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ISSN 2176-1396 O PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO DE ALTAS HABILIDADES/ SUPERDOTAÇÃO: REVELANDO ÁREAS DE CONHECIMENTO Joyce Santiago de Moraes 1 - UFSM Taís Marimon Barbieri 2 - UFSM Sabrina Arruda de Vargas 3 - UFSM Leandra Costa da Costa 4 - UFSM Grupo de Trabalho Diversidade e Inclusão Agência Financiadora: FAPERGS Resumo O Projeto de Pesquisa intitulado “Da Identificação à Orientação de Alunos com características de Altas Habilidades”, vinculado ao Grupo de Pesquisa Educação Especial: Interação e Inclusão Social (GPESP) da Universidade Federal de Santa Maria têm como objetivo identificar alunos com características de altas habilidades/superdotação (AH/SD), em alunos pertencentes aos Anos Iniciais do Ensino Fundamental em escolas da rede Pública e Privada de ensino de Santa Maria/RS. Com isso, pretende-se promover o encaminhamento dos alunos identificados ao Atendimento Educacional Especializado (AEE) de suas respectivas escolas. Nesse sentido, é que se apresenta o presente artigo, que parte do processo de identificação realizado em uma Escola Estadual de Educação Básica e em outra da rede Municipal da cidade de Santa Maria revelando os resultados obtidos nas diferentes etapas que permitem visualizar comportamentos e características de AH/SD para que posteriormente esses alunos possam ser encaminhados para o AEE, destacando também o caso de duas meninas. Fizeram parte desse processo o aluno (a), responsável, professores e colegas e também foram utilizados vários instrumentos elaborados por Freitas e Pérez (2012), como: Lista de Verificação de Identificação de Indicadores de altas habilidades/superdotação (LIVIAH/SD); Questionário para Identificação de Indicadores de altas habilidades/superdotação para o responsável (QIIAHSD-R); Questionário para Identificação de Indicadores de altas habilidades/superdotação para o professor (QIIAHSD-Pr); Autonomeação e nomeação pelos colegas, portanto participam desse processo o aluno(a), responsável, professores e colegas. Dentre os resultados obtidos, referente as inteligências acima da média encontradas dos alunos, isoladas e/ou combinadas, conforme propõe Gardner (1994), obteve-se o total de 14 alunos identificados com comportamentos e indicadores de AH/SD. 1 Acadêmica do curso de Educação Especial da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Bolsista FAPERGS 2014/2015. [email protected] 2 Graduada em Educação Especial pela Universidade Federal de Santa Maria. Acadêmica do Curso de Pedagogia e Pós-Graduanda da Especialização em Gestão Educacional ambos na Universidade Federal de Santa Maria. E- mail: [email protected] 3 Graduada em Educação Especial e Especialista em Gestão Educacional pela Universidade Federal de Santa Maria. Mestranda na Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: [email protected] 4 Doutoranda na Universidade Federal de Santa Maria. E-mail:[email protected]

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Page 1: O PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO DE ALTAS HABILIDADES/ … · 2015-11-01 · Resumo O Projeto de Pesquisa intitulado “Da Identificação à Orientação de Alunos com características

ISSN 2176-1396

O PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO DE ALTAS HABILIDADES/

SUPERDOTAÇÃO: REVELANDO ÁREAS DE CONHECIMENTO

Joyce Santiago de Moraes1 - UFSM

Taís Marimon Barbieri2 - UFSM

Sabrina Arruda de Vargas3 - UFSM

Leandra Costa da Costa4 - UFSM

Grupo de Trabalho – Diversidade e Inclusão

Agência Financiadora: FAPERGS

Resumo

O Projeto de Pesquisa intitulado “Da Identificação à Orientação de Alunos com características

de Altas Habilidades”, vinculado ao Grupo de Pesquisa Educação Especial: Interação e

Inclusão Social (GPESP) da Universidade Federal de Santa Maria têm como objetivo

identificar alunos com características de altas habilidades/superdotação (AH/SD), em alunos

pertencentes aos Anos Iniciais do Ensino Fundamental em escolas da rede Pública e Privada

de ensino de Santa Maria/RS. Com isso, pretende-se promover o encaminhamento dos alunos

identificados ao Atendimento Educacional Especializado (AEE) de suas respectivas escolas.

