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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA – MESTRADO
Heloísa Maria Alves de Oliveira
O POÇO DA DRAGA E A PRAIA DE IRACEMA: CONVIVÊNCIA, CONFLITOS E SOCIABILIDADES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Sociologia, sob a orientação da Profa. Dra. Linda Maria de Pontes Gondim.
Fortaleza – Ce Outubro de 2006
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HELOÍSA MARIA ALVES DE OLIVEIRA
O POÇO DA DRAGA E A PRAIA DE IRACEMA: CONVIVÊNCIA, CONFLITOS E SOCIABILIDADES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Sociologia, sob a orientação da Profa. Dra. Linda Maria de Pontes Gondim.
Este exemplar corresponde à redação final do texto da Dissertação, defendida e a aprovada pela comissão examinadora em ____/____/____
COMISSÃO EXAMINADORA:
__________________________________________ Profa. Dra. Linda Maria de Pontes Gondim (UFC)
(Orientadora)
______________________________________ Profa. Dra. Beatriz M. Alasia Heredia (UFRJ)
_________________________________ Prof. Dr. Ricardo Figueiredo Bezerra (UFC)
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III
A meus pais:
D. Graça (Mãe), S. Antônio (Pai)
D. Heloísa (Vózinha) e S. Francisco (Vôzinho).
Pelo apoio, confiança e compreensão.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me dado vida, saúde e determinação para concluir essa etapa de
minha vida.
À professora Linda Maria de Pontes Gondim, pelo acompanhamento desde o
primeiro ano da graduação, por seus ensinamentos e lições, guardadas como tesouros.
À comunidade do Poço da Draga, em especial às pessoas entrevistadas, pela
solicitude em me receber em suas casas, e paciência para responder a todas as minhas
perguntas.
Às minhas preciosas informantes-chave, pela amizade e confiança construídos ao
longo dos últimos cinco anos, pelo carinho e atenção durante minha permanência no
campo.
Às minhas pequenas alunas do curso de Inglês, pela carinhosa convivência e por
terem me proporcionado um lugar no Poço da Draga.
À Irmã Ivanir pela gentileza em realizar minha última entrevista.
À Roselane Bezerra, pela proximidade de nossos objetos de pesquisa ter me
proporcionado de sua agradável companhia.
Aos meus amigos do Mestrado, pela troca de experiências e enriquecedora
convivência, em especial, a Daniele Ellery, Kelma Leite, Nágila Drummond e Wellington
Maciel.
Aos amigos Francisco Miranda, Gustavo Guerreiro, Michele Teles, Sara Freitas e
Xênia Mota pelo apoio e amizade construídos dentro e fora da universidade.
À Renata Santos, pela amizade sincera demostrada nos bons e maus momentos.
À d. Lina e d. Lica, pelo acolhimento e compreensão.
Ao Herlon, primo querido, pela torcida, carinho e amizade.
Ao CNPq, pela concessão da bolsa de pesquisa.
A todos que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho.
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“Há quem diga que todas as noites são de sonhos”.
Mas há também quem garanta que nem todas,
Mas somente as de verão.
Mas no fundo isso não tem importância.
O que interessa mesmo
Não são as noites em si
São os sonhos.
Sonhos que o homem sonha sempre.
Em todos os lugares,
Em todas as épocas do ano,
Dormindo ou acordado.”
William Shakespeare1
1 SHAKESPEARE, William. Sonhos de uma noite de verão. São Paulo: Martin Claret, 2005.
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ÍNDICE DE ABREVIATURAS CDPDH Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese
de Fortaleza
CDMAC Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura
CMEFC Centro Multifuncional de Eventos e Feiras do Ceará
DNOCS Departamento Nacional de Obras contra a Seca
FETRIECE Federação Cearense de Triatlon
FUNCET Fundação Cearense de Esporte e Turismo INACE Indústria Naval do Ceará
IAB Instituto dos Arquitetos do Brasil
PLANEFOR Plano Estratégico da Região Metropolitana de Fortaleza
SEBRAE Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa
SEINFRA Secretaria de Infra-Estrutura do Estado do Ceará
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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................................06
1- A CONSTRUÇÃO DA “MODERNA” FORTALEZA NA PRAIA DE
IRACEMA ........................................................................................................................................15
1.1- Novos governantes.....................................................................................................................15
1.2- Praia de Iracema e requalificação urbana...................................................................................17
1.3 - A Ponte Metálica e o Poço da Draga..........................................................................................22
2- O POÇO DA DRAGA DE PERTO: UMA FOTOGRAFIA DO
LUGAR ..............................................................................................................................................26
2.1- O Poço da Draga por detrás dos muros......................................................................................26
2.2- Retratos do Poço da Draga.........................................................................................................27
2.3- “Comunidade do Poço da Draga” ou “Favela do Baixa
Pau”?............................................................................................................................................38
3- O POÇO DA DRAGA DE DENTRO: CONVIVÊNCIA, SOCIABI LIDADES E
CONFLITOS .....................................................................................................................................41
3.1- O “Poço” do Poço da Draga....................................................................................................41
3.2- Outros conflitos......................................................................................................................53
4- A PRAIA DE IRACEMA E O POÇO DA DRAGA: IMPACTOS, MUDANÇAS E
ESTRATÉGIAS ................................................................................................................................59
4.1- O Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura e a ameaça de remoção..........................................59
4.2- O lugar do Poço da Draga na Praia de Iracema requalificada.....................................................65
TABELAS ..........................................................................................................................................76
FIGURAS........................................................................................................................................ 88
CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................................103
BIBLIOGRAFIA ..........................................................................................................................105
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ABSTRACT
This dissertation analyzes how the process of urban requalification of the Iracema
Beach affects the relations of sociability in the Poço da Draga community, and how these
transformations are seen by inhabitants of “favela” and strategies they have used to deal
with the changes. In the last two decades, the squatter settlement has suffered intense urban
intervations run by the State Government especially (the reform of Ponte dos Ingleses in
1994 and the construction of Centro Cultural Dragão do Mar in 1998) and run by the
Municipal Govermment (construction of a water front – “calçadão” and reconstruction of
Estoril restaurant, in 1994 and 2000, respectively). In consequence, the spaces occupied by
Poço da Draga has been claimed by real state and public projects. A recent example of this
is a proposal for construction of the Centro Multifuncional de Feiras e Eventos do Ceará.
The research methodology included interviews, participant observation in the community,
and attendance of meetings organized by residence of association Poço da Draga.
Moreover, I participated as voluntary in a project to add school children with their
homework twice a week, I taught them English. The changes of Iracema Beach in the last
years are reaching the community of Poço da Draga, and contribuiting to modify the
relations of sociability among its inhabitants. Moreover, after the requalification of the
related quarter, some problems of Poço da Draga had been observed such as: the increase of
violence, drug dealing and threat of removing.
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RESUMO
Esta dissertação analisa como o processo de requalificação urbana da Praia de
Iracema afeta as relações de sociabilidades da comunidade do Poço da Draga, e como essas
transformações são vistas pelos moradores da “favela” e as estratégias que os mesmos têm
utilizado para lidar com os efeitos das mudanças. Localizado na Praia de Iracema, bairro
que, nas duas últimas décadas, tem sofrido intensas intervenções urbanísticas realizadas
pelo Governo do Estado (reforma da Ponte dos Ingleses, 1994 e construção do Centro
Dragão do Mar, 1998) e Prefeitura Municipal (calçadão da Praia de Iracema e reconstrução
do Estoril, 1994 e aterro, 2000), o espaço do Poço da Draga vem há décadas sendo bastante
disputado pela iniciativa privada e pelo poder público. Como exemplo mais recente disto,
tem-se a proposta de construção do Centro Multifuncional de Eventos e Feiras do Ceará.
Para o desenvolvimento da pesquisa realizei entrevistas e observações no cotidiano da
comunidade. Participei de reuniões do Fórum da Praia de Iracema e de eventos e festas
organizadas pela Associação dos Moradores do Poço da Draga. Além disso, fui voluntária
no projeto de reforço escolar da comunidade, como meio de me inserir no dia a dia dos
moradores. A pesquisa revelou que mudanças na vida cotidiana da comunidade podem
estar intrinsecamente ligadas a transformações da cidade. Pois modificações que a Praia de
Iracema vem experimentando nos últimos anos, tem atingido o Poço da Draga,
contribuindo para alterar as relações de sociabilidade entre moradores, particularmente no
que se refere à clivagem entre os moradores das ruas principais e do “Poço”. Além disso,
após a requalificação do referido bairro alguns problemas do Poço da Draga foram
acentuados como: o aumento da violência, tráfico de drogas e ameaça de remoção.
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INTRODUÇÃO
A proposta de pesquisa aqui exposta constitui um desdobramento da investigação
levada a termo para monografia em Ciências Sociais na UFC2, a qual teve como tema o
projeto de realocação proposto pelo governo estadual para os moradores do Poço da Draga,
em conseqüência da proposta de construção do Centro Multifuncional de Eventos e Feiras
do Ceará3.
Durante a pesquisa para monografia percebi que havia outros problemas, além da
ameaça de remoção que preocupava os moradores do Poço da Draga e mexia com a vida
deles, como o aumento da insegurança, o estabelecimento de uma “boca de fumo” e o
acirramento dos conflitos entre moradores das ruas principais e outras áreas da
comunidade, entre outros. Posteriormente, fui percebendo que de certa forma, esses
problemas tinham correlação com as mudanças que a Praia de Iracema vinha
experimentando nas duas últimas décadas.
A Praia de Iracema tem sofrido intensas intervenções urbanísticas realizadas pelo
Governo do Estado (reforma da Ponte dos Ingleses em 1994 e construção do Centro Dragão
do Mar, 1998) e pela Prefeitura Municipal (calçadão à beira-mar e reconstrução do Estoril
em 1994 e aterro em 2000). Acompanhando essas modificações do bairro, vieram também
o aumento da prostituição, o tráfico de drogas e a violência local.
Na tentativa de compreender como o processo de requalificação urbana da Praia
de Iracema afeta as relações de sociabilidades da comunidade do Poço da Draga, e como
2 Monografia apresentada em setembro de 2003, com o título: O Poço da Draga “premiado”? O projeto de realocação e a construção do Centro Multifuncional de Eventos e Feiras do Ceará (Oliveira, 2003). 3 Ver capítulo quatro.
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essas transformações são vistas pelos moradores da “favela”4 e as estratégias que os
mesmos têm utilizado para lidar com os efeitos das mudanças, que orientei minha análise.
A década de 1990 foi marcada por fatos importantes para a vida dos moradores
do Poço da Draga. Alguns deles eram exaustivamente repetidos nas conversas e entrevistas
que pude acompanhar, como a saída das Irmãs Josefinas, a invasão da área do Poço por
moradores de “fora”, o aumento do número de evangélicos, em detrimento dos católicos,
além do aumento da violência e o estabelecimento de uma “boca de fumo”. Entretanto,
essas ‘mudanças’ não eram vistas uniformemente por todos. Os antigos moradores
conseguiam vê-las melhor do que os moradores recentes, que pelo pouco tempo de
moradia, não conseguiam comparar os diversos momentos da comunidade.
Não que esses acontecimentos tenham ocorrido exatamente nessa época, pelo
contrário, eles já vinham se processando ao longo do tempo, mas no final da década de
1980 e inicio de 1990, eles tomaram maior vulto. Assim, o recorte temporal da presente
pesquisa foi definido pelos seus próprios sujeitos.
O estudo do Poço da Draga se torna importante, na medida em que reflete a
situação de uma comunidade pobre vizinha a projetos de intervenção urbana. A literatura
sobre o tema revela que as condições de vida dos moradores dessas áreas são, geralmente,
problemáticas, predominando altos índices de violência, desemprego e precárias condições
de moradias (Scocuglia, 2003, Leite, 2001). Além disso, retoma o debate sobre a
“continuidade do problema da favela”(Machado da Silva, 2002) nas cidades
contemporâneas nas duas últimas décadas. E procura rejeitar as concepções que definem os
4 Devido ao estigma associado ao termo “favela”, considerei mais adequada a designação “comunidade”, utilizada pelos próprios sujeitos da pesquisa.
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moradores das favelas como sujeitos manipuláveis e passivos, realçando sua criatividade e
capacidade de ação (Machado da Silva, 2002).
Como já havia mencionado, a pesquisa presente constitui um desdobramento do
estudo finalizado em março de 2003, o qual serviu de base para minha monografia
(OLIVEIRA, 2003). Durante o tempo que estive no campo, pude estabelecer um contato
mais estreito com os moradores. Entretanto, a familiaridade com eles ao mesmo tempo em
que facilitou minha permanência lá, me criou um problema novo. A proximidade social
com o mundo dos pesquisados me dava à falsa impressão de que já conhecia tudo. Os três
anos em que estive por lá, antes de re-iniciar o trabalho de campo para esta dissertação,
fizeram com que eu me acostumasse com a realidade da comunidade, dificultando a
percepção de coisas aparentemente sem importância, mas de grande valia para a
compreensão da sociabilidade dos moradores. Contudo, sabia que precisava fazer o esforço,
como disse Da Matta (1981, p.157), de estranhar o familiar, de perceber como digno de
atenção àquilo que se tinha tornado comum aos meus olhos. Foi no esforço de questionar o
quê me parecia “natural” e comum que empreendi minha análise, foi com essa atitude que
tentei desvendar as relações de conflito entre os próprios5.
Como já havia estado na comunidade no passado, minha relação com os
moradores era a melhor possível. Não houve o impacto do primeiro contato entre
pesquisador e informantes, que costuma acontecer na “entrada” no campo. Já não me
confundiam mais com jornalista, nem com representante do governo; não me olhavam de
cima a baixo, e nem mais sentia aquele olhar questionador em minha direção, como nos
primeiros dias que estive por lá. Agora, mesmo sem entender muito bem o que eu estava
5 Ver capítulo três.
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estudando, sabiam que eu era estudante da universidade e que estava realizando um
trabalho sobre eles.
Alguns moradores se tornaram informantes-chave e mostravam-se bastante
pacientes ao responder às minhas intermináveis perguntas. Muitas vezes fui convidada para
almoçar, tomar um café, fazer um lanche. Alguns informantes, em especial, as mulheres,
chegavam a desabafar questões pessoais como briga conjugais, envolvimento de seus filhos
com drogas, doenças, entre outras.
Mas, para chegar a essas conversas, quase confidenciais, um longo caminho foi
trilhado. Aprendi que, antes de tudo, a pesquisa é uma relação social, e como tal deve ser
encarada. No decorrer do trabalho de campo, tentei seguir as duas regras que pautam a
interação social, conforme Goffman (1980, p.81): “o efeito combinado da regra do auto-
respeito e da regra da consideração devem ser seguidas para que a relação de confiança e
aceitação aconteçam.”
Mas só percebi que havia obtido realmente a confiança e aceitação dos sujeitos
da pesquisa no dia da eleição6 para presidente da associação dos moradores. Mesmo não
sendo moradora do lugar, os integrantes das duas chapas insistiram para que eu votasse,
pois segundo as palavras de um deles, “você é diferente de muitas pessoas que vêm aqui,
você veio para ajudar, por isso já é da comunidade e tem o direito de votar”7. É claro que
não aceitei o convite, mas a proposta me gratificou enormemente.
Minha inserção foi facilitada também por minha participação no reforço escolar
organizado por duas moradoras do Poço da Draga, no período de abril a setembro de 2005.
Uma vez por semana, sempre à tarde, eu ministrava aulas de inglês para crianças na sede da
6 A eleição para escolha da presidência da Associação dos Moradores do Poço da Draga foi realizada na escola Francisca Fernandes Magalhães, localizada na comunidade. A disputa contou com duas chapas. A vitória ficou com a chapa um, composta por membros da atual diretoria, eleita em 04/06/05.
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Associação dos Moradores do Poço da Draga. Além da aula de inglês e reforço nas
matérias escolares, as meninas8 tinham aulas de dança e artesanato, ministradas pelas
pessoas da própria comunidade. A minha entrada no projeto surgiu após um pedido,
disfarçado de convite, durante uma conversa com uma das organizadoras do reforço
escolar, quando esta me relatava a falta de ajuda e situação de abandono que, segundo ela,
estavam submetidos às crianças e os adolescentes do Poço da Draga.
Nesse caso, lembrei-me de Marcel Mauss (1974), quando este fala da dádiva e da
contra-dádiva: estava ali, numa relação de troca, mesmo que assim não parecesse. Estava
ajudando, de alguma maneira, meus informantes, e eles me ajudavam a estabelecer uma
maior aceitação entre eles. Reconhecida na comunidade como professora de inglês, eu
adquiria uma certa imunidade contra qualquer eventualidade que prejudicasse minha
permanência ali. Ou seja, poderia caminhar com mais tranqüilidade por algumas ruas do
Poço da Draga, sem maiores receios, apesar de continuar com pouco acesso à área
dominada pelo tráfico de drogas. Além disso, o fato de ministrar aulas se tornou uma
estratégia metodológica, pois, assim, eu poderia ficar mais informada sobre os
acontecimentos da comunidade, e mais próxima da realidade cotidiana dos moradores.
Durante os sete meses em que desempenhei esse papel, senti que estava ocupando um
“lugar” no Poço da Draga. Assim, pude mostrar que não estava ali como uma interesseira,
que só se aproxima para obter informações e nunca mais volta, nem, tampouco, como
técnica do governo, interessada em tirá-los dali. Apresentava-me como uma espécie de
amiga, para quem eles podiam contar as agruras ou alegrias da vida, e que poderia ajudá-los
algumas vezes, quando fosse possível. Contudo, tive o cuidado de esclarecer que minha
7 Nota de campo realizada em 04/06/05. 8 O reforço escolar era composto somente por meninas, pois segundo a organizadora do projeto, trabalhar com meninas era mais fácil, pois elas eram mais obedientes.
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estada ali era passageira e com um objetivo específico, ou seja, fazer uma pesquisa para a
universidade.
Mais difícil que a minha aceitação pelos moradores da comunidade, foi à saída
do projeto de reforço escolar. O envolvimento com as crianças foi inevitável, o carinho e o
respeito com que era recebida faziam com que eu fosse adiando minha saída. Mesmo
explicando às organizadoras do reforço que a minha permanência ali era temporária,
tornava-se complicado para as crianças compreenderem a razão da minha saída. Inúmeras
foram às vezes que cheguei pronta e decidida a me despedir e na última hora voltava atrás.
Assim como Zaluar (1985), era difícil não ser envolvida pelo drama social, e conservar a
frieza analítica diante de tantas carências. Só saí do reforço às vésperas da escrita da
dissertação, em novembro de 2005.
Entretanto, nem tudo foram flores, durante o trabalho de campo. Encontrei
resistência para adentrar a área conhecida como Poço, pois além de ser de difícil acesso,
cheia de becos apertados e lama por toda parte, o local é vigiado permanentemente por
traficantes de drogas. Diante disso, minha inserção foi restrita em decorrência do medo e
perigo que eles podiam representar para mim. Mesmo sendo conhecida como professora de
inglês e como estudante universitária, resolvi não arriscar maiores contatos com eles.
Quando queria conversar com alguém que residia próximo à “boca de fumo”, pedia a uma
de minhas informantes-chave para me acompanhar. Somente obtive informações sobre o
tráfico de drogas por terceiros, nunca diretamente. As pessoas em geral não gostavam de
comentar sobre o assunto e logo davam um jeito de desviar a conversa.
Da pesquisa, não saí a mesma. Entre a primeira visita, nessa nova fase de
investigação9, em maio de 2004, até a última, em novembro de 2005, muitas coisas
9 A primeira visita ocorreu em fevereiro de 2001 para pesquisa de monografia.
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aconteceram, algumas mais instigantes, outras nem tanto, mas todas valiosas para a
compreensão do meu objeto de pesquisa. Mas, o maior impacto mesmo ocorreu sobre mim,
sobre minha forma de pensar e sobre minha conduta como pessoa e como pesquisadora.
Como observou Geertz (2001, p. 45), “... em campo, aprendemos a viver e a pensar ao
mesmo tempo.”
