o plano inferencial de leitura e o ensino de … · todas as críticas e elogios, pelas perguntas e...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO O PLANO INFERENCIAL DE LEITURA E O ENSINO DE ESPANHOL NA ESCOLA BRASILEIRA: COGNIÇÃO DISTRIBUÍDA, POLÍTICAS COGNITIVAS E LIVRO DIDÁTICO DIEGO DA SILVA VARGAS Rio de Janeiro 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

O PLANO INFERENCIAL DE LEITURA E O ENSINO DE

ESPANHOL NA ESCOLA BRASILEIRA: COGNIÇÃO

DISTRIBUÍDA, POLÍTICAS COGNITIVAS E LIVRO DIDÁTICO

DIEGO DA SILVA VARGAS

Rio de Janeiro

2017

O plano inferencial de leitura e o ensino de espanhol na escola

brasileira: cognição distribuída, políticas cognitivas e livro didático

Por

DIEGO DA SILVA VARGAS

Aluno do Curso de Doutorado em Estudos Linguísticos – Língua Espanhola

(Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas)

Tese de Doutorado submetida à Banca

examinadora como requisito necessário

para obtenção do Título de Doutor em

Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos,

Língua Espanhola).

Orientadora: Profª. Drª. Leticia Rebollo

Couto

Co-orientadora: Profª. Drª. Ana Flávia

Lopes Magela Gerhardt

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Junho/2017

O PLANO INFERENCIAL DE LEITURA E O ENSINO DE

ESPANHOL NA ESCOLA BRASILEIRA: COGNIÇÃO

DISTRIBUÍDA, POLÍTICAS COGNITIVAS E LIVRO

DIDÁTICO

Diego da Silva Vargas

Tese de Doutorado submetida ao Programa

de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da

Universidade Federal do Rio de Janeiro –

UFRJ, como parte dos requisitos

necessários para a obtenção do título de

Doutor em Letras Neolatinas (Estudos

Linguísticos, Língua Espanhola).

Orientadora: Profª. Drª. Leticia Rebollo

Couto

Co-orientadora: Profª. Drª. Ana Flávia

Lopes Magela Gerhardt

Rio de Janeiro

Maio de 2017

Aos meus pais... Por tudo que fizeram para que eu

chegasse até aqui. Por terem tornado esse caminho

tão difícil bem mais fácil. Por terem um filho

doutor desde muito antes desse momento. Em

especial à minha mãe, por ser o amor em pessoa,

por toda força e potência, e por sempre ter

valorizado em mim o que eu pude ser de melhor.

À Marina, de novo, pelo amor de antes, de durante

e de depois. Pela parceria que engrandece minha

vida, pela sorte do encontro e por todas as sortes

que com ele vieram.

AGRADECIMENTOS

Cursar um doutorado é fácil. Escrever uma tese é que é difícil. Estudar,

aprender, sempre foi um prazer pra mim. Escrever também. Mas escrever sob tantas

pressões (a maior delas: o tempo, em um tempo sem tempos) traz, talvez, tantos

sofrimentos quanto prazeres. Não tive forças de escrever esses agradecimentos ao

entregar a versão da banca. Aqui, na versão final, espero conseguir honrar todos aqueles

que tornaram os sofrimentos e as angústias deste meu caminhar acadêmico em prazeres

e alegrias, compartilhando parte de suas vidas comigo e fazendo de mim quem eu sou.

A escrita: sempre ela. Escrevo esses agradecimentos, sabendo que as palavras não serão

justas, entre o medo do esquecimento e a alegria da gratidão.

Antes de tudo, agradeço a minha família, mais uma vez, pela felicidade que é

fazer parte dela. Pelas alegrias compartilhadas, pelas conversas, pelas discussões, pela

união e pelas diferenças, pelo amor mais profundo e mais real. A meus pais, Iva e

Edinésio, por tudo que me ofereceram, por todo o sacrifício, por todo o orgulho e por

toda a liberdade. Por, ainda que nunca tivessem pisado em uma universidade, nunca

terem pensado em dizer uma palavra que tentasse me impedir de chegar até aqui. Por

sempre terem ensinado, a mim e a meus irmãos, que os caminhos somos nós quem

construímos e por sempre terem dado todos os tijolos que podiam para que

realizássemos essa construção. Por sempre terem feito da educação nossa argamassa.

Pelo orgulho de ser filho de vocês e pelo desejo constante de que se orgulhem de mim.

À minha mãe, em especial, por ser, para mim, a melhor definição de mãe, pelo exemplo

de força e de amor, pela melhor companhia e pela dedicação incansável. Aos meus

irmãos, Daniel e Douglas, pelo aprendizado de uma vida, pela história, pela identidade e

pela força de sempre. À minha cunhada Luana, pela torcida e pelo apoio. À minha

sobrinha Sophia, por toda a alegria, pela inspiração, pela inteligência, pelas

brincadeiras, pelas conversas sérias, pelos festejos, pela infância e pela saudade do

convívio diário, que se transforma em um “ti-tiiii-o!!!” a cada visita.

À Marina, minha esposa, agradeço por todo o companheirismo e por todo o

amor, pelas conversas intermináveis, pelas madrugadas, pelos nasceres e pores do sol,

por cada momento vivido junto, pelos sonhos e pelas conquistas, pela paciência, pelos

projetos de vida e pela vida já realizada. Pela força, pelos freios e pelos empurrões, pela

amizade, pelo foco e pelas distrações. Sem você, eu agora não era eu. Agradeço também

à sua família, em especial à sua mãe, minha sogra, Vera, por todo o apoio de sempre. E

agradeço também (e por que não?), à Ruth Paçoca e Raquel Pipoca, nossas gatinhas,

pela companhia, pela admiração e pela graça constantes, e pelo alívio nos momentos de

estresse.

Obrigado também aos amigos que fazem de minha vida uma vida melhor. Aos

que vieram do Colégio Pedro II e ficaram, aos que vieram da UFRJ e ficaram, aos que

vieram dos trabalhos que passaram e ficaram, aos amigos que já fiz nesse tempo de

UNIRIO. Tão diferentes entre si, tão iguais em tudo que me ensinam. Pela amizade,

pela sinceridade, pela paciência, pelo apoio, pelo humor, pela esperança, por se

manterem em minha vida, em meio a tantas vidas.

Ao Colégio Pedro II e seus professores, por definir a minha vida através da

educação pública. Pela definição de educação de qualidade. Pela inspiração. Por me

fazer acreditar tão fortemente na educação pública e por me fazer lutar por ela, onde

quer que eu esteja. Se hoje eu sou doutor, se sou professor de uma universidade pública,

se fui professor de instituições públicas, se faço pesquisa sobre ensino, devo tudo isso

ao CP2 e à luta em que acredito. Amplio esse agradecimento aos professores deste país

que também acreditam nisso e que sofrem diariamente a precarização de suas condições

de trabalho e o desrespeito político e social. Em especial, agradeço aos colegas com

quem compartilhei e compartilho minha trajetória docente, nas escolas e nas

universidades.

À Faculdade de Letras da UFRJ e seus professores, por todos esses anos de

aprendizados e de crescimento. Por me mostrar tantos caminhos possíveis e me fazer

acreditar no papel da universidade pública na construção de nosso país.

Às minhas orientadoras, Leticia e Ana Flávia, obrigado por tudo. À Leticia,

obrigado pela inspiração como professora, pelo engajamento em sua prática nada

reprodutora, pela preocupação e pela dedicação. Pela amizade, pelo carinho, pela

confiança e pela força de sempre. Pelo desejo de mudar e pela ação. Pelo exemplo. À

Ana Flávia, pela crença na pesquisa em ensino, pelo aprendizado durante todos esses

anos de orientação, pela atenção, pelo carinho, pela história compartilhada, pela

confiança, pela crença em meu potencial, pela compreensão, por me ajudar na

concretização de meus desejos acadêmicos e profissionais e por sempre me estimular a

ser quem eu sou, a dizer o que digo. Pelo Cogens. Aos amigos do Cogens, por toda a

parceria, pelas alegrias e angústias somadas e divididas.

Aos professores que compuseram minha banca de qualificação e de defesa, pela

leitura atenta e pelas contribuições para a melhora desta tese e para a minha formação.

Em meio a essa nossa vida cada vez mais atribulada, agradeço que tenham aceitado

dedicar um pouco de seu tempo para lerem meu trabalho, sempre em construção. Sei

que um momento como o da defesa não vai se repetir novamente. Agradeço, então, por

todas as críticas e elogios, pelas perguntas e pelos comentários. Pretendo levar tudo o

que foi dito e todas as inquietações produzidas para meus futuros trabalhos, para minha

pesquisa e para minha prática docente.

Por fim, não poderia deixar de agradecer a todos os meus alunos, todos aqueles

que, de alguma forma, passaram por mim em minha trajetória docente. Agradeço tudo o

que aprendi com vocês, em contextos tão diferentes, com pessoas tão diferentes.

Agradeço e peço desculpas, por, em muitos momentos, não ter conseguido (me)

oferecer mais. Agradeço, nesse momento, aos alunos da UNIRIO, pela paciência e

compreensão nessa reta final de produção da tese, mas, agradeço, em especial, aos

alunos com quem interagi na Educação Básica, principalmente, os do ensino

fundamental que colaboraram e foram “inspiração” para minha pesquisa. Esta tese foi

feita pensando em vocês, é por vocês e para vocês.

A produção desta tese contou com apoio da

CAPES, de março de 2013 a junho de 2014.

“Precious: My name is Claireece “Precious”

Jones, I go by Precious. I live in Harlem. I like

yellow. And I have problems at my old school… so

I come here.

Ms. Rain: Something you do well?

Precious: Nothing.

Ms. Rain: Everybody’s good at something.

Precious: Mm’mm.

Ms Raing: C’mon.

Precious: Well I could cook, and I never really

talked in class before.

Ms. Rain: How does that make you feel?

Precious: Here. It makes me feel here.”

(Cena do filme “Preciosa: Uma História de Esperança” [Precious, 2009], de Lee Daniels)

“No es inteligencia ni es sabiduría

esta es mi manera de decir las cosas

no es que sea mi trabajo, es que es mi idioma”

(Versos de “Amiga Mía”, canção de Alejandro Sanz)

“Por lo que fue y por lo que pudo ser

Por lo que hay, por lo que puede faltar

Por lo que venga y por este instante

¡A brindar por el aguante!”

(Versos de “El Aguante”, canção de Rene Perez Joglar y Eduardo

Cabra – Calle13)

RESUMO

VARGAS, Diego da Silva. O plano inferencial de leitura e o ensino de espanhol na

escola brasileira: cognição distribuída, políticas cognitivas e livro didático. 396f. Tese

de Doutorado em Letras Neolatinas. Faculdade de Letras, UFRJ, Rio de Janeiro, 2017.

