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  • | 399REVISTA DA ESMESC, v. 21, n. 27, 2014

    O PRINCPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O PRESO

    PORTADOR DE DEFICINCIA FSICA: RUMO ADEQUAO FSICA DOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS

    Emanoele Cristina da Silva Carraro1

    Resumo: O presente trabalho aborda de forma ampla a correlao existente entre o Princpio da Dignidade da Pessoa Humana e o preso portador de necessidades especiais, no que tange sua mantena intra-crcere. Tem por objetivo proceder ao levantamento das condies fsicas dos estabe-lecimentos prisionais, analisar se legislao estabe-lece normas e diretrizes com relao a adequao fsica e legal dos estabelecimentos prisionais, examinar a existncia de tratamento de ajuda e suporte de assistncia para os portadores de necessidades especiais, nas casas penitencirias, verificar se os estabelecimentos prisionais esto adequados e/ou possuem condies de receber presos portadores de deficincia fsica e investigar quais so os direitos que os portadores de necessi-dades especiais possuem junto atual sociedade. Ao final espera-se ter contribudo com a socie-dade no sentido de informar s pessoas acerca do assunto tratado, qual seja, a possibilidade de adequao do sistema prisional para a recepo de presos com deficincia fsica, tema este que requer a participao de toda a sociedade e do Poder Pblico para sua soluo, pois estas pessoas

    1 Advogada (OAB/SC n. 35.655). Bacharel em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina UNOESC Campus de Xanxer. E-mail: [email protected]

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    possuem igualmente em seu favor o princpio da dignidade da pessoa humana no tocante ao cumprimento da restrio de sua liberdade.

    Palavras-chave: Dignidade da pessoa humana. Preso. Necessidades especiais.

    1 INTRODUOA dignidade da pessoa humana pode ser entendida como

    a qualidade intrnseca e distintiva de cada pessoa que a torna merecedora de respeito e considerao por parte do Estado e dos outros indivduos. Portanto, assegura a todos ns as condi-es existenciais mnimas para uma vida saudvel, alm de proporcionar a participao ativa e co-responsvel nos destinos da prpria existncia e da vida em comunho com os demais seres humanos.

    Como desdobramento da dignidade da pessoa humana, tem-se a necessidade de proteo do portador de deficincia, assim entendido aquele indivduo que apresenta limitaes fsicas e/ou mentais, adotando-se aes positivas que lhe permitam a igualdade em direitos com aqueles tidos como normais.

    De outro norte, de conhecimento geral que o sistema prisional brasileiro est longe de ser algo desejvel, sendo vrios os problemas que o afetam e poucas as solues apresentadas, o que transforma nossas prises em verdadeiros depsitos de pessoas.

    Neste contexto, a falta na legislao ptria de regramento especfico acerca do cumprimento da pena por deficientes fsicos, aliada escassez de estudos doutrinrios que se dedi-quem a tratar, de forma aprofundada, esta possibilidade, motivou a escolha do tema para elaborao deste artigo.

    O descaso do Poder Pblico quanto implementao de melhoras no sistema penitencirio brasileiro, com o fim de tornar digno o cumprimento de pena de pessoas sem limitao

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    fsica, j de conhecimento de todos. Mas e como fica a digni-dade nesse resgate quando a pessoa portadora de necessidades especiais e nenhum estabelecimento penal adaptado para sua recepo?

    Assim, faz-se necessrio um debate sobre as dificuldades dirias enfrentadas pelo preso portador de deficincia fsica, somadas falta de estrutura para sua recepo.

    Oportuno registrar que no se pretende dar nfase de superstar ao preso com deficincia fsica ou estabelecer privi-lgios por conta dessa condio. O que se busca no presente trabalho deixar evidente a falta de estrutura de nossos pres-dios para recepo do portador de limitaes, como forma de reforar a ideia de que a condio de privado de liberdade de locomoo no pode retirar do preso outros direitos, especial-mente dignidade como pessoa.

    Por derradeiro, cumpre ressaltar que a dignidade humana, elevada ao status constitucional de garantia fundamental da pessoa, no pode ser afrontada pelo Poder Estatal, principal-mente em uma poca que mundialmente se busca preservar o respeito aos direitos do homem, sendo esta uma das razes porque se prope o estudo do tema.

    2 DESENVOLVIMENTOHistoricamente se tem registro das lutas para a efetivao

    da igualdade entre os seres, tanto em direitos como em deveres, e somos todos sabedores de que, muito embora no sejamos parecidos fisicamente, a mesma lei nos rege. Neste sentido, a busca por respostas a perguntas como: existem direitos e deveres distintos para as pessoas tidas como normais e aquelas que apre-sentam algum tipo de limitao, insistem em se manifestar.

    Sendo a diferena algo intrnseco pessoa, como uma espcie de manifestao singular, certa se faz a idia de limi-tao para entrada/permanncia em determinados lugares ou a concretizao de determinados direitos.

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    Neste esteio, os direitos da pessoa portadora de defici-ncia constituem tema ou fenmeno que expressa acentuado grau de complexidade (ASSIS, 2005, p. 49), no que se refere produo de normas positivas garantidores de tais direitos (ASSIS, 2005, p. 49), pois antes de estarem escritos numa cons-tituio ou num texto jurdico, esto anunciados sob a forma de movimentos sociais [...] que evoluem numa outra maneira de sentir e pensar (ROBERT, 1999, p. 4-5).

