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O PROGRAMA LER E ESCREVER NA PERSPECTIVA DOS PROFESSORES DA REDE ESTADUAL DE ENSINO DE SÃO PAULO TATIANE AFFONSO GIMENES SÃO PAULO 2017

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O PROGRAMA LER E ESCREVER NA

PERSPECTIVA DOS PROFESSORES DA REDE

ESTADUAL DE ENSINO DE SO PAULO

TATIANE AFFONSO GIMENES

SO PAULO

2017

2

O PROGRAMA LER E ESCREVER NA

PERSPECTIVA DOS PROFESSORES DA REDE

ESTADUAL DE ENSINO DE SO PAULO

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao

em Educao da Universidade Nove de Julho

UNINOVE, Linha de Pesquisa em Polticas Educacionais,

como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em

Educao, sob a orientao do Prof. Dr. Celso do Prado

Ferraz de Carvalho.

SO PAULO

2017

3

Gimenes, Tatiane Affonso.

O programa Ler e Escrever na perspectiva dos professores da rede

estadual de ensino de So Paulo. / Tatiane Affonso Gimenes. 2017.

127 f.

Dissertao (mestrado) Universidade Nove de Julho - UNINOVE,

So Paulo, 2017.

Orientador (a): Prof. Dr. Celso do Prado Ferraz de Carvalho.

1. Educao. 2. Programa Ler e Escrever. 3. Implementao. 4. Polticas Educacionais. 5. Estado de So Paulo.

I. Carvalho, Celso do Prado Ferraz de. II. Titulo

CDU 37

4

BANCA EXAMINADORA

Dissertao apresentada Universidade Nove de Julho,

junto ao Programa de Mestrado e Doutorado em

Educao, para obteno do ttulo de Mestre em Educao

pela banca examinadora formada por,

_____________________________________________________ Orientador: Prof. Dr. CELSO DO PRADO FERRAZ DE CARVALHO UNINOVE

______________________________________________________ Membro Titular: Prof. Dr. JULIO GOMES ALMEIDA - UNICID

______________________________________________________ Membro Titular: Prof. Dr. ROSILEY APARECIDA TEIXEIRA - UNINOVE

______________________________________________________ Mestranda: TATIANE AFFONSO GIMENES

Aprovado (a) em ______/______/______

5

Dedico este trabalho aos meus pais,

Elisete Aparecida Affonso Gimenes e

Wladimir Cesar Gimenes, que muito me

incentivaram no gosto e prazer pelos

estudos, levando-me a descobrir novos

caminhos.

6

AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me concedido a graa de poder alcanar e concretizar mais um

objetivo em minha vida.

minha famlia, sempre presente em todos os momentos da minha vida, me

incentivando e contribuindo para a realizao dos meus sonhos.

Aos meus amigos e namorado, que sempre acreditaram que este objetivo seria

concretizado e que me ajudaram nos momentos em que pensei desistir.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Celso do Prado Ferraz de Carvalho, por sua

orientao, dedicao e pacincia.

Agradeo, ainda, a todos os professores que tive a honra de conhecer ao longo de

minha trajetria acadmica, pelos exemplos que me foram dados e pelas palavras

amigas que me guiaram at aqui.

Agradecimentos especiais Prof. Dra. Adriana Patrcio Delgado, que me encorajou

a participar do processo de seleo para o Mestrado em Educao; ao Prof. Dr.

Miguel Henrique Russo, que me acolheu no Programa, sendo meu primeiro

orientador; e Prof. Dra. Rosiley Aparecida Teixeira e ao Prof. Dr. Julio Gomes

Almeida, pelas contribuies ao longo da construo deste trabalho.

Agradeo, tambm, aos professores entrevistados, pela disponibilidade e dedicao

em contribuir para esta pesquisa; e um agradecimento em especial a uma

professora que, apesar da vontade em querer contribuir, no teve condies de

faz-lo por motivos pessoais.

7

RESUMO

Os processos de aprendizagem assumiram nos anos recentes centralidade no

debate sobre as polticas educacionais para o ensino fundamental, com a

emergncia de programas e projetos visando dar conta dessa questo. Entre esses

programas citamos o Programa Ler e Escrever da Secretaria de Educao do

Estado de So Paulo (SEE-SP), objeto de estudo dessa dissertao, implementado

na Rede Estadual de Ensino de So Paulo a partir de 2008, como parte de um

amplo conjunto de medidas que visavam melhorar a qualidade da educao. Nosso

objetivo foi saber como um grupo de professoras dessa Rede compreende o

processo de implementao desta Poltica Educacional e como essa compreenso

percebida, por elas, como impactante em seu trabalho. Para alcanar esse objetivo,

nossa preocupao inicial foi mapear a recente produo acerca das polticas

educacionais com foco no processo de alfabetizao e sua implementao -

utilizamos teses e dissertaes que tiveram o Programa como objeto de estudo,

alm da bibliografia especializada produzida pela rea de educao. Na sequncia

fizemos um aprofundamento na anlise documental do Programa Ler e Escrever,

atravs de seus documentos oficiais produzidos pela Secretaria de Educao do

Estado de So Paulo. Por fim, para verificar como os professores compreendem

esses documentos e como seu trabalho impactado, realizamos um conjunto de

entrevistas com um grupo de professoras que lecionam no ciclo I em Escolas

Estaduais localizadas no Municpio de So Paulo, mais precisamente na Zona Norte,

que foram selecionados pelo critrio da disponibilidade. A entrevista foi dividida em

trs tpicos iniciais e tratou de sua formao geral, as polticas pblicas

educacionais e o Programa Ler e Escrever. O depoimento das professoras externa

a crtica ao fato de no se sentirem participantes da elaborao das polticas

educacionais, de uma forma geral. Por essa razo, argumentam que apesar de

perceberem a importncia e necessidade de Programas como o Ler e Escrever, com

foco no Ensino Fundamental I, estes precisam ser revistos e melhorados,

considerando as peculiaridades dos contextos escolares, e fornecendo formao

adequada aos professores.

Palavras-Chave: Educao. Programa Ler e Escrever. Implementao. Polticas

Educacionais. Estado de So Paulo.

8

ABSTRACT

The learning processes assumed in the recent years centrality in the debate about

the educational policies related to elementary school, with the emergency of

programs and projects aiming to deal this issue. Among these programs we

mentioned the program Ler e Escrever from Secretary of Education of the State of

So Paulo (SEE-SP), object of this dissertation, implemented on Education of State

of So Paulo since 2008, as part of a large set of measures that aimed improve the

education quality. Our goal was to know how a group of teachers comprehend the

implementation process of this educational policies and how this comprehension is

realized by them, as its impact in their work. To reach this goal, our start concern was

map the recent production around the educational policies with focus on the literacy

process and its implementation we used theses and dissertations that had the

Program as a study object, besides the bibliography specialized produced by the

education area. In sequence we did a deepening in the documentary analysis of the

program Ler e Escrever, through of their official documents produced by the

Secretary of Education of So Paulo. Finally, to verify how teachers understand this

documents and how their work is impacted, we realized a set of interviewees with a

group of teachers who teach in the cycle one in public schools located in the

Municipality of So Paulo, more precisely in the North Zone, they were selected by

the criterion of availability. The interview was divided by three initial topics and deal

with the general education formation, the Public Educational Policies and the

Program Ler e Escrever. The testimony of teachers shows the criticism to the fact of

do not feel part on the elaboration of educational policies, in a general way. For this

reason, they argue that although they perceive the matter and need for programs

such as Ler e Escrever, focusing on elementary education one, they need to be

reviewed and improved, considering the peculiarities of school contexts, and

providing adequate formation for teachers.

Key-words: Education, Program Ler e Escrever. Implementation. Educational

Policies. So Paulo State.

9

RESUMEN

Los procesos de aprendizaje han tenido en los ltimos aos centralidad en el debate

sobre la poltica educativa para la enseanza fundamental, con la aparicin de

proyectos y programas destinados a abordar esta cuestin. Entre estos programas

podemos citar el programa Ler e Escrever de la Secretara de Educacin del Estado

de So Paulo (SEE-SP), objeto de estudio de esta investigacin, implementado en la

Red Estado de So Paulo la Enseanza a partir de 2008, como parte de un conjunto

amplio medidas destinadas a mejorar la calidad de la educacin. Nuestro objetivo

era aprender como un grupo de profesores de esta red comprende el proceso de

implementacin de esta poltica educativa y cmo este entendimiento es percibida

por ellos como impactante en su trabajo. Para lograr este objetivo, nuestra principal

preocupacin fue mapear la produccin reciente acerca de las polticas educativas

centradas en el proceso de alfabetizacin y su aplicacin - utilizamos tesis y

disertaciones que tenan el programa como un objeto de estudio, adems de la

literatura especializada producida por la educacin. A continuacin hizo una

profundizacin en el anlisis documental del programa de lectura y escritura, a

travs de sus documentos oficiales producidos por el departamento de educacin

del estado de So Paulo. Por ltimo, para ver cmo los maestros a entender estos

documentos y cmo se ve afectada su trabajo, llevamos a cabo una serie de

entrevistas con un grupo de maestros que ensean en el ciclo i en las escuelas

estatales ubicados en So Paulo, ms precisamente en el norte, que ellos fueron

seleccionados por el criterio de disponibilidad. La entrevista se dividi en tres temas

iniciales y trat su educacin general, las polticas educativas y de l programa Ler e

Escrever. El testimonio de los profesores extranjeros para criticar el hecho de no

sentirse participantes en la preparacin de las polticas educativas en general. Por

esta razn, argumentan que a pesar de darse cuenta de la importancia y necesidad

de programas tales como Ler e Escrever, con un enfoque en la escuela primaria,

stos deben ser revisados y mejorados, teniendo en cuenta las particularidades de

los contextos escolares y facilitar una formacin adecuada a los maestros.

Palabras Clave: Educacin. Programa Ler e Escrever. Implementacin. Las

Polticas Educativas. Estado de So Paulo.

