altas habilidades superdotaÇÃo

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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PORTO ALEGRE - 2006 LARICE MARIA BONATO GERMANI CARACTERÍSTICAS DE ALTAS HABILIDADES/ SUPERDOTAÇÃO E DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/ HIPERATIVIDADE: UMA CONTRIBUIÇÃO À FAMÍLIA E À ESCOLA Porto Alegre, janeiro de 2006

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altas habilidades

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    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO PORTO ALEGRE - 2006

    LARICE MARIA BONATO GERMANI

    CARACTERSTICAS DE ALTAS HABILIDADES/ SUPERDOTAO E DE DFICIT DE ATENO/ HIPERATIVIDADE: UMA CONTRIBUIO FAMLIA E ESCOLA

    Porto Alegre, janeiro de 2006

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    LARICE MARIA BONATO GERMANI

    CARACTERSTICAS DE ALTAS HABILIDADES/ SUPERDOTAO E DE DFICIT DE ATENO/ HIPERATIVIDADE:

    UMA CONTRIBUIO FAMLIA E ESCOLA

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Faculdade de Educao da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul como requisito para obteno do Ttulo de Mestre em Educao.

    ORIENTADOR: PROF. DR. CLAUS DIETER STOBUS

    Porto Alegre, janeiro de 2006

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    FICHA CATALOGRFICA

    G373c Germani, Larice Maria Bonato Caractersticas de altas habilidades/superdotao e de

    dficit de ateno/ hiperatividade: uma contribuio famlia e escola. /Larice Maria Bonato Germani; orientador Claus Dieter Stbaus. Porto Alegre:2006.

    Tese (Mestrado): Faculdade de Educao. Programa de Ps Graduao em Educao. Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.

    1. Educao Especial. 2. Altas Habilidades Identificao. 3. Superdotao Identificao. 4. Dficit de Ateno Identificao. 5. Hiperatividade Identificao. I Stbaus, Claus Dieter

    CDV: 376.545

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    Dedico este trabalho aos meus filhos Andr e Artur, estmulos permanentes do meu aprender e (re) aprender em todas as circunstncias da vida. Eles me ensinam, atravs do seu desenvolvimento como pessoas em suas etapas vitais, a descobrir novas possibilidades e tambm a redefinir aquelas j envelhecidas.

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    O que o que e como ? Quem sabe como se portar?

    Que naturais so os peixes! Nunca parecem inoportunos. Esto no mar a convite E se vestem corretamente Sem uma escama de menos Condecorados pela gua.

    Eu todos os dias ponho No s os ps no prato, Mas os cotovelos, os rins, A lira, a alma, a escopeta.

    ........................................

    .........................................

    Assim, para acabar as dvidas me decidi por uma vida honrada da mais ativa preguia, purifiquei minhas intenes, sa sozinho para comer comigo e assim fui ficando mudo. s vezes me tirei para danar, mas sem grande entusiasmo, E deito s, sem vontade, para no me enganar de quarto

    PABLO NERUDA, Sobre minha m-educao

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    AGRADECIMENTOS

    Ao meu orientador, Prof. Dr. Claus Dieter Stobus, pela compreenso e apoio durante este percurso acadmico;

    minha famlia de origem, pais e irmos, com os quais aprendi a respeitar valores humanos ticos e a minha famlia nuclear, meu esposo e meus filhos, pelo apoio e desafios dirios;

    estimada colega Graa, Irm Assunta, professora Carla e todos os professores que permitiram a realizao desta pesquisa em sua Escola, pois sem esta atitude inclusiva este estudo no teria acontecido;

    Aos participantes desta pesquisa, sujeitos, famlias e professores, sem os quais este estudo no teria sido realizado;

    Direo da FADERS, em especial, Diretora Tcnica Denise T. Marchetti por fomentar e apoiar a produo do conhecimento cientfico.

    s minhas colegas de equipe Mara N. da Costa e Nara W.Vieira, pelo apoio afetivo e profissional durante esta caminhada, Susana Prez, pelo seu inesgotvel apoio, Maria Alice Becker uma das grandes incentivadoras e precursoras da produo cientfica no Estado, Anglica Shigihara, Maria de Lourdes Corra, Neiva e Sheila Thorma que sempre acolheram e incentivaram este estudo e a possibilidade de novas descobertas nesta rea;

    Associao Gacha de Apoio s Altas Habilidades/Superdotao - AGAAHSD -pelo apoio produo cientfica;

    colega Maria Cristina S.da Silva, pela disponibilidade profissional;

    Denise Lahude, Flvia Koeche, Rosinha C. Corsseti e Rosemary T. Lucas por acreditarem em minhas capacidades;

    Aos membros da Banca Examinadora, Prof. Dr. Claus Dieter Stobus, Profa. Dra. Alvina Themis Lara e Profa. Dra. Soraia Napoleo Freitas por compartilharem e contriburem com esta minha relevante experincia acadmica.

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    RESUMO O presente estudo qualitativo buscou identificar quais as caractersticas de comportamento so semelhantes e quais so diferentes em Altas Habilidades/ Superdotao (AH/SD) e em Transtorno de Dficit de Ateno/Hiperatividade (TDAH), em onze sujeitos na faixa etria entre sete e treze anos, provenientes de sete escolas da rede de ensino pblica e privada, em Porto Alegre - RS, atendidos no Centro de Desenvolvimento, Estudos e Pesquisa nas Altas Habilidades (CEDEPAH) da Fundao de Articulao e Desenvolvimento de Polticas Pblicas para Pessoas Portadoras de Deficincia e Portadoras de Altas Habilidades no Estado do Rio Grande do Sul (FADERS) e uma clnica privada. As Questes de Pesquisa que nortearam este estudo foram: o que nos informa o aluno sobre suas caractersticas de comportamento enquanto AH/SD/TDAH?; o que nos informa a famlia sobre caractersticas de comportamento do filho com AH/SD/TDAH?; o que nos informam professores sobre caractersticas de comportamento do aluno com AH/SD/TDAH?; que semelhanas e diferenas so encontradas em caractersticas de comportamento em AH/SD/TDAH. Para este estudo foi utilizada, como principal tcnica de coleta de dados, a entrevista semi-estruturada com o aluno, famlia e professores. Os participantes dessa investigao foram divididos em trs grupos: um grupo de sujeitos com AH/SD, um segundo grupo de sujeitos com TDAH e um terceiro grupo de sujeitos com AH/SD e TDAH. Aps realizarmos a anlise dos dados mediante a Tcnica de Anlise de Contedo, este processo foi organizado em oito categorias: aprendizagem; relacionamento social entre seus pares; motivao e persistncia; criatividade; organizao e planejamento; ateno e memria; regras e comunicao e interesses e/ou habilidades. A anlise das mensagens obtidas deste grupo de alunos, famlias e professores mostrou semelhana no apreo e necessidade pelo relacionamento social com seus pares, diferenciando-se, estes sujeitos, em todas as outras caractersticas investigadas. Desse modo, os achados destacaram as especificidades de cada grupo, particularmente aquele que apresenta caractersticas de comportamento de Altas Habilidades/ Superdotao com Transtorno de Dficit de Ateno e Hiperatividade associado. Este estudo apontou algumas recomendaes como a necessidade de disponibilizar este conhecimento aos profissionais das reas da Sade e Educao, para melhor identificar este grupo de sujeitos, a partir das caractersticas aqui investigadas e de minimizar a dicotomia isto s comportamento de superdotao/isto s comportamento e sintomas de TDAH nos diagnsticos e identificao, ampliando a possibilidade de coexistncia de caractersticas pertencentes aos dois campos - AH/SD e TDAH - e, portanto, admitindo que pode haver um outro conjunto de caractersticas de comportamento que combine as de ambos os campos, ou seja, AH/SD com TDAH. Destaca-se, ainda, a importncia de alcanar a preveno dos riscos de prejuzos nas reas do desenvolvimento cognitivo, social, emocional e das potencialidades e reas de interesses da pessoa com indicadores de Altas Habilidades/Superdotao com o Transtorno de Dficit de Ateno e Hiperatividade. Finalmente, considera-se que os resultados deste estudo permitem oferecer suporte e estratgias de atendimento para o aluno e a famlia, e, fundamentalmente, promover apoio e formao continuada aos professores para que possam, como educadores, construirem prticas educacionais inclusivas.

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    ABSTRACT

    This qualitative study aimed at identifying which behavioral characteristics are similar and which are different between High Abilities/Giftedness (HA/GT) and Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) behaviors in eleven individuals from seven to thirteen years old from seven public and private schools within Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil. These individuals attended the Center for the Development, Studies and Research on High Abilities (CEDEPAH) of the Foundation of Articulation and Development of Public Policies for Disabled Persons and Highly Able Persons in Rio Grande do Sul State (FADERS) and a private office. The Research Questions guiding the study were: what the students informs about their HA/GT/ADHD behavior?; what their family inform about their HA/GT/ADAD children?; what the teachers inform about the behavioral characteristics of HA/GT/ADHD students?; which similarities and differences are found in HA/GT/ADHD behavior? The main data survey technique was the semi-structured interview with the students, their families and teachers. The research participants were divided into three groups: one group including HA/GT individuals; a second one including ADHD individuals and a third group including HA/GT/ADHD individuals. Data were organized in eight categories using the Content Analysis technique: learning, social relationships among peers, motivation and persistence; creativity; organization and planning; attention and memory; rules and communication, and interests and/or abilities. The examination of the statements of this group of students, families and teachers showed similar appraisal and need of peers social relationships, but differences in all the remaining researched characteristics. Thus, findings highlighted specific characteristics for each group, particularly the group of individuals presenting both High Abilities/Giftedness and Attention Deficit Hyperactivity Disorder. Some of the recommendations this research showed are the need of making this knowledge available to Health and Education professionals in order to better identifying this group of individuals based upon the characteristics herein investigated; and minimizing the dichotomy this is an exclusively giftedness behavior/this is exclusively ADHD behavior and symptoms when diagnosing and identifying, widening the possible coexistence of both HA/GT and ADHD characteristics, and then admitting it may be another set of behavioral characteristics merging both fields, i. e., HA/GT with ADHD. It was also pointed out the importance of preventing the risks of damages affecting cognitive, social, emotional, potential and interest areas development in persons showing indicators of High Abilities/Giftedness associated with Attention Deficit Hyperactivity Disorder. Finally, it is considered that the research results allow offering support and strategies to serve the students and their families, and specially to promote support and permanent education for their teachers, in order they could, as educators, propose inclusive educational practices.