    Ab initio, insta esclarecer o sentido etimolgico das expres-ses que mais sero utilizadas neste trabalho, quais sejam, prin-cpio, dignidade e pessoa.

    Pessoa designa o homem como sujeito de direitos e obri-gaes, no desempenho da funo que lhe dada pelo Direito (MARTINS, 2004, p. 115).

    J o termo dignidade possui quase sempre o sentido de honestidade e honradez (MARTINS, 2004, p. 113). Acredi-tando que a dignidade a essncia do ser humano, Sarlet (2001, p. 122) esclarece que ela um bem jurdico absoluto, sendo, portanto, inalienvel, irrenuncivel e intangvel. Em linguagem jurdica, a origem da expresso dignidade serviu para designar o encargo ou o ttulo que poderia ser conferido a uma pessoa e, por extenso, acentuar o respeito que esta pessoa deve ao mandato ou funo que exerce (DELPRE, Francis, p. 153 apud MARTINS, 2004, p. 114).

    A dignidade era tida como a qualidade que, por ser inerente ao ser humano, o distinguia das demais criaturas, no sentido de que todos os seres humanos so dotados da mesma dignidade, dando a idia de que todos os seres humanos, no que diz com a sua natureza, so iguais em dignidade (SARLET, 2004, p. 30-31).

    Advindo do latim, principiu, o vocbulo princpio significa causa primria, um elemento predominante na constituio de um corpo orgnico, preceitos, regras, leis, a base, o germe (FERREIRA, 2004, p. 654).

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    Os princpios no probem, permitem ou exigem algo em termos (CANOTILHO [200-], p. 1255), como querendo dizer que nos princpios repousa a essncia de um mandamento

    Por fim, podemos dizer que os princpios desempenham a funo de dar fundamento material e formal s demais regras integrantes do sistema, pois exercem uma funo muito impor-tante, uma vez que iluminam a interpretao das normas jur-dicas (NUNES, 2002, p. 38).

    Contudo, as palavras princpio, dignidade e pessoa, nada fazem sozinhas: ficam ainda mais fortes quando utilizadas conjuntamente: princpio da dignidade da pessoa humana.

    Mas ento, o que vem a ser essa dignidade da pessoa humana? Ela nos traz alguma segurana? Adentrando na discusso, temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrnseca e distintiva de cada ser humano que o faz mere-cedor do mesmo respeito e considerao por parte do Estado (SARLET, 2001, p. 60). Assim, tal direito assegura pessoa as condies existenciais mnimas para uma vida saudvel, alm de propiciar e promover sua participao ativa e co-responsvel nos destinos da prpria existncia e da vida em comunho com os demais seres humanos.

    Assim, o contedo da dignidade da pessoa humana pode ser identificado como o ncleo essencial dos direitos fundamen-tais, uma vez que, como j comentado, um elemento base para a concretizao dos demais direitos.

    Em nossas Constituies Federais, podemos encontrar a passagem do princpio em fomento. Todas almejaram resguardar a importncia do princpio, pois, desde sempre, o mesmo foi reconhecido.

    A primeira referncia ao tema da dignidade da pessoa humana pode ser encontrada, ainda que de modo incipiente em um outro contexto, j ao tempo da Constituio de 1934, na qual se observa expressa referncia necessidade de que a ordem econmica fosse organizada de modo que possibilitasse a todos existncia digna (MARTINS, 2004, p. 47). Desde

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    aquele tempo, observou-se a materializao da dignidade da pessoa humana.

    E toda essa garantia ditada pela Norma Maior assegurada, pois a dignidade da pessoa humana o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o ltimo arcabouo da guarida dos direitos individuais (NUNES, 2002, p. 45).

    No tocante a aplicabilidade da norma em questo, tarefa do profissional do Direito tornar compreensvel o conjunto de normas ditadas pelo Estado (ASSIS, 2005, p. 174); como se o operador do direito fosse um especialista em montar quebra--cabeas, cujas peas so as normas emanadas da vontade sobe-rana estatal que esto espalhadas nos diversos instrumentos normativos (ASSIS, 2005, p. 174).

    A nossa atual Constituio, em seu artigo 1, inciso III2, no contm apenas uma declarao de contedo tico e moral (SARLET, 2001, p. 72): o valor jurdico protegido pelo artigo mencionado torna-o fundamental na construo do ser humano almejado pela sociedade, tanto que o Constituinte adotou expressamente pessoa humana, para se qualificar como pessoa e gozar da proteo constitucional (MARTINS, 2004, p. 118). Logo nenhum princpio mais valioso para mate-rializar a idia proposta pela Constituio que o princpio da dignidade da pessoa humana.

    Quanto ao sentido etimolgico do vocbulo deficincia, Robert (1999, p. 125), ensina que ela segundo dicionrios de lngua portuguesa, a falta, a lacuna, a imperfeio e a insufici-ncia de algo, e que ser deficiente significa apenas ser imper-feito por no possuir algo que o incapacita no momento de exercer sua liberdade de ser e estar.

    Com uma viso mais moderna, Assis (2005, p. 244-245), esclarece que o que define a pessoa portadora de deficincia

    2 Art. 1. A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Es-tados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos:[...]III a dignidade da pessoa humana;[...]

