-simétrica, porque se considera que sua posição em (1990a) tem valor paradigmático. Suas reconsiderações teóricas em (1990b) são também apresentadas de modo esparso. Por outro lado, Fodor (1994b) não trata especialmente da Teoria da Dependência Causal Assimétrica. O autor, de fato, argumenta em favor de leis psicológica amplas, aquelas que individualizam de modo extensional os estados mentais, demonstrando que estas são suficientes para a explanação psicológica, de modo que a noção de conteúdo restrito torna-se supérflua, como se verá até o final do capítulo.

2 O problema da disjunção surge nas teorias causais do conteúdo e, portanto, nas teo-rias semânticas informacionais. Searle (1992) toma o problema da disjunção como uma objeção técnica às concepções naturalizadas de conteúdo. Uma síntese desse problema é encontrada em Fodor (1987, 1990a, 1994b). Esse problema surge quando se con-sidera que assim como um cão, por exemplo, pode causar tokens de ‘cão’, não-cães também podem. Assim, também, gato-no-escuro pode causar um token de ‘cão’. Caso se considere que os símbolos expressam propriedades cujas instanciações sejam nomi-camente suficientes para seus tokenings, ‘cão’ expressa a propriedade disjuntiva cão ou gato-no-escuro. Disso resulta o fenômeno da robustez das representações – ou seja, uma representação pode ter várias causas –. Uma consequência imediata disso é que não se pode distinguir entre um token que é verdadeiro (‘cão’ com relação a cão) de um

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símbolo que significa algo que é disjuntivo (‘cão’ com relação a cão ou gato-no-escuro). O último tipo de símbolo não é um caso simples de falsidade, porque todo token de um símbolo pode ser causado por algo que tem alguma propriedade que é suficiente para causar sua ocorrência. Além disso, qualquer propriedade cuja instanciação é suficiente para causar a ocorrência de um símbolo é, por meio disso, expressa por esse símbolo. Desse modo, se a extensão de um símbolo é o conjunto de coisas que tem a propriedade que o símbolo expressa, e todo token de um símbolo é causado por algo que pertence à sua extensão, então nenhum token de qualquer símbolo pode ser falso. Conforme Fodor, o problema da disjunção tem sido resolvido a partir da ideia básica de distinguir dois tipos de situação, tal que a covariação legal determina o significado numa delas (‘cão’ causado por cão), mas não na outra (‘cão’ causado por cão ou gato-no-escuro). Para o autor, deve-se encontrar uma explicação naturalista convincente para essa dis-tinção dentro da abordagem informacional do conteúdo, de modo a entender como o erro é possível. De acordo com as semânticas informacionais, os símbolos carregam informações sobre as coisas que causalmente controlam suas ocorrências. E o proble-ma, como se quis mostrar, é que um token de um símbolo pode ser causado por algo que não está em sua extensão. De um modo geral, teorias da covariância causal têm problemas com erros, falsidades e diferentes formas de equívocos. Para Fodor, o problema da disjunção é, de fato, o problema do uso representacional dos símbolos, pois seu uso no pensamento é representação, não nomeação. O problema do erro, em suma, tem a ver com erros de aplicação de símbolos, símbolos que não são causados por coisas em sua extensão. Fodor (1990a) considera dois tratamentos da disjunção: a solução de Dretske e a solução de Milikan. O primeiro tratamento leva em consideração a situação de aprendizagem dos símbolos, e Fodor o considera apenas como uma nova versão do problema da disjunção. O segundo tipo de tratamento leva em consideração situações normais-evolucionistas. Para Fodor, essa forma de colocar a questão não soluciona o problema das disjunção. Tais abordagens, entretanto, não serão caracterizadas aqui.