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    SUMRIO

    1. INTRODUO..................................................................................................... 11 1.1 Aspectos da minha histria............................................................................11 1.2 O problema de pesquisa................................................................................17 1.3 Objetivos da Investigao..............................................................................22

    2. REFERENCIAL TERICO................................................................................... 24 2.1 Alguns aspectos tericos sobre desenvolvimento humano............................24 2.2 Altas Habilidades/Superdotao.................................................................30 2.2.1 Falando sobre mitos....................................................................................30 2.2.2 A concepo de inteligncia........................................................................32 2.2.3 Aspectos histricos sobre a inteligncia......................................................33 2.2.4 Inteligncia com Sternberg e Gardner.........................................................37 2.2.5 Concepo das Altas Habilidades/Superdotao........................................41 2.2.6 Caractersticas do comportamento das Altas Habilidades/Superdotao...50 2.2.7 Contexto familiar e as Altas Habilidades/Superdotao..............................59

    2.3 Transtorno de Dficit de Ateno e Hiperatividade...................................62 2.3.1 Caractersticas do comportamento do Transtorno de Dficit de Ateno e

    Hiperatividade..............................................................................................64 2.3.2 Contexto familiar e o Transtorno de Dficit de Ateno e Hiperatividade....69

    2.4 Educao inclusiva e o contexto escolar no Transtorno de Dficit de Ateno e Hiperatividade e nas Altas Habilidades/Superdotao...........71

    2.5 Altas Habilidades/Superdotao com o Transtorno de Dficit de Ateno e Hiperatividade............................................................................................76

    3. INVESTIGAO....................................................................................................80 3.1 Objetivos...........................................................................................................80 3.2 rea temtica....................................................................................................81 3.3 Questes de pesquisa......................................................................................81 3.4 Participantes da pesquisa.................................................................................81 3.5 Instrumentos de pesquisa.................................................................................85 4. ANALISANDO OS DADOS...................................................................................90

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    Quadro 1: Caracterizao dos sujeitos em grupos....................................................91 Quadro 2: Organizao da anlise dos dados...........................................................92 Quadro 3: Caractersticas de aprendizagem..............................................................93 Quadro 4: Caracterstica do relacionamento social com seus pares.........................98 Quadro 5: Caractersticas de motivao e persistncia...........................................103 Quadro 6: Caractersticas de criatividade................................................................109 Quadro 7: Caractersticas de organizao e planejamento.....................................114 Quadro 8: Caracterstica de regras e comunicao.................................................121 Quadro 9: Caractersticas de ateno e memria....................................................127 Quadro 10: Caractersticas de Interesses e/ou habilidades......................................135 Quadro 11: Semelhanas e Diferenas entre caractersticas de aprendizagem......140 Quadro 12: Semelhanas e Diferenas entre as caractersticas de relacionamento social com seus pares................................................................................................142 Quadro13: Semelhanas e Diferenas entre as caractersticas de motivao e persistncia................................................................................................................143 Quadro 14: Semelhanas e Diferenas entre as caractersticas de criatividade......145 Quadro 15: Semelhanas e Diferenas entre as caractersticas de organizao e planejamento..............................................................................................................146 Quadro 16: Semelhanas e Diferenas entre as caractersticas de regras e comunicao..............................................................................................................148 Quadro 17: Semelhanas e Diferenas entre as caractersticas de ateno e memria.....................................................................................................................150 Quadro 18: Semelhanas e Diferenas entre as caractersticas de interesses e/ou habilidades.................................................................................................................152 Quadro 19: Resumo das semelhanas e diferenas................................................153 Quadro 20: Sujeitos, famlia, escola e outras informaes.......................................154 5. COMENTRIOS FINAIS E CONSIDERAES....................................................157 6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS......................................................................172 ANEXOS....................................................................................................................176

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    1. INTRODUO 1.1 Aspectos da minha histria

    Nasci em uma famlia com fortes influncias da cultura italiana. Por questes sociais, polticas e econmicas, meus antepassados tiveram de abandonar a Itlia, seu Pas de origem, para se aventurarem em uma nova vida na Amrica.

    Neste contexto aprendi a importncia da vida em famlia e em comunidade e, pelas histrias contadas carregadas de emoo, conheci quais os obstculos para se inserir em uma cultura diferente seja pelos costumes, idioma, seja pela forma de conceber e viver a vida.

    Como descendentes de uma cultura de imigrantes italianos, por mais que minha famlia nuclear e extensa tentassem ser cidados da comunidade brasileira em que se instalaram, ainda eram considerados, inevitavelmente, os diferentes, ora porque eram vistos pelas suas especificidades, por exemplo, aspectos fsicos (tom de pele, cor de olhos, forma de vestir-se) forma de se comunicar, hbitos e costumes diferenciados, ora porque eles prprios se tornavam diferentes, mantendo sua identidade, para no abandonar as razes, ainda l na Itlia to veneradas pelos meus pais e avs, em que a saudade e a constante vontade de um dia retornar marcavam uma presena intensamente viva.

    Os fatos decorrentes de minha transgeracionalidade foram estmulos e bases para decidir sobre alguns caminhos que iria percorrer em minha vida. Desde a infncia era reiterada constantemente a importncia do aprender no seu sentido mais amplo, tanto no que se refere aprendizagem formal quanto informal. Aprendi a ler o jornal e a assistir o reprter Esso, noticirio apresentado na poca pela televiso, antes mesmo de ingressar na escola, talvez por terem sido estes os estmulos utilizados pelos meus pais e, especialmente, pela minha av materna para aprender o idioma portugus, aperfeioar sua pouca escolaridade e ao mesmo tempo estar

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    acompanhando os acontecimentos deste Pas e do resto do mundo, principalmente o que acontecia nos pases da Europa.

    As histrias de vida e as crenas das pessoas vo sendo compostas com base nos entendimentos, sentimentos e aprendizagens das suas experincias somadas s suas decises sobre o que fazer com elas enquanto ser humano que interage no mundo. Assim, at chegar ao programa de Ps-Graduao em Educao, a trajetria percorrida foi uma espcie de assentamento dos pilares que serviriam, mais tarde, construo de um projeto que viesse a se tornar vivel e real.

    Um dos pilares, significativos no desenrolar de minha histria foi quando decidi cursar, aps a concluso do primeiro grau, o curso de Habilitao ao Magistrio, assim chamado aps a reforma de ensino, antes denominado de Curso Normal. Desde aquela poca me chamavam a ateno os diversos comportamentos manifestados pelos indivduos frente a determinadas situaes de vida nos contextos onde interagiam, bem como a complexidade de seus significados.

    Buscava compreender: as manifestaes dos alunos, demonstradas pelos seus comportamentos individuais no contexto familiar, escolar e da comunidade; as crenas e valores expressados pelas atitudes nos grupos sociais; os fatores que favoreciam e os que dificultavam a expanso da aprendizagem para resolver situaes de vida como aquelas relacionadas educao na escola; quais os motivos que levavam alguns alunos a se destacar pelas suas dificuldades e aspectos comportamentais pouco adaptados e outros por uma capacidade peculiar no processo de aprendizagem.

    Foram especialmente as questes acima apontadas que me influenciaram e me conduziram, aps a concluso do Curso de Magistrio, a querer ampliar os conhecimentos sobre as situaes singulares das pessoas e suas interaes sociais nos diversos contextos da sociedade.

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    Cursei a Faculdade Servio Social na Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul - PUCRS - com o objetivo de encontrar conhecimentos especficos que me instrumentalizassem para uma compreenso e um agir frente s situaes adversas vividas pelas pessoas em interao com os seus contextos sociais e, como estas desenvolviam alternativas e estratgias de solues de problemas, no mbito individual, familiar e social, a partir de suas prprias potencialidades e influncias contextuais e culturais.

    Por exigncia curricular, realizei diversos estgios que tinham por finalidade oferecer ao graduando uma noo bsica de alguns campos facultados pelo exerccio da profisso e proporcionar subsdios ao aluno para decidir sobre a realizao do estgio prtico que transcorreria durante quatro semestres. Para cumprir os requisitos, tive contato com a rea organizacional, sade e sade mental, judiciria, assistencial e escolar.

    Terminado o estgio prtico, o trabalho de concluso do curso de graduao foi o resultado de dois anos de desenvolvimento de um projeto de atendimento individual e familiar em uma escola especial para deficientes mentais, mantida pela APAE de uma cidade do interior do Estado. Este trabalho denominado - O Diagnstico e o Tratamento das Relaes Familiares (1979) - enfocava a influncia dos fatores biolgicos, psicolgicos, pedaggicos e sociais no comportamento e desenvolvimento daquelas crianas, bem como de suas famlias, portanto englobava o atendimento pessoa, famlia e a escola.

    Aps completar o curso superior, em 1980, e convicta de que deveria continuar aprofundando meu saber, ingressei em dois cursos de especializao oferecidos pela PUCRS, o primeiro em Servio Social Psiquitrico e o segundo em Orientao Familiar, tornando-me especialista na rea da sade mental. Neste perodo fui admitida no meu primeiro emprego, como funcionria da empresa Aos Finos Piratini S/A, que havia me contratado, anteriormente como estagiria e permitido minha

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    cedncia para realizar as atividades curriculares de estgio na escola especial antes mencionada.

    Na empresa, marco do incio da minha carreira profissional, realizava o atendimento psicossocial dos funcionrios e seus dependentes, desenvolvia programas de atendimento e preveno sobre adies em especial o abuso do lcool, superviso de uma escola de educao infantil mantida pela empresa e programas de atendimento sade mental, dentre outros. Tambm tive a oportunidade de exercer o cargo de superviso do Departamento do Servio Social e mais tarde o do Servio de Sade da empresa. Concomitante a essas atividades desenvolvidas na empresa, fui eleita pela comunidade, por dois mandatos consecutivos, vice-presidente e, posteriormente, presidente da APAE do municpio de Charqueadas, onde se localizava a empresa.

    Dando continuidade ao meu trabalho na rea organizacional, fui admitida, tempos depois, na Fundao Gerdau, para o cargo de coordenadora no desenvolvimento dos programas educativos e preventivos relacionados ao atendimento dos funcionrios e seus dependentes (familiares), tais como programas de puericultura, programas para gestantes, programas de sade e sade mental, orientao familiar, dentre outros.

