o princípio da garantia do existente

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Trabalho realizado para apresentação em Oral de Melhoria à disciplina de Direito do Urbanismo.Regente: Prof. Dr. João MirandaFDL, 2012/2013por: Filipe Braz Mimoso

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    UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE DIREITO

    O Princpio da proteco do existente presente no art. 60. do Regime

    Jurdico da Urbanizao e Edificao

    DIREITO DO URBANISMO

    Trabalho realizado por:

    Nome: Filipe Braz Mimoso

    Turma B - Dia

    Lisboa

    Ano Lectivo 2012/2013

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    NDICE

    1. A garantia da proteco do existente.3

    1.1 Origem3

    1.2 Noo e fundamentos.3

    1.3 Modalidades...4

    1.4 Funo.5

    2. Abrangncia da proteco do existente...7

    2.1 A conservao da edificao existente.7

    2.2 A alterao da edificao existente..8

    2.3 A reconstruo da edificao existente8

    2.4 A ampliao da edificao existente...11

    3. A incompleta harmonizao do n. 2 do art. 60. do RJUE...12

    4. Necessidade da legalizao da edificao13

    5. Concluso...14

    Bibliografia15

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    1. A garantia da proteco do existente

    1.1 Origem

    Agarantia da existncia ou da manuteno(Bestandschutz), tem origem num princpio

    formulado pelo Tribunal Administrativo Federal Alemo. de facto, unicamente, na

    jurisprudncia alem que esta concepo teve incio.1

    1.2 Noo e fundamentos

    O princpio daproteco do existentea que fazemos referncia, vem consagrado no art.

    60. do Regime Jurdico da Urbanizao e Edificao (daqui em diante, simplesmente

    RJUE, por questes de simplificao), aprovado pelo Decreto-Lei n. 555/99 de 16 de

    Dezembro.

    A acepo que julgamos melhor caracterizar aproteco do existente, presente na

    doutrina nacional , como descreve o Prof. Dr. Alves Correia, a de que esta est

    intimamente ligado ao princpio jurdico fundamental da proteco da confiana, o

    plano urbanstico produz efeitos apenas para o futuro, pelo que deve respeitar as

    edificaes existentes data da sua entrada em vigor, desde que elas tenham sido

    realizadas legalmente.2

    O sentido do princpio da garantia da existncia pretende tutelar os direitos dos

    particulares, que no podem ser postos em causa por novas supervenientes de planos

    (mesmo que exista contradio com estas) ou, se o forem, que sejam indemnizados pelo

    direito sacrificado. 3

    Assim se compreende, que o princpio daproteco do existenteassenta em princpios

    constitucionais consagrados: 4antes de mais o direito de propriedade privada (art. 62.

    n. 1 da Constituio), enquanto direito anlogo aos direitos, liberdade e garantias (art.

    17. da Constituio), pois constitui um limite discricionariedade do planeamento; o

    1Cfr. JOO MIRANDA,A dinmica, p. 330

    2 Cfr. ALVES CORREIA, O plano, p. 346 apudJOO MIRANDA, p. 331

    3Cfr. FERNANDO ALVES CORREIA,Manual de Direito do Urbanismo, p. 6784Cfr. JOO MIRANDA,A dinmica, p. 331

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    princpio da irretroactividade das disposies dos planos e daproteco da confiana

    (presentes nos arts. 2. e 9. al. b) da Constituio, enquadrados num Estado de Direito

    democrtico, plasmado na Lei Fundamental).5

    A proteco da confiana, enquanto elemento basilar da segurana jurdica dos direitos

    dos particulares num Estado de Direito confronta-se aqui, no entanto, com a

    prossecuo do interesse pblico. Qual dever ento prevalecer?

    Segundo alguma doutrina nacional, a prossecuo do interesse pblico deveria

    prevalecer de forma absoluta sobre o princpio da confiana.6

    A nossa posio, no entanto, no poder ser outra que no a conciliao desses dois

    aspectos, quanto ao princpio da confiana como garantia dos direitos dos particulares e

    do planeamento urbanstico (assente na estabilidade e previsibilidade), quer quanto

    prossecuo do interesse pblico enquanto factor essencial para uma adaptao do

    Direito do Urbanismo sociedade.