10

SUMRIO

Apresentao........................................................................................................... 11

Introduo................................................................................................................ 13

Captulo 1 - As Polticas Educacionais do Governo do Estado de So Paulo

(1990-2014)............................................................................................................... 21

Captulo 2 O Programa Ler e Escrever no Contexto das Polticas

Educacionais Paulistas........................................................................................... 31

2.1. O Governo Montoro e o Panorama das Polticas Educacionais..................... 31

2.2. O Programa Ler e Escrever............................................................................ 36

2.3. Estudos Recentes sobre o Ler e Escrever..................................................... 49

Captulo 3 A voz dos Professores da Rede Estadual de So Paulo................ 55

3.1. A Formao Geral Dos Professores Entrevistados E Suas Trajetrias

Profissionais................................................................................................. 57

3.2. Viso Geral Sobre As Polticas Educacionais................................................ 62

3.3. O Programa Ler E Escrever: Implementao Nas Escolas Estaduais De So

Paulo........................................................................................................... 70

Consideraes Finais............................................................................................. 86

Referncias Bibliogrficas..................................................................................... 89

Anexos..................................................................................................................... 97

11

APRESENTAO

Esta dissertao concebida a partir das observaes acerca da minha prtica

docente e dos relatos de colegas de trabalho. Alguns dos questionamentos feitos ao

longo da minha formao e vivncia em sala de aula resultaram na problemtica

aqui retratada. Para clareza da origem dessa inquietao, faz-se necessria uma

breve apresentao da minha trajetria acadmica e profissional na rea

educacional.

Nascida em So Paulo, no ano de 1992, e filha de Wladimir Cesar Gimenes e

Elisete Aparecida Affonso Gimenes, ambos com formao superior na rea

educacional Matemtica e Pedagogia, respectivamente minha trajetria no

poderia traar outro caminho que no fosse rea acadmica.

Minha paixo pelo conhecimento foi a maior responsvel pelo meu ingresso no

magistrio. Iniciei o curso de Pedagogia no ano de 2010, logo aps a sada do

Ensino Mdio e, ainda nos primeiros meses, comecei a estagiar na Educao

Infantil, em uma escola vinculada a IES Instituio de Ensino Superior onde

cursava Pedagogia.

No ltimo ano da graduao, iniciei minha participao como Aluna-

Pesquisadora no Programa Ler e Escrever Poltica Pblica que permeia esta

dissertao - realizado em salas de alfabetizao, da Prefeitura de So Paulo. Neste

momento, com mais conhecimento acadmico, tornei-me uma grande crtica das

prticas adotadas pela grande parte dos profissionais diante das diversidades

encontradas em sala de aula.

Ao trmino da graduao, comecei a lecionar em uma sala de alfabetizao na

Rede Estadual de Ensino de So Paulo, onde fiquei por dois anos. Neste perodo,

de observadora, passei a protagonista na sala de aula. Minhas prticas, resultantes

da formao acadmica e dos estudos realizados ao longo dos estgios, por si s,

no se foram suficientes para atender s demandas de todos os meus alunos. Senti

necessidade de entend-las melhor, bem como suas relaes e implicaes.

A formao para o trabalho com crianas durante o perodo de aquisio da

escrita foi discutida de forma breve durante as aulas do curso de Pedagogia, por

meio de uma disciplina denominada Fundamentos da Alfabetizao. Com durao

de apenas um semestre, revelou-se insuficiente, em tempo e aprofundamento,

12

diante das diversidades encontradas no mbito escolar. Consequentemente, no

colaborou de maneira efetiva com minha prtica pedaggica ao ingressar

efetivamente na escola como professora alfabetizadora.

Em razo disso decidi ingressar na Ps-Graduao Lato Sensu, em

Psicopedagogia Clnica e Educacional a fim de me especializar para melhor

compreender e intervir frente s demandas e dificuldades apresentadas pelas

crianas, principalmente no perodo de aquisio da escrita.

Ao finalizar a minha Ps-Graduao, ingressei por meio de concurso pblico na

Rede Municipal de Educao de So Paulo, ainda desenvolvendo o meu trabalho

com estudantes do ciclo I, onde continuo at hoje.

Foi esse caminhar, acadmico e profissional, que despertou meu interesse por

investigar as Polticas Pblicas Educacionais. Para tal, ingressei no Mestrado em

Educao da Universidade Nove de Julho UNINOVE.

Inicialmente, dentro da linha de pesquisa em Polticas Educacionais, fui

orientada pelo Professor Dr. Miguel Henrique Russo e, neste momento, minha

pesquisa ainda possua um carter analtico pela perspectiva da Gesto Escolar.

Com o desligamento deste professor do Programa de Mestrado em Educao,

houve uma substituio do meu orientador.

A partir desse momento, passei a ser orientada pelo Professor Dr. Celso do

Prado Ferraz de Carvalho. Com a troca de orientador, houve tambm a mudana do

foco da pesquisa que passou a ser uma anlise das Polticas Pblicas Educacionais,

mais precisamente o processo de implementao do Programa Ler e Escrever na

Rede Estadual de Educao de So Paulo. Essa mudana se tornou muito benfica

tanto na perspectiva da minha pesquisa quanto nas resolues das minhas

inquietaes encontradas na prtica pedaggica que desenvolvo em sala de aula.

13

INTRODUO

Esta, como qualquer outra dissertao, possui limitaes no mbito mais

geral com relao ao estudo das Polticas Educacionais. O propsito deste trabalho

analisar um fragmento que se insere em um conjunto de Polticas Educacionais

que possui vrias dimenses.

Minhas trajetrias acadmica e profissional me trouxeram ao objeto desta

dissertao, atravs das observaes e pesquisas que realizei ao longo destes

anos, principalmente aps o meu ingresso no Mestrado em Educao, na linha de

Polticas Educacionais, do Programa de Ps-Graduao em Educao, da

Universidade Nove de Julho.

Nesta pesquisa, meu interesse trabalhar no mbito das Polticas Pblicas

Educacionais que foram implementadas no Estado de So Paulo - a maior rede

escolar do pas1 - mais precisamente no perodo recente, marcado pelos governos

do Partido da Social Democracia Brasileira, o PSDB.

O Estado de So Paulo vem sendo governado por esse mesmo partido h seis

mandatos. Perodo iniciado em 1995 com a primeira eleio de Mrio Covas e que

se estende at hoje, com a reeleio do atual governador Geraldo Alckmin em 2014,

com mandado previsto at 2018.

importante ressaltar que em uma parte desse perodo - especificamente os

oito anos iniciais, de 1995 a 2002 - as Polticas Educacionais implementadas no

Estado de So Paulo2 pelo PSDB, tinham a mesma concepo e objetivo das

Polticas Educacionais do Governo Federal, em razo da proximidade entre a gesto

de Mario Covas no Estado de So Paulo e de Fernando Henrique Cardoso no

governo federal. Em comum a essas polticas, a adeso ao receiturio das

propostas e concepes neoliberais disseminadas pelas agencias multilaterais.

1 A Secretaria da Educao do Estado de So Paulo (SEE_SP) possui a maior rede de ensino do Brasil. (Fonte:

http://www.educacao.sp.gov.br/portal/institucional/a-secretaria , consulta em 18/10/2016).

2 Para compreender mais sobre a reforma da educao no Estado de So Paulo, indico a leitura: RUSSO, Miguel

Henrique. Reforma da educao no Estado de So Paulo: dimenses poltico-pedaggica e curricular. Cadernos

ANPAE, v. 18, p. 51-65, 2014.

14

Nesse contexto, parte das reformas educacionais realizadas no Estado de So

Paulo foi financiada por agncias multilaterais, dentre elas o Banco Mundial3. Assim

como j ocorria com os projetos de administraes anteriores, essas reformas pouco

ou nada tiveram a participao de professores em seu processo e elaborao. Alm

desse fato, tinham um componente novo: a adeso ao iderio do neoliberalismo,

sendo pautadas pela lgica e racionalidade do mercado, incorporando teses e

conceitos oriundos do setor privado, especificamente no campo da gesto escolar.

As reformas apresentavam expectativas de resoluo dos problemas da

educao por meio das parcerias pblico-privadas, do discurso da meritocracia e da

implantao das avaliaes em larga escala realizadas com os alunos, e que

traziam implicaes prtica dos professores principalmente no que se refere

culpabilidade pelos ndices no alcanados.

Dentro destas polticas, interessa-me principalmente as com o foco no

processo de alfabetizao rea onde possuo mais afinidade por conta dos meus

trabalhos desenvolvidos durante minha formao acadmica.

No contexto do governo de Mrio Covas (1995-1998), diante de um

levantamento feito, na poca, pela Secretaria Estadual de Educao de So Paulo

para eliminar as disfuncionalidades do sistema educacional, foi implementado o

Programa Reorganizao das Escolas da Rede Pblica Estadual, estabelecido

pelos decretos n 40.510, de 04 de novembro de 1995 (SO PAULO, 1995a), n

40.473, de 21 de novembro de 1995 (SO PAULO, 1995b) e resoluo SE 269, de

05 de dezembro de 1995 (SO PAULO, 1995c).

Segundo a documentao legal, a reforma do ensino estava estruturada em

trs eixos bsicos: 1) Melhoria da qualidade de Ensino, que se concretiza por

intermdio: a) da reorganizao da rede de ensino4; b) da valorizao do

magistrio5; c) de classes de acelerao da aprendizagem; d) de salas ambientes; e)

3 A reforma educacional brasileira realisada pelo governo FHC, que se deu associada reforma do Estado de So Paulo, e a influncia das agncias multilaterais j foram amplamente analisadas (cf. DE TOMASI, WARDE E HADDAD, 1996; SILVA Jr. 2002;).

4 A reorganizao da rede ensino tem como objetivos: a) racionalizao no uso dos equipamentos; b) melhoria

do planejamento da rede fsica; c) eliminao das desigualdades na prestao de servios; d) Melhores

condies de trabalho. (SEE. 1998)

5 A Valorizao do Magistrio tem como aes propostas o Programa de Educao Continuada, Nova Carreira e

Salrio. (SEE.1998)

15

de avaliao do rendimento escolar (Sistema de Avaliao de Rendimento Escolar

no Estado de So Paulo/SARESP); f) dos Recursos Pedaggicos (livro didtico); g)

de projetos especiais nas escolas; 2) Mudanas nos padres de gesto so

realizadas mediante a desconcentrao e a descentralizao da gesto da

educao; e 3) Racionalizao Organizacional, realiza-se atravs de: a)

enxugamento da mquina e eliminao de duplicidades; b) informatizao

administrativa; c) reorganizao da rede de ensino (SO PAULO, 1998).