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    no a falta de um membro nem a viso ou a audio redu-zida. Para ele, o que caracteriza a pessoa portadora de defici-ncia o grau de dificuldade de se relacionar, o grau de dificul-dade de se integrar na sociedade, e mais: conclui dizendo que o portador de deficincia qualquer indivduo que apresenta uma limitao fsica ou mental que o traga abaixo do padro--modelo fixado pelo grupo.

    J para a Organizao das Naes Unidas ONU, em sua Resoluo 33/3447, o termo pessoa deficiente refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrncia de uma deficincia, congnita ou no, em suas capacidades fsicas ou mentais (Resoluo 33/3447, artigo 1).

    Nacionalmente, o Decreto Legislativo 186/08 em seu artigo primeiro define pessoas com deficincia como aqueles que tm impedimentos de longo prazo de natureza mental, intelectual ou sensorial, os quais em interao com diversas barreiras, podem obstruir sua participao plena e efetiva na sociedade de condies com as demais pessoas (BALDI, 2009). Mas nem sempre foi assim.

    As primeiras leis escritas estampavam as contradies correlacionadas com as pessoas portadoras de deficincia. As leis antigas demonstravam que a ao dos governos em relao s pessoas com deficincia articulava-se na linha de uma poltica de extermnio (ASSIS, 2005, p. 63), onde o deficiente, por sua disformidade ou inutilidade para os fins imediatos da tribo ou da nao, devia ser exterminado (OLIVEIRA, 1981, p. 12).

    E para melhor compreender o esquecimento das pessoas que possuem alguma forma de deficincia, os dados estatsticos falam mais do que a histria.

    O Programa de Ao Mundial para as Pessoas com Defi-cincia (World Programme os Action Concerning Disabld), aprovado pela Assemblia Geral das Naes Unidas em dezembro de 1982, atravs Resoluo n. 37/52, estima que pelo menos 10%

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    da populao mundial so portadores de alguma deficincia fsica, mental ou sensorial (ASSIS, 2005, p. 31).

    Em 2000, com o Censo IBGE-2000, o Brasil indicou que 14,5% da populao so portadores de deficincia (ASSIS, 2005, p. 31). Mas o que mais chama ateno, que de toda essa estatstica, peritos estimaram que, no Brasil, apenas 2% das pessoas portadoras de deficincia so atendidos pelo Poder Pblico (ASSIS, 2005, p. 32). De acordo com esse estudo, estima-se que, no mnimo, 350 milhes de pessoas portadoras de deficincia vivam em zonas que no dispem dos servios necessrios para ajud-las a superar suas limitaes (ASSIS, 2005, p. 167).

    Por essas razes, a partir da dcada de 1970, a ONU tem intensificado suas aes no sentido de combater as causas de deficincia, promovendo a incluso social e a cidadania das pessoas portadoras de deficincia (ASSIS, 2005, p. 32).

    J a partir da dcada de 1980, as expresses anterior-mente utilizadas para designar pessoas com limitao fsica (deficiente, invlido) vo sendo substitudas por pessoa porta-dora de deficincia3, que, se consagra na Constituio de 1988. Nossa doutrina tambm utiliza a expresso pessoa portadora de deficincia, mas h uma tendncia no sentido de substituir essa expresso por pessoa portadora de necessidades especiais (ASSIS, 2005, p. 234).

    Ademais, as pessoas interessadas preferem ser chamados de pessoas portadoras de necessidades especiais, porque o termo deficincia os coloca em uma situao de desvantagem em relao a outras pessoas, ao passo que o termo necessidades especiais no provoca essa impresso (ASSIS, 2005, p. 236).

    Por fim, dizer que uma pessoa portadora de deficincia no constitui discriminao: de fato, se uma pessoa tem uma limitao, isto uma deficincia. O que devemos combater

    3 A expresso pessoa portadora de deficincia diminui o estigma da deficincia; mais leve, mais elegante e diminui a situao de desvantagem que caracteriza esse grupo de indivduos (ASSIS, 2005, p. 235).

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    a discriminao com aes positivas, no recorrendo a eufe-mismos (MAZZILLI, 2003, p. 521). Por fim, no existe uma defi-nio predominante do que tenha de ser utilizado pela socie-dade. O que existe, uma definio adotada como consensual, pois menos agressiva aos mais interessados.

    Visto doutrinariamente as expresses que se destacam neste artigo, necessrio de faz adentramos ao tema proposto, especificamente falando deste conjunto de palavras em relao ao sistema prisional brasileiro.

    Como se sabe, o sistema prisional est longe de ser algo desejvel. Vrios so os problemas que o afetam e poucas so as solues para o caso. O certo que a grande maioria dos estabelecimentos penais possui falhas e sua melhora no pode ser algo utpico.

    At hoje nos deparamos com um sistema penitencirio falido, no qual o preso tratado com profundo desrespeito aos princpios e garantias contidos na nossa Constituio Federal (SAVAZZONI, 2009).

    O grande desrespeito est intimamente ligado superlo-tao dos presdios. Sabe-se, de longa data, que o sistema carce-rrio do Brasil est beira da falncia. A precariedade e as condi-es subumanas que os detentos vivem hoje (CAMARGO, 2006), so dignas de filme.