Esta tese, como um trabalho em Linguística Aplicada, busca “criar inteligibilidades”

(MOITA LOPES, 2006) sobre seu objeto central – o trabalho com o plano inferencial de

leitura nos livros didáticos de língua espanhola – e, ao mesmo tempo, contribuir para a

construção de alternativas para os problemas nela apresentados. Para isso, foram

selecionados como objetos de análise documentos e materiais que estão sendo

denominados de objetos reguladores do ensino, uma vez que demonstram “o que se

pensa oficialmente sobre o ensino de” (GERHARDT, 2013) língua espanhola. São eles:

os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira (BRASIL, 1998), os editais

do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2011 (BRASIL, 2009) e de 2014

(BRASIL, 2012) e sete livros voltados para a escola brasileira e produzidos entre os

anos de 2004 e 2013 para o 6º ano do ensino fundamental (dois livros anteriores ao

primeiro edital do PNLD, os dois aprovados no PNLD 2011, um não aprovado nos dois

editais, produzido entre eles, e os dois aprovados no PNLD 2014). Também compõem

os corpora desta tese as respostas dos alunos de uma turma do 6º ano para quatro

atividades de leitura: uma de cada um dos livros anteriores ao PNLD e uma de cada um

dos aprovados no PNLD 2014. Para fundamentar essa análise, parte-se dos princípios

tomados como teórico-éticos da Linguística Aplicada e de estudos voltados para a

compreensão da escola brasileira, das práticas escolares de letramento e da educação

linguística (KLEIMAN, 1995; RAJAGOPALAN, 2003; 2006; 2013; MOITA LOPES,

2006; 2013; PENNYCOOK, 2006; MENEZES, SILVA e GOMES, 2009;

PARAQUETT, 2009; BARROS e COSTA, 2010; GERHARDT, 2013; entre outros).

Além disso, advoga-se pela inserção dos estudos em cognição nesse campo, uma vez

que a tese se propõe a discutir a construção de significados por meio da leitura e o

processo de aprendizagem que se constrói em sala de aula. Assim, defende-se uma visão

de cognição como social e cultural, intersubjetival, corporificada, baseada em frames e

desenvolvida por meio de mesclagens conceptuais (SALOMÃO, 1998, 1999, 2003;

TOMASELLO, 1999; MIRANDA, 2001; FAUCONNIER e TURNER, 2002;

GEERAERTS, 2006a; SINHA, 1999, 2003; SINHA e JENSEN DE LOPÉZ, 2000;

DUQUE, 2015; entre outros); em resumo, da noção de que a cognição é distribuída

(HUTCHINS, 2000; ZHANG e PATEL, 2008; GERHARDT, 2012; 2014; DUQUE,

2014). Incorpora-se também a essa discussão o conceito de políticas cognitivas

(KASTRUP, 2005, 2012, 2015; DIAS, 2012). Com base nisso, define-se a leitura como

desenvolvida por meio de sucessivas integrações conceptuais entre o conhecimento

prévio do leitor e as informações postas explicitamente no texto. Dessas integrações,

surgem as inferências construídas pelo leitor. Estudos sobre a história social do livro

didático (ERES FERNÁNDEZ, 2000; 2012; GERALDI, 2003; BATISTA, 2003; 2004;

BATISTA e COSTA VAL, 2004; GALVÃO e BATISTA, 2009, entre outros) e do

ensino de língua espanhola (CELADA e GÓNZALEZ, 2000; DAHER, 2006;

PARAQUETT, 2009; FREITAS, 2011, entre outros) no Brasil também são trazidos à

tese para que se entenda o contexto histórico que leva a produção dos materiais

analisados. A análise demonstra o predomínio de uma visão de aprendizagem como

recognição e de leitura como reprodução tanto nos documentos oficiais como nos livros

didáticos. Ainda que historicamente se note uma melhora no trabalho com a leitura nas

coleções, em função, principalmente, do PNLD, não se nota ainda o desenvolvimento

de um trabalho didático que tenha sido capaz de alterar o predomínio de uma política de

recognição que leva à formação de aprendizes reprodutores. A escola, então, por meio

desses materiais, acaba desenvolvendo práticas que invalidam os conhecimentos

construídos pelos alunos antes, durante e depois das leituras desenvolvidas em sala de

aula, sendo, assim, silenciados. Considerando o lugar de poder que a escola ocupa na

formação de aprendizes – e, consequentemente, de cidadãos –, urge, então, lutarmos

para alterar essa situação.

Palavras-chave: educação linguística em língua espanhola, leitura, cognição,

inferência, livro didático, políticas cognitivas

RESUMEN

VARGAS, Diego da Silva. El plano inferencial de lectura y la enseñanza de español en

la escuela brasileña: cognición distribuida, políticas cognitivas y libro didáctico. 396 f.

Tesis de Doctorado en Letras Neolatinas. Facultad de Letras, UFRJ, Rio de Janeiro,

2017.

Esta tesis, como un trabajo en Linguística Aplicada, busca “crear inteligibilidades”

(MOITA LOPES, 2006) sobre su objeto central – el trabajo con el plano inferencial de

lectura en libros didácticos de lengua española, bien como contribuir para la construción

de alternativas para los problemas en ella presentados. Para eso, se seleccionaron como

objetos de análisis documentos y materiales que aquí se denominan objetos reguladores

de la enseñanza, una vez que demuestran “lo que se piensa oficialmente sobre la

enseñanza de” (GERHARDT, 2013) lengua española. Son esos: los Parámetros

Curriculares Nacionales de Lengua Extranjera (BRASIL, 1998), los pliegos de

condiciones del Programa Nacional del Libro Didáctico (PNLD) de 2011 (BRASIL,

2009) y de 2014 (BRASIL, 2012) y siete libros direccionados a la escuela brasileña y

producidos entre los anos de 2004 y 2013 para el 6º año de la enseñanza fundamental

(dos libros anteriores al primer PNLD, los dos aprobados en el PNLD 2011, un no

aprobado en las dos ediciones, producido entre esas, y los dos aprobados en el PNLD

2014). También componen los corpora de esta tesis las respuestas de los alumnos de un

grupo de 6º año para cuatro actividades de lectura: una de cada uno de los libros

anteriores al PNLD y una de cada uno de los aprobados en el PNLD 2014. Para

fundamentar tal analisis, se parte de los principios tomados como teórico-éticos de la

Linguística Aplicada y de los estudios que buscan comprender la escuela brasileña, las

prácticas escolares de literacidad y la educación lingüística (KLEIMAN, 1995;

RAJAGOPALAN, 2003; 2006; 2013; MOITA LOPES, 2006; 2013; PENNYCOOK,

2006; MENEZES, SILVA e GOMES, 2009; PARAQUETT, 2009; BARROS e

COSTA, 2010; GERHARDT, 2013; entre otros). Además, se defiende la inserción de

los estudios en cognición en ese campo, una vez que la tesis se propone a discutir la

construción de significados a través de la lectura y el proceso de aprendizaje que se

construye en aula. De ese modo, se defiende una visión de cognición como social y

cultural, intersubjetival, corporificada, basada en frames y desarrollada a través de

blendings (SALOMÃO, 1998, 1999, 2003; TOMASELLO, 1999; MIRANDA, 2001;

FAUCONNIER e TURNER, 2002; GEERAERTS, 2006a; SINHA, 1999, 2003; SINHA

e JENSEN DE LOPÉZ, 2000; DUQUE, 2015; entre otros); en resumen, de cognición

distribuida (HUTCHINS, 2000; ZHANG e PATEL, 2008; GERHARDT, 2012; 2014;

DUQUE, 2014). Se agriega a tal discusión el concepto de políticas cognitivas

(KASTRUP, 2005, 2012, 2015; DIAS, 2012). Se define la lectura como desarrollada a

através de sucesivas integraciones conceptuales entre el conocimento previo del lector y

las informaciones lineales del texto. De dichas integraciones, se producen las

inferencias del lector. Se traen también estudios sobre la historia social del libro

didáctico (ERES FERNÁNDEZ, 2000; 2012; GERALDI, 2003; BATISTA, 2003; 2004;

BATISTA e COSTA VAL, 2004; GALVÃO e BATISTA, 2009, entre otros) y de la

enseñanza de la lengua española (CELADA e GÓNZALEZ, 2000; DAHER, 2006;

PARAQUETT, 2009; FREITAS, 2011, entre otros) en Brasil para que se entienda el

contexto histórico que lleva a la produción de los materiales analisados. El análisis

demuestra el predominio de una visión de aprendizaje como recognición y de lectura

como reprodución tanto en los documentos oficiales como en los libros didácticos.

Aunque historicamente se note una mejora en el trabajo con la lectura en las coleciones,

principalmente, debido al PNLD, no se nota todavia el desarrollo de un trabajo didáctico

que sea capaz de alterar el predominio de una política de recognición que lleva a la

formación de aprendizes reprodutores. La escuela, a través de tales materiales,

desarrolla, entonces, prácticas que invalidan los conocimientos construidos por los

alunmos antes, durante y después de las lecturas que desarrollan en aula. Así, son

silenciados. Si consideramos el lugar de poder que la escola ocupa en la formación de

los aprendizes – y, consecuentemente, de los ciudadanos –, urge, entonces, que

luchemos para cambiar dicha realidad.

Palabras clave: educación linguística en lengua española, lectura, cognición,

inferencia, libro didáctico, políticas cognitivas

ABSTRACT

VARGAS, Diego da Silva. The inferencial plain of reading and the teaching of Spanish

in the brazilian school: distributed cognition, cognitive policies and textbook. 396f. PhD

Thesis in Neo-Latin Letters. Faculty of Letters, UFRJ, Rio de Janeiro, 2017.

This thesis, framed within the Applied Linguistics field, aims at “creating

intelligibilities” (MOITA LOPES, 2006) about its central object – the work with the

reading inferential plain of textbooks of Spanish – and, at the same time, contributing

for the construction of alternatives for the problems presented herein. For that, as

objects of analysis, documents and materials that are being called teaching regulator

objects have been selected, since they demonstrate “what is the official thinking about

the teaching of” (GERHARDT, 2013) Spanish. They are: the National Curriculum

Parameters for Foreign Language (BRASIL, 1998), the public notice of the National

Program for the Textbook (PNLD) published in 2011 (BRASIL, 2009) and 2014

(BRASIL, 2012) as well as seven books targeted to the Brazilian school and produced

between the years of 2004 and 2013 for the 6th grade of fundamental education (two

books published prior to the first public notice of the PNLD; the two ones approved in

PNLD 2011; one not approved in either notice, produced in between them; and the two

ones approved in PNLD 2014). The corpora of this thesis are also composed of the

answers provided by students in a 6th grade to four reading activities: one from each of

the books prior to the PNLD and one from each of the approved in the PNLD 2014. To

guide this analysis, I follow the theoretical-ethical principles of Applied Linguistics and

studies targeted to the comprehension of the Brazilian school, of schooling literacy

practices and linguistic education (KLEIMAN, 1995; RAJAGOPALAN, 2003; 2006;

2013; MOITA LOPES, 2006; 2013; PENNYCOOK, 2006; MENEZES, SILVA e

GOMES, 2009; PARAQUETT, 2009; BARROS e COSTA, 2010; GERHARDT, 2013;

amongst others). Furthermore, I advocate for the inclusion of studies of cognition in this

field, since the purpose of this thesis is to discuss the construction of meanings through

reading and the process of learning constructed in the classroom. Hence, I view

cognition as social and cultural, intersubjectival, embodied, based on frames and

developed through conceptual blendings (SALOMÃO, 1998, 1999, 2003;

TOMASELLO, 1999; MIRANDA, 2001; FAUCONNIER e TURNER, 2002;

GEERAERTS, 2006a; SINHA, 1999, 2003; SINHA e JENSEN DE LOPÉZ, 2000;

DUQUE, 2015; amongst others); in summary, cognition is distributed (HUTCHINS,

2000; ZHANG e PATEL, 2008; GERHARDT, 2012; 2014; DUQUE, 2014). I also

include in this discussion the concept of cognitive policies (KASTRUP, 2005, 2012,

2015; DIAS, 2012). Based on such concept, reading is defined as developed through

recurrent conceptual integration between the reader’s prior knowledge and the

information explicitly presented in the text. From such integrations, inferences are

constructed by the reader. Studies of the history of the textbook (ERES FERNÁNDEZ,

2000; 2012; GERALDI, 2003; BATISTA, 2003; 2004; BATISTA e COSTA VAL,

2004; GALVÃO e BATISTA, 2009, amongst others) and of the teaching of Spanish

(CELADA e GÓNZALEZ, 2000; DAHER, 2006; PARAQUETT, 2009; FREITAS,

2011, amongst others) in Brazil are also important to this thesis so that historical context

influencing the production of the material analyzed is fully taken into consideration.