3 Para uma visão mais específica do caso das Terras Gêmeas, remete-se à primeira parte do capítulo.

4 A questão da nomicidade é bastante complexa. Nas propostas de Fodor, a nomicidade aparece como a expressão de uma relação causal-legal, como uma lei. Rescher (1984 apud SWARTZ, 1993) considera duas formas de entender as relações legais: (i) por uma necessidade lógica, que implica verdade (realidade), e (ii) por uma necessidade natural (nomicidade), que implica a realidade. Segundo Swartz, antes da publicação de The Riddle of Existence: An Essay in Idealistic Metaphysis (1984), Rescher, em Scientific Explanation (1970), considerava a nomicidade uma categoria epistêmica (“a nomici-dade está nos olhos do observador”). Nos trabalhos posteriores, Rescher teria assumido que a necessidade nomológica seria uma necessidade metafísica autêntica, no mundo físico, tendo o papel de restringir as possibilidades físicas, sem, portanto, o caráter epistêmico da fase anterior. O autor adota um tipo forte de nomicidade que difere da nomicidade das leis naturais; ele adere à nomicidade das “protoleis”, definidas como condições para a existência antes que condições de existência. Elas seriam leis para a natureza, antes que leis da natureza. Desse modo, seriam leis supernômicas. Swartz dis-corda de Rescher. Para ele, o mundo existe, por quaisquer razões, e as leis físicas nada mais são do que um certa subclasse de descrições verdadeiras do mundo: as leis físicas tomam sua verdade do modo como o mundo é. As protoleis não fazem isso. Seu papel,

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afirma, é restringir ou condicionar as verdades existenciais do mundo. O caráter na nomicidade não é discutido na obra de Fodor. Fodor (1990a) defende que assim como as leis das ciências básicas, as das ciências especiais licenciam atribuições de responsabilidade causal. Entretanto, sua discussão não excede o ponto em que traça, por exemplo, as diferenças entre leis básicas e não básicas quanto à verdade do an-tecedente de uma lei nomologicamente necessitar da verdade de seu consequente. O projeto de naturalização requer esse tipo de discussão, sobretudo porque, como colocam Loewer e Rey (1991b), “o comprometimento central de Fodor na filosofia da psicolo-gia é com a primazia da explicação empírica nômica: questões sobre a natureza dos fenômenos mentais devem ser tratadas primeiramente sob o ponto de vista de uma psi-cologia científica” (p. xi).

5 Na Teoria Representacional da Mente, uma teoria empírica, o problema da naturalização significa estabelecer a relação de representação como uma espécie de relação natural, de modo que a intencionalidade não seja vista como primitiva, embora possa ser original.

6 Segundo Fodor, as leis da psicologia seriam leis ceteris paribus. Para uma argumen-tação de Fodor sobre essa questão, remete-se a Fodor (1987, p. 4-10).

7 Pansemanticismo é a ideia de que “qualquer coisa significa alguma coisa” (BAKER, 1991, p. 26) ou a que segue o seguinte raciocínio: “[s]e há também representação onde quer que haja informação, então a representação está em todo lugar” (ANTONY; LEVINE, 1991, p. 2).

8 Soames (1990) já havia tocado na questão de o conteúdo restrito ser supérfluo. Veja-se este trecho: “Se se pensa das representações mentais como sendo dados in advance de quaisquer considerações de seus conteúdos restritos, então a invocação de tais conteú-dos, permanecendo uma relação 1-1 com representações, naturalmente parecerá ser uma excrescência teoricamente supérflua”. (p. 239).

9 Como aponta Reeves (1996), Fodor (1991e) já havia lançado esta ideia a partir da passagem transcrita a seguir, regularizando-a em Fodor (1994b): “Se você esquecer que são as relações nômicas entre propriedades que fazem ou supõe-se que façam o conteú-do, você poderia razoavelmente desejar perguntar-se ‘Qual, acima de tudo, poderia ser a diferença entre o cara que apresenta ‘avestruz’ para significar pássaro-daquele-tipo e o cara que introduz ‘avestruz’ para significar parece um pássaro daquele tipo? A única coisa em volta para preencher a lacuna é uma ‘concepção dirigida’; assim deve ser que concepções dirigidas determinam a referência. Entretanto, para o melhor ou para o pior, o semanticista informacional quer externalizar tudo isto: o que determina a referência não é a concepção dirigida, é aquela propriedade dos pássaros na amostra de seus tokens de ‘avestruz’ que é realmente obtida” (FODOR, 1991e, p. 287). Para Reeves, isso estende a ontologia das propriedades constitutivas do conteúdo amplo, incluindo-se propriedades que são definidas apenas em termos de disposições do sujeito.

