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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião O PROFETA E O RIO: dom Cappio e a polêmica da transposição Fábio Adriano de Queiroz BELO HORIZONTE 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

O PROFETA E O RIO: dom Cappio e a polêmica da

transposição

Fábio Adriano de Queiroz

BELO HORIZONTE 2010

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FÁBIO ADRIANO DE QUEIROZ

O PROFETA E O RIO: dom Cappio e a polêmica da transposição

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião.

Orientador: Professor Dr. Pedro A. Ribeiro de Oliveira

BELO HORIZONTE

2010

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Queiroz, Fábio Adriano de Q3p O profeta e o rio: dom Cappio e a polêmica da transposição / Fábio Adriano de

Queiroz. Belo Horizonte, 2011. 122f. Orientador: Pedro de Assis. Ribeiro de Oliveira Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião 1. Profetas. 2. Cappio, Luiz Flávio, 1946- 3. Transposição de águas. 4.

Religião. 5. Política ambiental. 6. Meio ambiente. I. Oliveira, Pedro de Assis Ribeiro de. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. III. Título.

CDU: 224.01

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FÁBIO ADRIANO DE QUEIROZ

O PROFETA E O RIO: dom Cappio e a polêmica da transposição Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião.

_____________________________________________________________ Prof. Dr. Pedro A. Ribeiro de Oliveira (Orientador) – PUC Minas

____________________________________________ Prof. Dr. Mauro Passos – PUC Minas

____________________________________________ Prof. Dr. Marcelo Ayres Camurça Lima – UFJF

Belo Horizonte, 15 de dezembro de 2010.

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A dom frei Luiz Flávio Cappio e a todos que abraçaram a causa do rio São Francisco, em especial os movimentos populares e o povo do sertão.

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AGRADECIMENTOS A Deus, minha base, minha essencial força, chama sagrada que me leva a sonhar com

um novo mundo.

A Franciane, minha esposa e amiga sempre presente. Encontrei em você energia,

carinho e fortaleza para a realização desse trabalho. Contigo me sinto feliz e realizado a

cada dia de minha vida.

A minha mãe, exemplo de persistência e conquista. Seu exemplo de coragem e

determinação foi fundamental para que eu seguisse em frente.

Ao Prof. Pedro, por me possibilitar o desenvolvimento da capacidade de escuta de uma

realidade marcada de sinais que apontam para uma nova consciência. Mais ainda,

agradeço-lhe muito pela atenção, o cuidado, a paciência, a sabedoria e os agradáveis

momentos de orientação.

Aos professores do Programa do Mestrado em Ciências da Religião da PUC-MINAS,

em especial, ao Prof. Flávio Senra, agradeço-lhe pelo carinho, a atenção e o

significativo trabalho realizado na coordenação do PPGCR.

Ao Prof. Mauro Passos, sempre atencioso e cuidadoso. Seus conselhos e orientações

provocaram a busca de valiosas leituras, fundamentais para a concretização deste

trabalho.

Ao Prof. Paulo Agostinho Nogueira Baptista, pelas inestimáveis contribuições, a leitura

cuidadosa e o incentivo de seguir adiante.

Ao Prof. Marcelo Ayres Camurça, pela contribuição intelectual, a leitura criteriosa e as

observações pertinentes, fundamentais para o aprimoramento desse trabalho.

A todos os amigos que, com sua ajuda, sabedoria, conselhos, sugestões e conversas,

contribuíram para execução deste projeto e por terem sido compreensivos em relação ao

meu confinamento.

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RESUMO Esta dissertação realizou um estudo sobre a dimensão profética do gesto de dom Frei

Luiz Flávio Cappio, de jejuar em defesa do rio São Francisco e de seu povo entre 26 de

setembro e 05 de outubro de 2005, em Cabrobó/PE, e de 27 de novembro a 20 de

dezembro de 2007, na cidade de Sobradinho/BA. Para uma melhor compreensão dos

respectivos períodos de jejum e oração de dom Cappio, fez-se necessário o

levantamento de cartas, notas, declarações, artigos e outros textos, produzidos nos dois

momentos supracitados. As informações contidas nos documentos escritos com

pertinência ao tema da pesquisa permitiram inferir uma posterior análise sociológica

sobre o fato social. Tendo como referencial teórico as contribuições de Max Weber e

Pierre Bourdieu acerca da categoria do profeta, a pesquisa analisou o papel de dom Frei

Luiz Flávio Cappio no processo de mobilização coletiva de setores da Igreja, do meio

político, dos movimentos sociais e povos que abraçaram a causa do bispo franciscano

de proteger o rio São Francisco. Foi realizado um estudo das condições sociais para sua

emergência enquanto liderança religiosa, assim como sua capacidade de colocar a

religião a serviço de uma causa política, social e ambiental. Para compreender a

natureza de sua atitude e a legitimidade daqueles que o reconheceram como profeta, a

presente pesquisa partiu da hipótese de que a transposição do rio São Francisco é

resultante de um cenário de crise ambiental que possibilitou o aparecimento de um

porta-voz que falasse em nome de sua população. Assim, através das contribuições da

categoria “profeta”, é possível analisar o significado dos dois períodos de jejum e expor

as dimensões religiosas, políticas e ambientais desse evento.

Palavras-chave: Profeta. Religião. Política. Meio Ambiente.

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ABSTRACT

This dissertation has accomplished a study on the prophetic dimensions of Friar Luiz

Flávio Cappio’s gesture of fasting in defense of the São Francisco river and its people,

from September 26th to October 5th, 2005, in the city of Cabrobó/BA. For a better

comprehension of the respective fasting and prayer periods, it was necessary to raise

letters, notes, declarations and old texts produced during the previously mentioned

periods of time. The information contained in these written documents, belonging to the

research theme, made it possible to infer a posterior sociological analysis on the social

fact itself. Having as a theoretical referential the contributions of Max Weber and Pierre

Bourdieu around the prophet category, the research analyzed Friar Luiz Flávio Cappio’s

role in the collective mobilization process of church sectors, of political environment,

social movements and peoples who have embraced the Franciscan Bishop’s cause of

protecting the São Francisco River. A study on the social conditions for his emergence

as a religious leader as well as his capacity of putting religion at the service of a

political, environmental and social cause was carried out. In order to comprehend the

nature of his attitude and the legitimacy of those that recognized him as a prophet, the

present research started from the hypothesis that the transposition of the São Francisco

River results from an environmental crime scenario that made the appearance of a

population’s spokesman possible. As such, through the contributions coming from the

‘prophet’ position, it is possible to analyze the meaning of both fasting periods and to

expose the religious, political and environmental dimensions of this event.

Key words: Prophet. Religion. Politics. Environment.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 8 2 O RIO SÃO FRANCISCO E A ATUAÇÃO DE UM BISPO CATÓL ICO......... 17 2.1 Os Caminhos do Rio São Francisco ...................................................................... 18 2.2 Referencial Teórico para uma Análise Documental............................................ 22 2.3 Os Dois Períodos de Jejum: uma Análise Documental ....................................... 23 2.3.1 O Primeiro Período de Jejum............................................................................... 26 2.3.2 O Segundo Período de Jejum............................................................................... 38 3 O BISPO E SEU POVO: EMERGÊNCIA DO PROFETA................................... 52 3.1 O Profeta e a Polêmica da Transposição.............................................................. 53 3.2 O Significante e o Significado: as Condições para a Emergência do Profeta ... 56 3.3 A Mudança Simbólica e o Trabalho Religioso..................................................... 61 3.4 A Crise: Palco de Atuação do Profeta .................................................................. 65 3.5 Dom Cappio e a Organização Popular ................................................................. 69 4 O PROFETA E O CAMPO CATÓLICO ............................................................... 75 4.1 Dom Cappio: Profeta e Sacerdote......................................................................... 77 4.2 A Polêmica na Igreja .............................................................................................. 82 4.3 Religião e Meio Ambiente: uma Experiência no São Francisco......................... 91 5 CONCLUSÃO.......................................................................................................... 101 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 107

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1 INTRODUÇÃO

As funções sociais da religião são múltiplas, pois se apresentam conforme as

peculiaridades históricas, culturais e naturais de cada sociedade. A influência sobre

determinados grupos, movimentos e povos pode ocasionar a deflagração de conflitos e

mobilizações. A religião opera na sociedade conforme cada conjuntura e contexto,

podendo gerar mudança de consciência, organização de classe e mobilização em busca

de transformações concretas.

A polêmica criada em torno do projeto de transposição das águas do rio São

Francisco1 constitui-se num significativo objeto de estudo histórico e sociológico, pois

mostra a luta de comunidades e grupos sociais que encontraram, numa liderança

religiosa, uma forma de situar-se, orientar-se e agir no seu meio socionatural. A

capacidade de tais grupos, movimentos e comunidades de transformar essa realidade

dependeu da aptidão de um bispo que escutou os clamores dessa gente e se opôs,

através de um gesto radical, ao Estado e às orientações eclesiásticas da Igreja Católica.

O jejum do bispo da Diocese de Barra, na Bahia, dom Frei Luiz Flávio Cappio2

1 No decorrer de nossa pesquisa, utilizaremos os termos “transposição”, “projeto de transposição” ou

“transposição das águas do rio São Francisco”. Todos eles fazem referência ao nome oficialmente denominado “Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional”, que se baseia num empreendimento do governo federal, sob responsabilidade do Ministério da Integração Nacional – MIN. O projeto foi orçado em R$ 4,5 bilhões e prevê a construção de dois canais que totalizam 700 quilômetros de extensão no sertão. Baseia-se na transposição de parte das águas do rio São Francisco, que, teoricamente, irrigará a região Nordeste e semiárida do Brasil. A polêmica criada por esse projeto é a de que possa levar água apenas a 5% do território e a 0,3% da população do semiárido brasileiro e que, se tal obra seguir adiante, causará um impacto ambiental irreversível em toda bacia desse rio. Há também inúmeras argumentações de que esse projeto privilegiará apenas grandes empresários e latifundiários, deixando o problema da seca em segundo plano (AB’SABER, 2008).

2 Assim como o termo “transposição das águas do rio São Francisco” remete a várias outras abreviações e designações, o mesmo equivale a dom Luiz Flávio Cappio, que também é citado em nossa pesquisa como “dom Cappio”, “dom frei Luiz Flávio Cappio” “frei Luiz” ou “frei Luiz Flávio Cappio”. Esse protagonista das discussões em torno da transposição é originário do estado de São Paulo, onde se ordenou frade franciscano em 1971 e exerceu trabalhos junto à pastoral operária na periferia. Há mais de 30 anos foi para o sertão nordestino. Desde a década de 90, engendra uma campanha de preservação e revitalização do rio São Francisco, através de caminhadas, celebrações, encontros e debates sobre a questão ambiental na bacia são-franciscana. Entre 1992 e 1993, peregrinou seis mil quilômetros, da nascente do rio até a foz, visitando diversas comunidades, o que deu origem à obra “O Rio São Francisco – uma caminhada entre vida e morte” . Em 6 de julho de 1997, foi ordenado bispo da Diocese de Barra (BA). Em 2005 e 2007, tornou-se conhecido internacionalmente devido a duas greves de fome contra o projeto de transposição do Velho Chico (MOREIRA, 2008c, p.18-20)

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– o primeiro em 2005, e o segundo em 2007 – em defesa do rio São Francisco3,

desencadeou as mais diversas reações no seio da Igreja e no meio político, situação que

culminou num conjunto de documentos que procuraram narrar, compreender, criticar,

apoiar e condenar a postura do bispo. Sua atitude arrebanhou artistas, movimentos

sociais e órgãos técnicos, além de ganhar repercussão no exterior e fomentar

mobilizações de apoio na luta pelo rio São Francisco e em benefício da população

ribeirinha. Através dessa mediação religiosa, foram desenvolvidas espontâneas e

organizadas ações de protesto local, realizadas por movimentos populares e com

objetivo político de participar do processo de discussão sobre a revitalização do rio São

Francisco.

A polêmica da transposição das águas do rio São Francisco se fez presente nas

mobilizações que envolveram a participação de grupos, povos, personalidades e

movimentos sociais em torno do gesto de dom Luiz Flávio Cappio. De acordo com o

próprio bispo, que diz que, “quando a razão se extingue, a loucura é o caminho”4, o

“jejum” foi o último recurso para interromper o projeto de transposição, proteger o rio e

sua população. Tanto do ponto de vista religioso quanto do político, foi um momento de

incômodo para a Igreja e o governo federal, principalmente porque o bispo mantinha

uma ligação de mútua estima com o presidente da República desde a organização do

Partido dos Trabalhadores (PT) até o momento em que, eleito presidente, decidiu levar

em frente o projeto da transposição.

Dom Cappio considerou o projeto inviável para a solução da seca no sertão e

catastrófico para o meio ambiente. Após várias tentativas frustrantes de se estabelecer

um debate junto ao governo e à sociedade, para colocar em pauta a eventual

transposição e apresentar alternativas para a solução da seca nordestina, o bispo partiu

para uma atitude extrema: tentar manter-se em jejum e oração até que o projeto fosse

interrompido. No entanto, apesar de a interrupção total não ter ocorrido, dom Cappio

arrebanhou multidões, gerou divergências no seio da Igreja, desobedeceu ao Vaticano,

perturbou o Estado e, através de seu gesto e seu discurso, chamou a atenção da

sociedade para a questão socioambiental. 3 O rio São Francisco possui uma extensão de 2.800 quilômetros. Ele nasce no município de São Roque de Minas, na serra da Canastra, em Minas Gerais, e suas águas percorrem a Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, para desembocar no oceano Atlântico, na divisa entre esses dois últimos estados. Esse rio possui uma relevância econômica para todas as regiões por onde passa, pois contribui para a irrigação de plantações, possibilita o desenvolvimento da pesca e serve de via para o transporte de mercadorias como: sal, arroz, soja, açúcar, areia, cimento e manufaturados (ROCHA, 2004).

4 Cf. Trecho da declaração “Uma vida pela Vida”, que marca o primeiro período de jejum de dom Cappio, entre 25 de setembro de 2005 e 6 de outubro desse mesmo ano.

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Toda essa realidade contribuiu para o crescimento de uma nova consciência5,

que se faz universal. Nas palavras de Cristián Parker G. (2010), é uma consciência

planetária6 que surge em função das mudanças bruscas sentidas pela Terra desde os

últimos decênios do século XX. Ela vai ao encontro de uma situação de crise ambiental7

que começa a se desenhar nos anos de 1970 a partir de importantes discussões no trato

da questão e ganha corpo nos propósitos da Carta da Terra8, condicionando assim o

papel da religião e dos movimentos sociais na sociedade, com suas interpretações e

práticas.

O episódio em torno de dom Cappio está em consonância com um conjunto de

valores abraçados pelos movimentos sociais e voltados para a preservação do planeta no

presente momento de nossa historia. Esses mesmos valores levam diversas pessoas a

tomar posição em favor da vida na Terra. De acordo com Pedro A. Ribeiro de Oliveira

(2009b), vivenciamos um momento marcado por uma nova consciência, que vai além

da consciência ecológica pelo fato de ultrapassar a responsabilidade humana de cuidar

da Terra. A consciência planetária coloca o ser humano como um membro entre outros

5 De acordo com Pedro A. Ribeiro de Oliveira, “para todos esses movimentos a ‘consciência’ é o

elemento ideal que articula o autoconhecimento (quem somos), o conhecimento experiencial da realidade (o que é o mundo) e o critério ético para o agir transformador (em que aspecto esse mundo deve ser mudado)” (OLIVEIRA, 2009a).

6 Para Cristián Parker G. (2010, p. 29), a consciência planetária contempla as “vertentes: ambiental, cósmica, ecológica, de fontes de energia, e inclusive mística”. Ela faz com que o ser humano se coloque na condição de integrante do planeta e se posicione frente às graves situações que ameaçam a vida de tudo e de todos. De acordo com Pedro A. Ribeiro de Oliveira, os movimentos sociais atuam em defesa da vida da Terra porque estão respaldados por um conjunto de valores que motivam suas ações. Assim, a “consciência planetária” suscita os movimentos a atuarem em prol do bem-estar de todos os seres vivos e da comunidade humana. Ela se volta para a responsabilidade de cada ser humano com o planeta. Como a ideia de “consciência planetária” ainda é vaga, a “Carta da Terra” expressa de forma documental esse novo pensamento (OLIVEIRA, 2008, p. 29-42).

7 Segundo Sirvinskas (2005, p. 23), a crise ambiental não é uma realidade apenas deste novo milênio: ela remonta a muitos séculos atrás. Nas palavras dele, “a crise ambiental surge entre a Idade Média e a Moderna, especialmente no período da Revolução Industrial, pois começaram as agressões à natureza...”. Principalmente com a Revolução Industrial, nos séculos XVIII e XIX, presenciamos a utilização desenfreada de diversos recursos naturais. Para Barcellos (2008, p. 109-123), a crise ambiental aparece como um grande desafio neste século XXI e aponta para a urgência de novas formas de relações sociais de produção, fato que excede os patamares físicos e químicos da natureza. Ela é uma crise da civilização contemporânea, pois coloca em dúvida os valores culturais, políticos e econômicos que garantiam certa segurança à humanidade.

8 De acordo com Boff (2008), a Carta da Terra é uma declaração de princípios éticos necessários para a construção de uma sociedade justa, pacífica e sensível aos problemas ambientais. Sua construção derivou de uma ampla discussão nos anos 80 do século XX, vindo a ser ratificada em março de 2000. Sua elaboração envolveu a participação de mais de 4.500 organizações, incluindo vários organismos governamentais e organizações internacionais. Ela reconhece que os objetivos de proteção ecológica, erradicação da pobreza, desenvolvimento econômico equitativo, respeito aos direitos humanos, democracia e paz são interdependentes e indivisíveis. Busca inspirar todos os povos a alcançar um novo sentido de interdependência global e responsabilidade com o meio ambiente, no intuito de garantir a vida das futuras gerações. O texto da carta da Terra encontra-se disponível na home Page da “Carta da terra em ação”.

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na morada comum que é a Terra. Essa consciência vem dizer que o ser humano

enquanto ser pensante se diferencia dos outros seres bióticos e abióticos; todavia, isso

não lhe dá o direito de se colocar acima de tudo e de todos “a ponto de arrogar-se o

direito de considerar os outros seres vivos como coisas das quais se dispõe à vontade”

(OLIVEIRA, 2009b, p.30). Ela pode ser comparada a uma árvore cujas raízes são locais

e seus galhos são o pensamento que ultrapassa as fronteiras de países e continentes.

O tema proposto para esta pesquisa – “O profeta e o Rio: dom Luiz Flávio

Cappio e a polêmica da transposição” – está em função da busca da compreensão

sociológica de um líder religioso e também intelectual, cuja postura ética causou

controvérsias na Igreja, na política e nos meios de comunicação. Torna-se também

importante o estudo da contribuição desse gesto religioso nas mudanças de pensamento

e comportamento na relação entre ser humano e natureza e sua repercussão nos meios

religioso, político e social.

É sobre a dimensão profética do gesto de dom Luiz Flávio Cappio que este

trabalho versará, pois ela nos permite compreender a articulação dos movimentos

sociais por uma causa socioambiental, fato que levou tantas pessoas a tomarem posição

em seu favor. Sua atitude chama a atenção para o meio ambiente e as relações que a

sociedade entretém com ele, sejam elas benevolentes ou agressivas. Adentra os campos

político e social quando fala da seca e do impacto do projeto sobre a população do

sertão. Desperta para a necessidade de uma relação de respeito com a natureza, pautada

pela justiça ecológica, de maneira que o acesso aos recursos naturais ocorra de forma

equânime e gere qualidade de vida.

Sua posição em defesa do meio ambiente representa um fato específico situado

numa dimensão global. O acelerado processo de degradação ambiental cria

paradoxalmente uma consciência que, por sua vez, termina repercutindo na vida social,

cultural e política de diversas sociedades; portanto, grupos, entidades e movimentos

sociais se organizam no intuito de garantir a sobrevivência do planeta (IANNI, 2001).

No caso das discussões acerca da transposição, presenciamos uma expressão

religiosa intimamente ligada a uma vivência regional que produz, a partir dela, um

discurso em sintonia com o atual cenário ambiental e que reforça a vitalidade da

consciência planetária. Ela é uma das inúmeras manifestações que emergem em todo o

planeta, revelando, ao mesmo tempo, uma insatisfação com o atual modelo de

desenvolvimento econômico e a necessidade de medidas de proteção socioambiental.

Mais ainda, ela se liga aos inúmeros apelos de justiça social e aos sentimentos de

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indignação ainda soltos e silenciosos, mas que se canalizam para uma nova visão de

mundo, unificada, orgânica e espiritual (BOFF, 1993).

Os principais motivos que conduziram à presente pesquisa foram a busca do

significado do gesto de dom Luiz Flávio Cappio, o estudo de sua polêmica na sociedade

e na Igreja, e a ligação desse fato com uma realidade marcada por uma crise ambiental

contemporânea. A atitude religiosa de defender o rio São Francisco através do jejum e

da oração aponta para a necessidade de compreender as possibilidades de transformação

da consciência e dos comportamentos individuais e sociais no sentido de valorização da

vida e das relações humanas com a natureza.

O problema ambiental não se restringe hoje aos movimentos ambientalistas;

ganhou uma dimensão mundial, pois muitos cientistas, técnicos e entidades religiosas

constataram que a Terra encontra-se num acelerado processo de degradação em função

do modelo de desenvolvimento econômico predominante há séculos e que, agora, com o

mundo globalizado, alcançou seu ápice (BAPTISTA, 2008).

A atitude de dom Cappio revela um momento em que a questão ambiental saiu

de seu nicho e atingiu também a dimensão religiosa. A pesquisa sobre esse episódio

encontrou na postura desse bispo a possibilidade de confirmar o encontro do religioso

com o ecológico e o nascer de uma consciência, na contemporaneidade, que liga – ou

religa – o ser humano à natureza. Neste contexto, os movimentos sociais foram

motivados não somente por uma causa social, mas também sagrada, na medida em que

o rio São Francisco foi reencantado e foram descobertos, no gesto de dom Cappio,

novos sentidos para sua atuação. Nas palavras de Leonardo Boff,

O reencantamento não emerge voluntaristicamente; surge quando alargamos nosso horizonte, para além daquele da racionalidade moderna, e nos damos conta, pelo conhecimento simbólico e místico, de que o mundo é portador de uma mensagem e de um mistério. (BOFF, 1993, p. 78)9.

Assim, a polêmica da transposição desvela uma nova aproximação entre ser

humano e natureza, e coloca em relevo o papel da Igreja e das demais religiões no apoio

aos movimentos populares que abraçaram a causa ambiental e social. Tais

considerações expõem a necessidade da religião em responder aos dilemas e

perspectivas da humanidade frente aos problemas ambientais “num tempo de

9 A grafia dos trechos retirados de todas as obras adotadas neste estudo será modernizada conforme o

Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa firmado em 1990 e que passou a vigorar em 2009.

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velocíssima transformação e de profunda mudança na percepção das pessoas”

(BAPTISTA, 2009 p. 142).

O projeto de transposição das águas do rio São Francisco apresentado pelo

governo federal fez levantar uma série de opiniões éticas e religiosas nos meios de

comunicação, além de despertar debates acerca do conjunto das relações existentes entre

meio ambiente, religião e política na contemporaneidade. A maior divergência relativa a

esse fato recaiu sobre o bispo franciscano dom Luiz Flávio Cappio, que se posicionou

contra o projeto de transposição através de uma solitária atitude de jejuar até que o

mesmo fosse suspenso. Dom Cappio propôs defender, até a morte, o rio e aqueles que

vivem do rio, caso o governo não abrisse uma discussão mais profunda com a

sociedade. Além disso, discursou em nome do povo do sertão da Bahia e interpelou

movimentos sociais, artistas, intelectuais, órgãos e instituições, que se sensibilizaram

com suas palavras. Neste sentido, seu gesto foi uma espécie de mola propulsora no

exercício da participação social, pois terminou provocando em diversos povos um

conjunto de atitudes coletivas que levaram à mobilização.

Tudo desperta a ideia de que os problemas sociais podem influir de forma

significativa sobre a religião e que esta pode atuar sobre eles como força estimulante no

processo de legitimação das forças dominantes ou como força deslegitimadora capaz de

apontar para novos caminhos. Há na disputa da transposição um modo original de

organização e ação de diversos grupos populares que faz urgir um estudo sociológico

acerca da postura religiosa de dom Luiz Flávio Cappio e da mobilização em torno de

seu gesto radical, e que esta análise mostra ser profético.

Portanto, à luz das contribuições de Max Weber e Pierre Bourdieu acerca da

categoria do profeta, analisamos o papel de dom Luiz Flávio Cappio no processo de

mobilização coletiva para proteger o rio São Francisco, assim como sua capacidade de

colocar a religião a serviço de uma causa social e ambiental. Ao mesmo tempo,

estudamos as condições sociais para sua emergência enquanto liderança religiosa. Seu

gesto, seu discurso e a função desempenhada na organização autônoma de diversos

povos foram objetos de nossa análise. Para compreender a natureza de sua atitude e a

legitimidade daqueles que o reconheceram como profeta, a presente pesquisa parte da

hipótese de que a transposição do São Francisco é resultante de um cenário de crise

ambiental que possibilitou o aparecimento de um porta-voz que falasse em nome de

uma população colocada, amiúde, à margem das discussões sobre os caminhos desse

rio.

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Assim, através das contribuições da categoria “profeta”, é possível analisar os

dois períodos de jejum. Coube então o desafio de aliar as teorias sociológicas acerca do

profeta aos dois períodos de jejum de forma flexível e respeitando as peculiaridades

desses inflamados momentos de protesto. De acordo com Bourdieu (2005), o profeta é

aquele que proporciona uma verdadeira criação religiosa a partir dos sentimentos e das

palavras de um povo. Logo, a força, a coerência particular, a disposição ética ou política

são características únicas desse protagonista que, juntamente com as insatisfações já

presentes numa realidade, possibilitam sua atuação. O profeta se apoia na vontade de

mudança que se encontra “em estado implícito, em todos os membros da classe ou do

grupo de seus destinatários” (BOURDIEU, 2005 p. 74). Assim, as condições sociais e

políticas de uma sociedade são um terreno fértil para essa atuação, que faz ser ele um

produto de sua própria história e, ao mesmo tempo, um agente que a transforma.

O protesto de dom Cappio sensibilizou a população ribeirinha, os movimentos

sociais, as organizações populares, como também a Conferência Nacional dos Bispos do

Brasil (CNBB), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Sociedade Brasileira para

o Progresso da Ciência (SBPC) e demais entidades, além de técnicos, artistas e

intelectuais que endossaram a postura do bispo em sua atitude de contestação.

Por outro lado, ele incomodou o governo federal, o Vaticano e diversos

segmentos e membros da Igreja Católica. Em virtude de sua postura radical, provocou

discussões e desencadeou uma avalanche de debates e artigos envolvendo religião,

política e meio ambiente. O ápice foi quando o bispo, através da oração e do jejum por

tempo indeterminado, decidiu doar sua vida para salvar o rio e seu povo, caso o projeto

não fosse interrompido e o governo federal não abrisse um diálogo com a sociedade.

A complexa tarefa de estudar, sem cair no senso comum, uma problemática

religiosa atrelada à questão ambiental implica a necessidade de um estudo científico que

exponha as dimensões religiosas, políticas e ambientais desse evento. Portanto é

importante uma análise, à luz da sociologia da religião, dos traços e das características

do profeta para a compreensão da polêmica da transposição. Cabe ressaltar que as

palavras e o gesto de dom Cappio estão enraizados numa realidade histórica, social e

cultural que conferiu rico significado para sua ação e lhe possibilitou a organização de

movimentos e grupos sociais.

O presente estudo exigiu uma pesquisa documental e bibliográfica ampla e teve

como principais referências teórico-metodológicas os estudos sociológicos de Max

Weber, Pierre Bourdieu e outros autores que se dedicaram a estudar a religião e sua

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influência na sociedade, nos auxiliando a vislumbrar melhor o contexto em que emerge

o profeta. Por fim, utilizaremos como fonte primária documentos que mostram a

correnteza de reações derivadas da atitude de dom Luiz Flávio Cappio e, em seguida,

partiremos para uma análise sociológica.

Já para uma análise acerca do meio ambiente, nos apoiamos principalmente nos

estudos de Enrique Leff, Milton Santos, Carlos Walter Porto-Gonçalves10 e outros

estudiosos que se voltam para a questão da sustentabilidade, dos movimentos sociais na

defesa do meio ambiente, da crise ambiental e da consciência ecológica no contexto da

globalização.

No intuito de contemplar o objetivo proposto, a presente pesquisa está

estruturada em três importantes momentos. Um primeiro capítulo, voltado para uma

narrativa historiográfica através dos documentos originados pelo gesto de dom Cappio.

O mesmo assenta-se sobre os alicerces de uma documentação escrita nos dois períodos

de jejum e oração11: o primeiro, entre 26 de setembro e 5 de outubro de 2005, em

Cabrobó/PE; e o segundo, entre 27 de novembro e 20 de dezembro de 2007, na cidade

de Sobradinho/BA. Duas intensas ocasiões que se configuraram um controverso cenário

de reflexões, protestos, mobilizações, angústias e expectativas, ao ponto de incomodar a

Santa Sé, o governo federal e a opinião pública, além de dividir opiniões nos meios

político e religioso.

O segundo capítulo tratará da análise sociológica do profeta na polêmica da

transposição. Nesse momento, pretende-se ressaltar esse papel profético a partir da

dinâmica de atuação de dom Luiz Flávio Cappio no processo de arrebanhamento dos

movimentos sociais e da repercussão de sua postura na sociedade. Muitas considerações

realizadas sobre a categoria do profeta possibilitam compreender por um lado

sociológico os dois ciclos de “jejum e oração”12.

No terceiro capítulo, será analisado o gesto de dom Cappio frente à Igreja

Católica e a relação com a questão ambiental. Destacamos também o contexto histórico

desse protagonista e sua atividade em socorro do povo do semiárido. Cabe salientar a

10 Trataremos desses autores e dos respectivos tópicos de estudo, com mais detalhes, nos capítulos que se

seguem. 11 Os termos “jejum e oração” e “greve de fome” foram usados para classificar a atitude de dom Cappio

sem uma nítida distinção. Todavia, de acordo com Jung Mo Sung, há diferença: enquanto a greve de fome se reduz a uma forma de protesto político ou social, o jejum busca a transformação política por meio de uma mudança de consciência, o que revela o poder simbólico da religião.

12 Consideramos o “jejum e oração” uma atitude religiosa, na medida em que integra outras práticas religiosas (ritos, liturgias, celebrações) da Igreja, e um fenômeno social pelo fato de desencadear diversas reações na sociedade e especificamente na instituição católica.

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análise da sua condição de sacerdote como forma de protesto escolhida para interromper

o projeto de transposição que tanto impactou o meio eclesiástico.

Por fim, o enfoque da pesquisa é sociológico e busca compreender as

divergências sobre a transposição tendo como base teórica os estudos sobre a figura do

profeta, pois a mesma, em muitos aspectos, apresenta elementos para a compreensão da

história de um bispo franciscano da Diocese da Barra-BA que decidiu, a partir de uma

postura radical, defender o rio São Francisco e o povo que vive às suas margens, do

projeto de transposição do governo federal. Neste sentido, toda uma mobilização

ocorreu à sua volta, tendo uma peculiar linguagem religiosa e política que foi ao

encontro de uma demanda social que apontou para uma mudança simbólica13 e esteve

em conformidade com uma lógica de pensamento voltada para a conservação do meio

ambiente no mundo contemporâneo.

13 Trataremos adiante da questão sobre a mudança simbólica, pela perspectiva dos estudos de Pierre

Bourdieu.

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2 O RIO SÃO FRANCISCO E A ATUAÇÃO DE UM BISPO CATÓL ICO

A luta de dom Luiz Flávio Cappio pela revitalização do rio São Francisco

remonta a 1992, quando, ainda padre, ele, juntamente com uma equipe, realizou uma

peregrinação ecológica da nascente do rio, na serra da Canastra, em Minas Gerais, até a

foz, no oceano Atlântico, entre Alagoas e Sergipe14. A viagem envolveu a participação

de entidades e instituições, e foi marcada por celebrações realizadas em diversas

comunidades à beira-rio e na caatinga. Ela teve como principal objetivo pesquisar o São

Francisco e os diversos vilarejos localizados na região.

A partir de 2005, quando o projeto do governo federal começou a ser posto em

prática, o bispo iniciou sua luta contra a transposição das águas são-franciscanas,

embate que repercutiu na sociedade e na Igreja. Entre 26 de setembro e 5 de outubro de

2005, o bispo adotou uma postura radical em relação ao projeto do governo federal: fez

um jejum de 11 dias, em Cabrobó/PE. Tentou com esta postura defender um projeto de

revitalização para o rio São Francisco e abrir uma discussão com a sociedade sobre a

transposição.