Como já havia dito, a pesquisa analisou como o processo de requalificação da
Praia de Iracema afeta as relações de sociabilidade dos moradores do Poço da Draga e as
estratégias que os mesmos têm utilizado para lidar com os efeitos da mudança. Para tanto,
realizei entrevistas com diversas categorias de moradores: lideres comunitários,
comerciantes, residentes das ruas principais e do Poço, evangélicos e católicos, entre
outros. O trabalho de campo sistemático transcorreu entre maio de 2004 a novembro de
2005, quando foram realizadas cinco entrevistas com moradores e uma entrevista com a
fundadora da Escola das Irmãs Josefinas. Junto a essas, reuni as 12 entrevistas já realizadas
por ocasião de pesquisa anterior10, e também as realizadas em colaboração à pesquisa de
Vancarder Brito, aluno do doutorado em Sociologia da UFPB. Não me concentrei somente
em entrevistas; utilizei observações, relatos e conversas informais, uma vez que a
observação participante permite captar o comportamento em relação a fatos imediatos, ou
seja, “uma série de fenômenos de suma importância que de forma alguma podem ser
registrados apenas com o auxílio de questionários ou documentos estatísticos, mas devem
ser observados em sua plena realidade. A esses fenômenos podemos dar o nome de os
imponderáveis da vida real” (Malinowski, 1976, p.33).
10 Os entrevistados foram: membros da diretoria da Associação de Moradores do Poço da Draga, moradores da comunidade, técnicos do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos e técnicos da Secretaria de Infra-estrutura do Estado do Ceará.
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Por meio do trabalho de campo, pude participar, junto com meus informantes, do
fluxo da vida cotidiana da comunidade, percebendo como se formam seus laços de
solidariedade e coesão social e de que maneira são construídas suas relações de
sociabilidade. Estive presente não só a reuniões da associação de moradores, mas, também,
a festas do dia das mães e de São João, dentre outras, ouvindo conversas nas calçadas e
confidências nas cozinhas. Assim, pude observar de perto seus comportamentos em relação
a fatos imediatos e anotar seus comentários que, muitas vezes, mostravam-se contraditórios
com afirmações feitas em entrevistas, como foi mencionado.
Além disso, participei das reuniões do Fórum da Praia de Iracema11, para
entender diferentes visões dos participantes, frente às transformações do bairro e o projeto
de requalificação em curso. As informações obtidas a partir de fontes primárias foram
complementadas com o levantamento de notícias nos principais jornais da cidade (O Povo e
Diário do Nordeste) e em outros meios de comunicação, como revistas e Internet. A
elaboração do texto apoiou-se, também, em elementos cartográficos e iconográficos que
enriqueceram a análise.
Reuni, também, uma série de relatórios e estudos do Governo do Estado,
documentos da Associação dos Moradores e, tive acesso aos arquivos do CDPDH (Centro
de Defesa e Proteção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza). Participei de
reuniões para discutir o projeto do Centro Multifuncional e o atual projeto de
requalificação da Praia de Iracema, promovidas pelo governo e por diversos segmentos da
sociedade (UFC, Planefor, IAB e outros), a fim de identificar os diversos discursos que
fundamentam os projetos.
11 O Fórum surgiu através de iniciativa de moradores, comerciantes, artistas, taxistas e associações locais, entre elas a Associação dos Moradores do Poço da Draga, com o intuito de propor melhorias para a Praia de Iracema e reivindicá-las junto ao poder público.
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Estruturei o texto em quatro capítulos. No primeiro, mostro como os projetos de
modernização da cidade implementados pelo poder público estadual e municipal tiveram
papel importante no processo de requalificação da Praia de Iracema. Além disto, apresento
um histórico do Poço da Draga, considerando o contexto de surgimento da “favela”.
No segundo capítulo, faço uma análise das condições físicas e sócio-econômicas
do Poço da Draga, nas décadas de 1970 e 2000. Analiso, também as estratégias dos
moradores na utilização dos termos favela e comunidade.
No terceiro capítulo abordo as relações de sociabilidade entre os moradores da
comunidade. Na primeira parte discuto a heterogeneidade sócio-espacial existente, seu
histórico e seus conflitos. Considero, ainda, como as mudanças que a cidade e a Praia de
Iracema vêm experimentando, nas duas últimas décadas, tem interferido no modo de vida
da comunidade. Na segunda parte dou continuidade à abordagem das relações internas, com
ênfase em outros conflitos do lugar.
No quarto capítulo faço uma reconstituição das tentativas de remoção do Poço da
Draga e abordo os efeitos da construção do Centro Dragão do Mar e sua contribuição para
acentuar os problemas já existentes na comunidade. Além disso, tento mostrar qual lugar é
reservado a uma comunidade pobre vizinha a projetos de intervenção urbana.
Nas considerações finais reafirmo como o Poço da Draga tem sofrido os
impactos das transformações da Praia de Iracema em pólo de lazer turístico, as quais têm
contribuído para alterar as relações de sociabilidade dos moradores do Poço da Draga.
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1- A CONSTRUÇÃO DA “MODERNA” FORTALEZA NA PRAIA DE
IRACEMA
1.1- Novos governantes
A vitória do empresário Tasso Jereissati nas eleições de 1986 para o Governo do
Estado foi baseada num discurso de ‘modernidade’ no sentido de registrar uma
diferenciação em relação ao “coronelismo”, presente na gestão anterior12. Na tentativa de
romper com o ‘atraso’, o ‘moderno’ surge como o principal fio condutor do programa
eleitoral do candidato do Centro Industrial Cearense (CIC)13. Segundo Sousa (2000, p.21),
“O discurso arcaico dos “coronéis” seria substituído, assim, por um discurso de modernização de matizes universalistas, que se pretende atualizado com a globalização econômica e cultural, deitando seus efeitos sobre a própria aparência da cidade, sobre sua funcionalidade e destinação.”
A preocupação com a austeridade financeira e fiscal, a atração de investimentos e o
“marketing político” vão responder pelo elevado índice de aceitação da população e pela
hegemonia da administração dos “governos das mudanças” no Estado. A liderança nas
urnas se deu também nas eleições estaduais de 1990, 1994, 1998 e 2002. Entretanto, o
mesmo não ocorreria nas eleições para prefeito da capital cearense, onde o grupo de Tasso
12 De 1962 a 1986, o governo do Estado do Ceará foi controlado pelos “coronéis” Virgílio Távora, César Cals e Adauto Bezerra, que em regime de acordos, trocas políticas e favores pessoais, dividiam o poder. Vale ressaltar que os três eram coronéis do exército e não eram representantes de oligarquias rurais, já que as bases que sustentavam o coronelismo tinham sido superadas desde a década de 1950, quando começaram a ocorrer grandes mudanças na indústria e agricultura (Gondim, 2000b). 13 Entidade empresarial que congregava a elite jovem empresárial cearense, na década de 1980 (Parente, 2000).
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iria enfrentar a forte liderança política do médico Juraci Magalhães. Este assume a
Prefeitura de Fortaleza em 1989 por ocasião de afastamento do prefeito Ciro Gomes,
integrante do grupo de Tasso Jereissati, que pleiteava as eleições estaduais. Juraci
Magalhães, nessa época era membro do PMDB e aliado do grupo de Tasso. Entretanto,
após a mudança de Ciro e Tasso para o PSDB, o grupo de Juraci Magalhães se tornará seu
principal oponente na disputa pela hegemonia política na capital14.
As administrações de Juraci e de seu sucessor Antônio Cambraia foram marcadas
por obras de impacto (calçadão da Praia de Iracema, viadutos, remodelação de praças e do
Instituto José Frota) e por intenso uso da mídia, onde obtiveram grande êxito junto à
opinião pública15 (Gondim, 2000b).
A política de modernização do Ceará e de Fortaleza inaugurada nas administrações
de Tasso Jereissati (1987-1990, 1995-1998 e 1998-2002) e de Ciro Gomes (1991-1994) foi
marcada por transformações no espaço da cidade, em especial, na região litorânea, no
sentido de transformar Fortaleza em um centro de recepção turística, buscando reforçar a
abertura da cidade para o mar. Embora as políticas públicas realizadas até então reforcem o
papel do Estado como produtor do espaço urbano, sua intervenção não se limita a este
domínio. Por meio de ações organizadas pela Secretaria de Turismo do Ceará e em parceria
com a iniciativa privada, contribuiu igualmente para a construção de imagem turística do
Ceará centrada na Cidade do Sol, a capital (Dantas, 2002). Entretanto, a construção de uma
Fortaleza “moderna” ocorre sem que o Estado e a cidade tenham estendido os direitos de
14 Em 1989, o PSDB aparece no cenário nacional, articulado por peemedebistas descontentes. 15 A hegemonia do grupo de Juraci chega ao fim depois de pouco mais de uma década no poder municipal. As eleições de 2004 elegeram a candidata de oposição Luizianne Lins (PT) para Prefeita de Fortaleza. O candidato apoiado por Juraci, Aloisio, ex-secretário de finanças, é derrotado logo no primeiro turno, demonstrando assim, o fim do ‘reinado’ do “bom velhinho”. Além disso, no seu último mandato (2001-2004) houve uma considerável diminuição de obras de impacto, o que certamente, influenciou na derrota do seu candidato nas urnas.
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cidadania aos habitantes da periferia e aos pobres, em geral. Ao abrir-se para o mundo, para
os que vêm de fora, a cidade parece esquecer dos filhos da terra (Gondim, 2001b).
1.2- Praia de Iracema e Requalificação Urbana
Seguindo o exemplo de outras cidades, como Recife e João Pessoa, o poder público
municipal e estadual intensifica, na década de 1990, a reivenção da Praia de Iracema como
lugar turístico. Em 1994, algumas obras marcariam a história do bairro, como a reforma da
Ponte dos Ingleses, pelo Governo Estadual, a construção do calçadão à beira-mar e a
reconstrução do Estoril em 1994, pela Prefeitura. Em 1998, a construção do Centro Dragão
do Mar de Arte e Cultura, pelo Governo Estadual, marcaria o espaço pela grandiosidade do
edifício, em contraste com o conjunto urbano remanescente da época portuária nas
primeiras décadas do século XX (FIG.1 e 2).
O projeto do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura insere-se no objetivo de
requalificar a área situada na porção inicial da Praia de Iracema, próxima ao Centro de
Fortaleza. A idéia de requalificação16 surge em substituição à idéia de renovação urbana
presente na concepção moderna de espaço urbano, onde predominavam espaços
segmentados, cada lugar com a sua funcionalidade: moradia, trabalho e lazer. Além disso, o
urbanismo modernista provoca a constante renovação de usos e a destruição dos marcos da
memória, através de modificações no espaço urbano. Assim, bairros inteiros são varridos e
seus moradores “expulsos” para dar lugar a espaços de lazer ou de negócios (Harvey,
16 Intervenção em áreas históricas mediante projetos urbanísticos e políticas culturais, implicando muitas vezes em valorização imobiliária local e expulsão dos usuários pobres (Gondim, 2005).
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1993). Com a separação dos usos, alguns espaços acabam se tornando apenas local de
passagem, perdendo a função de lugar de encontro, configurando a “morte do espaço
público” (Sennett, 1995). O livro Vida e Morte nas grandes cidades americanas, de Jane
Jacobs (1961), expressam uma crítica contudente ao urbanismo modernista, denunciando a
perda de vitalidade e o esvaziamento dos espaços de lazer e moradia (Gondim, 2005).
A requalificação urbana surge como a expressão do planejamento pós-moderno. A
produção de novos espaços é construída com base em qualidades estéticas e destinada ao
consumo de grupos sociais de poder aquisitivo mais elevado (Boyer, 1990, apud Gondim,
2005, p. 62). Áreas centrais ou litorâneas são requalificadas por intermédio de projetos de
preservação histórica, aliados a políticas culturais. E surgem como uma estratégia para
supostamente, se recuperar o espaço público, através do acesso a atividades culturais por
diferentes estratos sociais. Entretanto, o que era para ser um espaço híbrido de relações
sociais, acaba por concentrar pessoas de uma mesma classe social, pois o consumo de bens
culturais fica acessível apenas àqueles que possuem capital simbólico e material para
adquiri-los (Gondim, 2005).
Os projetos de requalificação partem de uma concepção mercadológica, do Estado e
da iniciativa privada, pois ambos intervêm no patrimônio como mercadoria cultural e
tomam o cidadão como consumidor. Nessa lógica, quem não se enquadra nesses requisitos,
fica certamente de fora, como moradores e antigos freqüentadores dessas áreas.
No intuito de abrir a cidade para o mundo e atrair pessoas de todos os lugares, as
práticas de intervenção urbana modificam o espaço estrategicamente a partir de políticas
culturais. Com o discurso de democratização do espaço urbano, defendem o acesso livre
aos espaços de lazer e consumo. Entretanto, acabam restringindo o acesso às classes menos
favorecidas quando segmentam e disciplinam certos espaços urbanos para uso extensivo de
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lazer, turismo e consumo. Surgem daí novas barreiras urbanas, algumas imperceptíveis a
olho nu, outras escancaradas, para quem quiser ver. Essas barreiras terminam restringindo a
vida cotidiana pública dos moradores e freqüentadores da área (Caldeira, 2000). O que
antes era espaço de livre trânsito passou a sofrer restrições em nome da disciplinarização do
espaço urbano (Leite, 2004).
Como foi mencionado, nas últimas duas décadas, a Praia de Iracema vem sofrendo
um contínuo processo de mudanças no uso e na ocupação do solo. Transformada em pólo
de lazer noturno, assiste à instalação de equipamentos culturais e serviços em detrimento do
uso residencial de classe média e baixa. A aprovação da Lei de Uso e Ocupação do Solo n0
5122-A, de 1979, favoreceu a verticalização da Av. Beira Mar e provocou uma nova
ocupação na área, principalmente por hotéis e condomínios de luxo. A faixa praiana da
Praia de Iracema seria classificada como ZE-7 pela referida lei, permitindo os mesmos
índices praticados na Av. Beira Mar, o que acarretou a vinda de investidores do setor
imobiliário e donos de bares e restaurantes para o local.
Insatisfeitos com a nova classificação da Praia de Iracema no zoneamento,
moradores e grupos ambientalistas se mobilizam no intuito de barrar as mudanças no uso e
ocupação do solo. Em 1984, conseguem a aprovação de uma lei estabelecendo a área como
Zona de Preservação, com o objetivo de deter a verticalização em curso e estabelecer
diretrizes para compatibilizar os usos residenciais e de lazer. Entretanto, a lei não foi
regulamentada, o que acarretou a construção de edifícios no bairro. A continuidade da Lei
5.122 – A, de 1979, concorreu para a migração de bares, restaurantes, pousadas e pequenos
escritórios para o bairro. A mudança trouxe consigo a valorização dos imóveis, acarretando
a elevação dos aluguéis e provocando a saída de antigos moradores de classe média,
incomodados com a poluição sonora, congestionamentos de trânsito e outros problemas.
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Esse processo de requalificação da orla marítima acentuou-se com a construção do
“calçadão” da Praia de Iracema, entre a Ponte dos Ingleses e o Edifício Lido, em 1994, pela
Prefeitura Municipal de Fortaleza, e a reforma da Ponte dos Ingleses pelo Governo Estadual
nesse mesmo ano (Schramm, 2001).
Com a construção do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura em 1998 e a
conseqüente inauguração de diversos bares e boates no seu entorno, o espaço na sua
vizinhança assume novas feições. Segundo Sousa (2000, p.90), o Dragão do Mar
“...sugere, dentro do universo simbólico que o gerou, a renovação de toda uma gama de significações referentes aos conteúdos, tanto do local onde se encontra a Praia de Iracema de antigas tradições portuárias, poéticas e boêmias, hoje transfiguradas através do lazer e do entretenimento; quanto da própria funcionalidade e destinação da cidade de Fortaleza.”
Inaugurado oficialmente em 28 de abril de 1999, o Centro Dragão do Mar foi
construído numa área de 30.000 m2. Possui dois museus - o de Arte Contemporânea e o
Memorial da Cultura Cearense, uma livraria, um planetário, um anfiteatro, um auditório,
dois cinemas, um cine-teatro, uma sala de recepção, salas de aula, uma loja da CEART,
espaço para lanchonetes, café, praças, e um palco sob a passarela. Em abril de 2002, a
Biblioteca Pública Menezes Pimentel passou a ser interligada ao centro cultural.
O centro cultural funciona de terça a domingo, com uma programação diferenciada.
Na época de realização desta pesquisa, tal programação incluía nas quartas-feiras e quintas-
feiras; concertos, espetáculos de dança, e as sextas e aos sábados, geralmente são
programados grandes shows musicais, além da “passarela da alegria”, onde são
apresentados espetáculos de natureza variada, privilegiando o publico infantil. Aos
domingos ocorre apresentação de corais e um programa de musica erudita. Paralelamente a
essas programações, acontecem mostras de vídeos, apresentações teatrais, concertos e
seminários. O Memorial da Cultura Cearense apresenta uma exposição permanente sobre
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vaqueiros e cultura popular da região do Cariri, e o Museu de Arte Contemporânea exibe
obras de artistas de renome nacional e internacional.
A idéia que presidiu a concepção daquele equipamento cultural era fazer dele um
instrumento de divulgação da cultura local e de articulação com a produção cultural do
Brasil e do mundo, além de movimentar o mercado turístico cearense. Pretendia-se,
também, construir um espaço democrático, que possibilitasse o convívio de diversas
camadas sociais e que simbolicamente, amenizaria as desigualdades existentes no dia a dia,
além de atrair outros equipamentos culturais para o seu entorno.
Com a construção do Centro Dragão do Mar, a antiga área da Prainha, local que
antes abrigava as instalações portuárias de Fortaleza desde a segunda metade do século
XIX (FIG.3) e onde se formou a comunidade do Poço da Draga, foi simbólica e
materialmente incorporada aos limites da Praia de Iracema. A transferência das instalações
portuárias para o Mucuripe na década de 1940, acarretou a estagnação da Prainha até a
década de 1998, quando ocorreu o início das atividades do Centro Dragão do Mar. A
implantação deste equipamento cultural resultou em mudanças no uso do seu espaço
envoltório, com o surgimento, principalmente, de estabelecimentos de lazer noturno, que
anteriormente se concentravam na Rua dos Tabajaras (Schramm, 2001). A relativa
“invisibilidade” do Poço da Draga proporcionada por sua localização por detrás dos muros
da Caixa Econômica Federal (FIG.4) parece ter terminado em decorrência das intervenções
urbanas na porção inicial da Praia de Iracema, trazendo sérios efeitos, para a vida dos
moradores da comunidade, e alterando, as relações de sociabilidade entre eles, como será
visto.
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1.3- A Ponte Metálica e o Poço da Draga
“A história assim o pescador narrou na Praia de Iracema,
o primeiro cais se instalou, na ponte metálica,
as primeiras riquezas aqui chegou e escoou.
O povo trabalhador, se fixou na redondeza,
portuários, estivadores, ferroviários, pescadores.
O Ceará cresceu, a ponte envelheceu, o povo e sua história se
perdeu ...”17
A história do Poço da Draga está estreitamente ligada à história de Fortaleza, e,
mais particularmente, da Praia de Iracema e às tentativas de estabelecer um porto para a
cidade. Na década de 1880, o engenheiro inglês John Hawkshaw projetou um quebra-mar
que acabou “reduzido a um paredão sem utilidade”, devido a problemas de assoreamento
(Girão, 1997, p. 213). No local, formou-se uma pequena bacia de águas paradas – de onde
se originou a denominação Poço da Draga: “o mar jogava água por cima do paredão. E
tinha um guincho, ou melhor, uma draga, que puxava a água para o outro lado” (Rodrigo
de Almeida, O Povo, 26 jul. 1997, p.07). Posteriormente, em 1906, foi construído um cais,
reformado em 1928 - a chamada “ponte metálica”, na altura da Alfândega, toda de ferro,
com piso de madeira (Girão,1997) (FIG. 3 e 5). Era lá que aconteciam o embarque e
desembarque de mercadorias e pessoas, levadas por lanchas e botes até o navio. É em torno
dessa velha ponte e do antigo porto que se desenrola a história do Poço da Draga.