    Como refere o Professor Dr. Joo Miranda, o prprio planeamento urbanstico conter

    uma fundamental dialctica entre, por um lado, a segurana jurdica (vertente

    objectivada) e a proteco da confiana (vertente subjectivada) e, por outro a dinmica

    de interesse pblico, estando a efectividade da harmonia do sistema de planeamento

    dependentes da procura constante de equilbrio entre aqueles princpios de tendncia

    antagnica.7

    1.3 Modalidades

    O princpio daproteco do existentedivide-se em duas modalidades, referidas

    anteriormente: agarantia da existncia passivae agarantia da existncia activa.8

    A primeira consiste na conservao do edifcio e na utilizao e manuteno da sua

    capacidade funcional.

    A segunda faculta ao particular, a possibilidade de licenciamento ou admisso de

    comunicao prvia para a reconstruo ou alterao da edificao. No entanto, esta

    5Cfr. FERNANDO ALVES CORREIA,Manual de Direito do Urbanismo, p. 677 e 678

    6Cfr. MRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/Joo Pacheco Amorim/Pedro Gonalves, Cdigo, pp. 111-112 apud

    PEDRO MONIZ LOPES, O existente tem direitos?, p. 16

    7Cfr. JOO MIRANDA,A dinmica, p. 90 apud PEDRO MONIZ LOPES, O existente tem direitos?, p. 168Cfr. JOO MIRANDA,A dinmica, p. 331

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    ltima comporta a verificao de um de dois pressupostos: estas obras no podero

    originar ou agravar a desconformidade com as normas legais em vigor, ou tero que ter

    como resultado a melhoria das condies de segurana e de salubridade da edificao.

    Como veremos, o preenchimento de um ou simultaneamente deste dois pressupostos

    no se afigura nem fcil, nem equitativo, podendo originar casos surreais do ponto de

    vista da aplicao da legalidade urbanstica.

    1.4 Funo

    A funo primordial do princpio daproteco do existente, como j vimos, em ltima

    anlise, a salvaguarda dos direitos dos particulares, no seio de um normal

    funcionamento do Estado de Direito democrtico.

    O art. 60. do RJUE, no seu n. 1, permite assim que o proprietrio se guie pelo regime

    que estava em vigor, data em que foram aprovadas as normas legais que deram origem

    ao seu legtimo direito. Estamos assim perante uma demonstrao do Princpio do

    tempus regit actum, recaindo a relevncia legal num direito anterior e no em normas

    legais supervenientes. Ou seja, o legislador quis estipular uma proibio da

    retroactividade das normas legais que sobrevierem (que, como referido anteriormente,

    tem amplo apoio constitucional): o que faz todo o sentido, visto que, por regra a lei s

    dispe para o futuro.9

    No entanto, a particularidade que embora estejam ressalvados os efeitos anteriormente

    produzidos, mantm-se em vigor, paralelamente, normas legais j h muito revogadas.10

    Na acepo do Prof. Dr. Joo Miranda, o princpio da garantia da existncia seria um

    trnsito suave entre direito patrimonial velho (mais favorvel) e direito patrimonial

    novo.11

    J o n 2 do referido artigo 60. do RJUE, tem por base no s a salvaguarda da

    9Cfr. art. 12 do Cdigo Civil e MARGARIDA LOUREIRO e Joo Pereira Reis,Regime jurdico da urbanizao e

    da edificao: anotado: Decreto-Lei n 555/99, de 16 de Dezembro: anotado,p. 16510MARGARIDA LOUREIRO e Joo Pereira Reis, idem.

    11Cfr. JOO MIRANDA,A dinmica, p. 331, acepo esta adoptada de Maria Lcia Amaral,Responsabilidade, p.