No entanto o diálogo não ocorreu; então, após dois anos, entre 27 de novembro e

20 de dezembro de 2007, em Sobradinho/BA, dom Cappio se pôs novamente em jejum.

Nesse período, sua atitude alcançou os diversos meios de comunicação, foram muitos os

artigos de especialistas a favor e contra seu gesto. Dom Cappio foi considerado por

muitos como pastor e profeta que clamava, na sequidão do sertão, por justiça social e

respeito ao meio ambiente. A inédita ação de um bispo da Igreja Católica de jejuar

oferecendo a própria vida na tentativa de condicionar o governo a propor alternativas

para a seca no sertão ganhou uma dimensão simbólica que repercutiu no Brasil e no

mundo.

Neste sentido, o presente capítulo expõe o palco de atuação de dom Cappio

através de um pequeno estudo sobre o rio São Francisco, com seus aspectos históricos,

naturais e culturais. Em seguida, versa sobre a narrativa dos dois períodos de jejum com

o objetivo de expor a polêmica na sociedade, nos meios político e religioso.

14 Nesta peregrinação, destacamos a presença de irmã Conceição Tanajura Menezes, do lavrador e

garimpeiro Orlando Rosa de Araújo e do sociólogo e ecologista Adriano Martins.

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2.1 Os Caminhos do Rio São Francisco

A bacia do São Francisco15 pode ser analisada como uma arena marcada por

conflitos sociais em consequência das situações de povoamento e dominação ao longo

de nossa história. Tal rio não somente recebeu várias correntes étnicas, como uniu

diversas raças e culturas desde as camadas humanas mais antigas às estruturas étnicas

lusitanas e africanas que ocuparam sua bacia durante o período colonial, em específico

no século XVII16. Sua história se mescla às lendas dos povos com suas tradições orais

intimamente ligadas aos aspectos naturais da região. Conta-se que a origem do rio está

relacionada a um episódio ocorrido na serra da Canastra, Minas Gerais.

Viviam os índios, nos chapadões, em várias tribos felizes. Entre esses estava uma linda mulher, a doce Iati. Era noiva de um forte guerreiro, quando houve uma guerra nas terras do norte e todos os guerreiros se foram para a luta. Eles eram tantos que os seus passos afundaram a terra formando um grande sulco. Entre eles se foi o noivo da formosa índia que, tomada de saudades pelo seu amado, chorou copiosamente. Suas lágrimas foram tantas que escorreram pelo chapadão despencando do alto da serra formando uma linda cascata, e, caindo no sulco criado pelos passos dos Guerreiros, escorreram para o norte e lá muito longe se derramou no oceano, e assim se formou o rio São Francisco.17

O rio São Francisco desempenha um papel único, na história do Brasil, de

condicionar a instalação e a formação de comunidades com específicas culturas.

Conforme Gabriela Martin Ávila (1998), o Velho Chico foi um polo de agrupamentos

indígenas pré-históricos milhares de anos antes da ocupação lusitana. Há inúmeros

indícios sobre povos e culturas que se firmaram às suas margens, além do registro de

pinturas e gravuras rupestres retratando momentos de caça, lavoura, pesca e a criação de

animais, revelando assim, uma história que confirma a presença de comunidades

indígenas no vale do São Francisco.

A região também é marcada por conflitos históricos devido à criação do gado,

no século XVII; da mineração, no século XVIII; da caça ao índio para suprir mão de

15 De acordo com o Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco,

elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente /ANA/GEF/PNUMA/OEA, de 2004, a bacia hidrográfica são-franciscana abrange áreas pertencentes a Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e uma pequenina porção de Goiás e do Distrito Federal.

16 Para o estudo do rio São Francisco ao longo da história do Brasil, além de outras obras historiográficas, foi fundamental o trabalho de Marcos Antônio Tavares Coelho “Os Descaminhos do São Francisco” (2005).

17 Lenda narrada pelo prof. José Theodomiro de Araújo (2010), intitulada “A Lenda da Origem do Rio”, conforme home page do Vale do São Francisco.

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obra escrava; da busca de metais preciosos, especiarias e drogas do sertão (SILVA,

1990). Por outro lado, se apresenta como um espaço onde se tecem microrredes de

relações sociais através de seus vilarejos e comunidades. O rio São Francisco enquanto

eixo central possibilitou a ocupação, a condensação e a distribuição de correntes

humanas que povoaram todo o território nacional; portanto foi local de encontro de

diversas culturas que se expandiram por todo o Brasil. Foi às margens do Velho Chico

que diferentes povos se encontraram, se agruparam e se homogeneizaram com o

ambiente natural. Essa relação entre o meio natural e o social tanto permitiu a cada

pessoa situar-se no seu ambiente e nele atuar, como também possibilitou a construção

de representações religiosas de mundo que estruturaram a experiência dessa gente.

Os mitos, as lendas e as superstições têm raízes profundas na mente do sertanejo. Como as plantas mais selvagens que resistem às agruras da seca, essas crenças ingênuas persistem nele, malgrado as investidas de indescritíveis sofrimentos – de incalculáveis privações. [...] Tem-se a impressão de que não existem fronteiras entre a natureza e o homem nos lugares mais afastados do que chamamos de civilização. Devido, talvez, à ausência de estímulos externos, de influências vindas de fora, seu mundo interior povoa-se de seres misteriosos. [...] Para ele (o sertanejo) tudo é parte do mesmo mistério imenso. Aceita sem espanto o inusitado porque, de coisas mais estranhas, já tomou conhecimento. [...] Ele, destemido, capaz de enfrentar no matagal qualquer perigo, recua diante de forças misteriosas que regem os destinos dos homens. E tira o chapéu. E faz o sinal da cruz. (UNGER, 1978, p. 36-37).

A bacia do São Francisco é moldada por diversas crenças representadas na

natureza, nas lendas, nos mitos e nas tradições étnicas que fazem parte da identidade

dos povos ribeirinhos. Somam-se a esse cenário as romarias de milhares de fiéis que

seguem a pé, de barco, em paus-de-arara, em jegues e carros de boi, por exemplo, para

cumprir suas promessas no santuário de Bom Jesus da Lapa (COELHO, 2005). Com

tudo isso, se verifica a existência de um conjunto de práticas religiosas que não

dependem de uma intervenção do poder eclesiástico para sua execução e que colorem o

campo religioso brasileiro, revelando uma interação significativa com a natureza, os

símbolos e os santos do catolicismo popular18.

18 De acordo com Pedro A. Ribeiro de Oliveira (1985), o catolicismo popular pode ser compreendido

como as representações religiosas que estão do lado de fora da instituição. São os cultos e práticas religiosas que não necessitam da catequese e da mediação do sacerdote para serem efetivadas.

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O campo religioso brasileiro19 é marcado de forma significativa pelo

catolicismo; entretanto não podemos omitir que esta mesma religião vem perdendo

espaço nas últimas décadas. Conforme o estudo de Alberto Antoniazzi sobre as religiões

do Brasil, com base nos dados do senso de 2000 do IBGE:

O Brasil, até os anos 70 do século XX, parecia um país católico, onde a religião católica não era só a da maioria, mas quase monopolizava crenças e atitudes religiosas. O Censo de 1980 registrou, pela primeira vez na história do Brasil, uma porcentagem de católicos inferior, embora de pouco, a 90%. Como vimos, tal porcentagem diminuiu nos censos seguintes: 83,3% em 1991 e 73,9% em 2000. Temos, assim, um processo de diversificação religiosa em que crescem as religiões evangélicas (tradicionais ou pentecostais) e os “sem religião”. (ANTONIAZZI, 2004, p. 14).

De acordo com Pierre Sanchis (1992, p. 33), “há religiões demais nesta

religião”. Para o devoto católico brasileiro, em especial o devoto popular, os caminhos

que levam a Deus envolvem trocas, relacionamentos e ajuntamentos. O cristianismo

brasileiro é bastante complexo e plural, pois a grande mistura de crenças e costumes que

o compõem teve suas origens nas culturas europeia, indígena e africana. Acrescentam-

se a isto os diversos segmentos religiosos vivos e atuantes na sociedade. Como narra

Guimarães Rosa, na obra Grande sertão: veredas:

Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo o rio... Uma só para mim é pouca, talvez não me chegue. [...] Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca (ROSA, 1967, p. 15).

A identidade religiosa daqueles que se encontram nos povoados e municípios de

todo o sertão, na caatinga ou à beira do rio São Francisco, é resultante de uma

construção histórico-cultural socialmente reconhecível nos moldes católicos (FILHO;

GIL, 2001, p. 39-68). No entanto, o campo religioso brasileiro apresenta-se em

constante mutação; não só se modifica o mapa das religiões, mas a própria “religião”

perde sentidos tradicionais e antigas funções enquanto adquire novos sentidos.

(SANCHIS, 1999, p. 239).

19 Para Pierre Sanchis (1998), o campo religioso brasileiro é compreendido nas dimensões da

heterogeneização e da homogeneização. A primeira se refere à pluralidade religiosa presente na sociedade brasileira e que pode ser vista na presença do catolicismo, do protestantismo, do kardecismo, dos movimentos pentecostais e outras linhas religiosas. A segunda é uma tendência que se apresenta acima das instituições religiosas, que está viva na mente e nas práticas cotidianas das pessoas. A homogeneização vem mostrar que há na contemporaneidade uma espécie de perfume espiritual que envolve diferentes pessoas e interfere em suas vidas, gerando um clima cultural que passa a sensação de que tudo se pode em termos de religião.

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As ideias acima vêm corroborar que o campo religioso não segue um único

caminho, justamente por causa das inúmeras influências recebidas ao longo da história.

Daí soma-se à característica deste pluralismo religioso de formação as influências

trazidas pela modernidade. Desta forma, o quadro atual pode ser entendido como uma

situação na qual as sociedades transpassadas pelo viés da globalização sofrem impactos

que ameaçam suas variáveis formas de organização social e religiosa. Nas palavras de

Marcelo Ayres Camurça:

Portanto, longe de estabelecerem apenas polaridades e cristalizarem antagonismos, as dinâmicas de modernidade e tradicionalismo atravessam várias regiões geográficas, sociais e culturais do país, estabelecendo articulações, combinações e interpenetrações entre si. (CAMURÇA, 2006).

No caso da bacia são-franciscana, presenciam-se as mais variadas maneiras de

crer ligadas a elementos da natureza e que possibilitam compreender o simbolismo que

o rio tem para o povo ribeirinho.

Meu rio de São Francisco, nesta grande turvação, vim te dar um gole d'água e pedir tua benção! (estribilho) 1. Lá na serra da Canastra, lá em Minas dos Gerais, o Senhor olhou seu povo, e uma lágrima derramou; esse choro virou rio: São Francisco se chamou! 2. Choro santo do bom Deus gerou vida, planta, flor, peixes, bichos, passarinhos. E, na sua ribanceira, à sombra do juazeiro, muita gente se arranchou! 3. Pai da gente, mãe do povo, dando água, dando peixe, fome e sede ele matou. E as terras da caatinga: brejos, sertões e veredas, sertão seco ele molhou! 4. Como disse o padre santo: “o sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão!” Tão matando o Velho Chico, o rio que gera vida nunca pode morrer não! 5. A barragem cerca a água, o veneno mata o chão: morre planta no cerrado, morre a ave, morre o bicho e o meu povo vai-se embora com saudade do sertão!20

A cultura do povo são-franciscano, que é profundamente religioso e ligado às

manifestações simbólicas, somada ao gesto de dom Cappio de beber apenas a água

desse rio durante o jejum, contribuiu ainda mais para a formação de uma visão

ecoespiritual. Neste contexto, encontramos viva, presente e forte a dimensão espiritual

que relaciona religião e meio ambiente.

Levando em conta essas considerações, para a análise da polêmica da

transposição, a bacia do São Francisco pode ser compreendida como um espaço

20 Letra e música de dom Luiz Flávio Cappio (OFM), Diocese de Barra-BA; refrão adaptado da obra de

João Guimarães Rosa e partitura de frei Luiz Carlos Susin (OFM) (CAPPIO, 2000, p. 20).

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marcado por conflitos religiosos e sociais e também como uma “porção do espaço social

constituída pelo conjunto de instituições e atores religiosos em inter-relação”

(MADURO, 1981, p. 69).

O campo geográfico aqui mencionado é a bacia do São Francisco, mas o que nos

interessa de fato é o contexto social marcado pelas controvérsias da transposição das

águas do rio São Francisco. Tal contexto, situado num determinado espaço, delimita o

palco de atuação de dom Cappio, protagonista que opera a partir de uma situação

concreta, cuja linguagem está em harmonia com a história de um povo e com um leque

de recursos naturais específicos. Assim, com o jejum de dom Cappio, o rio São

Francisco não continua sendo apenas um rio: reforça os laços de identidade com a vida

de seu povo.

De acordo com Milton Santos (2000), o território pode ser entendido como a

morada das pessoas, a identidade e os fatos, o sentimento de pertencimento. Nele se

enraíza o sentimento de identidade coletiva em função dos vínculos estabelecidos com o

meio ambiente. Todo esse sentimento de pertencimento pode aflorar numa figura

carismática que se encontra ligada a um contexto social. Cabe assinalar que o objetivo

do jejum destinado a interromper o projeto de transposição, tendo ou não sucesso,

acarretou uma função social significativa: (re)descobrir a bacia do São Francisco

enquanto o lar de diversos povos com suas identidades e relações peculiares com a

natureza.

2.2 Referencial Teórico para uma Análise Documental

O principal objetivo neste instante é o de colocar em relevo o esqueleto da

polêmica através da narrativa historiográfica dos dois períodos de jejum e oração de

dom Luiz Flávio Cappio, o primeiro entre 26 de setembro e 5 de outubro de 2005, em

Cabrobó, e o segundo, entre 27 de novembro e 20 de dezembro de 2007, em

Sobradinho, tendo como principal fonte os documentos escritos na efervescência desses

acontecimentos.

No entanto, mais do que uma interpretação sociológica, o capítulo priorizou a

análise de conteúdo dos documentos que surgiram nos dois períodos de jejum,

possibilitando assim uma produção historiográfica. Apoiou-se num procedimento

analítico que tem como base teórico-metodológica a obra de Laurence Bardin, a

“Análise de conteúdo”, cujo intuito é captar as informações que dialogarão com a

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proposta da pesquisa. De acordo com Edgar Salvadori de Decca (2001, p. 30), “é a

exigência documental que funda o acontecimento e não o contrário, isto é, a sua

narrativa”. Sendo assim, o estudo das fontes escritas foi de grande importância para a

narrativa do fato e base para uma posterior análise sociológica das discussões sobre a

transposição das águas do rio São Francisco e da figura do profeta.

Para uma melhor compreensão dos respectivos períodos de jejum e oração de

dom Cappio, fez-se necessário o levantamento de cartas, notas, declarações, artigos e

outros textos, produzidos nos dois momentos supracitados. Em específico, são

correspondências e discursos de dom Cappio, declarações e notas da CNBB,

pronunciamentos da Santa Sé por meio do núncio apostólico, missivas trocadas entre o

governo federal e o próprio bispo, além de recortes de artigos e textos narrando fatos

referentes à transposição.

O critério de seleção desses documentos está intimamente ligado à relevância de

seus conteúdos para o tema da pesquisa – o profeta e a controvérsia da transposição – e

por terem sido elaborados nos dois ciclos de jejum e oração. Ambos os momentos foram

marcados por manifestações contrárias e favoráveis às ações do bispo de

arrebanhamento de povos e movimentos populares e de abertura para debates de

caracteres religioso, político, social e ambiental, na sociedade brasileira.

2.3 Os Dois Períodos de Jejum: uma Análise Documental

Seguindo as orientações de Bardin (1977), a escolha dos documentos está

também relacionada às “unidades de registro e de contexto”21, que se encontram

inseridas na dinâmica da análise de conteúdo, face ao objetivo de narrar a duas fases de

jejum. A “unidade de registro” é cada palavra, tema, personagem, acontecimento,

artigo, relatório, texto e objeto físico que nos permitiu realizar um estudo temático e

descobrir os “núcleos de sentido” que integram a trama da polêmica da transposição.

Ainda na perspectiva de Bardin (1977), levamos em consideração a “unidade de

contexto”. A mesma consiste na totalidade do contexto histórico em que se manifestou

o fato singular; diz respeito às estruturas políticas, religiosas, sociais e ao universo 21 Laurence Bardin, em sua obra “Análise de Conteúdo” (1977), indica caminhos metodológicos para a

escolha das “unidades de registro e contexto”. Para ele, é importante haver uma ligação entre o material selecionado e os objetivos das análises. Meu objetivo é a narrativa histórica, dando ênfase ao personagem principal, dom Cappio, e o acontecimento são as discordâncias em torno do jejum em defesa do rio e do povo do sertão nordestino.

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simbólico no qual se inserem os discursos analisados e incrementados pela conjuntura

do momento e pelo processo de globalização, em específico o aspecto ambiental e sua

face religiosa. Procuramos, através da análise de conteúdo, tratar as informações

contidas nos documentos escritos com pertinência ao tema da pesquisa, de forma a

extrair dos mesmos o máximo de informações e indicadores que permitam inferir uma

posterior compreensão da figura do profeta na questão da transposição.

A análise de conteúdo procura conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça [...]. A análise de conteúdo é uma busca de outras realidades através das mensagens [...]. Visa o conhecimento de variáveis de ordem psicológica, sociológica, histórica etc., por meio de um mecanismo de dedução com base em indicadores reconstruídos a partir de uma amostra de mensagens particulares. (BARDIN, 1977, p. 44).

Tal análise procura compreender os personagens de um episódio e o ambiente

em que este ocorre, ou seja, o tempo e o espaço, “com o contributo das partes

observáveis” (BARDIN, 1977, p. 43). Ela leva em consideração os significados do

conteúdo e a compreensão das mensagens, no intuito de possibilitar uma

correspondência das estruturas semânticas22 à estrutura sociológica.

Eliseo Verón (1981), ao propor uma metodologia de estudo dos documentos

escritos, ressalta que “todo fenômeno social é suscetível de ser lido em relação ao

ideológico e em relação ao poder”. Para ele, as “condições de produção” de um discurso

estão intimamente ligadas ao “ideológico”, que reflete interesses e valores de

personagens, sociedades e instituições. Neste sentido, a análise salienta nos documentos

a postura de um bispo que, através de um ato religioso, criticou um projeto político,

despertou os movimentos sociais, pastorais, artistas e lideranças religiosas para a causa

ambiental, gerou desconcordância nos meios de comunicação e causou dissensão no

setor eclesiástico e no meio político.

Há, portanto, em nossa pesquisa, um tema central, um acontecimento singular,

um personagem principal e documentos em torno desse episódio. Sendo assim, não

pretendemos realizar uma análise documental do fato, primeiramente porque

selecionamos trechos cujo principal enfoque são a mensagem e o sentido. Em segundo

lugar, não classificamos os mesmos de forma categórica, porém destacamos o caráter

temático de certos discursos e a sequência dos fatos que envolveram os aspectos

22 “A semântica é o estudo do sentido das unidades linguísticas, funcionando, portanto, como material

principal da análise de conteúdo: os significados” (BARDIN, 1977, p. 44). O estudo do sentido de determinadas unidades linguísticas numa perspectiva sociológica permitirá refletir sobre os significados presentes nos discursos que apontam para a compreensão da figura do profeta.

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políticos, sociais e religiosos. Em terceiro, não priorizamos o resumo do documento, o

que Bardin (1977) chama de “representação condensada da informação, para consulta e

armazenagem”, mas procuramos detectar a expressão do conteúdo a partir de um

conjunto de amostra de missivas, artigos, discursos e outros textos que constroem a

narrativa do caso da transposição.

Durante os dois períodos de protesto, surgiram inúmeras reações que permitiram

perceber a emergência da figura do profeta a partir das divergências acerca da

transposição das águas do rio São Francisco. Logo, foi dedicada grande atenção para o

modo como se apresentaram o documento e seu conteúdo, quer se tratem de simples

recomendações ou avisos, quer se tratem de ordens, prescrições e críticas ao bispo.

Cabe remarcar que o acontecimento não ficou restrito aos textos; esses estão

intimamente relacionados ao contexto da transposição.

O estudo dos documentos possibilitou reconstruir os dois períodos de jejum –

que consistem num fato social, político, ambiental e religioso – assim como elencar

elementos para a compreensão tanto das discussões em torno do projeto de transposição

do São Francisco, como da figura do profeta, a partir do estabelecimento de ligações

entre as informações contidas nos textos e a estratégia de jejuar.

Sendo assim, o pressuposto metodológico fundamental e inicial para a seleção

da documentação escrita “é o de que um documento é sempre portador de um discurso

que, assim considerado, não pode ser visto como algo transparente” (CARDOSO;

VAINFAS, 1997, p. 377). Muitos dos documentos selecionados, sem o cuidado

posterior de se fazer uma interpretação crítica dos mesmos, não possuem informações

claras e diretas que explicitem a figura do profeta; por outro lado, há aqueles que o

exaltam até demais e são ideologicamente tendenciosos. Ambos são destacados seja

pela obscuridade ou pela evidente opção partidária e religiosa.

Todavia seguimos alguns procedimentos de análise obrigatórios, como a

implicação dos discursos político, religioso, social e ambiental sobre a questão da

transposição e a postura de dom Luiz Flávio Cappio. Procuramos detectar a

manifestação coletiva por detrás das informações divulgadas ao público. Narramos o

fato a partir de informações que sobressaíram e geraram diferenças de opinião, as quais

condicionaram o rumo da situação.

No entanto, é preciso asseverar que cabe ao pesquisador mediar, analisar,

comparar e filtrar, por meio de suas ações metodológicas, as fontes de conhecimento

que emergiram na efervescência do episódio, prioritariamente sem negligenciar a forma

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do discurso, mas relacioná-la ao social, ao político, ao ambiental e ao religioso. A

escolha do documento escrito para a elaboração da presente pesquisa trata-se de uma

opção metodológica que não anula a proposta de novos objetos de investigação, outros

enfoques e metodologias de pesquisa. Trata-se de buscar “os nexos entre as ideias

contidas nos discursos, as formas pelas quais elas se exprimem e o conjunto de

determinações extratextuais que presidem a produção, a circulação e o consumo dos

discursos” (CARDOSO; VAINFAS, 1997, p. 378).

É importante ressaltar que um fato histórico pode se apresentar através de

documentos embebidos de diferentes discursos, tanto escritos quanto iconográficos.

Acontece que somente através da decifração das mensagens descobre-se a

potencialidade dos documentos para a compreensão de um fato histórico-social. Tal

opção metodológica parte do pressuposto de que os documentos possam ser uma das

chaves para a compreensão desse episódio protagonizado por dom Cappio, levando-se

em consideração que o fato não se reduz à estrutura do texto, mas que esta também não

pode ser desprezada na análise da polêmica da transposição. “Nada é uma fonte por sua

própria natureza e é o problema colocado pelo historiador que, identificando um traço

que fornece uma resposta, transforma assim um documento em uma fonte histórica”

(MONIOT, 1993, p. 26).

Entendendo que os documentos escritos são incapazes de dar conta da totalidade

do fato, e que nem deve ser este o propósito de seu registro, há de se reconhecer que,

“os documentos não falam por si mesmos”, porém são portadores de um valor histórico,

conforme o tratamento dado pelo pesquisador. Esta observação demonstra que o

trabalho, neste instante, está orientado para a produção de um texto historiográfico a

partir da seleção e da demarcação de fontes adequadas para a compreensão da polêmica.

De acordo com a interpretação documental dos dois períodos de jejum, a ênfase será

dada à narrativa histórica, tendo como suporte os documentos que emergiram nas

dimensões religiosa, política, midiática e ambiental, diante de um ato arrebanhador de

multidões e considerado por muitos como radical, louco ou até suicida.

2.3.1 O Primeiro Período de Jejum

O projeto da transposição das águas do Velho Chico, que prevê a solução da

seca no sertão, o incentivo ao investimento privado e o desenvolvimento da região

receptora, despertou, em 2005, variada gama de opiniões. De um lado, se manifestaram

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aqueles que acentuaram a excelência técnica do projeto, enumerando os benefícios

econômicos e as contribuições para o desenvolvimento da sociedade. De outro lado,

surgiram os oponentes, que procuraram realçar os impactos sociais e ambientais

irreversíveis de tal obra. Assim, tais vertentes ganharam maior dimensão quando, nesse

mesmo ano, o bispo dom Luiz Flávio Cappio iniciou sua luta contra a transposição,

reverberando este embate na sociedade e na Igreja. No domingo de Páscoa, 27 de março

de 2005, em Barra-BA, dom Cappio, através de uma declaração, expôs sua posição

frente ao projeto:

1. De livre e espontânea vontade assumo o propósito de entregar minha vida pela vida do Rio São Francisco e de seu povo contra o projeto de transposição, a favor do Projeto de Revitalização. 2. Permanecerei em “greve de fome”, até a morte, caso não haja uma reversão da decisão do Projeto de transposição. 3. A “greve de fome” só será suspensa mediante documento assinado pelo Exmo. Sr. Presidente da República revogando e arquivando o Projeto de Transposição. (CAPPIO, 2008n p. 18).

Além das divergências técnicas, sociais e ambientais, o bispo teceu críticas

sobre o custo e a viabilidade do projeto, discordando também dos procedimentos do

governo nesta questão, pois, para ele, um projeto de tamanha dimensão estava sendo

implantado sem uma prévia consulta à sociedade, o que também acusava a fragilidade

do processo democrático brasileiro e a ausência de uma articulação dos movimentos

sociais e da sociedade de modo geral em defesa de sua soberania e das questões

socioambientais. Essa realidade possibilitou a emergência de dom Cappio, que invocou

uma autoridade cujo sucesso esteve na sua identificação, tanto social quanto cultural,

com uma determinada parte da sociedade, e na incorporação de um discurso que

correspondeu aos anseios de muita gente.

Entre 26 de setembro e 6 de outubro de 2005, o bispo se pôs em jejum e oração

durante 11 dias, na Capela de São Sebastião, a três quilômetros de Cabrobó/PE, nas

terras do povo indígena truká23. O local foi escolhido pelo próprio bispo por ser

próximo da tomada d’água do eixo norte da transposição do rio São Francisco. Tentou

com isto impedir o projeto do governo federal, defender um projeto de revitalização do

São Francisco e abrir uma discussão com a sociedade sobre o assunto.

23 O povo truká vive na ilha da Assunção, no médio rio São Francisco, município de Cabrobó. A aldeia da

Assunção foi fundada provavelmente em 1722 e abriga hoje 3.463 indígenas em sua região, de acordo com o texto “Os povos indígenas de Pernambuco”, disponível na home page da Universidade Federal de Pernambuco.

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Para dom Cappio, o projeto não era ético, representava interesses unicamente

empresariais, além de gerar um impacto ambiental irrecuperável. Portanto, julgou-o

antidemocrático, distante dos interesses do povo ribeirinho e vinculado ao agronegócio;

não viu resultados positivos e condenou seu custo. Em contrapartida, juntamente com

órgãos especializados, dom Cappio apresentou alternativas econômicas consideradas

mais viáveis para o meio ambiente e para o problema da seca no sertão.

Entretanto, diante das infrutíferas tentativas de estabelecer um colóquio com o

governo, concluiu que “quando a razão se extingue, a loucura é o caminho” (CAPPIO,

2008o, p. 18), dando início a um período de jejum e oração sem fim e mantendo-se

firme em sua decisão enquanto o projeto não fosse suspenso.

Há mais de 30 anos, buscando ser fiel a Jesus Cristo e a meu pai São Francisco, identifiquei minha vida sacerdotal com o Rio São Francisco e seu povo. Neste momento, apenas procuro manter-me coerente com esta opção. Não quero morrer, mas quero a vida verdadeira para o Rio São Francisco e para o todo o Povo Sanfranciscano [sic] e do Nordeste! (CAPPIO, 2008b, p. 33).

Esse líder religioso pautou-se por oração e entrega humana em prol de algo que

considerou maior: a vida do rio e a vida daqueles que necessitam do rio. Em virtude de

sua postura extrema, trouxe polêmica e desencadeou uma avalanche de debates e artigos

envolvendo religião, política e meio ambiente.

Por sua vez, a mídia omitiu até certo momento o episódio, vindo a veicular a

informação apenas quando a situação se mostrava mais conflitante. Só então os meios

de comunicação suscitaram uma série de indagações éticas e religiosas que

ocasionaram, por sua vez, várias discussões acerca da atitude do bispo e da relação

existente entre meio ambiente e religião.

Acresça-se a isto, a chegada de peregrinos a Cabrobó, gente ligada às pastorais,

à Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), aos movimentos sociais e demais

paróquias. A presença do povo, a repercussão em nível internacional, a adesão de outras

pessoas ao gesto de jejum, a união dos movimentos populares numa única causa e a

participação de artistas e intelectuais contribuíram para a formação de um cenário cujos

contornos eram propícios a uma mobilização social de maior vulto.

Numa carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de 26 de setembro de 2005,

dom Cappio deixou transparecer sua frustração com o governo, por levar adiante um

projeto que não estava em seu programa. Cabe ressaltar que, antes desse episódio, dom

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Cappio apoiou o PT nas campanhas eleitorais de Lula. Em 1994, logo após sua

peregrinação pelo rio São Francisco, chegou a se encontrar com o então candidato a

Presidência da República, Lula, pondo-o a par da necessidade da preservação desse rio e

firmando com ele um acordo que garantisse futuras ações de revitalização e

desenvolvimento para o povo do sertão nordestino. No entanto, tal pacto, conforme

afirma dom Cappio, não foi cumprido, e, em 25 de setembro de 2005, o bispo iniciou

seu primeiro embate com o governo federal, colocando-se em jejum até que o projeto de

transposição fosse paralisado.

Sempre fui seu admirador. Participei ativamente em todas as campanhas eleitorais do PT, alimentando o sonho de ver o povo no poder. Esperávamos do senhor um apoio maior em favor da vida do rio e do seu povo. Esperávamos que, diante de tantos e consistentes questionamentos de ordem política, ambiental, econômica e jurídica, o governo revisse sua disposição de levar a cabo este projeto que carece de verdade e de transparência. Quando cessa o entendimento e a razão, a loucura fala mais alto. Em meu gesto não existe nenhuma atitude anti-Lula neste momento delicado da vida nacional. Pelo contrário. Quem sabe seja uma maneira extrema de ajudá-lo a entender pelo coração aquilo que a razão não alcança. (CAPPIO, 2008d, p. 19).

Com essa atitude, esperava que o governo se sensibilizasse, suspendesse a obra e

estabelecesse uma discussão mais profunda com toda a sociedade. Tal ato religioso foi

repercutido pelos meios de comunicação porque, primeiramente, era realizado por um

bispo, e, segundo, porque sua atitude religiosa ganhou uma dimensão altamente política,

o que permitiu dupla leitura – jejum e greve de fome.

O jejum, que é de caráter religioso, se tornou um instrumento de pressão política

e protesto social, passando a ser chamado de “greve de fome” de caráter reivindicatório

e de afronta política. De acordo com os documentos estudados, dom Cappio sempre

compreendeu seu gesto como “jejum e oração”; todavia, numa declaração intitulada

“Uma vida pela vida”, de 27 de março de 2005, ele usa a expressão “greve de fome”

(CAPPIO, 2008o, p. 18), e, depois, na sua “Carta ao Povo do Nordeste”, de 30 de

novembro de 2007, fala de sua decisão em permanecer em “jejum e oração” (CAPPIO,

2008c, p. 50-51).

Tanto o termo “jejum” quanto “greve”, apesar de distintos em seus sentidos,

procuravam classificar a atitude do bispo; no entanto, o clero, os intelectuais e as

pastorais usaram frequentemente o termo “jejum”. Já os meios de comunicação de

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massa, os movimentos sociais, as pastorais, artistas, intelectuais e lideranças religiosas

utilizaram indiscriminadamente os dois termos para classificar a atitude de dom Cappio.

A denominada “greve de fome” acabou sendo noticiada no mundo inteiro

através dos meios de comunicação e, em especial, no seio da Igreja católica e no meio

político. Caravanas de diversas partes do Brasil seguiram para Cabrobó, havendo uma

adesão significativa de diversos povos que, juntamente com os movimentos sociais,

apoiaram o gesto de frei Luiz. Portanto, diante dessa situação efervescente, em 29 de

setembro de 2005, numa carta dirigida a dom Cappio, o presidente Lula cedeu e propôs-

lhe um diálogo.

O apelo pessoal ao diálogo que lhe faço, Dom Luiz Flávio, baseia-se na minha responsabilidade de governante, que deve dialogar com uma sociedade múltipla em suas crenças, convicções pessoais e ideologias, tendo como fundamento a vida democrática, com o necessário respeito às decisões das maiorias e aos direitos das minorias. (SILVA, 2008, p. 21).