    Retirei-me do trabalho organizacional, em que tive um vasto aprendizado, e ingressei, atravs de concurso pblico em 1992, como tcnica no quadro funcional da FADERS, na poca chamada de Fundao de Atendimento para Pessoas Portadoras de Deficincia e Pessoas Portadoras de Superdotao, onde permaneo at a presente data. Novamente, estava trabalhando diretamente com pessoas com necessidades educacionais especiais.

    No decorrer das minhas atividades profissionais nesta instituio, novamente fui em busca de novos conhecimentos sobre as relaes individuais e familiares. Neste sentido realizei, durante trs anos, o curso de formao - Terapia Familiar e Casal - na abordagem sistmica que me habilitou como profissional da rea da sade mental

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    a diagnosticar e atender famlias. Os cursos de especializao - Interao Pais/Bebs e Atendimento Individual Sistmico tambm fizeram parte de minha formao acadmica nessa poca. Aps o conhecimento terico-prtico, adquirido at ento, passei tambm a trabalhar em clnica privada.

    Ainda movida pelos meus pilares de sustentao e o desejo de conhecer cada vez mais determinados processos humanos, fui atrada pela Cincia Cognitiva e, em 2002, realizei uma especializao em Terapia Cognitiva, no Departamento Legal de Medicina e Psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Centro Luis Guedes - UFRGS com o objetivo de compreender como as aprendizagens dos indivduos transformam-se em determinadas crenas que repercutem nos aspectos biolgicos, psicolgicas e sociais da pessoa.

    Desde 1996, desenvolvo minha prtica profissional, como tcnica na equipe do Centro de Desenvolvimento, Estudos e Pesquisas nas Altas Habilidades/Superdotao - CEDEPAH, um dos Centros da Fundao de Articulao e Desenvolvimento de Polticas Pblicas para as Pessoas Portadoras de Deficincias e de Altas Habilidades no Rio Grande do Sul FADERS assim denominada, a partir do decreto estadual 39678 de 1999 e da Lei 11.666 de 2001. o rgo do Estado responsvel pela coordenao e articulao das polticas pblicas, tendo por competncias o atendimento direto, a capacitao e a pesquisa para estes segmentos da populao.

    As principais atribuies profissionais que realizo so: processo de identificao das Altas Habilidades/Superdotao com crianas, adolescentes, incluindo a participao das famlias e escolas; sensibilizao na comunidade em relao ao tema; desenvolvimento e implantao do programa de polticas pblicas de atendimento educacional das Altas Habilidades/Superdotao (AH/SD) no Estado; e cursos de capacitao na rea das AH/SD para professores e demais profissionais.

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    Considerando a importncia dos movimentos sociais na luta pelos direitos do exerccio pleno da cidadania das pessoas com Altas Habilidades/Superdotao, trabalho como voluntria,sendo membro do Conselho Tcnico da Associao Gacha de Apoio s Altas Habilidades/Superdotao AGAAHSD e scia fundadora do Conselho Brasileiro de Superdotao sediado em Braslia.

    Os questionamentos que me fazia sobre os comportamentos humanos, seus dilemas e as conseqncias sobre a qualidade de vida, tanto individual como social, foram os motivos que me impulsionaram, em diversos momentos, a aprimorar os instrumentos a serem utilizados na minha atuao profissional concretizada pelo processo de ajuda psicossocial aos sujeitos e seus contextos. Dessa forma me tornei uma profissional, especialista do saber e do fazer na rea da sade mental e educacional.

    No exerccio de minhas atividades profissionais no CEDEPAH/FADERS e clnica privada, foram surgindo indagaes que me desafiaram a encontrar novas respostas. As razes que me levaram, durante toda a minha trajetria, a realizar estudos de formao terico-prtica mantiveram-se, em sua essncia, as mesmas ao longo do tempo: - tentar buscar a compreenso e alternativas de ao para determinadas demandas -. A questo pela qual decidi realizar a Ps-Graduao em Educao, curso de mestrado, se caracterizou por uma motivao comum s anteriores: tentar explicar atravs de um estudo, um determinado fenmeno humano.

    possvel que esta busca da compreenso dos fatos humanos tenha iniciado desde tenra idade com meus antepassados, atravs da informao e o esclarecimento procurados nos meios de comunicao com a finalidade de aprender e decifrar os acontecimentos e suas razes. Por serem imigrantes, tiveram de traar incansveis planos estratgicos com o objetivo de solucionar problemas relacionados adaptao, sobrevivncia e sucesso em uma terra desconhecida.

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    Portanto, a imagem que me vem mente sobre o ato de pesquisar de um sujeito partindo com sua expedio, munido de alguns conhecimentos prvios e um mapa para adentrar e explorar um territrio pouco conhecido com o objetivo de encontrar respostas que possam desvelar e indicar caminhos ainda pouco percorridos.

    1.2 O Problema de Pesquisa

    Como membro da equipe tcnica do CEDEPAH/FADERS, exercendo minha prtica profissional como especialista na rea da sade mental e educacional, tanto no Centro como na clnica privada, tenho recebido famlias com as respectivas demandas de atendimento: orientaes quanto s funes parentais na educao dos filhos; orientaes relacionadas s etapas do desenvolvimento da criana/adolescente que demonstra um comportamento diferente quando comparadas s de mesma faixa etria; solicitao de identificao dos indicadores de Altas Habilidades/Superdotao e orientao de como proceder com a escola e suas metodologias de ensino e aprendizagem.

    A demanda acima referida tem sido a de maior freqncia nos dois tipos de servio, tanto pblico quanto privado. No entanto, tem ocorrido um aumento gradativo da procura das famlias e/ou encaminhamentos de profissionais da sade e das escolas, para identificao das Altas Habilidades/Superdotao de crianas com diagnstico de Transtorno de Dficit de Ateno/Hiperatividade TDAH ou com hiptese diagnstica sobre o transtorno.

    As manifestaes mais comuns expressas pelas famlias na entrevista inicial sobre seus filhos so: apresentam inquietudes; se aborrecem com a rotina; ficam entediados com a escola; resistem em cumprir regras; esto sempre viajando ou sonhando acordadas, a cabea no mundo da lua; no gostam de ler um livro inteiro s o que interessa; perguntam muito; so muito inteligentes e criativos, mas seu desempenho escolar no bom; esto freqentemente desatentos; esquecidos de

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    suas responsabilidades, material e objetos; dificuldades em tolerar frustraes; e dificuldades nos relacionamentos sociais, dentre outros.

    Esses comportamentos citados pelas famlias correspondem em muitos casos, de acordo com a literatura a ser comentada com maior profundidade mais adiante, s caractersticas das Altas Habilidades/Superdotao e s do Transtorno de Dficit de Ateno/Hiperatividade, o que significa no ser incomum encontr-las nas AH/SD e no TDAH.

    Essas solicitaes para identificar as Altas Habilidades/Superdotao dessas crianas, supostamente com um transtorno associado, confirmado ou em processo de finalizao, se colocaram como um desafio complexo, considerando que nem o CEDEPAH/FADERS em sua histria tcnica, nem seus profissionais, dentre eles eu, tnhamos respostas de como proceder nesses casos.

    Barkley (2002), ao se referir importncia de a famlia buscar uma avaliao profissional e atendimento para o Transtorno de Dficit de Ateno /Hiperatividade, destaca que poder ser com profissionais da sade como: o assistente social, neurologista peditrico, pediatra, psiclogo, clnico da famlia, educadores ou outro profissional da sade mental. Ainda Barkley (2002, p.132) destaca nesses casos que:

    O profissional dever saber o mximo sobre TDAH, possuir uma literatura cientfica substanciosa sobre o tema, devendo a famlia manter um relacionamento teraputico periodicamente com estes profissionais que sejam especializados na rea como: o assistente social, ou psiclogo, ou mdico. A criana ou adolescente necessita de um acompanhamento mdico, especialmente em funo da medicao.

    O pesquisador Phelan (2005, p. 80) concorda com Barkley (2002), ao insistir na defesa da importncia de que a famlia e a criana sejam atendidos para avaliao do TDAH e atendimento teraputico por profissional da rea da sade mental, que seja conhecedor do assunto e tenha competncia para lidar com esta questo to complexa, que pode ser psiquiatra, assistente social ou psiclogo, desde que sejam especializados.

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    A partir da constatao da complexidade desta temtica e que no havia muito que oferecer para aquelas famlias e seus filhos que expressavam um pedido de ajuda atravs das frases estamos desesperados; no sabemos mais o que fazer, relatando histrias de vida permeadas pelas dificuldades sociais, psicolgicas e pedaggicas, tanto na famlia como na escola e comunidade, resolvi concretizar um estudo partindo da seguinte questo:

    Quais caractersticas de comportamento so semelhantes e quais so diferentes em Altas Habilidades/Superdotao e em Transtorno de Dficit de

    Ateno/Hiperatividade?

    Tanto as Altas Habilidades como o Transtorno do Dficit de Ateno/Hiperatividade so dois temas que interferem na escola, principalmente pelos efeitos que podem ocasionar quando estas caractersticas no so devidamente reconhecidas, trazendo prejuzos que podero afetar o aluno no seu desempenho cognitivo, emocional e social, na escola, na famlia e com seus pares.

    O problema do Transtorno de Dficit de Ateno e Hiperatividade (TDAH) no o fato de a criana no ter habilidades para lidar com seus impulsos e desateno, no controlar suas emoes e de agir antes de pensar, diz Goldstein (2003), mas da incapacidade da criana e/ou adolescente em satisfazer as demandas impostas pelo mundo exterior. Nossa cultura valoriza as crianas que permanecem calmamente sentadas, so cordatas, prestam ateno, planejam e conseguem atingir seus objetivos.

    Essas expectativas no so somente para os que possuem o Transtorno de Dficit de Ateno e Hiperatividade, mas para as crianas que tm Altas Habilidades /Superdotao, devido s dificuldades relativas ao processo de identificao deste sujeito, a utilizao de metodologias de ensino e aprendizagem no inclusivas que no atendem s necessidades educacionais especiais destes alunos e,

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    fundamentalmente, pelo despreparo e deficincia na formao dos professores para lidarem com esta diversidade na sala de aula.