A partir das modificaes ocasionadas com a vigncia deste Programa de

Reorganizao das Escolas da Rede Pblica Estadual, instituiu-se, ainda no

Governo de Mrio Covas, com a Deliberao CEE n 09/97, o Regime de

Progresso Continuada, com o propsito de garantir a avaliao do processo de

ensino-aprendizagem, como objeto de recuperao contnua e paralela. Segundo

autores como Freitas (2000) e Guimares (2001), essa medida, interpretada a partir

de determinados interesses - polticos e sociais e concepes, por algumas

instituies educacionais e educadores, promoveu uma quantidade de alunos que

apresentavam defasagem de aprendizagens6, trazendo consequncias no mbito

escolar.

Na sequncia Deliberao CEE n 09/97, a Secretaria de Estado de

Educao criou novos projetos, como complementao s aes do Regime de

Progresso Continuada. Dentre eles esto: 1) Recuperao paralela; 2)

Recuperao intensiva nas frias; e 3) Recuperao de Ciclo.

No ano 2000, Geraldo Alckmin assume o governo do Estado de So Paulo, a

princpio para o cumprimento do restante do mandato de Covas (2000-2002) e,

posteriormente, reeleito para novo mandato (2003-2006). Nessa poca, Gabriel

Chalita assume a Secretaria da Educao dando sequncia s polticas

educacionais implementadas anteriormente.

Aps a renncia de Geraldo Alckmin para se candidatar presidncia da

repblica, assume o vice-governador Cludio Lembo, do PFL. Essa mudana de

gesto resulta na substituio do Secretrio da Educao por Maria Lcia

Vasconcelos, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

6 Para compreender mais sobre o Regime de Progresso continuada e suas consequncias no mbito escolar.

(Cf. FREITAS, J. C., 2000; GUIMARES, M. N. N., 2001; VIEGAS, Lygia de Souza e SOUZA, Marilene Proena de,

2006).

16

Jos Serra eleito governador do Estado de So Paulo para o mandato de

2007/2010 o que resulta em nova substituio na Secretaria da Educao. Desta

vez assume o cargo Maria Helena Guimares de Castro e esta gesto representa,

no campo da poltica pblica educacional paulista, uma nova perspectiva.

Essa nova perspectiva pode ser compreendida em Russo (2014. pp. 05-06):

A natureza e concepo das polticas educacionais no governo

Serra provocaram algumas reaes em face das prprias

ideias que as apoiavam e da guinada que ocorreu na maneira

como a Secretaria da Educao se relacionava com os

trabalhadores das escolas. No governo anterior, sob o

comando do secretrio Gabriel Chalita, predominava uma viso

de educao como processo afetivo entre educadores e

educandos. Agora, as relaes se mostravam hierrquicas,

com uma alta dose de autoritarismo na implantao das

mudanas planejadas, produzidas de forma centralizada por

um grupo de educadores afinados com as doutrinas do partido

no poder e detentores de respaldo poltico e acadmico, j que

constitudo por conhecidos professores de universidades

paulistas. Mostravam-se, por isso, provocativas para uma

reflexo crtica sobre a poltica educacional de ento.

O Programa de Ao deste Governo para a Educao foi elaborado a partir de

um plano de ao que continha 10 aes e 10 metas que deveriam ser alcanadas

at 2010, e que dariam a direo das mudanas pretendidas.

A proposta curricular para dar suporte s metas do Programa de Ao do

Governo para a Educao compe trs programas: 1) O Programa de Qualidade da

Escola7; 2) O Programa Ler e Escrever8; e 3) O Programa So Paulo Faz Escola9.

Diante deste processo e a partir das minhas intenes, defini como objeto

desta pesquisa o Programa Ler e Escrever. Este Programa consiste em uma

Poltica Educacional implementada no Estado de So Paulo em 2008, como

complementao s aes e metas estabelecidas pela gesto do Governo Serra que

7 Programa de Qualidade da Escola. (Cf.: http://idesp.edunet.sp.gov.br/Arquivos/NotaTecnica2013.pdf).

8 Programa Ler e Escrever (Cf.: http://lereescrever.fde.sp.gov.br/SysPublic/Home.aspx).

9 Programa So Paulo Faz Escola (Cf.: http://www.educacao.sp.gov.br/sao-paulo-faz-escola).

17

objetivou desenvolver as competncias de leitura e escrita dos alunos da Rede

Estadual de Ensino, por meio de materiais desenvolvidos especialmente para o Ciclo

I, bem como fornecer orientaes didticas voltadas formao e prtica dos

professores. (SO PAULO, 2008)

O Programa Ler e Escrever foi originalmente implementado na Rede Municipal

de So Paulo, em 2007, e posteriormente transferido para a Rede Estadual de So

Paulo, em 2008. Desta forma, possvel verificar que o Programa no tem raiz no

sistema onde ele foi implementado - uma vez que foi pensado em outra realidade -,

trazendo, desta forma, dificuldade em atingir os objetivos propostos inicialmente.

Aps a definio do objeto de estudo, realizei levantamento em bancos de

dados e uma reviso bibliogrfica acerca das pesquisas que j foram realizadas na

rea acadmica tendo como foco o Programa Ler e Escrever.

Em uma primeira busca no banco de teses e dissertaes da CAPES

(Comisso de Aperfeioamento de Pessoal do Nvel Superior), usando o descritor

Programa Ler e Escrever, foram encontrados 42 registros sobre o tema abordado.

Dentre eles, alguns trabalhos traziam os termos ler e escrever como objetivos do

processo de ensino-aprendizagem.

Apenas em 19 destes registros, os termos aparecem ligados ao Programa

implementado na Rede Estadual Paulista, e trazem em suas pesquisas questes e

problematizaes com relao ao ensino da matemtica nos anos iniciais, o uso da

leitura e da escrita em sala de aula, a formao de professores a partir do programa,

o material didtico e suas crticas.

Ao refinar a busca para a rea de Educao: Histria, poltica e sociedade, os

registros diminuram para dois textos (CONSTANCIO, 2012) e (MOLINARI, 2010);

pesquisas estas, com foco na implementao do Programa enquanto poltica

educacional.

Desta seleo, o trabalho que mais chamou a minha ateno foi A

padronizao do trabalho docente: Crtica do Programa Ler e Escrever, por conta da

crtica Poltica Educacional que nele feita. Segundo a autora, o Programa

contraditoriamente, favorece o controle e a manipulao do trabalho docente,

impedindo uma reflexo crtica por parte dos professores e alunos. Em sua anlise,

as Polticas voltadas Educao decorrentes das reformas educacionais ocorridas

no governo de Mrio Covas, em 1995, at o governo de Jos Serra, em 2007

mostram que programas - como o Programa Ler e Escrever - desvalorizam e

18

desqualificam a profisso docente ao afirmarem que para que haja qualidade de

ensino pblico necessrio um material didtico elaborado pelo governo, sugerindo,

com isso, que os professores no so capazes de ensinar. (CONSTANCIO, 2012).

Esta inteno fica clara ao observar o trecho do discurso proferido por Jos

Serra, em 31 de maro de 2010, e publicado por Reinaldo Azevedo, na tradicional

Revista Veja (2010):

[...] os professores e servidores esto ganhando mais,

ganharo mais e progrediro na carreira, segundo o ser prprio

esforo e o seu desempenho. Ns demos prioridade melhoria

da qualidade do ensino, que exige reforar o aprendizado na

sala de aula. Sala de aula esta onde eu estive presente,

sempre, na Prefeitura e no Estado dando aula para a quarta

srie do ensino fundamental. Cada vez numa escola. Foi l

que, fora a teoria, a leitura e as observaes, eu me convenci

de que o problema nmero um do ensino o aprendizado em

sala de aula: prdios, merenda, transporte escolar, uniformes,

material escolar. Tudo isso muito importante, mas nada

substitui a qualidade da sala de aula. Isso eu aprendi dando

aula para a garotada. Inclusive os materiais de estudo e os

guias para professores que ns preparamos vieram desta

minha observao direta. Porque os alunos no tinham por

onde estudar e os professores no tinham um guia que

pudesse orient-los. Este fez parte do grande Programa Ler e

Escrever, da Maria Helena Guimares de Castro e to bem

consolidado e ampliado pelo Paulo Renato.

Enquanto professora do ciclo I do ensino fundamental da Rede Estadual

Paulista nos anos de 2013-2014, vivenciei parte deste processo e diante deste

cenrio defini como objeto de estudo a perspectiva dos professores da Rede sobre a

implementao do Programa Ler e Escrever pela Secretaria de Estado da Educao

de So Paulo, para entender o impacto deste programa nas realidades educacionais

paulistas.

Tendo em vista esse objeto de pesquisa, a questo central pode ser formulada

da seguinte forma: Como os professores do ciclo I da Rede Estadual de Ensino de

19

So Paulo compreendem o processo de implementao do Programa Ler e

Escrever?

Para tanto, a pesquisa implica inicialmente em um levantamento bibliogrfico e

documental sobre as polticas pblicas educacionais implementadas no Estado de

So Paulo durante a gesto do PSDB e a documentao do Programa Ler e

Escrever. Em um segundo momento, faremos a realizao de um conjunto de

entrevistas com um grupo de professores de Escolas Estaduais do ciclo I,

localizadas no Municpio de So Paulo, mais precisamente na Zona Norte.

Desta forma, as fontes de pesquisa so os documentos oficiais produzidos pela

Secretaria de Estado da Educao de So Paulo e o conjunto de entrevistas com

professores que lecionam no ciclo I em Escolas Estaduais localizadas no Municpio

de So Paulo.

A anlise documental se justifica, pois, o Programa Ler e Escrever, objeto

dessa pesquisa, tem especificidades que colaboram para a compreenso dos

objetivos do programa, bem como a maneira como estes objetivos devem ser

alcanados e desenvolvidos.

A definio de entrevistar professores justifica-se pelo papel fundamental que

estes desempenham durante a implementao de uma Poltica Pblica Educacional,

e, neste caso, as implicaes de suas compreenses e posturas durante a execuo

das propostas estabelecidas pelo Programa Ler e Escrever.

Segundo autores como Hfling (2001), o sucesso de qualquer poltica pblica

voltada educao medido pela receptividade dos atores deste processo, ou seja,

os professores. So eles que nos traro referncias quanto o sucesso ou insucesso

de programas como o Ler e Escrever na realidade das salas de aula.

Prez Gmez (1998) defende que a formao do professor deve ser pautada

por uma bagagem cultural com orientaes polticas e sociais bem definidas.

necessrio entender quais e onde so pensadas essas orientaes, para

compreender as intenes de suas aes. Com isso, o professor deve desenvolver

capacidades de reflexo crtica sobre a prtica, bem como o compromisso em atuar

como um intelectual transformador na aula, na escola e no contexto social.