Entre as décadas de 20 e 30 do século XX, Fortaleza presencia grande procura de
terrenos pelos trabalhadores de baixa renda, nas imediações do porto e das fábricas
17 Trecho de poesia de morador do Poço da Draga, declamada por ele por ocasião de entrevista em 27/04/02.
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localizadas na parte oeste da cidade (Silva, 1992, p.61). Começa, aí, o processo de
favelização da cidade que se estenderia por todo o século XX até os nossos dias,
agravando-se com as migrações devido às secas18 no interior do Estado. Pesquisa realizada
por Gaspar (1970) com amostra de 50 chefes de família do Poço da Draga constatou que
64,00% deles provinham do interior do Estado. Muitos vinham à procura de emprego nas
áreas central e do porto, ou dedicavam-se a pequenos negócios, como foi o caso da
moradora mais antiga do Poço da Draga - hoje com 80 anos, há 70 anos residindo na
comunidade:
“... eu nasci em Juazeiro do Norte, Juazeiro de Padre Cícero. Eu nasci lá, mas a minha mãe tinha uma loucura para vir aqui para Fortaleza (...) a amiga da minha mãe chamou ela para vir para cá, aí ela veio, eu era pequena, pequenininha mesmo. Aí viemos para cá, ficamos aqui no [Poço da Draga], minha mãe botou um botequim para vender comida (...) e minha mãe alugou uma ‘gurita’19 e foi morar comigo e ela” (Entrevista realizada em 02/10/02)
A construção do Porto do Mucuripe, em meados da década de 1940, iria provocar
mudanças significativas na estrutura da cidade e, particularmente, na Praia de Iracema. Um
dos efeitos foram alterações no movimento das correntes marinhas, que atingiram
violentamente a Praia de Iracema, além das praias do lado oeste do porto. A erosão da faixa
de terra e o avanço das marés acarretaram a destruição do casario e a expulsão de
moradores e pescadores do local. Muitos destes se mudaram para a área do novo porto, no
Mucuripe; outros localizaram seus casebres na área do Poço da Draga. Essa área, nos seus
primórdios, não tinha todas as características de uma favela, como elevada densidade e
sérios problemas de saneamento. Na verdade, o grupo de pescadores que iniciou a
18 As maiores secas ocorridas no Ceará foram as de 1877-79, 1888, 1900, 1915, 1932, 1952, 1958, 1980-84 e 1992-93. 19 As ‘guritas’ eram casebres de madeira, construídos sobre palafitas, pois a antiga área do Poço da Draga era alagada pela água do mar, sobretudo durante as quadras invernosas (Sousa, 2003).
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ocupação do terreno sofreu um processo de favelização, entendida como a deterioração da
área, em decorrência do crescimento da população, da falta de serviços públicos e da
ausência de saneamento básico. Cerca de três décadas depois da ocupação inicial, as
precárias condições de moradia foram assim relatadas em uma matéria jornalística de 1976:
“(...) A área é suja, o mau cheiro está no ar, o local se alaga freqüentemente, as condições de vida dos moradores é (sic) a pior possível (...) Alguns passam dias e dias [no mar] e o apurado não dá sequer para a alimentação da família. Vender? Só quando sobra. (...) e assim, vão passando pela vida, sempre ligada ao mar... (...) as mulheres consertam as velas que chegam rasgadas. Meninos e cachorros (como tem) brincam no pano branco, de muitos remendos. O cheiro de peixe está no ar, está no estômago, na vida de todos eles.” (Jornal O Povo, 13 de julho de 1976. O Poço da Draga Desapropriado. Apud Schramm, 2002, p. 94).
O local abrigava uma concentração de casebres ao longo do trilho do trem e uma
ampla área em que corre o riacho Pajéu, onde mulheres lavavam roupas e crianças
brincavam (FIG. 6 e 8). Os trilhos que ainda hoje atravessam o Poço da Draga resultam de
1879, quando foi instalado um ramal ferroviário com a função de fazer a ligação com o
porto. A ferrovia servia como principal meio de transporte de mercadorias do interior para
o litoral fortalezense. Em 1903, a Praia de Iracema contaria também com bondes de tração
animal, a chamada “linha da praia”, que partia do antigo mercado e findava na Alfândega
Velha. Os trilhos desativados no inicio da década de 1980 percorriam toda a rua Gerson
Gradvol e terminavam na Cidal20. As lembranças da época em que o trem passava ainda são
bem vivas na memória dos moradores do Poço da Draga, conforme disse uma moradora:
“...Minha casa foi construída à beira dos trilhos, uma vez aconteceu do trem carregar um pedaço do meu telhado, que tinha acabado de ser feito, a gente era tão acostumado que conhecia até os maquinistas. Eles começavam a apitar desde ali da Sefaz (Secretaria da Fazenda do Estado de Ceará) para a gente tirar os meninos da rua...” (Entrevista realizada em 20/10/05)
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Posteriormente, na segunda metade da década de 1970, a área passaria por
mudanças em seus limites territoriais com a instalação de um estaleiro, a Indústria Naval do
Ceará. De lá para cá, a comunidade sofreu inúmeras modificações, tanto do ponto de vista
físico como social, como será visto adiante.
20 Antigo depósito de óleo de mamona. Foi desativado juntamente com a linha ferroviária.
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2- O POÇO DA DRAGA DE PERTO21: UMA FOTOGRAFIA DO
LUGAR
2.1- O Poço da Draga por detrás dos muros
Situado em frente ao mar, o Poço da Draga limita-se, também, com as avenidas
Pessoa Anta, Almirante Tamandaré e Rua Boris (FIG.7). A comunidade fica comprimida
entre o prédio histórico da Caixa Econômica Federal, na Rua Pessoa Anta, e os galpões da
Indústria Naval do Ceará (INACE) (FIG.9), que formam verdadeiros “paredões”,
separando-a fisicamente das marcas do “progresso” à sua volta e impedindo-a de ser vista
por quem passe por ali. Essa relativa invisibilidade tem sido reforçada pelo poder público,
quando exclui dos programas sociais os moradores daquela área. A existência da “favela”,
por vezes, chega a ser posta em dúvida por quem nunca leu nada sobre ela – e muito tem
sido escrito, seja no meio acadêmico (Gaspar, 1970; Feitosa, 1998; Gondim, 2001; Sousa,
2001; Oliveira, 2003), seja nos jornais. Nestes, o Poço da Draga tem sido objeto de diversas
reportagens, especialmente após a construção do Centro Dragão do Mar.22
A rua principal do Poço da Draga denomina-se Viaduto Moreira da Rocha (FIG.10
e 11), o mesmo nome do logradouro que, no início do século, fazia o escoamento das
mercadorias do antigo porto (Costa, 1998). Esse logradouro bifurca-se uns 150 metros após
a entrada da “favela”, dando lugar à rua Gerson Gradvol (FIG.12 e 13). Há, ainda, uma
terceira rua que delimita a área: Guilherme Blum (FIG.15); duas travessas: Cidal (FIG.16) e
21 Alusão ao artigo de José Guilherme C. Magnani. De Perto e de Dentro: notas para uma etnografia urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 17, n. 49, jun.2002, p. 11-29. 22 Ver Bibliografia Preliminar, item periódicos.
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Estaleiro; e numerosos “becos” (passagens estreitas, cuja largura, por vezes, mal dão acesso
a uma pessoa) (FIG. 14).
A não ser pela irregularidade do traçado das vias, com ruas sinuosas e becos
estreitos, e pelo fato de os moradores não possuírem titulo de propriedade do terreno que
ocupam, algumas áreas da comunidade se parecem com bairros periféricos de Fortaleza.
Nas duas primeiras ruas, a arquitetura das edificações, bem como o uso e a ocupação do
solo diferem bastante do aspecto comumente atribuído a áreas faveladas, tal como
divulgado pela mídia. Portões gradeados, casas de alvenaria com dois pavimentos (algumas
com até cinco quartos), carros na garagem, comércio varejista, confecções, armarinhos,
ateliês – esse é o cenário que compõe a comunidade do Poço da Draga (FIG. 11,12,13, 16 e
17). Naquelas duas ruas circula o trânsito: por elas passam o carro do lixo, carros com
autofalantes anunciando pão, verduras ou frutas, e a viatura da polícia, em suas rondas
habituais. A rua Viaduto Moreira da Rocha (FIG. 18) parece não ter perdido sua antiga
função da época do porto, quando por lá escoavam mercadorias e era local de muito
movimento de pessoas e cargas.
2.2- Retratos do Poço da Draga
2.2.1- Condições habitacionais
Ao longo dos últimos 30 anos, casas de madeira foram substituídas por construções
de alvenaria, o chafariz deu lugar à água encanada e as inundações foram amenizadas por
obras de drenagem. Segundo levantamento realizado pela Seinfra em 2001, 92% das casas
tem paredes de tijolos (ver Tabela 01), sendo que em 83,27% delas, o piso é de cimento ou,
em 8,75% dos casos, de cerâmica (ver Tabela 02). Na década de 1970, as condições de
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moradias eram bem mais precárias, pois segundo Gaspar (1970), 70% das casas23 eram de
madeira (ver Tabela 03) e apenas 34% tinham piso de cimento (ver Tabela 04).Uma
comparação entre as edificações que apareceram na FIG. 8 com aquelas mostradas na FIG.
11, ilustra bem as mudanças ocorridas no Poço da Draga, como relata um membro da ex-
diretoria da Associação dos Moradores do Poço da Draga:
“As casas melhoraram muito. Era casa de taipa, pouca casa de tijolo. Hoje tem dúplex. Na época, não tinha nada disso não, era casinha de taipa, casinha de madeira. Tinha muita casinha de madeira por aqui, depois foi que o pessoal foi ajeitando, ajeitando, chegou no que está, com dúplex e tudo. Hoje aqui não é mais favela, é um bairro”.(Entrevista realizada em 16/08/02)
A melhoria das casas pode significar uma mudança na imagem local, pois ter uma
casa dúplex significa compartilhar os signos da parte nobre da cidade. Passar de favela para
bairro seria sair da clandestinidade e ingressar na cidade formal, implicando ser aceito
como cidadãos pelo restante da cidade.
Embora o número médio de pessoas por família seja relativamente pequeno, 3,68%,
boa parte (29,38%) dos imóveis locais tem somente um ou dois cômodos. A maioria
(53,23%) tem entre três e cinco cômodos, registrando-se 17,48% de imóveis com seis
cômodos ou mais, incluindo-se neste percentual 12 residências com oito cômodos ou mais
– o que expressa a diversidade da tipologia habitacional da comunidade (ver Tabela 05).
Dificilmente, encontramos uma família nuclear, constituída por pai, mãe e filhos;
pelo contrário, as famílias do Poço da Draga são numerosas e repleta de tios, avós,
sobrinhos e primos. Conforme levantamento da Seinfra (2001), 28 famílias partilham o
domicílio com outras famílias. A coabitação geralmente ocorre assim: o chefe da família
23 Nada consta no cadastro realizado pela Seinfra em 2001 sobre o tipo de cobertura das casas comumente usado por moradores do Poço da Draga. Entretanto, durante meu trabalho de campo, pude perceber que a maior parte delas são cobertas por telha.
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cede um quarto da casa para o filho casado ou, quando existe terreno nos fundos da casa
paterna, se constrói uma casa para abrigar a nova família. Não é incomum encontrarmos até
três gerações morando numa mesma residência.
Pode-se afirmar que a comunidade é bem atendida por serviços públicos de água e
energia, pois 84,79% das casas possuem abastecimento d’água (ver Tabela 06) e 90,11%
possuem energia elétrica (ver Tabela 07). Um pequeno número de moradias (4,56%),
porém, ainda depende de energia clandestina e 5,32% não têm nenhum fornecimento de
energia (ver Tabela 07). Entretanto, as condições sanitárias são bastante precárias, pois
somente 6,46% das casas possuem esgoto da rede pública (ver Tabela 09), e 16,73% das
famílias não possuem banheiro em suas casas (ver Tabela 11).
Segundo a Seinfra (2001), 70,10% das ruas do Poço da Draga têm calçamento,
enquanto que 26,24% possuem outros tipos de pavimentação (ver Tabela 08). Com a
drenagem feita em 1996, amenizaram-se as enchentes e as perdas materiais que sempre
ocorriam durante as quadras chuvosas (FIG.19). No entanto, o que foi alivio para uns,
tornou-se tormento para outros. A água que antes invadia as casas do Poço da Draga foi
canalizada para a parte mais baixa do terreno, causando inundações para as moradias
situadas nessa área. Nela podem-se ver casas de madeira ou taipa, com portas
improvisadas, esgoto a céu aberto e precárias condições de habitabilidade (FIG. 20, 21 e
22).
É inegável a diferença tanto física como social das duas partes do Poço da Draga.
Um rápido passeio no local vai revelar as disparidades. As condições de moradia,
sanitárias, pavimentação das ruas principais são superiores a área mais baixa. Para esta
estão reservados os esgotos a céu aberto, a casa de taipa, o lixo, e principalmente, o
preconceito, como será visto. Segundo Feitosa (1998, p.196), “há uma grande
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heterogeneidade de pessoas e objetos materiais na comunidade. É preciso cautela ao
definir o perfil do favelado, para não dar a impressão de uma população homogênea (. . .).
A favela tem mil faces...”
Por lá não há condições de circulação de veículos, pois a área é constituída por
inúmeros becos repletos de casas comprimidas.
Muita coisa continua como antes, como constatou o levantamento da Seinfra
(2001): a precariedade dos serviços de saneamento, a ameaça de remoção e o desemprego
são coisas que não foram superadas com o passar do tempo; estão presentes nas falas dos
moradores, nas reivindicações da Associação e nas ruas da comunidade.
Ao longo dos anos, muitos benefícios se perderam. Em 1970, a comunidade possuía
duas escolas: a Comandante Fernando Cavalcante (FIG. 24), dirigida pelas Irmãs
Josefinas, congregação católica subordinada à Catedral de Fortaleza, com apoio do Padre
Tito; e a Escola São Pedro, associada à Colônia de Pescadores Z-18 (FIG. 25), que
congregava os pescadores do local (Gaspar, 1970). Havia também um posto de saúde24 no
local, o qual deixou de funcionar em 1993 (FIG. 26). Até 2002, nesse mesmo prédio,
funcionava uma escola infantil, a Escola Francisca Fernandes Magalhães (FIG. 27),
mantida pela Prefeitura Municipal de Fortaleza, em parceria com o Rotary Clube. Essa
escola foi desativada em 2002 pela Prefeitura Municipal, alegando que poucos alunos
estavam matriculados, e reservou o local para guardar materiais de construção. Entretanto,
em junho de 2003, o prédio tornou-se sede da Associação dos Moradores do Poço da
Draga. No local funciona todas as tardes o projeto Reforço Escolar, do qual fiz parte, como
foi mencionado, e à noite um curso de inglês para adultos. Além disso, nos finais de
24 Por ocasião de reunião do Fórum da Praia de Iracema em 26/04/05, o secretário da Regional II, Rogério Pinheiro anunciou a promessa da Prefeitura Municipal em reabrir o posto de saúde Edmilson Barros de Oliveira.
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semana, o prédio é ocupado por aulas de hip hop para jovens25. Atualmente, só existem nas
imediações da comunidade a Escola de Ensino Fundamental e Médio Elvira Pinho,
localizada na rua dos Tabajaras, que atende aos moradores do Poço da Draga e da Praia de
Iracema. Há também uma quadra de futebol de areia, construída em junho de 2003, em
frente à ponte metálica, que serve de lazer aos moradores (FIG. 28).
Segundo cadastro Seinfra (2001), 91,25% das residências no Poço da Draga são
“próprias” (ver Tabela 12), ou seja, os moradores não detêm o titulo de propriedade do
terreno que ocupam, mas residem no local há mais de 20 anos e, portanto, consideram-se
“donos” de seus imóveis.
O terreno ocupado pelo Poço da Draga é considerado terreno de marinha, ou seja,
de propriedade da União, e, portanto, não se beneficia do usocapião, instituído em 2001
pelo Estatuto da Cidade. Tal instituto somente beneficia as populações de baixa renda que
tenham ocupado área urbana de até 250 m2, de propriedade particular, sem contestação por
um período de cinco anos ou mais. Como área do Poder Público Federal, a regularização
fundiária do Poço da Draga poderia efetuar-se através da Concessão de Direito Real de
Uso, existente desde 1967:
“A Concessão de Direito Real de Uso (...) foi instituída através do Decreto-lei n0 271, de 28 de fevereiro de 1967, que dispôs, também, sobre loteamento urbano e concessão do espaço aéreo. A CDRU pode ser definida como um direito real resolúvel, aplicável a terrenos públicos ou particulares, de caráter gratuito ou oneroso, para fins de urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra ou outra utilização de interesse social”.(ESTATUTO DA CIDADE, 2001, p. 187)
Outro instrumento de regularização fundiária é a Concessão de Uso Especial para
Fins de Moradia, instituída pela Medida Provisória n0 2.220 em 05 de setembro de 2001,
logo em seguida à aprovação do Estatuto da Cidade. Tal instrumento visa atender à função
25 Entrevista realizada com jovem morador, integrante do movimento Hip Hop, em 25/05/05.
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social da propriedade, através da concessão de uso à população de baixa renda que esteja
ocupando imóveis públicos urbanos. O documento pode ser concedido individual ou
coletivamente a famílias que possuírem como seu por cinco anos ou mais, sem oposição,
imóvel público urbano de até 250 m2. O título será obtido por via administrativa ou judicial
e poderá ser requerido individual ou coletivamente ao ente federativo que tem a
administração do imóvel público. Assim, a outorga do título torna-se mais acessível à
população do que a outorga por via legislativa, como exige a Concessão Real de Uso.
Entretanto, é importante ressaltar que o título é apenas uma concessão do poder público do
imóvel a quem estiver na posse do bem, e não uma transferência de domínio (ESTATUTO
DA CIDADE, 2001).
Segundo a Associação dos Moradores do Poço da Draga, a comunidade teria
obtido a Concessão do Direito Real de Uso, requerida em 1999, que assegura, através de
registro imobiliário, o direito de propriedade para os moradores. Entretanto, o documento
obtido junto ao Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese, que
encaminhou a solicitação, é apenas um ofício do Deputado Federal Adolfo Marinho Pontes
ao Governador Tasso Jereissati, para que este solicitasse ao Presidente da República da
época, Fernando Henrique Cardoso, a Concessão do Direito Real de Uso, a fim de
promover a urbanização da área. Segundo a Associação e CDPDH, o documento
concedendo a cessão estaria de posse do Governo do Estado, mas até o presente momento,
não consegui confirmar essa informação. Vale lembrar que a Concessão de Direito Real de
Uso funciona como garantia de permanência temporária da comunidade na área, mas não é
equivalente ao título de propriedade.
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2.2.2- Situação demográfica e social
Segundo estudo realizado por Luciano Gaspar, em 1970, a comunidade era
constituída por 500 casas e uma população estimada em 3.020 pessoas26, onde 64% destas
provinham do interior do Estado do Ceará (ver Tabela 13). Hoje, a situação se inverteu,
pois 60,48% são naturais de Fortaleza (ver Tabela 14). Segundo a mesma fonte, em 1970,
22% dos moradores residiam há mais de 20 anos no lugar (ver Tabela 15), enquanto que
em 2001 (Seinfra), esse percentual subiu para 45,36% (ver Tabela 16).
Atualmente, a população é de aproximadamente 1.071 pessoas, divididas em
aproximadamente 300 famílias27. Note-se que houve um decréscimo da população do Poço
da Draga, nos últimos 30 anos. Um dos fatores que pode ter contribuído para essa
diminuição foi a saída dos pescadores que residiam na área para dar lugar a um estaleiro
naval. Há um grande número de crianças e jovens, dos quais cerca de um terço está em
faixas etárias compreendidas entre zero e 15 anos, e 21,28% têm entre 15 e 25 anos (ver
Tabela 17). Em 74,23% dos casos, as mulheres são responsáveis pelo sustento da família e
pela educação dos filhos (ver Tabela 18). São elas também, as mobilizadoras locais, pois a
associação dos moradores é composta predominantemente por mulheres e uma delas a
presidiu por mais de 10 anos.