The analysis shows the prevalence of a view of learning as recognition and reading as

reproduction both in official documents and in textbooks. Even though historically we

notice some improvement in the work done on reading, mainly because of the PNLD,

we still do not see a didactic effort that has been able to change the prevalence of this

politics of recognition that leads to reproducer learners. The school, then, through these

materials, develops practices that invalidate the knowledges constructed by the students

before, during and after the readings developed in the classroom, which are, thus,

silenced. Considering the privileged power position the school occupies in the

upbringing of learners – and, consequently, of citizens -, it is urgent, then, that we

struggle to change such situation.

Keywords: linguistic education in Spanish, reading, cognition, inference, textbook,

cognitive policies

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ........................................................................................................... 22

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 28

CAPÍTULO 1: A LINGUÍSTICA APLICADA, O ENSINO DE LÍNGUAS E AS BASES

TÉORICO-ÉTICAS DESTA PESQUISA ......................................................................... 37

1.1. A Linguística Aplicada como norte teórico-ético de pesquisa ......................................... 38

1.2. Breve trajetória da Linguística Aplicada e sua relação com o ensino de línguas ............. 44

1.3. Letramentos, Educação Linguística e ensino de línguas na escola pública...................... 49

CAPÍTULO 2: OS ESTUDOS EM COGNIÇÃO E OS PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO

DE SIGNIFICADOS ........................................................................................................ 61

2.1. A cognição é social e cultural (bem com a linguagem...)................................................. 65

2.2. A cognição é intersubjetival ............................................................................................. 73

2.3. A cognição é corporificada .............................................................................................. 79

2.4. A cognição é baseada em frames ..................................................................................... 86

2.5. A cognição é desenvolvida por meio de mesclagens ....................................................... 92

2.6. A cognição é, em resumo, distribuída ............................................................................ 100

CAPÍTULO 3: POLÍTICAS COGNITIVAS, LIVROS DIDÁTICOS E ENSINO DE

ESPANHOL NA ESCOLA BRASILEIRA ..................................................................... 112

3.1. Visões de aprendizagem e a aprendizagem integrativa .................................................. 112

3.2. O conceito de políticas cognitivas .................................................................................. 123

3.3. Políticas cognitivas e a trajetória do ensino de espanhol no Brasil: a construção histórica

de uma disciplina ................................................................................................................... 135

3.4. O livro didático como metonímia de políticas cognitivas: a construção histórica de uma

proposta de affordance .......................................................................................................... 157

CAPÍTULO 4: A LEITURA INTEGRATIVA E O PLANO INFERENCIAL DE

LEITURA ...................................................................................................................... 171

4.1. Problemas do ensino de leitura no Brasil ....................................................................... 172

4.2. Da leitura interativa à leitura integrativa ........................................................................ 177

4.3. A inferenciação como processo cognitivo...................................................................... 186

4.4. A cognição distribuída e o plano inferencial de leitura: por um ensino de leitura como

processo integrativo .............................................................................................................. 192

CAPÍTULO 5: METODOLOGIA E CORPORA ........................................................... 205

5.1. O caminho metodológico: escolhas e não escolhas ........................................................ 205

5.2. Os corpora ...................................................................................................................... 207

5.2.1. A escolha dos livros didáticos ..................................................................................... 208

5.2.2. A seleção e a aplicação das atividades ........................................................................ 210

CAPÍTULO 6: POLÍTICAS COGNITIVAS E OS OBJETOS REGULADORES DO

ENSINO DE LEITURA EM ESPANHOL-LE NOS ANOS FINAIS DO ENSINO

FUNDAMENTAL .......................................................................................................... 213

6.1. Os Parâmetros Curriculares Nacionais - LE/EF ............................................................. 214

6.2. O Programa Nacional do Livro Didático: 2011 e 2014 .................................................. 235

6.3. Os Manuais do Professor ................................................................................................ 254

6.3.1. “Arriba” ................................................................................................................... 254

6.3.2. “Radix” .................................................................................................................... 257

6.3.3. “Entérate” ................................................................................................................ 258

6.3.4. “Saludos” ................................................................................................................. 260

6.3.5. “Ventana” ................................................................................................................ 263

6.3.6. “Cercanía” ............................................................................................................... 265

6.2.7. “Formación” ............................................................................................................ 268

6.2.8. Em resumo............................................................................................................... 272

CAPÍTULO 7: O LIVRO DIDÁTICO DE ESPANHOL E O ENSINO DA LEITURA

INTEGRATIVA: UMA BREVE E RECENTE HISTÓRIA ........................................... 274

7.1. Como os livros didáticos apresentam o ensino de leitura aos alunos? ........................... 276

7.1.1. A organização das atividades e o lugar do texto ..................................................... 276

7.1.1.1. “Arriba” ........................................................................................................ 276

7.1.1.2. “Radix” ......................................................................................................... 279

7.1.1.3. “Entérate” ..................................................................................................... 281

7.1.1.4. Saludos .......................................................................................................... 284

7.1.1.5. “Ventana” ..................................................................................................... 288

7.1.1.6. “Cercanía” ..................................................................................................... 291

7.1.1.7. “Formación”.................................................................................................. 295

7.1.1.8. Em resumo .................................................................................................... 298

7.1.2. O que se faz com a leitura: níveis e estratégias de leitura trabalhados .................... 299

7.1.2. O que se faz com a leitura: níveis e estratégias de leitura trabalhados – exemplos 305

7.1.2.1. “Arriba” ........................................................................................................ 305

7.1.2.2.. “Radix” ........................................................................................................ 308

7.1.2.3. “Entérate” ..................................................................................................... 311

7.1.2.4. “Saludos” ...................................................................................................... 316

7.1.2.5. “Ventana” ..................................................................................................... 321

7.1.2.6. “Cercanía” ..................................................................................................... 325

7.1.2.7. “Formación”.................................................................................................. 330

7.1.2.8. Em resumo .................................................................................................... 332

7.2. Como os alunos se integram às atividades de leitura dos livros didáticos? ................... 335

7.2.1. Atividade do livro “Arriba” ..................................................................................... 336

7.2.2. Atividade do livro “Radix” ..................................................................................... 342

7.2.3. Atividade do livro “Cercanía” ................................................................................. 347

7.2.4. Atividade do livro “Formación” .............................................................................. 361

7.2.5. Em resumo............................................................................................................... 369

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 373

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 384

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 - Esquema básico de integração conceptual .................................................................. 95

Figura 2 - Esquema de integração conceptual proposto por Salomão (2003) para a interação

humana ........................................................................................................................................ 98

Figura 3 - Esquema de construção de affordances, definido por Zangh e Patel (2008) ............ 106

Figura 4 - Esquema de integração conceptual proposto por Gerhardt (2012) para a identificação

de affordances ........................................................................................................................... 107

Figura 5 - Esquema de integração conceptual representando a inferenciação em leitura ......... 190

Figura 6 - Atividade de leitura do livro "Arriba" - 1a página ................................................... 306

Figura 7 - Atividade de leitura do livro “Arriba” - 2a página ................................................... 307

Figura 8 - Atividade de leitura do livro "Radix" - 1a página .................................................... 309

Figura 9 - Atividade de leitura do livro "Radix" - 2a página .................................................... 310

Figura 10 - Atividade de leitura do livro "Entérate" - 1a página ............................................... 312

Figura 11 - Atividade de leitura do livro "Entérate" - 2a página ............................................... 313

Figura 12 - Atividade de leitura do livro “Entérate” - 3a página .............................................. 314

Figura 13 - Atividade de leitura do livro "Saludos" - 1a página ............................................... 317

Figura 14 - Atividade de leitura do livro "Saludos" - 2a página ............................................... 318

Figura 15 - Atividade de leitura do livro "Saludos" - 3a página ............................................... 319

Figura 16 - Atividade de leitura do livro "Ventana" - 1a página ............................................... 321

Figura 17 - Atividade de leitura do livro "Ventana" - 2a página ............................................... 322

Figura 18 - Atividade de leitura do livro "Cercanía" - 1a página .............................................. 325

Figura 19 - Atividade de leitura do livro "Cercanía" - 2a página .............................................. 326

Figura 20 - Atividade de leitura do livro "Cercanía" - 3a página .............................................. 327

Figura 21 - Atividade de leitura do livro "Formación" ............................................................. 331

Figura 22 - Objetivos da unidade 6 - "Estoy perdido" do livro "Arriba" .................................. 336

Figura 23 - Atividade de leitura do livro "Arriba" respondida pelos alunos ............................. 337

Figura 24 - Objetivos do Módulo 6 – “El vestuario” do livro "Radix" ..................................... 342

Figura 25 - Objetivos da Unidade 2 - "Cine en casa: a convivir con la familia y la pandilla!" do

livro "Cercanía" ......................................................................................................................... 347

Figura 26 - Atividade de leitura do livro “Cercanía” respondida pelos alunos - 1a página ...... 348

Figura 27 - Atividade de leitura do livro “Cercanía” respondida pelos alunos - 2a página ...... 349

Figura 28 - Atividade de leitura do livro "Cercanía" respondida pelos alunos - 3a página ...... 350

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1 - Referência resumitiva dos livros selecionados para a pesquisa ............................... 210

Tabela 2 - Distribuição dos tipos de questão de leitura nos livros analisados .......................... 300

Tabela 3 - Respostas da atividade de leitura selecionada do livro "Arriba" .............................. 338

Tabela 4 - Respostas da atividade de leitura selecionada do livro "Projeto Radix" .................. 343

Tabela 6 - Respostas dos alunos à atividade de pré-leitura do livro “Cercanía” ....................... 352

Tabela 7 - Respostas dos alunos à atividade de leitura do livro "Cercanía" ............................. 356

Tabela 5 - Respostas da atividade de leitura selecionada do livro "Formación" ....................... 363

22

APRESENTAÇÃO

Motivo

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,

não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias

no vento.

Se desmorono ou se edifico,

se permaneço ou me desfaço,

— não sei, não sei. Não sei se fico

ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

— mais nada.

Cecília Meireles

Antes de iniciar a tese propriamente dita, apresento, nesta seção, o contexto de

sua construção, ou seja, minha trajetória nesses últimos anos. Faço isso porque

considero que, para mim, entender como seria possível inserir a construção desta tese

dentro de um panorama mais amplo – o da compreensão do que é a educação escolar

brasileira contemporânea – foi tão importante como foi a busca por alcançar resultados

relevantes através dos caminhos de pesquisa próprios para isso. Obviamente, sem a

pretensão de esgotar completamente esse exercício de compreensão ou de solucionar os

problemas que permeiam a escola brasileira de hoje, foi apenas após a tomada de

consciência de que esse era meu objetivo maior que me foi possível desenvolver a tese

que aqui apresento.

Na verdade, olhando para minha (curta?) trajetória, acredito ser possível dizer

que esse sempre foi o meu movimento de pesquisa e de ensino, ora conscientemente ora

inconscientemente construído, através das minhas experiências com a educação.