Nesse sentido, é que se apresenta o presente artigo, que parte do processo de identificação

realizado em uma Escola Estadual de Educação Básica e em outra da rede Municipal da

cidade de Santa Maria revelando os resultados obtidos nas diferentes etapas que permitem

visualizar comportamentos e características de AH/SD para que posteriormente esses alunos

possam ser encaminhados para o AEE, destacando também o caso de duas meninas. Fizeram

parte desse processo o aluno (a), responsável, professores e colegas e também foram

utilizados vários instrumentos elaborados por Freitas e Pérez (2012), como: Lista de

Verificação de Identificação de Indicadores de altas habilidades/superdotação (LIVIAH/SD);

Questionário para Identificação de Indicadores de altas habilidades/superdotação para o

responsável (QIIAHSD-R); Questionário para Identificação de Indicadores de altas

habilidades/superdotação para o professor (QIIAHSD-Pr); Autonomeação e nomeação pelos

colegas, portanto participam desse processo o aluno(a), responsável, professores e colegas.

Dentre os resultados obtidos, referente as inteligências acima da média encontradas dos

alunos, isoladas e/ou combinadas, conforme propõe Gardner (1994), obteve-se o total de 14

alunos identificados com comportamentos e indicadores de AH/SD.

1 Acadêmica do curso de Educação Especial da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Bolsista

FAPERGS 2014/2015. [email protected] 2 Graduada em Educação Especial pela Universidade Federal de Santa Maria. Acadêmica do Curso de Pedagogia

e Pós-Graduanda da Especialização em Gestão Educacional ambos na Universidade Federal de Santa Maria. E-

mail: [email protected] 3 Graduada em Educação Especial e Especialista em Gestão Educacional pela Universidade Federal de Santa

Maria. Mestranda na Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: [email protected] 4 Doutoranda na Universidade Federal de Santa Maria. E-mail:[email protected]

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Palavras-chave: Altas Habilidade/Superdotação. Processo de Identificação. Escola

Introdução

Ao discutir a Educação Especial e o público que envolve essa área da educação, pouco

se pronúncia a respeito dos estudantes com indicadores de Altas Habilidades/Superdotação

(AH/SD). No entanto, o atendimento a esses estudantes já era previsto pela Lei de Diretrizes e

Bases da Educação (BRASIL, 1996) quando é mencionado em seu artigo 59º que as escolas

devem assegurar aos alunos com necessidades especiais:

I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para

atender às suas necessidades; II - terminalidade específica para aqueles que não

puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude

de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa

escolar para os superdotados; III - professores com especialização adequada em

nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do

ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;

IV - educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em

sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de

inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins,

bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas

artística, intelectual ou psicomotora; V - acesso igualitário aos benefícios dos

programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino

regular (GRIFO NOSSO) (BRASIL, 1996, p.155).

Nota-se na citação acima que se iniciava o movimento ao encontro da flexibilização

curricular para contemplar o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes com

indicadores de AH/SD, os quais evidenciam singularidades e carecem de estratégias

pedagógicas condizentes com suas necessidades. Porém, a escassez de informações acerca das

AH/SD, bem como, do direito ao Atendimento Educacional Especializado (AEE) ainda não

estão presentes no cenário educacional, o que acarreta na dificuldade de professores e gestores

em visualizar os indicadores de AH/SD e as potencialidades que estes estudantes apresentam.

Mas afinal, quem são esses estudantes? Como conseguimos identificá-los? Para iniciar

esta discussão, elenca-se um suporte normativo que estabelece as diretrizes da educação

especial, que contempla também os alunos com AH/SD. A Política Nacional de Educação

Especial (BRASIL, 1994), que caracteriza os alunos com indicadores de AH/SD como

aqueles que apresentam notável desempenho e elevado potencial, isolados ou combinados,

nos seguintes aspectos: capacidade intelectual geral; aptidão acadêmica específica;

pensamento criativo ou produtivo; capacidade de liderança; talento especial para artes e

capacidade psicomotora. E a atual Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da

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Educação Inclusiva (BRASIL, 2008, p. 15) complementa a definição de quem são estes

estudantes, acrescentando que “[...] apresentam elevada criatividade, grande envolvimento na

aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse”.

Além disto, é relevante mencionar o aporte teórico de estudiosos na área, que estruturam e

auxiliam o processo de identificação em suas diferentes etapas e o AEE. Os autores utilizados são:

Renzulli (2004) com a Concepção dos Três Anéis da Superdotação, o Modelo Triádico de

Enriquecimento e Gardner (2000) com a teoria das Inteligências Múltiplas.