Dom Cappio insistiu em manter-se em jejum, ignorando o apelo presidencial,

enquanto não tivesse em mãos um documento que cancelasse o projeto de transposição

para posteriormente estabelecer um diálogo e propor alternativas para o São Francisco.

Aqui é importante sublinhar que o jejum de dom Cappio não somente ressoava nas

massas de peregrinos, povos indígenas e militantes, mas originava um incômodo no

meio político. Muitos movimentos populares e religiosos encontraram em dom Cappio

uma força encorajadora que os levou a refletir e a se mobilizar em torno de propostas

que apontaram para uma política ambiental.

Confirmo minha decisão de permanecer em jejum e oração enquanto não chegar em minhas mãos [sic] o documento assinado pelo senhor revogando e arquivando o atual Projeto de Transposição. Depois de não termos mais, sobre nossas cabeças, o fantasma do Projeto de Transposição, estamos inteiramente abertos para um amplo diálogo e debate nacional, verdadeiro e transparente, discutindo alternativas de convivência com o semiárido e a oportunidade ou não de realizar a transposição. (CAPPIO, 2008e, p. 26).

A postura subversiva de dom Cappio sacudiu a Igreja em função do abalo à

ordem política e da proposta que seu gesto apresentava: um chamado para uma nova

forma de relação entre o humano e o meio ambiente. Este gesto ecoespiritual, cuja

repercussão transpôs as fronteiras do país, suscitou uma série de questionamentos éticos

e religiosos no seio da Igreja e no meio político. Sua atitude alvoroçou a Igreja Católica

Apostólica Romana, além de gerar uma profunda discussão no episcopado.

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A tensão tendeu a se agravar pelo fato de que todos que participaram do

processo de discussão do projeto de transposição das águas do São Francisco numa

perspectiva de mudança social e política não comungavam das mesmas visões e

concepções.

Uma ala demonstrou apoio ao gesto político do frei, contudo condenou o meio

escolhido: o jejum radical.

Outro grupo considerou sua atitude equivocada, radical, fundamentalista e

contraditória aos dogmas cristãos; além disto, defendeu a ideia de que a transposição

beneficiaria a população e se posicionou contrário aos fins políticos do frei e favorável

ao projeto do governo federal.

Enfim, outra ala católica aprovou o meio utilizado por dom Cappio para barrar a

transposição, enquanto último recurso existente; ademais, articulou-se com diversas

organizações, movimentos populares e sociais que abraçaram a causa política e

ambiental: Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos

Pequenos Agricultores (MPA), Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB), Via

Campesina, movimentos estudantis, sindicatos, além de órgãos públicos, técnicos,

intelectuais e artistas.

Dom Cappio foi evocado porque sua postura motivou um questionamento sobre

o papel da religião frente ao meio ambiente. Com ele vieram vários movimentos,

grupos, tribos, técnicos, artistas, políticos, líderes religiosos e a população, todos

atraídos pela causa do bispo. Assim, sua atividade religiosa assumiu um novo contorno,

o político. Todavia cabe lembrar a aglomeração de pessoas próxima à Capela de São

Sebastião, buscando bênçãos, conselhos e transmitindo apoio ao bispo.

Lá estava o povo. Índios Tumbalalá e Truká com suas vestes de palha e seus maracás. Uma mulher vestida com hábito franciscano, comum nos locais de romaria do nordeste. Freiras de hábito e sem hábito. Um senhor queria que o frei ajudasse a resolver a questão da imagem da santa que ainda falta na capela de seu povoado. Alguns buscavam confessar-lhe os pecados. Uma família trazia uma menina doente para Dom Luiz abençoar e quem sabe curar... Gente chegando o tempo todo, e ele pacientemente atendendo a todos. (SIQUEIRA, 2008b, p. 101).

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) posicionou-se

demonstrando preocupação com a forma adotada por dom Cappio para defender o rio e

sua gente; afinal era um bispo disposto a doar a vida por uma causa social e ambiental.

A CNBB manifestou apoio e solidariedade num primeiro momento, reconhecendo o

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carisma franciscano de doação aos pobres; porém, depois, considerando extremista sua

atitude, se mostrou receosa quanto ao meio escolhido, tanto foi que estabeleceu um

diálogo com frei Luiz no intento de pôr fim à sua decisão, pois, para a entidade, seria

mais interessante que o bispo continuasse com sua causa, consciente e atuante.

No momento em que você toma uma decisão de extrema importância em sua vida, queremos assegurar-lhe a presença fraterna de seus irmãos bispos da Presidência e do Conselho Episcopal de Pastoral da CNBB. Sabemos que estamos diante de uma atitude extrema, mas também de grande generosidade. Qualquer que seja o juízo sobre a oportunidade de sua decisão, não é possível deixar de reconhecer a nobreza de seu propósito. Num mundo em favor do povo pobre, tem a marca evangélica de Francisco de Assis no seguimento de Jesus. (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2008a, p. 27).

Além de obter reconhecimento de diversos movimentos sociais e religiosos, a

primeira greve de fome foi capaz de condicionar a CNBB a adentrar na esfera política,

pois, preocupada com a saúde do bispo e também com a repercussão do fato, a entidade

se direcionou em carta ao presidente da República.

Somos interpelados por este gesto profético, fruto de um discernimento espiritual feito ao longo de anos de convívio com a realidade de pobreza e sofrimento das populações que sobrevivem do Rio São Francisco [...] Senhor presidente, apelamos para que reconsidere a decisão política que, ainda longe de um consenso na região nordestina a respeito da viabilidade e dos resultados socioambientais da transposição do rio São Francisco, divide as mentes e os corações. Esperamos uma atitude sua em favor da unidade do povo nordestino. É preciso intensificar o diálogo capaz de superar as divergências que existem na região e construir um projeto que seja do conjunto da sociedade. (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2008c, p. 28).

A polêmica em torno da transposição do rio São Francisco refletiu um momento,

na história do Brasil, em que o meio ambiente ganhou atenção através de uma atitude

religiosa. Por isso, se por um lado a CNBB considerou a atitude franciscana de dom

Cappio “generosa”, por outro a classificou como radical, por ir além dos limites

cristãos. Portanto, na visão da CNBB, caberia a dom Cappio reconsiderar sua estratégia,

pois o meio escolhido para salvar o rio São Francisco e seu povo transpunha os

“limites” circunscritos à Igreja.

Rezamos e renovamos, em nome da Igreja, nosso pedido ao caro irmão para que reveja sua decisão colocando-a nos limites que permitirão sua volta à sua Diocese de Barra e à continuação da luta pela causa. (AGNELO, 2008, p. 30).

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Com a avalanche de notícias e imagens sensacionalistas transmitidas ao mundo

inteiro, ficava evidente o desconforto que dom Cappio havia trazido à Santa Sé. Numa

carta do Vaticano, de 4 de outubro de 2005, o cardeal Giovanni Battista Re advertiu-o

sobre o jejum, classificando-o como um atentado à própria vida; assim, exigiu que, em

obediência à Santa Sé, dom Cappio pusesse fim ao seu gesto. Sua atitude, caso o levasse

à morte, seria vista como um ato contrário aos preceitos cristãos.

Com referência à sua radical decisão de jejum contra o plano de transposição das águas do Rio São Francisco, reclamando também a sua revitalização, e diante da firme opção de Vossa Excelência de levar até o extremo a greve de fome, tenho o grave dever de recordar-lhe que os princípios da moral cristã não permitem que leve adiante a sua decisão. É necessário conservar a vida, dom de Deus, e a integridade da saúde. Em nome da Santa Sé, peço firmemente que não prossiga com esse gesto radical. Não é esse o modo aceitável para exprimir a sua solidariedade e sua doação pelo Povo de Deus. A Santa Sé confia que Vossa Excelência não desobedecerá o preceito divino de não extinguir e prejudicar a sua vida e que imediatamente V. Exa. colocará fim a este gesto em obediência também à Santa Sé. (RE, 2008, p. 31).

As considerações acima mostram que a Igreja buscou dar continuidade às

relações fundamentais da ordem eclesiástica. Naquele momento, ela combateu a ideia

de transgressão através da imposição dos limites, das regras morais, do respeito e da

obediência à hierarquia, delimitando o espaço e a posição de dom Cappio no universo

social e religioso. Tudo isto para assegurar uma estrutura religiosa que estivesse em

concordância com a ordem política e social, evitando seu ato subversivo.

Mesmo diante do pedido do Vaticano, dom Cappio permaneceu em jejum e

oração. Diariamente recebia o povo que vinha de diversas partes do Brasil, mantendo-se

consciente e convicto de sua decisão, e acreditando ser esta a última maneira de salvar o

rio. Para ele, a greve de fome só terminaria com um documento do presidente Lula

suspendendo a execução do projeto de transposição das águas do São Francisco.

Além disso, em 4 de outubro de 2005, centenas de pessoas e entidades populares

de vários cantos do país realizaram a Assembleia dos Povos do Semiárido. Nela

estavam representantes de vários grupos e lideranças sociais. Toda essa confluência de

pessoas indicava que o sentido da luta de dom Cappio se expandia e se multiplicava em

gestos de presença e organização. Enquanto o bispo praticava o jejum, os atores sociais

que estavam ocultos emergiram dando início a discussões sobre a transposição e seus

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resultados. Neste contexto de luta, muitas pessoas, num ato coletivo de solidariedade a

dom Cappio, adotaram o jejum:

Tomaram a palavra representantes dos vários segmentos da população sertaneja, além do bispo presidente da CPT, dom Tomás Balduíno, e da engenheira Maria Higina, do CREA/BA e CONFEA e do Fórum Permanente em Defesa do São Francisco. Um pequeno agricultor, do MPA, que aderiu à greve, José Santana, de Iço/CE, região beneficiária da transposição, falou do sucateamento em que se encontra o projeto de irrigação que há 30 anos o DNOCS instalou na região. Santana e mais dois companheiros do MPA aderiram à greve de fome de Dom Luiz. Falaram ainda o deputado do PV/BA, Edson Duarte, Alzeni Thomas, da Pastoral dos Pescadores, Pedro Paulo, pela Pastoral da Juventude do Meio Popular, de Senhor do Bonfim, Anderson, da ASA Articulação do Semi-Árido e Neguinho Truká, líder do povo Truká, da ilha de Assunção, em frente à qual foi realizada a Assembleia. (SIQUEIRA, 2008a, p. 98).

E aumentava cada vez mais o número de peregrinos a Cabrobó-PE pedindo sua

bênção e se solidarizando com sua atitude. Havia uma participação que se mesclava

com discussões políticas, vigílias e missas. Mesmo diante dos pedidos do governo

federal, da oposição clerical para a suspensão de sua “greve de fome”, o bispo

continuava firme. O relatório de visita de dom Itamar Vian, a Feira de Santana, em 5 de

outubro de 2005, deixou isto claro:

[...] Dom Luiz confirma decisão de permanecer em “greve de fome”. “Confirmo minha decisão de permanecer em jejum e oração enquanto não chegar em minhas mãos o documento assinado pelo senhor revogando e arquivando o atual Projeto de Transposição”. (VIAN, 2008, p. 32).

Em contrapartida, a Presidência do Regional Nordeste II da CNBB, formada por

Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte, divulgou uma nota afirmando o

apoio dos bispos ao projeto de transposição do governo federal e a não-aprovação da

atitude de dom Cappio, classificada como extrema e contrária à doutrina católica. O

arcebispo da Paraíba e presidente do Comitê de Defesa do Projeto de Integração de

Bacias na Paraíba, dom Aldo di Cillo Pagotto, se mostrou desde o início favorável ao

projeto do governo federal e contrário à atitude de dom Cappio por ferir os preceitos

cristãos e barrar obras que, segundo ele, trariam benefícios ao povo nordestino.

Somos a favor de que o processo de revitalização do rio São Francisco, em toda a sua extensão e complexidade, seja iniciado com a devida urgência, contemplando inclusive as necessidades vitais das populações ribeirinhas. Queremos reafirmar nossa adesão ao Projeto da captação de águas do Rio São Francisco, para suprir as necessidades de água potável, nas carentes

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bacias hidrográficas de nossos Estados, de modo especial, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. [...] Na caridade da Colegialidade Episcopal, por dever de nosso ministério, afirmamos a nossa desaprovação à atitude extrema do nosso irmão Dom Luiz Flávio Cappio, que provocou perplexidade e sofrimento a nós pastores e ao povo de Deus a nós confiado. Agradecemos ao querido irmão pela acolhida aos ensinamentos da doutrina de nossa Igreja Católica, que afirma ninguém ser dono de sua própria vida. Fraternalmente, o temos, bem como a todo o povo do nordeste, em nossas orações. (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL – REGIONAL NORDESTE 2, 2008, p. 35-36).

A estratégia de dom Cappio tinha o propósito de sensibilizar a sociedade e o

governo federal para um debate mais profundo em torno do projeto de transposição,

além de fomentar o investimento em obras que revitalizassem o rio São Francisco.

Diante da polêmica em nível internacional, o ministro de estado, chefe da Secretaria de

Relações Institucionais, Jacques Wagner, em nome do governo federal, enviou, em 5 de

outubro de 2005, uma carta ao bispo assegurando-lhe um debate com a sociedade e

convidando-o para um diálogo no Palácio do Planalto. Para os diversos movimentos

sociais que se mantiveram juntos a dom Cappio, essa era uma significativa conquista:

uma audiência, em Brasília, focalizada numa discussão que poderia dar origem a um

projeto de desenvolvimento sustentável para a bacia são-franciscana.

[...] O Governo Federal assegura que será prolongado o debate em torno do processo de transposição das águas do rio São Francisco, ainda na fase anterior ao início de obras, para o esclarecimento amplo de questões que ainda suscitem dúvidas e divergências. Além disso o Governo Federal dará continuidade e intensificará as obras relativas à revitalização do rio São Francisco. [...] Por fim, o Presidente Lula lhe transmite convite para ser recebido por ele no Palácio do Planalto tão logo o senhor estiver restabelecido, com o objetivo de dialogar sobre o mesmo tema. (WAGNER, 2008, p. 37).

Paralelo ao período de jejum, estreitavam-se os laços de comunicação entre o

Planalto e o Vaticano. O núncio apostólico dom Lorenzo Baldisseri acionou o

secretário-geral da CNBB, dom Odilo Scherer, e o cardeal Re, que interpretaram a ato

de jejum como sendo uma ofensa contra “o preceito divino”. Assim, a atitude de dom

Cappio poderia terminar com sua morte, compreendida como um ato suicida,

infringindo desta forma “os princípios da moral cristã”.

O ministro das Relações Institucionais, Jacques Wagner, ao tomar conhecimento

da posição da Santa Sé, dirigiu-se, juntamente com o núncio para Cabrobó, em 6 de

outubro de 2005. Diante da possibilidade de seu gesto ser interpretado como uma

atitude suicida e perante a promessa do presidente em estabelecer uma discussão sobre o

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projeto de transposição, dom Cappio decidiu, em 6 de outubro de 2005, interromper o

jejum. O bispo cessou o jejuar não em função das orientações e das pressões políticas e

religiosas (essas viriam no dia seguinte), mas porque o que ele buscava, pelo menos

num primeiro momento, fora alcançado: um diálogo que pudesse sinalizar alternativas.

Considerando que o tempo para o diálogo deva ser suficiente para permitir uma ampla discussão, participativa, verdadeira e transparente para que se chegue a um plano de desenvolvimento sustentável baseado na convivência em todo o semiárido, para o bem de sua população, priorizando a mais pobre; Declaro: fica suspenso meu jejum em favor da vida. (CAPPIO, 2008m, p. 39).

Pondo fim à greve de fome, logo no dia seguinte, 7 de outubro de 2005, dom

Cappio se deslocou da Capela de São Sebastião e foi ao encontro do núncio apostólico

dom Lorenzo Baldisseri, que o esperava para uma conversa e estava portando consigo

uma carta do cardeal Re, caso dom Cappio continuasse seu jejum. A greve de fome foi

finalizada com uma missa de ação de graças, na própria Capela de São Sebastião,

presidida pelo núncio apostólico e concelebrada por dom Cappio, dom Adriano Ciocca,

dom Antônio Muniz, pelo bispo de Guarabira e presidente do Regional Nordeste II,

dom Paulo Cardoso da Silva, pelo bispo de Petrolina e muitos sacerdotes, além da

presença significativa do povo.

Durante a homilia o Núncio apostólico destacou que a vida é um dom de Deus, da qual não somos donos, mas sim administradores: “Só Deus é o dono da vida e nós não podemos tirá-la. Segundo a moral católica, o fim não justifica os meios, mesmo que o fim seja uma nobre causa”. O Núncio trouxe o afeto e a Benção Apostólica do Santo Padre, pela feliz conclusão desta vicissitude. (BALDISSERI, 2008c, p. 40).

Numa carta de dom Cappio, de 11 de outubro de 2005, intitulada “Vida para

todos: por isso fiz a greve de fome”, percebe-se que suas palavras estavam apoiadas em

princípios éticos vinculados a uma causa religiosa, política ou social que lhe conferiam

a legitimidade para exercer certa influência sobre um povo e movimentos populares.

Fica evidente a maneira como conseguiu conciliar sua atitude com a demanda social de

povos, tribos, movimentos populares, parte do clero e demais religiosos que se

reconheceram e se acharam representados em seu discurso e em seu gesto.

Foi em favor da vida que fiquei 11 dias em jejum e oração na tão querida capelinha de São Sebastião, em Cabrobó (PE). Motivou-me o compromisso, baseado no Evangelho, que tenho com os pobres, os do rio São Francisco em

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primeiro lugar, porque me são mais próximos, há mais de 30 anos, por opção de franciscano, sacerdote e bispo desde 1997. Compromisso com a vida do próprio rio São Francisco, tão degradado. [...] Busquemos um plano que una novamente a nação nordestina. A transposição nos divide. A revitalização do São Francisco e do semiárido nos une. [...] Fico feliz que meu gesto, suas razões e sua “loucura” tenham sido compreendidos e apoiados por tanta gente. Agradeço sinceramente. Tenho rezado por todos. [...] “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (João, 10, 10). [...] Fiz dessas palavras centrais do Evangelho meu lema de bispo. Só quis ser fiel a elas, com a radicalidade que a questão exigia. E voltarei ao jejum e à oração, com mais determinação ainda, se o acordo firmado, em confiança, com o governo não for cumprido. E sei que não estarei sozinho. (CAPPIO, 2008p, p. 41-42).

A necessidade de conservação do rio, somada à questão social do povo que vive

no semiárido, orientou a atividade religiosa de um bispo, no útero deste campo social, a

se constituir um líder capaz de comover povos e movimentos através de uma dinâmica

religiosa particular: jejum e oração. Houve também um interesse por parte desse

protagonista em elaborar uma visão daquela realidade que correspondesse da melhor

maneira possível ao interesse religioso e também ao social de certos grupos,

comunidades e povos. Através de seu discurso, apresentou uma prática ou concepção

religiosa que foi ao encontro de interesses e da necessidade de vários povos.

Dom Cappio deixou clara sua motivação baseada no evangelho e seu

compromisso com seu povo, cuja relação mantém há mais de três décadas, além da

motivação franciscana. Para ele, sua luta contra a transposição possuía uma extensão

maior: pensar um plano de desenvolvimento sustentável para toda a população do

semiárido. Ao final de seu jejum, demonstrou felicidade diante do apoio que recebeu e

mostrou-se consciente da radicalidade assumida diante da questão.

Por fim, o primeiro período de jejum e oração foi significativo e marcante, uma

vez que conseguiu interromper o projeto e propor uma discussão sobre alternativas de

recuperação do rio. Visto pelo ângulo da conquista, seu gesto adquiriu uma dimensão

profética, pois rendeu um acordo com o governo federal de se estabelecer um diálogo

com a sociedade sobre o projeto da transposição. Dom Cappio conseguiu paralisar as

obras, e isto trouxe mudanças significativas nos campos social e religioso, pois revelou

a força de uma liderança religiosa carismática, cujas razões não surgiram no meio

eclesiástico: provieram de sua experiência com o povo do sertão e da frustrante tentativa

de não conseguir propor soluções para o sertão através das vias democráticas.

Foi da periferia que dom Cappio exprimiu um conjunto de solicitações

ambientais e sociais insatisfeitas e aptas para mobilizar em torno de si um conjunto de

forças em prol de transformações socioambientais. Havia um clima de que os

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movimentos inspirados na religião podiam produzir grandes transformações sociais a

partir do comportamento religioso e sua influência sobre a sociedade.

Presenciamos, nessas inflamadas circunstâncias, a ordem religiosa sendo

incomodada por causa da ação de dom Cappio, que passou por cima da hierarquia

religiosa e afrontou o meio político. A atitude de jejuar, independentemente da

aquiescência da Igreja Católica, mobilizou parte do clero e até mesmo o Vaticano. Seu

gesto influenciou na organização e manifestação social de diferentes grupos da

sociedade e repercutiu no mundo inteiro. Diante da polêmica da atitude de dom Cappio,

foram necessárias notas e declarações para coibir sua conduta, restabelecer uma

sistematização burocrática, manter certa ordem interna e conservar as relações entre

Igreja e Estado.

2.3.2 O Segundo Período de Jejum

Dois anos se passaram desde o primeiro jejum de dom Cappio, interrompido em

função de um acordo firmado com o governo federal. Tal pacto preceituava uma ampla

discussão com a sociedade brasileira sobre o projeto de transposição, bem como o

levantamento de alternativas para o semiárido, a partir de uma política de

desenvolvimento sustentável. Tudo levava a se apostar, naquele instante, que

alternativas seriam encaminhadas; no entanto o diálogo foi apenas iniciado, não houve

continuidade, ignorando a proposta estabelecida em 2005. Para agravar a situação, o

governo federal deu sequência às obras, tendo desta vez à frente o exército brasileiro.

Conforme uma carta, de 4 de outubro de 2007, enviada ao presidente Lula, o

bispo expõe as tentativas de apresentação de propostas como alternativas à transposição.

Já existem propostas concretas para garantir o abastecimento de água para toda a população do semiárido: as ações previstas no Atlas do Nordeste apresentado pela Agência Nacional de Águas (ANA) e as ações desenvolvidas pela Articulação do Semi-Árido (ASA) (CAPPIO, 2008i, p. 44).

Diante da infrutífera insistência para reabertura do diálogo, do descumprimento

do acordo estabelecido com o governo federal e do início das obras, dom Cappio

reiniciou seu jejum e oração em 27 de novembro de 2007. Numa correspondência que

data de 25 de novembro de 2007 – festa de Cristo rei – dirigida ao clero da Diocese de

Barra-BA, o bispo manifesta sua frustração com o governo, avalia como sem efeito

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significativo o trabalho dos movimentos sociais e alerta sobre a gravidade do problema

da transposição, encontrando como única solução a retomada do jejum:

Os movimentos sociais têm feito o que podem. Em vão. Diante da sucessão de absurdos que vem acontecendo a nível institucional, econômico, político, social e ambiental, não posso me omitir. Novo grito tem que ser dado. Se o eco do primeiro ainda ressoa, agora será alimentado por novo gesto baseado na fé e no amor, principalmente ao povo de Deus, a quem doei minha vida. Peço-lhes perdão pela ousadia. Mas não tenho outra alternativa. Espero e desejo voltar são e salvo para continuarmos nossa caminhada de pastores em nossa querida Diocese de Barra. Sei que isto traz uma profunda experiência de insegurança diante do futuro. Peço que encarem com fé este profundo gesto de amor e doação. “A profecia não pode morrer”, ensinava Dom Helder Câmara, embora saibamos que seu preço é muito caro. (CAPPIO, 2008h, p. 46).

O segundo jejum ocorreu na Capela de São Francisco, em Sobradinho-BA. A

escolha do local não foi gratuita: estava associada à violenta expulsão de trabalhadores

rurais e camponeses, de suas terras, entre 1971 e 1978, devido à construção da

Barragem de Sobradinho. Mais uma vez a atitude do bispo repercutiu no seio

eclesiástico, gerando divergências de opinião. A CNBB tomou conhecimento do jejum

no seu primeiro dia e emitiu nota expressando sua posição sobre a transposição das

águas do São Francisco.

É necessário dar continuidade a um amplo diálogo visando a soluções adequadas e considerando as alternativas apresentadas pelas forças sociais populares envolvidas no processo, para promover o desenvolvimento sustentável, a preservação do meio ambiente, a agricultura familiar e convivência com o semiárido; (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2008e, p. 48).

A presidência da CNBB NE V, que representa o estado do Maranhão, tendo à

frente o bispo de Viana, dom Xavier Gilles, dom Franco Cuter e demais religiosos,

através de uma carta endereçada ao próprio frei Luiz Cappio, de 28 de novembro de

2007, reconheceram o gesto de dom Cappio como evangélico. Nela ficou patente o

reconhecimento da luta do bispo franciscano para a construção de uma nova relação

entre ser humano e natureza, capaz de fazer valer o caráter missionário franciscano em

função da vida e reconhecendo a ausência de unanimidade dentro da Igreja Católica.

Para a CNBB NE V, toda essa polêmica revelou, depois de séculos de obscuridade, o

renascer do carisma de São Francisco de Assis frente aos desafios de preservar o planeta

e cuidar do povo excluído.

Dom Cappio canalizou para si a insatisfação de um povo, evocou o passado com

sua tradição e seus costumes, no intuito de resgatar a autenticidade de seu gesto, e

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apontou “o caminho da desobediência civil e da objeção de consciência, que se associa

à luta das organizações populares e dos movimentos sociais do Brasil e da Pátria

Grande” (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2008b, p. 155).

Em contrapartida, a Presidência da CNBB NE III – Bahia e Sergipe – reafirmou sua

posição favorável ao projeto de transposição e contrária à ideia de dom Cappio de

principiar novo jejum. “Esclarecemos que o seu gesto de ‘jejum e oração’ é iniciativa e

opção pessoal, não necessariamente refletindo o pensamento da CNBB NE III”

(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL – REGIONAL

NORDESTE 3, 2008, p. 49).

A maneira que dom Cappio encontrou de se rebelar causou divergência teológica

no meio eclesiástico, no entanto não ao ponto de gerar uma cisão na Igreja. Conforme

os documentos mencionados, uma parte do clero viu sua atitude como um atentado à

própria vida e uma afronta à doutrina cristã; outra ala defendeu a posição de que dom

Cappio não estava dando fim à sua vida, mas a doava em função de seu povo e do rio

São Francisco. Além disto, houve também discordâncias no clero sobre a viabilidade do

projeto de transposição: uma parte foi favorável a ele, classificando a atitude do bispo

como antidemocrática, e outra parte condenou o projeto, acreditando ser inviável e

oneroso.

A falta de consenso levou a CNBB a buscar orientações nas normas da Igreja,

através do direito canônico. Conforme dom Geraldo Lyrio, presidente da CNBB em

2007, o ato de dom Cappio não era um ato suicida, entretanto criava uma imagem

negativa para a Igreja Católica, uma vez que a instituição encontrava-se em campanha

contra o aborto e a eutanásia.

Já o clero da Diocese de Barra-BA apoiou dom Cappio e sua luta pelo rio São

Francisco e suas comunidades, numa carta aberta ao povo, de 28 de novembro de 2007:

Reunidos na Sede da Diocese de Barra, por ocasião do JEJUM E ORAÇÃO DO NOSSO BISPO, D. Frei Luiz Flávio Cappio, ação concreta, na luta e defesa da vida do Rio São Francisco e do povo ribeirinho, queremos através desta manifestar nosso apoio, solidariedade e respeito por este gesto grandioso de profecia do nosso Pastor. (DIOCESE DE BARRA, 2008, p. 52, grifos do autor).

A repercussão ultrapassou os muros da instituição católica e se fez ouvir nas

demais comunidades cristãs. Numa nota de 5 de dezembro de 2007, a diretoria do

Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), que se encontrava em

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Brasília-DF, manifestou sua posição sobre a transposição das águas do rio São

Francisco e o posicionamento de dom Cappio.

O conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil entende que o ato extremo de Dom Frei Luiz supera o campo puramente político e se situa na dimensão simbólica e religiosa. O bispo tem declarado e demonstrado com suas ações a vontade de doar a vida em favor da causa do povo do sertão, com quem ele convive há anos partilhando necessidades e sofrimentos, esperanças e lutas. Esse ato pode resultar incompreensível para muitas pessoas e parecer uma chantagem para membros do governo, mas é de acordo com a mais autêntica tradição cristã pontilhada de mártires. (CONSELHO NACIONAL DE IGREJAS CRISTÃS DO BRASIL, 2008, p. 157).

O CONIC reconheceu a luta de dom Cappio, assim como a degradação

desenfreada do meio ambiente e a necessidade da abertura de um diálogo que fora

firmado, em 6 de outubro de 2005, entre o bispo e o presidente da República. Por fim,

uniu-se ao bispo em seu propósito ético e democrático de proteção ao meio ambiente.

Numa nota que data de 5 de dezembro de 2007, o CONIC manifestou apoio a dom

Cappio na luta pela revitalização do rio São Francisco, além de ressaltar a necessidade

de abastecimento de água à população através de alternativas garantidas pelos recursos

hídricos do próprio sertão.

O CONIC entende o gesto extremo de Dom Frei Luiz como um testemunho cristão, une-se a ele em oração, preocupa-se com a sua saúde e a sua vida e reafirma o propósito de defender os direitos humanos das populações do semiárido, a democratização do uso da água, a revitalização do Rio São Francisco, metas que, a nosso ver, não estão contempladas no projeto de transposição. (CONSELHO NACIONAL DE IGREJAS CRISTÃS DO BRASIL, 2008, p. 158).

Por sua vez, a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, através de seu bispo primaz

dom Maurício José Araújo de Andrade, e tendo como base o documento ecumênico “Os

Pobres Possuirão a Terra”24, chamou luteranos, metodistas e católicos a se solidarizarem

com dom Cappio. Solicitou ao presidente da República que parasse as obras e chamou a

sociedade civil a refletir sobre a atitude do bispo. Também convidou a todos para, num

ato coletivo, se colocarem em oração e jejum, no segundo domingo do advento, 9 de

24 Cf. “ Os Pobres Possuirão a Terra: pronunciamento de bispos e pastores sinodais sobre a terra” (2006).

O texto ressalta os princípios fundamentais para uma sociedade, como a justiça, o respeito aos direitos humanos e a preservação do meio ambiente, além de resgatar o papel da Igreja na luta pela reforma agrária e a necessidade de uma nova consciência ecológica que deve presidir toda política voltada para a extração dos recursos naturais.

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dezembro de 2007, pelas intenções de dom Cappio. Dom Maurício conclamou toda a

Igreja,

[...] para manifestar solidariedade com o bispo católico romano da Diocese de Barra, na Bahia, Dom Frei Luiz Cappio, OFM, profeta, místico e pastor muito estimado por nossa Igreja, ora em jejum e orações pela revitalização do Rio São Francisco, e em protesto pelo início do projeto de transposição das águas de sua bacia hidrográfica. (ANDRADE, 2008, p. 159).

Em 9 de dezembro de 2007, estando dom Cappio em seu 13º dia de jejum, foi

realizado um ato ecumênico em apoio à sua causa. Cerca de cinco mil pessoas de

caravanas de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia chegaram a Sobradinho-BA. Para

os manifestantes, a causa do bispo era significativa, já que o projeto da transposição

traria um impacto ambiental incalculável, além de beneficiar apenas empresários e a

população com maior poder aquisitivo. A posição dos movimentos sociais sobre a

atitude de dom Cappio refletiu o descontentamento de terem apoiado um governo cuja

postura, àquela altura, redundava num desserviço; portanto, no rastro da indignação de

dom Cappio, seguiram-se os movimentos sociais que abraçaram a causa do rio São

Francisco.

O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (2007) afirmou que a

transposição e a revitalização não eram “causas nobres” que justificassem tal ato e que a

greve de fome era “um disparate”, assegurando que a transposição consistia num projeto

para “combater a indústria da seca” e que “a democracia não pode se dobrar a um único

homem”25:

Greve de fome como método de pressão política só fez sentido na História em lutas libertárias contra injustiças extremas. Foi assim que as mulheres inglesas conquistaram direito ao voto, que Mahatma Gandhi encerrou a longa opressão do colonialismo britânico na Índia e que, muitas vezes, presos políticos ou comuns conseguem denunciar regimes de maus tratos e torturas. Na forma, a greve de fome do Bispo de Barra, Dom Luiz Flávio Cappio, se aproxima da estética dos mártires. No conteúdo, não. Dom Cappio diz protestar contra a transposição e a favor da revitalização do rio São Francisco, o que justificaria seu gesto radical. Mas é um erro banalizar esse instrumento sagrado de luta porque, antes de mais nada, ele exige uma causa nobre ou uma iniquidade de enormes proporções. E isso é tudo o que não é o projeto do governo para o São Francisco. Dom Cappio faz do marketing do martírio seu único argumento, numa alegoria da sua incomunicabilidade com o governo. Produz com isso talvez uma imagem forte, mas um debate certamente fraco. Um fato precisa ser colocado com toda a moderação, mas com toda honestidade intelectual:

25 O pronunciamento do ministro Gedel Vieira Lima (LIMA, 2007) encontra-se disponível na home Page

do Ministério da Integração Nacional de acordo com o endereço eletrônico citado na referência final.