Segundo Libneo (2003, p. 36) as polticas educacionais, (...) com raras

excees, no tm sido capazes de romper a tenso entre intenes declaradas e

medidas efetivas, torna-se necessrio entender os resultados das aes propostas

20

pelo Programa Ler e Escrever na prtica educativa de professores que atuam nos

anos iniciais, bem como na aprendizagem de seus alunos.

Para fins de exposio, esse trabalho est organizado da seguinte forma: O

Captulo 1 contextualiza o momento histrico e poltico da formulao e

implementao do Programa Ler e Escrever, no ano de 2008. Detalhando desde a

dcada de 1990, com a reforma educacional do governo FHC, no governo federal,

at as polticas educacionais do governo Serra (2007/2014), no Estado de So

Paulo.

No Captulo 2 h a preocupao em aprofundar a investigao na

documentao legal do Programa Ler e Escrever, bem como a sua formulao e

implementao. Alm do levantamento das pesquisas acadmicas realizadas na

rea educacional com relao ao tema abordado.

O Captulo 3 est dedicado s entrevistas qualitativas desenvolvidas com os

professores da Rede Estadual de Ensino de So Paulo, no Municpio de So Paulo,

mais precisamente da Zona Norte, acerca das suas compreenses com relao s

intenes e contribuies do Programa Ler e Escrever para a realidade escolar.

21

CAPTULO 1

AS POLTICAS EDUCACIONAIS DO GOVERNO DO

ESTADO DE SO PAULO (1990-2014)

Para compreender a implementao de o Programa Ler e Escrever do

Governo do Estado de So Paulo necessrio conhecer os fundamentos poltico-

pedaggicos da reforma que o instituiu, a partir de reformas educacionais em curso

no Estado de So Paulo. Para isso, analisaremos os fundamentos que situam essas

polticas sob o marco regulatrio da dcada de 1990, a partir do governo de Mrio

Covas.

Nesta anlise, nos interessa o contexto histrico-poltico que serviu como

pano de fundo para a elaborao das polticas pblicas educacionais implementadas

no Estado de So Paulo, durante o perodo em que este estado governado pelo

Partido da Social Democracia Brasileira, o PSDB, por se tratar da maior rede escolar

do pas e por ser uma extenso e dar continuidade s polticas educacionais

implementadas pelo Governo Federal a partir de 1990, com a gesto FHC.

O Estado de So Paulo vem sendo governado por um mesmo partido h

seis mandatos. A partir da dcada de 1990, quando Fernando Henrique Cardoso foi

presidente do Brasil por duas vezes consecutivas, seu partido tem sido hegemnico

no governo paulista.

O Partido da Social Democracia Brasileira o PSDB foi representado

pelos governadores Mrio Covas (1995/1998, no primeiro mandato; e 1999/2000,

segundo mandato - at sua morte); Geraldo Alckmin (2000/2002 - quando completou

o mandato de Covas; e 2003/2006, em novo mandato); Cludio Lembo, do PFL

(assumiu em 2006 quando Geraldo Alckmin renunciou para concorrer presidncia

da Repblica); Jos Serra (2007/2010); Alberto Goldman (vice-governador eleito

assumiu em 2010, aps a sada de Jos Serra); Geraldo Alckmin (2011/2014; e

reeleito em 2015 - onde se encontra em exerccio do cargo at o presente

momento).

Portando, possvel afirmar que as polticas que vem sendo

implementadas nestes mandatos consecutivos do Partido da Social Democracia

Brasileira PSDB no governo do Estado de So Paulo mantm os mesmos

22

fundamentos da orientao poltica que presidiu a reforma educacional do governo

FHC, ainda que apresentem pequenas variaes de um mandato para o outro.

Com isso, preciso ressaltar que apesar de a vida partidria dos polticos

no se definir exatamente por uma identidade ideolgica por parte destes com os

respectivos programas dos partidos dos quais fazem parte, neste caso, a afirmao

no tem tanto vigor. Nesse caso, possvel perceber a inspirao ideolgica comum

entre os ltimos governantes paulistas. Apesar de diferentes estilos individuais,

todos eles pensaram suas polticas pblicas educacionais perante uma viso

neoliberal.

Para Azevedo (2004, p. 19):

As orientaes neoliberais adotadas por vrios governos nos

anos 80 e o consequente aprofundamento das crises sociais,

econmicas e ambientais, decorrentes desta desregulao;

as mudanas no mundo da produo em face da maior

utilizao da microeletrnica; suas repercusses no mundo do

trabalho e na tendncia globalizao dos mercados e, ainda,

a dblcle do socialismo real so alguns dos fatores que tem

ameaado as formas de organizao sociopoltica desse

sculo.

Aqui, de forma breve e grosso modo, o neoliberalismo definido como um

conjunto de ideias polticas e econmicas com fundamentos capitalistas que defende

a no participao do Estado na economia, havendo dessa forma, total liberdade de

comrcio, o que garante, segundo seus seguidores, crescimento econmico e social

do pas. Na educao, o neoliberalismo integra a escola ao mercado, transformando

o aluno em consumidor do ensino, enquanto o professor se transforma no

funcionrio que treina os alunos para a insero no mercado de trabalho.

Azevedo (2004, p. 21) nos traz uma definio mais completa ao dizer que:

As razes da corrente neoliberal encontram-se na teoria do

Estado formulada a partir do sculo XVII, expressando o

iderio do liberalismo clssico ento emergente. Esta teoria foi

sendo paulatinamente modificada e adaptada, medida que o

avano do capitalismo delineava a estrutura de classes com

maior nitidez, trazendo-a para o centro da cena econmica e

23

poltica. Nesse processo, o Estado liberal burgus passa a

incorporar uma nova dimenso de legitimidade: a igualdade

passa pelo alargamento dos direitos polticos dos cidados,

precisando proclamado como o meio de garantir a participao

no poder e o seu controle, fundamentado e organizado na

forma de uma democracia.

Ainda com relao ao neoliberalismo, Draibe (1998, p.2) apoud Azevedo

(2004, p.19) afirma que:

Neste contexto, as polticas pblicas so apresentadas como

elemento estrutural das economias de mercado, como tipos de

regulao que cada sociedade pe em prtica a partir de um

determinado estgio do seu desenvolvimento. Configuram,

assim, os modos de articulao entre o Estado e a sociedade.

A partir destas definies, possvel afirmar que os ltimos governantes

do Estado de So Paulo partilham dos mesmos ideais polticos quanto sociedade

atual paulistana. Ou seja, os ltimos mandatos exercidos pelo governo do PSDB, em

So Paulo, buscaram olhar a sociedade com uma viso burguesa capitalista.

O conjunto de polticas do Estado de So Paulo, nesse perodo, esteve

em consonncia com as polticas do governo federal. Para compreender a reforma

educacional do governo Fernando Henrique Cardoso na dcada de 1990 e,

consequentemente, as polticas pblicas educacionais perante uma viso neoliberal

- que se sucederam aps este perodo na Rede Pblica do Estado de So Paulo -,

incorporamos a anlise feita por Gaudncio Frigotto e Maria Ciavatta.

Os autores Frigotto & Ciavatta (2003) discutem que a crise do capital se

encontra, no final do sculo XX e incio do sculo XXI, no plano mais profundo da

materialidade das relaes sociais. Aps um processo de expanso denominado

como a idade de ouro onde parte da classe trabalhadora obteve ganhos reais, o

sistema capitalista entra em crise, com suas taxas histricas de lucro e explorao.

Um novo ciclo se instaura o ciclo de acumulao do capital financeiro.

Contudo, essa acumulao no possvel para todos. Surge, ento, uma

competio entre grandes grupos econmicos e corporaes transnacionais,

concentrando grande parte da riqueza, cincia e tecnologia.

24

Martin & Schumann (1999, p. 7), sintetizam esta ideia como a sociedade

20 por 80 para salientar que apenas uma parcela de 20% da humanidade usufrui,

efetivamente, da riqueza produzida no mundo. Os demais 80%, que so os que

normalmente a produzem, apropriam-se de forma marginal ou so literalmente

excludos.

As questes acima mencionadas, quando transferidas para o campo

educacional, mostram uma perspectiva de educao orientada pela lgica de

mercado. Assim:

As reformas vm demarcadas por um sentido inverso s

experincias do socialismo real e das polticas do Estado de

bem-estar social do aps a Segunda Guerra Mundial, lidas

pelos intelectuais orgnicos do sistema capital como

responsveis por um desvio dos mecanismos naturais do

mercado e, portanto, pela crise. Trata-se, ento, de retomar os

mecanismos de mercado aceitando e tendo como base a tese

de Hayek (1987) de que as polticas sociais conduzem

escravido e a liberdade do mercado prosperidade. O

documento produzido pelos representantes dos pases do

capitalismo central, conhecido como Consenso de Washington,

balizou a doutrina do neoliberalismo ou neoconservadorismo

que viria a orientar as reformas sociais nos anos de 1990.

neste cenrio que emerge a noo de globalizao carregada,

ideologicamente, por um sentido positivo. (FRIGOTTO &

CIAVATTA, 2003, p. 95).

Com isso, a educao deixa de ser vista como um direito social de toda a

populao e passa a ser vista como um servio, e o conhecimento um produto.

Nesse sentido, a escola torna-se o local onde esse servio que pode trazer lucro -

vinculado e produzido. A educao vista como servio tem consequncias reais no

processo social, uma vez que forjou-se como elemento da sustentao das

desigualdades.

Segundo PONCE (2005), o sistema educacional passou a existir a partir

do momento em que a sociedade se estruturou em classes sociais antagnicas.

Com isso, os interesses da classe social dominante passaram a delimitar o campo

educacional, uma vez que este instrumento passou a servir para a dominao social

25

de poucos sobre muitos. Este autor ainda nos traz, ao analisar a gnese da escola,

que esta instituio passou a existir quando a dominao militar e poltica j no

surtiam mais os efeitos desejados. Sendo assim, surge a necessidade de dominao

ideolgica e intelectual, que utiliza a escola e o sistema educacional como seu ponto

de apoio10.

Nesta compreenso, organismos internacionais, como o Fundo Monetrio

Internacional (FMI), Banco Mundial (BIRD), o Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID) e o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD), passam a ser vistos como tutores das reformas dos Estados Nacionais.