Após essa breve contextualização dos estudantes com indicadores de AH/SD, temos

como objetivo neste trabalho discutir o processo de identificação realizado em duas escolas da

cidade de Santa Maria, sendo uma municipal e outra estadual, buscando explicitar sobre as

áreas em que os alunos foram identificados. Em seguida, descreveremos a identificação de

duas alunas da escola municipal, enfocando nas percepções da equipe executora do projeto.

As concepções de Altas Habilidades/Superdotação

Na concepção de Renzulli (2004) a pessoa os estudantes com indicadores de AH/SD deve

apresentar três comportamentos, sendo eles: habilidade acima da média, comprometimento com a

tarefa e criatividade. Assim, a intersecção destes três comportamentos resultaria nas AH/SD.

Sobre estes comportamentos Vieira (2012) esclarece

A habilidade acima da média consiste no potencial de desempenho superior em

qualquer área determinada do esforço humano e que pode ser caracterizada por dois

aspectos: habilidade geral e específica (...). O comprometimento com a tarefa é uma

forma refinada ou focalizada de motivação, que funciona como a energia colocada

em ação em relação a uma determinada tarefa, problema ou área específica do

desempenho [...]. A criatividade para Renzulli (1986) é característica de todas as

pessoas com altas habilidades/superdotação e envolve aspectos que, geralmente,

aparecem juntos na literatura, como: fluência, flexibilidade e originalidade de

pensamento e, ainda, abertura a novas experiências, curiosidades, sensibilidade e

coragem para correr riscos (VIEIRA, 2012, p. 313).

Ainda sobre a Concepção dos Três Anéis, Renzulli (2004) é enfático ao dizer que estes

três comportamentos devem aparecer ao mesmo tempo no desenvolvimento de uma atividade,

no entanto, não necessariamente na mesma intensidade. Desta forma, o estudante pode

apresentar um dos comportamentos e ir desenvolvendo os outros dois ao longo do tempo.

Pois, segundo Maliczewski (2012, p. 20) “a criatividade e o comprometimento com a tarefa

são características variáveis que dependem do indivíduo e, muitas vezes, de fatores externos”.

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Para Gardner (2000) a inteligência é um potencial biopsicológico, que pode ser ativada

na valorização de uma determinada inteligência dentro de um cenário cultural, resolvendo

problemas ou criando produtos. Segundo Pérez (2008)

A idéia de inteligência como potencial permite afirmar que: 1) as inteligências não

são estáticas nem quantificáveis e 2) podem ser desenvolvidas em maior ou menor

grau. Sua característica biopsicológica lhe adjudica origem tanto genética quanto

ambiental. A capacidade de serem ativadas ou não de acordo com o contexto

cultural é muito clara se pensarmos em diferentes configurações socioculturais.

(Grifos do autor) (PÉREZ, 2008, p. 30).

Assim, Gardner (2000) em sua teoria amplia a possibilidade do entendimento sobre

inteligência, evidenciando que é possível o aparecimento deste potencial em diferentes áreas

do conhecimento. Em sua teoria, são elencadas oito inteligências, sendo elas: Inteligência

Linguística, Inteligência Lógico - Matemática, Inteligência Musical, Inteligência Corporal-

Cinestésica, Inteligência Espacial, Inteligência Interpessoal, Inteligência Intrapessoal e a

Inteligência Naturalista. Ao detalhar cada uma das inteligências sugeridas por Gardner (2000),

Vieira (2012, p. 310-311) as caracteriza da seguinte forma:

a)Linguística: compreende a capacidades de manipular diferentes áreas da

linguagem: sua estrutura – evidenciada através de uma rica rede de regras implícitas

e funcionais (sintaxe), seus significados (semântica) e seu uso prático (pragmática).

b) Lógico-matemática: os processos utilizados por essa inteligência incluem

categorização, classificação, inferência, generalização, cálculo e levantamento e

averiguação de hipóteses [...]. c) Espacial: é responsável pela capacidade de

orientação no mundo físico e por realizar transformações sobre estas percepções

[...]. d) Corporal-cinestésica: manifesta-se pela capacidade de resolver problemas

ou elaborar produtos utilizando o corpo ou partes do mesmo e seus movimentos, de

maneira altamente diferenciada e hábil, para propósitos expressivos [...]. e)