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atitudes assim embutem o vício de pensar que uma democracia pode se dobrar a uma vontade individual. Mas, em democracia, desrespeitar os ritos e os processos é pecado capital. (LIMA, 2007).

Além das celebrações que ocorriam todos os dias, marcadas por orações e

grande fervor religioso, aproximadamente seis mil pessoas e 120 representações de

movimentos sociais participaram de uma romaria a Sobradinho-BA em 9 de dezembro

de 2007. Estavam ali, entre outros, a Comissão Pastoral da terra (CPT), o Movimento

dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), o

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Conselho Pastoral dos Pescadores

(CPP).

A Capela de São Francisco foi tomada por pessoas oriundas de diversas partes

do Brasil que acompanhavam, com de reflexões e rezas, o gesto do bispo. Coube aos

movimentos sociais administrar a segurança do lugar, montar acampamentos e receber

as diversas romarias, personalidades artísticas e políticas que ali se fixavam e

transmitiam solidariedade. Além da presença dos diversos povos, dom Cappio recebeu

apoio de muitos que não estavam em Sobradinho-BA, mas assistiam, mesmo de longe, à

intensidade daquela circunstância.

Em sinal de solidariedade a dom Cappio, o ministro-geral da Ordem dos Frades

Menores (OFM), frei José Rodriguez Carbalio (2008), emitiu de Roma, em 9 de

dezembro de 2007, uma carta a dom Cappio, louvando a intenção do bispo em amparo à

população do semiárido atingida pelo projeto de transposição. Na carta, faz um apelo ao

governo federal, aos movimentos sociais e pastorais que reiniciem um diálogo que

aponte para positivas alternativas favoráveis a todo o povo nordestino e que não

agridam a natureza da região. A admiração pelo gesto de dom Cappio se torna fato,

visto por muitos como profético, gratuito, evangelizador e de grande magnitude

franciscana, além de fomentar as pastorais e trazer reflexões de cunho teológico.

Tal observação fica explícita numa mensagem de 12 de dezembro de 2007,

enviada a dom Cappio pelo coordenador do Clero de Feira de Santana, pe. Luiz

Rodrigues Oliveira.

Se isto não se parecesse com oportunismo, diríamos que o senhor está escrevendo e entregando-nos gratuitamente os melhores subsídios teológico-pastorais para a ação evangelizadora da Igreja no Brasil e está reavivando o dom de Deus que há em nós, presbíteros, e o múnus profético que já foi a “marca marcante” dos bispos do Brasil. Muito obrigado... O Pai que tudo vê o recompensará (OLIVEIRA, 2008, p. 166).

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Junta-se, nesse apoio, a Conferência dos Frades Menores do Brasil (CFMB),

formada por ministros, custódios e delegados responsáveis por aproximadamente 1.100

frades franciscanos, organizados em 11 entidades no Brasil. Numa carta de aprovação

ao seu segundo jejum, 11 superiores manifestaram sua posição política e religiosa

favorável ao bispo.

No entanto cabe remarcar que também houve divergências dentro da Ordem dos

Frades Menores quanto à forma de protesto adotada pelo bispo:

A ninguém interessa o fim de uma pessoa que tanto bem tem feito na sua vida de franciscano e de pastor: ao próprio irmão bispo em primeiro lugar, a nós, frades franciscanos, aos movimentos populares, às comunidades eclesiais, ao Governo Federal e à sociedade civil. A vida, qualquer que seja ela, é um dom do Criador. Entretanto, colocar a própria vida em favor da vida do próximo (e é numerosa a população ribeirinha empobrecida às margens do Velho Chico) constitui um dos centros da mensagem evangélica de Jesus de Nazaré. É preciso poupar a vida de Dom Frei Luiz Flávio Cappio e salvar a vida do Velho Chico, para que as populações ribeirinhas empobrecidas tenham, de fato, vida mais digna. Propomos a continuação do diálogo com o Governo e a oitiva dos projetos alternativos, que beneficiarão maior número de pessoas, com custos bem menores. (CARVALHO NETO et al., 2008, p. 170).

O Conselho Episcopal de Pastoral da CNBB também manifestou seu apoio em

nota de 12 de dezembro de 2007. Escancarou a luta entre dois modelos opostos de

desenvolvimento: um primeiro voltado para o social, e outro, voltado para os grandes

negócios. Ademais convocou as comunidades a se unirem na causa defendida pelo

bispo, a qual é antes de tudo a busca de respeito a marginalizados sociais, à sociedade

como um todo e à natureza:

O jejum e a oração de Dom Luiz Flávio Cappio, OFM, bispo da diocese de Barra-BA são motivados por seu espírito de pastor que ama seu povo. Dom Luiz expressa seu constante compromisso em defesa do Rio São Francisco e da vida das populações ribeirinhas – agricultores, quilombolas, povos indígenas – e de outras áreas. Sua atitude revela respeito à dignidade da pessoa e da criação e sua convicção de que o ser humano é capaz de conviver em harmonia e respeito com o meio-ambiente. (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2008f, p. 54).

É essencial salientar que, se por um lado houve um arrebanhamento significativo

de movimentos sociais e do povo, por outro o silêncio dos meios de comunicação e a

omissão do governo federal diante de seu gesto foram fatos marcantes. Destarte, no

meio eclesiástico, a CNBB só posicionou-se frente ao governo após 15 dias de jejum.

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Assim, o apoio veio realmente de movimentos, do povo e de pastorais ou dioceses

isoladas, como foi o caso da Prelazia de São Félix do Araguaia, numa carta dirigida a

dom Cappio ostentando solidariedade ao bispo na proteção do meio ambiente, dos

pobres e da população indígena:

A Prelazia de São Félix do Araguaia em Assembleia Pastoral acolhe com gratidão o seu testemunho profético. A sua luta é nossa luta, o seu São Francisco é nosso Araguaia. Refletimos na Assembleia sobre o documento de Aparecida que propõe como uma missão continental a defesa da vida, com ênfase na Ecologia e no Meio Ambiente. Frente a uma política e a uns projetos do capitalismo neoliberal que mercantilizam tudo e produzem exclusão e morte, acolhemos contigo, com as igrejas comprometidas e com os movimentos sociais as políticas alternativas para o semiárido, na partilha da terra e da água, nas reivindicações dos povos indígenas, quilombolas e sertanejos. (PRELAZIA DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA, 2008, p. 174).

Tal radicalidade levou a CNBB a se encontrar com o presidente Luiz Inácio Lula

da Silva, no Palácio do Planalto, em 12 de dezembro de 2007. Na audiência,

acompanhada pelo ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, a CNBB

expressou sua preocupação em relação à posição assumida por dom Cappio e mostrou-

se disposta a intermediar uma conversa entre o presidente e o bispo, conforme se

apresenta no documento chamado Pró-Memória, entregue ao presidente da República.

Colocamo-nos à disposição para colaborar na retomada do diálogo entre o Governo e Dom Luiz Flávio Cappio. Sugerimos a criação de uma comissão para estudar melhor o atual Projeto e analisar também as propostas que têm sido elaboradas por entidades governamentais, especialistas e movimentos sociais que consideram, também, a revitalização e a despoluição do Rio São Francisco. (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2008d, p. 57).

Neste sentido, a CNBB propôs criar uma comissão para aprofundar a discussão

sobre o projeto de transposição do rio São Francisco. Tal comissão ficaria incumbida de

estudar alternativas para o problema da seca apresentadas por especialistas. Após o

evento com o presidente Lula, dom Geraldo Lyrio Rocha e dom Dimas Lara Barbosa

expressaram preocupação com a saúde e vida de dom Cappio:

Tememos pela morte do bispo. Por isso, a CNBB conversou com o presidente da República. Queremos dom Cappio vivo. Ele é uma pessoa importantíssima para a Diocese de Barra e para a Igreja no Brasil. Faremos tudo para salvar a vida de Dom Cappio. (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2007).

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Nesse mesmo encontro, a discussão centrou-se na complexidade do projeto da

transposição das águas do rio São Francisco e no gesto individual de dom Cappio.

Segundo a CNBB, o projeto deveria ser analisado em suas dimensões social,

econômica, cultural e ambiental, levando em consideração várias alternativas para o

abastecimento de água no sertão. O presidente manifestou disposição em estabelecer um

diálogo com o bispo, contudo deixou claro que não cederia a um apelo individual e que

realizaria um seminário com a CNBB para debater sobre as obras do projeto de

transposição (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2007).

Dom Geraldo Lyrio, ao final desse evento, informou o bispo dom Cappio e o

núncio apostólico dom Lorenzo Baldisseri sobre os tópicos tratados na audiência. Em

12 de dezembro de 2007, estando em seu 16º dia de “jejum e oração”, e ao ser avisado

sobre a presença do exército nos canteiros do eixo leste e norte, nas cidades

pernambucanas de Floresta e Cabrobó, o bispo de Barra, dom Luiz Flávio Cappio

acirrou seu discurso contra o governo federal:

O governo mente quando diz que vai levar água para 12 milhões de sedentos. É um projeto que pretende usar dinheiro público para favorecer empreiteiras, privatizar e concentrar nas mãos dos poucos de sempre as águas do Nordeste, dos grandes açudes, somadas às do rio São Francisco. (CAPPIO, 2008j, p. 59).

No senado, César Borges26 referiu-se ao protesto de dom Cappio da seguinte

forma: “Até agora, a luta do bispo só recebeu palavras duras e hostis, sem que tenha se

demonstrado nenhuma atenção ao que ele tem a dizer”. Segundo Borges, a decisão do

Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que abrange Acre, Amapá, Amazonas,

Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e

Tocantins, de suspender o projeto27 mostrou que a obra não tinha condições de

continuar: “São várias questões sem esclarecimento”, justificou28. Dom Cappio foi alvo

de críticas, taxado por muitos como “inimigo da democracia”, conforme ele mesmo

escreve na Folha de São Paulo de 12 de dezembro de 2007.

26 Senador da Bahia, eleito em 2002. 27É preciso distinguir: a primeira interrupção ocorreu em 2005, por iniciativa do governo e para uma

conversa com dom Cappio. Já esta segunda paralisação é diferente, uma vez que não partiu do governo e atendeu a uma decisão do TRF.

28 A defesa de César Borges foi veiculada em 13 de dezembro de 2007, pelo site “Observatório Quilombola”, um espaço interativo, dedicado à coleta, organização e análise de informações relativas às comunidades negras rurais e quilombolas, em seus contextos locais e regionais, assim como às políticas pertinentes.

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Acusam-me de inimigo da democracia por estar em jejum e oração combatendo um projeto do governo federal autoritário, falacioso e retrógrado, que é o da transposição de águas do rio São Francisco. (CAPPIO, 2008j, p. 58).

Por outro lado, vale recordar que o bispo teve um significativo auxílio de

movimentos sociais, centrais sindicais, além de artistas, intelectuais e técnicos. No

período de jejum, recebeu inúmeras pessoas oriundas de diversas partes do país; a

Capela de São Francisco diariamente estava repleta. A posição do bispo era obstinada,

ele continuaria em jejum enquanto o governo transgredisse o acordo, estabelecido em

2005, de ter um diálogo aberto com a sociedade, sobre a transposição. Estando em seu

16º dia de jejum, para se manter consciente e evitar o início de uma anemia e uma

desidratação, dom Cappio, sob orientação médica, passou a se alimentar com soro

caseiro.

Toda a celeuma gerada em torno do segundo jejum ressonou no Vaticano, que

respondeu ao bispo, através de nota em 13 de dezembro de 2007:

A esse respeito reafirmo o princípio de que é necessário conservar a vida, dom de Deus, e a integridade da saúde. A continuação do jejum, já muito prolongado e radical, colocando em risco a própria sobrevivência, não é um meio aceitável e contradiz os princípios cristãos. (BALDISSERI, 2008b, p. 64).

Diante do pedido do Vaticano, dom Cappio prometeu obedecer, todavia pediu

um pouco mais de tempo, pois, naquele momento, para ele, não era oportuno cessar o

protesto. Os dias de jejum foram marcados por orações com a comunidade dentro da

capela. Após as celebrações, o bispo se retirava para o interior, onde havia um colchão

estendido no chão. Alimentado com a água do rio e com soro caseiro, o bispo decidiu

manter sua resolução.

Ainda em 13 de dezembro de 2007, frei Betto, através de um artigo, estabeleceu

uma relação entre a vida de São Francisco de Assis a serviço daqueles que eram

excluídos pelo incipiente desenvolvimento das atividades comerciais no século XIII

com a posição de dom Cappio ao lado dos marginalizados pelo projeto de transposição.

Dom Cappio tem fome de justiça, uma bem-aventurança, segundo Jesus no Sermão da Montanha. Seu Natal é o da manjedoura, lá onde a família de Maria e José, sem-teto, faz nascer a esperança de que a população da bacia do São Francisco não venha, em futuro próximo, ser conhecida também como sem-rio. (BETTO, 2008, p. 163).

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Torna-se importante um trecho da carta de frei Carlos Mesters a dom Cappio que

o reconhece como profeta em função de sua atitude solitária e questionadora perante os

poderes político e religioso.

Prezado Dom Luiz, irmão e amigo, frade mendicante como eu e tantos outros! Deus lhe dê força para manter o seu jejum como testemunho vivo do seu compromisso com o Evangelho de Jesus e com os pequenos. Tem gente por aí que anda dizendo que o seu jejum não tem nada a ver com a pastoral da Igreja. Não ligue não, Dom Luiz! Sempre haverá gente pra dizer que o profeta está errado. Disseram o mesmo de Jesus. Chegaram a dizer que ele era um louco (Mc 3, 21) e que ele estava sendo movido por um mau espírito (Mc 3, 22). Quando você tiver diante de si a multidão dos pequenos que vêm rezar com você e que apoiam o seu gesto profético, esqueça a crítica dos sábios e entendidos e faça sua prece de Jesus: “Pai, eu te agradeço, porque escondeste estas coisas aos sábios e doutores e as revelastes aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi de teu agrado!” (Mt 11, 25-26) (MOREIRA, 2008b, p. 162).

Devido à repercussão de sua luta pelos povos ribeirinhos e pela preservação do

rio São Francisco, Adolfo Pérez Esquivel, prêmio Nobel da Paz, estando em Buenos

Aires, se dirigiu ao presidente do Brasil através de uma carta, em 15 de dezembro de

2007, apresentando alternativas para o abastecimento de água na região do semiárido.

Ressaltou a importância de se pensar no povo, nos direitos humanos e na democracia,

valores que deveriam ser respeitados pelo governo.

La situación de salud de Dom Cappio se va deteriorando en el correr de los dias. Un bispo que, com coraje y decisión, recurre a la acción no-violenta para llamar a su mente y corazón, esperando uma respuesta clara y concreta em bien del pueblo. Lamentablemente hasta el momento no encuentra respuesta de su parte. Es como si la dureza del poder dominación [sic], no le deja margen para pensar en el bien del pueblo, y antepone los intereses económicos y políticos. (ESQUIVEL, 2008, p. 161).29

Dom Cappio se mantinha inabalável em seu gesto. A partir de 15 de dezembro

de 2007, estando em seu 19º dia de jejum, passou a apenas evitar aproximações com o

povo e a imprensa. Em 17 de dezembro de 2007, cerca de 50 integrantes de 18

movimentos sociais fizeram um jejum coletivo de 12 horas, em frente à Igreja da

Candelária, no centro do Rio de Janeiro, em apoio à greve de fome de frei Luiz.

29 “O estado de saúde de Dom Cappio se vai deteriorando no decorrer dos dias. Um bispo que, com

coragem e decisão, recorre à ação não-violenta para chamar à sua mente e coração, esperando uma resposta clara e concreta pelo bem do povo. Lamentavelmente, até o momento, não encontra resposta de sua parte. É como se a dureza do poder dominação [sic] não lhe desse margem para pensar no bem do povo, e antepõe os interesses econômicos e políticos.” (tradução nossa).

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Segundo um dos membros da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores

Rurais sem Terra (MST), Léo Haua, o objetivo da manifestação era dar visibilidade à

luta de dom Cappio.

O frei Cappio já está em jejum há 20 dias, e isso não sai na imprensa, não está sendo debatido na sociedade. Atos como esse vão colocando para a sociedade o que está acontecendo nesse projeto [transposição], que só atende os interesses das elites do agronegócio (HAUA, 2007).

A manifestação no Rio de Janeiro era parte de uma ação nacional, com a adesão

de sete estados da federação. Além do jejum coletivo, as organizações elaboraram a

carta intitulada “Rio pela Vida de Dom Cappio”, que já contava com mais de 200

assinaturas.

Em 18 de dezembro de 2007, o secretário geral da CNBB, dom Dimas Lara

Barbosa reuniu-se com o chefe de gabinete da Presidência da República, Gilberto

Carvalho, e com o membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Roberto Malvezzi,

que representava dom Cappio na discussão da transposição do rio São Francisco e

também sobre a possível suspensão do jejum que, naquele instante, estava em seu 22º

dia de protesto. Também estavam presentes representantes da Agência Nacional de

Águas (ANA), do Ministério da Integração Nacional (MIN), da Cáritas Brasileira, do

Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP),

organismos ligados à CNBB, além de assessores desta última entidade.

A reunião foi marcada por discordâncias nas propostas, principalmente na

exigência de dom Cappio de interromper a transposição e propor uma versão reduzida

do projeto pautada na implantação de uma adutora de água para as áreas de maior

déficit hídrico de Pernambuco e da Paraíba. Portanto a reunião não apresentou

definições, embora tenha sido o início de uma discussão acirrada, que se alastraria.

Na quarta-feira, 19 de dezembro de 2007, houve uma surpresa para todos que

aguardavam com expectativa um resultado positivo da reunião dos ministros do

Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão do STF foi de liberar a retomada das obras

de transposição do rio São Francisco. Ao saber da decisão, dom Cappio, já debilitado e

frágil, se ressentiu e desmaiou. O bispo, após duas horas, foi internado, em estado

inconsciente, na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Memorial de Petrolina-PE.

Na quinta-feira, 20 de dezembro de 2007, ele deixou a UTI e foi para um apartamento.

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Para aqueles que acompanhavam o bispo, foi um momento marcado por oração, dor,

choro e frustração.

Depois de 24 dias, a pedido dos movimentos sociais, frei Luis Flávio Cappio

encerrou, em 20 de dezembro de 2007, seu jejum contra o projeto de transposição do rio

São Francisco. Na correspondência que trata sobre o fim do jejum, ele diz que “uma de

nossas grandes alegrias neste período foi ter visto o povo se levantando e reacendendo

em seu coração a consciência da força da união” (CAPPIO, 2008f, p.72).

O anúncio do fim do jejum foi feito durante celebração da missa na Capela de

São Francisco, em Sobradinho, que contou com a presença de vários padres e dois

bispos. Em carta de 20 de dezembro de 2007, dom Cappio assegurou que iria continuar

a batalha para proteger o São Francisco, contra o projeto de transposição.

Ouvi com profundo respeito o apelo de meus familiares, amigos e das irmãs e irmãos de luta que me acompanham e que sempre me quiseram vivo e lutando pela vida. Lutando contra a destruição de nossa biodiversidade, de nossos rios, de nossa gente e contra a arrogância dos que querem transformar tudo em mercadoria e moeda de troca. Neste grande mutirão formado a partir de Sobradinho, vivemos um momento ímpar de intensa comunhão e exercício de solidariedade. Depois desses 24 dias encerro meu jejum, mas não a minha luta que é também de vocês, que é nossa. Precisamos ampliar o debate, espalhar a informação verdadeira, fazer crescer nossa mobilização. Até derrotarmos este projeto de morte e conquistarmos o verdadeiro desenvolvimento para o semiárido e o São Francisco. É por vocês, que lutaram comigo e trilham o mesmo caminho, que eu encerro meu jejum. Sei que conto com vocês e vocês contam comigo para continuarmos nossa batalha para que “todos tenham vida e tenham vida em abundância”. (CAPPIO, 2008f, p. 73).

Fazendo uma breve recapitulação, podemos dizer que, mesmo sendo alvo de

inúmeras críticas, dom Cappio recebeu apoio de várias partes do mundo. Tentou

alcançar com seu gesto um debate sobre o projeto do governo federal e apontar

alternativas menos onerosas e com menor impacto ambiental. Destarte, estava decidido

a doar sua vida para impedir o projeto de transposição das águas do São Francisco.

Conforme texto de Antônio Claret30, este fato incomodou a Igreja e a obrigou tomar

posição.

O gesto profético de Dom Luiz incomoda profundamente a Igreja e o governo. Os profetas são assim! A força cristalina da verdade feita entrega e testemunho toca feridas profundas, escondidas sob os discursos fáceis, palavras jogadas ao vento. Diante disso, a suposta segurança dos entendidos e importantes se torna areia movediça. Eles esperneiam e são obrigados a se posicionar, de um lado ou de outro. (CLARET, 2008, p. 166).

30 Antônio Claret é padre da Arquidiocese de Mariana-MG e militante do Movimento dos Atingidos por

Barragens (MAB), em Minas Gerais.

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Ao se postar contra o projeto do governo federal, manifestou também sua

insatisfação com o PT, que outrora havia apoiado durante suas campanhas. Ao final de

seu jejum, decidiu continuar a luta junto aos movimentos, direcionando sua energia às

mobilizações e se tornando um símbolo de luta em prol de uma política que aponta para

a conservação da vida do povo e do meio ambiente.

Desde o fim do primeiro jejum, em 2005, os movimentos sociais se articularam e

agiram através de passeatas, acampamentos e debates, assim como expandiram suas

ações contrárias à transposição, além de aumentarem as manifestações de solidariedade

ao bispo.

No período do segundo jejum, ocorreram manifestações públicas com milhares

de participantes em várias partes do Brasil, além de muitas celebrações. Sua atitude,

mesmo com a obscuridade dos meios de comunicação, em especial os jornais

televisivos, gerou repercussão internacional. O jejum foi um ato religioso com

motivação ética, de inspiração franciscana e teológica, pautada por um compromisso

com o povo, e que logo conquistou uma dimensão política.

Dom Cappio considerou o projeto inviável e devastador para o meio ambiente,

classificando-o como antidemocrático por não atender aos interesses do povo do

semiárido e objetivar interesses puramente empresariais. Não obstante, se posicionou de

forma técnica, política, ética e religiosa num primeiro momento. Diante do silêncio do

governo federal, adotou uma postura de “loucura” respaldada pelo evangelho. Foi esse

extremo gesto que incomodou a hierarquia eclesiástica e que teve um alcance midiático

em nível internacional. A CNBB não adentrou as esferas técnica e política do projeto de

transposição, porém procurou, após um período, compreender a posição de dom Cappio

e transmitir apoio político e espiritual, devido à repercussão e por ter sido compelida a

tomar uma posição.

Sua condição de bispo gerou repercussão, mas cabe lembrar que em momento

nenhum, conforme os documentos estudados, ele agiu em nome dos poderes

institucionais da Igreja Católica. Dom Cappio tentou influenciar o Estado e mobilizar a

sociedade através de sua atitude solitária, que terminou repercutindo nos movimentos

sociais, interpelando-os sobre a participação nos meios político e ambiental.

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3 O BISPO E SEU POVO: EMERGÊNCIA DO PROFETA

O presente capítulo propõe uma análise sociológica da figura profética de dom

Cappio na polêmica da transposição das águas do rio São Francisco e tem, como marco,

o conceito sociológico de profeta a partir das contribuições expressivas de Max Weber e

Pierre Bourdieu no campo da sociologia da religião. Muitas considerações realizadas

sobre a categoria do profeta possibilitam compreender os dois períodos de jejum e a

dinâmica de atuação de dom Cappio no processo de articulação e mobilização de setores

da Igreja, do meio político, dos movimentos sociais e povos que abraçaram a causa do

bispo franciscano. Enquanto instrumento teórico, esse conceito nos permite explicar

importantes aspectos da ação de dom Cappio e sua repercussão na sociedade.

Além de Weber e Bourdieu, procuramos realçar, de maneira seletiva, outras

contribuições expressivas no campo da sociologia da religião. Daremos ênfase à

dinâmica de atuação de dom Luiz Flávio Cappio e sua capacidade de arrebanhar

movimentos, incomodar parte do clero e muitos políticos. Somam-se a este objetivo

supracitado as plurais mudanças ambientais e sociais que se desenrolaram no rio São

Francisco ao longo da historia do Brasil, desembocando no projeto de transposição do

governo federal.

Destacamos neste momento as condições sociais para o aparecimento de um

líder religioso que decidiu colocar sua vida em risco “em função de um bem maior: a

vida do rio, a vida do povo” (CAPPIO, 2008a, p. 10). Este gesto pode ser entendido

como uma atitude religiosa que correspondeu à insatisfação crescente e calada de

determinados setores colocados à margem do processo de discussão e decisão do

projeto de transposição do São Francisco. Assim, ressaltamos a capacidade de dom frei

Luiz Flávio Cappio de apresentar uma linguagem religiosa para atender a demandas de

cunhos social, político e ambiental que se encontravam silenciosas, implícitas e em

estado de tensão, assim como uma habilidade desse líder carismático em formular e

articular essas mesmas procuras e conferir-lhes visibilidade de maneira tal que

movimentos e povos não pouparam esforços para defender o rio, junto a esse líder.

Na atual conjuntura, marcada por uma degradação ambiental desenfreada, são

fecundas as probabilidades de surgimento de movimentos e atores que advogam em

favor de uma nova relação entre ser humano e natureza (LEFF, 2005). Foi através do

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jejuar, e não de um ato político, que povos e movimentos sociais se acharam

representados. Gesto religioso que, já no primeiro período de jejum, arrebanhou vários

grupos e pressionou o Estado a abrir uma discussão com a sociedade sobre a eventual

proposta de transposição.

O objetivo deste trabalho é aproveitar as contribuições da sociologia na

elaboração de um conceito de profeta que nos possibilite uma inteligibilidade da

conturbada controvérsia sobre a transposição das águas do rio São Francisco. Propõe-se,

neste instante, evidenciar os aspectos teóricos relevantes para a compreensão das ações

de dom Cappio e a repercussão nos meios político e religioso, além de estabelecer as

possíveis vinculações sociológicas capazes de esclarecer sua postura.

Enquanto sujeito provocante, dom Luiz Flávio Cappio atraiu simpatizantes e

opositores à sua causa, gerando discrepâncias no meio político e no religioso.

Apresentou-se como autoridade voluntária e aceita por muitas pessoas do sertão e do

resto do Brasil, tornando-se uma referência na defesa do meio ambiente31. Os estudos de

Weber e Bourdieu, procuram abranger a origem, o desenvolvimento e a função do

profeta em diversas sociedades; ademais, analisam sua condição de agente religioso,

político e social, tornando inteligível o êxito social de dom Cappio. Ao tratarmos da

polêmica da transposição, daremos ênfase ao apelo de dom Cappio à causa política,

social e ambiental, e sua capacidade de instigar coletividades, grupos e povos que

responderam com convicção ao seu chamado e o reconheceram como profeta que

apontou para um caminho regulado por uma nova ética32.

3.1 O Profeta e a Polêmica da Transposição

A sociologia da religião traz uma enorme contribuição ao processo de

compreensão de determinados fatos, instituições e personagens historicamente

verificáveis nas diversas sociedades. No caso do profeta, as colaborações de Weber

31 O meio ambiente é abordado na perspectiva da totalidade social, cultural. É uma categoria sociológica

composta por comportamentos, valores e saberes e por novos potenciais produtivos (LEFF, 2005). Diante da degradação acelerada da natureza e do consequente esgotamento dos recursos naturais, os problemas ambientais na contemporaneidade são constantes, pois afetam, direta e indiretamente, o modo de vida de cada pessoa e impõem limites à atual forma de desenvolvimento econômico (GONÇALVES, 2004).

32 Para uma abordagem sobre a ética ambiental e os desafios das relações entre sociedade e desenvolvimento econômico, consultar Marcelo José Caetano (2008). O autor trata de questões como degradação ambiental, desenvolvimento técnico, injustiça social e ecológica, e assinala a urgência de uma nova ética apoiada nos princípios da vida sustentável.

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(1991) são indispensáveis para o entendimento de um protagonista cujo carisma único o

diferencia dos demais membros de sua sociedade e de outros agentes religiosos. Em

virtude de seu carisma pessoal33 e seus dons particulares, o profeta é capaz de gerar o

caos e propor uma nova ordem significativa, modelada por valores fundamentais, para a

organização de uma nova sociedade.

Max Weber foi o pioneiro no método dos “tipos ideais” 34 para análise dos fatos

sociais, em específico o sacerdote, o profeta e o mago. Os tipos ideais foram construídos

com base na realidade, mas de maneira nenhuma procuram esgotá-la. Portanto são

instrumentos que possibilitam, através da comparação, conduzir o pesquisador à

formulação de análises, questões e hipóteses frente a uma realidade.

Pierre Bourdieu apoiou seus estudos nas análises de Max Weber, no entanto

criticou-o por elevar demais o aspecto carismático do profeta. Bourdieu apontou este

não como um homem de características excepcionais, mas como um intérprete ou porta-

voz de uma situação extraordinária. Em Bourdieu (2005), o profeta é um homem ligado

às situações sociais, que dispõe de seus dons, os quais não são nada especiais e muito

menos extraordinários, mas que correspondem à demanda de grupos sociais específicos.

Essa relação umbilical entre o profeta e seu meio é que garantiria o sucesso de sua

atuação carismática.

Neste sentido, o estudo de Bourdieu (2005) é significativo, primeiramente

porque sublinha o papel singular de um grupo ou coletividade na fabricação de seu

líder; em segundo, porque a religião ganha uma função propriamente política e social

capaz de justificar, reformar ou destruir, em nome de uma nova vivência, um sistema

simbólico e político de controle sobre as massas.

Os autores supracitados são reconhecidos pelo domínio que possuem sobre o

tema proposto; portanto, em função do grau de cientificidade de suas obras, a eles nos

33 A questão do carisma pessoal será tratada adiante. No entanto, de início podemos afirmar, conforme

Weber (1991), que o carisma pessoal pode ser compreendido como o dom da graça concedida ao profeta, sua capacidade de ser extraordinário e possuir uma autoconfiança na revelação divina. Esta concepção é atacada por Bourdieu (2005), que dá ênfase à situação social de onde emerge o profeta.

34 Os “tipos ideais” são um conjunto de arquétipos de caráter abstrato criados por Weber para serem usados como modelos de comparação com os fatos sociais. É um instrumento metodológico para compreender e não para substituir a realidade ou, compulsoriamente, ser fiel a uma específica realidade. O método weberiano do “tipo ideal” foi concebido com base na realidade, tendo o cuidado de não esgotá-la, muito menos substituí-la (MARIZ, 2007). Sendo assim, serve como um parâmetro para a análise da realidade empírica. Mais ainda, não tem uma abrangência universal: uma vez reproduzido como a verdadeira realidade, pode se distanciar do fato empírico e destruir a concretude singular da história. A coerência, a discordância e a aderência dos “tipos ideais” com o mundo real não gerariam problemas; muito pelo contrário, seriam uma espécie de termômetro para identificar possíveis mudanças e permanências na história.

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ateremos, pois ambos tomam a religião como um objeto de estudo que se materializa na

vida concreta das diversas individualidades. Longe de ser uma questão pronta e

acabada, a atuação de dom Cappio na polêmica da transposição será compreendida a

partir das contribuições teóricas sobre a figura do profeta, sujeito que arrasta consigo

multidões rumo a transformações nos meios social, político, religioso e ambiental.

O projeto de transposição das águas do São Francisco apresenta desafios

teóricos, primeiramente o problema da relação entre religião e meio ambiente. Em

segundo lugar, coloca a questão da diversidade dos espaços onde nasce a consciência

ambiental com suas singularidades culturais, seus saberes acumulados por populações,

tribos e demais sociedades sobre a natureza, relevando a íntima ligação dos povos,

lideranças e movimentos populares com o espaço geográfico local, com a colheita, a

pesca, suas formas de organização, vivência e reprodução. Em terceiro, aponta para os

movimentos que surgem para proteger a natureza, cuja consciência é marcada por um

conjunto de ideias que envolvem política, religião, ecologia e que fomentam ações de

diversos gêneros. Em quarto, faz assomar a figura de uma liderança, portadora de um

conjunto de valores capaz de mobilizar pessoas, grupos e entidades em defesa da água

especificamente.