    H notcias de que nos estabelecimentos mais lotados, onde no existe nem lugar no cho, presos dormem amarrados s grades das celas ou pendurados em rede (CAMARGO, 2006). E a fim de tornar pblica a situao, no ms de junho do ano de 2010, o Ministrio da Justia, atravs do Sistema Integrado de Informaes Penitencirias (INFOPEN) elaborou uma tabela com os dados do sistema penitencirio do Estado de Santa Catarina.

    Atravs dela possvel perceber que os nmeros so alar-mantes. So cerca de 236,67 presos por cem mil habitantes. S no Presdio Regional de Xanxer, so 267 presos para 130

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    vagas4, ou seja, so 137 presos a mais do permitido, e que esto estocados nas celas.

    Neste contexto fica evidente que as prises e peniten-cirias brasileiras so verdadeiros depsitos humanos, onde homens e mulheres so deixados aos montes sem o mnimo de dignidade como seres humanos que so (LIMA, 2010) e nem se lembra que a priso existe por castigo e no para castigar (CAMARGO, 2006).

    Vale lembrar que a superpopulao carcerria prtica que vai contra a Constituio Federal, a Lei de Execuo Penal e vrios tratados internacionais dos quais o Brasil signatrio (COSTA, 2008). Esta prtica representa desprezo indescul-pvel ao ser humano que passa a ser tratado no como sujeito de direitos, mas como objeto (COSTA, 2008). Digo que esta prtica vai contra a Constituio Federal, porque a Lei Maior, em seu artigo 5, inciso XLIX, dispe que assegurado aos presos o respeito integridade fsica e moral. E mais: vai contra a Lei de Execuo Penal, pois o artigo 84 desta assegura que o estabelecimento penal dever ter lotao compatvel com a sua estrutura e finalidade. Como podemos verificar, nenhum dos preceitos acima mencionados observado.

    Outro ponto a ser salientado que a Lei de Execues Penais, nada dispe acerca do cumprimento de pena por pessoas com deficincia fsica, minoria esta que no v seus direitos de cidado serem garantidos ou sequer mencionados na Lei de Execues Penais (SAVAZZONI, 2009).

    No existe na legislao lei que regulamente o cumprimento de pena, em regime fechado, por estas pessoas que merecem ateno especial, ateno que deve ser oferecida igualmente ao preso dito como normal. Tal esquecimento fere o princpio da dignidade da pessoa humana, pois antes de ser um apenado, este sujeito um cidado, e como cidado deveria ter seus direitos e garantias fundamentais respeitados (SAVAZZONI, 2009).

    4 Dados colhidos pela autora, em visita ao referido estabelecimento penal em data de 09.03.2010.

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    Embora no haja previso expressa neste sentido, impor-tante destacar que a estruturao dos presdios deve tambm atender, especificamente, aos apenados portadores de necessi-dades especiais, conforme garante de maneira implcita a Cons-tituio Federal em seu artigo 5, incisos III, XLVIII e XLIX5 (SAVAZZONI, 2009):

    No que tange s condies de acessibilidade da pessoa portadora de deficincia dentro do sistema penitencirio nacional (levando-se em conta a complexidade deste termo, onde se engloba o direito locomoo, ao transporte, retirada das barreiras arquitetnicas, informao, e de acesso ao mobilirio urbano), cumpre realar o entendimento de que o indivduo privado de sua liberdade no se encontra, porm, privado de seus direitos garantidos constitucionalmente, norteados pelo prin-cpio da dignidade da pessoa humana (SAVAZZONI, 2009).

    Aps termos visto o que o princpio da dignidade da pessoa humana, conceituado a priso e estudarmos em quais situaes esse princpio foi violado, cabe, por fim, utiliz-lo em casos com presos portadores de necessidades especiais.

    Em nossa legislao, diga-se de passagem, deveras extensa, existem algumas normas especficas acerca da acessibilidade. Contudo, nenhuma delas voltada para a construo ou reforma de presdios e penitencirias, a fim de torn-los aptos a recepcionar presos que possuam alguma deficincia fsica.

    Destarte, utilizando a analogia possvel propiciar aos sujeitos em destaque (deficientes fsicos) uma melhor qualidade no cumprimento da pena privativa de liberdade.

    5 Art. 5. Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garan-tindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes:[...]III ningum ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;[...]XLVIII a pena ser cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;[...]XLIX assegurado aos presos o respeito integridade fsica e moral;[...]

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    Mirabete (2010) explica que a analogia uma forma de auto-integrao da lei, pois na lacuna involuntria desta, aplica-se ao fato no regulado expressamente um dispositivo que disciplina hiptese semelhante (MIRABETE, 2010). Consiste nada mais do que uma extenso de uma norma jurdica de um caso previsto a um caso no previsto com fundamento na seme-lhana entre os dois casos (MIRABETE, 2010).

    Contudo, a analogia somente pode ser aplicada na lacuna involuntria da lei, no sendo cabvel nas hipteses em que a lei processual tem carter inflexvel, taxativo (MIRABETE, 2010).

    Pois bem, necessrio utilizar a analogia no presente trabalho, pois, do estudo a Lei de Execuo Penal constata-se que ela no reserva nenhum artigo para tratar do assunto, qual seja, o cumprimento de pena privativa de liberdade por preso que possua alguma espcie de necessidade especial.