Naturalista: demonstra grande interesse no reconhecimento e na classificação de

numerosas espécies da flora e da fauna e de seu meio ambiente [...]. f) Musical:

possibilita a compreensão, discriminação, percepção, expressão e transformação das

formas musicais (ritmo, tom, melodia, timbre dos sons) [...]. g) Intrapessoal: é a

capacidade de reconhecer e lidar com seus sentimentos enquanto eles estão

ocorrendo. Essa habilidade é popularmente conhecida como autoconhecimento,

constitui-se como ponto de partida para o crescimento e para a implementação de

mudanças [...]. h) Interpessoal: é a capacidade de lidar com outras pessoas e,

através dela implementar e realizar determinados objetivos [...]. (GRIFOS

NOSSOS)

Dessa forma, é importante destacar que as teorias/concepções a respeito das AH/SD

envolvem diferentes áreas do conhecimento e permitem visualizar comportamentos e indicadores

que estão presentes nos estudantes favorecendo um conhecimento mais amplo e específico na

temática.

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O Processo de Identificação

O processo de identificação dos indicadores de AH/SD abordado nesse estudo se

constitui em um Projeto de Pesquisa intitulado “Da identificação à orientação de alunos com

altas habilidades/superdotação” o qual objetiva identificar alunos com características de

AH/SD pertencentes aos anos iniciais do ensino fundamental da rede pública do município de

Santa Maria. O referido projeto é realizado pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Educação

Especial: Interação e Inclusão Social (GPESP) da Universidade Federal de Santa Maria, sob

orientação da Profª Drª Soraia Napoleão Freitas.

Desta forma, a identificação é de extrema importância para que os alunos com AH/SD

tenham suas lacunas preenchidas no âmbito escolar, assim, se torna fundamental o olhar

sensível para com esses sujeitos, para que possamos identificar quais suas principais

necessidades e qual a melhor forma de suprir essas carências. Nesse ponto, se faz fundamental

conhecer a realidade do aluno, tal como seu histórico familiar e sua desenvoltura em sala de

aula em contato com os professores.

Essa identificação é realizada em várias etapas que permitem visualizar

comportamentos e características de AH/SD para que posteriormente esses alunos possam ser

encaminhados para o AEE. Fazem parte desse processo vários instrumentos elaborados por

Freitas e Pérez (2012) que são utilizados, como: Lista de Verificação de Identificação de

Indicadores de altas habilidades/superdotação (LIVIAH/SD); Questionário para Identificação

de Indicadores de altas habilidades/superdotação para o responsável (QIIAHSD-R);

Questionário para Identificação de Indicadores de altas habilidades/superdotação para o

professor (QIIAHSD-Pr); Autonomeação e nomeação pelos colegas, portanto participam

desse processo o aluno(a), responsável, professores e colegas.

Os resultados do processo de identificação em foco se desenvolveram em uma Escola

Estadual de Educação Básica do município de Santa Maria tendo início no ano de 2014 em

diferentes etapas. Desta forma, foi realizado contato telefônico com a escola para agendar a

primeira etapa do processo de identificação. Assim, deram-se início as conversas

informativas, que tinham como intenção explicar o objetivo do projeto supracitado e sua

temática central.

Nesse primeiro encontro na escola com os professores, a equipe do projeto contou

com a participação de quatro professoras que aceitaram colaborar no processo de

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identificação de seus alunos, sendo elas do primeiro, segundo e quintos anos do ensino

fundamental.

Na segunda etapa do processo de identificação, foram realizadas conversas com as

educadoras para explanar as AH/SD, seus indicadores, suas diferentes formas de visualização

e para sanar dúvidas existentes sobre a temática mencionada. Nesta etapa também se realizou

os aspectos éticos do processo que consistia na assinatura do terno de aceite para a

participação no mesmo.