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    segurana jurdica dos direitos dos particulares, como tambm um fim de conciliao

    entre o conflito de normas em causa, tendo como objectivo uma soluo intermdia. No

    entanto, como veremos, exactamente nesta disposio que se originam,

    paradoxalmente, as maiores crticas harmoniosa aplicao do preceito.

    parte disto, agarantia da existncia activaassim consagrada pela doutrina neste n 2,

    traduz-se na aplicao de uma 3 norma, de direito transitrio material, nem antigo

    nem novo. Como explica, de forma clara, o Professor Dr. Joo Miranda, o legislador,

    em lugar de impor a aplicao do plano antigo ou do plano novo, veio estabelecer uma

    regulamentao prpria no coincidente nem com o primeiro nem com o segundo. Se

    se continuasse a aplicar as regras do plano antigo, o particular poderia fazer uso de

    todas as faculdades que lhe eram conferidas por este instrumento de planeamento

    (obras de ampliao, obras de alterao, obras de demolio, etc.). Pelo contrrio a

    aplicao imediata do regime do plano novo poderia vir a traduzir-se, por exemplo, na

    necessidade de demolio da edificao se a nova disciplina de uso do solo assim o

    impusesse..12Assim se v que esta uma norma conciliadora para a prossecuo da

    legalidade urbanstica, cuja funo a de promover a modernizao das edificaes e

    melhorar as suas condies de segurana e de salubridade.13

    Quanto ao n 3 do art. 60 do RJUE, estamos perante uma regra restritiva do princpio

    tempus regit actum, pois permite ao legislador a aplicao retroactiva de determinadas

    condies especficas para o exerccio de certas actividades, bem como a realizao de

    trabalhos acessrios em construes validamente constitudas ao abrigo do direito

    anterior. Ou seja, o legislador quis permitir uma maior harmonizao das garantias dos

    particulares (em especial da proteco da confiana), com a prossecuo do interesse

    pblico, nomeadamente ao aumentar o seu mbito de aplicao.14

    Por ltimo, o art. 67 do RJUE, que na sua parte final remete para o disposto no art. 60,

    comporta desvios face garantia da existncia, visto que estipula que a validade das

    licenas ou admisso das comunicaes prvias depende da sua conformidade com as

    normas legais em vigor ao tempo da sua prtica (assente, tambm, no princpio do

    12Cfr. JOO MIRANDA,A dinmica, p. 333

    13Cfr. CLUDIO MONTEIRO, O domnio da cidade, p. 282

    14 Cfr. PEDRO MONIZ LOPES, O existente tem direitos?, p. 24

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    Tempus Regit Actum).

    2. Abrangncia da proteco do existente

    2.1 A conservao da edificao existente

    O art. 60., n. 1 do RJUE permite ao particular, de forma implcita (embora decorra da

    imposio do art. 89 do RJUE), a conservao do edifcio para manter as boas

    condies de utilizao do mesmo.15

    No entanto, este ser um direito dos particulares, por estar implcito no direito de

    propriedade, nomeadamente quanto manuteno do correcto uso e fruio da

    edificao e, por isso, de qualquer modo, nunca poderia ser vedado ao proprietrio por

    parte da Administrao.16

    J quanto imposio decorrente do art. 89, n. 1 do RJUE, os proprietrios devem

    assegurar que o edifcio se mantm apto ao fim a que est destinado, em conformidade

    com as condies previamente definidas nas respectivas licenas ou autorizaes

    urbansticas, sob pena de intimao por parte da Cmara Municipal, para que estas se

    realizem (n. 2 do referido artigo).