    A realidade urbanstica e arquitetnica da maioria das cidades demonstra que a pessoa portadora de deficincia no consegue sair de casa, do seu espao privado. Enquanto essa situao permanecer, o portador de deficincia est excludo da cidadania, do convvio social, porque lhe negado o direito de adentrar o espao pblico (ASSIS, 2005, p. 470).

    A arquiteta Adriana Romeiro de Almeida Prado, sendo citada pelo doutrinador Olney Queiroz Assis (2005, p. 471) confirma: o que se observa que no h muita preocupao em se projetar objetos, edifcios, espaos e transporte cujo desenho seja acessvel s pessoas com deficincia [...], e que possibilitar a sua integrao ao meio que as cerca seria permitir uma melhor integrao sociedade.

    E no intuito de diminuir as barreiras foram criadas as Leis n. 10.098/2000, 10.048/2000 e 7.853/1989.

    A Lei n. 10.098/2000 estabelece normas gerais e critrios bsicos para a promoo da acessibilidade das pessoas porta-doras de deficincia ou com mobilidade reduzida. Dentre os captulos, destacam-se dois, os quais sero utilizados neste trabalho: captulo quatro e dez.

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    O captulo quatro trata da acessibilidade dos edifcios pblicos ou de uso coletivo. Utiliza-se ele, pois o presente trabalho direcionado adequao das casas penitencirias para a recepo de presos com limitao motora.

    O artigo 11 da Lei dispe que a construo, ampliao ou reforma de edifcios pblicos ou privados destinados ao uso coletivo devero ser executadas de modo que sejam ou se tornem acessveis s pessoas portadoras de deficincia ou com mobilidade reduzida. A fim de se fazer cumprir o disposto, devem existir vagas de garagem disponveis para veculos que transportem pessoas portadoras de deficincia com dificuldade de locomoo permanente, pelo menos um dos acessos ao inte-rior da edificao dever estar livre de barreiras arquitetnicas e de obstculos que impeam ou dificultem a acessibilidade de pessoa portadora de deficincia ou com mobilidade reduzida e os edifcios devero dispor, pelo menos, de um banheiro aces-svel.

    A Lei estabeleceu quais so os parmetros para a adequao de logradouros que, quando de sua construo, no eram obrigados a adaptar seu funcionamento, para pessoa com necessidades especiais. Dentre os parmetros, destacam-se dois, que podem, com tranqilidade, ser utilizados em pres-dios e penitencirias, quais sejam: a liberdade de obstculos que impeam ou dificultem a acessibilidade e o banheiro acessvel, inclusive com equipamentos e acessrios para a utilizao da pessoa necessitada.

    J no captulo dez da mesma lei, h a seguinte disposio:

    Art. 23. A Administrao Pblica federal direta e indireta destinar, anualmente, dotao oramen-tria para as adaptaes, eliminaes e supresses de barreiras arquitetnicas existentes nos edifcios de uso pblico de sua propriedade e naqueles que estejam sob sua administrao ou uso.

    Pargrafo nico. A implementao das adapta-es, eliminaes e supresses de barreiras arqui-

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    tetnicas referidas no caput deste artigo dever ser iniciada a partir do primeiro ano de vigncia desta Lei.

    Art. 24. O Poder Pblico promover campanhas informativas e educativas dirigidas populao em geral, com a finalidade de conscientiz-la e sensibi-liz-la quanto acessibilidade e integrao social da pessoa portadora de deficincia ou com mobili-dade reduzida.

    Veja-se que a partir do primeiro ano de vigncia da norma, deveriam ter sido eliminadas as barreiras arquitetnicas de todas as construes da Administrao Pblica Federal, direta e indi-reta. certo que algumas modificaes j foram feitas, mas ser que somente o que j foi feito basta? O que se percebe que os estabelecimentos penais esto sendo esquecidos pelas autoridades.

    Por sua vez, a Lei n. 10.048/00 veio para dar prioridade ao atendimento de pessoas portadoras de deficincia fsica, dentre outras classes de pessoas com limitao, mesmo que provisria.

    Esta lei muito aplicada em bancos, os quais do atendi-mento preferencial a gestantes, lactantes, pessoas acompanhadas de crianas de colo e aos portadores de necessidades especiais. Mas no nosso intuito tal utilizao.

    O que queremos destacar desta lei o contido em seu artigo quarto:

    Art. 4o Os logradouros e sanitrios pblicos, bem como os edifcios de uso pblico, tero normas de construo, para efeito de licenciamento da respec-tiva edificao, baixadas pela autoridade compe-tente, destinadas a facilitar o acesso e uso desses locais pelas pessoas portadoras de deficincia.

    Tratam-se de modificaes a fim de facilitar o acesso e uso de locais como logradouros e sanitrios pblicos pelas pessoas portadoras de deficincias. Como j salientado, algumas reformas j foram feitas. Outras foram feitas sem foco. Exemplo disso e que muitos fruns no tem adaptaes, muito embora

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    j estarmos no ano de 2010. O frum de Xaxim, por exemplo, sofreu reforma em sua estrutura e aps seu trmino, constatou--se a presena de um elevador (adaptado para deficientes fsicos) para que o necessitado pudesse deslocar-se at o segundo piso do prdio. Muito boa inteno do arquiteto, porm h um problema: no acesso ao frum h somente uma escada, sendo que, se um cadeirante tiver audincia no segundo piso, ter que entrar pelos fundos do prdio, dar uma volta interna at a frente e a sim, utilizar-se do elevador.