Os moradores atuais do Poço da Draga são, em parte, filhos, netos ou bisnetos de
pescadores, estivadores, portuários e pequenos comerciantes da época do antigo porto. Se
26 Nas 50 casas entrevistadas, residiam 302 pessoas, segundo Gaspar (1970). Dividindo 302 pessoas por 50 casas, encontraremos uma média de 6,04 pessoas por domicílio. Multiplicando esse valor por 500, teremos uma população de aproximadamente 3.020 pessoas. 27 O levantamento cadastral realizado pela Seinfra em 12 de novembro de 2001 cadastrou 291 famílias e constatou a existência de outras 21 que, por motivos não especificados, não foram cadastradas. A população de 1.071 pessoas refere-se aos integrantes das famílias cadastradas.
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antes o porto era o grande atrativo para a população pobre, agora, o que estimula a
permanência da comunidade no local são as oportunidades de empregos ou “bicos”,
proporcionadas pela proximidade ao Centro da cidade e aos pólos turísticos da Praia de
Iracema e Av. Beira Mar.
Hoje, os moradores do Poço da Draga exercem ocupações diversificadas: são
costureiras, donas de casa, estudantes, guardadores de carros, auxiliares de serviços gerais,
vendedores ambulantes, pintores ou cozinheiros, dentre outras. Entretanto, em meio à
profissões comumente encontradas nas camadas sociais mais pobres, encontram-se
também profissões mais comuns em estratos sociais médios, como professores e
comerciantes: segundo a Seinfra (2001), 3,73% da população ativa do Poço da Draga são
comerciantes e 0,65% são professores. (Ver Tabela 19). Apesar do baixo índice de
comerciantes, como demonstra a referida pesquisa, um olhar mais de perto vai mostrar
como é expressivo o comércio local.
As ruas do Poço da Draga são repletas de pequenos estabelecimentos comerciais,
mais conhecidos como “bodegas” por seus moradores. As “bodegas”, geralmente, são
construídas no local onde antes havia uma sala ou uma garagem, na casa do proprietário:
na parte da frente do imóvel fica o comércio e na parte de trás, a residência. Nos casos dos
grandes comércios (FIG.23), geralmente, o proprietário constrói sua casa em cima do
estabelecimento, de forma a aproveitar o espaço do térreo para o negócio. Os comércios
são bastante variados: encontram-se desde gêneros alimentícios até material escolar. Além
das tradicionais “bodegas”, os moradores também contam, toda tarde, com a visita do
“carro do pão”, como é conhecido pelos moradores, e do seu alto falante anunciando a
chegada de pães, biscoitos, massas e bolos. As formas de venda são as mesmas nos
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pequenos e grandes comércios do Poço da Draga: todos, sem exceção, adotam o crédito da
caderneta, ou seja, vendem “fiado”. E são unânimes em afirmar que o “fiado” sustenta as
vendas, pois sem ele fica difícil manter o negócio, como disse uma comerciante local:
“Vende, todo mundo vende [fiado]. O comércio aqui não vive sem o fiado. Não vive, porque o que chama a clientela é o fiado. Se não tivesse, nem todo dia você tem dinheiro para comprar as coisas que você quer comer, vestir alguma coisa...” (Entrevista realizada em 01/11/2005)
Esse tipo de crédito informal revela a fragilidade do poder aquisitivo dos moradores
do Poço da Draga. Com efeito, o poder de compra da maioria é bastante reduzido, pois
59,79% dos chefes de família ganham até um salário mínimo (ver Tabela 20), sendo que
apenas 7,90% ganham mais de três salários mínimos. A renda mensal de 57,04% das
famílias (ver Tabela 21) não ultrapassa três salários mínimos, e 6,19 % das famílias não
tem renda. Muitos dependem de cestas básicas conseguidas pela Associação de Moradores
ou da ajuda dos vizinhos, que, na maioria das vezes, são os grandes “salvadores”.
Entretanto, 18,56% dos moradores desfrutam de uma realidade mais amena, pois possuem
renda familiar acima de cinco salários mínimos e são detentores de bens típicos de classe
média, como automóveis e computadores, por exemplo. Tais consumidores podem ser
identificados entre comerciantes, funcionários públicos e prestadores de serviços, dentre
outros.
As condições de trabalho dos habitantes do Poço da Draga são bastante precárias:
70,28% dos que trabalham não têm carteira assinada, e muitos vivem de “biscates” ou da
prestação de serviços pouco qualificados, como foi mencionado (ver Tabela 22). Citado
sempre nas conversas ou nas entrevistas, o desemprego é uma preocupação constante,
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atingindo, 43 moradores da população ativa28. Além disso, 3,45% dos moradores estão sem
ocupação, fora os que dependem da renda do chefe de família, como os estudantes
(21,76%) e as donas de casa ( 9,62%) (ver Tabela 19).
Alguns moradores atribuem o desemprego à “vagabundagem” dos que “só querem
vida boa, ou têm preguiça de estudar”, considerando que sem estudo fica difícil conseguir
um lugar no mercado de trabalho. De fato, 5,79% dos moradores do Poço da Draga são
analfabetos, 53,41% não têm o ensino fundamental completo, e apenas 8,50% conseguiram
terminar o ensino médio (ver Tabela 23). Apenas duas moradoras conseguiram ingressar
na universidade29.
A instrução seria uma ponte para uma vida melhor, possibilitando aumento de
renda e acesso a melhores condições de habitação, educação e saúde e, mais do que isso,
dignidade, conseguida através do trabalho. Ciente das exigências do mercado de trabalho,
os moradores apontam o estudo como uma saída para quem não possui herança familiar ou
um “grande peixe na praça”. Como disse um deles, nascido no Poço da Draga,
“... O problema é ter quem queira aprender, porque tem gente que não quer nada com serviço, e nem com estudo e nem com nada. (...) Tem muita gente nova que precisa fazer um curso, quem não tem um segundo grau hoje não resolve nada, nem para vigilante serve. Tinha um rapaz que era vigilante, mas ele tinha só a quarta série e botaram para fora.” (Entrevista realizada em 20/11/02).
Entretanto, estar desempregado não quer dizer estar sem ganho na comunidade do
Poço da Draga. Muitos “se viram” com “bicos”: um dia catam papel, noutro fazem
serviços de pedreiro, serviços esses facilitados pela localização da comunidade. Residindo
28 Segundo cadastro Seinfra realizado em 2001, o dado foi obtido dos familiares por ocupação econômica e chefes de família. 29 Os cursos são: Direito - FIC (Faculdade Integrada do Ceará) e Pedagogia - UNIFOR (Universidade de Fortaleza). Entretanto, na tabela 23 consta apenas uma pessoa cursando nível superior, pois a outra ingressou após levantamento da Seinfra.
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perto do centro da cidade, os moradores têm mais oportunidades de ganhar dinheiro,
argumento esse que usam para resistir a uma possível remoção da “favela”. Como mostra a
tabela 24, 38,61% dos moradores trabalham no mesmo bairro que moram. Assim, os
entrevistados comparam favoravelmente a localização do Poço da Draga a outros bairros
periféricos:
“... é um local melhor, tem mais condições da gente ir no Centro, de tudo, condições boas, e lá no Palmeiras [conjunto habitacional na periferia de Fortaleza] não oferecia essas coisas boas: [acesso ao] centro, mercado, banco, colégio.” (Entrevista realizada em 27/03/03).
A boa localização reflete-se também no fato de que 62,26% dos moradores do Poço
da Draga não utilizam nenhum tipo de transporte para se deslocar ao trabalho (ver Tabela
25).
2.3- “Comunidade do Poço da Draga ou favela do Baixa Pau”?
A pobreza geralmente está associada à violência, marginalidade, miséria e
“vagabundagem” (Zaluar, 1985). As representações pejorativas associadas ao termo
“favela” reforçam as condições de miséria e exclusão social às quais estão submetidos os
favelados. A eficácia simbólica do termo faz com que seja utilizado para justificar não
somente “batidas” policiais, mas a discriminação à qual ficam sujeitos os moradores desses
lugares. No caso do Poço da Draga, a existência de trabalhadores “bem empregados” e a
posse de objetos de valor por alguns seriam elementos que negariam a identificação com o
termo “favela”. É o que diz uma entrevistada:
“... essa favela, como chamam, aqui não é favela; aqui tem bastante professores de primeiro grau, de segundo não tem, tem de primeiro grau.
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Tem um moço que trabalha no Seguro Bradesco, tem uma moça que trabalha no Cartório Aguiar, nascida e criada aqui. Já trabalhou no Cartório Aguiar, há mais de dez anos. (...) Só esse rapaz do Bradesco, tem um [carro] Pálio (...) É gente muito boa, rapaz muito educado, conheço desde criança. Ele pastorava carro ali na Caixa Econômica, mas estudou, era um rapaz muito direito, fez curso e passou, e hoje em dia é funcionário do Bradesco, trabalha no Seguro Bradesco, gente fina. É casado, justamente com essa moça que trabalha no Cartório Aguiar” (Entrevista realizada em 02/10/02).
O trabalho serve, assim, como um antídoto à classificação da “favela” como lugar
de periculosidade. Os moradores preferem identificá-la como “comunidade”, palavra que
denota laços de afetividade e interesses comuns. A união e a solidariedade implícitas no
termo permitiriam uma classificação positiva, ao contrário do que ocorre com “favela”.
É interessante notar, porém, que em alguns momentos, a identidade de favelado é
acionada para reivindicar melhorias para o local e para denunciar a miséria do lugar. Essa
estratégia expressa, de forma tortuosa, o desejo dos moradores, e particularmente da
Associação, no sentido de manter uma identidade que lhes dê o reconhecimento como
cidadãos, pelo Estado e pela sociedade civil.
Semelhante estratégia é utilizada pelos moradores da “favela” Acari no Rio de
Janeiro, estudada por Marcos Alvito (1998). A mídia e a polícia nomearam o local de
“Complexo de Acari”, por conta de um conjunto de dez favelas que estariam sob o controle
de um traficante. Entretanto, a nomeação, sobretudo pelos lideres comunitários, oscila
bastante de acordo com o contexto utilizado. A denominação “Complexo de Acari” só é
utilizada quando eles querem adquirir melhorias para o local. Ou seja, é conveniente
utilizar essa denominação como meio para conseguir alguma melhoria para o bairro, mas
não como expressão de sua identidade. Nesse sentido, eles utilizam, por vezes, o termo
comunidade quando estão em contato com pesquisadores, imprensa, enfim, com pessoas
“de fora”.
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No caso da presente pesquisa, a identificação da comunidade perpassa duas
nomeações, pois o Poço da Draga é também conhecido como “Baixa Pau”. Segundo relatos
de entrevistados, a denominação “Baixa Pau” seria por conta dos moradores expulsarem
pessoas de fora que causem algum tipo de desordem no local. Para outros, seria devido à
violência e agressividade dos moradores. Segundo uma terceira versão, o nome estaria
ligado ao porto de Fortaleza, localizado antigamente naquela área: “baixa pau” seria uma
expressão utilizada pelos estivadores do porto quando pediam aos marinheiros para
baixarem uma espécie de ponte, para que eles pudessem embarcar a mercadoria nos navios.
Neste último caso, a denominação teria sofrido uma ressignificação ao longo do tempo:
antes, o nome estava ligado ao cotidiano do porto e, agora, à violência crescente do local.
“Comunidade do Poço da Draga”, como é conhecida pela imprensa e por
pesquisadores, é a denominação considerada pelos moradores como o nome oficial do
lugar. Além disso, é a expressão mais utilizada por membros da Associação dos Moradores
e pessoas ligadas a alguma organização local. Fora desse mundo “público”, especialmente
entre jovens e moradores que não têm envolvimentos com organizações locais, a expressão
predominante é “favela do Baixa Pau”, como é comumente conhecida por outras
comunidades situadas na vizinhança, como uma pequena aglomeração chamada Vila dos
Correios, e a Favela Graviolas, ambas na Praia de Iracema. Assim, “favela Baixa Pau” não
é um nome bem visto, pois carrega consigo representações negativas do lugar, como disse
uma moradora que organiza um reforço escolar no local:
“É, aí se a gente disser que mora lá no Poço da Draga (...) eles [pessoas de “fora”] dizem: “lá no Baixa Pau?”E isso é horrível. Eu me sinto mal... eu até trato mal; ‘não, não moro nesse lugar, nem conheço, moro no Poço da Draga’. Pronto, aí a pessoa já entendeu que eu não gostei. (...) Mas tem gente daqui mesmo que gosta, sabe Heloísa, acha bonito pronunciar essa palavra, essa frase, assim com aquele prazer... Eu, não; particularmente, não gosto.” (Entrevista realizada em 30/05/05)
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“Favela Baixa Pau” e “comunidade do Poço da Draga” são nomeações que
carregam consigo a tensão da identidade local. Ser “favela” ou “comunidade”, para os
moradores, vai depender de circunstâncias externas. Entretanto, a área do “Poço” é
considerada por alguns moradores do lugar como “favela”, como será visto no próximo
capítulo.
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3- O POÇO DA DRAGA POR DENTRO: CONVIVÊNCIA,
SOCIABILIDADES E CONFLITOS
3.1- O “Poço” do Poço da Draga
Como foi comentado no capítulo anterior, o Poço da Draga não é uma comunidade
homogênea. A diferenciação ocorre não somente nos aspectos materiais, como renda
familiar e condições de moradia, mas, também, nas diversas visões que os moradores têm
acerca de determinadas áreas da comunidade. No Poço da Draga existem espaços
denominados pelos moradores, freqüentemente, de “Aldeota30”, que incluem a rua principal
e ruas paralelas (FIG. 11, 12 e 13), e outros denominados de “favela”, que alguns também
chamam de “Serviluz31” (FIG. 20, 21 e 22), por conta do alto índice de violência e
pobreza semelhante a esse bairro. Reproduz-se, assim, a diferenciação que se estabeleceu
entre áreas integrantes do lado “nobre” de Fortaleza, e aquelas onde predominam a
desordem e a pobreza32.
A área mais baixa da comunidade formada por becos e vielas alagáveis, é conhecida
como o “Poço”. O “Poço” é invisível mesmo para alguém que já tenha passado muitas
vezes pelas ruas mais acessíveis da comunidade (FIG. 11 e 12). Antes da ocupação dessa
área, o local era parte de um espaço livre maior, o qual incluía, também, partes dos terrenos
30 Bairro nobre de Fortaleza, habitado predominantemente por pessoas de alto poder aquisitivo. Sobre a formação da Aldeota, ver a respeito Costa (1988), Silva (1992) e Gondim (2005). 31 Bairro habitado, predominantemente, por pessoas de baixa renda e situado próximo ao porto. 32 Serviluz e Aldeota estão inclusos na zona leste da cidade. O que explica que a usual divisão da cidade em lado oeste e leste é uma caracterização simplificada da zona urbana de Fortaleza, pois existem bairros considerados nobres na parte oeste da cidade, como a Parquelândia e São Gerardo, e bairros pobres na parte leste, como o Serviluz, por exemplo.
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hoje ocupados pelo INACE e o hotel Marina Park (FIG. 29). Nesse local, ocorria o
encontro do riacho Pajeú com o mar e o terreno era utilizado como campo de futebol e
também como praia. Como relatou um morador,
“(...) Isso aqui era aberto, a gente subia aqui [referindo-se ao paredão de Hawkshaw, situado em frente à Indústria Naval do Ceará], eram vários pescadores que tinha aqui. Aos poucos ela [Elisa Graddvol, proprietária da INACE e do Hotel Marina Park] foi tirando, tirou esse pessoal, colocou mais para frente, disse que ia fazer uma colônia, e segundo ela fez mesmo (...) Ela tirou o pessoal [pescadores] daqui e fez [casas] de tijolo e alvenaria. Então, o problema era tirar o pessoal, quando ela conseguiu tirar [os moradores foram removidos para o Conjunto Palmeiras33, em 1975] Isso aqui era uma área tão grande, tinha campo de futebol ...” (Entrevista realizada em 27/03/03).
Do Poço antigo só restaram um pequeno filete do riacho Pajeú poluído (FIG. 30),
um nicho de mangue (FIG. 31) quase em extinção e algumas dezenas de casas comprimidas
ao longo de três vielas. A ocupação da área do “Poço” e, posteriormente, as tentativas de
avanços no terreno da comunidade desencadearam um clima hostil entre os moradores e a
proprietária da Indústria Naval.
Um outro mundo – é essa a sensação de quem entra por seus becos com esgoto a
céu aberto, casas espremidas de poucos cômodos e olhares vigilantes de traficantes de
drogas, que ocupam a parte mais ao fundo. Servindo de esconderijo para o tráfico e de
refúgio para assaltantes, o “Poço” é um labirinto, com suas inúmeras entradas e saídas,
becos estreitos e tortuosos. Além da precariedade das habitações, seus moradores são
conhecidos por residentes das ruas principais como malfeitores, que enfeiam e difamam o
lugar com sua miséria e práticas ilegais. Misturados aos traficantes estão os moradores
“trabalhadores” do “Poço”. Silenciados pelo tráfico, dizem viver ali por falta de opção, e
33 Conjunto Palmeiras localiza-se na área da Secretaria Executiva Regional VI – SER VI, nas imediações do Jangurussu e dos bairros São Cristovão e Messejana.
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vêem no projeto de construção do Centro Multifuncional de Eventos e Feiras a
possibilidade de obter melhor moradia e de afastar-se da vizinhança indesejada.
Durante a pesquisa, encontrei resistência, por parte de alguns informantes em me
falarem sobre o cotidiano do “Poço”, ou em indicar alguém da área para ser entrevistado. E
logo fui percebendo que o tráfico de drogas cala muita gente, o que me impediu de adentrar
mais a fundo na realidade do local. Muitos moradores, quando eu tocava no assunto,
desviavam a conversa ou não terminavam a frase. Somente obtive algum sucesso junto a
informantes que me conheciam desde o início da pesquisa.
Pode-se, mesmo, afirmar que há uma favela dentro de outra, ambas com
simbologias espaciais. Assim como muros simbólicos separam o Poço da Draga dos
espaços mais afluentes da cidade, as casas com portões e grades nas janelas demarcam
separações internas à comunidade, configurando uma segregação no interior de outra.
A divisão da comunidade em Poço da Draga e “Poço” remete ao estudo feito por
Norbert Elias e Scotson (2000) numa pequena comunidade do interior da Inglaterra,
chamada por eles de Winston Parva. O estudo constatou que a única diferença que existia
entre os dois grupos de moradores era relacionada ao tempo de residência, pois não havia
diferenças de nacionalidade, raça ou classe social. Dessa forma, os antigos residentes ou
“estabelecidos” consideravam-se socialmente superiores aos moradores recém-chegados ou
“outsiders”, e os tratavam como pessoas não pertencentes ao grupo.
De forma análoga, os habitantes das ruas principais do Poço da Draga, que são os
moradores mais antigos, mantêm, distância tanto física como moral dos moradores do
“Poço”, que residem a menos tempo no local. Os primeiros se referem ao “Poço”, como um
lugar perigoso e identificado como o lado “podre” da comunidade, como disse uma
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entrevistada: “Ninguém vai querer entrar no meio dessas pessoas (...) A gente conversa
assim, mas (...) o perigo mora é dentro do Poço” (Entrevista realizada em 16/08/02).
Entretanto, diferentemente da comunidade estudada por Norbert Elias, no Poço da
Draga não é só a questão do tempo de residência no local que divide os moradores; eles
diferem também quanto ao tipo de habitação, à renda, em suma - quanto aos estratos sociais
a que pertencem. É lá que residem as famílias mais pobres
Na verdade, a história da diferenciação entre os moradores do Poço da Draga não é
tão simples como parece. Tudo começou quando não mais havia espaço para construção de
moradias na área compreendida pelas ruas principais, e com a mudança de parentes de
moradores dessa área para o “Poço”. Assim, este foi se tornando uma opção econômica e
familiar, além de permitir a manutenção dos laços de vizinhança. Esses moradores
“antigos” do Poço, tanto quanto os das ruas principais consideravam-se pertencentes à
comunidade afetiva do Poço da Draga.