Especificamente em relação a esta tese, acredito que uma curta narrativa se faça

relevante, de forma que seja possível entender não apenas o seu contexto de produção

como também os caminhos que escolhi para sua escrita.

Quando fui aprovado no processo seletivo para o ingresso no doutorado, ao final

de 2012, eu atuava como professor de língua espanhola na rede municipal de Niterói e

na FAETEC-RJ (Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro),

23

como professor de língua espanhola e linguística da UGB (Universidade Geraldo Di

Biasi) e como professor-tutor a distância no Curso de Pedagogia a distância da UNIRIO

(Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) na disciplina “Língua Portuguesa

na Educação 1”. Inicialmente, minha proposta de pesquisa, então, derivava deste meu

contexto de atuação, em especial, de um deles, o que mais me instigava: minha atuação

na rede municipal de Niterói com crianças e adolescentes do 6º ao 9º ano do ensino

fundamental e o meu desejo, desde meu ingresso lá em 2011, de desenvolver um ensino

focado na leitura que fosse relevante para aqueles alunos.

Eu acabara de defender minha dissertação, em fevereiro de 2012, na qual eu

pesquisara como o que estamos chamando de “plano inferencial de leitura” vinha sendo

trabalhado em livros didáticos de Língua Portuguesa do 9º ano do Ensino Fundamental,

dentro de uma perspectiva cognitivista, com o foco na percepção da capacidade (ou não)

de os livros validarem as inferências construídas pelos alunos e em que medida eles

auxiliavam o aluno no seu processo de desenvolvimento como leitor.

Ao perceber, apoiado na teoria e em minha prática como docente, que os

problemas do ensino de leitura em língua materna eram transportados para o ensino de

leitura em outras línguas, meu projeto inicial de doutoramento – o defendido no

processo de seleção em 2012 – buscava desenvolver uma pesquisa-ação. Nessa

pesquisa, eu pretendia construir uma metodologia de trabalho com o plano inferencial

de leitura, voltada para os anos finais do ensino fundamental, articulando pressupostos

cognitivistas a perspectivas metacognitivas sobre o ensino de leitura. Esse projeto se

justificava duplamente: pela transposição dos problemas de leitura em língua

portuguesa para a língua espanhola e pelo fato de que, como professor e como

pesquisador, eu não encontrava materiais que me dessem suporte para isso.

Dessa forma, a criação de uma metodologia de trabalho que pudesse ser

compartilhada com outros colegas não apenas me permitiria investigar minha própria

prática docente no que se refere ao ensino de leitura e, em especial, ao plano inferencial,

como poderia também contribuir para o desenvolvimento de novas práticas a serem

executadas por outros docentes em outros contextos. Entretanto, ainda no final de 2013,

mesmo ano em que ingressei no doutorado, fui aprovado em um concurso público para

atuar como docente do Ensino Superior nas disciplinas da área de ensino de Língua

Portuguesa no Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Estado do Rio de

Janeiro (UNIRIO), com Dedicação Exclusiva.

24

Não era mais possível, portanto, desenvolver a pesquisa-ação anteriormente

pretendida. Entretanto, como assumi a vaga apenas em junho de 2014, pude aplicar, nos

primeiros meses daquele ano, com meus alunos da rede municipal, a etapa inicial da

pesquisa anteriormente pensada: as atividades de leitura propostas pelos livros didáticos

selecionados para a construção de meu corpus de análise. Meus corpora, então, naquele

momento se constituíram pelos livros didáticos selecionados para o que seria a etapa

inicial da pesquisa e das respostas dos alunos às atividades extraídas de cada um desses

livros.

Por outro lado, ao mesmo tempo em que minha ida para a UNIRIO me impediu

de seguir com a proposta inicial, ela também me trouxe a necessidade de buscar

articular minha pesquisa de doutorado à minha atuação direta na formação de

professores para o ensino de língua portuguesa. De alguma maneira, minha proposta

precisaria se ampliar, no sentido de que eu deixaria de buscar entender um ponto

específico (o plano inferencial) do trabalho com uma habilidade específica (a leitura)

em uma disciplina específica (o Espanhol) para tentar inserir a tese em uma discussão

mais ampla, que me permitisse traçar caminhos para compreender estruturalmente a

realidade escolar – realidade essa que atravessa o ensino de leitura em língua espanhola,

mas não só ele. Essa busca me permitiu alterar não apenas os rumos da pesquisa, mas

me permitiu também – e, nesse momento, principalmente – entender (com todas as

limitações possíveis) meu papel como formador de professores na universidade

brasileira.

Aos poucos, então, esta tese foi deixando de ser um trabalho sobre uma

habilidade cognitiva específica em relação à leitura e sobre como ela pode ser

trabalhada em sala de aula para ser, através da análise do trabalho com essa habilidade,

uma tese sobre a aprendizagem na escola brasileira, desenvolvida por meio de um viés

político-ideológico muito mais forte do que o viés didático-metodológico inicialmente

pensado. O plano inferencial, portanto, segue sendo o foco desta tese, mas, ao invés de

fim, ele passa a ser meio. As necessidades didático-metodológicas não são deixadas de

lado, uma vez que elas atravessam todo o processo de análise dos materiais

selecionados, mas não é mais o foco desta tese propor caminhos alternativos testados

cujos resultados tenham sido exaustivamente analisados e detalhados. Acredito, porém

que, inclusive, a partir da discussão que apresentarei ao longo deste texto, será possível,

25

mais adiante, olharmos para as necessidades didático-metodológicas com muito mais

propriedade, entendendo as bases que as suportam para que a ruptura seja mais precisa.

Além disso, é importante destacar que, ao mesmo tempo em que a produção

desta tese ia acontecendo, ataques de naturezas diversas iam acontecendo à educação

pública de nosso país e, principalmente, aos caminhos apontados por diversos estudos

na área de Educação para resolver seus problemas. Não bastando toda a precarização a

que a educação pública brasileira está submetida há décadas, tal série de ataques

acontecia em dois planos simultâneos: na destruição do que já se construiu e na

impossibilitação de que se transforme o que é necessário mudar. De naturezas diversas,

todos tiveram finalidades muito próximas e partiram de princípios muito semelhantes,

sobre os quais pretendo discutir nesta tese: a ideia de que aprender é reproduzir; a ideia

de que ensinar é também reproduzir e fazer reproduzir; a ideia de que o trabalho do

professor e o aprendizado dos alunos precisam ser uniformizados e, por isso,

controlados; a ideia de que o professor deve ocupar o papel central nesse processo de

reprodução, mas apenas como sujeito de controle do que foi pensado por alguém mais

preparado que ele; etc.; e, consequentemente a todas elas, a ideia de que a educação

pública é ruim porque alunos e professores são ruins.

Dentre essa série histórica de ataques, destaco aqui alguns: a tentativa de

implantação do Programa Pátria Educadora1, o Movimento Escola Sem Partido

2 e a

ideologia por ele difundida (e todas as consequências práticas que ele já conseguiu, de

fato, concretizar); a Reforma do Ensino Médio, implantada inicialmente via medida

provisória3; e a PEC 241/55, que vai reduzir drasticamente por 20 anos os investimentos

1 O documento “Pátria Educadora: a qualificação do ensino básico como obra de construção nacional”,

cujo título remete ao slogan do 2º governo da presidente eleita Dilma Rousseff, circulou em abril de 2015,

apresentando propostas de caminhos para a educação brasileira, sem assinatura, apenas com a marca da

Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Depois de muita polêmica, o projeto foi

abandonado, mas as ideias apresentadas no documento representam o pensamento (talvez, cada vez mais)

de parte relevante da sociedade. O documento pode ser encontrado em:

https://www.fe.unicamp.br/patriaeducadora/documento-sae.pdf.

2 O movimento Escola Sem Partido existe desde 2004 e ganhou grande força nos últimos três anos,

alcançando grande espaço no debate educacional brasileiro. O movimento se define como criado por

membros da sociedade civil em nome de uma luta contra “a doutrinação política e ideológica em sala de

aula”. Ele se define como apartidário, mas diversos políticos, especialmente os que compõem à chamada

extrema direita, se vinculam a ele, criando projetos de lei a partir de suas propostas.

3 A chamada Reforma do Ensino Médio se originou na Medida Provisória MPV 746/2016 apresentada

nos primeiros meses do governo Temer e foi aprovada no Senado, em fevereiro deste ano, sob a forma do

26

em educação pública4. A esses pode-se somar ainda a polêmica construção da Base

Nacional Comum Curricular5, que dividiu opiniões entre os que são a favor dela, os que

são contra a sua implantação, os que são contra os conteúdos selecionados por ela, os

que são contra a forma como ela foi construída, etc.

Como apontado anteriormente e como pretendo mostrar ao longo da tese, é

possível notar que muitos desses movimentos partem das mesmas “premissas

equivocadas”6 sobre o que é ensinar, o que é aprender, o que é ser aluno, o que é ser

professor, o que é conteúdo de ensino, qual é o papel da escola na formação de seus

alunos, etc. Todas essas premissas equivocadas sustentam esses movimentos, mas

sustentam também as bases estruturais nas quais, ainda hoje, se apoia a escola brasileira,

em suas políticas (curriculares, linguísticas, cognitivas, de avaliação, de investimentos,

de formação de professores, etc.) nos âmbitos macrossocial e microssocial7. Dessa

maneira, procurei construir um caminho de pesquisa e de escrita que me permitisse

olhar para o macrocontexto que envolve o objeto da pesquisa – o plano inferencial de

leitura nas aulas de língua espanhola – e para as formas como esse macrocontexto

define, em alguma medida, o microcontexto em que ele, de fato, emerge – a sala de aula

e a interação que nela se apresenta entre professores, alunos e materiais didáticos.

O foco especial no trabalho desenvolvido por livros didáticos também se dá

nesse sentido, visto que, como exposto mais adiante, é neles que se materializam as

Projeto de Lei de Conversão PLV 34/2016. Essa Reforma altera drasticamente a estrutura curricular do

Ensino Médio e parcialmente a da Educação Básica.

4 Essa Proposta de Emenda Constitucional circulou com o número 241 na Câmara dos Deputados e com o

número 55 no Senado. Ela foi aprovada em definitivo no final do ano passado e foi definida como uma

das prioridades governo de Temer.

5 As discussões sobre a Base Nacional Comum Curricular começaram ainda no governo Dilma e o

documento final foi oficializado há alguns meses no governo Temer. Várias versões do documento foram

feitas até que se chegasse a elas, mas todas elas definem os conteúdos e competências que devem ser

trabalhos em todas as disciplinas de todas as etapas da educação brasileira.

6 Retomo a expressão “premissas equivocadas” utilizada antes em Gerhardt e Vargas (2010) para mostrar

crenças que embasam práticas de ensino de leitura reprodutoras.

7 É interessante notar que, paralelamente a esses movimentos que estou denominando de “ataques à

educação pública” e em consequência a eles, também presenciamos nesse momento o movimento de

ocupações de estudantes em escolas públicas de todo o país, reivindicando novos modelos de

escolarização, novas organizações curriculares, buscando dar centralidade aos alunos no processo de

ensino-aprendizagem, etc., o que nos mostra que novas concepções que rompam com essas “premissas

equivocadas” estão sendo exigidas pelos alunos (e por professores que apoiam essas reivindicações). Essa

tese busca, de alguma maneira, também se alinhar a esses movimentos.

27

macropolíticas relativas à escola e ao ensino e são eles que, hoje, concretamente, em

grande parte das escolas brasileiras, orientam, guiam, direcionam a construção das

micropolíticas da/na sala de aula.