O conhecimento dos professores a respeito das AH/SD é fundamental, em razão de

que serão os responsáveis por conduzir a aprendizagem e fazerem essa “ponte” para a boa

relação entre os alunos, pois do contrário, se torna dificultoso o acesso a esses sujeitos. Com

isso, defendemos a ideia de que esses alunos possuem especificidades, devendo a instituição

de ensino responsabilizar-se pelo posterior atendimento dos mesmos, seja em sala de aula

regular ou em sala de recursos multifuncionais. De acordo com Freitas e Pérez (2012, p. 07),

O professor, no cotidiano escolar, precisa reconhecer e responder às necessidades

diversificadas de seus alunos, bem como trabalhar diferentes potencialidades,

segundo os estilos e ritmos de aprendizagem, assegurando com isso uma educação

de qualidade. Porém, só a formação do professor não é suficiente para o estímulo da

criatividade e das inteligências individuais dos alunos, pois, além da ação docente

em sala de aula, existem outros fatores que devem ser levados em consideração,

como o currículo apropriado e flexibilizado que conduzirá a práticas heterogêneas.

Destaca-se que este período de interação com as professoras teve duração média de 10

a 15 dias, conforme a disponibilidade apresentada pela a escola e pelas profissionais. Após

esse contato com a escola e professoras, foi iniciado então o processo de identificação com os

alunos. Para os alunos do primeiro e segundo ano do ensino fundamental foram aplicadas as

atividades do livro “Toc Toc Plim Plim5” (VIRGOLIM, 1999), e para os alunos do quinto ano

do ensino fundamental foram utilizados nesse processo os questionários sugeridos por Freitas

e Pérez (2012), sendo eles Autonomeação e Nomeação por colegas6. Nas turmas de primeiro e

segundo ano houve a participação média de 16 alunos e do quinto ano em média 20 alunos.

5 Material utilizado como instrumento “avaliativo”, no processo de identificação, destinado aos alunos que estão

em processo inicial de alfabetização. Tem o objetivo de verificar níveis de criatividade, por meio de atividades

textuais e/ou ilustrativas. 6 Questionário realizado com os alunos para verificar quais são suas áreas de potencial e quem tem maior

destaque entre os colegas.

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Depois dos questionários preenchidos foram realizadas as análises dos mesmos,

obtendo-se, inicialmente, uma média de 23 crianças, em observação7.

A partir desse resultado, tivemos acesso aos nomes dos alunos pré-indicados, foi então

entregue para as suas respectivas professoras um questionário específico de seus alunos, em

observação, material fundamental para a análise final. Após, marcamos um encontro com os

pais para a aplicação do questionário (FREITAS ; PÉREZ, 2012), referentes aos seus filhos8.

Devido os compromissos da escola e também ao não comparecimento de alguns pais, não foi

possível concluir o processo de identificação no ano de 2014, retornando assim o processo no

primeiro semestre de 2015 para finalização.

Após essas etapas entramos em contato com os pais, um momento que sempre é muito

especial durante o processo de identificação, pois é aqui que, muitas vezes, os pais conseguem

expor seus anseios em relação à maneira diferente com que seus filhos se sentem, é um

momento de troca de informações valiosas para o bom relacionamento de pais e filhos, e

também para concluir nosso trabalho de forma satisfatória.

Nesse encontro as mães das duas alunas se fizeram presentes, chegaram muito

animadas e curiosas, comentando que as meninas haviam mencionado sobre a conversa que

havia sido anteriormente realizada com a equipe executora. Ambas, confirmaram a

capacidade de comprometimento com as tarefas que suas filhas realizavam e habilidades para

as áreas da leitura, escrita e desenho. Também se mostraram preocupadas com o fato das

meninas conversarem pouco com elas e relataram que nas poucas vezes em que ocorria

alguma comunicação era sempre no sentido de reclamar para não irem à escola.

O relato das mães e das meninas nos leva a discutir sobre como a convivência com os

colegas e a aceitação desses é importante para a qualidade de vida dos sujeitos superdotados,

influenciando diretamente nas suas vidas particulares. Nesses casos supracitados, é visível o

sofrimento das crianças por não serem compreendidas e pela parte dos pais por não saberem

como ajudar seus filhos nesse processo.

Depois de identificados os alunos, foram elaborados e entregues os pareceres dos

alunos que foram identificados com indicadores de AH/SD à escola. A partir do momento em

que acontece a identificação desses sujeitos e que esses são encaminhados ao atendimento

7 Constitui o grupo de alunos que encontram-se em “observação” os que foram apontados pelos professores,

conforme prevê o método avaliativo do questionário, e que aguardam a conclusão do processo de identificação. 8 Questionário realizado com os pais e/ou responsáveis para verificar se os indicadores de AH/SD ocorrem no

espaço familiar.