Posteriormente, o “Poço” foi invadido por pessoas “de fora”, ou seja, sem vínculo
de parentesco ou de amizade com moradores do local. Vindos do interior do Ceará ou
provenientes de outras favelas de Fortaleza, essas pessoas dispunham de um poder
aquisitivo muito baixo. Logo que chegaram ao “Poço”, trataram de construir seus barracos,
que geralmente tinham péssimas condições sanitárias, muitos deles até sem banheiro. Seus
ocupantes, em sua maioria, não tinham renda fixa, e terminavam dependendo da ajuda de
vizinhos. Com a situação financeira ruim, alguns deles acabaram se envolvendo com o
tráfico de drogas e com pequenos roubos. Essas atividades ilícitas foram crescendo a cada
dia, e envolvendo mais e mais pessoas em situação de risco, inclusive crianças e
adolescentes. A área invadida também cresceu com o passar do tempo e o número de
barracos se multiplicou, como afirma uma moradora antiga do “Poço”:
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“Só tinha a casa da minha mãe, e mais umas duas casas ali para dentro, ou era três, que era a dona Nasa e a da dona Flor, só era essas duas casas e a da Ivone, e a do seu Chico. Só era essas casas, mas aí foi crescendo, começaram a invadir, está que é um bairro ali dentro lotado, não tem espaço...” (Entrevista realizada em 01/11/2005)
É interessante como mesmo no “Poço”, existem diferenciações entre seus
moradores. Os moradores antigos dizem não terem participação no tráfico e nos assaltos
ocorridos na comunidade, pois são trabalhadores honestos e vivem ali por falta de opção.
Contudo, a fama de desordeiros e “foras da lei” ficou com os moradores do “Poço” como
um todo. Como compartilhavam o mesmo espaço físico com os moradores recentes, os
moradores antigos foram “contaminados” socialmente por estes. Assim, o “Poço” ficou
sendo taxado como o lugar por excelência da desordem e da marginalidade, como afirma
uma moradora antiga do “Poço”, ao comentar a insegurança trazida pelos moradores
recentes.
“O perigo está grande, mas não foram os daqui, foram os que vieram de fora, se apossaram (...) e eles mesmo ficam sujando a área deles mesmo. Quer dizer, que as pessoas daqui não causam problema. Eles vêm de fora.” (Entrevista realizada em 08/11/05)
Para os moradores das ruas principais, todos estão envolvidos com o tráfico e
possuem uma má reputação. Esta é geralmente atribuída pelos outros, a partir de um
julgamento “obscuro” e “arbitrário”, como afirma Bailey (1977, p. 7). Entretanto, a má
reputação não implica que esses moradores não façam parte da comunidade. Ter uma
reputação é ser reconhecido pelo outro, e ter uma identidade na comunidade, independente
dela ser boa ou má (Bailey, 1977). A tensão ocorre porque a imagem de comunidade calma
e harmônica do passado idealizado foi quebrada por um presente de violência e
marginalidade, que teria sido trazido pelos moradores do “Poço”.
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A questão do tempo é ressaltada pelo fato de alguns moradores do “Poço” terem
chegado “recentemente” e assim não pertencerem ao grupo que originou a comunidade.
Juntamente com a chegada desses moradores, teria ocorrido o aumento do tráfico de drogas
e da delinqüência, inclusive o estabelecimento de uma “boca de fumo”, que antes não
existia no local, como afirma uma moradora das ruas principais.
“...de um tempo para cá, as drogas entraram no Poço da Draga, e elas se implantaram, elas estão plantadas aqui. A gente sabe os pontos de onde elas saem, de onde elas vêem, sabe, elas vêem de um certo ponto, de um determinado local aqui, que é distribuído entre eles aqui dentro...” (Entrevista realizada em 30/05/05)
Na verdade, o momento da entrada do tráfico de drogas e o aumento da violência no
Poço da Draga coincidem com meados da década de 1980 e inicio da década de 1990 e com
a época das mudanças na Praia de Iracema, dentro do projeto do Poder Público de
transformar Fortaleza numa cidade turística. Encravado na Praia de Iracema há mais de 70
anos, o Poço da Draga viu durante as duas últimas décadas o crescimento de bares,
restaurantes e boates na sua vizinhança, sem que essa requalificação trouxesse benefícios
concretos para a população local (Schramm, 2001). Muitos moradores tradicionais da Praia
de Iracema foram obrigados a se mudar por conta da incompatibilidade de usos do lazer e
habitação; outros, inclusive os do Poço da Draga, permaneceram, mas em condições muito
adversas. O crescimento da especulação imobiliária, a poluição sonora, o aumento da
prostituição e o tráfico de drogas na Praia de Iracema têm atingido diretamente o Poço da
Draga. Nas duas últimas décadas, têm crescido as investidas pela retirada da comunidade e
se constatado um maior envolvimento de seus moradores com prostituição, assaltos e
tráficos de drogas. Tudo isto tem contribuído para alterar as relações de sociabilidade entre
moradores, particularmente no que se refere à clivagem entre os moradores das ruas
principais e os do “Poço”. Vê-se como mudanças na vida cotidiana podem estar
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intrisicamente ligadas a transformações da cidade, e por conseqüência, do mundo. Não se
pode encarar as relações locais independente das relações globais, sob pena de cair num
localismo exagerado (Pereira de Queiroz, 1973).
Entretanto, o “Poço” é tido como uma área à parte, fora dos circuitos de relações
sociais dos moradores das ruas principais. Estes se referem a ele com expressões do tipo:
“aquele lugar” ou “aquelas pessoas”, e procuram não se misturar a eles. As crianças são
ensinadas a não andar por lá, e mesmo entre os adultos, a ida ao “Poço” só é motivada em
caso de visita a parentes ou para acompanhar pessoas de “fora”, como pesquisadores,
representantes do governo ou da imprensa. Pessoas que insistem em andar pelo “Poço” são
vistas com desconfiança e rapidamente acusadas de envolvimento com marginais.
Entretanto, mesmo o fato de ser parente não garante a inclusão, ou, como disse Marques
(2001), ter laços de parentesco não supõe solidariedade. Uma moradora do “Poço” comenta
a diferenciação: “tem alguns parentes, tem família minha para ali [nas ruas principais],
parentes que moram para ali, e pouco anda aqui, é raridade; ai pronto foi para ali, se
contaminou. “ (Entrevista realizada em 01/11/2005).
Ressalte-se que nem todos os moradores do “Poço” sofrem essa sanção. Algumas
pessoas que freqüentam a mesma igreja ou trabalham no mesmo local dos moradores das
ruas principais ou são parentes de primeiro grau, como pai, mãe ou irmãos, são tratadas
amigavelmente por estes e freqüentemente são convidadas a participarem de festas ou
eventos em suas casas. Ou seja, estes são os “considerados”, pois fazem parte do convívio
social do grupo dominante. Quando perguntei por que essas pessoas podiam fazer parte do
seu circulo de amizade, a resposta foi: “eles trabalham, eu conheço a família dele”34.
Assim, diferentemente da comunidade estudada por Elias e Scotson, onde não havia espaço
34 Nota de campo em 06/11/05.
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para exceções, pois os “estabelecidos” tratavam todos os “outsiders” como inferiores, no
Poço da Draga há um seleto grupo de residentes do Poço que têm acesso às ruas principais.
Os moradores das ruas principais se referem aos do “Poço” de forma homogênea.
Basta ver que em 2001, durante negociação entre Governo do Estado e moradores para a
relocação da comunidade para um prédio de apartamentos a ser construído na Praia de
Iracema, os moradores das ruas principais comentavam entre si a possibilidade de se
construir um bloco de apartamentos somente para os moradores do “Poço” ou mesmo a
concessão de indenização para que eles pudessem ir embora. Os depoimentos de uma
moradora do “Poço” e de outra residente em uma das ruas principais ilustram bem a
discriminação existente:
“...Tudo que é ruim só tem aqui nesse terreno. Os errados estão tudo morando junto. ‘Não, vamos fazer um bloco só para aquele pessoal do terreno’. É desse jeito (...) ‘Eu não quero fulano perto de mim, eu não quero sicrano perto de mim’. É por isso que eu estou fora, quero minha indenização.” (Entrevista realizada em 01/11/05) “...As casas que vão ser feitas, primeiro, vão ser para essas pessoas aqui [ruas principais]. Vão tirar, primeiro, nós daqui. Eles lá [Poço], vão ser indenizados. Eles não vão acompanhar nós...” (Entrevista realizada em 02/10/02)
É explicita a necessidade que os moradores das ruas principais têm de se diferenciar
dos moradores do “Poço”. Mesmo estando tão próximos fisicamente, tornam-se
socialmente distantes. Com efeito, o espaço físico não é suficiente para demarcar os limites
de sociabilidade, pois um grupo pode considerar como integrantes indivíduos não
residentes no seu mesmo espaço físico, e excluir vizinhos (Marques, 2001).
Algo assim ocorre entre os moradores da rua principal do Poço da Draga e os
residentes da Vila dos Correios (FIG. 7, 32 e 33), que constitui um aglomerado de casas
próximas. Mesmo sem fazer parte “oficialmente”, dos limites físicos do Poço da Draga,
segundo cadastros feitos pela Prefeitura e Governo, os moradores deste consideram a Vila
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49
dos Correios como parte da comunidade. Inclusive, eles pertencem ao circulo de amizade
destes, e possuem direito de voto nas eleições da Associação dos Moradores.
Vê-se como a distância social difere da distância física: a idéia de pertença está
correlacionada com a idéia de relações sociais (Shils, 1996, Bailey, 1971). São estas que
vão dar os limites de uma comunidade, e não apenas seu espaço físico. As relações sociais
não são redutíveis a indivíduos aglomerados (Marques, 2001); é o sentimento de pertença
que vai vestir o “esqueleto topográfico”, e não o contrário (Cândido, 1964).
Não quero com isso afirmar que o espaço físico não deve ser levado em
consideração, mas apenas que este critério não deve ser o único adotado. A questão do
espaço é importante para os moradores do Poço da Draga, mas não é ela que vai determinar
a pertença à comunidade, e sim os valores compartilhados pelo grupo. Como afirmou
Bourdieu (2001), o espaço físico é a materialização do espaço social, e esse espaço é,
sobretudo, um espaço de disputa. Em outras palavras, as relações sociais são objetivadas
nos espaços físicos.
Muitos moradores do “Poço” são excluídos da participação nas decisões
importantes, como escolha de lideranças e direito à voz em reuniões, entre outros. Os que
participam são geralmente parentes próximos ou colegas de trabalho, como já mencionei,
dos moradores das ruas principais. Basta constatar que nos 21 anos de existência da
Associação dos Moradores, nenhuma vez a presidência foi dada a moradores do “Poço”.
Eles, por sua vez, dizem não se interessar por assuntos comunitários: “...nós não vamos
para essas coisas [reuniões com Associação de Moradores, Pastoral da Criança, ou
representantes do governo] não, isso é coisas deles lá...” (Entrevista realizada em
02/05/05.) Vê-se como “o grupo estigmatizado aceita, com uma espécie de resignação, a
auto-imagem atribuída pelo grupo dominante” (Elias e Scotson, 2000, p.20).
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Para ser presidente da Associação, é necessário atender a alguns critérios informais
como ser antigo morador e possuir boas relações locais. Os moradores do “Poço”, pelo
contrário, são residentes recentes e não têm boa reputação, como foi visto. Além disto, são
economicamente inferiores aos moradores das ruas principais, o que termina justificando a
sua exclusão do convívio social da comunidade. Entretanto, essa estigmatização não é
vivida pacificamente pelos moradores do “Poço”, que acabam respondendo a ela com uma
“contra-estigmatização” (Elias e Scotson, 2000), às vezes expressa de forma violenta em
brigas e ameaças a moradores das ruas principais. É crescente o número de assaltos a
estabelecimentos comerciais do local, atribuídos a jovens do “Poço”. Entretanto, mais tarde
pude perceber que os furtos exclusivamente atribuídos aos moradores do “Poço” também
eram cometidos por alguns moradores das ruas principais. É verdade que a criminalidade
no Poço da Draga tem uma concentração maior no “Poço”, mas não é exclusiva dessa área,
como demonstra o episódio ocorrido em uma das ruas principais, quando um morador dessa
área foi flagrado por uma das minhas informantes tentando furtar a bicicleta do vizinho, e
depois de três dias a devolveu dizendo que tinha tomado emprestado35. Assim, pude
perceber que existe uma certa distância entre o que é dito por eles numa entrevista ou numa
conversa, e o que realmente acontece no dia-a-dia. O discurso da homogeneização mascara
os conflitos intrínsecos de toda relação social. Somente com um olhar de “perto e de
dentro” é que podemos enxergar as sutilezas e os detalhes que dão sentido a realidade
social (Magnani, 2002).
Os conflitos existentes entre moradores das ruas principais e moradores do “Poço”
não significam que não exista uma comunidade; pelo contrário, é o próprio conflito que vai
revelar o entendimento do que é comunidade para eles, ou seja, é no momento em que
35 Nota de campo em 30/05/05.
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ocorre o conflito que se evidencia quem pertence ao grupo ou não (Marques, 2001). O
conflito também gera solidariedade, uma vez que ao mesmo tempo em que divide, ele
também une. (Marques, 2001). Nesse sentido, a existência de estigmatização e violência no
Poço da Draga não significam desintegração, mas integração (Comerford, 2003). Ao
afirmarem que os moradores do “Poço” não pertencem a seu grupo, por serem traficantes
ou desordeiros, os moradores das ruas principais estão ao mesmo tempo excluindo aqueles
e se incluindo na “comunidade”. Nesse sentido, o ideal de unidade acaba por dividir
(Comerford, 2003). Ser igual, para eles, é fazer parte do grupo (Pitt-Rivers, 1971). A
homogeneidade social está em compartilhar crenças, valores, lembranças e, sobretudo, em
ser considerado pelo outro e ter uma reputação reconhecida pelo grupo (Bailey, 1971).
É ao “Poço” e não às ruas principais que os moradores desta área atribuem o
adjetivo de “favela”, apesar de reconhecerem que em outras áreas também existem
moradias precárias - muitas vezes em condições inferiores às do “Poço” – e assaltantes,
traficantes e prostitutas. Como disse uma moradora do “Poço”, “o pessoal dali daquela rua
[Viaduto Moreira da Rocha] não se mistura com o pessoal daqui de baixo, o pessoal daqui
de baixo é só favela, lá eles são os melhores.” (Entrevista realizada em 01/11/05).
Pode-se perceber como os “defeitos” do “Poço” são ressaltados quando se quer
justificar a exclusão desse grupo. Mesmo sabendo que entre os membros aceitos pela
“comunidade” existem aqueles com condutas desviantes e com condições econômicas
inferiores às dos residentes no “Poço”, os moradores das ruas principais reafirmam a
depreciação da imagem do “outro”. Ao “outro” é atribuída a culpa pelos problemas, medos
e insatisfações presentes. Como afirma Elias e Scotson (2000, p.20), “...há a tendência de
se exaltar as qualidades de um grupo ás custas do julgamento depreciativo do outro”.
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Por fim, vale ressaltar o caráter dinâmico das relações sociais. Grupos que hoje são
antagônicos podem se tornar solidários no futuro, já que as relações de sociabilidade são
passíveis de mudanças e podem alterar-se com o tempo e as circunstâncias (Marques,
2001).
No caso do Poço da Draga, a transformação do antagonismo em solidariedade
ocorreu em relação à tentativa de retirada do Poço da Draga em 2001. Trata-se de um
exemplo “....da ativação da coesão por ameaças externas”, como disse Ernest Gellner
(1997, p.212), quando fala a respeito da cooperação dos grupos em momentos de conflitos.
Mesmo tendo concordado, inicialmente, com o projeto de relocação do Poço da Draga,
como será visto, os moradores, hoje, em sua maioria, demonstram o desejo de permanecer
na área. O medo de serem removidos para bairros distantes, os laços de amizade e
parentesco construídos durante toda a vida, a boa localização, são alguns dos motivos
apresentados por eles para permanecer na área. A aversão à remoção chegou a contribuir
para a derrota de uma candidata à presidência da Associação de Moradores. Segundo um
integrante da chapa desta candidata, um dos motivos que levou à perda da sua eleição para
o opositor teria sido o boato difundido por este de que ela defendia a remoção da
comunidade.
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3.2- Outros conflitos
Além da comentada diferenciação entre moradores do “Poço” versus residentes das
ruas principais, outros conflitos fazem parte do cotidiano da comunidade do Poço da Draga.
Um deles diz respeito à insatisfação dos católicos frente ao crescimento do número de
evangélicos na comunidade. Durante muitos anos, o número de católicos foi
expressivamente superior ao de protestantes. Moradores mais velhos contam que a Igreja
Católica sempre teve uma forte influência religiosa e política no local.
A Igreja teve papel importante no processo de organização comunitária. Já na
década de 1960, a comunidade contava com o apoio das Irmãs Josefinas, congregação
católica subordinada à Catedral Metropolitana. Na época, as Irmãs ministravam aulas de
educação infantil e preparavam as crianças para a primeira eucaristia, além de organizarem
festas de comemoração de datas religiosas, dia das mães, dia das crianças e outras.
A presença das Irmãs Josefinas no cotidiano do Poço da Draga tinha além do papel
religioso, um caráter mobilizador da comunidade, pois, em especial no caso das festas,
estas eram organizadas com a colaboração de moradores. Dias antes da festa, a vizinhança
se revezava nos afazeres e preparativos para o grande dia. A decoração da comunidade e a
preparação da comida ficavam a cargo dos moradores. Às Irmãs cabia a preparação do
coral e das rezas que dariam o tom religioso. O calendário da comunidade era organizado
de acordo com as comemorações de datas religiosas, dia das mães, dia das crianças, festas
juninas e festas de fim de ano. Cada data dessa era um momento para reforçar os laços
sociais e as trocas simbólicas entre os moradores. Segundo a coordenadora do projeto na
época, as irmãs deixaram a comunidade no fim da década de 1990, alegando falta de
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condições de moradia e dificuldades com o custeio das despesas 36. Com a saída das Irmãs
da comunidade, as festas foram aos poucos perdendo seu caráter aglutinador de antes, pois
agora era a Associação dos Moradores que ficava encarregada da sua organização. Como
organização política provoca um nível maior de divergências do que ocorria quando a
organização tinha conotação religiosa, a Associação dos Moradores não conseguia o
envolvimento coletivo que havia na época das Irmãs Josefinas.
Na década de 1980, um grupo de pessoas decidiu fundar a Associação dos
Moradores do Poço da Draga, e contaram com o apoio do pároco da Catedral Metropolitana
de Fortaleza. Uma entrevistada relata o início da organização da comunidade:
“(...) A gente estava com um problema de água, não tinha água na época. Então, a gente estava lutando pelo ramal de água, que a gente tirava água na Cidal [empresa de óleo de mamona] e nos postos de gasolina. Era um sufoco, na época. Então, a gente queria água, luz já tinha. Então, o Padre (...) [inaudível] e a gente formamos uma Associação dos Moradores, e daí a gente começou a fazer os pedidos, até que nós conseguimos a água.” (Entrevista realizada em 16/08/02).
Mais recentemente, na década de 1990, os moradores contaram, também, com o
apoio do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de
Fortaleza. Atuando como mediador junto aos órgãos públicos, essa entidade desempenhava
as funções de assessoria jurídica para associações comunitárias e para a solução de
problemas urbanos em Fortaleza. A parceria com o Poço da Draga, formada em 1993,
contribuiu para impedir várias tentativas de retirada da favela. Entretanto, em 2003, a
eleição para presidente da Associação dos Moradores marcaria o fim da hegemonia dos
lideres comunitários apoiados pela Igreja Católica na comunidade e a saída do Centro de
Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da cena política local, como será visto.
36 Entrevista realizada por Irmã Ivanir em 01/05/06.
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De 1984 até 2003, a associação de moradores do Poço da Draga contou com apenas
dois presidentes. Durante o tempo de sua liderança, tiveram o apoio da Igreja Católica, que
ajudava a conduzir suas reivindicações, servindo como mediadora entre o poder público e
os moradores, quando estes precisavam tratar de assuntos delicados, pois “o padre sabia
falar e os moradores o escutavam”37. Em contrapartida, o espaço comunitário era cedido
pela Associação para a Igreja realizar missa, catecismo, encontros de jovens e assim
angariar mais fiéis.