Aqui, cabe acrescentar que, ainda durante o período de produção desta tese, eu

recebi um convite de uma editora para produzir, junto com outras três autoras8, uma

coleção de livros didáticos de espanhol para o ensino fundamental, produzida

exclusivamente para a participação no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD

2017), ou seja, para ser usada exclusivamente por alunos da escola pública brasileira. A

produção da tese me trouxe, então, mais esse desafio: o de procurar entender a realidade

em que eu me encontro não só como docente, mas também como autor de livro didático,

ao mesmo tempo em que a produção do material me trouxe o desafio de entrar nesse

projeto com a consciência do papel que o livro didático ocupa na escola brasileira –

consciência derivada de meus estudos acadêmicos.

Dessa maneira, a análise dos livros que compõem um dos corpora de minha tese

– produzidos entre 2004 e 2013 – me permitiu compreender um breve, mas importante,

momento de uma história da qual hoje participo diretamente como agente, para que,

inclusive, eu possa atuar, daqui em diante, se for o caso, a partir de outras perspectivas

sobre ela. Levando isso em consideração, é importante esclarecer que a análise dos

livros, como se poderá perceber mais adiante, não pretende destacar obras que sejam

melhores ou piores (inclusive, porque as versões analisadas já não estão mais no

mercado, uma vez que são frequentemente atualizadas). O objetivo é compreender a

história em que essas obras se inserem e como elas revelam as bases estruturais da

escola brasileira que estou buscando entender. Assim, rompe-se qualquer possibilidade

de que a pesquisa caia em perigos éticos, uma vez que sabemos que, como objetos

comerciáveis, esses materiais também estão submetidos a uma lógica de mercado, sobre

a qual não pretendo discorrer nesta tese, nem sempre coincidente às questões que

envolvem uma pesquisa sobre eles.

Tendo feita, então, esta (talvez não tão) breve apresentação, vamos à tese.

8 As autoras são Alice Moraes, Flávia Paixão e Marina Martins, a quem agradeço a parceria nessa

construção, topando o desafio conjunto de produzir uma coleção em tão pouco tempo e sem deixar que o

nosso compromisso por uma educação pública de qualidade se perdesse em meio a tantos

atravessamentos aos quais a produção de uma coleção didática está suscetível.

28

INTRODUÇÃO

Como narrado na Apresentação, esta tese nasce do cruzamento de minhas

experiências docentes com minha trajetória de pesquisa acadêmica como membro do

Grupo de Estudos em Cognição e Ensino de Línguas (COGENS – UFRJ). Desde 2007,

ainda como aluno de iniciação científica, antes mesmo de o grupo ser oficialmente

institucionalizado, venho investigando como se desenvolve o processo de construção de

inferências em leituras realizadas por alunos em situação escolar em aulas de língua

portuguesa e de língua espanhola. Além de buscar entender como se dá esse processo,

também sempre foi meu foco identificar como a escola brasileira trabalha com ele e

como seria possível um trabalho que valorizasse e desenvolvesse os processos

inferenciais dos alunos, auxiliando-os em seu amadurecimento como leitores.

Com o desenvolvimento das pesquisas e a ampliação de minhas experiências

docentes, foi possível perceber que a discussão sobre o trabalho escolar desenvolvido

com o que estamos chamando de “plano inferencial de leitura” vai muito além da busca

por técnicas e metodologias de ensino, uma vez que, como uma série de outras questões,

a forma como ele se realiza em sala de aula revela formas de se ver a leitura e,

principalmente, de se ver a aprendizagem – ou seja, revela, como explicarei mais

adiante, “políticas cognitivas”9.

Por isso, esta tese parte de uma questão fundamental: Que política(s)

cognitiva(s) rege(m), em um plano macrocontextual, e se manifesta(m), em um plano

microcontextual, (n)o ensino de leitura em aulas de língua espanhola em contexto

escolar para os anos finais do ensino fundamental? Obviamente, esta questão se

desdobra em uma série de outras questões, que, por sua vez, nortearam a organização

deste texto. Em resumo, é possível subdividi-la em, pelo menos, outras cinco: a) Como

se constroem essas políticas cognitivas?; b) Como elas aparecem no espaço da sala de

aula?; c) Em que medida essas políticas (des)valorizam as leituras realizadas pelos

alunos e em que medida elas os auxiliam em seu processo de construção como leitores?;

d) Como os alunos reagem a essas políticas ao desenvolverem suas leituras, ou seja,

como eles também se colocam nesse processo de construção?; e e) Como se pode pensar

9 Como explicarei no capítulo 3 desta tese, o conceito de políticas cognitivas foi fundado por Kastrup

(1999, apud KASTRUP, 2005; 2012; 2015) e pode ser definido, brevemente, como o modo como nos

relacionamos com o conhecimento, com a aprendizagem, com o mundo e com nós mesmos.

29

em novas políticas que permitam a realização de um ensino de leitura (e não só...)

focado no desenvolvimento dos alunos?

Desse modo, como discutirei no capítulo 1, esta tese se assume como um

trabalho de Linguística Aplicada (LA) e advoga pela (re)inserção dos chamados estudos

em cognição dentro do campo da LA no Brasil. A teorização aqui feita é, então,

atravessada por diversas disciplinas ou subdisciplinas, que ora serão denominadas

explicitamente ora serão integradas ao texto através do resultado de pesquisas diversas

que serviram e servem de apoio à realização de minha pesquisa. Assumo, assim, uma

abordagem que reconhece o processo de construção de conhecimento como sendo,

necessariamente, vinculado à prática, a problemas reais, ao compromisso com a vida

social e, em especial, com a melhora da educação pública de nosso país.

A busca pela (re)inserção dos estudos em cognição à LA brasileira se justifica,

nesta tese, pela própria existência de meu objeto central de pesquisa – o trabalho com o

plano inferencial de leitura em livros didáticos de língua espanhola para os anos finais

do ensino fundamental. Nesse sentido, parto da perspectiva de que é necessário recorrer

a tais estudos para que se possa (re)conhecer os problemas da escola em relação à forma

como se vê o aprendizado e abrir caminhos para que se transforme essa visão. Para isso,

tomo uma noção de cognição que não se reduz ao cérebro e a seu funcionamento

fisiológico, mas que, ao contrário, é não modular, corporificada, intersubjetival e

situada. Em resumo, entendo, como se verá melhor no capítulo 2, de maneira detalhada,

que a cognição se distribui dentro do próprio cérebro, do corpo humano, entre pessoas,

entre pessoas, objetos e ambiente, e ao longo do tempo. Por isso, preciso recorrer a

diversos campos para entender como essa cognição distribuída funciona e,

principalmente, para entender meu objeto de pesquisa, uma vez que o foco desta tese

está em como as pessoas pensam enquanto estão na sala de aula.

O objeto central desta tese – o plano inferencial de leitura – parte de minha

trajetória de pesquisa nos estudos em cognição, iniciada pelos resultados alcançados no

desenvolvimento de uma pesquisa de Iniciação Científica, seguida de uma investigação

de Mestrado, igualmente focadas na investigação sobre atividades escolares de leitura.

Seguindo uma abordagem cognitivista sobre o ensino de leitura, para a pesquisa

realizada em caráter de Iniciação Científica, elaboraram-se atividades que foram

aplicadas em turmas da Educação Básica, na cidade do Rio de Janeiro. No trabalho

realizado tanto em aulas de português como de espanhol, foi possível observar que,

30

diferentemente do que se esperava, grande parte dos alunos era capaz de realizar boas

leituras10

dos textos trabalhados quando eram encaminhados a isso, ou seja, quando as

atividades de leitura lhes auxiliavam nesse processo.

Entretanto, foi possível verificar também, mesmo nessas atividades, a repetição

de determinados padrões em parte das respostas dos alunos, quando, por exemplo, eles

reproduziam elementos apresentados explicitamente nos textos, mesmo quando isso não

lhes era solicitado ou quando apontavam apenas para elementos externos ao texto, que

reproduziam o seu conhecimento prévio, sem qualquer articulação com o texto lido. Ao

analisar brevemente materiais didáticos que eram usados nas aulas de leitura, foi

possível perceber que havia um padrão de perguntas que levava os alunos a esse

comportamento. Então, no processo de desenvolvimento da dissertação (VARGAS,

2012a), senti a necessidade de voltar, de modo mais detalhado, minha atenção para a

maneira como esse padrão escolar de leitura se constrói.

Para isso, foquei-me na compreensão do processo de inferenciação em leitura,

buscando desenvolver uma concepção cognitivista sobre tal processo, que levasse em

conta o cruzamento de diferentes perspectivas sobre cognição e leitura, e analisar, com

base na concepção construída, em que medida os livros didáticos de Língua Portuguesa

reconheciam, validavam e avaliavam os processos desenvolvidos pelos estudantes. O

interesse por um estudo mais centrado no trabalho desenvolvido em livros didáticos

surgiu, então, nesse momento. Através da prática docente de membros de nosso grupo e

de trabalhos diversos de outros autores, foi possível perceber que, institucionalmente, a

escola brasileira potencializa uma visão de livro didático que o coloca como objeto

central na construção do modo de organização da cultura escolar. Portanto, o livro

didático institui formas de pensar no espaço escolar, o que também justifica o papel

relevante que o livro didático ocupa nesta tese.

A escolha pela leitura como objeto de pesquisa também não foi aleatória. Em

relação à disciplina Língua Portuguesa, diversos trabalhos, sob diferentes visões, já

revelaram que os livros didáticos, bem como (ou talvez: e em consequência) o trabalho

10

Definimos como “boa leitura” a capacidade do aluno de integrar seus conhecimentos prévios às

informações apresentadas no texto lido, de maneira crítica e agentiva, ou seja, sabendo utilizar o texto

para seus objetivos e sabendo responder ao texto, usando suas informações para julgá-lo e usando,

conscientemente, estratégias que lhe permitam ter o domínio desse processo. Ciente de que esta é apenas

uma das visões sobre o que é uma boa leitura, detalharei teoricamente este conceito no capítulo 4 desta

tese.

31

em aula, desenvolvem uma prática que coloca o aluno como um mero leitor-

decodificador (cf. BOTELHO, 2011, 2015; BRANDÃO e MARTINS, 2003;

DELL’ISOLA, 1997; GERALDI, 2003; GERHARDT, 2006b, 2010; GERHARDT e

VARGAS, 2010; GERHARDT, BOTELHO e AMANTES, 2015; KLEIMAN, 2001;

LAJOLO, 2000; MARCUSCHI, 1996; PIMENTA, 2006; ROJO, 2003; ROJO e

BATISTA, 2003; VARGAS, 2011, 2012a, 2012b). Dessa forma, como defendi em

Vargas (2012a), acredito que, mais do que mal ensinar a leitura aos alunos, acaba-se

ensinando que ler é selecionar informações explicitamente apresentadas, uma vez que

algo sempre é aprendido ao longo de todo o processo de escolarização.

Em relação ao ensino de espanhol, a situação é ainda mais complicada uma vez

que, mesmo depois de quase 20 anos dos Parâmetros Curriculares Nacionais terem

apontado que o ensino de línguas estrangeiras na Educação Básica deve atuar na

ampliação do letramento do aluno, trabalhando, principalmente, suas capacidades

leitoras (BRASIL, 1998), o que noto em minha experiência e conversas com colegas é

que pouco destaque se dá em aulas da educação básica ao ensino de leitura (cf.