    So situaes simples, mas que causam um grande obst-culo pessoa sem acessibilidade.

    Finalmente, a Lei n. 7.853/89, trata do apoio s pessoas portadoras de deficincia fsica, bem como de sua integrao social. Possui ela vinte artigos, todos destinados ao cumpri-mento de sua proposta.

    O artigo primeiro dita as regras gerais para o pleno exer-ccio dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficincias, e sua efetiva integrao social. Em seu inciso cinco, h especificao para a rea das edificaes, conforme se observa:

    V - na rea das edificaes:

    a) a adoo e a efetiva execuo de normas que garantam a funcionalidade das edificaes e vias pblicas, que evitem ou removam os bices s pessoas portadoras de deficincia, permitam o acesso destas a edifcios, a logradouros e a meios de transporte.

    Mais uma vez, a legislao quer que os obstculos arqui-tetnicos sejam abolidos, pois a primeira forma de trazer sociedade o pleno convvio com aqueles que no saem de casa por falta de estrutura para sua recepo. Analogicamente se falando, nas trs leis estudadas as previses so claras, querendo a acessibilidade dos excludos por caladas sem rampas, escadas gigantes e portas minsculas. O legislativo clama pela adequao

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    dos logradouros pblicos e privados, mas parece que a Adminis-trao no quer ver isso. O que se pode fazer ento? Para onde devemos correr?

    Existe tambm outro problema relacionado ao estabele-cimento penal e mantena de presos com deficincia fsica, agora de ordem mdica. A impossibilidade de locomoo faz com que feridas apaream nos membros inferiores dos reco-lhidos, causando maior sofrimento intra-crcere, uma vez que tais ferimentos so de difcil cicatrizao e em caso de no cuidado/tratamento, corre-se o risco de amputao e surgi-mento de cncer no local. Certa tambm a afirmao de que as casas penitencirias no tm assistncia sade.

    Como qualquer pessoa, o condenado suscetvel a contrair doenas, sejam elas provenientes do crcere, ou no. O certo que o estabelecimento penal deve estar provido de profissional habilitado para o atendimento de situaes rotineiras e excep-cionais. Ou seja, necessria se faz a presena de uma equipe multidisciplinar capacitada para atender s necessidades do preso portador de deficincia fsica.

    Diante de todo o exposto, fica a pergunta: qual a impli-cao do Princpio da Dignidade da Pessoa Humana frente s necessidades especiais do preso.

    Como j discutido tem-se por princpio da dignidade da pessoa humana um valor de extrema relevncia que nasce com a pessoa e a acompanham por toda vida. Constitui este valor num mnimo no disponvel que merece ter destaque em qualquer legislao que garanta direitos, como o caso de nossa Magna Carta (MORAES, 2007, p. 80-81).

    Todos os doutrinadores de Direito Constitucional so unnimes ao se referirem ao princpio da dignidade humana como sendo a essncia do ser humano e que ele no apenas mais um direito no meio dos demais: o ncleo dos direitos, pois sem ele talvez os demais no tivessem como ser efetivados (SARLET, 2001, p. 54; KIRST, 2010).

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    Por essa razo, tal princpio deve ser tratado como ouro em cofre, merecendo total segurana em sua preservao. Exemplo disso o limite imposto ao Poder Pblico no sentido de no violar a dignidade da pessoa no exerccio de sua cidadania. Por outro lado, h a determinao ao Estado de concretizar uma vida com dignidade para todos (SARLET, 2001, p. 108).

    Da mesma forma, no restam dvidas de que a dignidade da pessoa humana engloba necessariamente respeito e proteo da integridade fsica e emocional em geral da pessoa (SARLET, 2001, p. 89), tanto que o respeito pela dignidade das pessoas comea em pequenas coisas, em atitudes simples, na consta-tao de que no dia-a-dia que se constri uma sociedade mais digna, justa e solidria (NUNES, 2002, p. IX).

    Neste sentir, a Constituio traz em seu texto diversas garantias e preceitos inerentes ao Direito Penal e pessoa do preso. Dentre esses preceitos est a dignidade da pessoa humana, que apesar de no ser matria especfica possvel sua invocao, por identificar-se com a situao frgil em que ele se encontra (JESUS, 2010). Mas ser que a dignidade humana est presente nos estabelecimentos penais?

    Mesmo estando este princpio previsto no ordenamento jurdico brasileiro, verifica-se sua no consagrao, uma vez que os estabelecimentos carcerrios esto em situao assombrosa, totalmente desprovidos de ateno e considerao por parte do Estado e de seus agentes (KIRST, 2010), mesmo sendo notrio que o princpio em questo irrenuncivel e que existe ainda que o Direito no a reconhea (SARLET, 2001, p. 80-81).

    Assim, bem se sabe que a realidade dos presdios e dele-gacias brasileiras est longe do aceitvel, e mais longe ainda de alcanar a finalidade que lhes deveria ser atribuda (JESUS, 2010). Todos os dias os meios de comunicao mostram situa-es de misria a que so expostos os internos (JESUS, 2010). A pena deixa de apresentar seu carter principal, qual seja, a de ressocializao, apresentando-se aos condenados como tripla punio como destacado:

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    porque primeiramente so punidos pelo juiz; posteriormente, dentro do presdio, ao sofrerem agresses advindas dos prprios pares, ou ento dos agentes carcerrios; e finalmente, quando deixam a priso, seja porque j pagaram sua dvida, ou porque conseguiram regime diferenciado de cumprimento de pena, so punidos pela sociedade (JESUS, 2010).