Com a vitória do candidato ligado aos evangélicos nas eleições realizadas em 2003
para presidência da associação de moradores, o espaço da igreja católica ficou reduzido. O
Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza, que há dez anos
atuava na comunidade, deixou de participar da vida comunitária do lugar, uma vez que o
novo presidente não apoiava a filiação da entidade à Igreja Católica.
Os espaços da comunidade tornaram-se alvo de disputa com a vitória do candidato
evangélico. A sede da Associação dos Moradores que antigamente era livremente utilizada
para fins religiosos, teve o acesso reduzido pela nova diretoria. Tanto o catecismo como as
reuniões da Pastoral da Criança ocorrem fora da comunidade, na Escola Elvira Pinho, como
disse uma moradora:
“...Nem para uma reunião de catecismo ele [presidente da associação] está cedendo a associação aí, para as irmãs [Josefinas] dar catecismo para as crianças. As irmãs estão dando catecismo lá no colégio Elvira Pinho, dia de Sábado, que é o Renascer” (Entrevista realizada em 08/11/05)
Por seu lado, o presidente afirma que sendo o espaço a sede da Associação deve servir às
atividades desta, e não ser usado para favorecer a nenhuma crença religiosa.
37 Entrevista realizada 01/11/03.
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O crescimento do protestantismo não é um fato recente e muito menos exclusivo do
Poço da Draga. Nas duas últimas décadas do século XX, as taxas de crescimento dos
evangélicos no Brasil subiram visivelmente. Basta vermos o salto que tiveram de
13.189.282 fiéis em 1991 para 26.210.545 em 2000. O protestantismo brasileiro deve esse
seu dinamismo aos ramos pentecostais e neopentecostais, representados pelas igrejas
Universal do Reino de Deus (1977, RJ), Internacional da Graça de Deus (1980, RJ),
Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (1976, GO), Renascer em Cristo (1986, SP) e
Assembléia de Deus (1911, PA) (Pierruci, 2004). A comunidade do Poço da Draga,
portanto, é apenas uma pequena amostra do que vem ocorrendo na sociedade brasileira.
É importante ressaltar que os moradores católicos que mais fazem oposição à gestão
do presidente atual, são também ligados à chapa da oposição que perdeu a eleição passada.
Quero com isso frisar que o conflito tem uma dimensão simultaneamente religiosa e
política, é um misto dos dois, um se confunde com o outro.
A disputa pela liderança comunitária do Poço da Draga também tem gerado alguns
conflitos. Assim, integrantes da gestão atual acusam a presidente da gestão passada de usar
a associação em favorecimento próprio, de seus familiares e amigos. Em 2001, durante as
negociações entre Governo do Estado e Associação para o projeto de relocação da
comunidade, a ex-presidente foi inúmeras vezes acusada de beneficiar pessoas que não
moravam na comunidade e excluir moradores, como disse um informante, membro da
diretoria atual:
“...Quando foi para cadastrar as pessoas para aquele projeto do Centro Multifuncional, ela colocou quem ela quis. O filho dela que não morava aqui, ela cadastrou. Quando eu fui lá falar em favor de uma vizinha minha, ela me disse que quem mandava ali era ela, e não ia cadastrar...” (Nota de campo realizada em 30/05/05).
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Além disso, a ex-presidente foi acusada de não ter legitimidade para liderar a
comunidade, pois além de ser moradora recente, não está registrada no Estatuto da
Associação de Moradores. Vê-se como o tempo de moradia funciona como uma certidão de
autêntico morador do lugar. Elias e Scotson (2000) já tinham observado, no estudo
realizado numa pequena cidade da Inglaterra, que o fato de ‘ser antigo morador’
possibilitava uma situação de poder e pertença à comunidade, da qual não dispunha o
morador recente.
Entretanto, a antiga presidente não aceita as criticas passivamente; revida,
afirmando que o presidente atual não tem competência para fazer contato com políticos,
pois não é reconhecido socialmente pelos canais de reivindicações. Assim, não é o fato dele
ser o legítimo presidente da Associação dos Moradores que lhe proporciona
reconhecimento, mas sim o seu esforço pessoal para defender interesses. Ser conhecido é
fundamental numa sociedade personalizada como a brasileira. Sérgio Buarque de Holanda
(2001, p.32), no seu livro Raízes do Brasil, afirma que o prestígio pessoal e a importância
dada ao valor próprio da pessoa é um traço marcante de cultura brasileira.
Mesmo não ganhando as duas últimas eleições, a antiga presidente parece não
querer se desvincular da imagem de líder comunitária. Tanto que, após a primeira derrota,
em 2003, resolveu fundar uma organização não-governamental, chamada Vela ao Mar, que,
segundo ela, pretende realizar um trabalho social com jovens e crianças. Entretanto, até o
fim da presente pesquisa, a Ong não havia iniciado nenhuma atividade, a não ser a
distribuição esporádica de cestas básicas ou de leite para moradores carentes do Poço da
Draga.
O conflito entre as duas facções chegou a invadir a vida privada dos membros em
oposição. A última disputa pela presidência da Associação dos Moradores, em junho de
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2005, desfez alguns laços de amizade, fazendo com que membros das chapas opositoras se
intrigassem. A partir disso, membros da chapa derrotada deixaram de participar de eventos
ou festas realizados pela chapa vencedora. E quando insistem em participar, isto ocorre às
vezes numa tentativa de desafiar a chapa vencedora, como ocorreu na inauguração da
cabine da guarda municipal, em outubro de 2005, na Praia de Iracema. Na ocasião foram
convidados alguns grupos de apresentação artística de moradores da Praia de Iracema e,
dentre eles, dois grupos de dança do Poço da Draga. Um desses era organizado pela filha
da candidata da chapa derrotada, que no momento da apresentação fez questão de falar ao
microfone que a ex-presidente estava apoiando o grupo artístico. Ocorre que membros da
chapa vencedora, inclusive o presidente, estavam presentes no momento da fala. O fato
gerou um clima de constrangimento geral e muitos comentários entre os presentes.
O presidente atual também não está livre das criticas de seus eleitores. Alguns
reclamam que não vêem diferença entre a sua gestão e a anterior. A associação de
moradores é desacreditada por grande parte dos moradores. As reuniões são poucas e
geralmente vazias; a desmobilização está evidente nas falas e nos gestos dos moradores.
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4- O POÇO DA DRAGA E A PRAIA DE IRACEMA: IMPACTOS,
MUDANÇAS E ESTRATÉGIAS.
“Nós moradores, fizemos de nossas vidas sonhos, dos sonhos realidades,
das realidades muitas conquistas. E nossa conquista foi porque lutamos,
confiamos e não desistimos” (Mensagem exposta em cartaz elaborado pela
Associação dos Moradores do Poço da Draga).
4.1- Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura e ameaças de remoção
Para o Poço da Draga, os efeitos decorrentes da implantação do Centro Cultural
Dragão do Mar e de equipamentos no seu entorno foram, como já foi dito, problemático. A
esperada urbanização limitou-se a obras de drenagem e um calçamento, continuando a
carência de esgotamento sanitário, ao mesmo tempo em que surgiram novos problemas,
como a poluição sonora e a maior insegurança de permanência no local. Vale lembrar que
as obras de drenagem e pavimentação realizadas pela Prefeitura Municipal no Poço da
Draga, em 2000, não incluíram todas as ruas da comunidade, ficando excluídos os becos
que formam a área do “poço”38. Os transtornos trazidos com a implantação do Centro são
relatados por um ex-dirigente da Associação de Moradores do Poço da Draga:
“ [o Poço da Draga] nunca foi urbanizado, nunca botaram um cano de água, lá, para urbanizar. Nós não temos saneamento, nós não temos pavimentação, nós não temos [garantia de] permanência no lugar (...); nós não temos posto médico, nós não temos geração de emprego, nós não temos educação profissionalizante, violência urbana é só o que tem lá, poluição sonora, nem se fala... Sexta-feira, quarta, sexta ninguém dorme, nem sábado, porque nós temos aqui muitas boates; quem trabalha de dia, quer dormir de noite, mas lá não acontece isso. Você tem que passar a noite toda se balançando na rede para escutar aqui as boates, certo? Ou,
38 Ver capítulo dois.
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então, toma um remediozinho para poder cair assim, porque não consegue dormir.”39
Motivo de expulsão de antigos moradores da Praia de Iracema, a poluição sonora
ainda é um incômodo para os moradores do Poço da Draga. O grande número de boates e
bares, no entorno do Centro Cultural Dragão do Mar e na Praia de Iracema, tem perturbado
as noites de sono da comunidade. Funcionando de segunda a segunda, a Praia de Iracema
não pára, principalmente as boates, que não têm hora para fechar. Quem persiste em morar
no bairro tem que conviver com seus sons cotidianos.
Além da poluição sonora, a ameaça de remoção do Poço da Draga ficou mais
iminente com a construção do Centro Dragão do Mar. A valorização imobiliária do entorno
do Dragão do Mar tem ameaçado a permanência da “favela” no local, como será visto.
Entretanto, os moradores parecem ser unânimes em apontar a beleza do Centro
Cultural e têm orgulho de ser vizinhos dele. Como disse uma entrevistada:
“...Acho maravilhoso [o Dragão do Mar], foi uma coisa muito boa, muito importante para nós aqui de Fortaleza. Uma coisa muito atraente para os turistas, para as pessoas do sul que vêm para aqui, ficam encantadas com esse centro de coisas bonitas aqui de Fortaleza. Muito elogiado lá no Rio, elogiam muito. Quando estive lá, todo mundo vinha me perguntar como era, e tudo, inclusive eu levei até uns livrinhos daí, aquelas revistinhas daí. É lindo, é uma coisa maravilhosa, (...) um empreendimento muito rico, muito bonito mesmo. Fortaleza precisava de ter uma coisa como essa” (Entrevista realizada em 02/10/02).
O Centro Cultural tem cedido espaço para a realização de diversos eventos para
jovens da comunidade do Poço da Draga: apoiou, em 2000, juntamente com o programa
Comunidade Solidária e a Associação dos Amigos do Museu do Ceará, curso de
restauração de obras de arte; em abril de 2001, curso de capacitação de Fio Couro
39 Depoimento registrado por ocasião de uma reunião promovida por um dos “grupos de impulsão” do Plano Estratégico de Fortaleza (Planefor) em 05.09.00.
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(confecção de bolsas, sapatos e cintos) para adolescentes de 15 a 17 anos; ainda em 2001,
foi palco de apresentação de um concerto de flautas por um grupo de crianças da
comunidade; em agosto de 2002, 30 adolescentes da comunidade participaram do curso de
pintura e escultura em isopor, financiado pelo Centro Cultural e aprenderam a fazer
bonecos gigantes40. Aparentemente, a direção do Dragão do Mar tem tentado estabelecer
uma relação positiva com a comunidade. Entretanto, carências como falta de saneamento
básico e ameaça de remoção “evidenciam, mais uma vez, que a questão transcende o
âmbito de uma política cultural e urbanística localizada.” (Gondim, 2001b, p.17).
Contudo, mesmo sendo vizinhos do Centro Dragão do Mar, os moradores não se
sentem à vontade para freqüentá-lo, pois se sentem excluídos daquele “mundo cultural”.
Muitas vezes a falta de roupa adequada ou o “não saber se comportar” são decisivos. A
exclusão simbólica, aliada à exclusão social, contribuiu para acirrar as relações entre o
Poço da Draga e o Dragão do Mar.
Apesar do reconhecimento dos incômodos trazidos com a implantação do Centro
Dragão do Mar e dos equipamentos do seu entorno para o Poço da Draga, deve-se levar em
consideração que a construção desse centro trouxe visibilidade e acarretou debates acerca
das condições de vida dos moradores do Poço da Draga, como por exemplo, as discussões
em torno da construção do Centro Multifuncional de Eventos e Feiras do Ceará no local da
“favela”.
Vale ressaltar que a ameaça de remoção do local é um problema que a comunidade
vem enfrentando antes mesmo da implantação do Centro Cultural. Segundo Gaspar (1970,
p.3), na década de 1970 a ameaça seria decorrente de um Plano Diretor:
“O plano Hélio Modesto prevê a construção de um Centro Cívico para Fortaleza no local onde hoje está localizada a Favela do Poço
40 “Adolescentes aprendem a fazer bonecos gigantes”. Diário do Nordeste, 20 ago. 2002.
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da Draga. A Companhia de Habitação do Ceará (COHAB-CE) e a Fundação do Bem-Estar da Prefeitura Municipal já iniciaram estudos para a execução do projeto.”
Como já foi dito, também na mesma década, o Poço da Draga passaria por
profundas mudanças em decorrência da instalação de um estaleiro naval, em área vizinha, o
que acarretou a remoção de parte de seus moradores para o Conjunto Palmeiras - situado na
periferia de Fortaleza. Além disso, com a construção do estaleiro, a principal área de lazer
do Poço da Draga ficaria restrita, pois a praia em frente à Indústria Naval, que outrora era
de acesso livre aos moradores, foi “privatizada”41 como afirmam alguns informantes.
Restou a faixa de praia que fica entre a Ponte Metálica e a Ponte dos Ingleses, chamada de
Praia da Pedra Preta (FIG.34) Se comparada ao antigo acesso, que ia do atual Marina Park
até o Estoril, os moradores perderam muito do espaço de lazer preferido da comunidade.
Segundo cadastro realizado pela Seinfra (2001), 49,83% dos moradores elegeram a praia
como principal diversão local (ver Tabela 26), incluindo, pesca, surf, banhos de mar e
mergulho.
Em 1995, a comunidade do Poço da Draga seria novamente ameaçada de remoção
devido ao projeto turístico “Rua 24 horas”. A Prefeitura Municipal propôs, mas não chegou
a realizar, a troca do terreno da comunidade por outro, na Chácara das Rosas, localizada na
rua José Avelino, na Praia de Iracema. Um ano depois, os moradores são novamente
notificados pela Prefeitura Municipal, ainda na gestão do prefeito Antônio Cambraia, de
que seriam transferidos para um complexo habitacional (Prefeitura Municipal de Fortaleza,
1996, p. 04) (FIG.35). Esse projeto tampouco chegou a ser executado.
41 Termo usado pelos moradores para designar que a praia está cercada e vigiada por seguranças.
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Em 1997, o Secretário de Desenvolvimento Territorial e Urbano e Meio Ambiente
do Município, Marcelo Teixeira42 anuncia que a comunidade será removida para a periferia
da cidade. Em outubro de 2001, os moradores do Poço da Draga são comunicados da
proposta do Governo de construir o Centro Multifuncional de Feiras e Eventos do Ceará no
local da “favela”.
Tal projeto envolveu quatro consórcios, formados por 14 escritórios de arquitetura
locais, consultores internacionais e professores da Universidade Federal do Ceará. Prevê o
aterro de 19 hectares do mar da Praia de Iracema (FIG. 36), sendo o seu custo estimado em
R$ 200 milhões, oriundo de verba do Programa de Desenvolvimento do Turismo, através
do financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O novo centro
contaria com 55 mil m2 de área construída, abrangendo um mega-teatro para duas mil
pessoas, jardins, auditórios, quadras esportivas e espaço para exposições. A implantação do
equipamento pretende:
“fortalecer a indústria do turismo, com apoio ao setor turismo de negócios; apoiar o desenvolvimento da indústria cultural local, oferecendo à população os espaços com condições técnicas adequadas às atividades ligadas às grandes reuniões e espetáculos; converter os impactos urbanos decorrentes de sua construção para criar condições efetivas para a viabilização de operações de revitalização com benefícios ao conjunto da população; melhoria das condições de recepção a visitantes, reforçando a imagem urbana e a memorabilidade da cidade e obtendo como resultado o incremento de sua competitividade como destino turístico” (Seinfra, 2002, p. 01).
O projeto previa que a comunidade do Poço da Draga seria relocada em terreno
situado nas proximidades do atual quadrilátero formado pelas ruas Senador Almino,
Almirante Jaceguai, Dragão do Mar e Pessoa Anta. Nesse caso, foi elaborado um projeto
habitacional pelos escritórios Muniz Deusdará, Cartaxo & Smith, Luciano Guimarães e
42 Segundo artigo do Diário do Nordeste, 25 jun. 1997 e depoimentos de técnicos do CDPDH, havia também interesse do grupo empresarial do Marina Park na retirada da comunidade para construção de um centro
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Luiz Fiúza, prevendo a construção de aproximadamente 292 unidades habitacionais dúplex
e térreas, com estacionamentos, pontos comerciais, sede da Associação, creche, escola,
posto de saúde e uma praça. O tamanho dos apartamentos será determinado pelo numero de
pessoas da família. Residências com até duas pessoas terão direito a apartamento de um
quarto (área total de 42 m2), com até três pessoas, apartamento de dois quartos (área total de
52 m2) e residências com até de cinco pessoas, apartamento de três quartos (área total de
70,3 m2) (ver Tabela 28).
Entretanto, alguns pontos da proposta deixaram os moradores do Poço da Draga
inseguros. Suas preocupações são bem claras no documento elaborado pelo Centro de
Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese, juntamente com a Associação dos
Moradores, e apresentado aos organizadores do projeto:
“O tamanho das casas e o modelo não convence os moradores de que seja uma moradia de qualidade; (...) os reais prazos para o início da construção das obras [não foram definidos]; o terreno é pequeno em relação ao terreno atual da comunidade; não está claro o que significa melhoria da qualidade de vida; os técnicos do projeto não estão conversando o suficiente com os comerciantes; os custos tarifários com a nova moradia precisam ficar claros; o título de propriedade e o repasse do Estado causam inquietação” (Arquidiocese de Fortaleza, 2002, p.05).
O projeto de relocação das moradias do Poço da Draga (FIG.37) foi discutido com
os moradores em reuniões, audiências públicas, seminários e uma viagem à Nova
Jaguaribara em dezembro de 2001, para conhecer a experiência de transferência da
população para uma cidade planejada devido à construção do Açude Castanhão43.
Atualmente, o projeto do Centro Multifuncional de Eventos e Feiras entrou em compasso
de espera, aguardando liberação de recursos.
turístico na área. 43 Construído no local da antiga cidade de Jaguaribara, o Açude Castanhão foi projetado para garantir o abastecimento do Vale do Jaguaribe, da área de influência do Porto do Pecém e de 2.750.000 pessoas da
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Em outubro de 2003, por ocasião de uma reunião organizada pelo CDL (Clube de
Dirigentes Logistas), a Associação foi informada do projeto de requalificação da Praia de
Iracema pela Prefeitura Municipal de Fortaleza, que incluía a construção de um calçadão no
local da “favela”. Entretanto, o projeto não chegou a ser executado.
4.2- O lugar do Poço da Draga na Praia de Iracema requalificada
As discussões em torno da requalificação da Praia de Iracema foram retomadas por
lideranças de associações locais, comerciantes, moradores, taxistas, entre outros, através do
Fórum da Praia de Iracema. Criado em abril de 2005, o Fórum tem discutido os problemas
locais do bairro como: prostituição, tráfico de drogas, poluição sonora, violência,
reordenamento do trânsito e degradação do calçadão.
Antes do Fórum da Praia de Iracema, outros movimentos se organizaram em torno
da requalificação do bairro como o CIPI, Conselho Independente da Praia de Iracema, e
Associação dos Amigos da Praia de Iracema (Diário do Nordeste, 07 jul.04). Entretanto, a
inclusão dos moradores do Poço da Draga somente ocorreu a partir das discussões no
Conselho Independente da Praia de Iracema, e mais recentemente, no Fórum da Praia de
Iracema, o quê demostra como a comunidade tem ficado de fora das discussões sobre o
bairro que moram. Mesmo com a abertura para o Poço da Draga, o espaço para a discussão
dos problemas da comunidade ainda é reduzido. Durante minha participação nas reuniões
do Fórum44, pouco se comentou sobre as condições de vida dos moradores do Poço da
Draga, as discussões giravam mais em torno dos problemas enfrentados pelo pólo de lazer
Região Metropolitana de Fortaleza (www.srh.ce.gov.br). A experiência da remoção foi repassada para moradores do Poço da Draga através de conversa informal com lideres comunitários da cidade.