PARAQUETT, 2009a) 11

. Em relação à pesquisa sobre o ensino de leitura, a situação

também ainda não é das melhores, principalmente, se visamos à construção de um

panorama de seu ensino no Brasil12

. Ainda que este panorama esteja em transformação,

como poderemos ver mais adiante, tomando-se a relevância do tema, é possível dizer

11

Em Paraquett (2009), a autora faz uma discussão interessante sobre o tema, percorrendo a história do

ensino de espanhol no Brasil e a relação dos professores e pesquisadores de espanhol com o campo da

Linguística Aplicada.

12 Em uma pesquisa no Google, no Google acadêmico, e na Plataforma Scielo, através das palavras-

chave: “leitura”, “ensino” e “espanhol”, pude encontrar diversos trabalhos que tratam sobre o ensino de

leitura em língua espanhola. Entretanto, o número é consideravelmente menor do que o de trabalhos que

tratam do ensino de leitura em língua portuguesa e língua inglesa. Pouquíssimos são os trabalhos que se

propõem a avaliar como se dá o trabalho com a leitura em livros didáticos, avaliações (externas ou

internas), em escolas ou redes de ensino, o que revela que essa não é uma cultura de pesquisa nos estudos

sobre o ensino de espanhol. A maior parte dos trabalhos apresenta relatos de experiência, propostas de

atividades ou resultados de atividades aplicadas no próprio contexto de trabalho dos autores. Se, por um

lado, isso revela uma interessante postura desses professores de refletirem sobre sua prática, por outro,

revela que, historicamente, não se apresentam muitos estudos que busquem construir um panorama crítico

do ensino de leitura desenvolvido na escola brasileira. A isso, é preciso acrescentar que o campo de

pesquisa em ensino de espanhol é um campo ainda em consolidação. Para que eu pudesse ter um

panorama da prática executada por professores que fogem do trabalho desenvolvido pelos livros

didáticos, outro trabalho seria necessário – o de avaliar criticamente a qualidade dessas atividades. Este

pode ser um momento seguinte de pesquisa. Nesta tese, foco apenas na análise dos livros didáticos.

32

que ele ainda está longe do ideal, tanto em termos de ensino como em termos de

pesquisa (se é que é possível separá-los).

Nesse sentido, ressalto que é foco desta tese também compreender esse

panorama em transformação, buscando entender as modificações recentes pelas quais

vêm passando o ensino de espanhol, em especial o de leitura, na escola brasileira, e os

elementos que contribuem (ou não) para que elas aconteçam. Para isso, selecionamos

como objeto de análise livros didáticos que formam um breve e recente percurso

histórico, uma vez que foram produzidos entre 2004 e 2013. Tal percurso está marcado

especialmente por dois atos governamentais: a aprovação da chamada Lei do Espanhol13

e a inclusão dessa disciplina (junto à língua inglesa) no Programa Nacional de Livro

Didático (PNLD). Esse dado nos levou, então, a não somente tomar a análise dos livros

como dados da pesquisa, mas também a tomar o próprio programa e o principal

documento que norteia o ensino de línguas estrangeiras no ensino fundamental – os

Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) – como objetos a serem

investigados.

O foco na leitura, em relação à análise dos livros, do programa e dos parâmetros,

torna-se bastante propício às questões que guiam esta tese, uma vez que a leitura, como

será posto mais adiante, se dá por meio da construção de significados por parte do leitor

ao integrar seus conhecimentos prévios às informações novas que recebe. Assim, ela

permite perceber, de maneira mais clara, as políticas cognitivas construídas, já que,

assim, se pode observar em que medida o aprendiz é silenciado em seu próprio processo

de aprendizado.

O plano inferencial adentra, assim, esta tese como um caminho possível para

evidenciar essa análise, uma vez que é nele que mais claramente se manifesta a

integração entre os conhecimentos prévios do leitor e as informações novas que recebe

do texto, da aula, do professor, dos colegas, etc. Dessa maneira, busco verificar em que

medida os livros didáticos validam e desenvolvem a leitura no plano inferencial,

entendendo-o como uma comprovação de que a leitura é também distribuída.

A análise dos livros didáticos em um eixo temporal permite, então, observar se

as atividades foram produzidas para favorecerem essa integração em sala de aula,

13

Trata-se da Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005, que instituía a obrigatoriedade da oferta de língua

espanhola aos alunos do ensino médio. Tal lei, porém, foi revogada pela lei 13.415, de 16 de fevereiro de

2017 – a chamada Reforma do Ensino Médio.

33

reconhecendo e validando os saberes e as experiências dos alunos. Além disso, permite

também verificar em que medida o ensino de leitura em língua espanhola (não) foi se

transformando rumo ao favorecimento dessa integração. Em outras palavras: em que

medida o aluno, seus saberes, suas experiências, suas realidades etc. foram sendo

verdadeiramente incluídos no ensino de espanhol e, consequentemente, na escola

brasileira.

A escolha por tomar os livros didáticos como objetos centrais de análise parte de

trabalhos de diferentes perspectivas teóricas que revelam que a relação instituída pela

escola brasileira entre professores, alunos, materiais, sistema escolar, etc.,

tradicionalmente, potencializa uma visão de livro didático que o coloca como objeto

central na construção do modo de organização da cultura escolar, o que detalharei mais

adiante. Nesse sentido, a ideia aqui defendida é que, por isso, o livro didático institui

formas de cognizar no espaço escolar. Sem buscar correr o risco de uma falsa

generalização que me cegue na busca da compreensão dos problemas aqui apresentados,

é importante ressaltar que tal realidade é descrita por diversos trabalhos e que, portanto,

pode ser posta como uma “lei social”, no sentido – e na problematização – posta por

Silva (2015), a partir do trabalho de Judith Butler:

Seguindo um princípio de Judith Butler em seu Problemas de gênero,

entendo que a postulação de uma lei social não significa que ela

universalmente “determina a vida social de modo unilateral”, menos

ainda que ela exista “em todos os aspectos da forma social

considerada, mais modestamente, isso significa que a lei existe e que

opera em algum lugar em cada formação social” (Butler, 2003 [1990],

p. 115) (SILVA, 2015, p.352).

Assim, não nego, obviamente, que haja professores que fujam do modelo

proposto por livros didáticos nem apago o papel do professor na construção da interação

em sala de aula. Entretanto, não posso ignorar que o livro didático ocupa hoje um lugar

central na escola brasileira e que, portanto, ele precisa ser de qualidade – tanto para os

professores que vão utilizá-lo com pouca interferência como para os que vão utilizá-lo

de maneira mais autoral, ou, como direi adiante, mais inventiva. Nesse sentido, é

importante ressaltar que, na escola brasileira de hoje, o livro didático serve

principalmente à precariedade das condições de trabalho do professor, que, com baixo

salário e muito trabalho, tem pouca condição de investir em sua própria formação. Além

disso, com muitos alunos e pouco tempo fora de sala de aula, não há como desenvolver

um trabalho que fuja muito do prescrito pelo livro didático.

34

Em resumo, posso dizer que, com esta tese, busco, de modo geral, por meio da

análise da história recente dos livros didáticos de língua espanhola para os anos finais

do Ensino Fundamental em relação ao trabalho com o plano inferencial de leitura,

identificar quais são as Políticas Cognitivas instituídas (ou manifestadas) pelo ensino de

espanhol na escola e, consequentemente, identificar quais são as condições de Cognição

Distribuída colocadas em sala de aula. De modo específico, pretendo também identificar

como o ensino de língua espanhola vem se construindo nos últimos anos, em especial, a

partir da sua inserção no PNLD, uma vez que essa construção revela como essa

disciplina, que tem um processo de expansão ainda em desenvolvimento, vem se

escolarizando e se adequando às condições de pensamento que fundamentam a cognição

escolar brasileira.

Para isso, selecionei como material de análise, os Parâmetros Curriculares

Nacionais, os dois editais do Programa Nacional do Livro Didático e sete livros

didáticos de língua espanhola pensados para o trabalho com alunos do ensino

fundamental na escola brasileira: dois anteriores ao PNLD, dois aprovados no primeiro

PNLD, um produzido entre os dois editais e não aprovado neles e dois aprovados no

segundo edital do PNLD. Além disso, incluo também as respostas dos alunos para

atividades propostas por alguns desses livros, a serem especificados mais adiante no

capítulo 5.

Por fim, ressalto que não busco em minha análise procurar marcas explícitas de

visões sobre a cognição nem nos materiais didáticos, nem nos documentos oficiais,

principalmente porque tenho a consciência de que os estudos em cognição ocupam hoje

na pesquisa e no discurso sobre o ensino de línguas um lugar de desvalorização. Dessa

forma, construo também esta tese como um exercício para que se devolvam aos estudos

em cognição o lugar que eles ocuparam tempos atrás, reconhecendo sua importância

histórica na construção de um campo de pesquisa sobre o ensino de línguas, em

especial, o de leitura no Brasil (cf. FULGÊNCIO e LIBERATO, 1996, 2003; KATO,

1986, 1990; KLEIMAN, 2001, 2010; LEFFA, 1996; SCLIAR-CABRAL, 1991; SOLÉ,

1992; entre outros).

Além disso, é importante também que se abram oportunidades para que sejam

divulgados os resultados de pesquisas contemporâneas, que partem de uma visão de

cognição bem mais complexa do que a que comumente se atribuem aos estudos

cognitivistas. Nesse sentido, entendo que uma concepção de aprendizagem sempre

35

emerge dos discursos sobre o ensino que circulam no Brasil, mesmo que os estudos em

cognição sejam invisibilizados (ou, talvez, por isso), e que tais estudos precisam ser

resgatados (sem que se abra mão da interdisciplinaridade), uma vez que não é possível

falar sobre aprendizagem (e, consequentemente, sobre ensino) sem que se entenda como

a cognição humana funciona.

Esta tese se organiza, então, em sete capítulos, nos quais se percorre o caminho

teórico-prático desenvolvido para esta pesquisa. No primeiro capítulo, apresento o

enquadramento da Linguística Aplicada e sua relação com o compromisso que

denomino de teórico-ético desta pesquisa, bem como sua relação com a pesquisa sobre o

ensino de língua. Nesse capítulo, proponho uma discussão que serviu de norte para a

construção teórica e prática (como duas faces de uma mesma moeda) desta tese, ao

debater o papel dos estudos sobre a linguagem no mundo de hoje e a necessidade de se

construir pesquisas que contribuam para a diminuição do sofrimento dos que se

encontram à margem dos processos de globalização e tudo que os envolve, ou, ao

menos, para que se dê visibilidade a esse sofrimento, denunciando-o.

No segundo capítulo, apresento a visão de cognição por mim adotada, com base

em diversos trabalhos que compõem os chamados estudos em cognição. Assim,

apresento uma visão de cognição como sendo social e cultural, em suas relações com a

linguagem e com a cultura, como sendo intersubjetival, corporificada, baseada em

frames e desenvolvida por meio de mesclagens conceptuais. Em resumo, mostro uma

visão de cognição distribuída que nos permite inserir tais estudos, junto a tantos outros,

em uma Linguística Aplicada preocupada com a mudança da escola brasileira. Esse

capítulo se justifica justamente por conta da exclusão que tais estudos sofrem na

pesquisa sobre o ensino no Brasil e embasa a inserção de seus pressupostos nos

capítulos seguintes.

No terceiro capítulo, trago uma discussão mais diretamente relacionada à escola

brasileira e ao ensino de espanhol dentro dela. Para isso, trago o conceito de políticas

cognitivas, fundamental para entendermos as relações que se constroem em sala de aula

hoje. Tal conceito é articulado, neste capítulo, à história do ensino de espanhol e à

história do livro didático no Brasil. Esses estudos históricos, articulados à discussão

sobre políticas cognitivas, permitem que compreendamos a realidade contemporânea do

ensino de espanhol e do papel que o livro didático ocupa nas práticas de ensino que se

36

constroem em sala de aula. Tais estudos servirão de base também para a análise dos

documentos e dos materiais didáticos selecionados para esta tese.