Um dos eventos promovidos na dcada de 1990, com um projeto de

educao em nvel mundial, financiado pelas agncias UNESCO, UNICEF, PNUD e

Banco Mundial, foi a Conferncia Mundial sobre Educao para Todos, realizada

em Jontien, na Tailndia. Esta conferncia apresentou a ideia de satisfao das

necessidades bsicas de aprendizagem, conforme vemos na citao a seguir:

Cada pessoa criana, jovem ou adulto dever estar em

condies de aproveitar as oportunidades educacionais

oferecidas para satisfazer suas necessidades bsicas de

aprendizagem. Estas necessidades abarcam tanto as

ferramentas essenciais para a aprendizagem (como a leitura e

a escrita, a expresso oral, o clculo, a soluo de problemas)

como os contedos bsicos da aprendizagem (conhecimentos

tericos e prticos, valores e atitudes) necessrios para que os

seres humanos possam sobreviver e desenvolver plenamente

suas capacidades, viver e trabalhar com dignidade, participar

plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de sua

vida, tomar decises fundamentais e continuar aprendendo. A

amplitude das necessidades bsicas de aprendizagem varia de

pas a pas em sua cultura e muda inevitavelmente com o

transcurso do tempo. (WCEA, 1990, p. 157).

No Brasil, nesse perodo, o governo de Fernando Collor de Melo, que

durou pouco mais de um ano, acabara de iniciar - aps derrotar o candidato do

10 Para compreender mais sobre a relao entre o Sistema Educacional Brasileiro e a Desigualdade Social (Cf.:

GUZZO, R. S. L. e FILHO, A. E., 2005).

26

Partido dos Trabalhadores, Luiz Incio Lula da Silva. Contudo, a Conferncia

inspirou, em 1993, j no governo de Itamar Franco, o Plano Decenal da Educao

para Todos.

O Plano Decenal da Educao para Todos foi um documento elaborado

pelo Ministrio da Educao (MEC) e destinado a cumprir, no perodo de uma

dcada (1993 a 2003), as resolues apresentadas na Conferncia Mundial.

Segundo o Plano Decenal:

Os compromissos que o governo brasileiro assume, de garantir

a satisfao das necessidades bsicas de educao de seu

povo, expressam-se no Plano Decenal de Educao para

Todos, cujo objetivo mais amplo assegurar, at o ano 2003, a

crianas, jovens e adultos, contedos mnimos de

aprendizagem que atendam a necessidades elementares da

vida contempornea. (BRASIL, 1993, pp. 12-13)

O movimento internacional que, segundo os autores, veio alavancar as

reformas no Governo Fernando Henrique Cardoso, continuou atravs de outras

agncias e outros documentos sobre educao. Conforme o trecho a seguir:

Ainda em 1990, a CEPAL publicou Transformacin productiva

con equidad, que enfatizava a urgncia da implementao de

mudanas educacionais em termos de conhecimentos e

habilidades especficas, demandadas pela reestruturao

produtiva. Em 1992, a CEPAL volta a publicar outro documento

sobre o tema, Educacin y conocimiento: eje de la

ttransformacin productiva con equidad, vinculando educao,

conhecimento e desenvolvimento nos pases da Amrica Latina

e do Caribe. [...] A UNESCO e o Banco Mundial completam o

quadro principal dos impulsionadores externos das reformas.

Entre 1993 e 1996, a Comisso Internacional sobre Educao

para o Sculo XXI, convocada pela UNESCO, composta de

especialistas e coordenada pelo francs Jacques Delors,

produziu o Relatrio Delors, no qual se fez um diagnstico do

contexto planetrio de interdependncia e globalizao. O

Relatrio faz recomendaes de conciliao, consenso,

cooperao, solidariedade para enfrentar as tenses da

27

mundializao, a perda das referncias e de razes, as

demandas de conhecimento cientfico-tecnolgico,

principalmente das tecnologias de informao. A educao

seria o instrumento fundamental para desenvolver nos

indivduos a capacidade de responder a esses desafios,

particularmente a educao mdia. Sugere ainda a educao

continuada e a certificao dos conhecimentos adquiridos.

(FRIGOTTO & CIAVATTA, 2003, p. 99).

neste contexto tambm que a nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases)

aprovada j no Governo FHC. A educao bsica - segundo a Lei n 9.394/96, art.

22 tem por finalidades desenvolver o educando, assegurando-lhe a formao

comum indispensvel para o exerccio da cidadania, e fornecer-lhe meios para

progredir no trabalho e em estudos posteriores.

Esse contexto geral tem implicaes s polticas locais e nos governos

desse perodo. Segundo Perry Anderson (2002, p.2):

A caracterstica que define o governo FHC tem sido o

neoliberalismo light do tipo que predominou nos anos 90 (...).

A dinmica fundamental do neoliberalismo se ergue sobre dois

princpios: a desregulamentao dos mercados e a privatizao

dos servios. (...) Fernando Henrique Cardoso leiloou a maior

parte do setor estatal e abriu a economia completamente,

apostando na entrada de um fluxo macio de capital externo

para modernizar o pas. Aps oito anos, os resultados esto a,

evidentes: estagnao crescente, salrios reais em queda,

desemprego em nvel nunca antes visto e uma dvida

estrondosa. O regime foi condenado aos seus prprios termos.

Em So Paulo o perodo em que acontecerem as principais mudanas e

que produziram um maior impacto sobre as questes de organizao, gesto e

ensino nas escolas da Rede Estadual de So Paulo foi o perodo em que a

formulao e implantao da reforma estiveram sob o comando da secretria de

educao Tereza Roserlei Neubauer da Silva, que permaneceu nessa funo

durante o primeiro mandato do Governo Covas (1995/1998) e parte do segundo

mandato (1999-2000), at a morte deste.

28

Quando o governador Geraldo Alckmin assumiu o restante do mandato de

Mrio Covas, este indicou Gabriel Chalita para a Secretaria da Educao. Ele, por

sua vez, d sequncia s polticas implantadas anteriormente. Ao renunciar ao cargo

de governador para se candidatar presidncia da repblica, o Secretrio da

Educao , tambm, substitudo. Para cumprir o restante do mandato assume o

vice-governador Cludio Lembo, do PFL, que designa para Secretria da Educao

Maria Lcia Vasconcelos, que pouco produziu de melhorias para a rede estadual de

ensino de So Paulo.

S a partir de seis meses do incio do mandato do ento governador Jos

Serra (2007/2010), a secretria Maria Helena Guimares de Castro assume o cargo

na Secretaria da Educao, dando incio a uma nova fase da poltica para a

educao pblica estadual paulista. Em 2009, ainda no mandato de Serra, a ento

secretria substituda por Paulo Renato Sousa, que havia sido ministro da

educao durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Em 2011, Geraldo Alckmin assume novamente o cargo de governador de

So Paulo (2011-2014) e, com isso, nomeia Herman Voorwald para assumir a

secretaria de educao, dando continuidade s polticas que foram iniciadas no

governo anterior, aprofundando o vnculo entre a educao e o modelo neoliberal e

a economia de mercado.

Durante o mandato de Jos Serra (2007/2010), em conjunto com Maria

Helena Guimares Castro na secretaria de Educao, foram estabelecidas metas11

para a Educao, a serem atingidas at o final do mandato. Essas metas podem ser

sintetizadas:

1. Todos os alunos de 8 anos plenamente alfabetizados. 2.

Reduo de 50% das taxas de reprovao da 8 srie. 3.

Reduo de 50% das taxas de reprovao do Ensino Mdio. 4.

Implementao de programas de recuperao de

aprendizagem nas sries finais de todos os ciclos de

aprendizagem [...]. 5. Aumento de 10% nos ndices de

desempenho do Ensino Fundamental e Mdio nas avaliao

estaduais e nacionais. 6. Atendimento de 100% da demanda

de jovens e adultos de Ensino Mdio com currculo

profissionalizante diversificado. 7. Implementao do Ensino

11 Fonte: http://www.saopaulo.sp.gov.br/acoes/educacao/metas/ (acesso em: 24 jun. 2015).

29

Fundamental de nove anos, com prioridade municipalizao

das sries iniciais [...]. 8. Programas de formao continuada e

capacitao da equipe. 9. Descentralizao e/ou

municipalizao do Programa de Alimentao Escolar [...]. 10.

Programa de obras e melhorias da infraestrutura das escolas.

(SO PAULO, 2008).

Segundo anunciado pela Secretaria da Educao, a implantao deste

Programa iria ocorrer a partir de dez aes12. So elas:

1. Implantao de o Projeto Ler e Escrever. 2. Reorganizao

da progresso continuada. 3. Currculo e expectativas de

aprendizagem. 4. Recuperao da aprendizagem. 5.

Diversificao curricular do Ensino Mdio. 6. Educao de

Jovens e Adultos. 7. Ensino Fundamental de 9 anos. 8.

Sistemas de Avaliao. 9. Gesto dos resultados e poltica de

incentivos. 10. Plano de obras e investimentos. (SO PAULO,

2008).

Para que as aes estabelecidas tivessem condies de serem

realizadas, foram previstas medidas13 que esto apresentadas a seguir:

1. Criao da funo professor coordenador e seleo de 12

mil professores at dezembro de 2007. 2. Concurso para 300

novas vagas de supervisor de ensino e reviso de suas

atribuies. 3. Fortalecimento do papel do diretor da escola na

liderana do processo de implantao do modelo de gesto. 4.

Criao de Grupo de Trabalho para implantar o Ensino

Fundamental de 9 anos. 5. Criao de comisso organizadora

do Plano Estadual de Educao. (SO PAULO, 2008).

No conjunto, o que o governo Serra props foi uma intensa modificao

na organizao das escolas e uma grande expectativa quanto a seus resultados.

Nesse caso, refletir sobre essas aes que esto, ainda, em desenvolvimento e que

12 Fonte: http://www.saopaulo.sp.gov.br/acoes/educacao/metas/acoes.htm (acesso em 24 jun. 2015).

13 Fonte: http://www.saopaulo.sp.gov.br/acoes/educacao/metas/medidas.htm (acesso em 24 jun. 2015).

30

no produziram todos os resultados pretendidos algumas metas e aes deveriam

ser cumpridas at 2010 uma tarefa difcil.

Assim, no prximo captulo, aprofundaremos as discusses acerca da

elaborao de o Programa Ler e Escrever uma das 10 aes pretendidas pela

Secretaria de Educao do Estado de So Paulo para a melhoria da qualidade do

ensino.