    Analisa-se de forma crtica a realidade dos estabeleci-mentos carcerrios, demonstrando a total ausncia de condi-es dignas nestes locais, constituindo tal fato grave afronta aos Direitos Humanos e nossa Constituio Federal. Temos, na verdade, uma sociedade e um Estado cujas posturas so carre-gadas de inaceitvel desprezo e omisso em relao s pessoas encarceradas (KIRST, 2010).

    Neste diapaso, evidente que os presos esto sendo condenados a passar fome, passar frio, a viver amontoados, virar pasto sexual e contrair AIDS e tuberculose nos estabelecimentos prisionais (KIRST, 2010). Tudo isso grande afronta nossa legislao constitucional, tanto que Kirst (2010) questiona-se: h possibilidade de se afirmar que no existem penas cruis?

    Nisso tudo v-se um quadro doloroso nos presdios, que retrata um dia a dia repleto de contrariedades em relao ao sistema (KIRST, 2010) positivado em nosso pas. Atrevo-me a dizer, inclusive, que existe uma grande falta de vontade do Estado em investir no setor carcerrio (KIRST, 2010), pois onde existe firme vontade, no h lugar para o fracasso (KIRST, 2010).

    De outro norte, temos o conceito de portador de defici-ncia fsica, sendo uma restrio fsica, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitria, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais vida diria, causada ou agravada pelo ambiente econmico e social (MAZZILI, 2003, p. 514). A defesa dos direitos das pessoas com restries dependem da luta ideolgica no sentido de faz-los prevalecer como contedos da vontade geral (ASSIS, 2005, p. 54).

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    Por mais simples que seja subir escadas, atravessar a rua e pegar um nibus, para o deficiente fsico tudo isso um grande desafio. Digo desafio no no sentido de que seja impossvel para eles, ou que eles so inteis para tanto, mas em razo da falta de conscincia por parte do resto das pessoas que se dizem normais em ver a realidade. Entretanto, todas essas condies em nada diminuem a dignidade do ser humano (MAZZILI, 2003, p. 514), pois os portadores de necessidades especiais sempre superam seus problemas, ao contrrio de muitos de ns, que reclamam da vida.

    Passamos agora a discutir o processo de incluso. Afinal, do que estamos falando quando falamos de incluso? A incluso um conceito amplo trabalhado em vrios campos do conhecimento, cujo sentido vem se constituindo atendendo a diversos interesses (ROBERT, 1999, p. 118). Do dicionrio, incluir significa inserir num ou fazer parte de um grupo (PRIBERAM, 2010). Assim, devemos nos incluir no grupo das pessoas com necessidades especiais e entender seu desenvolver dirio. Perceber que pequenas coisas fazem a diferena. Seria chover no molhado a simples afirmativa de que o deficiente sofre limitaes (ROBERT, 1999, p. 11), pois se coisas conside-radas simples so obstculos que impedem a pessoa portadora de necessidades especiais de se integrar na sociedade, imagine como ser um preso deficiente fsico.

    A administrao dos centros penitencirios fica a cargo do Poder Executivo de cada Estado-membro por intermdio das Secretarias de Justia ou de Segurana Pblica que, obser-vando as regras gerais nacionais sobre Direito Penitencirio, criam as normas suplementares, conforme artigo 24, pargrafo segundo, da Constituio Federal de 1988, que so necessrias disciplina dos estabelecimentos. Mas o que foi feito at agora para assegurar a aplicao do princpio da dignidade da pessoa humana para os presos sem limitao motora? Nada. Imagine ento quanto queles que tm limitao!

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    O que se quer com este trabalho buscar se providencie um mnimo de estrutura nos estabelecimentos penais para a recepo de qualquer modalidade de preso, seja ele considerado normal ou no. A dignidade dentro das casas de privao de liberdade deve ser o mnimo oferecido a eles. Sua condio de pessoas que agem fora dos ditames da lei no deve se estender ao cumprimento de pena, pois sua funo bsica a ressociali-zao. Mas como falar nisso sem dignidade no cumprimento da pena.

    Agora possvel que surja a seguinte indagao: sabe-se o ndice de pessoas portadoras de deficincia que cometem delitos baixssimo e com este trabalho se pretende defender a melhoria de condies somente aos presos possuidores de defi-cincia? Como fica o resto da populao carcerria? Entretanto, a questo requer uma reflexo.

    H quantos anos existe a priso? Muitos. E desde sua insta-lao at os dias de hoje, quais foram as melhoras, em termos de estrutura e condies, para presos normais? Nenhuma. Se at hoje nada foi feitos para eles, o que ser feito para aqueles que precisam de mais ateno?