No quarto capítulo, foco minha discussão mais diretamente no ensino de leitura.

Para isso, inicio a discussão apresentando uma compilação de trabalhos que apresentam

os problemas do ensino de leitura no Brasil mais diretamente relacionados à discussão

proposta por esta tese. Em seguida, apresento, com base nos pressupostos apresentados

nos capítulos anteriores, uma proposta de abordagem da leitura que estou denominando

de leitura integrativa e, a partir dela, uma visão de inferenciação como processo

cognitivo. Por fim, defendo um ensino de leitura como processo integrativo derivado da

relação entre a noção de cognição distribuída e o conceito de plano inferencial de

leitura. Assim, finaliza-se a construção das bases que vão permitir a análise dos

documentos e materiais apresentados nas seções seguintes.

No capítulo cinco, apresento os caminhos metodológicos tomados para a

construção desta tese, e, no capítulo seis, apresento como as políticas cognitivas e as

diferentes visões de aprendizagem e de leitura atravessam o que estou chamando de

“objetos reguladores”, especificamente, nesta tese, os Parâmetros Curriculares

Nacionais, os editais do Programa Nacional do Livro Didático de 2011 e de 2014 e os

manuais do professor dos livros didáticos selecionados para minha análise. No capítulo

sete, por fim, apresento a análise das atividades de leitura apresentadas nos livros

didáticos selecionados e das respostas de alunos do 6º ano do ensino fundamental de

uma escola pública de Niterói para quatro atividades de leitura – duas dos dois

primeiros livros selecionados e duas dos dois livros aprovados no PNLD 2014.

37

CAPÍTULO 1: A LINGUÍSTICA APLICADA, O ENSINO DE LÍNGUAS E AS

BASES TÉORICO-ÉTICAS DESTA PESQUISA

Como já dito, esta tese se define como um trabalho de Linguística Aplicada e

advoga pela inserção dos estudos em cognição nesse campo. Essa inserção só é possível

porque, como apontado por Gerhardt (2017, p.01), tanto a Linguística Aplicada como os

estudos em cognição, ainda que paralelamente, se constroem

com base numa mesma ruptura de fronteiras de observação dos

problemas relacionados à linguagem por eles recortados: a ruptura das

fronteiras disciplinares, com o acesso e a incorporação de diferentes

teorias de mesmo campo epistemológico para o tratamento dos

problemas criados; a essa ação, segue-se a ruptura dos escopos

territoriais de estudo, com a assunção da pessoa no centro do processo

de pesquisa e a inclusão na virada somática de estudo do ser humano,

em contraposição às epistemologias cartesianas e positivistas,

hegemônicas nas Ciências Sociais.

Além disso, a possibilidade de trazer para esta tese esse diálogo parte também do

princípio de que a Linguística Aplicada e os Estudos em Cognição (ou Estudos da

Cognição ou Ciências da Cognição) são, como aponta Silva (2015, p.365), não

disciplinas, mas áreas de investigação “para onde convergem pesquisadores de

diferentes orientações teóricas e “disciplinares””14

. Assim, trago para esta tese trabalhos

de pesquisadores que se assumam com essas diferentes nomenclaturas e tantas outras

que possam aparecer, sempre reconhecendo que a história de uma disciplina e suas

vinculações são permeadas pela “maneira como a segmentação do conhecimento é

politicamente decidida em universidades” (Cavalcanti e Signorini, 1998, p.207, apud

SCHERER, 2003, p.62).

O destaque dado, nesta tese, aos estudos em cognição, porém, se explica porque,

como dito anteriormente, há certa rejeição, na Linguística Aplicada e nos estudos sobre

o ensino de línguas no Brasil, a tais estudos. Como historicamente eles foram sendo

abandonados ao longo da pesquisa aplicada ao ensino no Brasil, hoje, eles são vistos

sob um olhar preconceituoso, em geral sendo rejeitados e tratados como já superados.

Por isso, ainda é preciso focar nesses estudos de modo mais detalhado para comprovar a

possibilidade de que, não só eles podem ser inseridos no campo da Linguística Aplicada

14

Silva (2015) traz essa reflexão referindo-se apenas à Linguística Aplicada. Acredito que as mesmas

palavras cabem para os Estudos em Cognição, posto que esta já é uma área reconhecidamente colocada

como interdisciplinar, como se poderá ver nas diferentes perspectivas trazidas pelos trabalhos sobre

cognição citados nesta tese.

38

contemporânea, como também podem ser fundamentais para a transformação da escola

brasileira. Este capítulo, então, se constrói na perspectiva de trazer os compromissos

assumidos pela Linguística Aplicada em seus caminhos de investigação e de como me

coloco, nesta tese, diante desse compromisso. Além disso, essa discussão é que abre as

possibilidades para a inserção dos estudos em cognição na LA de hoje, entendendo que

“as dimensões de experiências pessoais de forma alguma estão alijadas dos processos

cognitivos” (GERHARDT, 2013, p.95).

Para isso, começo mostrando porque os caminhos teórico-metodológicos

tomados nesta tese se norteiam por um compromisso ético de pesquisa e trabalho,

apresento brevemente a história da Linguística Aplicada e sua relação com a Linguística

e com outras disciplinas, incluindo as potencialidades derivadas da inclusão dos estudos

em cognição, e finalizo o capítulo apresentando os reflexos dessa discussão na pesquisa

sobre o ensino e na prática escolar.

1.1. A Linguística Aplicada como norte teórico-ético de pesquisa

Nesta tese, parto do pressuposto básico de que falar de escolhas teóricas é falar

de questões éticas. Como aponta Rajagopalan (2003, p.13), é preciso reconhecer que

“qualquer possibilidade de que as teorias que elaboramos sobre a linguagem venham a

ter implicações de ordem ideológica e política, e portanto, a fortiori, éticas”

(RAJAGOPALAN, 2003, p.17). Nesse sentido, em acordo com o autor, fujo da ideia de

que as discussões sobre ética nos estudos da linguagem devam estar relegadas apenas à

esfera da prática, aos caminhos metodológicos de coleta ou de geração de dados ou à

forma como se usarão os dados cedidos por informantes, por exemplo. Ao contrário,

parto da noção de que representam também escolhas éticas as escolhas teóricas, das

visões de língua, de ser humano, de interação, de escola, dos papéis do pesquisador,

entre tantas outras adotadas em uma determinada pesquisa15

, uma vez que “trabalhar

com a linguagem é necessariamente agir politicamente, com toda a responsabilidade

ética que isso acarreta” (RAJAGOPALAN, 2003, p.125).

15

O autor aponta ainda que essa é uma tendência cada vez maior no campo da linguística, ainda que,

segundo ele, a maior parte dos estudos que adiram a ela se localizem nas áreas tidas como “periféricas ao

núcleo duro”, também chamadas por ele como “áreas hifenizadas ou aplicadas” (RAJAGOPALAN, 2003,

p.20), como é o caso desta pesquisa. Aqui, podemos trazer também a noção de “marginalidade” proposta

por Gerhardt (2017) ao buscar no conceito de “radialidade” a possibilidade de discutir metateoricamente

as relações entre a Linguística Cognitiva e a Linguística Aplicada.

39

Desse modo, acredito que, conforme defende Moita Lopes (2006, p.90), uma

proposta ética de investigação envolve “um processo de renarração ou redescrição da

vida social como se apresenta, o que está diretamente relacionado à necessidade de

compreendê-la”. Entendo que a escola faz parte da vida social das pessoas e que se

organiza de uma maneira que permite existir determinadas práticas de linguagem e,

consequentemente, determinadas formas de pensar, e que exclui outras. Assim, é

objetivo desta tese compreender essa escola, mas também reescrevê-la, questionando o

que chamamos anteriormente de “premissas equivocadas”, para que novas realidades se

construam. Busco, então, situar, como prossegue Moita Lopes (2006, p.90), este

“trabalho no mundo, em vez de ser tragado por ele ao produzir conhecimento”.

Portanto, é fundamental que as pesquisas que assumam para si esse

compromisso que estou tratando como “teórico-ético” tenham em seu foco um

compromisso social capaz de, como aponta Rajagopalan (2003, p.123), prestar um

serviço à comunidade e “contribuir para a melhoria das condições de vida dos setores

menos privilegiados da sociedade”, ou, nas palavras de Moita Lopes (2006, p.87),

construir formas de produzir conhecimento que reconheçam sua relação direta “com o

modo como as pessoas vivem suas vidas cotidianas, seus sofrimentos, seus projetos

políticos e desejos”.

Assim, não se pode ignorar que a vida escolar também é parte da vida cotidiana

das pessoas, em especial, de crianças e jovens e que, tanto quanto outras experiências de

vida, ela também é parte – e parte importante – de seus sofrimentos, de seus projetos

políticos e de seus desejos, atuando de forma limitadora ou potencializadora. Este

trabalho busca, com base nisso, se inserir nesta perspectiva ética de construção.

Considero, assim, que, como explica Rajagopalan (2013b, p.45), tal assunção

Trata-se da responsabilidade do pesquisador para com a sociedade que

lhe proporciona as condições necessárias de levar adiante suas

pesquisas. Trata-se da responsabilidade social do cientista (do

linguista, no caso) num sentido muito mais profundo do que uma

simples questão de “dívida moral” em relação aos informantes que

tanto nos auxiliam em pesquisas de campo.

Se, por um lado, esse compromisso ético parte da necessidade de um

compromisso do pesquisador com a vida social, por outro, e como consequência, parte

também da necessidade de que as pesquisas reflitam “os anseios do momento histórico

em que propomos e defendemos nossas ideias” (RAJAGOPALAN, 2003, p.18). Nesse

sentido, Moita Lopes (2006, p.22) levanta a necessidade de se pensar novos percursos

40

que interroguem a modernidade, “acarretando profundos questionamentos sobre os tipos

de conhecimento produzidos e tentando explicar as mudanças contemporâneas que

vivemos”.

Por isso, esta tese procura também contribuir para a construção de um pensar

sobre a linguagem que se coaduna com uma perspectiva voltada para o século XXI,

rompendo com a lógica denunciada por Hutton (1996, p.209, apud RAJAGOPALAN,

2003, p.25), ao dizer que “a linguística talvez seja a disciplina que mais encarna o

espírito do século XIX dentre as que são ensinadas nas universidades hoje”, posto que

“os nossos conceitos básicos relativos à linguagem foram em grande parte herdados do

século XIX, quando imperava o lema “Uma nação, uma língua, uma cultura”.”

(RAJAGOPALAN, 2003, p.25).

Cabe salientar que não se trata de apagar aqui a relevância da Linguística como

disciplina, uma vez que o próprio Rajagopalan (2003) aponta que a linguística dos

séculos XIX e XX encarnou perfeitamente o espírito de seus tempos e contribuiu

efetivamente para as discussões de seu tempo, causando impacto, inclusive, em outras

áreas disciplinares conexas. Entretanto, como ele mesmo aponta: “A saúde de uma

disciplina se mede pela presteza com a qual ela consegue responder a novas realidades

que surgem no mundo em que vivemos e pelo interesse que ela evidencia em atender

aos anseios e preocupações típicos de cada época” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 39).

Assim, trata-se de construir novos caminhos para a linguística que fujam do modelo

ainda predominante e que segue o espírito de um tempo que já não existe mais fora dos

muros da academia.