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educacional especializado (AEE) e que os professores pensam em atividades curriculares que

os contemplem, esses alunos passam a conviver com seus pares, passando a e se sentirem

aceitos pelos colegas, apresentando melhorias em seu comportamento e em suas relações

afetivas, tanto de amizade como com os próprios familiares.

Dessa forma, apresentamos logo abaixo o quadro equivalente aos resultados obtidos

referentes as inteligências acima da média encontradas dos alunos, isoladas e/ou combinadas,

conforme propõe Gardner (1994), obtendo o total de 14 identificados:

Quadro 1 :Inteligências Acima da Média isoladas e/ou combinadas:

Fonte: Elaborado pelos autores

Conforme a tabela foi possível perceber que nove alunos apresentam inteligência na

área linguística, três alunos na área lógico-matemática, sete alunos na inteligência interpessoal

e somente um aluno apresenta inteligência naturalista. É possível verificar também que dentre

os 14 alunos identificados dez deles apresentam indicadores de AH/SD em duas ou mais

inteligências.

Ainda sobre a tabela, percebemos que dos dez alunos que apresentam indicadores de

AH/SD em mais de duas áreas do conhecimento, nove deles apresentam inteligência do tipo

acadêmico (aquelas apreciadas e valorizadas pela escola, como português e matemática),

porém ao conseguirem produzir algo a partir dos problemas reais que encontram eles tornam-

se alunos com AH/SD do tipo produtivo-criativa. De acordo com Renzulli (2014, p. 5):

Sexo/

Idade

Espacial Corporal Musical Linguística Lógico-

matemática

Inter-

pessoal

Intra-

pessoal

Naturalista

F / 11 X X

F / 10 X X

M / 14

M / 6 X X

F / 13 X

M / 10

M / 12 X X

M / 10 X X X

F / 11 X

F / 6 X

M / 6 X

F / 11 X X

M / 10 X X

F / 12 X

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A superdotação produtivo-criativa descreve aqueles aspectos da atividade humana e

do envolvimento nos quais se recompensa o desenvolvimento de materiais e

produtos originais que são propositalmente elaborados para terem um impacto em

uma ou mais audiências. As situações de aprendizagem elaboradas para promover a

superdotação produtivo-criativa enfatizam o uso e aplicação de informações

(conteúdo) e habilidades de pensamento de uma forma integrada, indutiva e

orientada para problemas reais.

O processo de identificação também consistiu na observação consistente e persistente

das características encontradas nestes alunos, que foram registradas posteriormente na

construção dos pareceres e entregues para a escola. Algumas das características encontradas

nos mesmos foram: independência, autossuficiência, curiosidade, ideias inovadoras,

sensibilidade, liderança, boa argumentação, perfeccionismo, comprometimento, dentre outras.

O que nos mostra que apesar destes alunos se destacarem mais nas disciplinas escolares,

aquelas valorizadas no cenário cultural, eles conseguem resolver os problemas de forma

criativa e inovadora, assim como propõe Renzulli (2014) ao falar sobre a superdotação

produtivo-criativa.

Dessa forma, elencamos como exemplo o caso de duas meninas de 12 e 13 anos, que

frequentavam o sétimo ano, em 2014, ambas, colegas e identificadas na área das artes e

linguística. Esses casos, em específico, foram solicitados pela equipe diretiva da escola, onde

já havia conhecimento sobre o trabalho realizado pelo projeto na cidade de Santa Maria - RS.

As meninas foram notadas, devido ao fato de, se isolarem dos colegas da turma e não

demonstrarem desejo de interagir com os mesmos, estando sempre silenciosas e apáticas ao

que acontecia na sala de aula, permanecendo na maioria das vezes apenas uma na companhia

da outra, e mesmo assim , entre elas a interação era restrita.

O que mais chamou atenção das professoras e da equipe executora do projeto foi o

fato de, ambas desenharem muito bem e escreverem perfeitamente a língua inglesa, sem

nunca terem feito nenhum curso que as capacitassem para isso. E apesar da escola oferecer

aula de artes e de inglês, sendo essas uma vez por semana, não seria suficiente para que as

alunas apresentassem o nível em que se encontravam, destoando totalmente do restante da

turma.