Por fim, reitere-se que a sociologia se preocupa em analisar a religião a partir de

sua repercussão na sociedade, extraindo conceitos que sirvam de ferramentas ao serviço

da história. Conforme já havíamos mencionado, o estudo que se segue baseia-se numa

linguagem sociológica (quer dizer, ele parte do sentido da ação); sendo assim, o que nos

interessa no presente capítulo são as chaves de compreensão das divergências acerca da

transposição através do gesto de dom Luiz Flávio Cappio e dos aspectos teóricos que

demarcam o sentido de sua atitude e a repercussão desta nos meios religioso, político e

social.

Torna-se fundamental analisar o carisma pessoal, a capacidade de manifestação,

o arrebanhamento de fiéis e a produção de um novo sentido mobilizador de pessoas.

Finalmente, buscamos apresentar as implicações de seu discurso na sociedade, destacar

as condições de seu surgimento e a preocupação de determinados grupos e camadas

dominantes em manter a hegemonia35 sobre as condutas política, social e religiosa da

sociedade.

35 Trataremos da “hegemonia” quando abordarmos a questão da crise que o projeto de transposição

instaurou, favorecendo a emergência de dom Cappio.

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3.2 O Significante e o Significado: as Condições para a Emergência do Profeta

A mobilização de diversos setores da sociedade e a repercussão na Igreja e nos

meios de comunicação, que ocorreram na efervescência dos dois períodos de jejum,

puseram em evidência um ato religioso atrelado a um conteúdo que é simultaneamente

político, social e ambiental, o que despertou avalanches de opiniões no Brasil. Assim,

uma vez constatado que dom Cappio despertou a atenção do clero brasileiro,

movimentos populares, comunidades eclesiais de base, personalidades políticas e

artísticas, órgãos técnicos e povos indígenas, atentamos para o estudo das condições

sociais que permitiram a emergência da figura de uma liderança religiosa e social.

Este episódio pode ser compreendido a partir de Bourdieu (2005), que define a

figura do profeta como sujeito capaz de perceber os sinais de seu tempo e conciliar sua

linguagem com um conjunto de demandas éticas e políticas já presentes num

determinado contexto social, porém em estado latente, adormecidas e pouco

estruturadas.

É pela capacidade de realizar, através de sua pessoa e de seu discurso com palavras exemplares, o encontro de um significante e de um significado que lhe era preexistente mas somente em estado potencial e implícito, que o profeta reúne as condições para mobilizar os grupos e as classes que reconhecem sua linguagem porque nele se reconhecem. (BOURDIEU, 2005 p. 75).

Ao nos referirmos à ideia supracitada acerca do significante e do significado,

partimos das reações surgidas nos dois períodos de jejum. O ato de dom Cappio

provocou, através de uma linguagem religiosa, diversas reflexões políticas e ambientais

voltadas para a realidade da seca e dos problemas sociais do semiárido brasileiro. O

significante usado por dom Cappio foi o jejum religioso, para expressar uma realidade

política, ambiental e social conturbada. Esse mesmo gesto assumiu diferentes

significados, pois para muitos, como José de Souza Martins36, foi uma forma de se fazer

política. Para a nunciatura apostólica, um atentado contra a própria vida, e, para outros,

um ato profético realizado por um religioso engajado, que colocou seu burel franciscano

e desceu de sua posição de bispo em função de uma causa social.

36 José de Souza Martins é um dos mais importantes cientistas sociais do Brasil. Professor titular de

sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), foi eleito fellow de Trinity Hall e professor da Cátedra Simon Bolívar, da Universidade de Cambridge (1993-1994). É mestre e doutor em sociologia pela USP. Foi professor visitante na Universidade de Flórida (1983) e na Universidade de Lisboa (2000).

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Exemplo importante de significado contrário ao profético foi a entrevista de Luiz

Alberto G. de Sousa37, concedida à revista Carta Capital, em 16 de janeiro de 2008,

intitulada “A transposição de dom Cappio”. Nela o jornalista A. Maurício Dias faz a

seguinte pergunta sobre a atitude de dom Cappio frente à transposição:

CC: Essa reação ao projeto de transposição faz sentido na biografia dele? Luiz A. Gómez: Neste caso, ele faz confusão. Confunde a luta legítima, pelos ribeirinhos, com posições radicais, duras, contra qualquer tipo de transposição das águas do rio. Ele tem o direito de ter mesmo uma certa mística em relação ao São Francisco, porque, afinal, é franciscano. Não poderia ter sido, no entanto, tão taxativo em relação a problemas de natureza técnica. (DIAS, 2008, p. 133).

Para o sociólogo, o bispo foi além do permitido e adentrou um campo que

desconhece. Segundo o próprio Luiz Alberto Gómez, “escorregou, sem se dar conta, de

uma posição de mística e de denúncia para uma tomada de posição política” (DIAS,

2008, p. 133). Em contrapartida, para Ruben Siqueira (2008b), a atitude de dom Cappio

resultou numa conquista significativa que foi a do debate e da organização popular

através de uma atitude religiosa.

Nesse contexto de distintos significados, destacamos o sentido profético do

jejum, que foi capaz, através de uma intervenção religiosa, de convidar grupos e

movimentos ao compromisso tanto social como ambiental, provocou tensões na Igreja e

no meio político, possibilitou um diálogo entre governo e sociedade, e foi eficaz na

interrupção do projeto de transposição em 2005.

O jejuar imbuiu-se de uma dimensão profética porque, primeiramente, ao lado

do jejum solitário do bispo, houve também um “jejum solidário” de muitas pessoas. Em

segundo, dom Cappio recebeu diariamente centenas de peregrinos de diversas regiões,

incluindo personalidades artísticas, intelectuais e lideranças religiosas que lhe

transmitiram apoio. Eram pessoas que o frei acolhia, que lhe beijavam a mão e de quem

ele escutava os clamores. Em terceiro, não ficou preso ao permitido, e é nisto que se

destacou sua profecia. Foram muitos os requerimentos, discursos, atos públicos,

passeatas e protestos realizados dentro daquilo considerado como tolerável e que de

37 Luiz Alberto Gómez de Souza é graduado em direito pela PUC-RS e pós-graduado em ciência política

pela Facultad Latino-americana de Ciencias Sociales (Flacso), de Santiago do Chile, e doutor em sociologia, pela Universidade de Paris Sorbonne Nouvelle. Atualmente é diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Cândido Mendes. De sua vasta obra bibliográfica, destacamos “A JUC: os estudantes católicos e a política”. Há também artigos publicados pela IHU On-Line, como: “Dai a César o que é de César,” “Fé e política em discussão” e “Uma prece a São Francisco: solidários com os pobres e livres dos fundamentalismos religiosos e ecológicos”.

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nada adiantaram. Somente quando dom Cappio colocou seu hábito franciscano, iniciou

o jejum por tempo indeterminado e começou a beber água do rio São Francisco é que

houve um fato impactante que tirou as comunidades religiosas e movimentos sociais de

um estado de paralisia.

Devemos acrescer a isto as advertências, discursos, pronunciamentos da Santa

Sé, através da Nunciatura Apostólica, no Brasil, condenando o gesto do bispo de

quebrar a hierarquia e exceder os limites daquilo que era consentido. Foi o significado

de sacrifício em prol de uma causa ambiental e social que lhe conferiu a condição de

profeta. Os atos de jejuar e beber da água do rio São Francisco até que as obras fossem

suspensas foram ao encontro do interesse social de muitas pessoas que viram em dom

Cappio uma liderança religiosa respeitável, capaz de reunir e conduzir povos e

movimentos sociais no processo de luta pelo rio São Francisco e pela população do

sertão – por isso alcançaram uma dimensão profética.

Numa entrevista concedida à IHU On-Line, dom frei Luiz Flávio Cappio falou

sobre as mobilizações e reflexões feitas a partir de seu jejum:

Em primeiro lugar, nós podemos dizer que este gesto, independentemente de ter sido feito por mim, poderia ter sido uma outra pessoa [sic]. Foi um grito muito forte que acordou os movimentos sociais brasileiros, que até então estavam, de certo modo, adormecidos. Porque o governo Lula, que é fruto de todo um trabalho muito intenso dos movimentos sociais brasileiros, trouxe uma imensa decepção para esses grupos. Então, se criou uma certa inércia, anestesiando os movimentos sociais, que estavam parados, atônitos, sem saber como agir diante de uma expectativa tão grande e que foi frustrada. Esse gesto fez com que os movimentos tomassem consciência da sua própria identidade (CAPPIO, 2008g, p. 106-107).

Somam-se a isto as inúmeras censuras realizadas pelo próprio bispo ao atual

modelo de desenvolvimento defendido pelo governo e sua avaliação juntamente com

outros técnicos sobre o impacto da obra em níveis social e ambiental. Dom Cappio fez

várias reflexões a respeito da vida dos povos que, com suas lendas, tradições e crenças,

se formaram e se agruparam às margens do Velho Chico. Não houve nenhuma fala

desvinculada de uma realidade histórica já existente.

A realidade da região do semiárido, que liga povo e rio numa grande dimensão

sociocultural, ao se deparar com o projeto de transposição, fez com que comunidades,

tribos e movimentos sociais se reconhecessem no gesto e nas palavras de denúncia

envolvendo as dimensões religiosa, política e ambiental. A organização social ocorreu

na medida em que a integração entre o jejum e o discurso de dom Cappio com os

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contextos social, ambiental e político assumiu um plano de correlações análogas38,

gerando um significado profético para sua atitude.

Assim, o ato de contestar o projeto de transposição que surgiu em torno de dom

Cappio – criando uma mobilização crescente de forças populares ligadas ao clero e ao

povo, capaz de afrontar o Estado – ocorreu porque apareceu um profeta que reuniu e

articulou em seu discurso e em seu gesto, as condições tanto sociais, quanto políticas e

religiosas do semiárido, além de um conjunto de procuras insatisfeitas, de maneira que

povos, tribos e movimentos sociais se acharam expressos nessa formulação profética e

passaram a organizar suas forças em conformidade com isso. Seu sucesso foi resultante

de sua capacidade de ser um contundente canal de expressão.

Todavia, somente as condições sociais e religiosas são insuficientes para

produzir um movimento profético (MADURO, 1981). No caso da polêmica da

transposição, foi necessário, além da realidade social e religiosa já existente, alguém

qualificado para exercer o carisma39 com propriedade e encaixar em seu discurso e em

seu gesto as condições sociais e religiosas que possibilitaram a organização desse

movimento de defesa do rio São Francisco. Ao referir-se a Émile Durkheim, Bourdieu

(2005, p. 92) aponta que “a fala e a pessoa do profeta simbolizam as representações

coletivas porque contribuíram para constituí-las”, deixando clara a sua faculdade de

reunir as demandas de uma gente e sua ligação com um específico contexto social.

O profeta traz ao nível do discurso ou da conduta exemplar, representações, sentimentos e aspirações que já existiam antes dele embora de modo implícito, semiconsciente ou inconsciente. Em suma, realiza através de seu discurso e de sua pessoa, como falas exemplares, o encontro de um significante e de um significado preexistentes [...]. É por isso que o profeta [...] pode agir como uma força organizadora e mobilizadora. (BOURDIEU, 2005, p. 92-93).

Então, o discurso de dom Cappio está em consonância com uma determinada

conjuntura, marcada pela implantação do projeto de transposição das águas do São

Francisco, uma estrutura social ligada ao subdesenvolvimento da região do semiárido e

com os sentimentos, as cosmovisões e as aspirações preexistentes. Dom Cappio se

38 Cf. com o estudo de Filho e Gil que colocam em relevo a diversidade da identidade religiosa dentro dos

limites de uma experiência institucional (FILHO; GIL, 2008). 39 Weber (1999, p. 280) define o carisma como um dom inato à própria pessoa, e não adquirido ou

desenvolvido, mas sim despertado, estimulado e reconhecido na pessoa em função de alguma situação ou fato extracotidiano. Cabe assinalar que a legitimação maior do profeta é oriunda do povo que o reconhece enquanto sujeito portador de um dom, e não da instituição religiosa que procurará combatê-lo por se apresentar como portadora do discurso religioso oficial.

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colocou como mediador entre um “significante” e um “significado”, elaborando desta

forma um novo sentido, capaz de mobilizar as energias coletivas dos portadores do

significado rumo a transformações nos campos político e ambiental. Canalizou um

conjunto de difusos sentimentos de desconforto com a realidade vivida e de anseios pela

preservação do rio e dos povos ribeirinhos, e os fez confluir para um movimento social

que teve como bandeira a sua própria figura e a oposição à transposição, de maneira que

vários grupos populares se acharam expressos nessa formulação profética de luta pelo

sertão e seu povo.

Meu gesto não é imposição voluntarista de um indivíduo. Fosse isso, não teria os apoios numerosos, diversificados e crescentes que tem tido, de representantes de amplos setores da sociedade, de cientistas renomados a pobres ribeirinhos, de artistas famosos a crianças de escolas, de movimentos sociais do campo a centrais sindicais, de longínquos cantos do país ao exterior, de bispos e pastores a políticos da direita e da esquerda, inclusive o próprio PT. Isso, apesar de todo o bloqueio que o governo montou na mídia e tentou na Igreja e nos movimentos sociais. (CAPPIO, 2008j, p. 58).

As considerações acima revelam a importância da interação entre o líder

religioso e seu grupo social, e sua aptidão de exercer uma função correspondente à

história de um povo. É importante destacar que, caso dom Cappio não tivesse tido essa

atitude radical de “jejum e oração”, essa realidade do povo do sertão continuaria

escondida, abafada e aguardando o aparecimento de uma liderança capaz de atender à

sua carência social e política. Nas palavras de Maduro (1981, p. 143), na ausência de

um líder, “as condições sociais e religiosas que permitem o aparecimento de um

movimento profético permanecerão na situação de latentes”. No entanto, com o

surgimento de uma liderança na região do São Francisco, as condições sociais de seu

povo foram questionadas, e a instituição católica, que até o presente momento exercia

certo “poder simbólico” 40, tornou-se alvo de crítica.

A força inicial de dom Cappio não foi seu gesto de “jejum e oração”, mas uma

realidade carente de significação, cujas condições sociais, culturais e econômicas

estavam grávidas de uma representatividade, de alguém já enraizado nesta realidade e

capaz de exprimir de maneira carismática os problemas socioambientais que assolam a

bacia são-franciscana.

40 Nas palavras de Pierre Bourdieu (1989, p. 7-8), “… o poder simbólico é, com efeito, esse poder

invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo o exercem”. O poder simbólico é um instrumento estruturado e estruturante de conhecimento e assegura a dominação de uma classe sobre outra a partir da imposição de uma legitimação, “domesticando” desta forma os dominados.

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Encontrei aqui o melhor modo de seguir São Francisco, meu pai e modelo no seguimento de Jesus. Como São Francisco, também troquei uma família de posses para me dedicar aos pobres [...]. Passei a me sentir visceralmente integrado a esse povo e seu rio, numa franciscana, espiritual ecologia. (CAPPIO, 2008k, p. 97).

Na condição de sacerdote e líder religioso, dom Cappio trouxe à tona uma

linguagem religiosa que tratou do rio São Francisco e de seu povo, comungou da mesma

visão social de mundo daqueles que nesta região se encontravam, pois falou da seca, da

espiritualidade franciscana, da importância das águas e da necessidade de se conservar

os povos com suas culturas. Nesta perspectiva, o carisma do profeta é dependente de um

campo social e religioso que favorece sua atuação como porta-voz ou intérprete de

situações ou fatos.

3.3 A Mudança Simbólica e o Trabalho Religioso

Enquanto portador de um discurso ético e de caráter subversivo, o profeta opera

uma mudança simbólica que vai ao encontro de uma possível mudança política41.

Portanto, para se interromper o projeto de transposição, foi necessária uma mudança

simbólica, e isto ocorreu a partir do papel desempenhado por dom Cappio com sua

mensagem religiosa, social, política e ambiental e sua capacidade de gerar uma

mobilização (BOURDIEU, 2005).

De acordo com Bourdieu (1996, p. 158), o campo religioso é o palco de disputas

entre os agentes religiosos – o sacerdote, o profeta e o mago – pela produção dos bens

religiosos e de um grupo que produz excedente econômico – os leigos – em troca do

sustento espiritual. Pedro A. Ribeiro de Oliveira (2007) recorda que a grande

contribuição de Bourdieu para a compreensão do campo religioso é seu estudo sobre o

“trabalho religioso” 42 que consiste na produção dos bens religiosos, por parte do clero,

41 Utilizamos os termos “mudança simbólica” e “mudança política” ao perceber que houve tentativas de

interrupção de um projeto político através de uma linguagem religiosa e não necessariamente uma revolução que traria transformações mais profundas e amplas. Todavia, de acordo com Bourdieu (2005, p. 77), os elementos de ordem simbólica que garantiam a dominação e manutenção do status quo são questionados através do profeta, “sobre um novo palco da história”: a crise.

42 O citado conceito de “trabalho religioso” apoia-se nos estudos de Pierre Bourdieu analisados pelo sociólogo Pedro de Oliveira (2007, p. 182), que afirma: “há trabalho religioso quando seres humanos produzem e objetivam práticas ou discursos revestidos de sagrado, e assim atendem a uma necessidade de expressão de um grupo ou classe social”.

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do profeta e do feiticeiro, para atender a carências religiosas, sociais e até políticas de

um específico grupo ou povo.

Assim, o trabalho religioso de Dom Cappio objetivou uma mudança simbólica

acompanhada de uma mudança política. É a transfiguração simbólica que prepara o

terreno para uma linguagem política assertiva e gera as condições subjetivas para a

elaboração de um novo ethos. Ela consiste numa modificação da consciência; no caso

específico da polêmica da transposição, é a transformação do pensamento humano

através do gesto religioso.

O poder do profeta baseia-se na força do grupo que mobiliza por meio de sua aptidão para simbolizar, em uma conduta exemplar e/ou em um discurso (quase) sistemático, os interesses propriamente religiosos de leigos que ocupam uma determinada posição na estrutura social (BOURDIEU, 2005, p. 92).

É essencial destacar que a mudança simbólica não se dá só no pensamento

humano, mas pressupõe também uma (re)significação dos grandes símbolos que

compõem determinado ambiente natural no intuito de atender às novas demandas do

contexto e se ajustar aos anseios de um grupo ou sociedade. O símbolo religioso é a

forma que a linguagem de um povo encontra para se manifestar, permitindo

compreender as divindades que não falam através da linguagem humana43. Em meio ao

questionamento do projeto da transposição, testemunhamos uma mudança no trato com

o rio São Francisco e a tomada de consciência de especialistas, lideranças religiosas,

educadores, advogados e do povo em geral, além do questionamento dos valores

políticos que garantiam certa ordem social.

Dom Cappio exerceu uma atividade única e consciente: ressignificou o rio para

gerar uma alteração nas esferas social, política e ambiental. Nas considerações de

Bourdieu (2005), o profeta cria formas de entrar em contato com o sagrado e de

compreender a manifestação divina no respectivo contexto. Enquanto detentor de um

carisma apoiado numa realidade única e extraordinariamente favorável, o profeta auxilia

na produção de sentidos simbólicos (BOURDIEU, 1989). Especificamente no contexto

do sertão nordestino, dom Cappio contribuiu para uma nova forma de relacionamento

ou pertença à natureza e indiretamente reforçou as tradições culturais ligadas à bacia

43 Neste momento, Bourdieu apoia-se em Durkheim para mostrar a luta travada entre determinadas classes

e agentes religiosos pela produção legítima dos bens simbólicos e domínio sobre os mesmos (BOURDIEU, 1989, p. 7-15).

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são-franciscana – centro legítimo de experiência religiosa. Isto está em sintonia com o

que defende Carlos Rodrigues Brandão:

Para além da religião, o tempo cultural em que vivemos e para onde dirigimos, [sic] inclui cada vez mais um número maior de estilos de espiritualidades, de outros sistemas de sentido, de combinações pessoais e coletivas de saberes e valores que não apenas permitem, mas obrigam a própria pessoa-religiosa a interações de sentido, a integrações de escolhas, a indeterminações de seu próprio destino como indivíduo e uma identidade. (BRANDÃO, 2004, p. 284).

Na condição de líder religioso que convive há anos com comunidades singelas

num cenário historicamente marcado pela miséria, além da degradação ambiental e

social, dom Cappio procurou denunciar os problemas ambientais e sociais da bacia são-

franciscana em nome do povo e da Igreja. Exemplo disto foi a peregrinação feita entre

1992 e 1993, juntamente com técnicos, para avaliar a situação do Velho Chico44.

Seu gesto e sua linguagem religiosa nos dois períodos de jejum obtiveram um

significativo valor simbólico e podem ser analisados como um “trabalho religioso” 45,

pois estão alicerçados na produção de uma prática revestida de um discurso religioso

para atender à necessidade social de um povo; ademais, germinam a partir de uma

experiência com o coletivo, realizada por uma personalidade carismática (BOURDIEU,

2005). Compreendemos o “trabalho religioso” como o gesto de jejum e oração realizado

por um protagonista carismático, tendo a legitimidade de uma coletividade que

participou direta ou indiretamente no elaborar de uma cosmovisão que se adequasse a

um interesse religioso coletivo já existente, mas que estava tácito e latente.

Dia após dia, nestes anos todos, fui observando a degradação ambiental e social do Rio São Francisco e de seus afluentes. Os ribeirinhos diziam das dificuldades crescentes em tirar das águas seu sustento: peixe escasso, vazantes menos produtivas, bancos de areia, navegação difícil, águas poluídas, rasas... Senti-me incitado a uma atitude mais contundente, além das denúncias infrutíferas. Foi então que, entre 1992 e 1993, com mais três companheiros fizemos a peregrinação, por um ano, da nascente à foz, provocando as comunidades ribeirinhas, a opinião pública e as autoridades a se juntarem numa campanha de salvação do São Francisco, rio e povo. (CAPPIO, 2008k, p. 97).

44 A obra “Rio São Francisco – uma caminhada entre vida e morte” trata dos relatos da peregrinação

realizada por dom Cappio, irmã Conceição Menezes, o sociólogo e ecologista Adriano Martins e o lavrador e garimpeiro Orlando rosa, por todo o rio São Francisco, visitando, celebrando e escutando as comunidades ribeirinhas (CAPPIO et al., 2000).

45 O “trabalho religioso” é exercido pelos protagonistas do sagrado – o sacerdote, o profeta e o mago – que, através de suas práticas e discursos revestidos de sagrado, disputam entre si o monopólio da prestação do serviço religioso. O profeta busca atender a uma necessidade de expressão de um grupo ou classe social (BOURDIEU, 2005).

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Devemos levar em conta que o jejum e o discurso religioso enquanto “trabalho

religioso” ocorrem porque correspondem à história de um povo que há séculos é

castigado pela seca no sertão. Este alicerce é reforçado pelos costumes, crenças,

tradições do povo ribeirinho e pela experiência de vida de um personagem carismático

que satisfez aos interesses de grupos, povos e movimentos sociais em interromper o

projeto de transposição.

Sendo assim, presencia-se que o “trabalho religioso” surge da experiência

coletiva de uma personalidade carismática, levando à ideia de que não basta apenas o

interesse religioso e o social de um coletivo: torna-se necessário haver um protagonista

que possa encarnar em atos e palavras os elementos capazes de inaugurar um processo

de produção religiosa que satisfaça uma necessidade social.

O campo religioso tem por função específica satisfazer um tipo particular de interesse, isto é, o interesse religioso que leva os leigos a esperar de certas categorias de agentes que realizem “ações mágicas ou religiosas”, ações fundamentalmente “mundanas” e práticas, realizadas “a fim de que tudo corra bem para ti e para que vivas muito tempo na Terra”, como diz Weber. (BOURDIEU, 2005, p. 83-84, grifos do autor).

No caso do profeta, o sucesso de seu “trabalho religioso” não é garantido apenas

pela comunicação estabelecida com os leigos, mas, como mencionado acima, pelas

condições econômicas e sociais que possibilitaram o estabelecimento dessa

comunicação. O reconhecimento que dom Cappio obteve dos movimentos sociais e

povos foi também resultante de sua “aptidão para formular e nomear o que os sistemas

simbólicos vigentes afastam para o domínio do informulado [sic] ou do inominável”

(BOURDIEU, 2005, p. 73). Assim, tornou-se um intérprete ou porta-voz de uma

situação social específica e extraordinária. Esta relação íntima com o seu meio social e

econômico, marcada pela correspondência entre os anseios e demandas de um

determinado grupo ou povo e a oferta do serviço religioso, é que garantiu seu

desempenho carismático.

Todavia, como relembra Bourdieu (2005), o profeta se diferencia dos demais

membros de seu grupo pela sua capacidade de interpretar, formular e apresentar aquilo

que para os demais membros é impossível de ser concebido num determinado campo

religioso, através de uma linguagem religiosa socialmente estabelecida O profeta possui

a habilidade de expressar aquilo que, até certo momento e num contexto específico, não

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tem consistência, embora, de maneira subjacente e silenciosa, se encontra em estado de

gestação.

3.4 A Crise: Palco de Atuação do Profeta

Dom Cappio ganhou notoriedade num momento em que o projeto de

transposição das águas do rio São Francisco estava sendo implantado silenciosamente,

sem encontrar qualquer tipo de oposição e questionamento visível por parte da

sociedade, um cenário de paralisia nacional e ausência de um pensamento crítico

voltado para a questão ambiental. De forma paradoxal, esse mesmo cenário estava em

processo de gestação de uma liderança religiosa e social. Dom Cappio surgiu de uma

realidade carente de referências e apoios para guiar um povo a ações transformadoras

que viabilizassem a passagem de uma consciência de mercado para uma consciência de

sustentabilidade baseada na democracia e na ressignificação do tratamento com a

natureza.

Assim, quando o bispo decidiu fazer o jejum, houve um choque na sociedade, o

qual despertou inúmeras reflexões sobre o papel da Igreja e do Estado na preservação

do meio ambiente. Acontece que tais considerações só ocorreram porque o projeto de

transposição enquanto fato singular esteve ligado a uma realidade maior: a percepção

global do acelerado processo de degradação ambiental, cada vez mais denunciado nos

meios de comunicação. Esta situação de crise ambiental é consequência do modelo de

desenvolvimento que se desdobra em aspectos múltiplos: econômicos, políticos, sociais,

culturais, éticos e religiosos (IANNI, 2001).

Portanto, há uma crise ambiental já instaurada, cujos sinais são ameaçadoras e

crescentes para todos os que habitam o planeta: o efeito estufa, que eleva cada vez mais

a temperatura da terra; a poluição do ar e da água, que envenena os seres bióticos e

abióticos; o buraco na camada de ozônio, relacionado à elevação de radiações

ultravioleta; a construção de hidrelétricas à custa do desmatamento e da expulsão de

povos; e outros impactos ambientais e culturais causados pela ação humana. Milaré

(2005, p. 127) compara o planeta Terra à nossa casa e destaca: “... evidenciam-se sinais

de verdadeira crise, isto é, de uma casa suja, insalubre e desarrumada, carente de uma

urgente faxina”. Tal realidade leva inúmeras pessoas a se situarem de maneira diferente

nas sociedades, admitindo-se seres integrantes da natureza e não donos.

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Face à globalização econômica, os movimentos da cidadania estão legitimando novos valores e direitos humanos [...]. A cidadania emerge configurando novos atores sociais fora dos campos de atração das burocracias estatais e dos círculos empresariais, que reclamam a autodeterminação de suas condições de existência e a autogestão de seus meios de vida (LEFF, 2001, p. 125).

A crise ambiental está também relacionada a uma alteração na relação entre ser

humano e natureza. A ausência de equilíbrio neste relacionamento acabou resultando,

de forma contraditória, numa modificação na consciência e na organização social de

determinados grupos interessados na questão que envolve a vida de todos os seres

viventes. Neste sentido, a consciência ambiental que irrompe com força em todos os

quatro cantos do planeta produz uma força universal rica em possibilidades de mudança

e capazes de apontar para novos caminhos que assegurem a vida do planeta (JUNGES,

2001).

Neste contexto, quem apregoa uma ética ambiental46 se apresenta como uma

força de oposição ao poder do Estado. Os cidadãos reclamam seu desejo e seu direito de

participar nos processos de tomada de decisão que afetam as condições e a qualidade de

vida de todos os seres vivos. Assim, surgem lideranças mobilizadoras e movimentos

ambientais almejando novas utopias, apoiadas em princípios colocados à margem pela

racionalidade econômica dominante. Diante do desenfreado processo de

desenvolvimento econômico, os movimentos populares estão abraçando novos valores e

questionando a ordem estabelecida.

A “Carta da Terra” tem sido um ponto de referência para esses movimentos,

governos e lideranças sociais, pois é o resultado de uma profunda discussão em âmbito

mundial que remonta aos últimos decênios do século XX e que culminou num texto

oficial no ano 2000. Sua elaboração envolveu 46 países e mais de cem mil pessoas de

diferentes continentes. Pauta-se por um documento de “referência ética para o

desenvolvimento sustentável e convidando os Estados-Membros a utilizar a Carta como

um instrumento educativo” (BOFF, 2009, p. 18). Ela alerta para um panorama de

destruição e devastação ambiental, de extinção de seres bióticos e abióticos, e para a

dilatação do abismo entre ricos e pobres. Ao mesmo tempo, conclama todos a se unirem

46 Para Gonçalvez (2004), a ética ambiental aponta para um novo saber que possa dialogar com o lugar, o

espaço, e que não imponha do alto ou de fora as vontades predominantes do ser humano. A ética ambiental é o resultado de uma mudança de consciência que corresponde a novas atitudes de respeito à vida de todos os seres vivos e à reflexão sobre os limites da intervenção humana na natureza.

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em defesa da vida do planeta, propondo ações voluntárias e coletivas, além de

regulamentações no trato com a Terra, aventando uma nova relação entre o ser humano

e a natureza (BOFF, 2009).

Bourdieu (2005) busca ilustrar que é nos momentos de crise – guerra, fome,

tragédia ambiental, extrema desigualdade – que emerge o profeta com seu discurso

herege e subversivo, recebendo o apoio dos grupos que estão do lado de fora do muro

das instituições. O profeta está intimamente atrelado a uma situação catastrófica que cai

como uma enorme onda sobre os valores que, até certo momento, forneciam as

orientações para a vida humana.

O discurso profético tem maiores chances de aparecer em períodos de crise manifesta ou latente, afetando sociedades inteiras ou determinadas classes, isto é, em períodos nos quais as transformações econômicas ou morfológicas determinam, nesta ou naquela parte da sociedade, a destruição, o enfraquecimento ou a obsolescência das tradições ou dos sistemas de valores que forneciam os princípios da visão do mundo e da conduta na vida. (BOURDIEU, 2005, p. 93).

De acordo com o próprio bispo, o jejum foi o derradeiro recurso utilizado para

pressionar o governo a permitir uma discussão com o povo e os movimentos sociais da

região sobre as possíveis vias para uma revitalização da bacia são-franciscana. Seu

gesto pode ser analisado como uma expressão de resistência e uma tática de luta em

consonância com uma realidade maior, as quais, através de sua eficácia simbólica,

conseguiram mobilizar pessoas e enfrentar o poder do Estado. Foi também uma resposta

tanto à violência ambiental na bacia são-franciscana quanto uma reação à violência

simbólica provocada pelo poder político que calou as consciências, deixando-as à

margem do processo de discussão e participação sobre a questão da seca no semiárido.

No contexto da globalização, a ética ambiental, através de dom Cappio, se

manifestou como uma resistência aos poderes econômico e político do Estado. Dom

Cappio procurou responder especificamente a uma crise ambiental e social que, embora

de origem extraeclesiástica, afetou direta e indiretamente a Igreja e seus fiéis. Instaurou-

se um momento de mobilização no qual o projeto de transposição foi posto em relevo

por uma oposição coletiva influenciada por dom Cappio.

O gesto profético de Dom Luiz sacudiu a Igreja, o Governo e pessoas de tantas instituições. A força cristalina do testemunho de profeta tocou feridas profundas, encobertas por discursos fáceis, palavras jogadas ao vento. Dom Cappio retomou uma modalidade de luta assentada sobre a fina flor da tradição cristã: jejum e oração. (MOREIRA, 2008d, p. 216).

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Esta mobilização, cujas forças estão fundamentadas na atitude simbólica do

bispo e numa proposta que aponta para outra lógica de desenvolvimento humano,

antagoniza com a racionalidade predominante do sistema econômico e político vigente

na atual conjuntura e vai ao encontro dos princípios da “Carta da Terra”, que faz

referência às ameaças ao meio ambiente e delata as forças que prejudicam a vida no

planeta. Os efeitos simbólicos de sua estratégia para barrar o projeto de transposição

podem ser vistos numa mudança de consciência que levou povos, movimentos

populares, intelectuais, técnicos e artistas a se organizarem para assegurar a integridade

do rio e suas comunidades. Assim, formou-se uma organização popular num

determinado meio social, e dela derivou uma mobilização que, de algum modo,

buscava, diante do Estado, inclusão no processo de tomada de decisões – o que

desagradou os setores dominantes.