31

CAPTULO 2

O PROGRAMA LER E ESCREVER NO CONTEXTO DAS

POLTICAS EDUCACIONAIS PAULISTAS

A elaborao deste captulo surge a partir da necessidade de se entender,

mais detalhadamente, o processo de elaborao de uma das aes determinadas

pela Secretaria de Educao do Estado de So Paulo, durante a gesto do

governador Jos Serra.

A referida ao o Programa Ler e Escrever poltica pblica educacional com

foco nos anos iniciais do ensino fundamental e implementada no Estado de So

Paulo a partir de 2008.

Este Programa, contudo, no foi elaborado precisamente para a Rede Estadual

Paulista, mas sim transportado da Rede Municipal, onde teve sua implementao no

ano anterior 2007 tambm pela gesto do PSDB.

Apesar de o Programa Ler e Escrever tanto na instncia estadual paulista

quanto na municipal ser um programa relativamente novo sua implementao

possui apenas uma dcada. possvel perceber que seus fundamentos j estiveram

presentes em outros programas anteriores a gesto do PSDB, como no Governo

Andr Franco Montoro.

2.1. O GOVERNO MONTORO E O PANORAMA DAS POLTICAS

EDUCACIONAIS

Apesar de a discusso no captulo anterior estar focada, principalmente, nos

anos 90, com as Polticas Pblicas Educacionais que foram implementadas no

Estado de So Paulo, mais precisamente no perodo recente, marcado pelos

governos do Partido da Social Democracia Brasileira, o PSDB; possvel perceber

que as discusses que deram origem a programas como o Ler e Escrever -

primeiramente na Rede Municipal e posteriormente na Rede Estadual Paulista - so

oriundos de discusses anteriores.

32

A partir do fim do regime militar esperava-se que a democracia, de um modo

geral, finalmente pudesse ser implantada em nosso pas. Na educao, o momento

histrico foi de altas taxas de evaso e repetncia, falta de vagas, bem como o

pressuposto de que o ingresso na escola garantiria a insero dos educandos

oriundos das classes populares no mercado de trabalho.

Desta forma, a preocupao no mbito educacional era promover mudanas

que garantissem a democratizao do ensino, gerando, basicamente, a igualdade de

oportunidades de acesso Educao formal aumentando o nmero de escolas

sem pensar, no entanto, a permanncia desses alunos na mesma.

Nesse sentido, a descentralizao tinha como objetivo diminuir a centralizao

no plano federal transferindo algumas funes desempenhadas pelo Ministrio da

Educao -, de modo a acabar com os entraves educacionais e atingir a

democratizao do ensino.

Na dcada de 80, o Estado de So Paulo foi governado, inicialmente, por

Andr Franco Montoro (1983-1986), seguido por Orestes Qurcia (1987-1990) e por

Luis Antonio Fleury Filho (1991-1994), todos eleitos pelo Partido do Movimento

Democrtico Brasileiro o PMDB.

Andr Franco Montoro foi eleito governador do Estado de So Paulo em 15 de

novembro de 1982, durante a primeira eleio direta para governador aps vinte

anos. Montoro venceu quatro concorrentes: o ex-prefeito paulistano Reinaldo de

Barros (PDS), o ex-presidente Jnio Quadros (PTB), Luiz Incio Lula da Silva (PT) e

Rog Ferreira (PDT).

Em seu programa de governo, Montoro prope para a

educao uma ampla reforma administrativa, com o objetivo de

racionalizar e descentralizar os recursos da educao, o que

viria acompanhado da autonomia administrativa das instncias

intermedirias do sistema de ensino, por meio das Divises

Regionais e Delegacias de Ensino. Essas aes, decorrentes

dos discursos que se constituram no contexto da

modernizao capitalista liberal, visavam propiciar uma

melhoria na qualidade do ensino e nas condies de trabalho

dos professores. (FRANCO & PRADOS, 2014, p. 3)

33

Especificamente no Governo Montoro, dentre as Polticas de Descentralizao,

temos os Programas de Municipalizao da Merenda Escolar, de Construes

Escolares, de Transporte de Alunos, de Formao Integral da Criana (PROFIC) e o

Ciclo Bsico.

Segundo Palma Filho (2003, pp. 24-25), a reforma curricular, iniciada em 1984,

orientou-se por um diagnstico dos contedos curriculares e do desenvolvimento do

trabalho pedaggico realizado nas escolas, e constatou-se:

1. O tratamento dos contedos curriculares desconhece

e/ou desconsidera as caractersticas do meio cultural da

maioria dos alunos [...]; 2. A transposio de modelos

curriculares estrangeiros tem levado a escola a um

alheamento em relao s nossas razes histricas e

culturais [...]; 3. O desenvolvimento dos contedos

curriculares de forma mecnica, estanque, segmentada,

compromete a unidade curricular e deixa lacunas na

formao do educando; 4. A avaliao, ao invs de ser

um recurso de aprimoramento do aluno, torna-se assunto

de competncia do professor, cujos critrios e

procedimentos adotados no costumam ser discutidos; 5.

A reprovao, usada por alguns para melhorar a

qualidade do ensino, muitas vezes castiga o aluno [...]; 6.

A discriminao dos alunos das camadas populares em

razo de sua maneira de vestir e expressar-se, que, por

ser diferente da do professor considerada imprpria e

inadequada

Apesar de a concretizao do processo de reestruturao curricular, atravs da

publicao final da Proposta Curricular no acontecer no Governo Montoro,

estendendo-se no Governo Qurcia, em 1988, estas serviram de base criao do

Ciclo Bsico.

A Secretaria da Educao do Estado de So Paulo, atravs da Coordenadoria

de Estudos e Normas Pedaggicas (CENP), realizou uma reviso curricular e

originou as Propostas Curriculares, propondo a organizao do Ensino de 1 Grau

em trs ciclos Ciclo Bsico, Ciclo Intermedirio e Ciclo Final. Contudo, essa

reorganizao do Ensino de 1 Grau em ciclos de estudos no vingou na Rede

Estadual, permanecendo apenas o Ciclo Bsico.

34

O Ciclo Bsico (CB), que abrangia as antigas 1 e 2 sries do antigo Ensino de

1 Grau (hoje ensino fundamental14, com o ingresso da criana aos 6 anos de idade

e durao de nove anos) foi institudo em dezembro de 1983, pela Secretaria da

Educao do Estado de So Paulo SEE, a partir do Decreto Estadual n 21.833.

Surgem ento, juntamente com o Ciclo Bsico, as discusses acerca da

Progresso Continuada. O regime de ciclos, bem como a progresso continuada,

ambos adotados na Rede Estadual Paulista, tinham o objetivo de regularizar o fluxo

de alunos ao longo da escolarizao; assegurando, com isso, o cumprimento dos

anos de estudos previstos para o ensino obrigatrio.

O discurso poltico-educacional que se manifestou aps essa

proposta se sustentou na ideia de que fossem oferecidas

melhores oportunidades para o processo de alfabetizao,

principalmente, para as crianas das classes populares, que

precisavam de mais de um ano para ser alfabetizadas.

(FRANCO & PRADOS, 2014, p.4)

Com isso, as antigas 1 e 2 sries do Primeiro Grau se tornaram contnuas, de

modo que os alunos no poderiam ser reprovados de uma srie para a outra,

apenas no final do Ciclo. A partir desta nova estruturao do Ciclo Bsico, algumas

medidas foram implementadas para dar suporte ao projeto, dentre elas:

Oferta de duas horas dirias de apoio pedaggico suplementar

aos alunos com dificuldade de aprendizagem, a realizao de

reunies de professores em horas extraordinrias e

recompensas na carreira dos docentes que atuassem com

turmas do Ciclo Bsico. (FRANCO & PRADOS, 2014, p. 218)

Surgiram, tambm, encontros e cursos de formao para os professores. Estas

aes tinham como objetivo uma mudana qualitativa da prtica docente, a partir de

aspectos tericos sobre as concepes de alfabetizao, bem como a prtica

pedaggica. Assim, segundo Duran (2003, p.65):

14 A alterao de Ensino de 1 Grau para Ensino Fundamental foi introduzida pela Constituio de 1988.

35

A linha de formao contnua dos professores para o trabalho

desseriado do CB foi extensiva, por meio da transmisso dos

programas do Projeto Ip e da discusso monitorada de

pequenos grupos atravs de textos sobre os temas dos

programas em telepostos. Essa linha de formao, embora

tenha a vantagem de atingir grandes contingentes em curto

perodo, um trabalho de superfcie, funcionando mais como

divulgao de ideias e propostas.

O Projeto Ip foi institudo tambm no Governo Montoro, como

complementao s aes do Programa I do qual fazia parte o Ciclo Bsico. Este

Projeto buscava promover, atravs de programas de televiso e com material de

apoio, a atualizao e o aperfeioamento do professor de 1 Grau. Dentre as aes

do Projeto Ip, Pereira (1994, p. 115) nos traz:

Proporcionou a produo de 53 programas de televiso, a

criao de telepostos (127), em nmero de 2.431 em 1984,

1.396 em 1985 e 1.500 em 1986, tendo 84.858 participantes

em 1984, 239.271 em 1985 e cerca de 100.000 em 1986. Este

projeto proporcionou ainda o desenvolvimento de 27 fascculos

de apoio 1985, num total de 1.300.000 exemplares, e de 5

documentos em 1986, num total de 760.500 exemplares.

Este material produzido e distribudo durante a execuo do Projeto Ip buscou

apresentar, de maneira ampla, as concepes de alfabetizao, os problemas e os

mitos que surgiam em torno do fracasso escolar e das novas fundamentaes de

trabalho com a alfabetizao.

Alm disso, o material priorizou tambm a discusso acerca dos problemas

gerais da educao no Brasil, como a escola pblica e sua seletividade, o fracasso

escolar, a evaso, a qualidade do ensino e a funo da escola pblica. Estes

materiais reuniram textos de autores renomados no campo educacional os

educadores progressistas dentre eles destacamos Telma Weisz que aparecer,

posteriormente, nas discusses acerca do Programa Ler e Escrever, do Governo de

Jos Serra (2007-2010).

A partir da anlise deste fragmento do que foi o Governo Montoro e suas aes

para a educao de maneira geral e, mais precisamente, para o Ciclo Bsico e a

36

alfabetizao, possvel perceber que, apesar de no serem Programas contnuos,

ambos possuem as mesmas bases e aes parecidas como a distribuio de

materiais e a formao de professores, por exemplo. Dessa forma, necessrio

frisar que, apesar de o recorte desta pesquisa centralizar-se a partir dos anos 90, o

Programa Ler e Escrever no foi, e no ser, o nico projeto com foco na

alfabetizao de alunos da Secretaria da Educao do Estado de So Paulo.