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do bairro, ou, mais precisamente, da área compreendida pela rua dos Tabajaras e
adjacências, entre a Ponte dos Ingleses e a Igreja de São Pedro. Somente a reforma do Posto
de Saúde do Poço da Draga foi incluída nas reivindicações do Fórum. O desemprego, a
violência, a falta de saneamento básico, entre outros que assolam a comunidade, não foram
citados na lista dos principais problemas do bairro, enumerados pela diretoria do Fórum:
1-Tráfico de drogas; 2-Prostituição; 3-Ocupação do calçadão (Largo do Mincharia e Largo Luís Assunção) por hippies e meninos de ruas; 4-Comercialização de drogas e bebidas alcoólicas por ambulantes não cadastrados; 5-Funcionamento de casas de favorecimento à prostituição; 6-Fiscalização do trânsito e, em particular, dos taxistas e mototaxistas (Dez anos de abandono da Praia de Iracema. Carta de Protesto. 07/05/05)
O Poço da Draga parece mesmo uma área a parte da Praia de Iracema. Um passeio
pela rua dos Tabajaras vai mostrar dois mundos completamente diferentes. A rua inicia-se
no Poço da Draga e termina próximo à Igreja de São Pedro. A movimentada Tabajaras, no
coração da Praia de Iracema, nem se parece com a pacata rua do Poço da Draga; seus atores
tampouco se parecem. A cena de uma é composta, predominantemente, por turistas e
visitantes, já a da outra é feita por pessoas do lugar. A presença do prédio da coordenadoria
estadual do Ceará do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra a Seca) construído
na década de 1970, também tem concorrido para separar o Poço da Draga do pólo de lazer
do bairro. Pois o prédio serve como um verdadeiro paredão, impedindo que a comunidade
seja vista por quem passe pela rua dos Tabajaras e adjacências. Vale ressaltar que as
diferenças ocorrem apenas num raio de 100 metros, entre a entrada da comunidade e o pólo
de lazer da Praia de Iracema. Mais uma vez, vê-se como a proximidade física não coincide
44 O Fórum é um movimento organizado por diversos atores da Praia de Iracema, como já foi dito, no intuito
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com a proximidade social (Shils, 1996; Marques, 2001). A distância social é percebida pelo
Poço da Draga quando a comunidade serve como depósito de lixo para bares do entorno do
Dragão do Mar. Sem identificação com a imagem turística de Fortaleza e pouco conhecido
pelo restante da cidade, o Poço da Draga, não é considerado por seus moradores como Praia
de Iracema, como disse um entrevistado:
“Para mim, no meu modo de ver, de pensar, eu não moro na Praia de Iracema, moro no Poço da Draga (...) por que? O Poço da Draga, ele é excluído, ninguém tem como Poço da Draga, Praia de Iracema. Praia de Iracema para todo mundo são as praias, a ponte, prédio, até o Dragão do Mar é Praia de Iracema, mas o Poço da Draga é totalmente excluído.” (Entrevista realizada em 24/05/05).
A exclusão do Poço da Draga do universo social da Praia de Iracema ocorre tanto na
perspectiva simbólica como física. Enquanto as classes médias altas preferem viver entre
muros, com câmeras e segurança armada, protegendo-se dos pobres (Caldeira, 2000), a
comunidade do Poço da Draga, pelo contrário, parece se proteger dos ricos, de quem tem
poder para ameaçar sua permanência no bairro. Viver entre muros seria uma forma de ir
resistindo, mesmo que temporariamente, às ameaças da especulação imobiliária. Não ser
visto lhes garantiria uma sobrevida maior. Assim como se esconder é uma estratégia de
sobrevivência do Poço da Draga, o estar escondido permite que sociedade civil e poder
público façam de conta que a comunidade não existe.
A exclusão também se dá no campo da memória, ou seja, a construção do
simbolismo do bairro é sustentada nas memórias de grupos sociais de uma elite econômica
social ou política, referendadas como a “tradição” do bairro, em detrimento das memórias
de outros grupos, como os moradores do Poço da Draga, por exemplo, que foram apagadas
ou obscurecidas (Schramm, 2001). Alvo de maior intervenção urbanística dos últimos anos,
a área compreendida entre a rua dos Tabajaras e adjacências, entre a Ponte dos Ingleses e a
de discutir os problemas e soluções para o bairro.
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Igreja São Pedro, é “vendida” e conhecida como a que melhor representa a memória do
bairro e da cidade. Enquanto certos espaços são consagrados como lugares de memórias
(Augé, 1994), os moradores Poço da Draga ainda aguardam o reconhecimento de serem
legítimos moradores da Praia de Iracema.
Entretanto, ao longo dos meus contatos com os moradores do Poço da Draga,
percebi que eles fazem uso da memória e identidade social como instrumentos para
reivindicar seus direitos de cidadania, o que confirma a análise de Gondim (2001 p. 176):
“a permanência, ainda que relativa, no tempo - e também no espaço - permite a formação de laços de sociabilidade e a transmissão de experiências entre as gerações, criando condições para que uma sociedade ou grupo sejam identificadas como tais, por outros grupos. Apelamos ao passado como fonte de identificação de pertencimento, ou seja: o que somos, como indivíduos ou grupos, depende de saber quem fomos e de onde viemos.”
Dessa forma, o Poço da Draga lança mão de sua memória para reclamar melhores
condições de vida para seus moradores e o direito de pertencimento ao bairro em processo
de valorização, como bem expressa o discurso de uma líder comunitária:
“Eu sou nativo da área...Só existe nós mesmos. Porque ali na [rua dos] Tabajaras, não existe mais morador. Ali tudo é empresário, é japonês, é italiano, é português, é o escambau. Morador mesmo, não existe. Então, nós somos a cultura viva da Praia de Iracema. Por que que nós vamos sair [daqui]...?” (Entrevista concedida em 09/02/01).
A reconstrução da memória social feita pela entrevistada é baseada em sua luta pela
permanência da comunidade no local e, também, por melhores condições de vida. Ao
lançar mão de sua história de vida, os moradores estão firmando uma identidade social e
construindo uma memória coletiva que lhes possibilite reclamar seus direitos. Pois, como
afirma Sousa,
“ O ato de rememoração pode ser tomado como uma estratégia frente à inevitabilidade do tempo [que] ameaça que tudo seja reduzido a ruínas.
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Mais do que isso, os próprios eventos oriundos das transformações da cidade, do seu crescimento e da especulação imobiliária, ressaltaram esta característica de defesa contra o esquecimento, a aniquilação...” (Sousa, 2000, p.07).
Lembrar permite acumular experiências, frente a possíveis ameaças; esquecer é
encarar a destruição. Assim, a lembrança serve como armadura contra as eventualidades.
Para os moradores do Poço da Draga, lembrar é ter conhecimento sobre seus direitos de
cidadania, entendida como “...formação, informação e participação múltiplas na
construção da cultura, da política, de um espaço e tempos coletivos” (Paoli, 1992, p.26).
Na tentativa de transformar a Praia de Iracema num pólo de lazer, o poder público
municipal e estadual elabora um discurso no qual a favela é um modelo urbano superado,
carregado de negatividades e indesejado, e deve dar lugar a equipamentos ou símbolos da
modernidade (Santos & Vogel, 1985). Esquece-se, entretanto, que ali moram pessoas, com
seus modos de vida e laços de amizade e parentesco consolidados. A expulsão das moradias
significa seccionar o tecido do bairro, desmantelando unidades completas que mantinham
relações internas de caráter simbiótico (Santos & Vogel, 1985). Assim, o espaço dos
moradores do Poço da Draga na Praia de Iracema ficou restrito, não propriamente pelo fato
deles serem impedidos de circular pelo bairro, mas por conta dos interesses turísticos não
combinarem com os anseios dos moradores. Uma moradora, nascida no Poço da Draga fala
como era a convivência com a Praia de Iracema de antes:
“...aí [Praia de Iracema] era ótimo para tomar banho, depois que inventaram esses restaurantes, boate ali, acabou com a Praia de Iracema (...)Brincava, só ia para a Praia ali, aonde chamava piscininha, no Estoril45, tinha as brincadeiras, tinha festa de final de ano que eles faziam. Convidava até o pessoal aqui da comunidade, mas aí pronto, acabou, depois que começaram a pensar no turismo, aí esqueceu do pessoal da classe baixa. Aí acabou com o lazer da pessoa, porque ali era ponto de lazer muito bom.(...) É lazer dos turistas e ficou foi pior, porque a gente passa só vê mal cheiro, aquele lado ali do Estoril, é tudo deteriorado,
45 Restaurante de propriedade da Prefeitura Municipal de Fortaleza, localizado na Praia de Iracema.
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acabado, também a violência do mar, a ressaca do mar, e aí acabou ...” (Entrevista realizada em 01/11/05).
Apesar da ameaça de remoção ser uma das principais queixas da comunidade,
outras mudanças ocorridas no local estão inclusas na agenda de preocupações dos
moradores. Uma delas é o tráfico de drogas, que seria uma prática antiga na Praia de
Iracema, como afirmam o ex-dirigente da associação de moradores e uma moradora do
Poço da Draga:
“...Antigamente, tínhamos a Ponte dos Ingleses que hoje está reformada, aonde aconteciam muitos casos de venda de drogas, de se rolar uma droguinha escondidinha, debaixo dos panos, mas acontecia. Depois que a Ponte dos Ingleses foi reformada (...) a Ponte Metálica abraçou todos os pontozinhos que vieram de [lá] para cá...” (Entrevista realizada em 01/11/03).
“... os [traficantes] do Poço da Draga, eles foram ensaiados com os [traficantes] lá da Praia de Iracema, eles foram criados. Veio de lá, eles levam os jovens daqui para lá, e ensinam do jeito que ensinaram os que já tem aqui dentro.” (Entrevista realizada em 30/05/05).
De fato, após a reforma da Ponte dos Ingleses e a instalação de uma cabine da
policia militar no local, a venda de drogas foi coibida, apesar de não ter sido de todo
abolida. A presença da polícia contribuiu para a transferência desse comércio para lugares
menos visíveis, como a Ponte Metálica e, posteriormente, para o próprio Poço da Draga.
Na “favela”, o tráfico dispõe da vantagem da difícil acessibilidade, pois a “boca de fumo”
fica escondida no labirinto de becos e casas localizados na área do “Poço”46. Além disso, o
local serve de refúgio para assaltantes da área. Como afirma uma moradora do Poço da
46 Ver capítulo três.
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Draga, ao falar da dificuldade da polícia em capturar os jovens que assaltam na ponte
velha,
“Eles [a polícia] vêm, mas eles não vão entrar no buraco onde os meninos entram, eles vêm e passam direto aí. Parece um foguete, ele passa para lá, e eles entram ali e se emburaca, acho que é na casa da família deles, que eu não sei que eu nunca entrei ali [inaudível]. Ouvi dizer que eles entram até dentro de um esgoto...” (Entrevista realizada 02/10/02).
O aumento do número de jovens envolvidos com assaltos na Praia de Iracema47 vem
preocupando a comunidade e reforçando a imagem de insegurança do local. Basta ir uns
dois dias por semana no Poço da Draga para ver como a criminalidade é cotidiana. A
incursão de policiais militares no lugar tem se tornado freqüente nos últimos anos, segundo
depoimentos de moradores e minhas observações. Muitas vezes, a ida dos policiais não
culmina na captura dos infratores, mas apenas representa uma justificativa para as vitimas
da violência. Os assaltos, como os tenho observado, ocorrem na maioria dos casos nas
imediações da Ponte Velha ou Ponte Metálica, no fim da tarde, quando é o momento de
maior movimento de pessoas. Entre minha primeira visita, em fevereiro de 2000 e a última,
em novembro de 2005, percebi um cuidado maior dos moradores com a segurança de suas
casas e de seus comércios. Muitos comerciantes colocam grades na entrada dos seus
estabelecimentos, e as casas passam a maior parte do tempo com cadeado nos portões.
Em março de 2004, um grupo de moradores decidiu, juntamente com o apoio da
Secretária de Segurança Pública e Defesa Social, formar o Conselho de Defesa Social,
Segurança e Alimentação do Poço da Draga. Esse conselho, composto por 10 moradores
locais, pretende “através de debates com a comunidade desenvolver um trabalho de
inclusão social na tentativa de retirar os jovens da criminalidade, e impedir o assédio do
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tráfico de drogas às crianças e adolescentes”48. Concomitantemente a essa iniciativa,
outras ações vêm sendo desenvolvidas pela associação dos moradores no sentido de retirar
as crianças da rua, como o atletismo, que atualmente beneficia dez crianças, as quais
recebem ajuda de custo da FETRIECE (Fundação Cearense de Triatlon), para transporte e
material esportivo. E a escolinha de futebol, coordenada por dois moradores da
comunidade, que com o apoio da Funcet (Fundação de Cultura, Esporte e Turismo)
recebem um salário mínimo para dar aulas a crianças de 07 a 14 anos49.
A prostituição de meninas do Poço da Draga também tem se acentuado após a
requalificação da Praia de Iracema. A rede de prostituição instalada na Praia de Iracema,
nos últimos anos, formada por donos de boates, bares e taxistas vem contribuindo para a
atração de meninas não só do Poço da Draga, como também da periferia da cidade50. A
preocupação das mães do Poço da Draga com o futuro de suas filhas foi algo bastante
relatado durante o tempo que estive por lá. O tráfico de drogas e a prostituição são
apontados como os vilões da juventude local, como disse uma moradora, coordenadora de
um reforço escolar na comunidade:
Nós temos muitas de nossas crianças que vai lá para a praia. (...) Umas já não são tão meninas, que já tão ficando adultas, já estão ultrapassando a adolescência. Para menina é muito mais fácil ir ali na Praia de Iracema e conseguir um dinheirinho, e isso acontece muito, infelizmente. A gente luta, por isso que eu vivo nesse trabalho aqui com essa minha filha para ver se a gente consegue pelo menos botar alguma coisa na cabecinha dessas crianças agora, para no futuro, a gente olhar para trás e ver que a gente conseguiu ajudar três, quatro, que seja. (Entrevista realizada em 30/05/05).
47 Em março desse ano, segundo informações obtidas junto ao Conselho de Segurança do Poço da Draga existiam cinco adolescentes, com idades entre 12 e 17 anos em abrigos para menores infratores. Entretanto, muitos outros estariam soltos ou não teriam sido identificados pela polícia. 48 Proposta do Conselho de Defesa Social do Poço da Draga apresentada em 18/03/04.
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Por outro lado, a requalificação pôde trazer à tona conflitos pouco perceptíveis,
como no caso dos debates sobre o destino da “favela” do Poço da Draga. Após a construção
do CDMAC ocorreram diversos debates da sociedade civil com relação às condições de
vida dos moradores. Tais debates recrudesceram com o anúncio da construção pelo governo
estadual do Centro Multifuncional de Feiras e Eventos em 2001. Basta vermos o espaço
que foi dedicado à comunidade nos dois jornais da cidade.51 A publicização dos problemas
acaba virando um instrumento de luta, trazendo a possibilidade de se obter algum benefício.
Além do mais, a requalificação urbana pode se vincular à possibilidade de reivindicações
dos direitos de cidadania, inclusive o de participar de decisões sobre o uso e ocupação de
bairros, praças e ruas da cidade (Scocuglia, 2003, p. 344).
Entretanto, mesmo face ao enclausuramento e ao esquecimento das comunidades
vizinhas à projetos de intervenção urbana, os moradores tentam à sua maneira se integrar às
áreas requalificadas através de usos diferentes daqueles que haviam sido projetados para
elas. Ou seja, podem potencializar formas de interação a partir da diversificação dos usos,
expandidos com a própria dinâmica das interações dos espaços requalificados (Scocuglia,
2003). Os contra-usos do espaço urbano (Leite, 2004) podem ser reconhecidos quando
aproveitam a movimentação de boates, bares e shows, para o comércio ambulante, como a
venda de pipocas e bebidas e a atividade de “vigiar carros”.
Carlos Nelson Ferreira dos Santos e Arno Vogel (1985) em seu livro Quando a
casa vira rua, fala das limitações de projetos idealizados abstratamente para as cidades, e
de como eles têm que se adequar a realidades muitas vezes diversas daquelas com o que o
projetista sonhou. Em outras palavras, o desconhecimento da realidade cotidiana dos
49 Foi prevista pela Secretaria de Ação Social a disponibilidade de recursos do Governo do Estado para a capacitação de jovens para o ingresso no mercado de trabalho. Entretanto, segundo a presidente do conselho, somente as reuniões com a comunidade haviam sido iniciadas.
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bairros, alvo de intervenções, leva o arquiteto a construir projetos fantasiosos. Nas palavras
dos autores:
“...cidades são concretizações de modelos culturais, materializam momentos históricos e se desempenham como podem, tendo de comportar conflitos e conjugações que se armam e desarmam sem parar e em muitos níveis.” ( Santos & Vogel, 1985, p. 07)
A população reverte os significados dos espaços que lhe são impostos, e cria com
muita dificuldade e desgaste, ordens próprias que ultrapassem as ordens simplistas e
abstratas dos planejadores ( Santos & Vogel, 1985).
Apesar dos transtornos trazidos pelas mudanças da Praia de Iracema nos últimos
tempos, como já foi citado, à pergunta como é ser morador da Praia de Iracema, os
moradores davam respostas que indicavam sua satisfação em morar “perto de tudo,
próximo do Centro, de colégios, bancos, mercado”. Destacavam também as oportunidades
de trabalho e lazer, proporcionadas pela proximidade à Praia de Iracema e ao Centro
Dragão do Mar.
Segundo a Associação dos Moradores do Poço da Draga, cerca de seis moradores
da comunidade trabalham no entorno do Centro Dragão do Mar como guardadores de
carros, outros dez também trabalham no entorno e na Praia de Iracema como vendedores
ambulantes. Há ainda os catadores de latas de alumínio, que aproveitam a noite da Praia de
Iracema e do entorno do Dragão do Mar para recolhê-las. Mesmo funcionando de forma
precária, esses trabalhos ou “bicos” são responsáveis pelo sustento de muitas famílias do
Poço da Draga, conforme pude constatar.
50 Informação obtida com Roselane Bezerra, que desenvolve pesquisa sobre a Praia de Iracema. 51 Ver Bibliografia, item periódicos.
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Além disso, alguns jovens do Poço da Draga52 e do Serviluz dispõem de bolsas no
valor de 150 reais, na Ong Alpendre, que trabalha com produção de cinema e vídeos. Os
artesãos e grupos artísticos do Poço da Draga também se beneficiam da proximidade com o
Dragão do Mar, pois o centro cultural tem cedido seu espaço para a realização de
apresentações de quadrilhas e grupos folclóricos da comunidade, além de incluir os
artesãos nas feiras realizadas pelo Dragão do Mar.
Entretanto, a localização privilegiada parece ser uma das poucas vantagens que a
comunidade ainda consegue preservar, frente ao avanço da especulação imobiliária e dos
megas projetos do poder público.
52 Na época da conclusão da pesquisa, oito jovens do Poço da Draga estava realizando cursos na Ong Alpendre. Alguns desses jovens já produziram vídeos transmitidos pela TV Ceará aos domingos, no programa intitulado No Ar. Seus vídeos também já tiveram participação no Festival de Cinema do Ceará, Cine Ceará, e em outros festivais de vídeos nacionais, como o II Festival de Jovens Realizadores de Audiovisual do Mercosul, realizado de 18 a 21 de outubro de 2005, em Fortaleza/Ce.
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TABELAS
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TABELA 01 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA MATERIAL DE CONSTRUÇÃO – PAREDES (2001)
DISCRIMINAÇÃO N % Madeira 20 7,60 Tijolo 242 92,02 Outros 1 0,38
TOTAL 263 100,00
Fonte: SEINFRA, 2001, p.97.