Esse mobilizar-se em torno do rio São Francisco é reação perante a exploração

direta e indiscriminada dos recursos naturais, conduzindo a novos sentidos

civilizatórios. A emergência de uma liderança coloca a possibilidade de povos, grupos e

movimentos elaborarem novas utopias face à crise ambiental mundial, contribuindo

para a construção de uma nova ordem social (LEFF, 1998).

Há dois anos realizamos aqueles dias de oração e jejum que foi [sic] um grito desesperado em defesa da vida, quando todos os argumentos de razão haviam se tornado insuficientes para demover o governo federal da decisão de realizar o projeto de transposição de águas. O sacrifício valeu no sentido de fazer as consciências acordarem para a gravidade do problema, que não apenas diz respeito ao rio, como também ao meio-ambiente, à vida, de um modo geral. (CAPPIO, 2008h, p. 46).

Nesta dinâmica, o profeta engendra os meios para o ser humano pensar a si

mesmo em sua íntima verdade, pensar o que era considerado impensável e inominável,

e apresentar uma linguagem adequada, capaz de trazer mudanças a uma sociedade. O

profeta é aquele que abala e até mesmo desestabiliza a instituição religiosa. Ele é a voz

dos grupos que contestam, é a expressão viva do povo do qual é líder. Conforme

Bourdieu (2005), o profeta chama seu povo para uma nova vivência, o que termina

gerando um choque com o Estado e até mesmo com sua instituição religiosa. Todavia a

atitude de dom Cappio não se limita apenas a uma resistência ao Estado: ela abre vias

para alcançar a justiça social, a participação democrática e a sustentabilidade ecológica.

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3.5 Dom Cappio e a Organização Popular

A polêmica da transposição revela um momento em que foram estremecidas as

relações entre governo e sociedade civil, constituída esta por membros da Igreja,

políticos, movimentos populares e órgãos públicos. Presencia-se um momento em que a

força hegemônica do Estado é questionada. De acordo com Gramsci (1982), a dinâmica

da dominação consiste em conquistar a hegemonia47 ou granjear a aceitação de todos os

grupos da sociedade. A hegemonia enquanto ação política da classe dominante ocorre

também em simetria com um conjunto de orientações sobre a atividade religiosa em

toda a sociedade, ou seja, a religião se torna um instrumento a serviço das classes

dominantes que detêm os poderes político e econômico e ditam as direções cultural,

social e política. Logo, a estratégia hegemônica consiste na orientação da ação religiosa

para determinados fins que assegurem os interesses dominantes.

A hegemonia, por outro lado, pode ser compreendida como um novo

direcionamento intelectual que se faz presente em específicos grupos subalternos ou

povos que, através de uma organização, caminham em direção a novas atitudes que

esbarram em interesses de determinados grupos dominantes. Isto ocorre quando a

comunidade ameaçada toma consciência de sua condição e se organiza numa nova

dinâmica social e religiosa. No caso da transposição, percebemos que a contestação do

projeto veio dos excluídos tendo à frente uma liderança religiosa. Esses grupos e

movimentos tomaram consciência da situação a partir do gesto de dom Cappio, e

desenvolveram, por conseguinte, a capacidade de se organizar e de lutar por uma

questão ambiental e social.

Frei Gilvander Moreira lista “Dez conquistas de Dom Frei Luiz Flávio Cappio”

que ocorreram a partir de uma organização popular. Cabe aqui lembrar três delas:

5) Dom Cappio reforçou a Via Campesina, os movimentos populares e lideranças sociais, setores religiosos e a consciência cidadã a fim de prosseguirem na luta ecológica, ligada às lutas contra injustiças sociais, políticas e econômicas.

47 Para o conceito de hegemonia, recorremos a Gramsci (1982), que a define primeiramente como a ação

política de grupos dirigentes a fim de manter uma coesão social das classes subalternas através do consenso e do senso comum. Em segundo, ao tratar dos grupos subalternos, a hegemonia é a ação de uma coletividade que, através de alianças com os diversos grupos, forma uma base social que possibilita uma nova concepção de mundo e vai de encontro aos interesses comuns de luta de um povo contra um grupo dirigente. Em ambos os casos, trata-se da direção intelectual e moral, diferente do poder político (do Estado) e do poder econômico (do mercado).

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6) Nas mentes e corações de milhares de pessoas despertou indignação e as informou com a verdade sobre a insana, ineficiente e faraônica Transposição do rio São Francisco e sobre as mentiras que emanam da Praça dos Três Poderes em Brasília. 8) A maior conquista é Dom Cappio vivo entre nós. Mais do que nunca será, daqui pra frente, um grande profeta no meio do povo para encorajar a luta dos pequenos para denunciar arbitrariedades e desumanidades dos quatro poderes que, travestidos de Estado de Direito, insistem em imperar sobre os pobres e sobre o ambiente natural. (MOREIRA, 2008a, p. 131).

Dom Cappio foi uma espécie de mediador ativo do povo ao possibilitar uma

modificação de consciência sobre o meio natural e o social. Influenciou a organização

de movimentos contestatórios ao projeto de transposição e gerou tensão e oposição

profunda nos meios político e religioso, por se orientar em direção a ideais voltados

para uma ética ambiental.

O aspecto subversivo do bispo franciscano é inegável, pois provocou

constrangimento e discrepâncias, sacudiu determinados pilares de uma estrutura social,

religiosa e política, e se colocou como um moderador num processo de mudança de

concepção sobre o rio São Francisco. Cabe destacar, mesmo que já dito, que esse líder

religioso é um sacerdote; no entanto observa-se que na América latina e, em específico,

no Brasil, principalmente com o surgimento da Teologia da Libertação48, uma parte do

clero católico teve uma participação significativa no processo de conscientização e

organização das classes subalternas. Na perspectiva de Gramsci, podemos identificá-los

como “intelectuais orgânicos”49.

Dom Luiz Flávio Cappio se insere na dinâmica de um tempo de transformações

sociais e políticas que se iniciaram com o Concílio Vaticano II, caminhando em

conexão com as novas formas de atuação social e política através da religião, e

possibilitando uma maior participação em prol dos direitos humanos. Sua atitude em

48 Para Boff (1980), essa corrente religiosa teve início no começo dos anos 60, quando a Juventude

Universitária Católica brasileira (JUC), formulou, pela primeira vez, uma proposta radical de transformação social. Seu principal lema é a “opção preferencial pelos pobres.” Esse movimento se estende depois a outros países do continente e encontra, a partir dos anos 70, uma expressão cultural, política e espiritual denominada de “Teologia da Libertação”.

49 O intelectual, em Gramsci, está mergulhado na vida prática como “construtor e organizador”, um líder político que não se restringe apenas à sua capacidade de discurso abstrato, uma vez que prima tanto pela ação como pela produção intelectual. Gramsci ressalta que há categorias especializadas de intelectuais em conexão com os diversos grupos sociais. Cabe destacar que o surgimento de intelectuais ocorre na realidade concreta, de acordo com as vicissitudes históricas, e não numa esfera democrática abstrata. Ao tratar do intelectual orgânico, Gramsci o diferencia do intelectual tradicional devido à sua atuação na sociedade. Neste sentido, o intelectual orgânico desempenha uma função importante no mundo da produção e organização econômica, social, cultural e religiosa de uma sociedade que, de forma orgânica, cria para si grupos de intelectuais que lhe conferem homogeneidade, identidade e consciência da própria função. “Todos os homens são intelectuais, poder-se-ia dizer então; mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais”. (GRAMSCI, 1982, p. 7).

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relação ao rio São Francisco tem raízes na Teologia da Libertação e se apresenta através

de uma nova roupagem: a do meio ambiente. Sua atitude está em afinidade com uma

consciência que se formou no interior de uma reflexão socioanalítica sobre as diversas

situações de pobreza, desigualdades sociais, culturais, políticas e econômicas que

remontam à década de 1960.

Muitos movimentos sociais e religiosos perceberam o gesto de Frei Luiz como tiro de largada. Podem retomar o leme da história, em vez de arrumar as cabines no porão do navio. Num momento de depressão política, o movimento de Cabrobó devolveu ao povo a esperança. A resistência é possível, a luta faz sentido. (SUESS, 2008, p. 95).

Na dinâmica do conceito sobre o intelectual orgânico, um sacerdote pode ser

caracterizado como intelectual não necessariamente pelo trabalho religioso que exerce

em função de sua instituição, mas por este trabalho se ligar a determinadas condições e

relações sociais. Assim, o trabalho religioso em si apresenta um mínimo de “atividade

intelectual criadora” (GRAMSCI, 1982, p. 6).

Ao analisarmos a realidade da polêmica da transposição, presenciamos uma

figura religiosa que, mesmo sendo um sacerdote – na visão de Gramsci, um intelectual

tradicional50 – com sua postura de defesa do rio São Francisco e de seu povo, passa a

ser espontaneamente solicitado pelas massas não só para exprimir e sistematizar as

aspirações e necessidades daqueles dos quais é representante, como para dar respostas a

elas. Por isso mesmo, na condição de sacerdote, dom Cappio representa um líder

fundamental na luta pelos interesses dos setores menos favorecidos com os quais

convive há anos.

Através da liturgia, da pregação e outras formas de difusão religiosa, se obram

mudanças na consciência de cada fiel e mobilizações em redor de seu gesto e seu

discurso. Tudo isto se dá porque este líder atende, através de uma linguagem religiosa, a

um conjunto de insatisfeitas solicitações dos setores populares e atua num momento de

crise ambiental não somente na bacia do São Francisco, mas em todo o planeta.

Seu gesto e sua articulação junto aos movimentos sociais lograram um relativo

êxito, porque o próprio bispo se colocou como o portador, o encarregado de uma missão

50 De acordo com Gramsci (1982, p. 6), um grupo que sempre esteve presente na história monopolizando

os serviços religiosos foi o dos intelectuais eclesiásticos. Esses, durante a Idade Média, foram os detentores da filosofia, da ciência e da formação humana através de suas ideologias, escolas e assistencialismo, além de ostentar um poder fundiário dentro do sistema feudal. O grupo dos intelectuais tradicionais, em especifico os eclesiásticos, se sentem “autônomos e independentes do grupo social dominante”.

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que atendeu às aspirações de muitas pessoas. Dom Cappio se colocou como uma força

solitária oriunda das relações concretas de um processo histórico de produção social,

cujas ideias foram absorvidas pelos movimentos sociais e outros intelectuais, criando a

possibilidade de se relacionar organicamente com esses grupos populares. Além disso,

desempenhou uma função social inovadora e revolucionária a partir da categoria à qual

pertence: o grupo sacerdotal.

Trata-se de um sábio, culto, avesso à demagogia, conhecedor do sertão nas suas entranhas e, em especial, do Velho Chico, cujas margens percorreu a pé denunciando sua degradação bem antes de se falar em transposição. Um estudioso de técnicas de convivência com as secas e equacionamento dos recursos hídricos locais tão simples e baratas que os chineses e os indianos praticam com sucesso há milênios em regiões de climas bem mais hostis do que o nosso. (ALVES FILHO, 2008, p. 28).

Gramsci relata que toda atividade tem um grau de elaboração intelectual e que,

por isso, “é impossível falar de não-intelectuais, porque não existem não-intelectuais”

(GRAMSCI, 1982, p. 7). Portanto, além de serem elaborados por uma classe em sua

evolução histórica, todos cumprem uma função organizadora na sociedade, desde um

tecnólogo ou um administrador de empresas até um dirigente sindical ou partidário, sem

esquecer-se dos membros do clero e da academia. Então, partindo do pressuposto de

que todo ser humano realiza uma atividade intelectual fora de seu cotidiano de trabalho,

torna-se fundamental recordar que a atividade intelectual que cada ser humano

desenvolve encontra-se em patamares diferenciados de desenvolvimento e ligados a

determinadas classes sociais. Dom Cappio está vinculado às relações sociais

pertencentes a uma classe subalterna que envolve trabalho, engajamento e produção

intelectual.

O modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloquência, motor exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas num imiscuir-se ativamente na vida prática, como construtor, organizador, “persuasor permanente”, já que não apenas orador puro – e superior, todavia, ao espírito matemático abstrato; da técnica-ciência e à concepção humanista histórica, sem a qual se permanece “especialista” e não se chega a “dirigente” especialista mais político. (GRAMSCI, 1982, p. 8).

A bacia do São Francisco pode ser comparada a um organismo vivo em

expansão, que acolheu ao longo da história diversos povos e culturas, um cenário

propício para a formação e organização de vários líderes, representantes, profetas e

intelectuais envolvidos na práxis da vida dos excluídos, buscando com isso arquitetar

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novas filosofias, construir políticas e projetos sociais com fins democráticos, capazes de

superar a hegemonia dos grupos dominantes e gerar transformações na consciência do

povo que ali se situa.

De acordo com Foucault (1979), os intelectuais adquirem uma consciência

vinculada a uma determinada realidade à medida que se engajam nas lutas concretas. A

aproximação do intelectual com as lutas de um povo o obriga a assumir específicas

responsabilidades sociais e políticas. Sobretudo no lugar onde se situa, ele reforça o

poder dos movimentos populares no intuito de somar forças. E, na arena de lutas

políticas e sociais, ele mantém uma posição de orientador, mas que também age,

denuncia, modifica e gera saber.

O papel do intelectual não é mais o de se colocar “um pouco na frente ou um pouco de lado” [...], é antes o de lutar contra as formas de poder exatamente onde ele é, ao mesmo tempo, o objeto e o instrumento na ordem do saber, da “verdade”, da “consciência”, do discurso. (FOUCAULT, 1979, p. 71).

No caso da transposição, dom Cappio ocupa uma posição específica: a de bispo

no sertão nordestino. Ele se assume assim, o que, de alguma forma, o liga a uma série

de demandas sociais e políticas; portanto age como conselheiro e intérprete de uma

realidade complexa, procurando indicar novos rumos. Sua ação religiosa leva para a

esfera do campo político as carências sociais da população do semiárido.

Dom Cappio é um profeta que exerce uma atividade intelectual, pois é um

estudioso e, ao mesmo tempo, um autor individual, reconhecido por suas palavras e

ações em benefício do povo da bacia são-franciscana. No auge dos dois períodos de

jejum, falou às comunidades, ao governo e às instituições na condição de representante

de uma gente, e apresentou-se como a voz dos movimentos e grupos populares. Mais

importante do que uma previsão apocalíptica sobre o projeto de transposição foi sua

sensibilidade frente à situação da sociedade de seu tempo e ao clamor de seus

seguidores. Portanto falou com propriedade e conhecimento, e em algumas situações foi

intensamente poético. Assim o profeta está muito próximo de um intelectual, em função

de seu senso crítico e pela linguagem de que se apropria.

Dom Cappio trouxe novas dimensões, a dos compromissos ético, político, social

e ambiental com o povo do sertão e com o próprio rio São Francisco. Ao representar um

povo contra a imposição de um projeto, seu conhecimento foi desafiado e questionado

por outros intelectuais e lideranças religiosas. Mesmo assim, produziu um tipo de

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conhecimento ajustado a uma sensibilidade voltada para a proposição de uma nova

forma de relacionamento com a natureza, realidade que se refletiu numa mudança de

consciência e na mobilização social.

De forma geral, cabe salientar que dom Cappio cumpriu um papel significativo

na organização das “massas de homens” (GRAMSCI, 1982, p. 4). Ao se apresentar

como o defensor de um povo ou de uma coletividade, buscando salvá-los de um

desastre socioambiental, protegendo-os da ameaça política através de sua linguagem,

seu discurso e suas práticas específicas, esteve intimamente atrelado a uma esfera da

sociedade a qual ele representou, pois, na condição de portador de um discurso

legitimador, foi responsável pela formação da consciência das camadas populares que

levou a uma organização e a uma tentativa de mudança socioambiental.

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4 O PROFETA E O CAMPO CATÓLICO

Este capítulo analisa o impacto da atitude de dom Cappio na Igreja e no atual

cenário de crise ambiental. Na medida em que a força religiosa de dom Luiz Flávio

Cappio esteve alicerçada apenas em seu gesto e não em sua condição de sacerdote51,

gerou polêmica e trouxe preocupação à Igreja. As ações de dom Cappio tiveram

impacto na consciência social porque ele era um bispo que se colocava em “jejum e

oração” por tempo indeterminado, e não um leigo. O fato de um religioso católico se

dispor a doar a vida para salvar comunidades ribeirinhas adquiriu uma força simbólica

capaz de estremecer o interior da Igreja Católica e dividir opiniões internas no meio

eclesiástico.

Por outro lado, se o bispo estivesse fazendo somente um discurso político ou

apenas participando dos movimentos sociais pela revitalização do rio São Francisco,

provavelmente obteria pouca repercussão. Nas palavras de Jung Mo Sung (2007), “seria

visto simplesmente como um bispo ‘fazendo política’, isto é, extrapolando o seu campo

de atuação ou função”52. No entanto, dom Cappio se colocou em “jejum e oração”, um

ato religioso com grande poder simbólico, capaz de mudar consciências e provocar

protestos contra as obras da transposição, ganhando então uma dimensão não só

religiosa, mas social, política e ambiental.

O jejum é uma prática usual no meio religioso. É uma forma de sacrifício

acompanhada de oração que busca a transformação por meio da fé, a superação dos

desafios através da autodoação e a busca de forças mediante a reflexão (HIGUET,

2005). Assim, esse ato gera mudanças no comportamento e implica novas formas de

ações e relações. Ele também pode ser realizado de forma coletiva, praticado por uma

comunidade, um povo, uma Igreja e até mesmo uma nação. No caso da transposição, o

jejum de dom Cappio, que também foi chamado indiscriminadamente de “greve de

fome”, teve como pano de fundo uma causa política, o que gerou repercussão na mídia e

abriu precedentes nunca vistos. Afinal, era um bispo usando de uma prática religiosa

para alcançar um fim político.

51 Os sacerdotes, de acordo com Weber (1991, p. 294), são os “funcionários capacitados por seu saber

específico, sua doutrina fixamente regulada e sua qualificação profissional”. Não agem como os profetas, que atuam em virtude de uma revelação e do carisma pessoal.

52 O autor faz uma distinção entre “greve de fome” e “jejum”, classificando o último como um ato religioso, mas com um fim político, sem cair no equívoco de misturar política com religião (SUNG, 2007).

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É oportuno lembrar que o tempo de sua formação está em congruência com as

disposições particulares de sua conduta religiosa; afinal o bispo faz parte de uma época

notabilizada pelo desejo de mudanças políticas e sociais. Os anos de 1960 foram de

lutas por liberdade, igualdade, solidariedade, fraternidade e afirmação de ideais que

envolveram o cenário mundial. Nos últimos decênios do século XX, movimentos

sociais, em suas diferentes dimensões, se opuseram às formas de dominação que

agravavam a miséria e aumentavam o abismo entre ricos e pobres.

Na Igreja, esta realidade se refletiu em 1962, no Concílio Vaticano II53. Dom

Cappio é filho de uma Igreja que encontrou no engajamento político e social e na

mobilização dos clérigos uma nova forma de “construir o reino de Deus”. Momento que

trouxe mudanças significativas ao clero, condicionando-o a novas experiências e à

atualização perante uma nova conjuntura, – esta, profundamente marcada pela repressão

e pelas mobilizações perante um efervescente período de autoritarismo e desrespeito aos

direitos humanos. Assim, é um sacerdote que testemunhou processos cruciais na história

do Brasil, como a ditadura militar (1964-1984); a campanha das “Diretas Já”, em 1984;

e as campanhas à presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, com a respectiva vitória.

Na polêmica da transposição, dom Cappio encontrou problemas tanto com o

Estado quanto com a Igreja Católica. Sua afronta ocasionou, com efeito, uma série de

recomendações e pedidos de suspensão de seu jejum. Foram cartas e notas alertando-o

sobre os preceitos de conduta e recomendando a observação dos princípios cristãos,

tudo isto com o objetivo de restabelecer uma certa ordem interna. Até o Vaticano

procurou estabilizar a situação e evitar uma celeuma maior no meio eclesiástico.

Portanto, é sobre essa dimensão supracitada que nos ocuparemos neste capítulo, pois, no

episódio da transposição, verificamos que a instituição religiosa, além de ter a função de

satisfazer os interesses religiosos, sejam eles particulares ou coletivos, teve a

preocupação de manter uma harmonia interna que respeitasse sua hierarquia

eclesiástica.

53Cf. obra de dom Hilário Moser (2006), o Concílio Vaticano II (1962 – 1965), trouxe mudanças

significativas ao clero, condicionando-o para novas experiências e para a atualização com uma nova conjuntura profundamente marcada pela repressão de um período de autoritarismo e desrespeito aos direitos humanos. A mudança seguirá com Medellín e se materializará na América Latina através da Teologia da Libertação.

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4.1 Dom Cappio: Profeta e Sacerdote

Enquanto funcionário especializado e consagrado em oposição aos demais

agentes religiosos, em específico os leigos, o sacerdote referenda o controle de um

conhecimento que garante o poder institucional: ele é legitimado e consagrado nos ritos

de sua instituição e recebe a unção para agir em nome dessa mesma instituição. O

profeta, ao contrário do sacerdote, apresenta algo de novo. Enquanto o profeta é um

agente religioso de caráter extraordinário e, através de seu discurso e da prática, aponta

para uma nova visão religiosa, o sacerdote é funcionário de uma instituição detentora de

uma oferta religiosa considerada legítima e verdadeira, cuja mensagem não é inovadora,

mas preestabelecida, ordinária e rigorosamente repetida (BOURDIEU, 2005).

De acordo com Weber (1991, p. 294), o sacerdote é o funcionário “de uma

empresa permanente, regular e organizada, visando a influência sobre os deuses, em

oposição à utilização individual e ocasional dos serviços dos magos”, os quais, através

do culto e da súplica aos deuses, os condicionam a atender seus pedidos.

[...] Distinguem-se os sacerdotes como capacitados por seu saber específico, sua doutrina fixamente regulada e sua qualificação profissional, daqueles que atuam em virtude de dons pessoais (carisma) e da prova destes por milagres e revelação pessoal, isto é, de um lado, os magos e, de outro, os “profetas”. (WEBER, 1991, p. 294).

Também é importante destacar que outro elemento diferenciador entre

“autoridade carismática” e “autoridade institucional” são os instrumentos utilizados. A

autoridade carismática acredita ser movida por uma revelação divina que assinala uma

nova conduta; já a autoridade institucional exerce um cargo, é funcionária de uma

instituição portadora da salvação, que lhe confere poder e legitimação para atuar

conforme a doutrina a ele designada.

Vale ressaltar que o sacerdote recebe remuneração de sua instituição para

realizar suas atividades, enquanto o profeta propaga sua atividade de maneira gratuita

(WEBER, 1991). O carisma é a marca central do profeta, materializado na força de sua

palavra, ao passo que o sacerdote se apoia na instituição, é parte de um corpo maior que

orienta suas palavras e comportamento.

Quando tratamos do personagem central da polêmica da transposição,

verificamos que, ao adotar o jejum como meio de resistência ao Estado, ele perde o

respaldo de sua instituição para atuar por uma causa socioambiental; fica, portanto,

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sozinho, embora ganhe do povo respeito, admiração, solidariedade e participação, e

divide as opiniões no meio eclesiástico. Assim, a condição de sacerdote de dom Cappio,

somada à dimensão profética de sua atitude, outorgou-lhe certo poder para guiar as

organizações populares e possibilitar a elas a oportunidade de discutir alternativas de

revitalização do rio São Francisco.

Em entrevista ao IHU On-Line, em 16 de agosto de 2008, dom Cappio responde

a uma pergunta que revela a polêmica de um bispo que adentrou o meio político através

de um ato religioso.

IHU On-Line – Por que, em sua opinião, tanto se criticou essa “mistura” que o senhor fez, ao utilizar-se da sua fé e da sua posição como Bispo para combater um problema tão grave, que é a transposição do São Francisco? Dom Luiz Cappio – Não é uma questão apenas política; é uma questão pastoral. O Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, no capítulo 10 do Evangelho de São João, afirma que “o pastor é aquele que cuida do seu rebanho”, e Jesus diz que o Bom Pastor, se for necessário, dá a vida pelo seu rebanho. Eu fui constituído pastor pela Igreja. Eu sou Bispo de um povo, sou um pastor segundo Jesus Cristo e não posso me calar diante do meu rebanho que passa todas as privações, as carências, as necessidades e as injustiças de um governo alheio às necessidades dele. Então, se o meu povo não tem voz e não tem vez, eu tenho que usar do curinga que eu tenho em minhas mãos, e da minha posição de ser pastor de um povo, para ser a voz desse povo que não tem voz. Então, eu não estou falando por mim, Dom Luiz. O meu fórum é um coletivo formado por todo o meu rebanho. Então, esse assunto não é apenas político ou econômico. Trata-se de um problema pastoral também, que diz respeito à vida do meu povo. Se meu povo está sofrendo as consequências de um gesto que gera morte, eu tenho que levantar a minha voz para defender o meu povo, para que eles tenham vida em abundância. A campanha da Fraternidade deste ano conclama todos os homens a lutar em defesa da vida, porque a vida é o dom maior de Deus e o pastor tem que zelar pela vida do seu rebanho. Então, é uma mistura sim, porque todas as questões fazem parte de um só assunto: a defesa da vida. (CAPPIO, 200g, p.111)

Para Pierre Bourdieu, o poder dos profetas deriva do poder político dos grupos

sociais de quem se fazem representantes, e isto podemos averiguar no caso da

transposição. Com seu corpo de auxiliares permanentes e o círculo mais amplo de

adeptos leigos, é que o profeta configura as bases de assentamento de uma nova conduta

face ao Estado e à Igreja. São os grupos populares que conferem legitimidade à profecia

em troca da esperança de uma nova vida.

No caso de dom Cappio, sua condição de sacerdote, em conexão com o interesse

religioso e social de movimentos populares e ainda com o povo, revalida ainda mais sua

atuação e lhe atribui o caráter de profeta. No entanto, apesar de, enquanto “tipos ideais”,

sacerdote e profeta serem teoricamente incompatíveis, no fato concreto da polêmica da

transposição, presenciamos um líder que é bispo e que, através de um ato isolado e

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independente do consentimento da Igreja-instituição, agiu segundo convicções próprias,

angariando respeito, admiração e apoio de diversos setores da sociedade.

Dom Cappio operou numa “realidade socialmente situada” (MADURO, 1981, p.

72), e se utilizou de um instrumento – o jejum – socialmente aceito por muitas pessoas.

Essa capacidade de manusear um determinado vocabulário, de lidar com um conjunto

de costumes e práticas com suas tradições e os recursos naturais da região, trouxeram-

lhe um relativo êxito. Logo, Dom Cappio causou discordância porque não era um

indivíduo qualquer realizando o jejum: era um sacerdote que pôs em xeque o papel da

Igreja Católica frente a uma questão política, social e ambiental.

Meu jejum e oração não é mera “greve de fome”, não sou “suicida” nem adepto da “eutanásia”. Uma das mais profícuas tradições bíblicas e cristãs é o jejum e oração, necessários para expulsar certos demônios, conforme disse Jesus (cf. Mateus 17, 21). Um dos movimentos mais profundos da história da humanidade tem sido a “Não Violência Ativa e Firmeza”, da tradição de um Gandhi. Agora mesmo, foi desencadeado um movimento, Jejum Solidário, que está crescendo em adesões em várias partes. São pessoas de religiões diversas ou mesmo sem religião confessional que jejuam por alguns dias em comunhão espiritual conosco [...]. Não quero morrer, mas a vida do rio e do povo do rio e de todo o sertão nordestino vale meu sacrifício, se tiver que consumá-lo. “Para que todos tenham vida” (João 10, 10) (CAPPIO, 2008k, p. 99-100).

Por mais que observemos o caso da transposição a partir dos estudos sobre o

profeta, não devemos desconsiderar que o protagonista central desta trama é

primeiramente um sacerdote; na visão de Weber (1991, p. 294), um funcionário

especializado da Igreja Católica. Todavia, com o ato polêmico e subversivo do jejum,

boa parte do clero se mostrou favorável ao seu gesto, outras alas se opuseram e algumas

se mantiveram neutras. Muitos religiosos e sacerdotes se dirigiram ao sertão para

transmitir solidariedade ao gesto que classificaram como profético. Aqueles que não

participaram diretamente do processo se manifestaram através de debates, encontros e

seminários. O Bispo da diocese Anglicana de Recife-PE tornou público o apoio a Dom

Cappio num texto do dia 21 de dezembro de 2007.

Dom Luiz, revestido da austeridade do hábito franciscano, é o profeta e o pastor do povo e das águas, a clamar na sequidão e na solitude do deserto. [...] Deveríamos entender a hora de Deus e toda a Igreja em adesão fiel ao crucificado: a cruz de Cristo se encarna na cruz dos pobres, o mais não passa de piedosas e enganosas fantasias (SOARES, 2008, p. 219-220).

Foram muitos os religiosos e sacerdotes que desempenharam um papel

significativo contra as forças do Estado e criticaram a posição do Vaticano. Uma

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considerável parte do clero no Brasil contribuiu na estratégia de interromper o projeto

de transposição das águas do rio São Francisco engrossando os movimentos sociais e

participando de discussões sobre o tema. Cabe lembrar o apoio da Conferência dos

Frades Menores do Brasil (CFMB) a dom Cappio, em dezembro de 2007, através de um

documento que reúne a assinatura de provinciais, custódios e delegados, os quais

asseveraram: “Com Dom Frei Luiz Cappio queremos afirmar nossa posição franciscana

em favor da revitalização do Rio São Francisco e de uma ampla discussão nacional em

busca de soluções alternativas à transposição” (CONFERÊNCIA DOS FRADES

MENORES DO BRASIL, 2007, p. 171).

Portanto presenciamos, nessas intensas circunstâncias, a dimensão

contestadora de uma ala do clero, bem viva e atuante contra o projeto de transposição.

Ao nos referirmos a dom Cappio como sacerdote, fica evidente o papel desempenhado

ao longo de sua vida na região do São Francisco, com suas práticas e discursos que

concorreram para o desenvolvimento de uma consciência ecoespiritual e social dos

grupos subalternos e que nortearam a atuação dos movimentos sociais.

Todavia, na perspectiva de Bourdieu (2005), o papel subversivo do profeta é

respaldado pelas condições sociais nas quais esse líder religioso e os atores ocultos se

encontram enraizados. Dom Cappio contribui para conscientizar, organizar e mobilizar

o povo do sertão no seu meio socionatural, além de atingir um grau mínimo de

mobilização de grupos que se propuseram, através de passeatas, debates e outras

atividades, alcançar um fim político. Num depoimento acerca do bispo dom Cappio,

Leonardo Boff fala de sua trajetória na vida religiosa e seu engajamento por

comunidades pobres. Enfatiza sua saída repentina de São Paulo-SP para a Bahia.

Foi meu aluno de teologia por cinco anos. Sempre trabalhava nas favelas de Petrópolis. Como vocação adulta, vindo de uma família rica de Guaratinguetá, sua opção franciscana era límpida e sem os vícios da formação convencional seminarística. Já na época, o cercava uma aura de santidade pessoal, de extrema simplicidade e pobreza. Era estudante assíduo. Mas até hoje me deve o trabalho final, uma espécie de tese de fim de curso, que todos deviam fazer. Eu insistia que se pusesse a trabalhar. E foi protelando até o último dia, quando foi transferido para São Paulo para trabalhar nas favelas. Antes de sair, pela madrugada, me deixou debaixo da porta escrito em português, latim e grego o texto do Pai-Nosso. Dizendo: “Depois de cinco anos de estudo, oração e meditação, foi o que me restou: a oração de Jesus que o senhor nas aulas nos ensinou ser a essência da mensagem de Jesus”. Sempre que o encontrava lhe cobrava o trabalho. Depois que ficou bispo, me desmoralizei e me edifiquei pelo grave erro cometido pelo vaticano. Este não avaliou quem era frei Cappio, aquele que na Quinta-Feira Santa desapareceu de São Paulo, levando apenas o burel franciscano, a Bíblia e a Regra de São Francisco. De carona com caminhoneiros, foi para onde achava que estavam

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os pobres em Barra Bahia. O provincial o descobriu apenas dois meses depois. Telefonou-me dizendo: “Devemos ir pegá-lo, pois ficou louco”. Eu lhe respondi: “Provincial, abra Marcos 3, 21 onde se diz: os parentes saíram para pegar Jesus porque diziam: ele está louco”. Acrescentei: “Ele está em excelente companhia, com Jesus e ainda com São Francisco que se chamava a si mesmo de pazzus, que em latim medieval e italiano significa louco. Lógico, louco para certo tipo de ordem deste mundo, não para a ordem do Reino.” (BOFF, 2008, p. 23-24).