    Tanto os estudos na rea das Altas Habilidades/Superdotao de Landau (2002), Moon (2002) e Vieira (2005) como na dos Transtornos de Dficit de Ateno e Hiperatividade, conforme Rohde et al (2003), alertam para que as intervenes sobre estas questes sejam equacionadas o mais cedo possvel para minimizar o impacto das conseqncias negativas que a falta de identificao e atendimento poder trazer para a vida destas crianas, famlias e escolas. Cabe ressaltar que a estimativa de alunos com Altas Habilidades/Superdotao e alunos com Transtorno de Dficit de Ateno/Hiperatividade tem sido um universo relevante que est presente no dia a dia das famlias e escolas, principalmente no ensino fundamental.

    A Organizao Mundial da Sade estima que um ndice de 3% a 5% da populao brasileira apresenta indicadores de Altas Habilidades/Superdotao (AH/SD). A Associao Gacha de Apoio s Altas Habilidades/Superdotao - AGAAHSD - realizou em 2001, nas escolas pblicas e privadas da Regio Metropolitana de Porto Alegre, um estudo de prevalncia em que foi encontrado um ndice de 7,78% da populao de alunos da 7 e 8 srie do ensino fundamental com indicadores de Altas Habilidades/Superdotao, incluindo rea acadmica e produtivo-criativo.

    O DSM-IV estima que 5% a 13% das crianas em idade escolar apresentam o Transtorno de Dficit de Ateno / Hiperatividade (TDAH). Isto significa que h um contingente bastante significativo de pessoas que apresentam este transtorno. Segundo Barkley (2002, p.103), existem variados graus do transtorno na populao com TDAH, ou seja, leve ou limtrofe, moderado ou severo.

    Rohde et al (2003) destacam que encontraram em seus estudos (1999) que o Transtorno de Dficit de Ateno/Hiperatividade (TDAH) acomete cerca de 3% a 6% das crianas, embora seja encontrada variao nos ndices, pois depende muito dos

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    critrios que foram utilizados na realizao de determinado estudo. Ressaltam que as pesquisas que mais contriburam para ampliar o conhecimento sobre o Transtorno Dficit de Ateno e Hiperatividade, provm das investigaes realizadas na populao de idade escolar de ensino fundamental.

    A taxa de prevalncia encontrada por Guardiola et al (2000) foi de 18% utilizando os critrios diagnsticos do DSM-IV; 3,5% considerando os critrios neuropsicolgicos e 3,9% considerando a persistncia motora.

    As pesquisas indicam que crianas com o Transtorno de Dficit de Ateno e Hiperatividade correm um risco de fracasso escolar duas a trs vezes maior do que crianas sem o transtorno.O fracasso contnuo reverte para uma desvinculao cada vez maior no processo de aprendizagem do aluno, a no ser que ele encontre, no sistema educacional, respostas adequadas s suas necessidades educacionais (BARKLEY, 2002; ROHED, 2003; GOLDSTEIN, 2003).

    Nos alunos com indicadores de Altas Habilidades/Superdotao, encontramos o paradoxo do fracasso escolar, como tambm determinadas instabilidades, evidencia Benito (1999). A dissincronia do desenvolvimento cognitivo, motor, emocional e social do aluno com superdotao poder ser fonte de diversos problemas o que no significa ser considerado como uma conduta patolgica. Para Benito, os alunos superdotados podem sofrer como qualquer outra criana de distintos transtornos que os impedem de um rendimento acadmico adequado e um desenvolvimento social e emocional ajustado.

    Embora seja encontrada uma vasta literatura sobre a definio e educao dos alunos superdotados, destaca Benito (1999), as pesquisas sobre superdotados com transtornos associados so muito escassas, referindo-se ao Transtorno de Dficit de Ateno e Hiperatividade como uma delas. Portanto, conhecer as caractersticas destes alunos de suma importncia, porque possibilitar aos profissionais dirigir rapidamente a interveno nos contextos que do significado ao problema do aluno,

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    proporcionando, assim, os dispositivos educativos mais favorveis para ajudar a criana.

    Para Moon (2002), crianas superdotadas com Transtorno de Dficit de Ateno e Hiperatividade apresentam maior risco de terem dificuldades em relao ao ajustamento social e emocional. Estes riscos, assinala a autora, esto diretamente relacionados dificuldade de identificao da criana superdotada com Transtorno de Dficit de Ateno e Hiperatividade, imaturidade emocional, rejeio pelos seus pares, estresse familiar e estresse escolar.

    No sentido de entender melhor o que se passa com a criana Superdotada (SD) e com Transtorno de Dficit de Ateno e Hiperatividade (TDAH), Moon (2002, p. 193) enfatiza que esta no uma tarefa fcil, pois poucas pesquisas empricas tm examinado esta questo singular, isto , a ocorrncia simultnea do Transtorno de Dficit de Ateno e a Superdotao.

    Com base nos aspectos apresentados, pretendemos desenvolver uma investigao que se caracteriza por um estudo qualitativo com abordagem de estudo de caso, tendo em vista a complexidade do tema, com crianas na faixa etria mnima de sete e mxima de treze anos, alunos que freqentam a escola regular, cujas famlias buscam a identificao das Altas Habilidades e que apresentem diagnstico de TDAH ou hiptese diagnstica do transtorno, tanto no CEDEPAH/FADERS como na clnica privada.

    1.3. Objetivos da Investigao

    O objetivo principal deste estudo investigar as semelhanas e diferenas entre as caractersticas de Altas Habilidades/Superdotao (AH/SD) e as caractersticas do Transtorno do Dficit de Ateno/Hiperatividade (TDAH), atravs de entrevistas, questionrios e instrumentos aplicados ao aluno, pais, professor e outros profissionais envolvidos no atendimento.

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    Cabe esclarecer que (apud LAROUSSE, 1999, p. 5314) a definio de Semelhana a qualidade de semelhante que significa: que tem semelhana com outrem ou outra coisa; que da mesma espcie, qualidade, natureza ou forma; que tem a mesma aparncia ou natureza; anlogo, idntico.

    J Diferena (apud LAROUSSE, 1999, p. 1903) o carter que distingue um ser do outro ser; falta de igualdade ou semelhana; divergncia; distino.

    Para fundamentar esta investigao, convidamos alguns tericos para serem nossos interlocutores neste processo, acompanhando- nos e subsidiando-nos do incio ao fim desta caminhada, por terem demonstrado relevantes pesquisas na rea das Altas Habilidades/Superdotao, inteligncia, criatividade, Transtorno de Dficit de Ateno/Hiperartividade, e Altas Habilidades/Superdotao associados ao Transtorno de Dficit de Ateno/Hiperatividade. Antes, porm, discorrermos sobre alguns aspectos do desenvolvimento humano na faixa etria escolhida para este estudo sem inteno de nos aprofundarmos.

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    2. REFERENCIAL TERICO

    2.1 Alguns Aspectos Tericos sobre Desenvolvimento Humano

    Cada fase do desenvolvimento humano se caracteriza pela continuidade e pelas mudanas no decorrer do ciclo vital, tanto nos aspectos fsicos, como cognitivos, psicolgicos e sociais. Desta forma, fazemos um breve apanhado sobre alguns aspectos do desenvolvimento na terceira infncia que focaliza as pessoas entre sete anos e doze anos que correspondem faixa etria da maioria dos sujeitos deste estudo.

    Na terceira infncia, o desenvolvimento fsico no to rpido quanto o que ocorre nas fases anteriores. O desenvolvimento motor, neste momento de vida, ampliado para vrias atividades, envolvendo-se tambm em jogos com regras e estratgias.

    Nos aspectos do desenvolvimento cognitivo, Papalia e Olds (2000) referem que, diferentemente do que defendia Piaget, as mudanas qualitativas das crianas pensarem, observadas por outros pesquisadores, podem vir do aprendizado de pensarem mais logicamente sobre assuntos que conhecem pouco, atravs do fornecimento de mais informaes do que antes para se tornarem mais capazes de process-las rapidamente, levando-se em conta o contexto cultural e a orientao que dada pelos adultos.

    Quando o processamento de informaes eficiente, muitos aspectos do desempenho cognitivo so afetados, dizem Papalia e Olds (2000), ocorrendo uma melhor capacidade da mente em armazenar e lidar com a informao, melhorando a recordao e possibilitando um raciocnio mais complexo.

    Na terceira infncia, a memria bem mais desenvolvida, pois h um aumento na capacidade de prestar ateno, podendo se concentrar por mais tempo,

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    focalizando informaes que desejam e que consideram necessrias, deixando de lado as informaes menos importantes ou irrelevantes. As crianas nesta fase so capazes de manter por mais tempo na memria bem mais informaes, criando, inclusive, estratgias de como conseguir lembr-las, identificam por si mesmas tcnicas mnemnicas (estratgias para lembrar) que podem usar, pois j conhecem como sua memria funciona.

    A memria destacam Papalia e Olds (2000, p. 261), pode ser vista como um sistema de arquivos que envolvem trs etapas: codificao, armazenamento e recuperao. As informaes que so codificadas ou recuperadas so mantidas na memria de operao, como se fosse uma espcie de depsito de curta durao para as informaes com as quais a pessoa est ativamente trabalhando.

    Quando as crianas apresentam uma memria imediata fraca, no porque elas no sejam capazes de dominar o conceito da informao dada, o que pode ocorrer que elas no conseguem manter na memria todas as informaes que so relevantes.

    Uma das estratgias mnemnicas de lembrar que Papalia e Olds (2000) apontam atravs da organizao, isto , capacidade de organizar mentalmente em agrupamentos ou categorias o que se quer lembrar. Tambm citam outra forma que a elaborao, estratgia em que as crianas fazem associaes com itens ou histrias para poderem melhor lembrar.

    A linguagem nesta fase da terceira infncia continua em um crescente desenvolvimento, ampliando o vocabulrio, as habilidades de interpretar e compreender as comunicaes escritas e orais, como tambm aprimoram a forma de expressar-se para melhor serem entendidas. Utilizam a leitura para saber dos fatos e descobrir idias e escrevem para expressar o que pensam, sentem e para se conectarem com a cultura e o contexto social.

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    Uma das etapas centrais do crescimento, diz Newcomb (1999), o desenvolvimento de um senso do eu (self), isto , um senso de quem se e como este eu se coloca na sociedade. No perodo entre a infncia e a adolescncia, as crianas constroem um senso cada vez maior sobre quem elas so.