10 Conceitos deferenciais envolvem padrões de reconhecimento e discriminação. Diz-se que um conceito é deferencial quando se torna implicitamente sua referência como de-

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terminada pela linguagem na comunidade – significado socialmente determinado. Para uma caracterização detalhada e crítica, veja-se Loar (1991) e Fodor (1991e).

Notas do Capítulo 3Notas da Parte 3.1

1 Searle (1992) caracteriza bem a história de uma classe de programas materialistas: be-haviorismo lógico, teorias da identidade token, teorias da identidade type, funcionalismo da “caixa preta”, funcionalismo da máquina de Turing, materialismo eliminativo e in-tencionalidade naturalizada. Para cada um, aponta objeções de senso comum e técnicas. Quanto especificamente ao materialismo eliminativo, caracteriza-o como defendendo que as crenças do senso comum sobre estados mentais são injustificadas, de modo que as entidades mentais ordinárias não existem realmente e, assim, elimina-se a mente. Sobre o materialismo em geral, mais informações podem ser encontradas em Fodor (1994a).

Notas da Parte 3.21 A crítica de Devitt (1991) baseia-se no que se tornou conhecido em Ciências Cogniti-vas como o “Enigma de Stich” (STICH, 1983) – também gerado, posteriormente, por Pylyshyn. Esse enigma resulta da tentativa de subscrever simultaneamente uma Teoria Representacional da Mente (TRM) e uma Teoria Computacional da Mente (TCM) e sin-tetiza-se na pergunta “Como podemos conciliar o Fodor que é um entusiasta da fala intencional da psicologia folk com o Fodor que acredita na TCM e na condição de formal-idade?” (DEVITT, 1991, p. 96). (Quanto a essa questão veja-se também [1.12] e [1.22]).

2 Fodor (1991d) replica as críticas de Devitt concentrando-se em duas categorias do que chama de “erros de leitura” desse autor: um erro quanto à noção de implemen-tação, e outro relativo ao paralelismo sintático/semântico. Fodor corrige as afirmações de Devitt de que, sendo a semântica implementada no sintático, a denotação seria algo como uma relação sintática. Essa conclusão sobre a denotação é tida como bizarra para Fodor. (Como se pode constatar, não foi uma conclusão que interessou explorar nesta obra.) Sobre a implementação, ele esclarece o que segue: “Considere uma lei psicológi-ca causal da forma estados-A causam estados-B, em que tanto A como B expressam propriedades intencionais. Para os presentes propósitos, o princípio de implementação diz que, para cada indivíduo que cai sob o antecedente dessa lei, haverá alguma proprie-dade sintática AE, tal que para cada indivíduo que cai sob o consequente dessa lei haverá alguma propriedade BE, tal que AE-estados causam BE-estados é uma lei” (1991d, p. 284). Quanto ao paralelismo (Veja-se ainda [1.15]), Fodor diz que este seria localiza-do na questão de como poderiam transições de estados de um sistema físico preservar propriedades semânticas? Para Fodor, ter a TRM e a TCM permite “defender que os processos mentais são sintaticamente implementados e, então, evocar o paralelismo sin-tático/semântico para explicar por que os processos mentais são coerentes sob descrição intencional” (1991d, p. 285). O erro de Devitt, afirma Fodor, é concluir que o sintático é implementado no sintático e, sendo assim, “a história computacional sobre a mente torna-se irrelevante para explicar sua integridade semântica” (1991d, p. 285).

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Nota da Parte 3.31 Grande parte desse debate já se encontra em Fodor (1990a), e Fodor (1991a) não acrescenta argumentos novos.

Nota da Parte 3.41 Quanto aos argumentos de Block (1991), Fodor (1991b) afirma: “[s]suspeito que é antes o externalismo que está fazendo Block infeliz. O que era bom sobre o funciona-lismo semântico era que ele identificava os mecanismos que geram o comportamento com a base de superveniência do conteúdo, portanto garantindo a priori que psicologia e semântica nunca se desvinculariam. Claramente, Block está nostálgico por este tipo de metafísica. Mas do funcionalismo você obtém holismo, e do holismo você obtém niilismo” (1991b, p. 271). Veja-se também os argumentos em Fodor e Lepore (1992).

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