Segundo Weber (1991), o poder carismático do profeta é oriundo de uma

situação exterior, cuja linguagem religiosa parece nunca ter sido dita antes e que goza,

portanto, de uma aura inaugural. No entanto, embora essa linguagem possa ser

fundamentada numa tradição antiga, o profeta pode trazê-la ao presente de forma

inovadora e com novos significados. Tal situação faz dele o portador de novas ideias e

novos comportamentos.

O profeta é um agente social de inovação e mudança. Não possui um aparato

legitimador originário da função que tem seu cargo institucional, pois o poder

eclesiástico se opõe a qualquer atitude profética que ameace a ordem simbólica

estabelecida. Seu discurso é marcado por uma sabedoria pautada por uma tradição, mas

renovada e contextualizada de acordo com as mudanças da sociedade ao longo da

história e conforme cada grupo cultural e suas crenças, hábitos e organização social.

No entanto, há aspectos permanentes nos discursos proféticos que, mesmo diante

das transformações ao longo do tempo, continuam firmes e constantes: a capacidade de

orientar, através da mensagem religiosa, um povo; o ato de denunciar uma situação

injusta; o desejo de mudança; e a profecia em si. Por isso, é devido a tais aspectos que o

profeta reúne à sua volta seguidores e busca ganhar adesões com seu efeito mobilizador,

além de pregar uma nova ética. Essas considerações são confirmadas no texto de Pe.

Paulo Suess, intitulado “Luiz Cappio, por que vieste incomodar-nos?”:

Quem começa uma greve de fome, que é um instrumento de luta da não-violência, não sabe como vai terminar. O objetivo não é “ganhar” a luta. Quem ganha são os outros. O objetivo é fazer avançar uma causa. Com visibilidade de sua figura quase invisível, Frei Cappio fez avançar a causa dos ribeirinhos, dos povos indígenas e dos quilombolas do Rio São Francisco. Ao partilhar simbolicamente a austeridade de sua vida e lutar por água para os sedentos, Luiz Cappio se tornou ícone de esperança e sinal de justiça maior. Através do silêncio, da oração e do jejum na Igrejinha de São Francisco, em Sobradinho (BA), ele nos motivou novamente a acreditar na presença de um Deus que se despojou para caber ao lado dos pequenos. Vivemos desses pobres sinais que reforçam nossas lutas, das Romarias da Terra, do Grito, do jejum e da oração, da mística nos assentamentos do MST, das celebrações dos nossos mártires, da eucaristia (SUESS, 2008, p. 115).

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No caso de dom Cappio, seu papel principal foi o de se valer de um gesto que,

independentemente da anuência da Igreja-instituição, remonta à tradição cristã de

sistematizar e ordenar todos os movimentos cujas manifestações eram diversificadas e

oferecer aos mesmos uma causa legítima pela qual pudessem se orientar, além de

coordenar todas as ações humanas através de um sentido ecoespiritual que tinha o

próprio bispo como modelo ideal. A conduta dos movimentos ganhou mais sentido a

partir do processo de significação que a religião, através do profeta, apresentou aos seus

fiéis. O sucesso de dom Cappio foi também garantido por seu carisma e sua capacidade

de mobilizar, controlar os grupos sociais e de se fazer representante religioso e político

deles.

Ao propor uma mensagem de salvação, procurou ordenar tudo e todos dentro de

um sentido cosmológico, além de coordenar as diferentes manifestações da vida num

único ideal. Sua relação com os fiéis é compreendida pela força religiosa que ele possui;

afinal ele é um bispo que carrega uma autoridade oriunda da Igreja Católica para

satisfazer as necessidades religiosas dos grupos sociais que lhe são confiados. Por outro

lado, ao escolher um gesto radical, dom Cappio apresentou uma mensagem de salvação

ambiental e dispensou qualquer aparato ritualístico do sacerdote, apoiando-se

unicamente em sua atitude e em seu discurso religioso como meios para atingir um

determinado fim político.

4.2 A Polêmica na Igreja

O impacto das mobilizações para conservar o rio São Francisco foi grande ao

ponto de a CNBB demorar a se posicionar, revelando-se dividida sobre o meio

escolhido para interromper o projeto de transposição. Chegou a pedir que dom Cappio

fosse ponderado em sua decisão e pusesse termo ao jejum, pois para ela era mais

interessante que o bispo continuasse com sua causa de forma ativa e consciente. A

situação agravou-se com o posicionamento do Vaticano, pois a Santa Sé não viu com

bons olhos a “greve de fome” e, através de argumentos morais, condenou e proibiu a

atitude de jejum.

Entretanto dom Cappio perseverou em seu propósito, inflamando ainda mais as

tensões na interpretação de sua postura. Para acirrar a situação, ocorreram debates,

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passeatas e outras manifestações, como a de dom Aldo Pagotto54 em favor da

transposição. Em nota, dom Aldo Pagotto afirmou que os bispos do Nordeste eram, em

sua maioria, a favor da integração das bacias do rio e que quase todos os bispos da

Paraíba, do Rio Grande do Norte, Pernambuco e Alagoas apoiavam o projeto

governamental.

O protesto do Bispo de Barra (BA), que está em greve de fome, deve ser visto como ato pessoal. Ele não consultou os responsáveis da CNBB, tomando uma atitude isolada da opinião do episcopado. Seu gesto não se identifica com a opinião e com a postura de muitos outros bispos brasileiros (PAGOTTO, 2005).

Tudo isso provocou um clima de divergências no seio da Igreja Católica.

Ressalte-se que Dom Cappio é um sacerdote, funcionário de uma instituição religiosa e

encarregado de satisfazer um tipo particular de interesse religioso, concernente a certo

grupo social, mediante a elaboração de práticas e discursos religiosos que estejam

abonados pela Igreja Católica (BOURDIEU, 2005). A opção por um novo modo de

produção religiosa ressoou no Vaticano e na sociedade, encontrando resistências e

rejeição na Igreja. Em carta da Nunciatura Apostólica, dirigida a dom Luiz Flávio

Cappio, fica transparente tal repúdio.

Tomei conhecimento da decisão de Vossa Excelência de permanecer em jejum como forma de manifestação contra o plano de transposição das águas do Rio são Francisco. A esse respeito, reafirmo o princípio de que é necessário conservar a vida, dom de Deus, e a integridade da saúde. A continuação do jejum, já muito prolongado e radical, colocando em risco a própria sobrevivência, não é um meio aceitável e contradiz os princípios cristãos. (RE, 2008, p. 64).

O Vaticano negou explicitamente a legitimidade da atitude de dom Cappio e

desaprovou o jejum, alegando ferir os “princípios cristãos”; por outro lado, não

forneceu nenhuma referência teológica que justificasse a argumentação. Nas palavras de

Maduro (1981, p. 144), “toda iniciativa profética – na medida em que constitui uma

ameaça objetiva ao monopólio do exercício legítimo do poder religioso pela igreja –

54 C.f home page da CNBB. Dom Aldo pertence à Congregação do Santíssimo Sacramento. Foi nomeado

arcebispo da Paraíba em 5 de maio de 2004. Como bispo, exerceu as seguintes atividades: bispo de Sobral-CE (1998-2004); encarregado da Dimensão Ecumênica no Regional NE I; Comissão Pastoral da Seca no NE I; presidente do Regional NE I CNBB (2000); presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz (2003-2007); membro do Conselho Permanente da CNBB.

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provoca reações contrárias da parte do poder eclesiástico”. A Igreja Católica censurou o

gesto de dom Cappio por motivos eclesiais.

O bispo desobedeceu – lembrando aqui que ele não havia consultado o Vaticano

antes de iniciar o jejum – portanto quebrou a hierarquia da colegialidade episcopal e

causou celeuma no seio da Igreja. A Santa Sé, por meio da Nunciatura Apostólica no

Brasil, desqualificou sua atitude religiosa, classificando-a de ilegítima. Em alguns

momentos, alegou que o motivo consistia numa situação externa na qual não se deveria

intervir. De acordo com a carta do núncio apostólico no Brasil dom Lorenzo Baldisseri

ao arcebispo de Feira de Santana-BA, dom Itamar Vian, a ideia acima fica mais

transparente.

Confio nas mãos de Vossa Excelência a referida Carta para que tenha a bondade de a entregar pessoalmente ao Exmo. Destinatário (Anexo). Peço ainda a Vossa Excelência obter da parte de Dom Cappio uma adequada resposta. Queira Vossa Excelência ter além do mais a bondade de explicar a Dom Cappio que a decisão sobre o projeto em questão é da competência da Autoridade Civil. (BALDISSERI, 2008a, p. 63).

Enquanto produtor religioso, dom Cappio fez de seu gesto uma estratégia capaz

de mobilizar significativos setores da Igreja, assim como dos meios político e

intelectual, a se posicionarem contra o Estado. Articulou, em seu discurso e sua atitude,

as condições tanto sociais como religiosas que possibilitaram a mobilização de diversos

segmentos da sociedade e movimentos da Igreja. Muitos teólogos55, como José

Comblin, o reconheceram como um portador de inovações no campo religioso e

transmitiram apoio através da presença nos períodos de jejum e na produção intelectual.

Se a vida é dom de Deus, ela não é dom supremo, e ela não é bem supremo e não é a primeira exigência de Deus. O bem supremo é a fidelidade ao evangelho: a fidelidade ao evangelho vale mais do que a vida e Deus quer essa fidelidade mais do que a vida. Assim o mostraram os mártires que provocaram a sua morte porque rejeitaram os gestos que podiam salvar-lhes a vida. Puderam escolher e escolheram a morte porque havia um valor superior que era a fidelidade ao evangelho. (COMBLIN, 2008, p. 119).

A citação acima revela a autenticidade da atitude “profética” na medida em que

é vista como uma postura aplicada em determinada situação e em tempo e lugar

específicos, sem negar a tradição cristã. Mostra também que seu gesto e seu discurso 55 Queremos dizer que o bispo recebeu inúmeras provas de solidariedade teólogos e demais estudiosos da

Igreja, como José Comblin, Leonardo Boff, frei Betto, Paulo Suess, Gilvander Moreira e outros que, através da produção de textos e artigos, estabeleceram relações entre o jejum e a tradição cristã a partir dos evangelhos e personagens que doaram suas vidas por fidelidade à sua fé.

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estiveram dentro dos limites de uma tradição absorvida pela Igreja – o martírio, o jejum

e a profecia – mas que não foram tolerados pela Santa Sé por motivos eclesiásticos.

Dom Cappio agiu por convicção própria, independentemente do consentimento

da Igreja católica. Propagou suas palavras por si mesmas e não em função da sua

condição de bispo ou funcionário de uma instituição religiosa. Assim, esse ato

subversivo desagradou à Igreja Católica, pois para ela dom Cappio ignorou uma

hierarquia, simbolicamente despiu-se de suas vestes de bispo e apenas usou seu burel

franciscano.

Numa perspectiva weberiana, verificamos que o carisma de dom Cappio é o

elemento que incomoda em função de sua característica de extraordinário e de inovador.

Dom Cappio evoca respeito e reúne seguidores sem a intervenção institucional da

Igreja. Ele adquire uma autoridade voluntariamente aceita, respeitada e seguida por

povos e movimentos populares, sem exercer um poder institucional, mas em virtude da

legitimidade de seu gesto e de suas palavras. Os seguidores sentem que “é dever dos

que foram chamados para uma missão carismática reconhecer suas qualidades e agir de

acordo com isso” (O’ DEA, 1969, p. 38).

Essa influência sobre as massas é alheia à instituição religiosa católica. Soma-se

a isto o fato de que o profeta é portador de novos valores e outras significações, capazes

de transformar comportamentos e conferir novos sentidos, os quais podem de alguma

forma contagiar outros sacerdotes. Logo, a possibilidade de influenciar adequar-se-ia

aos inéditos valores apresentados pelo profeta. Dom Cappio, uma vez que conseguiu

empatia de vários sacerdotes, se situou como um operador de mudanças sociais e

religiosas, passando a ser uma ameaça à hierarquia católica. Portanto, a hierarquia

eclesiástica não tolerou o “jejum” pelo fato de seu ato religioso ser desobediente à

Igreja-instituição.

Cabe aqui dar destaque à fala do núncio apostólico dom Lorenzo Baldisseri

numa missa de ação de graças, em 7 de outubro de 2005, quando dom Cappio

interrompeu seu primeiro período de jejum: “Só Deus é o dono da vida e nós não

podemos tirá-la. Segundo a moral católica, o fim não justifica os meios, mesmo que o

fim seja uma nobre causa (BALDISSERI, 2008c, p. 40).

Quando, em 2007, dom Luiz Flávio Cappio iniciou seu segundo jejum por

tempo indeterminado, setores da Igreja começaram a discutir se a atitude do bispo não

traduzia apenas um gesto extremo de loucura e contrário aos preceitos cristãos.

Acontece que houve uma tentativa de coibição por parte da Igreja-instituição ao ponto

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de classificar sua atitude como um ato suicida. Diante da polêmica da transposição,

constatamos que o Vaticano desempenhou uma função conservadora em relação a dom

Luiz Flávio Cappio. Nas palavras de Otto Maduro, verifica-se que:

[...] uma igreja tende a desempenhar, a maior parte do tempo, uma função conservadora, sobretudo nas sociedades de classes com estrutura de dominação consolidada ao longo de um processo de muitas gerações, e sobretudo se essa igreja esteve presente como tal igreja durante esse processo de consolidação da estrutura de dominação.(MADURO, 1981, p. 172).

A Igreja Católica enquanto instituição tem funções sociais que, segundo

Bourdieu (2005, p. 30), “tendem sempre a se transformar em funções políticas”, o que

nos revela uma relação umbilical entre seu poder simbólico e a manutenção da ordem

política. É preciso recordar que a função conservadora da Igreja-instituição permaneceu

oculta até certo momento. Diante do mal-estar inaugurado por dom Cappio (que

desafiou o Estado, pôs em risco os interesses políticos e econômicos de setores

empresariais, incentivou a organização de movimentos populares por uma causa

ambiental, gerou cizânia no meio eclesiástico e trouxe repercussão na mídia), a Igreja-

instituição foi obrigada a intervir, repreendendo sua atitude, pressionando-o a agir

conforme os dogmas cristãos. Nas palavras de Bourdieu,

A estrutura das relações entre o campo religioso e o campo do poder comanda, em cada conjuntura, a configuração da estrutura das relações constitutivas do campo religioso que cumpre uma função externa de legitimação da ordem estabelecida, na medida em que a manutenção da ordem simbólica contribui diretamente para a manutenção da ordem política, ao passo que a subversão simbólica da ordem simbólica só consegue afetar a ordem política quando se faz acompanhar por uma subversão política desta ordem (BOURDIEU, 2005, p. 69).

O poder simbólico56 é o conjunto de valores e preceitos inculcados no

pensamento humano, que termina desempenhando um papel “estruturante” na formação

da sociedade; não obstante, o simbólico está em função do político, e o político depende

da atuação eficaz do poder simbólico no intuito de se manter uma ordem ou

“naturalização” das coisas (BOURDIEU, 2005, p. 69-72). Logo, a Igreja-instituição se

vale da eficácia dos símbolos religiosos para a dominação no propósito de reforçar ou

criar uma crença coletiva que tenha também uma eficácia política.

56 Para Pierre Bourdieu (1989, p. 7-8), o poder simbólico é um poder imperceptível que só pode ser

exercido com a “cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”.

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A Igreja contribui para a manutenção da ordem política, ou melhor, para o reforço simbólico das divisões desta ordem, pela consecução de sua função específica, qual seja de contribuir para a manutenção da ordem simbólica. (BOURDIEU, 2005, p. 70).

Em virtude da ameaça religiosa de dom Cappio à instituição eclesiástica, ocorreu

uma série de pronunciamentos de conteúdo disciplinador no intento de deter sua atitude

e lembrá-lo dos princípios cristãos. Conforme afirma Foucault,

O poder disciplinar é, com efeito, um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar”, ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo (FOUCAULT, 1984, p. 153).

A organização de movimentos sociais contrários ao projeto de transposição,

fomentada por um gesto pessoal, resultou numa afronta ao poder institucional do Estado

e do Vaticano, tornando-se necessária a implantação de medidas que pusessem fim ao

jejum do bispo. Através de advertências, o Vaticano procurou assegurar a ordem

eclesiástica e restabelecer a ordem interna. Em carta do cardeal Giovanni Battista Re a

dom Cappio, no segundo período de jejum, tal posição fica ostensiva:

Com referência à sua radical decisão de jejum contra o plano de transposição das águas do Rio São Francisco, reclamando também a sua revitalização, e diante da firme opção de Vossa Excelência de levar até o extremo a greve de fome, tenho o grave dever de recordar-lhe que os princípios da moral cristã não permitem que leve adiante a sua decisão. É necessário conservar a vida, dom de Deus e a integridade da saúde. Em nome da Santa Sé, peço firmemente que não prossiga com esse gesto radical. Não é esse o modo aceitável para exprimir a sua solidariedade e sua doação pelo Povo de Deus. A Santa Sé confia que Vossa Excelência não desobedecerá o preceito divino de não extinguir e prejudicar a sua vida e que imediatamente V. Exa. colocará fim a este gesto em obediência também à Santa Sé. (RE, 2008, p. 31).

A estrutura eclesiástica prima pela hierarquia interna. Neste sentido, o elemento

gerador da crise é uma situação inovadora que será agravada pela atuação do profeta e

pelas funções simbólica e política de sua profecia57. A atitude de dom Cappio voltou-se

para uma transformação social profunda que apontou para a solução da seca no sertão e

57 Estas considerações demonstram que as instâncias religiosas, em específico a Igreja-instituição,

asseguram as divisões simbólicas na medida em que geram e implantam esquemas de percepção, pensamento e ação, as quais, por sua vez, se ligam às estruturas políticas e garantem o consentimento voluntário dos atores sociais. Uma vez ameaçados os valores que até dado momento garantem certa ordem, elas procuram usar de seu poder para frear qualquer ação que desestruture aquilo que se encontra numa ordem natural das coisas.

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também para uma política de preservação ambiental. Dom Cappio assumiu uma postura

religiosa visando uma mudança de consciência que repercutiria numa possível alteração

política e social. No entanto, isto incomodou a Igreja Católica pelo fato de o carisma

pessoal sobrepor-se ao institucional. Nas palavras de Bourdieu,

[...] a empresa burocrática de salvação é incondicionalmente hostil ao carisma “pessoal”, isto é, profético, místico ou extático, que pretende indicar um caminho original em direção a Deus: “Aquele que faz milagres de modo carismático e não no exercício de suas funções é condenado como herético ou feiticeiro”. (BOURDIEU, 2005, p. 95).

Através do profeta, instaura-se um descontentamento no meio eclesiástico – e

reforça-se o apoio de povos, movimentos sociais, grupos e classes mergulhados em

profundas transformações de caráter tanto social quanto econômico, político e cultural –

com relação ao líder carismático que passa a exprimir, com uma força e uma coerência

particulares, disposições éticas ou políticas já presentes, as quais passam a incomodar

ainda mais o meio eclesiástico.

Com o ato de jejum e oração, dom Cappio se firmou como uma forte liderança.

Sua capacidade carismática de articulação e expressão foi ao encontro dos anseios e

aspirações de um povo que lhe transmitiu autoridade para contestar a realidade do sertão

e inaugurar uma nova visão religiosa. O “trabalho religioso” executado por ele foi

respaldado por uma realidade histórica preexistente somada ao projeto de transposição e

voltou-se para uma tentativa de mudança de consciência em níveis social, político,

religioso e ambiental. Tal fato desagradou à diretoria da CNBB – NE III que, em nota

sobre o jejum de dom Cappio, expôs sua posição:

Ao tomar o conhecimento da retomada de “jejum e oração” pelo Dom Frei Luiz Cappio, bispo da Barra (BA), contra o “Projeto de Transposição do Rio São Francisco”, a CNBB NE III – Bahia e Sergipe – reafirma a posição já manifestada em público mais uma vez. Apoiamos iniciativas que visam a revitalização do rio São Francisco. Incentivamos a busca de soluções para o abastecimento de águas de boa qualidade, necessária para a vida humana, dos animais e plantas. Esclarecemos que o seu gesto de “jejum e oração” é iniciativa e opção pessoal, não necessariamente refletindo o pensamento da CNBB NE III (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL NORDESTE III, 2008, p. 49).

Enfim, dom Cappio não agiu em função da instituição, mas sim de um

julgamento que considerou sagrado, por isso seu ato foi inovador e tendenciosamente

revolucionário, pois atacou uma predominante visão religiosa tradicional sobre o meio

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ambiente e se chocou com o Estado. Além disto, convocou multidões de seguidores

embebidos pela vontade de contestar e transformar uma realidade. Devido ao seu caráter

provocante e às suas convicções, se mostrou um protagonista em constante tensão com

a questão ambiental posta em sua sociedade. Dom Cappio veio para romper com o que

já estava estabelecido pelo Estado, aspirando a uma nova proposta, direcionada para

uma política ambiental com base em projetos alternativos de revitalização do rio São

Francisco.

Em resposta a esse gesto, surgiram várias reações oriundas de dentro da Igreja.

Segue trecho da nota-carta do presidente do Comitê Paraibano pela Integração das

Bacias Hidrográficas do Rio São Francisco e arcebispo metropolitano da Paraíba, dom

Aldo Pagotto, de 28 de novembro de 2007, endereçada a dom Cappio.

Caro irmão Dom Luiz Flávio Cappio: Deus o ilumine e o proteja. Nossa vida a Deus pertence. Não temos o direito de tirá-la a qualquer título. O comportamento cristão leva-nos à coerência irreformável na defesa e promoção da vida. Por ocasião de sua primeira greve de fome, a Santa Sé lhe pediu, em carta que lhe foi entregue em mãos pelo Núncio Apostólico no Brasil, que desistisse dessa conduta. Diante da dádiva da vida, peço que você reveja a sua posição quanto à revitalização e à integração das Bacias Hidrográficas do Rio São Francisco, contempladas em uma obra que beneficia a doze milhões de nordestinos dos estados da Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco. O planejamento técnico-científico e a gestão administrativa e econômica da obra são de competência governamental através dos órgãos específicos. Não compete a nós bispos da Igreja intervir nesse mérito. Contudo, nós bispos e o povo da Paraíba e dos demais estados pleiteantes apoiamos a obra que favorece o desenvolvimento de nossas regiões do semiárido, assoladas pelas estiagens inclementes. Quem tem sede apoia a obra! Peço que o caro irmão escute a voz do Espírito do Senhor que fala pelo clamor do povo sedento de água, de amor, de justiça e de paz. (PAGOTTO, 2007).

De acordo com Weber (1991), o profeta não obedece à instituição; ao contrário,

ele a questiona, se guia pelo sonho do futuro e segue apenas o desígnio divino. Sua

missão é libertar seu povo oprimido e lembrá-lo de sua aliança com Deus. Na condição

de enviado, indica rumos a um povo sem direção e que se esqueceu de seu autêntico

passado. Ademais, é ele quem capta a situação ou realidade de um determinado tempo e

um dado lugar e ali aplica a revelação que teve no intuito de conduzir seus fiéis por um

novo caminho. Sua profecia está vinculada a uma ação concreta, por isso o profeta é

aquele que não apenas discursa, mas também atua numa realidade.

Independentemente da posição de dom Aldo Pagotto, dom Cappio continuou seu

jejum e deu um retorno ao arcebispo, em 30 de novembro de 2007, através de uma

carta. Cabe aqui extrair os principais tópicos tratados.

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1- Concordo que nossa vida a Deus pertence e não temos o direito de tirá-la. Exatamente porque a minha não me pertence e sim a Deus, pois a Ele já a entreguei há muito tempo, é que a ofereço pela vida de muitos. Não a estou tirando, apenas jejuo e rezo, como é da tradição bíblica e cristã, por tempo indeterminado, disposto a ir até o fim. Primeiro, direcionado a Deus, Senhor da Vida e da História, como sacrifício, para que Ele se compadeça de nós e mude o coração de homens cegados pelo poder e pelo dinheiro. Segundo, direcionado aos governantes deste país, como legítima forma de ação de um cidadão, esgotadas e infrutíferas todas as tentativas anteriores de amplos setores da sociedade fazerem-se ouvir e respeitar. É um gesto pessoal, mas de significado coletivo. 2- Se conhece a minha vida, sabe que meu comportamento atual não é nada mais que coerência irreformável com toda a minha trajetória de franciscano, padre e bispo a serviço da defesa e promoção da vida. Isso quis expressar em meu lema de bispo “Para que todos tenham vida” (Jo 10, 10). 3- A Santa Sé, através do Núncio Apostólico, de fato me “pediu” que não lançasse mão do recurso da greve de fome. Tratou-se de apenas um “pedido”. Quanto à expressão “greve de fome”, usei-a da outra vez porque mais conhecida e por seu significado político. Desta vez, prefiro que seja “jejum e oração permanentes”. 4- Quanto ao projeto de transposição, o Sr. e outras lideranças esclarecidas que o defendem deveriam contar ao povo toda a verdade sobre esse projeto, suas reais finalidades, custos, mecanismos de cobrança pela água, traçados distantes dos sertões mais secos, interesses mercantis, etc, etc. Esse projeto não é solução, será mais problema. Continuar, a essa altura, insistindo no velho “discurso da seca”, pregando um “populismo hídrico”, a serviço da antiga “indústria da seca”, agora moderno “hidronegócio”, é um desserviço ao povo e uma perversão de nossa missão de pastores. O mérito aqui em questão não é técnico, é pastoral, pois “ovelhas” em risco cobram a solicitude do Bom Pastor. Foi assim que os bispos nordestinos, há quase 60 anos, com competência pastoral e apoio técnico, provocaram a criação da SUDENE. 5- O projeto de transposição não vai trazer verdadeiro desenvolvimento. A propaganda da irrigação no próprio Vale do São Francisco esconde a face dos danos sociais e ambientais e mesmo os sucessos econômicos são relativos, não é modelo a se propagar, precisa ser revisto urgentemente. Por que não fazem o mesmo empenho pelas 530 obras do Atlas Nordeste da ANA – Agência Nacional de Águas e pelas mais de 140 tecnologias da ASA e da EMBRAPA? Essas, sim, são soluções reais e bem mais baratas, resolvem o déficit humano de água nas cidades e promovem o desenvolvimento apropriado às diversidades rurais do semiárido, sem ônus ao já tão sofrido povo nordestino e ao meio ambiente. 6- A voz do Espírito do Senhor sopra aonde quer (cf. Jo 3, 8) e no clamor do povo ele exige que sejamos “simples como as pombas e espertos como as serpentes” (Mt 10, 16) (CAPPIO, 2008n., p. 125-126).

Por fim, a organização de movimentos sociais contrários ao projeto de

transposição desembocou em divergências no meio eclesiástico e afronta ao Vaticano,

tornando-se necessária a implantação de medidas que pusessem um término ao jejum do

bispo. Através de admoestações feitas a ele, o Vaticano procurou assegurar a ordem

eclesiástica; paralelo a isto, contribuiu para que o projeto de transposição seguisse em

frente e as tensões fossem eliminadas – ou pelo menos suavizadas. Dom Cappio

cumpriu uma função profética dentro da própria igreja causando embaraço e mostrando

sua radicalidade em prol de uma causa social e ambiental.

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4.3 Religião e Meio Ambiente: uma Experiência no São Francisco

A globalização é marcada por valores políticos, culturais e religiosos que

buscam homogeneizar as sociedades, mas que paradoxalmente fragmentam povos,

sociedades, tribos e movimentos. Por isso, ela gera conflitos que envolvem política,

cultura, religião, economia e meio ambiente. De acordo com Octavio Ianni (2001, p.

22), “muitos passam a reconhecer que o céu e a terra, a água e o ar, a fauna e a flora, os

recursos minerais e a camada de ozônio, tudo isso diz respeito a todos, aos que sabem e

aos que não sabem, nos quatro cantos do mundo”.

São muitos os grupos, classes, movimentos sociais, partidos políticos e correntes

de opinião que são levados a perceber algo de novo no cenário mundial: que a terra é

uma morada comum. Nesse cenário, a religião dá uma contribuição significativa na

construção de uma ética voltada para a vida. “Essa nova ética socioambiental só se

implementa se surgir mais e mais uma nova consciência planetária, a consciência da

responsabilidade para com o destino comum de todos os seres” (BOFF, 2000, p. 63).

Esse cenário favorece a criação e recriação de várias formas de percepção do

mundo, pontos de vista, atitudes individuais e coletivas que emergem de forma solta e

ainda pouco estruturada em várias partes do globo58. No meio ambiente, as novas

atitudes humanas com seus diferentes olhares podem ser comparadas a pontas de

icebergs que remetem a algo maior e indicam novas concepções de mundo que, aos

poucos, se apresentam como saída para os problemas que assolam o planeta.

A perspectiva ambiental no mundo contemporâneo compele lideranças políticas,

religiosas, sociais e os próprios movimentos populares a se organizarem através de

associações, uniões, coalizões, e agirem através de práticas concretas de mobilização.

No campo religioso, variadas formas de comportamento e pensamento estão surgindo e

ameaçando antigos valores, revelando ser esse um período de incertezas, dilemas e

perspectivas. Faustino Teixeira confirma, em seu artigo, a retomada da dimensão

espiritual enquanto transformação cultural significativa no século XXI:

Trata-se da viva consciência de que o ser humano não é somente parte do universo material, mas igualmente espírito que se integra ao Todo, como ente “ re-ligado a todas as coisas” e que lança interrogações fundamentais sobre o sentido da história e do destino humano. (TEIXEIRA, 2009, p. 211, grifos do autor).

58 Para uma abordagem dos movimentos em defesa do meio ambiente e do cenário brasileiro, ressaltamos

o trabalho de Eduardo Viola “O movimento ecológico no Brasil (1974-1986): do ambientalismo à ecopolítica” (1987).

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Diante de tais considerações, testemunhamos diferentes modos de elaboração do

religioso presentes nas instituições, nos grupos e movimentos sociais, nas identidades

individuais e coletivas. Diante do desafio de conservar o planeta, a religião – não

necessariamente a institucional – se torna uma importante ferramenta formadora de

opiniões e de atitudes. Exerce influência em diversas culturas locais, contribui para a

reelaboração das diversas maneiras de perceber o mundo, inspira a ressignificação da

identidade cultural de cada ser humano e o condiciona a diversas atitudes; por isso, ela

ocupa um significativo papel na sociedade.

A polêmica criada em torno da transposição das águas do rio São Francisco tem

correlação com uma situação maior: a proteção do meio ambiente e a necessidade de

uma outra relação com a natureza. A atitude de dom Cappio pode ser entendida como

uma nova proposta de convivência dentro de uma dinâmica ecoespiritual que envolve

abertura e respeito à natureza.

Garantir a integridade do rio São Francisco é uma necessidade específica

vinculada a uma situação global: a emergência de uma consciência ambiental. O

acelerado processo de apropriação autodestrutiva dos recursos naturais gera

contraditoriamente uma consciência que termina repercutindo na vida social, cultural e

política de diversas sociedades. O discurso de dom Cappio não só esteve ligado à

realidade do povo do sertão, como alertou para a situação ecológica em nível mundial.

Ele incitou debates sobre a sustentabilidade ambiental, os limites do crescimento

econômico, a justiça social e o papel da Igreja na preservação do meio ambiente.

Em nota, os movimentos sociais ressaltaram o significado de sua atitude:

Ao tema do São Francisco e do Semiárido virão se somar os outros grandes temas atuais do país, dos transgênicos às hidrelétricas do rio Madeira, da internacionalização da nossa agricultura às transposições do rio Tocantins, da entrega de nossas águas e florestas aos agrocombustíveis. E a luz lançada sobre esta conjuntura nacional mais cedo ou mais tarde fará despertar as organizações e movimentos sociais acomodados ou atrelados, para um novo ascenso das forças populares, na direção da soberania nacional e do ecossocialismo. (MOVIMENTO DOS PEQUENOS AGRICULTORES et al., 2008, p. 213)59.

59 Além do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), outras entidades assinaram o documento, são

elas: Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), Simpósio Nacional de Tecnologia em Agronegócio (Sintagro), Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (Feab), Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa).

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O rio São Francisco teve um papel único na história do Brasil, pois foi fonte de

vida e de riqueza desde o início da colonização até os dias atuais. Suas águas

possibilitaram não somente a confluência de inúmeros povos como também o múltiplo

uso do seu potencial hídrico: para abastecimento humano, agricultura irrigada, geração

de energia, navegação, piscicultura, lazer e turismo.