    Newcomb (1999, p. 309 - 310) destaca que as crianas so capazes de estabelecer seu autoconceito, nveis de auto-estima e atingir certos padres de autocontrole, definindo

    autoconceito como um conjunto de idias sobre si prprio que descritivo e no implica julgamento; auto-estima como sendo os valores positivos ou negativos em que as crianas julgam seus atributos e autocontrole a capacidade de regular e controlar o prprio comportamento de maneira que levam em conta as necessidades e sentimentos das outras pessoas e, ao mesmo tempo, se conformam aos padres da sociedade e cultura em que vivem.

    A auto-estima, de acordo com Papalia e Olds (1999, p.283), ou valor prprio geral, um importante ingrediente da personalidade que ao ser julgada de forma positiva pela criana, demonstrada atravs dos comportamentos: autoconfiana, independncia, aceita desafios, se adapta com facilidades s mudanas, tolera as frustraes, tem perseverana em relao s metas e sabe lidar com crticas.

    Segundo Erikson (1982, apud PAPALIA e OLDS, 1999 p. 283), o que define a auto-estima a opinio da criana sobre sua capacidade para o trabalho produtivo: a questo a ser resolvida na terceira infncia produtividade versus inferioridade. O resultado da resoluo desta crise a competncia, ou seja, uma viso do eu como capaz de dominar habilidades e completar tarefas.

    neste perodo em que elas so cada vez mais capazes de definir seu autoconceito e auto-estima bem como desenvolver autocontrole e as relaes sociais com seus pares. Apresentam capacidade de como utilizar seu tempo e a ter responsabilidades de realizar suas tarefas escolares na escola e em casa.

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    As crianas nesta idade escolar que desenvolvem uma auto-avaliao global de si mesmas, destaca Helen Bee (2003), na maioria das vezes nos referimos como auto-estima, o que no representa a soma de todas as avaliaes separadas que a criana faz de suas habilidades em diferentes reas. Para Harter (1998, apud HELEN BEE, 2003), os padres de avaliao da auto-estima no so os mesmos para todas as crianas. O segredo da auto-estima o tamanho da discrepncia entre aquilo que a criana deseja e aquilo que acha que conseguiu.

    Cabe lembrar a influncia que desempenha o papel da cultura nesta perspectiva, valorizando determinadas habilidades ou qualidades como habilidades intelectuais, destreza nos esportes, dentre outras reas. Alm dos aspectos culturais, outra grande influncia sobre a auto-estima de uma criana, de acordo com Harter (1998, apud HELEN BEE, 2003, p. 331), o sentimento global de apoio que ela experincia nas pessoas importantes que a cercam, em especial os pais e amigos.

    Desse modo, importante destacarmos a importncia do papel da famlia, da escola e da cultura como fatores que exercem fortes influncias no desenvolvimento das habilidades, que so valorizadas pela criana, ao oferecerem apoio, estmulos e situaes favorveis para que a criana desenvolva, cada vez mais, suas potencialidades e seja capaz de transform-las no meio social, atravs de um desempenho em que ela prpria emita um alto valor.

    A terceira infncia uma etapa em que vai ocorrendo a conquista cada vez maior do autocontrole e auto-regulao em que os pais ainda supervisionam o manejo da disciplina e dos comportamentos, mas as crianas que vo tomando as decises, aprendendo a se automonitorar. O autocontrole um dos componentes fundamentais para manter e desenvolver relaes sociais satisfatrias. De acordo com Newcomb (1999), uma forma de mesur-lo identificar na criana sua capacidade de adiar uma gratificao imediata de um desejo. Assim, quanto mais ela se dispe e capaz de retardar a gratificao, mais responsvel e madura do que outras crianas ela ser.

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    Na perspectiva de Bronfenbrenner (1979 apud NEWCOMB, 1999), entender o desenvolvimento da criana tambm corresponde cada vez mais estudar a socializao em um contexto social mais amplo para alm dos indivduos, famlia e escola, incluindo as relaes com os pares, isto , crianas que ficam juntas na escola ou em seus bairros. Estas relaes contribuem de maneira singular no desenvolvimento da personalidade, valores, atitudes e comportamento social da criana. A convivncia nestes grupos oportuniza a elas aprender habilidades sociais que no podem ser adquiridas da mesma forma no relacionamento com adultos.

    Bronfenbrenner (1998, p. 5), destaca que o ambiente ecolgico concebido como uma srie de estruturas encaixadas, uma dentro da outra, como um conjunto de bonecas russas, considerando que no nvel mais interno est o contexto mais imediato que contm a pessoa em desenvolvimento, podendo ser este ambiente mais prximo a casa ou a sala de aula. Refere ainda, que a capacidade da criana para aprender pode depender tanto de como ela ensinada como tambm da existncia e natureza dos laos de relao entre a escola e a famlia.

    Compreenderemos o desenvolvimento de uma criana, destaca Helen Bee (2003), citando Bronfenbrenner, quando entendermos de fato como todos os elementos dos sistemas complexos como famlia, escola, amigos, cultura e comunidade interagem para afetar a criana.

    Cabe lembrar que considerando que um dos maiores componentes para o desenvolvimento das relaes com os companheiros o brincar, nesta fase as brincadeiras tornam-se mais elaboradas, atravs da participao em jogos de estratgias e regras mais abstratas.

    A interao entre os pares, portanto, uma parte central na vida das crianas nesta etapa de vida, aprendem cada vez mais a cooperar, representar papis, compartilhar, ser altrustas, colaboram entre si na resoluo de problemas e, por sua

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    vez, a comunicao entre os companheiros torna-se mais eficaz e mais valorizada, diminuindo a agressividade e os atritos.

    Helen Bee (2003, p. 512), ao se referir influncia do grupo de pares, evidencia que grande parte da experincia em que est baseado o progresso cognitivo da criana ocorre nas interaes sociais. Nos relacionamentos das crianas, segue a autora, percebemos que h demandas tanto cognitivas como interativas que tm conseqncias nicas para o funcionamento social e emocional da criana.

    Em relao ao status da criana frente ao grupo, ou seja, bem-aceita ou rejeitada, Newcomb (1999, p. 370) evidencia que as crianas bem aceitas so aquelas que demonstram ter competncias e habilidades cognitivas e sociais bem desenvolvidas, enquanto as rejeitadas so alvo de provocao, brigas e discusses, agindo com imaturidade, sobressaindo-se pela agressividade e retraimento , consideradas crianas menos adaptveis. A autora esclarece que h crianas menos agressivas que so tambm rejeitadas pelos seus pares, podem, na verdade, ser bastante submissas e, muito pouco, ou quase nada assertivas sendo vtimas de assdio crnico de seus companheiros.

    Esta etapa do ciclo de vida da criana, terceira infncia, acontece a partir do seu ingresso no ensino fundamental e vai adquirindo, neste perodo, muitas habilidades que a auxiliaro a ter mais ou menos xito, destacam Papalia e Olds (2000). Aprendem a diminuir o tempo de processamento da informao, a aumentar a capacidade de ateno, a elaborar estratgias para aprender, lembrar e resolver problemas e a usar a linguagem como uma maneira de demonstrar o quanto sabem responder, fazer perguntas e discutir sobre idias.

    Aps apontarmos alguns aspectos do desenvolvimento da criana, nesta fase de vida, passamos a discorrer sobre a concepo de Altas Habilidades/Superdotao, mas antes vamos assinalar os principais mitos que envolvem esta questo na viso

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    de alguns pesquisadores e posteriormente discorrer sobre a conceituao de inteligncia.

    2.2 Altas Habilidades/ Superdotao

    2.2.1 Falando sobre Mitos

    A superdotao no um tema novo, nem tampouco atual, diz Extremiana (2000), ele sempre existiu ao longo da histria da humanidade, a questo o tratamento e a valorizao que este fenmeno tem recebido pelo senso comum, resultando em crenas sociais e educacionais estereotipadas em torno da pessoa com Altas Habilidades/Superdotao.

    Muitos autores tm se dedicado a este tema, entre eles Winner (1998), Extremiana (2000) Alencar e Fleith (2001) e Prez (2004), enfatizando o quanto o conhecimento do senso comum sobre o significado das Altas Habilidades/Superdotao tem sido um dos fatores que dificultam a identificao e o atendimento destas pessoas, por parte da famlia e da escola e que, como conseqncias, estes sujeitos podero apresentar maior risco de prejuzos no seu desenvolvimento global, incluindo suas potencialidades na rea de interesse.

    Estas estereotipias foram sendo tomadas como crenas sociais a partir de alguns fatores, destacados por Extremiana (2000, p. 115), como o termo em si, a falta de uma unicidade sobre o conceito de superdotao com pouca clareza, gerando distores sobre este fenmeno; o desconhecimento de suas caractersticas, ainda h pouco conhecimento sobre as caractersticas desta pessoa; a confuso com outros termos, o termo superdotao, muitas vezes confundido com talento, genialidade, precocidade, excepcionalidade, dentre outros; a atitude de rechao e preveno, interpelado pelos outros equivocadamente como super-homem; orientao, marcadamente mercantilista, profissionais especializados que vendem uma imagem falsa para a sociedade, baseando-se em maneiras de adquirir lucro sem atender a explicaes terico-cientficas objetivas.

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    Os mitos que mais se evidenciam na rea da educao, de acordo com Extremiana (2000, p.116), so os superdotados se sobressaem em todas as reas do desenvolvimento humano, as investigaes tm mostrado que possvel identificar a superdotao em alunos considerados como fracassados pelos seus professores, por no apresentarem os comportamentos esperados pela escola e seus pais -; os superdotados se sobressaem em todas as reas do currculo escolar, considerar superdotado somente aquele aluno que se sobressai no desempenho acadmico e no considerar superdotados os alunos que se destacam em outras reas do saber, o superdotado tem de conseguir excelentes resultados escolares; o superdotado est sempre muito motivado, o superdotado apresenta uma grande motivao para a rea ou tarefa que corresponde ao seu interesse, no entanto, poder estar desmotivado para outros que venham impostos pelos contextos em que ele interage.