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Imagem 1 : Imagem dos desenhos coletados durante o processo de identificação que foi realizado em uma

Escola Estadual de Educação Básica

Fonte: Autoria dos alunos (as) que participaram do Processo de Identificação

É perceptível a habilidade das meninas, são crianças que se destacam pela orientação

espacial dos desenhos, sendo esses ricos em detalhes e refletindo suas personalidades.

Podemos notar nos desenhos, que na maioria, o rosto é escondido pelos cabelos e todos

apresentam uma única personificação, nos remetendo a maneira solitária e diferente a que

ambas se sentiam no ambiente de ensino.

Deste modo, todos os dados obtidos são levados em consideração, para que a

identificação seja a mais precisa possível, é importante destacar que existem mitos em torno

das AH/SD, pois muitas pessoas associam esses alunos a pessoas extremamente

desenvolvidas em diversas áreas de conhecimento, não permitindo a esses a possibilidade do

erro e/ou dificuldades. Outro fato preocupante é que em alguns casos, se esses sujeitos não se

sentirem aceitos perante seus colegas passam a negar suas habilidades, com intuito de se

tornarem “normais”, para adequar-se ao ambiente escolar, buscando através disso a tão

almejada aceitação.

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Durante o processo de identificação tivemos o prazer de nos aproximar das alunas e

com o decorrer do desenvolvimento das conversas, na tentativa de uma maior aproximação,

foi possível que elas relatassem um pouco da maneira como se reconheciam. Ambas

declararam não gostar da escola por se identificarem como “diferentes” e “incompreendidas”,

tendo como único meio de fugir da realidade que se apresentava, mesmo que por breves

momentos, o desenho, o que confirma o relato das professoras que disseram que elas

passavam a aula inteira desenhando e pintando, totalmente aleatórias do que acontece naquele

ambiente de ensino.

É importante destacar, nesse contexto, que o fato das referidas alunas desenharem

durante as aulas não as impossibilitou em nenhum momento de manter uma boa média no seu

processo avaliativo na escola. Através das conversas com os professores e com as próprias

alunas, todos esses pontos observados e evidenciados deixaram claros os indicadores de

AH/SD nas alunas.

Considerações Finais

Ao tratar da discussão em relação às AH/SD e o processo de identificação no contexto

escolar, buscou-se realizar um entrelaçamento com os conhecimentos teóricos e práticos, a

fim de dar uma visualização geral das etapas desenvolvidas, bem como dos resultados obtidos

apontando possibilidades para esse público da Educação Especial que em muitos casos não é

visualizado em sala de aula.

Muitos alunos (as) com indicadores de AH/SD não são percebidos no ambiente escolar

em função dos comportamentos que demonstram, sendo muitas vezes rotulados como alunos

(as) que apresentam falta de interesse entre diversos comportamentos. Essa invisibilidade

acarreta muitas vezes em “perdas”, ou “adormecimento” de talentos e áreas de conhecimento

e também desmotivação pelo ambiente escolar e demais aprendizagens que são ofertadas.

Também é relevante destacar que a idéia de que alunos (as) com AH/SD podem se

desenvolverem sozinhos sem necessitar de auxílio é extremamente equivocada, pois a

mediação ou intervenção a ser ofertada a esse alunado exerce influência determinante no seu

processo de desenvolvimento como um todo.

Através desse estudo, portanto, foi possível serem visualizadas as diferentes áreas de

interesse dos alunos com AH/SD que necessitam e tem direito por lei de receber o AEE

objetivando assim estimular e potencializar essas diferentes inteligências.

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Dessa forma, direcionando o olhar para a importância do AEE para alunos com

AH/SD é que se percebe a necessidade de desenvolver espaços educativos de construção não

só de saberes, mas de personalidades humanas autônomas, críticas e principalmente

ambientes onde crianças e adolescentes possam desenvolver e estimular os seus potenciais.

O contexto educacional necessita ofertar ações que viabilizem o respeito e a

valorização das manifestações dos diferentes potenciais, já que os mesmos se constituem uma

realidade que está presente, possibilitando assim para todos os alunos indistintamente, ou seja,

independente da sua área de interesse, meios favoráveis de continuar se desenvolvendo e se

interessando por novas aprendizagens.

Por fim, é importante assegurar um ensino com vistas a buscar potencialidades de

seu alunado, objetivando meios eficientes de atender as suas necessidades educacionais

especiais valorizando e respeitando as suas individualidades e especificidades.

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