    Podemos distinguir, assim, as obras de conservao ordinria, que como explicmos

    anteriormente tm em vista o correcto e bom uso e fruio da edificao, de obras de

    conservao extraordinria que sejam impostas pela Administrao para assegurar

    condies de boa utilizao da edificao. Estas ltimas podero originar, se no forem

    acatadas as imposies da Administrao aos particulares (n. 2 do art. 89. RJUE), a

    realizao de obras coercivas (art. 91. n. 1 RJUE). Como sustenta, o Prof. Dr. Cludio

    Monteiro, a ordem para a realizao de obras coercivas uma medida de natureza

    policial, que visa afastar perigos concretos para o bem legalmente protegido,

    configurado pela integridade fsica e pela sade, no apenas dos seus ocupantes, como

    tambm do pblico em geral..17Ser, ainda como refere este autor, uma funo de

    preveno pblica de eventuais danos sociais, que no ser qualificada como uma

    mera sano administrativa, aplicada ao proprietrio pelo incumprimento do seu dever

    de conservao, mas como verdadeira prossecuo, por parte da Administrao, de

    15Cfr. CLUDIO MONTEIRO, O domnio da cidade, p. 281

    16Idem, p. 28417Idem, p. 286

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    funes essenciais correcta e segura vida em sociedade, bem como de uma saudvel

    normalidade urbanstica.18

    2.2 A alterao da edificao existente

    O n 2 do art. 60. permite a alterao de edificaes por parte dos proprietrios, desde

    que no origine ou agrave desconformidade com as normas em vigor ou tenha como

    resultado a melhoria das condies de segurana e de salubridade. A definio para a

    alterao de edificaes, est presente no art. 2. al. e) RJUE, consistindo em

    benfeitorias mais profundas (especialmente quanto modificao das caractersticas do

    interior da edificao), emborasem aumento da rea de pavimento ou de implantao

    ou da crcea.

    2.3 A reconstruo da edificao existente

    A reconstruo do edificado existente, permitido pelo n 2 do art. 60. do RJUE, no

    procede a uma diferenciao operada pelas als. c) e n) do art. 2 do RJUE, consoante

    estas sejam realizadas sem ou com preservao das fachadas. Porm, os pressupostos

    referidossupraquanto alterao da edificao existente, aplicam-se tambm

    reconstruo de edificaes existentes.

    Todavia, tm surgido dvidas quanto possibilidade de serem consideradas como

    reconstruo de edificaes existentes, os edificados que j no possuam existncia

    fsica ou jurdica. Devero merecer aproteco da garantia do existente?

    Incluem-se, nestas dvidas, duas situaes tpicas: a substituio do actual edifcio

    existente por outro igual (independentemente da preservao ou no da fachada) ou a

    reconstruo de runas em solo rural, insusceptveis, por meio de planos urbansticos em

    vigor ou outras restries administrativas, de ser urbanizado ou edificado.

    Em ambas as hipteses, o edificado existente destrudo, quer por meio de causas

    naturais ou humanas (por exemplo a sua demolio para consequente reconstruo, o

    18Cfr. CLUDIO MONTEIRO, O domnio da cidade, p. 286

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    seu abandono, ou a falta de realizao de obras de conservao).19No havendo, em

    sentido material, existncia fsica (no existiria substncia, logo, por consequncia, no

    haveria existncia jurdica), fruto da destruio da edificao, alguma doutrina cvel tem

    considerado a perda ou destruio da coisa de forma restrita, como facto extintivo de

    direitos reais, invocando a aplicao dos arts. 1476. n. 1 al. d) e 1485. do Cdigo

    Civil.20

    Em sintonia com o que sustenta o Prof. Dr. Cludio Monteiro, porm, haver que

    apreciar a ratiodo art. 60. do RJUE, no sentido da preservao, no apenas

    estritamente material ou fsica da edificao, mas tambm jurdica. Assim, como refere

    o Professor, o edifcio no desaparece como bem jurdico e como elemento da

    paisagem ou da composio urbana pelo simples facto de se encontrar arruinado ou

    ser demolido, na medida que possa, se alterao da sua forma e substncia originria,

    ser reconstrudo e reposto em condies de ser utilizado de acordo com a sua anterior

    funo..Curioso so ainda os argumentos, presentes no Cdigo Civil, que o citado

    autor utiliza para fundamentar tal situao: relativamente ao direito de superfcie, cfr. o

    art. 1536. n. 1 al. b) e al. e); e quanto ao regime da propriedade horizontal, cfr. o art.