    Os estudos realizados por Winner (1998) apontam os mitos que mais tm dificultado o reconhecimento e o atendimento s pessoas com Altas Habilidades/ Superdotao, como:

    a superdotao global - ser superdotado em todas as reas do currculo escolar; talentosos, porm no so considerados superdotados, somente aqueles que obtm bons resultados acadmicos. As crianas que manifestam alta capacidade em msica e artes so talentosos;

    quociente de inteligncia excepcional so superdotados aqueles que tem um QI elevado. Se assim fosse, pessoas de QI baixo no poderiam alcanar nveis inusitados em algum domnio formal como xadrez, piano dentre outros;

    biologia e ambiente a superdotao se deve somente a fatores inatos -. A superdotao um conjunto de fatores;

    os pais organizadores as crianas superdotadas so o produto de pais que organizam e conduzem seus filhos a alcanar altas metas;

    os superdotados destacam-se por sua sade psicolgica xito assegurado, esto mais ajustados, mais felizes e mais populares. Isto acontece quando

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    estas crianas so aceitas pelos contextos em que esto imersas (famlia, escola, comunidade);

    as crianas com superdotao no necessitam da educao especial estes alunos necessitam de atendimento como pessoas com necessidades educacionais especiais pelas suas caractersticas e especificidade principalmente com relao questo escolar e as crianas superdotadas convertem-se em adultos eminentes - o xito da superdotao assegurado se converter em adultos bem sucedidos muitas crianas superdotadas no se converteram em adultos de sucesso da mesma forma que adultos bem sucedidos no so superdotados.

    Para que a criana com Altas Habilidades/Superdotao possa ser identificada e atendida pela escola, famlia e comunidade em suas reais necessidades, de suma importncia encontrar mecanismos tcnicos e cientficos que rompam e desmistifiquem as crenas errneas, sobre ela, que comprometem o seu desenvolvimento cognitivo, social, emocional e educacional. Portanto, a clareza da concepo das Altas Habilidades/Superdotao e o conhecimento das suas caractersticas, fundamentado no princpio da diversidade humana, oferecer uma fonte de respeito pela singularidade e desenvolvimento desta pessoa.

    2. 2. 2 A Concepo de Inteligncia

    Antes de discorrermos sobre a concepo das Altas Habilidades/ Superdotao, examinamos alguns aspectos sobre a definio de inteligncia humana, considerando que no conceito de Altas Habilidades/Superdotao est subjacente uma compreenso de inteligncia com seus distintos construtos. Tendo em vista a vinculao da definio de inteligncia aos comportamentos de Altas Habilidades/Superdotao que expomos inicialmente este aporte terico.

    A inteligncia humana tem sido objeto de estudo de diversas abordagens cientficas, resultando, a partir de ento, diferentes conceitos de como interpret-la e

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    aplic-la com relao ao indivduo e sua cultura. Neste sentido, nossa inteno se divide em dois momentos, o primeiro percorrer alguns aspectos histricos relativos inteligncia, sem a pretenso de realizar uma anlise profunda sobre um assunto bastante complexo e o segundo apresentar a escolha dos tericos que embasam nossa proposio.

    A escolha dos tericos convidados foi Robert J. Sternberg e a Teoria Trirquica da Inteligncia e Howard Gardner e a Teoria das Inteligncias Mltiplas. Esta escolha teve por base alguns aspectos como: serem tericos contemporneos que compreendem a inteligncia de uma forma dinmica; denominados como pesquisadores da cincia cognitiva que possuem uma viso integrativa da inteligncia; buscam identificar a inteligncia por outras metodologias de avaliao que no seja a medio de um Quociente de Inteligncia (QI); valorizam os aspectos do meio social e cultural na concepo de inteligncia, o que reconhecido como inteligncia em uma cultura pode no ser em outra; apresentam seus modelos como metodologias para serem utilizadas na educao. Apesar de Sternberg (2000, p. 416) no apontar os aspectos biolgicos da inteligncia como Gardner, faz referncias importantes sobre este terico da modularidade, ressaltando o enfoque que Gardner deu em considerar que [...] as diferentes inteligncias podem ser isoladas medida que emanam de regies distintas ou de mdulos cerebrais.

    2. 2. 3 Aspectos Histricos sobre a Inteligncia

    A busca pelos destaques milenar dependendo do ideal de ser humano que cada sociedade tinha. H dois mil anos, funcionrios do imprio chins aplicavam exames difceis para examinar quem estaria apto a ingressar nas atividades burocrticas do imprio. Na Idade Mdia, os lderes da Igreja procuravam estudantes que fossem estudiosos, sagazes e devotos.

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    Historicamente a origem da medio da inteligncia iniciou com estudos que buscavam defini-la a partir de dois nveis diferentes: um nvel inferior, as capacidades psicofsicas (acuidade sensorial, fora fsica e coordenao motora) e nvel superior, capacidades de julgamento (entendida hoje como as relacionadas ao pensamento).

    Francis Galton (1822-1911) bem como seu grande seguidor Clark Wissler (1901) acreditavam que a inteligncia era uma funo das capacidades psicofsicas, Aps experimentos mal sucedidos, esta abordagem foi abandonada ressurgindo muitos anos mais tarde.

    Alfred Binet e seu colaborador Theodosius Simon (1857-1911) avaliaram a inteligncia de forma mais prtica. Binet acreditava que a inteligncia poderia ser explicada e medida pela capacidade de julgamento, isto , o que a pessoa aprende dentro de um meio acadmico, e no a partir da acuidade, a fora ou a habilidade psicofsica. Historicamente, Binet foi considerado o primeiro a realizar o primeiro teste de inteligncia, um psiclogo que se interessava por crianas e educao, nos primeiros anos do sculo XX na Frana.

    Binet e Simon, para tanto, desenvolveram inicialmente o teste de inteligncia que realizava comparaes entre a inteligncia de uma criana com outras da mesma idade cronolgica, assim tentavam determinar a idade mental de cada uma delas - o nvel mdio de inteligncia para uma pessoa de uma determinada idade. Porm o uso das idades mentais trazia algumas dificuldades para comparar a inteligncia relativa quando as idades cronolgicas eram diferentes.

    William Stern, em 1912, sugeriu que se medisse a inteligncia usando um quociente de inteligncia (QI): a razo da idade mental (IM) dividida pela idade cronolgica (IC), multiplicada por 100. Por vrias razes, os QIs baseados na idade mental mostraram-se inadequados.

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    Baseado no trabalho de Binet e Simon, Lewis Terman, da Universidade de Stanford, construiu a verso mais antiga do que veio a ser denominado Escalas de Inteligncia Stanford-Binet (de 1937), que durante muitos anos foi o teste utilizado para os testes de inteligncia e ainda bastante usado. No entanto as escalas de David Wechsler so mais amplamente utilizadas.

    As Escalas de Wechsler (WAIS-R; WPPSI; WISCIII (Wechsler Intelligence Scale for Children) so testes que produzem trs escores: um escore verbal, um escore de desempenho e um escore global.

    Sternberg (2000) evidencia que Binet e Wechsler tinham uma concepo de inteligncia que ultrapassava o que seus testes mediam. Apesar de Wechsler acreditar no valor de tentar-se medir a inteligncia no limitava sua concepo de inteligncia aos resultados dos testes.

    A teoria de medio da inteligncia representa apenas uma das diversas abordagens utilizadas para a pesquisa da mesma. H muitos questionamentos sobre a questo da inteligncia que deram origem a outras teorias que tentam explic-la. Muitos estudiosos indagaram se a concentrao das pesquisas deveria focalizar-se mais na estrutura da inteligncia do que no processo da inteligncia e tambm sobre a fundamentao da inteligncia, gentica, particularidades da pessoa ou interao de ambos.

    Investigadores como Spearman, Thurstone e Guilford, interessados na estrutura da inteligncia, representaram os estudos da inteligncia considerando uma anlise fatorial.

    Spearman (1863 1945) concluiu, em seus estudos, que a inteligncia poderia ser entendida tanto a partir de um nico fator geral que aparece no desempenho de todas as capacidades mentais como tambm em funo de um conjunto de fatores especficos, com um desempenho em apenas um teste de capacidade mental,

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    embora esta ltima seja de interesse casual apenas, devido a sua estrita aplicabilidade. Para este autor, o fator geral que ele definiu como g o que de fato embasa a compreenso da inteligncia. Considerado como um estudioso purista da inteligncia, este psiclogo ingls e seus discpulos contemporneos, entre eles Murray, defendem a tese de uma inteligncia geral.

    Thurstone, em seus achados identificou que a inteligncia no se resumia a um nico fator, mas a sete fatores, que ele chamou de capacidades mentais primrias (compreenso verbal, fluncia verbal, raciocnio indutivo, visualizao espacial, nmero, memria, rapidez perspectiva).

    Guilford (1967, 1982) apresentou o modelo da estrutura do intelecto e segundo ele a inteligncia pode ser compreendida a partir de trs dimenses: vrias operaes, contedos e produtos. Coloca em sua teoria at 150 fatores da mente, contrapondo-se de maneira contundente ao fator nico de inteligncia.

    De acordo com Sternberg (2000), a grande contribuio desse terico foi sugerir que deveriam considerar vrios tipos de operaes mentais, de contedos e de produtos nas concepes e avaliaes da inteligncia. Guilford, assim como Thurstone, foram considerados pesquisadores que embasaram seus achados a partir de uma concepo pluralista da inteligncia, explicando-a como tendo muitos componentes dissociveis.

    Muitos estudiosos ficaram bastante intrigados com as limitaes da maneira tradicional de pensar sobre a inteligncia. Neste sentido, destacamos dentre eles Robert Sternberg propondo a teoria Trirquica da Inteligncia com suas implicaes prticas e Howard Gardner propondo a teoria das Inteligncias Mltiplas. Dois tericos integrantes do grupo dos estudiosos contemporneos que compartilham de uma abordagem mais integrativa da inteligncia,

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    2. 2. 4 Inteligncia com Sternberg e Gardner

    Sternberg (2000), define que os vrios aspectos da inteligncia funcionam de acordo com sua Teoria Trirquica da inteligncia humana. Segundo ele tri representa trs e rquica governada. A inteligncia compreende trs aspectos que esto relacionados com: o mundo interno na pessoa; com a experincia e com o mundo externo.

    Segundo Robert Sternberg (2000 p. 46):

    A inteligncia compreende capacidades analticas, criativas e prticas. No pensamento analtico tentamos resolver problemas conhecidos, usando estratgias que manipulem os elementos de um problema ou as relaes entre os elementos (p.ex. comparar, analisar, avaliar); no pensamento criativo, tentamos resolver novos tipos de problemas que nos exijam ponderar o problema e seus elementos em uma nova maneira (p.ex. inventar, criar, planejar); no pensamento prtico, tentamos resolver problemas que apliquem o que sabemos aos contextos cotidianos (p.ex. aplicar ,usar e utilizar).