    Veja-se que no se pretende neste trabalho dar nfase de super stars (estrelas) para os presos que possuem alguma espcie de deficincia fsica, ou trat-los melhor por sua condio. O que se pretende demonstrar a realidade do atual sistema penitencirio, no que concerne falta de estrutura fsica para a recepo de presos com limitao. Utilizou-se o paraplgico como ator principal, mas poderia ser um esquizofrnico ou uma pessoa com epilepsia. O que se pretende com todo o exposto, demonstrar a falta de estrutura nas assistncias fsica, mate-rial, mdica, odontolgica, psquica e social, intra crcere, pois a condio de sujeito privado de sua liberdade no tira seus direitos assegurados pelo Mandamus Constitucional.

    Ademais, outros complexos prisionais j foram inaugu-rados com adaptaes para deficientes fsicos. Exemplo disso o Centro de Deteno e Ressocializao de Foz do Iguau,

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    inaugurado em 23 de outubro de 2008 (REQUIO, 2008), e a Penitenciria de Ribeiro Preto/MG, inaugurada em 15 de agosto de 2000.

    Outra opo para adaptao, no que se refere aos sanit-rios, a substituio dos bois por vasos sanitrios acima do nvel do cho e com barras laterais de apoio, como grande parte dos edifcios comerciais apresentam.

    No que tange s celas, prope-se o alargamento das portas e a utilizao de rampas adequadas e bem feitas, pois somente assim ser dada a devida aplicao do princpio da dignidade da pessoa humana poder ser empregado, satisfazendo a todos os apenados, sejam ou no portadores de alguma deficincia fsica.

    Inegvel que no seria conveniente ou oportuno para a Administrao demolir todos os estabelecimentos penais exis-tentes e construir novos, com as adaptaes devidas, pois seria economicamente invivel. Por isso mesmo, a proposta deste estudo a adaptao daqueles que j esto construdos. Desta maneira, alm de economizar recursos pblicos, j to escassos, o Estado atenderia aquilo que determina a Constituio Federal e as leis especficas.

    Por fim, cabe ainda salientar que a adaptao de espaos nos presdios e penitencirias uma das medidas necessrias para trazer o respeito ao princpio da dignidade da pessoa humana aos encarcerados, obtendo-se com eficincia o fim da ressocializao.

    3 CONCLUSODesde seu nascimento o cumprimento da pena passou por

    diversas mudanas: era ante sala do julgamento definitivo ou servia apenas para castigar religiosos pecadores. Durante sculos as mudanas propiciaram a readaptao da funo das prises, tanto que hoje possui o desafio de integrar o preso sociedade.

    Pela mesma experincia de aprimoramento passaram os princpios. Inicialmente, no tinham relevncia, mas nos dias

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    de hoje desfrutam de patamar inigualvel no ordenamento jur-dico, de tal forma a serem considerados alicerces do sistema, influenciando, inclusive, na tomada de decises.

    E com base nos princpios que as leis infraconstitucio-nais so (ou devem ser) aplicadas. Contudo algumas considera-es merecem destaque.

    A Lei de Execuo Penal, por exemplo, foi criada com o objetivo de efetivar as disposies da sentena ou da deciso criminal a fim de proporcionar condies para a harmnica integrao social do condenado ou do internado e deixa bem claro que no haver qualquer distino de natureza racial, social, religiosa ou poltica.

    Contudo, a mesma lei dispe que os condenados sero classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualizao da execuo penal.

    A vem a pergunta: e se o preso for portador de alguma deficincia fsica? Qual vai ser a forma de individualizar sua pena? Desta forma buscou-se averiguar se o Princpio da Digni-dade da Pessoa Humana est sendo observado na atualidade.

    Baseado nisso, este trabalho visou demonstrar que as casas penitencirias no esto prontas para a recepo de detentos com essas particularidades, e mais, visou inclusive encontrar formas de adequar os estabelecimentos visando, sempre, a rein-sero do mesmo sociedade, uma vez que, no h estudo neste sentido.

    No atinente ao Princpio da Dignidade da Pessoa Humana constatou-se seu pleno entrosamento com o objeto da presente pesquisa, uma vez que no h como se falar em cumprimento de pena, sem o mnimo de dignidade. Por mais que algum tenha cometido um delito, no significa merea tratamento desumano.

    Enfatiza-se novamente que este trabalho no buscou dar tratamento de estrela ao preso portador de deficincia fsica, nem defender a idia de proteo pela sua condio. A susten-tao desta pesquisa baseou-se na demonstrao da falta de

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    estrutura fsica nos estabelecimentos carcerrios da regio oeste de Santa Catarina, quanto a possibilidade de recepo de presos com limitaes fsicas, de modo a reforar a ideia de que sua condio de debilitado no retira seu direito de cumprimento de pena com dignidade.

    Abstract:This study addresses broadly the correla-tion between the Principle of Human Dignity and the inmate with special needs, their maintenance in terms intra-jail. It aims at mapping the physical conditions of prisons, to examine whether legis-lation establishes rules and guidelines regarding the adequacy of legal and physical prison, exami-ning the existence of treatment and support to help care for people with special needs in prison houses, verify that the prisons are appropriate and/or are able to receive prisoners with disabi-lities and to investigate what are the rights that have special needs with the current society. At the end is expected to have contributed to society in order to inform people about the subject matter, namely, the fit of the prison system for the recep-tion of prisoners with physical disabilities, a topic that requires the participation of the entire society and the Government for its solution, for these people also have in their favor the principle of human dignity with regard to compliance with the restriction of their freedom.

    Keywords: Human dignity. Arrested. Special needs.

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