    1428. n. 1. 21

    No faria muito sentido, alis, desconsiderar-se agarantia da existnciaa uma

    edificao por ter sido demolida, quando a prpria demolio est prevista na licena ou

    comunicao prvia que aprova a reconstruo (com ou sem preservao da fachada, o

    prprio art. 60. do RJUE no estabelece diferenciao), existindo por isso um nexo

    causal estrito entre as duas operaes urbansticas, consistindo num elemento

    constitutivo do direito reconstruo do edifcio, e no um facto extintivo do respectivo

    direito de propriedade.22

    Todavia, existe doutrina que defende que existiro situaes em que a reconstruo de

    edificaes no beneficiar da proteco do existente, assim: Visando o presente

    normativo evitar a aplicao de novas normas urbansticas a edifcios que, por se

    19Cfr. CLUDIO MONTEIRO, O domnio da cidade, p. 289

    20Idem, ibidem.

    21Idem, p. 29022Idem, p. 290 e 291

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    encontrarem consolidados, no as podem cumprir, parece-nos que deve ser feita uma

    interpretao restritiva das situaes s quais o mesmo se aplica. Deste modo,

    correspondendo as obras de reconstruo sem preservao de fachadas a obras que

    procedem reconstituio da estrutura das fachadas, da crcea e do nmero de pisos

    de uma edificao existente, que podem ocorrer subsequentemente demolio total ou

    apenas parcial da mesma, parece-nos que no deve ser de aplicar o regime da

    proteco do existente sempre que a obra de reconstruo ocorra aps a demolio

    total, pelo menos nos casos em que a demolio no esteja compreendida num

    procedimento prvio direccionado para o efeito. Numa situao destas, desaparecendo

    a edificao originria, no vemos porque no cumprir com as novas regras entradas

    em vigor em data posterior edificao originria, j que o regime especial previsto

    para edifcios existentes parte do pressuposto da impossibilidade fctica de cumprir

    novas exigncias, o que no sucede no caso.23

    Quanto possibilidade de serem consideradas edificaes existentes, aqueles edifcios

    totalmente destrudos, em que as suas runas no sejam reconhecveis ou que no reste

    mais do que uma mera memria fotogrfica ou documental, concordamos com o Prof.

    Cludio Monteiro, quando sustenta quepara l do limiar da sua existncia fsica ou da

    sua recognoscibilidade, o edifcio no pode mais gozar da proteco do existente.24

    De facto, tem de haver um mnimo de existncia fsica (nem que seja a existncia de

    runas reconhecveis), para se poder assegurar a aplicao daproteco do existente, sob

    pena de o prprio artigo 60. do RJUE deixar de fazer sentido: no tutelaria edificaes

    construdas ou apenas parcialmente existentes, mas todo o direito de propriedade, o que

    no ser vivel, sendo esta uma norma urbanstica.

    Por outro lado, a jurisprudncia administrativa portuguesa tem dado mais relevncia ao

    facto de as obras no originarem ou agravarem a desconformidade com as normas legais

    vigentes, do que problemtica, por exemplo, da admissibilidade dagarantia da

    existnciaface reconstruo de runas.25

    No Acrdo de 13 de Maro de 2009 proferido pelo Tribunal Central Administrativo do

    23FERNANDA PAULA OLIVEIRA, Maria Jos Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Mas, Regime

    Jurdico da Urbanizao e Edificao, p. 397

    24Cfr. CLUDIO MONTEIRO, O domnio da cidade, p. 291 e 29225Idem, p. 292 e 293; cfr. Ac. STA 1S, de 01.03.2005, proc. n. 291/04 e Ac. TCAS de 13.3.2009, proc. n. 3667/08

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    Sul, considera-se que quanto proteco pelagarantia da existncia, no obsta o facto

    de o Plano Director Municipal aplicvel no caso, apenas permitir na zona trabalhos

    de manuteno de muros e edificaes, por ser evidente para o Tribunal que, luz

    da disposio legal em anlise, aquele plano disse menos do que queria.