    Esses trs aspectos da inteligncia esto inter-relacionados: o pensamento analtico o responsvel por resolver os problemas, avaliando, comparando e julgando o problema; o pensamento criativo necessrio para buscar e formular novas idias diante do problema e o pensamento prtico o resultado da soluo encontrada com a anlise e a criao das novas alternativas de ao para serem executadas de maneira eficiente na vida cotidiana. Benito (1999), concordando com as idias de Sternberg (2000), enfatiza que a escola tem se preocupado em utilizar somente o pensamento analtico.

    Sternberg (2000) aponta que fundamental a contextualizao da inteligncia, isto , de que lugar estamos falando, e exemplifica referindo que na cultura norte-americana a rapidez mental est associada inteligncia. Dizer que algum rpido significa ser inteligente, tanto isto faz sentido que os testes de inteligncia so cronometrados pelo aplicador. Entretanto, em outras culturas, a rapidez no assim to valorizada e ser inteligente pode ser exatamente o contrrio, isto , a inteligncia

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    est no fato de examinar o problema com cautela, para encontrar a melhor resposta sem ser precipitado pela velocidade mental.

    Newcomb (1999) afirma que os testes de QI no medem todas as capacidades dos indivduos, destacando que os mesmos no conseguem mensurar componentes, por exemplo, da teoria trirquica de inteligncia de Sternberg, quanto capacidade das crianas em aprender com a experincia e se adaptar a novos ambientes e, lana a prerrogativa que precisamos olhar alm dos testes de QI e considerar fatores como a motivao e expectativas como elementos fundamentais. Para esta autora, o aproveitamento em geral na escola no depende da capacidade das pessoas mas de sua motivao, habilidades e suas reaes emocionais diante da escola e de outras situaes de desempenho.

    Para Sternberg, de acordo com o que destaca Helen Bee (2003), o problema no apenas que os testes-padro de QI no medem as trs inteligncias apontadas em sua teoria, mas para ele o mundo alm das paredes da escola, portanto a inteligncia criativa e a inteligncia prtica podem ser to ou mais importantes e necessrias do que somente as habilidades da inteligncia analtica medidas nos testes de QI e to valorizadas pela escola.

    Howard Gardner (2000), professor adjunto de neurologia da Universidade de Harvard, contrapondo-se aplicao dos testes psicomtricos de inteligncia destaca que a mesma importante demais para ser deixada nas mos daqueles que testam a inteligncia. Refere que nos ltimos cinqenta anos o conhecimento da mente e do crebro tem avanado, sendo hoje a estrutura mental entendida como uma composio de vrios mdulos ou faculdades. possvel reconhecer o crebro como sendo um rgo altamente diferenciado, que abriga um nmero indefinido de capacidades intelectuais, algumas das quais ainda necessitam ser elucidadas.

    Esse autor evidencia sua preferncia em melhor conceituar o intelecto humano do que pensar em mensurao, destacando esta ltima como uma forma tradicional e convencional de entender a inteligncia. Ressalta que, desde a poca de Binet,

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    primeiros anos do sculo XX, os testes de inteligncia so testes que visam aferir principalmente a memria verbal, o raciocnio verbal, o raciocnio numrico, a apreciao de seqncias lgicas.

    Gardner (2000, p. 34) afirma que o estudo da inteligncia no um campo privilegiado dos psiclogos, questionando se realmente um dia os psiclogos foram donos deste campo. Para tanto, sugere que outras reas devem se integrar a esta investigao, pois considera a inteligncia uma questo filosfica profunda que exige o envolvimento de outras reas de estudo.

    Para esse grande pesquisador contemporneo (2000, p. 47), que concebe a mente de forma modular, a inteligncia definida como [...] um potencial biopsicolgico para processar informaes que pode ser ativado num cenrio cultural para solucionar problemas ou criar produtos que sejam valorizados numa cultura. A partir de sua concepo de modularidade, props expandir o termo inteligncia com a finalidade de abranger muitas capacidades at ento analisadas fora de seu escopo.

    A inteligncia, considera Gardner (2000) no so objetos que podem ser vistos nem contados, so potenciais -neurais presumivelmente- que podero ser ativados ou no dependendo dos valores de determinada cultura, das oportunidades oferecidas por esta cultura e das decises pessoais do indivduo bem como a influncia da famlia e seus professores.

    Pluralizou e expandiu o termo inteligncia, propondo a Teoria das Inteligncias Mltiplas que descreveu como uma nova definio da cognio humana, expondo um conjunto de critrios baseados nas cincias biolgicas, na anlise lgica (codificao de smbolos), na psicologia do desenvolvimento e das pesquisas provenientes da psicologia experimental.

    Gardner (2000) considera oito inteligncias distintas, relativamente independentes, que apresentaremos em uma breve sntese, o que representa cada

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    uma delas: a inteligncia lingstica capacidade para manipular diferentes reas da linguagem, envolve sensibilidade para a lngua falada e escrita, a habilidade de aprender lnguas e a capacidade de usar a lngua para atingir certos resultados; a lgico-matemtica - capacidade de resolver problemas atravs de clculos numricos e do pensamento lgico, analisar problemas com lgica, de realizar operaes matemticas e investigar questes cientificamente, capacidade de lidar com longas cadeias de raciocnio, os matemticos, os lgicos e os cientistas exploram a inteligncia lgica matemtica; a inteligncia musical - habilidade na atuao, na composio e na apreciao de padres musicais; inteligncia musical aquela que possibilita a compreenso, discriminao, percepo, expresso e transformao das formas musicais (ritmo, tom, melodia, timbre dos sons); a inteligncia corporal-cinestsica - potencial para usar o corpo ou partes do mesmo para resolver problemas ou elaborar produtos. Capacidade de controlar os movimentos do prprio corpo, assim como manipular objetos com muita habilidade: danarinos, atores, atletas utilizam em primeiro plano esta inteligncia; importante esta forma de inteligncia para artesos, cirurgies, cientistas, mecnicos e outros profissionais de orientao tcnica; a inteligncia espacial - tem o potencial de reconhecer e manipular os padres do espao, compreendendo, visualizando e representando graficamente idias visuais ou espaciais, capacidade de perceber o mundo viso espacial inteligncia usada pelos navegadores e pilotos; utilizada pelos escultores, jogadores de xadrez, artistas grficos ou arquitetos (padres de rea mais confinados); a inteligncia interpessoal - capacidade para entender as intenes, as motivaes e os desejos do prximo, e conseqentemente, de trabalhar de modo eficiente com terceiros, a capacidade de reconhecer e lidar com seus sentimentos enquanto eles esto ocorrendo, esta habilidade tambm atende pelo nome de autoconhecimento, o ponto de partida do crescimento e da implementao de mudanas; seus componentes centrais so: autopercepo de seus sentimentos, discriminao das prprias emoes e conhecimento das foras e fraquezas pessoais; a inteligncia intrapessoal - capacidade de a pessoa se conhecer, de ter um modelo individual de trabalho eficiente incluindo a os prprios desejos, medos e capacidades e de usar estas informaes com eficincia para regular a prpria vida; sublinha sua origem na

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    vida emocional da pessoa e sua longa aliana com fatores afetivos; e a inteligncia naturalista - conhecimento do mundo vivo, um naturalista demonstra grande experincia no reconhecimento e na classificao de numerosas espcies flora e fauna de seu meio ambiente, apresenta uma capacidade para reconhecer e distinguir membros de uma mesma espcie, reconhecer a existncia de outras espcies prximas e mapear as relaes, formal ou informalmente, entre as vrias espcies.

    Em todas essas inteligncias, Gardner (2000) no deixa de considerar as facetas afetivas de cada inteligncia, no restringindo apenas a interpessoal e a intrapessoal, como o fez nos primeiros estudos (1983) sobre as inteligncias mltiplas.

    Apesar de recebermos essas inteligncias como parte de nossa herana gentica, Gardner (2000) afirma que no h duas pessoas que tenham exatamente as mesmas inteligncias nas mesmas combinaes, pois as inteligncias vm da combinao dos fatores hereditrios do indivduo com as condies de vida numa cultura especfica e numa determinada era. Segundo ele, as pessoas no so iguais, nem as inteligncias.

    Uma das suas observaes (2000, p. 144.) que, em todas as culturas, h algumas crianas que se sobressaem em determinadas atividades, aprendem mais cedo do que outras da mesma idade a falar, cantar, memorizar, dominar e vencer jogos fsicos ou cerebrais, se orientar em terreno desconhecido e assim por diante. Estas crianas que apresentam destaques, o autor considera que tm talento ou so bem-dotadas e, quando so precoces, mostrando um desempenho adulto, so prodgios.

    2. 2. 5 Concepo das Altas Habilidades/Superdotao

    No Brasil, o atendimento a este grupo de pessoas iniciou em 1929 com Helena Antipoff em Minas Gerais, precursora deste trabalho no Pas. Desenvolveu projetos e

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    estudos sobre Altas Habilidades/Superdotao e fomentou programas de pesquisa na rea da Educao em relao a este tema. Como podemos observar, esta questo, no Brasil, vem sendo estudada j faz um bom tempo no sentido de ampliar o conhecimento sobre este tema de tanta relevncia social.

    Em 1994, o Ministrio da Educao do Brasil (MEC), atravs da Poltica de Educao Especial (BRASIL, 1994, p. 7), apresentou uma primeira definio sobre o aluno com Altas Habilidades/Superdotao:

    Notvel desempenho e elevadas potencialidades em qualquer dos seguintes aspectos isolados ou combinados: capacidade intelectual geral, aptido acadmica especfica, pensamento criativo ou produtivo, capacidade de liderana, talento especial para artes e capacidade psicomotora.

    Um ano aps, com as Diretrizes Gerais para o Atendimento Educacional aos Alunos Portadores de Altas Habilidades/Superdotados e Talentosos (BRASIL, 1995, p. 13), este conceito ampliou-se definindo que:

    [...] altas habilidades referem-se a comportamentos observados ou relatados que confirmam a expresso de traos consistemente superiores em relao a uma mdia (por exemplo: idade, produo, ou srie escolar) em qualquer campo do saber ou do fazer. Deve-se entender por traos as formas consistentes, ou seja, aquelas que permanecem com freqncia e durao no repertrio dos comportamentos da pessoa, de forma a poderem ser registrados em pocas diferentes e situaes semelhantes.