A partir da segunda metade do século XX, profundas mudanças ocorreram no

cenário ambiental brasileiro, e o rio São Francisco se tornou ponto de construção de

várias represas e usinas (COELHO, 2005). Somam-se a isto diversos problemas tanto de

ordem social quanto econômica que vêm afetando o rio, como o desmatamento de suas

várzeas, a poluição, a pesca predatória, as queimadas, o garimpo. São inúmeras

reportagens e declarações denunciando que o “o rio está morrendo” e fotografias a

mostrar pessoas atravessando de um lado ao outro do rio a pé. De acordo com Marco

Antônio T. Coelho (2005, p. 108), presencia-se um processo de “diminuição das águas

em nascentes, córregos, riachos, lagoas e até em afluentes de determinado porte na

região do semiárido”.

Após centenas de anos de ocupação, o São Francisco é, ainda hoje, o principal

recurso natural que impulsiona o desenvolvimento regional, gerando energia elétrica

para abastecer todo o Nordeste brasileiro e parte de Minas Gerais, através das

hidrelétricas de Paulo Afonso, Itaparica, Sobradinho e Três Marias, realidade que tem

um preço alto e negativo para a população. A construção de barragens e grandes

represas60 levou à expulsão de muitas pessoas de seus vilarejos, além da matança de

peixes que garantiam não só sustento daqueles que viviam na região, como a renda de

pescadores profissionais.

O Nordeste é uma área historicamente carente e pobre, realidade que tem raízes

nos fatores naturais, climáticos, sociais, políticos e econômicos. Parte considerável da

população que habita a bacia são-franciscana sofre algum tipo de déficit em recursos

hídricos. Conforme o estudo de Villa (2000), foram apresentados vários planos que

pudessem solucionar o problema da seca no sertão. Em 1831, quando o Brasil estava

sob o governo da regência trina, foi concedida permissão para a abertura de poços

artesianos. Por volta de 1847, foi concebido um plano que se pautava pela construção de

60 Cabe destacar a represa de Sobradinho, considerada o maior lago artificial do mundo. Ela ocupa um

território três vezes maior do que o município de São Paulo. Ela está localizada nas cidades de Casa Nova, Remanso, Pilão Arcado, Barra, Sento Sé, Juazeiro e Xique-Xique. Os atingidos pela construção da represa foram Casa Nova, Remanso, Pilão Arcado e Sento Sé, os quais foram inundados, além de outros povoados (COELHO, 2005).

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túneis para desviar parte do rio para o Norte, em direção ao Ceará, e para o Leste, rumo

à Paraíba e ao Rio Grande do Norte.

Entre os anos de 1876 e 1879, quando houve uma grande seca, resultando na

morte de meio milhão de nordestinos, o imperador dom Pedro II ficou chocado com o

fato e chegou a afirmar que “venderia até as joias da Coroa a fim de ajudar os sertanejos

que sofriam com a seca” (COELHO, 2005, p. 174).

Nessa inundação de propostas, destacamos o trabalho de Geraldo Rocha

(2004)61, que, através da sua obra “O rio São Francisco: fator precípuo da existência do

Brasil”, realizou um estudo sobre as possíveis soluções para o atraso da região através

de empreendimentos voltados para a construção de represas, ferrovias. Conforme

COELHO (2005), a questão da pobreza na região semiárida brasileira não está

vinculada unicamente à disponibilidade de recursos hídricos, mas a um estado de

pobreza presente em povoados situados tanto nas regiões semidesérticas como nas

margens do próprio São Francisco, o que revela uma situação social que vai além da

escassez de água.

Desde 2005, o São Francisco vem se tornando o centro de acalorados debates em

função do projeto de transposição de suas águas, que, na visão do governo federal, se

apresenta como “a redenção da grande região do semiárido nordestino dos estados de

PE, PB, RN e CE”62.

O projeto de transposição do São Francisco remete a discussões em torno de

todo um ecossistema, envolvendo sustentabilidade e políticas ambientais que busquem

novos caminhos na defesa da ecologia e da vida no planeta. Coloca em evidência o

problema da diversidade dos nichos ecológicos, das formas sociais de vida e trabalho,

da singularidade das culturas, dos conhecimentos acumulados por tribos e povos sobre o

seu meio ambiente e a relação com a natureza local.

Em tal contexto, a linguagem religiosa de dom Cappio possibilita captar o

vínculo entre religião, política e natureza, e o avançar de um discurso direcionado para

um novo exercício ético. Trata-se da criação e emancipação de novos sentidos para a

vida humana a partir de uma realidade já colocada sobre a mesa, cujo impulso pode

61 Geraldo Rocha procurou estudar os aspectos naturais, sociais e culturais do vale do São Francisco.

Trouxe para o Brasil muitos técnicos e especialistas para analisarem o potencial do rio, objetivando a utilização de suas potencialidades e o desenvolvimento não só regional, mas nacional. Suas análises serviram de apoio para avanços técnicos na região.

62Este trecho é parte de uma síntese elaborada pelo prof. de Hidrologia e Irrigação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), dr. João Abner Guimarães Jr. Trata-se do relatório final de duas comissões da UFRN que estudaram o projeto de transposição das águas do rio São Francisco.

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emergir de inúmeras formas – no caso da transposição, surgiu de um gesto extremo que

assinalou a necessidade de uma nova relação entre ser humano, religião e natureza.

O custo social da destruição ecológica e da degradação ambiental gerada pela maximização do lucro e dos excedentes econômicos a curto prazo deram pois impulso à emergência de novos atores sociais mobilizados por valores, direitos e demandas que orientam a construção de uma racionalidade ambiental. (LEFF, 2005, p. 96).

Dos conflitos que provêm do desenvolvimento técnico e econômico da

sociedade capitalista, nascem movimentos sociais, lideranças ambientalistas e

ecologistas que dinamizam e transformam suas formas de exercício e luta pela natureza.

Portanto, a problemática ambiental é percebida de forma heterogênea e abrange um

amplo campo de concepções e estratégias de solução. Conforme Leff (2005), qualquer

manifestação de cunho ambiental está atrelada a um contexto cultural, político, social e

econômico.

O discurso de dom Cappio buscou, além da participação dos movimentos sociais

e de toda a sociedade, apresentar uma inédita relação entre ser humano e meio ambiente,

numa proposta ambiental e social, utilizando-se de uma linguagem religiosa:

O que precisamos, não só no Nordeste, é construir uma nova mentalidade a respeito da água, combater o desperdício, valorizar cada gota disponível, para que ela não falte à reprodução da vida, não só a humana. Precisamos repensar o que estamos fazendo dos bens da terra, repensar os rumos do Brasil e do mundo. Ou estaremos condenados à destruição de nossa casa e à nossa própria extinção, contra o Projeto de Deus (CAPPIO, 2008c, p. 51).

A polêmica da transposição favorece, tanto em nível individual quanto

coletivo, a elaboração e reelaboração de várias formas de perceber o mundo e agir nele,

fazendo-as se convergir para a defesa do meio ambiente. A bacia do São Francisco

resguarda uma tessitura de símbolos, mitos e rituais que expressa uma relação com a

vida que se dá para além dos marcos da racionalidade instrumental. Em momentos de

crise, a tradição cultural de um povo funciona como uma fonte a partir da qual uma

sabedoria de vida pode jorrar. Os elos entre o social, o ecológico e o espiritual vistos na

prática de dom Cappio passam pelo enraizamento e diálogo com esta tradição.

A questão da transposição vem demonstrar que os territórios são ambientes

nos quais se desenvolvem conflitos e processos que dão sentido social, econômico,

político e cultural à história humana. Ela chama a atenção para o papel do Estado no

planejamento econômico e social do território. Aponta para uma nova realidade

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universal em que a questão ambiental integrou-se aos discursos políticos e religiosos.

Diversas tradições religiosas se norteiam para uma mudança de consciência e

aprofundamento na relação entre Deus, ser humano e natureza, concretizando-se em

documentos, organizações, manifestações e publicações (Boff, 2009). De acordo com

Matos (2008), muitos órgãos financeiros mudam suas orientações, priorizando

avaliações ambientais frente aos objetivos e seus impactos.

O gesto de dom Cappio estimulou o sentimento de respeito à singularidade

cultural e de pertencimento ao território. “Esse espaço-território-meio ambiente

funciona como um lócus de convergência de saberes e de vivências, experiências,

contradições, conflitos e possibilidades” (GUERRA; PASSOS, 2009, p. 49). Muitas

pessoas passam a reconhecer que todos os elementos que compõem seu espaço dizem

respeito a todos e por isso apoiam os movimentos sociais para proteger nichos

ecológicos, reivindicam medidas de proteção à fauna e à flora, estimulam publicações,

cursos e palestras que envolvam o tema ecologia. No mundo globalizado, o meio

ambiente ganha um novo contorno: o religioso.

Como ‘imagem de Deus’, a relação se inverte, o ser humano é o representante e administrador do Criador junto às demais criaturas, o cultivador do jardim em parceria com os céus, com as potências celestes que vêm de Deus, que trazem a palavra e o espírito à terra. A vocação e a responsabilidade humanas portam a marca do divino sobre a Terra. Por isso as criaturas deveriam sentir-se aconchegadas à sombra do ser humano, protegidas e cultivadas, aproximadas ao próprio Criador, exatamente o oposto da inquietação, do medo e do terror. (SUSIN, 2003, p. 102).

Percebe-se que paira no ar uma nova forma religiosa de relacionamento do

humano com a natureza, pois surge a necessidade de uma responsabilidade voltada para

o cuidado com a Terra; postulam-se novas atitudes, que desafiam a religião a trabalhar

rumo a outra ordem de convivência inspirada no novo paradigma63 ecológico

(OLIVEIRA, 2008, p. 63-87).

O comportamento religioso de dom Cappio se volta para uma finalidade clara

e objetiva: salvar o rio São Francisco e seu povo. Na condição de bispo da Igreja

Católica, assume uma causa que estimula uma espiritualidade ecológica e a produção de

inúmeras reflexões voltadas para a ressignificação das concepções do desenvolvimento

63Para Thomas Kuhn, em sua obra “A estrutura das revoluções científicas” (2003), o paradigma pode ser

compreendido como uma concepção de mundo, numa determinada época, fundamental para o estudo científico da vida na sociedade. Pode ser também, dentre os vários olhares, aquele que servirá de base para uma ciência.

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a qualquer custo. A polêmica da transposição gerou laços de diálogo que contribuíram

para a configuração de uma nova percepção social que se refletiu no campo dos

conhecimentos político e religioso.

Para o profeta, os acontecimentos sociais e a realidade global possuem um

determinado sentido, pelo qual os homens devem se guiar e então assumir uma nova

postura. Quando sua profecia é aceita, ele arregimenta discípulos com seu carisma

pessoal; por sua vez, o apoio recebido desses discípulos ajuda-o em sua missão. Essas

considerações nos remetem a um trecho do texto de frei Gilvander Moreira que trata da

retomada do jejum por dom Cappio.

Agora, Dom Cappio retoma uma modalidade de luta assentada sobre a fina flor da tradição cristã: jejum e oração. Resgata no coração de muitos militantes uma espiritualidade nova. Jejuar e orar continuam sendo expressão da resistência contra os faraós de hoje (MOREIRA, 2008a, p. 131).

O profeta surge em momentos de crise e convulsão social, denunciando a

injustiça, a exploração e a autodestruição de seu povo. Neste sentido, ele alfineta os

líderes que deturpam a política e que usufruem do poder em benefício próprio. Como

figura profética, dom Cappio foi a referência ética de um povo que estava desorientado,

que era explorado, mas não sabia como reagir à opressão. Ele ilustra com seu discurso o

atual cenário de crise, conflito, desordem ou catástrofe e assume o desafio de ousar e

abraçar as causas sociais de uma determinada realidade.

O rio São Francisco sempre abrigou às suas margens distintas nações indígenas e

populações diversas, principalmente pequenos lavradores e pescadores. Sua bacia é o

lugar onde cada habitante se insere, desenvolve forte identidade religiosa e ainda é lugar

para as manifestações simbólicas. Porém, se o espaço da bacia são-franciscana favorece

o exercício de uma eco-espiritualidade, por outro lado isso ocorre também em função da

presença de um profissional religioso especializado. Dom Cappio, assim como outros

agentes religiosos – chefes indígenas, sacerdotes, pastores e demais lideranças –

organiza a vida religiosa e possibilita a transmissão e a permanência de uma tradição

religiosa ligada à natureza.

A história ambiental mostra que, em relação à natureza, não existem somente interesses, mas também valores, e estes são decisivos. Ela ensina que, em qualquer sociedade, a natureza é fonte de valores e representações intricados, complexos, contraditórios, que nutrem as artes, as religiões, os mitos, os saberes. A natureza é uma construção cultural, concretizada nas concepções de mundo. É também marco da memória e indicador de pertença. (MARTINS, 2008, p. 75).

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Com dom Cappio, o rio São Francisco ganha – ou tem reforçada – uma

dimensão sagrada que influencia movimentos e povos a engajarem-se na defesa

socioambiental de toda a bacia são-franciscana. Neste sentido, não importam o jejum e a

oração em si, mas a destinação desses atos para fins políticos. Com ele vieram vários

movimentos, grupos, tribos, técnicos, artistas, políticos, líderes religiosos e a população

em geral, que se sensibilizaram com a causa do bispo. Assim, sua atividade religiosa

assumiu um novo contorno: o político. Sua posição não somente foi a de um bispo que

pastoreia o seu povo, mas também a de quem se preocupa com o meio ambiente e,

através da postura religiosa, realiza uma denúncia política. Sua postura envolveu a

dimensão ecoespiritual da vida que refletiu na Igreja, na política e no meio ambiente.

Em seu artigo “Por que faço jejum em Sobradinho?”, tal denúncia política e

ambiental é posta em relevo, confirmando a ideia acima de que o ato religioso de dom

Cappio tem tanto um objetivo político como um de conservação ambiental.

A raiz destes males está num modelo dito de “desenvolvimento”, que nada mais é que a acumulação ilimitada de capital. Estes devastadores usos irrestritos, indisciplinados e conflitantes das terras, águas e gentes do Velho Chico, voltados exclusivamente para o lucro, decretam sua morte, que se aproxima a olhos vistos. Vê-se na acelerada devastação dos Cerrados do Oeste Baiano, produtor de suas derradeiras águas, e na transformação das Caatingas em carvão, assoreando afluentes e a calha principal. A sanha pelos agrocombustíveis a partir de cana-de-açúcar, soja e eucalipto é a mais recente ameaça, talvez fatal. (CAPPIO, 2008k, p. 97).

A polêmica em torno da transposição do rio São Francisco espelha um momento

na história em que o meio ambiente é o centro das atenções e o ser humano é parte da

natureza; ademais, começa a surgir a noção da necessidade de se cuidar da Terra não

por causa de sua utilidade, mas, sim, pelo reconhecimento de seu valor próprio.

Historicamente, a Igreja apresentou uma concepção de mundo na qual o ser

humano sempre permaneceu no centro das relações e do entendimento da vida;

portanto, toda a natureza ficou submetida a uma lógica utilitarista e avaliada de acordo

com os critérios econômicos da ordem vigente. Assim, a Igreja, no seu caminhar,

desconsiderou a vida de muitos seres bióticos a abióticos ao levar em conta apenas o

humano como o centro de todas as coisas. Sob um prisma antropocêntrico, a natureza

não teve um valor em si: foi transformada em mero recurso natural.

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Essas considerações são abordadas nos estudos de Lyn White Jr. (1967)64, cuja

análise sobre o cenário ambiental destaca o tempo cíclico e sagrado da natureza e

sustenta que os lugares, os animais, as plantas, as águas têm seus espíritos. Para ele, a

atual crise tem como pano de fundo o religioso, e a solução deste caos passaria pela

religião.

Nosso comportamento ecológico depende de nossas ideias da relação homem-natureza. Nem mais ciência e nem mais tecnologia vão nos livrar da atual crise ecológica até que encontremos uma nova religião, ou reconsideremos nossos antigos valores religiosos (WHITE JR. 2010, p. 39).65

O episódio da resistência ao projeto da transposição influenciou

significativamente alguns movimentos sociais, que se mostraram interessados em

incorporar a dimensão ambiental ao campo de suas atuações sociais, políticas e

econômicas. Atentos à crise ambiental que assola o planeta, agregaram valores ligados à

religião e ao meio ambiente a partir de um fato regional. O gesto de dom Cappio e a

questão ambiental abriram, guardadas as proporções, um processo de ressignificação da

realidade atual não somente no Brasil, mas no mundo.

O gesto de dom Luiz Flávio revelou a universalidade de sua causa que é o pressuposto para alianças duradouras. Desencadeou um encontro em massa entre peregrinos místicos e militantes em marcha, entre indígenas e pobres que vivem ao longo do rio, entre brasileiros do norte ao sul e internacionalistas de todos os países. (SUESS, 2008, p. 95).

A greve de fome reuniu diversos movimentos, que passaram a refletir sobre o

planeta. Possibilitou ainda uma visão da bacia são-franciscana como a casa de várias

gentes – muitos passaram a perceber que as diferentes formas de vida desse povo são

igualmente importantes e que a água, a terra, o ar são partes essenciais da vida. A

perspectiva ambiental do rio São Francisco oferece um enfoque global e integrador

sobre a realidade social. Dom Cappio abriu caminhos para a atuação de movimentos

ambientalistas que primam por projetos voltados para a heterogeneidade não só de

culturas, mas de tipos de desenvolvimento. Se preocupou com o rio e também com o

64 Lynn White Jr. (1907-1987) foi professor de história medieval reconhecido internacionalmente.

Desenvolveu Trabalhos significativos nas universidades de Princeton, Stanford e Califórnia. Fundou o Centro de Estudos Medievais e Renascentistas da Universidade da Califórnia e Los Angeles.

65 Este artigo foi originalmente publicado com o título “The Historical Roots of Our Ecological Crisis”, publicado na revista Science, em 1967.

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seu povo, que, segundo ele, sofrerá em breve devido a uma catástrofe ambiental. Por

isso sua atitude suscitou a ideia do respeito à vida em todas as formas que se possam

apresentar mostrando-se conciliador e integrador. A partir de uma situação particular, a

conscientização vai cavando soluções para os desafios que o desenvolvimento

econômico mundial apresenta, com novas alternativas baseadas no potencial ambiental

das diferentes regiões e comunidades.

Visto sob este ângulo, o gesto de Dom Cappio passa a ter uma dimensão profética. Seu sacrifício foi um alerta a todos nós e, especialmente, a uma parcela da nossa Igreja, que se refugia na piedade individual e na observância de ritos para não enfrentar o escândalo que é a passividade diante da maneira desumana com que o País trata os pobres (SAMPAIO, 2008, p. 125).

Logo, a organização para preservar o rio São Francisco assumiu o desafio de

questionar até que ponto o cristianismo não foi usado pela ideologia capitalista para

justificar a expansão dos grandes empreendimentos, às custas da exploração da

natureza. Assim como também assumiu o desafio de repensar o papel da Igreja no

contexto ambiental, lançando por terra certas interpretações e dando sentido aos novos

gestos religiosos voltados para a proteção da natureza.

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5 CONCLUSÃO

Calcular o êxito ou o fracasso do jejum e da mobilização em torno do projeto de

transposição numa perspectiva sociológica não é fácil, contudo é possível fazer algumas

análises a partir deste estudo. Primeiramente podemos dizer que houve um sucesso

relativo, já que o primeiro jejum, em 2005, conseguiu paralisar as obras e possibilitou

uma discussão sobre alternativas para a bacia são-franciscana. Mais ainda: logrou

mudanças significativas no campo religioso, pois essa inovação religiosa suscitou

discussões teológicas, trouxe modificação na conduta de um significativo setor da Igreja

e despertou parte do clero não só para a questão ambiental, como para as

transformações de consciência sobre temas que envolvem os aspectos sociais e

ambientais.

O gesto de jejum e oração de dom Cappio foi uma ameaça à hierarquia católica,

haja vista que alcançou uma dimensão profética que se chocou com sua função de

sacerdote; adentrou o campo político-social através da organização de movimentos

populares; fez repensar o papel da Igreja arrebanhando parte do clero e pastorais; e

provocou diversas reações que ecoaram no mundo inteiro.

A mobilização em torno do gesto de dom Luiz Flávio Cappio contra o projeto de

transposição das águas do rio São Francisco esteve ligada a uma realidade tão social

quanto ambiental presente há séculos na história do Brasil, assim como também a um

momento na contemporaneidade marcado por uma crise ambiental em todo o planeta.

Esse fato social veio mostrar que a religião não é autônoma ou independente em relação

às transformações sociais e ambientais e nem totalmente determinada por essas mesmas

situações de conflito e transformações no mundo. A polêmica da transposição revela

que a função da religião é variável, podendo desempenhar funções contraditórias,

conservadoras e conflitantes. Todavia ela é condicionada pelos conflitos e

transformações no meio social e, ao mesmo tempo, atua com uma relativa autonomia

sobre essas mudanças, garantindo ora a mudança, ora a manutenção de seu tradicional

discurso religioso.

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A problemática ambiental fica evidente no mundo contemporâneo desvelando

uma crise de civilização66 que implica diversos valores de ordem tanto cultural, quanto

filosófica ou política (GONÇALVES, 2004). Neste contexto, a transposição das águas

do rio São Francisco expõe a função social desempenhada pela religião através de um

protagonista carismático que correspondeu à conjuntura social e ambiental das

comunidades ribeirinhas e que se colocou como mediador entre o povo e o Estado.

Com a polêmica da transposição, confirmamos que a religião é uma realidade

comunicante, e não um compartimento estanque e isolado. Ela termina repercutindo na

sociedade, porque obra conforme os meios que um determinado contexto social lhe

oferece. Nas palavras de Maduro (1981, p. 72), “ela opera – em cada caso concreto –

com instrumentos socialmente acessíveis no contexto no qual ela existe.”

Todos que participaram dessa mobilização são indivíduos que, além de

compartilharem muitas crenças, também anelaram por transformações e buscaram de

forma direta e indireta soluções para os problemas sociais e ambientais da região do

semiárido. Comungaram do desejo de proteger o rio e propor soluções para o problema

da seca, tendo como inspiração uma forma específica de chamado para a organização

popular.

Dom Cappio orientou sua atividade religiosa no seio das classes subalternas,

portanto agiu conforme os interesses daqueles que foram excluídos do processo de

discussão, canalizando seu gesto para a conquista da participação política do povo

ribeirinho e para uma nova ética em relação ao meio ambiente.

Assim como em Canudos, presenciamos o desenvolvimento avançando e

esmagando a natureza com grande truculência e calando as vozes anônimas carentes de

uma representatividade que pudesse falar sobre seu meio natural e social, permitindo a

essa mesma gente situar-se e identificar-se neste espaço para nele atuar, garantir a

própria sobrevivência e a do rio São Francisco. Dom Cappio assomou como liderança

religiosa e social dessa realidade e possibilitou aos movimentos populares agirem nesse

meio natural e social, intercedeu pelos interesses da população ribeirinha.

Noutras palavras, dom Cappio inspirou a articulação entre vários movimentos,

pastorais, grupos, órgãos, personalidades e povos, e a consequente ação. Verificamos

que a necessidade de uma representatividade possibilitou a muitas pessoas atuar a partir

66 Segundo Leff (2006), a crise não se refere apenas às catástrofes ambientais causadas pela humanidade,

mas à perda do sentido da existência do ser devido ao conhecimento humano usado para se apropriar dos recursos naturais.

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de uma realidade específica. O interesse religioso somado à insatisfação social fez com

que esse bispo, na condição de porta-voz, colocasse em relevo uma visão religiosa,

social, ambiental e cultural do rio São Francisco, capaz de despertar uma mudança de

consciência.

Dom Cappio realizou um trabalho religioso que nasceu de sua experiência

coletiva com o povo do sertão. Somente com seu gesto foi possível desencadear

diversas mobilizações com fim político e que atendessem ao interesse social latente.

Assim, o bispo de Barra-BA encarnou em seu ato radical os elementos capazes de

inaugurar um processo de mudança simbólica que culminou em mobilizações contra o

projeto de transposição. Portanto seu trabalho religioso individual ganhou uma

dimensão coletiva que levou muitas pessoas a participar da elaboração de uma nova

relação com o rio São Francisco.

Além disso, se apoiou na história do povo do sertão, acumulada há vários

séculos por diversas gerações, somou a sua experiência e amarrou tudo isto num único

instrumento de trabalho religioso: o jejum. Assim, a finalidade a que sua missão se

destinou – quer conseguisse ou não um resultado – proporcionou uma função social: a

de preservar o rio São Francisco e salvar sua gente. Então, por mais que sua atitude

apresentasse um aspecto unicamente individual, tornou-se uma atividade com

repercussão coletiva. Dessa maneira, efetuou uma produção religiosa em sintonia com

uma específica realidade social. Enquanto bispo, ele conseguiu fazer convergir para

dentro da Igreja uma solicitação que veio de fora, de caráter ambiental e social, e

chamou vários religiosos a participarem desse protesto.

A ação de Dom Cappio voltou-se para as necessidades das classes

desfavorecidas. O respaldo concedido por muitas pessoas se deu em função de uma

procura que foi ao encontro de uma oferta específica, somada à realidade social do

semiárido. Todo apoio, organização e mobilização ocorreram porque o gesto de jejum

se adequava a uma procura preexistente, mas que se encontrava insatisfeita, sinalizando

para uma função social objetiva: permitir à sociedade atuar nas decisões que envolvem

o ambiente socionatural, com vistas a conservar ou transformar esse meio.

As solicitações sociais dos movimentos e da população ribeirinha foram

reconhecidas pela Igreja, no entanto a forma como o bispo agiu para reivindicar foi

condenada pelo Vaticano. À medida que a produção religiosa de dom Cappio ganhou

uma dimensão profética, gerou desacordos no seio da Igreja pelo fato de subverter a

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hierarquia eclesiástica, desobedecer a Nunciatura Apostólica e agir radicalmente em

defesa de uma causa política, social e ambiental.

A Igreja Católica nesses episódios constituiu-se numa instância mediadora dos

impactos dessa atitude, obstaculizando o prosseguimento, no intuito de manter certa

ordem interna. Por outro lado verificamos o papel da CNBB, incomodada com a

radicalidade e a repercussão, procurando, através da comunicação junto ao governo,

propor soluções para a questão do rio São Francisco e a vida do bispo.

O Vaticano encarou com temor o aparecimento de um profeta, protagonista

religioso que buscou mudanças através de sua capacidade de organizar e mobilizar

pessoas ligadas à Igreja, aos movimentos sociais, pastorais, órgãos e setores culturais e

artísticos da sociedade que se manifestaram contra o poder exercido pela instância

política.

Todavia cabe salientar que a mobilização crescente por parte do clero e de

muitos leigos, em torno do gesto de dom Cappio, não objetivou uma revolta contra a

Igreja Católica, muito menos se guiou por um movimento questionador do modo de

produção religioso imperante no sertão e exercido pelo corpo sacerdotal instituído. O

que tivemos foi um bispo que usou o jejum para um fim ao mesmo tempo político,

social e ambiental, e, com isso, reuniu multidões, inspirou movimentos populares,

articulou em seu discurso todas as condições sociais e ambientais que possibilitaram o

surgimento de um grande movimento para proteção do rio São Francisco e da população

ribeirinha.

Dom Cappio representa uma parte do clero cuja origem, trajetória e posição se

inclinaram para as solicitações religiosas e sociais insatisfeitas dos grupos e povos

marginalizados e interessados em conquistar espaço e autonomia no processo de decisão

política no país. Com a conjuntura da transposição, surgiram as condições reais para sua

atuação e o consequente apoio aos movimentos de subversão à ordem política

estabelecida. Ele reuniu em seu gesto e em seu discurso um leque de procuras sociais,

políticas e ambientais de maneira tal que aqueles que se encontravam insatisfeitos com a

atual realidade se acharam representados e depositaram sua fé nessa formulação

profética, a ponto de empreenderem esforços em torno de seu ato radical de “doar a vida

para salvar o rio e seu povo”.

O jejum foi uma espécie de alerta à sociedade e à Igreja sobre a violência social

e ambiental que estava sendo cometida no sertão nordestino. Dom Cappio atuou sobre

uma realidade histórica já estruturada em sua linguagem, em seu modo de expressar sua

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fé, seus costumes e cultura. Tudo isso serviu de alicerce e orientação para a atuação do

bispo e possibilitou a organização e a ação dos povos no seio dessa mesma estrutura

social. Além disso, correspondeu ao interesse mostrado por todos os grupos populares

em conseguir participação no processo de discussão da transposição perante o Estado, o

que traduziu também uma mudança simbólica através da construção de novos valores

na relação entre o ser humano e a natureza.

Seu trabalho religioso consistiu em situar e nortear as classes subalternas em seu

meio socionatural de maneira que pudessem desempenhar uma função mobilizadora e

autônoma em relação ao Estado. A influência religiosa de dom Cappio na estratégia de

suspender a transposição voltou-se também para a incorporação de novos valores,

fundamentais na instauração de políticas ambientais. Então, com a polêmica, podemos

dizer que a religião pode funcionar como uma espécie de mediadora entre uma gente

excluída da participação política e o pleno exercício da cidadania – um canal para passar

de um grau de consciência para outro superior.

Ao utilizarmos a categoria do profeta para compreendermos a questão da

transposição, procuramos destacar as condições sociais e religiosas que permitiram sua

emersão e o cenário de crise ambiental que possibilitou uma visão religiosa sobre a

natureza, por parte desse protagonista. Enquanto produtor de inovações, dom Cappio,

através de seu gesto e seu discurso, conseguiu organizar multidões, dando um novo

sentido ao papel da religião nas questões que envolvem política e meio ambiente. Não

buscou um rompimento com a Igreja Católica, entretanto procurou adaptar a realidade

social e ambiental a um novo sentido, que interligou natureza e religião. Esta inovação,

mesmo não gerando uma ruptura com a instituição, contrariou a ordem religiosa,

principalmente pelo fato de tal estratégia ter ganhado uma dimensão subversiva em

relação à hierarquia católica.

Tendo como referência os estudos de Bourdieu (2005), podemos afirmar que

dom Cappio foi uma personalidade carismática que teve a capacidade de unir um

“significante” a um “significado”, arquitetando um novo sentido simbólico apto a gerar

a mobilização de inúmeras pessoas, desde comunidades a movimentos sociais, políticos,

artistas e intelectuais, e, que, por sua vez, foram portadores de significado. Nesta

perspectiva sociológica sobre o profeta, dom Cappio teve habilidade de produzir algo de

novo no momento em que ligou a religião à questão ambiental, exprimiu um conjunto

de solicitações sociais e ambientais até dado momento latentes e mobilizou em torno de

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si uma massa de pessoas, tanto leigos como religiosos, que se articularam para impedir

a implantação do projeto de transposição das águas do rio São Francisco.

Quando remarcamos que dom Cappio concretizou uma inovação religiosa,

atentamos para a forma como isto ocorreu: através do jejum. Diante disso,

compreendemos que a força social e política de sua ação esteve alicerçada nos seguintes

aspectos: em primeiro, na credibilidade de sua religião; em segundo, na capacidade de

arrebanhar multidões; em terceiro, no impacto obtido na consciência social, pois era

uma ação religiosa carregada de força simbólica. Neste sentido, podemos constatar que

seu gesto mostrou claramente a relação existente entre religião e política, e sua

repercussão na sociedade, além de destacar a capacidade de uma liderança religiosa de

falar em nome de povos e movimentos populares.

De acordo com Weber (1991), o profeta não necessariamente precisa ter uma

prática totalmente inovadora: ela pode se apoiar no passado e se apresentar na

atualidade como uma atitude legitimada pela tradição. O jejum importunou não somente

o meio político, mas também o religioso, pois foi uma atitude individual, desobediente,

radical e que se chocou com sua condição sacerdotal.

É importante frisar que dom Cappio é um sacerdote, pertencente a uma

instituição permanente e organizada regularmente. Foi qualificado intelectual e

espiritualmente para seguir as orientações de um saber específico de uma doutrina

sistematizada e elaborada conceitualmente. Em vez de ter se mantido a serviço de uma

tradição legitimada por sua instituição, ele transgrediu a condição de sacerdote,

colocando em risco assim a legitimidade institucional naqueles obstinados períodos de

jejum e oração.

Por fim, se colocou como intermediário e anunciador de uma realidade social.

Assim, atraiu e mobilizou, pelo poder de seu gesto e de suas palavras, povos e

movimentos sociais, para deste modo, canalizar a força deste grande movimento para a

interrupção da transposição do rio São Francisco. Dom Cappio, na sua relação com os

movimentos populares, pode ser compreendido como força política capaz de trazer

mudanças significativas e solucionar problemas sociais dos grupos que ele representa.

Ao se colocar em jejum, dispensou o aparato ritualístico do sacerdote e, apenas por seu

gesto e seu carisma, ordenou todas as manifestações e influenciou ações através de seu

modelo de protesto, tornou-se um agente social de inovação e mudança, portador e

construtor de uma nova mensagem, não-restrita à questão do rio São Francisco, mas

referente a todo o planeta.

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