    O Tribunal, para chegar a esta concluso, fez uma interpretao apoiada na Lei

    Fundamental quanto disposio do plano, no pressuposto de que este respeito pela

    edificao [a originria, frise-se] que pr-existe norma proibitiva, verdadeiro

    princpio da garantia da existncia activa, no mais do que uma vertente da tutela

    constitucional do direito propriedade privada, tal como consagrado no art. 62. da

    Constituio da Repblica Portuguesa, e que o regime legal da proteco do existente

    (art. 60. do RJUE), no mais do que uma verdadeira densificao desse direito

    atravs da lei ordinria.26

    2.4 A ampliao da edificao existente

    Segundo a letra do n. 2 do art. 60. do RJUE, s sero admissveis obras de

    reconstruo ou de alterao das edificaes, desde que no originem ou agravem a

    desconformidade com as normas legais em vigor ou tenham como resultado uma

    melhoria das condies de segurana e salubridade do edifcio. Ou seja, no se

    incluiriam as ampliaes de edifcios.

    No entanto, existe doutrina, com apoio da jurisprudncia, que tem vindo a admitir a

    admissibilidade de tais operaes urbansticas, nomeadamente quando se esteja perante

    casos em que a modernizao do edifcio torne-se um elemento indispensvel para

    manter a correcta utilizao da actual funo do edifcio.27

    A jurisprudncia nacional tem tido um papel importante na interpretao a fazer do

    preceito.

    No Acrdo de 1 de Maro de 2005, o STA concedeu proteco s obras de ampliao

    de um edifcio existente, pois as mesmas, no originando ou agravando a

    desconformidade com as normas legais e regulamentares em vigor, no deveriam

    merecer tratamento diferente das obras de alterao ou de reconstruo expressamente

    26Cfr. CLUDIO MONTEIRO, O domnio da cidade, p. 293 e Ac. TCAS de 13.3.2009, proc. n. 3667/0827Cfr. CLUDIO MONTEIRO, O domnio da cidade, p. 296

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    previstas na lei.28

    3. A incompleta harmonizao do n. 2 do art. 60. do RJUE

    O fim ltimo pretendido pelo legislador ao elaborar o n. 2 do art. 60. do RJUE, foi

    harmonizar a proteco da confiana dos particulares com o princpio da prossecuo do

    interesse pblico. No entanto, aqui que tm origem, paradoxalmente, incongruncias

    indesejveis para a correcta aplicao da legalidade urbanstica.29

    Alis, como se extrai do prembulo do Decreto-Lei n. 555/99: por esta via d-se um

    passo importante na recuperao do patrimnio construdo, j que, sem impor um

    sacrifcio desproporcional aos proprietrios, o regime proposto permite a realizao de

    um conjunto de obras susceptveis de melhorar as condies de segurana e

    salubridade das edificaes existentes.

    Mas quid jurisse um licenciamento de uma obra de reconstruo de uma edificao,

    simultaneamente agrava a desconformidade com uma norma urbanstica em vigor, mas

    tenha como resultado uma clara melhoria das condies de segurana e salubridade da

    mesma? Consoante o maior ou menor grau de agravamento da desconformidade ou de

    melhoria das condies da edificao, ter assim que ser encontrada a melhor soluo

    para o caso concreto. O problema de maior densidade que, nem sempre tal to

    simples, como sucede nos casos em que a obra produza um grau igual (quanto ao

    agravamento da desconformidade legal ou da melhoria das condies de segurana e

    salubridade), bem como naqueles casos queproduza um agravamento e,

    simultaneamente, uma reduo da desconformidade verificada com o instrumento de

    gesto territorial aplicvel

    Haver sempre, por parte da Administrao, uma ponderao casustica para a adopo

    da melhor soluo, embora sempre respeitando o princpio da proteco do existente,

    que no deixa de ser um limite discricionariedade da mesma.30

    28Cfr. CLUDIO MONTEIRO, O domnio da cidade, p. 292 e Ac. STA 1S, de 01.03.2005, proc. n. 291/04