TABELA 02 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA MATERIAL DE CONSTRUÇÃO – PISO (2001) DISCRIMINAÇÃO N % Areia 4 1,52 Barro 2 0,76 Cerâmica 23 8,75 Cimento 219 83,27 Outros 15 5,70 TOTAL 263 100,00
Fonte: SEINFRA, 2001, p.97.
TABELA 03 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA MATERIAL DE CONSTRUÇÃO – PAREDES (1970) DISCRIMINAÇÃO N % Madeira 35 70,0 Tijolo 5 10,0 Taipa 10 20,0 TOTAL 50 100,00
Fonte: GASPAR, 1970, p.12.
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TABELA 04 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA MATERIAL DE CONSTRUÇÃO – PISO (1970) DISCRIMINAÇÃO N % Cimento 17 34 Mosaico 2 4 Tijolo 5 10 Madeira 13 26 Chão 13 26 TOTAL 50 100,00 Fonte: GASPAR, 1970, p.13. TABELA 05 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA NÚMEROS DE CÔMODOS POR IMÓVEL
N CÔMODOS N % 1-2 77 29,28 3-5 140 53,23 6-8 40 15,20 Acima de 9 6 2,28 TOTAL 263 100,00
Fonte: SEINFRA, 2001, p.100.
TABELA 06 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA ABASTECIMENTO D’ÁGUA
DISCRIMINAÇÃO N % Cagece 223 84,79 Outros 40 15,21 TOTAL 263 100,00
Fonte: SEINFRA, 2001, p.97.
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TABELA 07 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA ENÉRGIA ELÉTRICA
DISCRIMINAÇÃO N % Coelce 237 90,11 Gambiarra 12 4,56 Não tem 14 5,32 TOTAL 263 100,00
Fonte: SEINFRA, 2001, p.97. TABELA 08 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA PAVIMENTAÇÃO
DISCRIMINAÇÃO N % Asfalto 7 2,66 Calçamento 187 71,10 Outros 69 26,24 TOTAL 263 100,00
Fonte: SEINFRA, 2001, p.98.
TABELA 09 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA
INFRA-ESTRUTURA DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO
DISCRIMINAÇÃO N % Fossa Sumidouro 113 42,97 Rede Pública 17 6,46 Outros 133 50,57 TOTAL 263 100,00
Fonte: SEINFRA, 2001, p. 98
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TABELA 10 CONDIÇÕES SANITÁRIAS – EXISTÊNCIA DE VASO SANITÁRIO DISCRIMINAÇÃO N % Não 60 22,81 Sim 203 77,19 TOTAL 263 100,00 Fonte: SEINFRA, 2001, p. 99. TABELA 11 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA CONDIÇÕES SANITÁRIAS – N0 DE BANHEIROS
DISCRIMINAÇÃO N % 0 44 16,73 1 205 77,95 2 12 4,56 3 2 0,76 TOTAL 263 100,00 Fonte: SEINFRA, 2001, p. 101. TABELA 12 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA SITUAÇÃO DO IMÓVEL
DISCRIMINAÇÃO N % Alugado 14 5,32 Cedido 9 3,42 Próprio 240 91,25 TOTAL 263 100,00
Fonte: SEINFRA, 2001, p. 102.
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TABELA 13 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA ORIGEM DOS CHEFES DE FAMÍLIA EM 1970
DISCRIMINAÇÃO N % ORIGEM Interior 32 64 Fortaleza 13 26 Outros estados 5 10 TOTAL 50 100,00 Fonte: GASPAR, 1970, p. 10.
TABELA 14 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA
ORIGEM DOS CHEFES DE FAMÍLIA EM 2001 ORIGEM N %
Interior 101 34,71 Fortaleza 176 60,48
Outros estados 14 4,81 TOTAL 291 100.00
Fonte: SEINFRA, 2001, p. 108. TABELA 15 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA TEMPO DE RESIDÊNCIA LOCAL EM 1970 DISCRIMINAÇÃO N % ANOS 0-1 2 4 2-5 8 16 6-10 12 24 11-15 8 16 16-20 9 18 21 + 11 22 TOTAL 50 100 Fonte: GASPAR, 1970, p.11.
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TABELA 16 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA TEMPO DE RESIDÊNCIA LOCAL EM 2001
ANOS N % Até 1 12 4,12 Acima de 1 a 10 83 28,52 Acima de 10 a 20 64 21,99 Acima de 20 132 45,36 TOTAL 291 100,00 Fonte: SEINFRA, 2001, p.105. TABELA 17 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA DISTRIBUIÇÃO ETÁRIA
DISCRIMINAÇÃO N % Até 1 36 3,36 Acima de 1 a 5 122 11,39 Acima de 5 a 10 106 9,89 Acima de 10 a 15 95 8,87 Acima de 15 a 20 117 10,92 Acima de 20 a 25 111 10,36 Acima de 25 a 30 101 9,43 Acima de 30 a 40 157 14,16 Acima de 40 a 60 155 14,47 Acima de 60 a 65 32 2,99 Acima de 65 39 3,64 TOTAL 1.071 100,00 Fonte: SEINFRA, 2001, p. 05.
TABELA 18 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA SEXO DO CHEFE DE FAMÍLIA
SEXO N % FEMININO 216 74,23 MASCULINO 75 25,77 TOTAL 291 100,00
Fonte: SEINFRA, 2001, p. 01.
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TABELA 19 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA PRINCIPAIS* OCUPAÇÕES DA POPULAÇÃO ATIVA
PROFISSÃO N % Aposentado ou pensionista 64 5,97 Trabalhador serviços 83 7,71 Trabalhador comércio 4 0,37 Trabalhador de serviços domésticos
25 2,34
Comerciantes 40 3,73 Donas de casa 103 9,62 Estudantes 233 21,76 Autônomo ou biscateiro 33 3.08 Trabalhador Transporte 6 0,56 Trabalhador Indústria 6 1,05 Pescador ou Portuário 7 1,16 Professor 7 0,65 Desempregados 43 4,01 Sem ocupação 37 3,45 Outros 5 0,47
TOTAL 1.071 100,00 Fonte: SEINFRA, 2001, p.81, exceto quanto ao número de desempregados, o qual foi obtido das Tabelas Familiares por ocupação econômica (p.46) e Chefes de família – profissão (p.79).
TABELA 20 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA RENDA MENSAL DOS CHEFES DE FAMÍLIA SALÁRIOS – MÍNIMOS n %
Até 1 174 59,79 De 1 a 2 76 26,12 De 2 a 3 18 6,19
Mais de 3 23 7,90 TOTAL 291 100,00
Fonte: SEINFRA, 2001, p. 92. * Foram discriminadas apenas as ocupações declaradas por duas pessoas ou mais.
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TABELA 21 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA
RENDA MENSAL FAMILIAR SALÁRIOS-MÍNIMOS n %
Sem Renda 18 6,19 Menor que 1 17 5,84 Entre 1 e 2 104 35.74 Entre 2 e 3 45 15,46 Entre 3 e 4 35 12,03 Entre 4 e 5 18 6,19 Maior que 5 54 18,56
TOTAL 291 100,00 Fonte: SEINFRA, 2001, p. 93. TABELA 22 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA OCUPAÇÃO FORMAL E INFORMAL DOS TRABALHADORES
DISCRIMINAÇÃO N %
Com carteira de trabalho 137 29.72
Sem carteira de trabalho 324 70,28
TOTAL 461 100,00 Fonte: SEINFRA, 2001, p. 83.
TABELA 23 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA
ESCOLARIDADE DOS MORADORES DISCRIMINAÇÃO n %
Analfabeto 62 5,79 Ensino Fundamental
completo 55 5,14
Ensino Fundamental incompleto
572 53,41
Ensino Médio completo 91 8,50 Ensino Médio incompleto 92 8,59
Superior incompleto 1 0,09 TOTAL 1.071 100,00
Fonte: SEINFRA, 2001, p. 6.
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TABELA 24 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA LOCAL ONDE TRABALHA DISCRIMINAÇÃO N % Mesmo bairro 178 38,61 Outro bairro 186 40,35 Vários bairros 16 3,47 Outro Estado 3 0,65 Outro Município 4 0,87 TOTAL 461 100,00
Fonte: SEINFRA, 2001, p. 84.
TABELA 25 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA TRANSPORTE UTILIZADO
TRANSPORTES N % ESCOLA Carro 1 0,35 Ônibus 33 11,70 Não utiliza 248 87,94 TRABALHO Alternativo 1 0,22 Bicicleta 24 5,21 Carro 19 4,12 Moto 2 0,43 Ônibus 126 27,33 Não utiliza 287 62,26 Outros 2 0,43 TOTAL 1.071 100,00 Fonte: SEINFRA, 2001, p.12. TABELA 26 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA ATIVIDADES DE LAZER EM 2001
DISCRIMINAÇÃO N % Praia 145 49,83 Cinema 2 0,69 Esporte 25 8,59 Televisão 131 45,02 Música 41 14,09 Festas 16 5,50 Nenhum 13 4,47 Outros 108 37,71 TOTAL 291 (*) Fonte: SEINFRA, 2001, p. 11. (*) As respostas não são mutuamente exclusivas.
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TABELA 27 COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA ATIVIDADES DE LAZER EM 1970 DISCRIMINAÇÃO N % Tv 12 24 Futebol 5 10 Rádio 13 26 Beber com amigos 2 4 Festa religiosa 2 4 Banhos de mar 2 4 Cinema 5 10 Festa dançante 2 4 Não tem 7 14 TOTAL 50 100
Fonte: GASPAR, 1970, p.30.
TABELA 28
COMUNIDADE DO POÇO DA DRAGA DIMENSÕES DOS APARTAMENTOS PREVISTOS NO PROJETO DE MORADIA
TAMANHO DA FAMÍLIA N0 DE QUARTOS ÁREA (m2) 2 pessoas 01 42m2
3 pessoas 02 52m2
5 pessoas* 03 70,31m2
Fonte: Projeto: Muniz Deusdará, Cartaxo&Smith, Luciano Guimarães e Luiz Fiúza, 2002.
* O projeto somente prevê apartamentos para famílias de até cinco pessoas, não menciona famílias com seis ou mais pessoas.
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FIGURAS
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FIGURA 1: Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. (Fonte: Revista Marketing Cultural)
FIGURA 2: Foto área do Centro Cultural Dragão do Mar e entorno. (Fonte: Postais Panorama/ Chacon)
FIGURA 3 : Ponte Metálica em 1906. Ao fundo, à esquerda vê-se um denso coqueiral; à direita, o Prédio da Alfândega, atual Agência Pessoa Anta, da Caixa Econômica Federal. (Arquivo Nirez).
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FIGURA 4: Prédio da Caixa Econômica Federal, antiga Alfândega. Ponto de partida para entrada no Poço da Draga. (Foto: Vancarder Brito, 2002)
FIGURA 5: Ponte Metálica em 2004. Atualmente se encontra em ruínas, foi condenada pelos técnicos da Prefeitura, é freqüentada por pescadores amadores, e visitantes em observar o pôr -do –sol. (Foto: Vancarder Brito, 2002).
FIGURA 6 : Comunidade do Poço da Draga em 1970. As condições de moradia eram bem mais precárias do que hoje. Note-se o grande número de casas de madeira e o terreno alagado. (GASPAR, 1970)
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FIGURA 7: Planta de localização do Poço da Draga, com destaque para duas áreas da comunidade e para a Vila dos Correios.
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FIGURA 8: Rua Viaduto Moreira da Rocha em 1970. Ao fundo vê-se o prédio da Secretaria da Fazenda e a Catedral Metropolitana em construção (GASPAR, 1970).
FIGURA 9: Galpão da Indústria Naval do Ceará construído no final da década de 1970. (Foto: Vancarder Brito, 2002).
FIGURA 10: Movimentação da rua Viaduto Moreira da Rocha (Foto: Miguel Portela, Diário do Nordeste, 08 jun. 1999).
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FIGURA 11: Casas situadas na rua Viaduto Moreira da Rocha. Esse tipo de edificação (dúplex, portões gradeados) é comum entre os moradores de maior poder aquisitivo. (Foto: Vancarder Brito, 2002).
FIGURA 12: Rua Gerson Gradvol, conhecida também, como “rua do trilho”. Vê-se os trilhos remanescentes da estrada de ferro inaugurada em 1879, hoje desativada, que corta o Poço da Draga. (Foto: Vancarder Brito, 2002)
FIGURA 13: Rua Gerson Gradvol (ao lado direito vê-se o muro da Caixa Econômica) se divide formando as ruas Viaduto Moreira da Rocha à esquerda, e a travessa Cidal à direita. (Foto: Vancarder Brito, 2002).
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FIGURA 14: Beco da rua Gerson Gradvol (Foto: Vancarder Brito, 2003).
FIGURA 15: Rua Guilherme Blum, durante a Copa do Mundo de Futebol de 2002. (Foto: Vancarder Brito, 2002)
FIGURA 16: Travessa Cidal, localizada próximo à rua Almirante Tamandaré, uma das entradas do Poço da Draga. (Foto: Vancarder Brito, 2002).
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FIGURA 17: Rua Boris, uma das entradas do Poço da Draga (Foto: Vancarder Brito, 2002)
FIGURA 18: Rua Viaduto Moreira da Rocha, a rua principal do Poço da Draga. O costume de conversar na calçada é um hábito rotineiro da comunidade.(Foto: Vancarder Brito, 2002).
FIGURA 19: Placa indicando drenagem e pavimentação das ruas principais do Poço da Draga realizada pela Prefeitura Municipal em 2000. Entretanto, a região do “Poço” não foi incluída no projeto. (Foto: Arquivo Associação dos Moradores do Poço da Draga, 2000).
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FIGURA 20: Beco do “Poço”. O “Poço” é uma região do Poço da Draga, localizada na parte baixa. É a parte mais pobre da comunidade. (Foto: Heloísa Oliveira, 2002)
FIGURA 21: Beco do “Poço” (Foto: Heloísa Oliveira, 2002).
FIGURA 22: Barracos localizados dentro do Mangue, na região do “Poço” (Foto: Vancarder Brito, 2003).
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FIGURA 23: Comércio localizado na Travessa Cidal (Foto: Heloísa Oliveira, 2005).
FIGURA 24: Prédio da Escola Comandante Fernando Cavalcante dirigida pelas Irmãs Josefinas em 1970. É o mesmo prédio que abrigou uma outra Escola Infantil F,rancisca Fernandes Magalhães e o Posto de Saúde Edmilson Barros de Oliveira (Gaspar, 1970).
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FIGURA 25: Prédio da Colônia de Pescadores Z-18. No local funcionava a Escola São Pedro, administrada pela colônia. (Gaspar, 1970).
FIGURA 26: Placa indicando reforma do Posto de Saúde Edmilson Barros de Oliveira. Localizado vizinho da Escola Infantil também desativada (Foto: Arquivo Associação dos Moradores do Poço da Draga, 1991).
FIGURA 27: Prédio da Escola Infantil Francisca Fernandes Magalhães, localizada próximo à ponte metálica e desativada pela Prefeitura Municipal e Rotary Club em 2002. (Foto: Vancarder, 2002)
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FIGURA 28: Quadra de areia construída pelo vereador Elson Damasceno. Foi feito um aterro da área com a ajuda dos próprios moradores (Foto: Vancarder Brito, 2003)
FIGURA 29: Vista área da Praia de Iracema em 1970. Vê-se na área defronte ao paredão, casas à beira da praia e grande área verde, que corresponde, atualmente ao “Poço” e as instalações da INACE . (Anônimo).
FIGURA 30: Pequeno filete do Riacho Pajeú, que atravessa toda a região do “Poço”. (Foto: Vancarder Brito, 2003).
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FIGURA 31: Canalização do Riacho Pajeú. Durante as quadras chuvosas o “Poço” é inundado, devido ao lixo que impede a passagem da água (Foto: Vancarder Brito, 2003).
FIGURA 32: Entrada da Vila dos Correios, localizada na rua Almirante Tamandaré, defronte a uma das entradas do Poço da Draga (Foto: Heloísa Oliveira, 2005).
FIGURA 33: Visão do interior da Vila dos Correios (Foto: Heloísa Oliveira, 2005).
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FIGURA 34: Praia da Pedra Preta, localizada em frente ao prédio do DNOCS e freqüentada pelos moradores do Poço da Draga. (Foto: Vancarder Brito, 2002).
FIGURA 35: Maquete do Complexo Habitacional proposto pela Prefeitura Municipal à comunidade do Poço da Draga em 1995. (Arquivo: Associação dos Moradores do Poço da Draga, 1995).
FIGURA 36: Projeto Centro Multifuncional de Eventos e Feiras do Ceará. (Seinfra, 2001).
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FIGURA 37: Apresentação do Projeto de Realocação e Requalificação ao Poço da Draga, realizada no Seminário da Prainha em 28/04/02. (Foto: Vancarder Brito)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O meu intuito ao ressaltar as conseqüências das mudanças na Praia de Iracema para
o Poço da Draga foi demonstrar que as relações micro e macro não estão dissociados (Shils,
1996), na medida em que a dinâmica da “comunidade” é alterada pelas transformações que
o bairro e a cidade experimentam. A comunidade é parte do todo, e por isso não deve ser
tratada isoladamente (Redfield, 1965).
Residentes no local há mais de 70 anos, os habitantes do Poço da Draga viram, nas
duas últimas décadas, o seu entorno passar de bairro residencial para pólo de lazer turístico.
Essa mudança trouxe consigo algumas conseqüências para suas vidas, entre eles, o
recrudescimento das tentativas de remoção da comunidade, o ingresso de jovens na
marginalidade e o estabelecimento de uma “boca de fumo” na parte mais pobre do lugar.
Essa última tem contribuído para gerar uma divisão interna na comunidade e alterar as
relações de sociabilidade entre os moradores. Após a entrada das drogas no local, verificou-
se um acirramento dos conflitos entre os residentes das ruas principais caracterizados por
melhores habitações e condições de circulação, e os moradores do Poço, lócus por
excelência do comércio ilegal, com seus becos e vielas úmidos e tortuosos.
Entretanto, mesmo em face desse quadro, a comunidade tenta reagir através de
atividades desenvolvidas pelos próprios moradores como: reforço escolar, escolinha de
futebol e atividades de recreação, entre outros. Até um Conselho de Segurança do Poço da
Draga foi criado para trabalhar a questão da violência e da insegurança no local.
Resta-nos indagar: que lugar tem uma comunidade pobre vizinha a projeto de
requalificação urbana? Mesmo morando próximo à tão afamada Ponte dos Ingleses, do
restaurante Estoril e da badalada Rua dos Tabajaras, o Poço da Draga parece não pertencer
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à Praia de Iracema. Um mundo à parte, é essa a sensação de quem se desloca do Centro
Cultural Dragão do Mar para comunidade. Sem saneamento básico, sem emprego e com
precárias condições de vida, o Poço da Draga não compartilha as benesses trazidas pelos
projetos de requalificação da área. Os problemas da comunidade pouco são discutidos pelas
associações locais, como o Fórum da Praia de Iracema, como já foi visto. Em contrapartida,
diante da visibilidade que a Praia de Iracema teve nos últimos tempos, o Poço da Draga tem
conseguido publicizar suas insatisfações e reivindicações. Foi expressiva a visibilidade da
comunidade, na imprensa, durante as negociações para construção do Centro
Multifuncional de Eventos e Feiras do Ceará, em outubro de 2001.
Além disso, algumas entidades como o Centro Dragão do Mar e a Fundação Pirata
Marinheiros53 têm tentado estabelecer uma relação amistosa com os moradores da “favela”,
através de cursos profissionalizantes ou de escola de futebol para crianças.
Entretanto, muitas questões continuam pendentes: até quando o Poço da Draga
conseguirá resistir as investidas do poder público e da iniciativa privada para aquela área?
Até quando seus moradores serão relegados à condição de não-cidadãos? Serão tragados
pelos tratores da modernidade ou serão finalmente reconhecidos como cidadãos
fortalezenses? Ou será que suas reivindicações serão finalmente ouvidas diante da
visibilidade que a comunidade teve nos últimos tempos?
53 Mantido pelo proprietário do Bar Pirata, localizado à rua dos Tabajaras, na Praia de Iracema.
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política urbana.
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