2.2. O PROGRAMA LER E ESCREVER

Com a obrigatoriedade, a partir da nova redao da Lei de Diretrizes e Bases

da Educao Nacional LDB n 9394/96, do ingresso ao Ensino Fundamental

ainda aos seis anos, novos desafios e inquietaes se despontam no cenrio

educacional, principalmente, no que tange o processo de aquisio da escrita.

Segundo Emlia Ferreiro e Ana Teberosky, deve-se (...) entender o caminho

que a criana dever percorrer para compreender as caractersticas, o valor e a

funo da escrita, desde que esta se constitui no objeto de sua ateno, portanto, do

seu conhecimento (FERREIRO e TEBEROSKY, 1985, p. 16).

possvel perceber, diante da fala destas duas pesquisadoras, a importncia

de uma boa formao para desenvolver intervenes pedaggicas eficazes,

garantindo, dessa forma, a aquisio do sistema de escrita, ainda no ciclo I.

Dlia Lerner (2002, pp. 27-29), com relao ao processo de alfabetizao, diz

em seu livro Ler e Escrever na Escola: o real, o possvel e o necessrio, que:

O desafio conseguir que os alunos cheguem a ser produtores

de lngua escrita, conscientes da pertinncia e da importncia

de emitir certo tipo de mensagem em determinado tipo de

situao social, em vez de se treinar unicamente como copistas

que reproduzem sem um propsito prprio o escrito por

outros, ou como receptores de ditados cuja finalidade

tambm estranha se reduz avaliao por parte do

professor. (...) O desafio conseguir que a escrita deixe de ser

na escola somente um objeto de avaliao, para se constituir

realmente num objeto de ensino (...) chegar a leitores e

produtores de textos competentes e autnomos.

37

Lerner defende, desta forma, a escrita como funo social e no apenas como

um objeto de avaliao dentro do espao da instituio escolar. O professor deve

conhecer a fundamentao terica do sistema de alfabetizao, para que suas

intervenes sejam pertinentes a estes objetivos, formando segundo palavras da

prpria autora - escritores e no apenas copistas. Desta forma, torna-se necessrio

um replanejamento dos objetivos educacionais, a partir das polticas pblicas.

Em agosto de 2007, na gesto do governador Jos Serra, por meio da

Resoluo SE n 86, de 19 de dezembro de 2007, foi definido o Programa Ler e

Escrever, implementado a partir de 2008 nas Escolas Estaduais de Ensino

Fundamental das Diretorias de Ensino da Regio Metropolitana da Grande So

Paulo. Conforme o artigo 1:

Art. 1 Fica institudo, a partir do ano de 2008, o Programa Ler

e Escrever, com os seguintes objetivos:

I alfabetizar, at 2010, a todos os alunos com idade de at

oito anos do Ensino Fundamental da Rede Estadual de Ensino;

II recuperar a aprendizagem de leitura e escrita dos alunos

de todas as sries do Ciclo I do Ensino Fundamental. (SO

PAULO, 2007)

Conforme a Resoluo SE 86, de 19 de dezembro de 2007, integram o

Programa Ler e Escrever:

Art. 2 Integram o Programa:

I Ler e Escrever na 1 srie do Ciclo I;

II Ler e Escrever na 2 srie do Ciclo I;

III Projeto Intensivo no Ciclo 3 srie PIC15

3 srie;

IV Projeto Intensivo no Ciclo 4 srie PIC 4 srie. (SO

PAULO, 2007)

Dessa forma, algumas expectativas de aprendizagem16 para o Ciclo I foram

detalhadas e dividas inicialmente - ao longo dos quatro anos que o integra.

15 PIC Programa Intensivo de Ciclo. So as extintas salas de aula que atendiam os alunos com defasagem de

contedos. Estas salas possuam um material didtico especfico e diferenciado.

38

Espera-se que os alunos, ao final do 1 ano do Ciclo I, desenvolvam competncias

para:

Participar de situaes de intercmbio oral, ouvindo com

ateno e formulando perguntas sobre o tema tratado;

Apreciar textos pertencentes a diferentes gneros (orais ou

escritos), para serem lidos autonomamente ou lidos por um

adulto,e recontar histrias conhecidas, recuperando algumas

caractersticas do texto ouvido ou lido;

Ler, com a ajuda do professor, diferentes gneros (notcias,

instrucionais, informativos, contos, entre outros), apoiando-se

em conhecimentos sobre o tema do texto, as caractersticas de

seu portador, do gnero e do sistema de escrita;

Ler, com autonomia, placas de identificao, nomes,

parlendas, adivinhas, poemas, canes, trava-lnguas, listas,

manchetes de jornal entre outros.

Escrever alfabeticamente textos que conhece de memria

(parlendas, adivinhas, poemas, canes, trava-lnguas, entre

outros), ainda que no segmentando o texto em palavras;

Escrever textos de autoria (listas, bilhetes, cartas, entre

outros) individual, em duplas ou ditando para o professor;

Reescrever textos (lendas, contos, entre outros) de prprio

punho ou ditando-os para o professor ou colegas,

considerando as ideias principais do texto fonte e algumas

caractersticas da linguagem escrita. (SO PAULO, 2006,

pp.19-20).

Ao final do 2 ano do Ciclo I, espera-se que os alunos tenham desenvolvido

competncias para:

Participar de situaes de intercmbio oral, ouvindo com

ateno, formular e responder perguntas, explicar e ouvir

explicaes, manifestar opinies;

16 Expectativas de Aprendizagem expressam aquilo que essencial ao aluno conhecer ao final de cada ano do

Ensino Fundamental e ao final do Ensino Mdio, dentro de cada contedo bsico definido nas Diretrizes. Por se

referirem a esses contedos, as Expectativas so amplas, e se apresentam como um norte, um objetivo final a

ser atingido, uma vez que prerrogativa da mantenedora definir o desenvolvimento bsico esperado para

todos os alunos, em todos os anos. (PARAN, Caderno de Expectativas de Aprendizagem, 2012, p. 5)

39

Ler, com autonomia, diferentes gneros (notcias,

instrucionais, informativos, contos, entre outros) apoiando-se

em conhecimentos sobre o tema do texto, as caractersticas de

seu portador, do gnero e do sistema de escrita;

Ler, com ajuda do professor, textos para estudar os temas

tratados nas diferentes reas de conhecimento (enciclopdias,

artigos, revistas, entre outros);

Reescrever textos (contos, lendas, entre outros),

considerando as ideias principais do texto fonte e algumas

caractersticas da linguagem escrita;

Escrever alguns textos de autoria (bilhetes, cartas, regras de

jogos, textos informativos, entre outros), utilizando alguns

recursos da linguagem escrita. (SO PAULO, 2006, p. 20).

Para o 3 ano do Ciclo I, os alunos devero desenvolver competncias como:

Participar de situaes de intercmbio oral que requeiram:

ouvir com ateno, intervir sem sair do assunto tratado,

formular e responder perguntas, explicar e ouvir explicaes,

manifestar e acolher opinies, adequar as colocaes s

intervenes precedentes, propor temas;

Saber selecionar textos em diferentes fontes para busca de

informaes;

Localizar informaes no texto apoiando-se em ttulos e

subttulos, imagens, negritos e selecionar as que so

relevantes, utilizando procedimentos de escrita, como copiar a

informao que interessa, grifar, fazer notas (em enciclopdias,

artigos, entre outros);

Ajustar a modalidade de leitura ao propsito e ao gnero

(histria em quadrinhos, texto informativo, instrucional, entre

outros);

Utilizar procedimentos e recursos prprios da produo

escrita (planejar o que for escrever, utilizar informaes

provenientes de fontes diversas, fazer rascunhos, revisar seu

prprio texto, discutir com outros leitores aspectos

problemticos do texto e reler o que est escrevendo, entre

outros);

40

Escrever alguns textos de autoria (bilhetes, cartas, regras de

jogo, textos informativos, contos, lendas, entre outros),

utilizando os recursos prprios da linguagem escrita;

Reler seus escritos assumindo o ponto de vista do leitor de seu

texto (revisar seu prprio texto cuidando de sua legibilidade).

(SO PAULO, 2006, pp. 21-22).

E ao final do 4 ano do Ciclo I, os alunos devero ter desenvolvido

competncias para:

Planejar e participar de situaes de uso da linguagem oral,

sabendo utilizar alguns procedimentos de escrita para

organizar sua exposio (cartazes, anotaes, Power Point,

entre outros);

Utilizar recursos para compreender ou superar dificuldades de

compreenso durante a leitura (pedir ajuda aos colegas e ao

professor, reler o trecho que provoca dificuldades, continuar a

leitura com inteno de que o prprio texto permita resolver as

dvidas, entre outros);

Utilizar procedimentos e recursos prprios da produo

escrita (planejar o que for escrever, estabelecendo os aspectos

fundamentais e sua ordem provvel; utilizar informaes

provenientes de fontes diversas; fazer rascunhos; revisar seu

prprio texto simultaneamente produo; discutir com outros

leitores aspectos problemticos do texto; reler o que est

escrevendo, entre outros);

Assumir o ponto de vista do leitor ao revisar os textos com

inteno de evitar repeties desnecessrias (por meio de

substituio, uso de recursos da pontuao, entre outros);

evitar ambiguidades, articular partes do texto (garantir

concordncia verbal e nominal);

Revisar o texto do ponto de vista ortogrfico, considerando as

regularidades ortogrficas e irregularidades de palavras de uso

frequentes, uso de maiscula e minscula, entre outras. (SO

PAULO, 2006, pp. 22-23).

Estas Expectativas de Aprendizagem, posteriormente, passaram a abranger os

cinco anos iniciais do ensino fundamental (1 ao 5 ano) e foram divididas a partir

41

das reas do conhecimento. A cada ano, as mesmas expectativas de aprendizagem

so exploradas, apenas aumentando os graus de complexidade.

O Programa Ler e Escrever j vinha sendo implementado, desde o incio de

2007, nas escolas municipais da capital paulista. Em 2008, o Ler e Escrever foi

ampliado para a regio metropolitana de So Paulo e, somente em 2009, para o

interior e litoral do estado. At o ano de 2010, o Programa Ler e Escrever atendeu

779.286 alunos matriculados no Ciclo I do Ensino Fundamental, conforme tabela a

seguir:

Tabela 1 Alunos atendidos pelo Programa Ler e Escrever, at o ano de

2010, com indicao dos graus de escolaridade.