    29Cfr. PEDRO MONIZ LOPES, O existente tem direitos?, p. 3130Idem, p. 31 e 32

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    4. Necessidade da legalizao da edificao

    Como refere o Prof. Dr. Cludio Monteiro, a doutrina portuguesa, na linha da doutrina

    alem, entende que a proteco legal, atravs dagarantia da existncia, s seria

    atribuda s edificaes que estivessem conformes com o direito, quer formal, quer

    materialmente, ao tempo em que tivessem sido construdas. O que faz todo o sentido,

    perante a correcta aplicao da legalidade urbanstica.

    Todavia, pergunta-se se uma edificao realizada ilegalmente pode usufruir ainda da

    proteco do existente.Pode, claro, se a Administrao reconhecer que o direito

    manuteno do direito de propriedade inerente, se consolidou na esfera jurdica do

    particular por efeito de outras normas e princpios jurdicos.Ora, esto aqui inseridos

    os casos de obras realizadas ao abrigo de licenas invlidas (anulveis), que j no

    podem ser revogadas pela Administrao ou impugnadas por terceiros, assim como a

    aquisio da propriedade por usucapio. No entanto, mesmo nos casos de falta ou

    nulidade da respectiva licena, a Administrao pode proteger as edificaes

    existentes, por via do art. 134. n. 3 do Cdigo de Procedimento Administrativo, desde

    que preenchidos os devidos pressupostos, para o reconhecimento de efeitos jurdicos a

    situaes de facto constitudas ao abrigo de actos nulos.31

    31Cfr. CLUDIO MONTEIRO, O domnio da cidade, p. 282

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    5. Concluso

    O princpio daproteco do existenteter ento, como papel fundamental, o de

    constituir um limite discricionariedade dos planos elaborados pela Administrao e da

    sua prpria conduta em todo o processo urbanstico, assente nos princpios

    constitucionais do direito da propriedade privada e da proteco da confiana.

    Constituir-se-, se assim puder ser qualificado, como uma garantia dos particulares

    face Administrao (porque, em ltima anlise, disso que se trata), que permite que

    os seus direitos no sejam afectados pela posterior entrada em vigor de normas

    potencialmente desvantajosas. essa ratiodo art. 60. do RJUE, embora a norma

    tambm possua, subjacente a ela, um interesse do legislador em relevar, na prtica, uma

    harmonizao entre um direito velho e um direito novo, acabando por criar um

    direito transitrio material, uma 3 norma. A audcia do legislador de louvar, mas as

    crticas surgem e surgiro, porquanto dificuldades prticas tm constitudo um entrave a

    uma boa aplicao deste preceito.

    Cremos que o art. 60. do RJUE peque por uma certa rigidez no seu n. 2, que

    deveria possuir uma certa flexibilidade, socorrendo-se de uma maior discricionariedade

    da Administrao face ao caso concreto. No entanto, aproteco do existenteficaria

    sempre salvaguardada, especialmente pela letra, crucial, do n. 1 do art. 60. do RJUE:

    os direitos dos particulares no so afectados por normas supervenientes, no haver

    retroactividade das mesmas. Como referimos, o n. 2, configurando uma 3 norma

    poderia ser ainda mais aberta, mais ampla, mais abrangente.

    Embora aproteco do existenteseja um limite discricionariedade da

    Administrao, esta tambm ter que funcionar como elo de ligao entre aproteco

    da confianae a prossecuo do interesse pblico. Se alguma delas for afectada de

    forma desigual ou no equitativa, ento a harmonia pretendida para a correcta e boa

    normalidade e prtica urbanstica ser quebrada, no sendo benfico, nem para os

    particulares, nem para a Administrao, enquanto promotora do melhor interesse

    pblico (que incluir tambm os prprios particulares enquanto cidados de um Estado

    de Direito democrtico).

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