    Os termos Superdotao, Altas Habilidades, Talentosos, dentre outros encontrados na literatura, tm apresentado ao longo dos anos algumas controvrsias por parte de muitos especialistas da rea. No nossa pretenso nos aprofundarmos nesta questo, mas esclarecemos que utilizamos o que o Ministrio de Educao, atravs da Secretaria da Educao Especial, vem usando como nomenclatura oficial - Altas Habilidades/Superdotao - de acordo com as Diretrizes Nacionais para a Educao Bsica (BRASIL, 2001).

    Cabe destacar, ainda, que a entidade representativa, antes Associao Brasileira para Superdotado (ABSD) ora representada pelo Conselho Brasileiro para

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    Superdotao -ConBraSD - tem utilizado o termo superdotao. A Associao Gacha de Apoio s Altas Habilidades/Superdotao AGAAHSD - inclui as Altas Habilidades por ser este o termo utilizado pelo MEC - Altas Habilidades/ Superdotao, conforme j comentado.

    Com relao ao tema das Altas Habilidades/Superdotao, h uma literatura bastante vasta, com diversos modelos e concepes sobre o assunto. Para este fim, utilizamos a Teoria dos Trs Anis de Joseph Renzulli (1986, 2004), um dos destacados estudiosos sobre este tema, que tem realizado relevantes pesquisas, principalmente quanto s estratgias de identificao e atendimento na rea da Educao, requisito este que determinou a escolha de sua teoria.

    Outro convidado importante nesta interlocuo o terico Mnks (1992), que complementa os estudos de Renzulli quando institui em seu modelo os aspectos contextuais - famlia, escola e amigos -, considerados por ele como fundamentais para o desenvolvimento das Altas Habilidades/Superdotao, no apontados explicitamente por Renzulli (1986, 2004).

    Renzulli (1986) evidencia que o fenmeno da superdotao no pode ser explicado somente por testes de inteligncia, considerando como pontos fundamentais para a investigao outros fatores que devem ser combinados. Enfatiza que se deve considerar outros elementos da pessoa superdotada que no seja somente a medio das suas capacidades.

    A partir de seus estudos, Renzulli (1986) props um modelo de superdotao que denominou de a Teoria dos Trs Anis, baseado em trs traos de comportamentos: habilidade acima da mdia, envolvimento com a tarefa e criatividade. Para que estes trs traos determinem a superdotao, necessria a interao entre os mesmos, isto , se define a superdotao do indivduo a partir da interseco destes comportamentos.

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    Desse modo, Renzulli (1986, p. 11- 12) define comportamento de superdotao como

    Comportamentos que refletem uma interao entre trs grupamentos bsicos dos traos humanos sendo esses grupamentos bsicos e/ou especficas acima da mdia, elevados nveis de comprometimento com a tarefa e elevados nveis de criatividade. As crianas superdotadas e talentosas so aquelas que possuem ou so capazes de desenvolver este conjunto de traos e que os aplicam a qualquer rea potencialmente valiosa do desempenho humano.

    O conceito das Altas Habilidades/Superdotao supe a interseco de trs grupos ou anis de caractersticas de acordo com a representao grfica de Renzulli (1986, p. 8):

    Estes traos, segundo Renzulli (1986), devero apresentar uma certa freqncia, intensidade e consistncia ao longo do tempo caracterizados por:

    Habilidades acima da mdia: potencial de desempenho superior de qualquer rea do saber ou do esforo humano e que pode se apresentar a partir de duas formas: Habilidade geral que se refere capacidade de processar as informaes, integrar experincias que resultem em respostas mais adequadas e habilidades especficas que compreendem adquirir conhecimento, destreza e habilidade para o desempenho de uma ou mais atividades especializadas dentro de um cenrio restrito. Apresentam vocabulrio avanado; boa memria; aprendem de forma rpida e fcil; ampla capacidade para receber e reter informaes; faz generalizaes com grande

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    habilidade; compreendem novas idias facilmente; fazem abstraes sem dificuldades; percebem rapidamente similitudes, diferenas e relaes entre as coisas; analisam e tomam decises.

    Envolvimento com a tarefa: refere-se a alta motivao com relao a uma tarefa ou interesse em uma rea especfica do desempenho que visa produzir algo na prtica. Funciona como uma espcie de energia focalizada, direcionada a uma ao ou tarefa relacionada rea de desempenho. Este comportamento se evidencia na pessoa com Altas Habilidades/Superdotao atravs da determinao de metas e normas elevadas; intenso compromisso com a tarefa e problemas que lhe interessam; entusiasta com seus interesses e atividades; precisa pouca motivao externa quando persegue um objetivo; preferncia por concentrar-se em seus prprios projetos e interesses; despende grande nvel de energia sobre seu interesse; perseverante, no abandona facilmente o que est trabalhando; seus produtos e suas aes tendem a completar-se sempre; entusiasta e vido diante de novos projetos e desafios e assume responsabilidades com a tarefa.

    De acordo com Alencar (2004), este componente representa a energia que o indivduo canaliza para resolver determinada tarefa, incluindo traos de perseverana, dedicao, esforo, autoconfiana, bem como crena na prpria habilidade de desenvolver um importante trabalho.

    Criatividade: considera que est presente em qualquer campo especfico do desempenho e que compreende um estilo determinado e uma forma de processamento peculiar e permanente da informao. No que se refere criatividade, tambm observado na literatura especializada uma diversidade de pressupostos tericos. Renzulli aponta que este trao comum a todas as pessoas que apresentam Altas Habilidades/Superdotao. Estas pessoas apresentam curiosidade inusitada sobre vrios temas; tm muitas idias (fluidez); percebem as coisas de forma muito variada (flexibilidade); idias nicas e diferentes (originalidade); agregam detalhes s coisas; transformam e/ou modificam idias diferentes; vem as

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    implicaes e conseqncias facilmente; especulativos, gostam de arriscar-se; sentem-se livres para no estar de acordo com o estabelecido; demonstram um aguado senso de humor.

    Sternberg (2000, p. 332), ao se referir criatividade, um dos componentes bsicos da concepo da superdotao estudado por muitos especialistas da rea, sublinha que assim como a inteligncia apresenta diversos conceitos a criatividade tambm no est isenta de estudos que a definem a partir de abordagens distintas. Evidencia que a maioria dos investigadores definiria criatividade como o Processo de produzir alguma coisa que ao mesmo tempo original e de valor. Alguma coisa poderia ser uma teoria, uma dana, uma substncia qumica, um processo ou um procedimento, uma histria, uma sinfonia ou alguma coisa mais.

    Alencar (2004), importante pesquisadora em nosso meio, observa que os testes de criatividade so demasiadamente limitantes, sugerindo ser de maior valia uma anlise do desempenho dos produtos criativos da pessoa do que a utilizao de uma anlise atravs de testes de criatividade.

    Os comportamentos de superdotao, para Renzulli (1998), so manifestaes do desempenho humano que se desenvolvem em algumas e em determinadas situaes e/ou circunstncias. Deste modo, para ele, a superdotao rene uma complexidade de fatores a serem examinados, fazendo uma crtica aos mtodos mais tradicionais de identificar a superdotao.

    Nesse modelo terico, Renzulli (2004, p. 82 -83) prope dois tipos de superdotao: a superdotao escolar ou acadmica e a superdotao produtivo-criativo. Diferencia a superdotao acadmica da superdotao produtivo-criativo por a primeira, superdotao acadmica, ser a mais valorizada nas situaes de aprendizagem escolar e identificada atravs de testes padronizados de capacidade cognitiva tendo como foco principal as habilidades analticas atravs dos processos

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    do pensamento dedutivo em lugar das habilidades criativas e produtivas. De acordo com o autor, a superdotao acadmica pode ser identificada com maior facilidade, inclusive pelos testes padronizados de inteligncia, o que no exclui uma ateno especial s modificaes das pautas curriculares, considerando que este aluno apresenta um desempenho superior ao de seus pares.

    A segunda, superdotao produtivo-criativo, aquela que apresenta aspectos da atividade e do envolvimento humano nos quais se incentiva o desenvolvimento de idias, produtos, expresses artsticas originais e reas do conhecimento que so propositalmente concebidas para ter impacto sobre uma ou mais platias. Destaca que as situaes de aprendizagem utilizadas para estimular a superdotao produtivo-criativa so aquelas que enfatizam o uso de aplicao do conhecimento e dos processos de pensamento de forma indutiva e orientada para um problema real.

    Esses dois tipos de superdotao apresentadas pelo Renzulli (2004), nos parece que tm a ver com uma concepo de inteligncia mais ampla e abrangente que no se restringe a um conceito geral da mesma. Neste sentido, como nos diz Sternberg (2000), a inteligncia deve ser concebida para alm do aspecto analtico, rea esta extremamente valorizada pela escola, desenvolvendo e apoiando outras reas pertinentes inteligncia como a criatividade e a realizao de produtos que so aceitos em uma dada cultura como algo original.

    No conceito de superdotao de Renzulli (1986, 2004, p. 91), apresentado graficamente, percebe-se que o autor colocou a figura dos Trs Anis em um fundo de duas cores, como podemos ver no desenho j descrito anteriormente. Refere que estas cores, em forma de trama, representam as influncias da personalidade e as influncias ambientais que colaboram para a manifestao dos trs comportamentos - habilidade acima da mdia, envolvimento com a tarefa e criatividade - porm [...] lamenta no ter dispensado mais tempo para pesquisas subjacentes quelas influncias da personalidade e as ambientais.

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    Nesta perspectiva, Renzulli (1986, 2004) focalizou a identificao e formas de atendimento na escola, considerando somente o indivduo/aluno no que diz respeito s caractersticas de superdotao e metodologias de ensino e aprendizagem. Portanto, os aspectos do contexto social, principalmente famlia e amigos, no foram por ele pesquisados na relao do desenvolvimento da pessoa e de suas Altas Habilidades/Superdotao.

    Dentro de uma viso terica sistmica, tanto o processo de identificao, atendimento individual como o educacional destas pessoas/alunos deve contar com o envolvimento ativo dos contextos sociais em que o sujeito vive e interage. Assim sendo, foi convidado para fundamentar estes aspectos neste estudo o terico Mnks (1992), que, avaliando o conceito de Renzulli (1986), constatou que no aparecem de forma mais explcita os fatores sociais, representados pela famlia, escola, e amigos, e inclui