Coordenadoria

Responsvel

Grau de Escolaridade Nmero de alunos

atendidos

GOGSP 1 ao 5 ano regular do

Ciclo I

4 e 5 ano PIC do Ciclo I

529.791

10.800

CEI 1 ao 5 ano regular do

Ciclo I

4 e 5 ano PIC do Ciclo I

237.721

974

Total 779.286

Fonte: Tabela elaborada pela autora a partir de dados retirados do Documento de Apresentao do

Programa Ler e Escrever17

.

A partir da Lei n 11.274/2006, o ensino fundamental passou a ser composto

por nove anos, ou seja, as crianas de 6 (seis) anos foram includas no ensino

fundamental. Na rede pblica de So Paulo, a deliberao CEE n 73/2008 que

regulamentou a implantao do ensino fundamental de nove anos. Com isso, no ano

de 2011, o primeiro ano passou a fazer parte do Programa Ler e Escrever, a partir

da publicao do Guia de Planejamento e Orientaes Didticas. (SO PAULO,

2014).

17 O Documento de Apresentao do Programa Ler e Escrever pode ser lido na ntegra. (C.f.:

http://lereescrever.fde.sp.gov.br.

42

O Programa Ler e Escrever consiste em uma poltica pblica educacional,

anunciado com fundamentao no construtivismo, onde, durante o ciclo I que hoje

compe os cinco primeiros anos do ensino fundamental , so realizadas atividades

que visam desenvolver as competncias leitoras e escritoras dos alunos da Rede

Estadual Paulista. Esse programa foi considerado pelo prprio governo como uma

decorrncia natural do Programa Letra e Vida (SO PAULO, 2008c, p.3).

Segundo a Secretaria de Estado da Educao este Programa se justifica pela:

Urgncia em solucionar as dificuldades apresentadas pelos

alunos de Ciclo I com relao s competncias de ler e

escrever, expressas nos resultados do SARESP 2005; a

necessidade de promover a recuperao da aprendizagem de

leitura e escrita dos alunos de todas as sries do Ciclo I; a

possibilidade de se investir na efetiva melhoria da qualidade de

ensino nos anos iniciais da escolaridade. (SO PAULO, 2007,

p.1).

Nesse sentido, a Secretaria de Estado da Educao (SEE) aponta, por meio

dos resultados obtidos no SARESP do ano de 2005 a necessidade de se atuar com

mais foco na alfabetizao dos alunos das sries iniciais (SO PAULO, 2008c, p.

3); e complementa justificando-se que o momento no de procurar culpados por

no termos resolvido essa questo at agora. A hora de dividir responsabilidades

e, com o empenho de todos, reverter esse quadro (SO PAULO, 2008c, pp. 3-4).

Apesar de os ndices demonstrarem resultados no satisfatrios nas avaliaes

de larga escala desenvolvidas pelo governo, estes parecem no mudar os rumos

das concepes pedaggicas adotadas pela SEE. Desta forma, curiosamente, o

Programa Ler e Escrever apresenta denominao e contedos muito parecidos com

uma publicao importante da dcada de 1990: Ler e Escrever, um grande prazer!

(SO PAULO, 1993).

A Secretaria da Educao do Estado de So Paulo, de acordo com o Anexo III

do Programa Ler e Escrever, tem a responsabilidade de:

1.Disponibilizar a todos os interessados a legislao, as

orientaes pedaggicas geradas pelo Programa Ler e

Escrever; 2. Designar profissionais responsveis pelo processo

de formao e acompanhamento do Programa no municpio; 3.

43

Organizar, em colaborao com o municpio, o cronograma de

realizao das aes do Programa na SEE; 4. Disponibilizar

espaos nas Diretorias de Ensino para encontros de formao

dos Coordenadores Gerais indicados pelos municpios; 5.

Disponibilizar as matrizes em arquivos eletrnicos com

qualidade para a impresso dos materiais do Programa, bem

como a listagem de todos os materiais de apoio necessrios

para seu desenvolvimento; 6. Orientar e apoiar a participao

dos municpios no SARESP. (SO PAULO, 2007)

Nesse sentido, o Programa Ler e Escrever tem como objetivos principais:

Apoiar o professor coordenador em seu papel de formador de

professores dentro da escola; apoiar os professores regentes

na complexa ao pedaggica de garantir aprendizagem de

leitura e escrita a todos os alunos, at o final da 2 srie do

Ciclo I do Ensino Fundamental; criar condies institucionais

adequadas para mudanas em sala de aula, recuperando a

dimenso pedaggica da gesto; comprometer as

Universidades com o ensino pblico; possibilitar a futuros

profissionais da Educao (estudantes de cursos de Pedagogia

e Letras), experincias e conhecimentos necessrios sobre a

natureza da funo docente, no processo de alfabetizao de

alunos do Ciclo I do Ensino Fundamental. (SO PAULO, 2011,

p.1)

O Programa objetiva solucionar os problemas de ensino-aprendizagem da

Rede Estadual atravs, unicamente, de aes baseadas nas mudanas do mbito

didtico, ignorando, quase sempre, a questo social e econmica que envolvem as

Unidades Escolares.

Para alcanar os objetivos propostos, os coordenadores pedaggicos so

convidados a participar de reunies de formao, nas Diretorias de Ensino, para o

trabalho com o material do Ler e Escrever. Estes coordenadores so os

responsveis por formar o corpo docente nas escolas, durante a HTPC (Hora de

Trabalho Pedaggico Coletivo), bem como auxilia-los nas intervenes pedaggicas

especficas para potencializar a aquisio da escrita, segundo o material do

programa.

44

Todos os professores tem formao continuada em perodo de

horas de trabalho e projetos coletivos HTPC coordenado pelo

professor-coordenador semanalmente. Ou seja, os professores

que participam do Programa Ler e Escrever tem quatro horas a

mais de formao para reflexo e planejamento de aes

pedaggicas para pleno desenvolvimento do programa.

(CAMACHO, 2010, p. 52).

As aes de formao envolvem as Diretorias de Ensino da Capital e incluem:

a formao de gestores (supervisores, assistentes tcnico-pedaggicos (ATP) e

diretores de escolas), com discusso de contedos que auxiliem na aprendizagem

dos alunos; e a formao pedaggica (para ATP e professores coordenadores), a

fim de aperfeioar a didtica e formao dos professores nas escolas.

Os encontros de formao acontecem: mensalmente, para os supervisores de

ensino, professores coordenadores das Oficinas Pedaggicas e diretores;

quinzenalmente, com professores coordenadores; e semanalmente, com as equipes

de formadores da Coordenadoria de Ensino e Normas Pedaggicas da Secretaria de

Estado da Educao, para superviso do trabalho desenvolvido.

Ao analisarmos a maneira como feita a formao dos professores para o

trabalho com o material didtico disponibilizado pelo Programa, possvel perceber

que essa formao se d em cascata, ou seja, os ensinamentos e contedos so

passados de forma hierrquica, partindo dos supervisores de ensino at, finalmente,

chegar s escolas, com os professores.

Como ao complementar, a partir do Decreto 51.627 de 1 de maro de 2007,

foi criado o Projeto Bolsa Escola Pblica e Universidade na Alfabetizao, conhecido

como Bolsa Alfabetizao18, onde algumas escolas contam com a participao de

alunos-pesquisadores estudantes do curso de Pedagogia, de licenciatura plena em

Letras e ps-graduao, Stricto Sensu, na rea de Didtica da Alfabetizao que,

a partir de observaes, registros e pesquisas, auxiliam os professores durante as

18 O Programa Bolsa Alfabetizao introduziu, em carter de colaborao, a participao de alunos das

Instituies de Ensino Superior na prtica pedaggica das salas de aula. (Fonte:

http://lereescrever.fde.sp.gov.br/SysPublic/InternaBolsaAlfabetizacao.aspx?alkfjlklkjaslkA=270&manudjsns=1&

tpMat=0&FiltroDeNoticias=3).

45

aulas, buscando entender como ocorre a aquisio da escrita e a melhor forma de

trabalho durante esse perodo.

O intuito que o aluno universitrio se torne um pesquisador e

que tenha vivncias pedaggicas significativas, tomando para

si os princpios da metodologia qualitativa mais adequada aos

propsitos de apoiar as salas de aula do Ciclo I e seus

professores titulares, propiciando o efetivo envolvimento com

os problemas prprios da transposio didtica, da gesto de

sala de aula e das relaes de ensino e aprendizagem na

alfabetizao (CAMACHO, 2010, p. 54).

A Resoluo SE-90, de 08 de dezembro de 2008, dispe sobre os objetivos

gerais e especficos, os conhecimentos, contedos e aes dos alunos

pesquisadores. Dentre esses objetivos esto:

Objetivos Gerais: 1. Possibilitar o desenvolvimento de

conhecimentos e experincias necessrios aos futuros

profissionais de educao sobre a natureza da funo docente

no processo de alfabetizao dos alunos da 1 srie do Ciclo I;

2. Apoiar os professores da 1 srie do Ciclo I na complexa

ao pedaggica de garantir aprendizagem da leitura e da

escrita a todos os alunos do ano letivo.

Objetivos Especficos: 1. Compreender que o fracasso da

aprendizagem no se justifica pelo erro ou falta do aluno, mas

tambm pelas inadequadas ou insuficientes condies de

ensino; 2. Construir conhecimentos sobre a prtica docente em

relao ao processo de aprendizagem dos alunos; 3. Apoiar e

subsidiar os professores-titulares na sistematizao de

contedos de Lngua Portuguesa, fortalecendo as relaes

entre ensino e aprendizagem, por meio da garantia de algumas

condies e orientaes didticas importantes no processo de

alfabetizao no Ciclo I.

Esta participao de alunos da graduao nas salas de aula de alfabetizao

deveria trazer contribuies efetivas para os dois lados: o aluno enriquece o trabalho

do professor em sala de aula com contribuies de seus estudos recentes com

relao alfabetizao; e o professor, por sua vez, contribui ensinando-o sobre a

46

prtica em sala de aula. Contudo, muitas vezes na prtica escolar, esta realidade

no se concretiza. possvel perceber, atravs das observaes das salas de aula,

um estranhamento por parte de muitos professores com relao