Tal busca exigiria, então, ainda a noção de “um sujeito social heterogêneo e de

uma LA continuamente auto-reflexiva” e a compreensão de que “a LA está se tornando

um “espaço aberto” ou “com múltiplos centros”, o que envolveria a “desistência da

construção de um projeto de uma LA unificada e coesa” (MOITA LOPES, 2006, p.15) e

“o envolvimento em uma reflexão contínua sobre si mesma: um campo que se repensa

insistentemente” (MOITA LOPES, 2006, p.17).

A consideração da linguística aplicada como um campo no qual se insere esta

tese, dessa maneira, parte, então, desses movimentos de abertura e de autorreflexão a

que todo linguista aplicado deve (ou deveria) estar submetido. Trata-se, então, de uma

busca por incluir esta pesquisa que a embasa em um conjunto de “teorizações que

dialoguem com o mundo contemporâneo, com as práticas sociais que as pessoas vivem,

41

como também desenhos de pesquisa que considerem diretamente os interesses daqueles

que trabalham, agem etc. no contexto de aplicação” (MOITA LOPES, 2006, p.23).

Esse diálogo com a contemporaneidade pressupõe, portanto, tanto a ruptura com

qualquer tipo de essencialismo, como a vida social contemporânea globalizada nos

aponta há algum tempo (RAJAGOPALAN, 2013a), como também o “reconhecimento

de que é a teoria que precisa ser moldada segundo as especificidades da prática”

(RAJAGOPALAN, 2006, p. 165), e não o contrário. Como defende Scherer (2003, p.

81): a teoria e prática nos estudos da linguagem são (ou deveriam ser) inseparáveis:

queiramos ou não, as concepções de aquisição de línguas e as

propostas de uma LA ao ensino e à aprendizagem implicam

escolhas ou referências de ordem teórica. Tais escolhas não são,

necessariamente, homogêneas ou coerentes, também não são

limitadas tão somente às ciências da linguagem;

queiramos ou não, as teorizações científicas relativas às línguas

e/ou à linguagem, mesmo quando elas delimitam seu objeto – a

fins de idealização, de modelização, de formalização, por razões de

ordem metodológica ou epistemológica -, não podem não

comportar incidentes ou questionamento quanto à aquisição ou às

relações com o ensino/aprendizagem de línguas

O centro da pesquisa está assim não na aplicação da teoria, mas na percepção de

um problema real – no caso desta tese, a precariedade do trabalho com a leitura em

espanhol na escola brasileira, e a recolha de diversas fontes teóricas que permitam

compreendê-lo em alguma medida. Nesse sentido, cabe citar mais uma vez Moita Lopes

(2006), quando ele aponta para o fato de que a investigação em linguística aplicada é

fundamentalmente centrada no contexto aplicado, o que inclui entender onde as pessoas

vivem e agem, compreendendo, portanto, as mudanças relacionadas à vida

sociocultural, política e histórica que experienciam.

A escolha por um recorte de tempo que se circunscreve nos primeiros anos do

século XXI, ao analisarmos os materiais didáticos de espanhol e suas transformações,

parte justamente da busca por entender os movimentos de transformação dessa

disciplina neste (e para este) século. Parte também da consideração de que tais

movimentos revelam uma cultura escolar brasileira que pode estar de acordo com este

tempo ou não. Os discursos cotidianos sobre a escola brasileira me levam a crer que é

do desejo e do interesse dos que nela agem – alunos e professores –, usando os termos

de Moita Lopes (2006), transformá-la radicalmente. Movimentos como o das ocupações

das escolas no ano que passou revelam isso, revelam que sofrimentos são experenciados

42

na escola tal e como ela está construída. Sigo o caminho proposto por Cavalcanti (1986,

p.6), em texto seminal para a perspectiva hoje construída sobre a linguística aplicada:

O percurso de pesquisa em LA tem seu início na detecção de uma

questão específica de uso de linguagem, passa para a busca de

subsídios teóricos em áreas de investigação relevantes às questões em

estudo, continua com a análise da questão na prática, e completa o

ciclo com sugestões de encaminhamento.

Aqui, é importante destacar que já em 1986, Cavalcanti, aponta que a linguística

aplicada deve ser essencialmente de caráter multidisciplinar, ainda que sempre

preocupada com questões de uso da linguagem.

Justamente porque se assume hoje como multidisciplinar ou transdisciplinar é

que a Linguística Aplicada se coloca então como uma grande área de estudos diferente

da Linguística e não como uma subdisciplina dela. Assim, é interessante notar que a

história da LA esteve muito tempo vinculada unicamente à história da linguística, uma

vez que sua função principal era aplicar teorias linguísticas ao ensino e aprendizagem de

línguas (SZUNDY e NICOLAIDES, 2013). Entretanto, com afirma Rojo (2006, p.256),

“se, no passado, a questão da identidade da área de LA tinha a ver com suas fronteiras

em relação à linguística, hoje se reconhece a natureza transdisciplinar da LA em suas

relações com a educação, a psicologia, a etnografia da comunicação, a sociologia etc.”.

Entretanto, não há como negar que o campo da linguística aplicada ainda se vê

muito atrelada a linguística, uma vez que nossa cultura ainda valoriza o conhecimento

teórico em detrimento de suas possíveis aplicações (RAJAGOPALAN, 2003). Nesse

sentido, cabe trazer a polêmica levantada por Rajagopalan (2003), ao apontar que o

movimento de se libertar das amarras da disciplina-mãe pode causar (ou estar causando)

algumas confusões, tais como, a de que deveria haver uma perfeita divisão entre os que

escolham a “linguística pura” e os que optem pela “linguística aplicada”; a de que os

linguistas aplicados não precisem se preocupar com o trabalho teórico; ou mesmo de

que o trabalho prático (ou aplicado) comece onde o teórico acabe.

Buscando escapar dessas confusões, o autor defende a ideia de que a linguística

aplicada, como campo disciplinar, deve admitir até mesmo a possibilidade de que ela

possa vir a ser uma alternativa à linguística teórica, “algo que a própria disciplina mãe

pode emular em proveito próprio” (RAJAGOPALAN, 2003, p.79), o que, segundo ele,

já vem ocorrendo pelo movimento denominado de “linguística crítica”. Em relação a

isso, Menezes, Silva e Gomes (2009) ressaltam que a separação entre linguística e

linguística aplicada nunca foi e não é tão simples assim, uma vez que há também na

43

linguística estudos que focam a língua em uso e que, com o passar do tempo, as duas

áreas estão ficando cada vez mais próximas, sendo a denominação “linguista” ou

“linguista aplicado” muito mais uma questão de afiliação do que distinção

epistemológica ou metodológica.

Assim, Menezes, Silva e Gomes (2009) defendem que o hiato entre os estudos

da LA e os estudos linguísticos estão cada vez menos vigentes, uma vez que a própria

linguística caminha ao encontro da LA, já que, segundo eles, seus estudos formais

constituem um grupo cada vez menor dentro da linguística. Por outro lado, também a

LA caminharia para “o aumento da diversidade temática, para o abrandamento das

fronteiras entre as áreas, para um encontro mais fraterno com os colegas da lingüística,

mas, também, para o enfrentamento de divergências dentro da própria LA” (MENEZES,

SILVA e GOMES, 2009, p. 48).

Dentro de linha semelhante de discussão, Moita Lopes (2006) aponta que o

debate sobre a diferença entre aplicação da linguística e linguística aplicada já se

encontra envelhecido e, procurando ultrapassá-lo, nomeia de “linguística aplicada

mestiça” aquela que busca dialogar com teorias que atravessem o campo das ciências

sociais e das humanidades, de forma que se possa “criar integibilidade sobre problemas

sociais em que a linguagem tem um papel central” (MOITA LOPES, 2006, p.14). Essa

busca, por sua vez, exige “uma epistemologia e teorizações que falem ao mundo atual e

que questionem uma série de pressupostos que vinham informando uma LA

modernista” (MOITA LOPES, 2006, p.14).

É interessante observar que, em relação a essa discussão, Moita Lopes (2013) dá

papel de destaque à trajetória do campo no Brasil, onde teria adquirido um perfil

específico, sendo aqui o lugar em que ela teria conseguido expandir sua natureza

inter/transdisciplinar com mais força, colocando-se “na ponta das discussões mais

inovadoras de formas contemporâneas de produção do conhecimento, o que (...) é

interessante por responder às demandas epistemológicas atuais” (MOITA LOPES,

2013, p.18), ainda que se coloque também em uma posição contínua de revisão de si

mesma, “pisando em solos pouco sedimentados” (MOITA LOPES, 2013, p.18).

Em resumo, pode-se dizer que é papel do linguista aplicado que se circunscreve

a este panorama teórico-ético buscar “compreender nossos tempos” e “abrir espaço para

visões alternativas ou para ouvir outras vozes que possam revigorar nossa vida social ou

vê-la compreendida por outras histórias” (MOITA LOPES, 2006, p.23), o que exige

44

constante “reflexão sobre seus métodos e sobre o alcance teórico e metateórico de suas

categorias de análise e a efetividade e eficácia de seus resultados” (ROJO, 2006, p.259).

Com base nisso, e entendendo o papel político que toda pesquisa e todo

pesquisador assume diante do que coloca como seus objetivos e objetos de investigação,

procuro levantar, por meio desta tese e dentro desta perspectiva, então, (a) reflexões que

busquem entender a situação concreta em que se encontra hoje o ensino de leitura em

língua espanhola nas escolas públicas de nosso país; mas também (b) reflexões que

busquem pensar uma outra realidade possível, que parta da compreensão do papel

fundamental que ocupa o ensino de línguas no século XXI e dos pressupostos que serão

posteriormente apresentados.

Dessa maneira, é importante dizer ainda que a busca dessa LA, à qual adiro aqui,

como enfatiza Moita Lopes (2006), não é encontrar soluções ou resolver os problemas

que busca investigar, mas sim problematizá-los, ou “criar inteligibilidades sobre eles, de

modo que alternativas para tais contextos de usos da linguagem possam ser

vislumbrados” (MOITA LOPES, 2006, p.20). Nesse sentido, cada capítulo, cada seção e

cada subseção deste texto, se apresenta justamente como uma tentativa de fazer

exatamente isso – criar inteligibilidade sobre o problema central desta tese – a

precariedade do ensino de leitura em língua espanhola na escola brasileira – e suas

consequências para os alunos, ou seja, o sofrimento que lhes é gerado, em sala de aula e

fora dela, em função do silenciamento que tal precariedade institui.

Na próxima seção, apresento brevemente a trajetória da linguística aplicada, de

forma que se possa entender como ela chegou até esses pressupostos, mas,

principalmente, porque a história do ensino de línguas no Brasil está diretamente ligada

a ela. Assim, compreender os caminhos traçados pelo ensino de espanhol no Brasil – o

que será apresentado no capítulo 3 – passa também por compreender a história da LA

em nosso país.

1.2. Breve trajetória da Linguística Aplicada e sua relação com o ensino de línguas

A Linguística Aplicada constitui uma área de estudos relativamente recente na

academia brasileira, adquirindo maior vigor somente a partir da década de 90, quando se

amplia a massa crítica desse campo no Brasil (MOITA LOPES, 2013). Inicialmente

fundada para estudar a aplicação de teorias linguísticas ao ensino de línguas, a

45

Linguística Aplicada foi se construindo ao longo do tempo, no mundo e no Brasil, como

um campo interdisciplinar independente da Linguística e foi ampliando seus estudos em

direção à compreensão das relações que se estabelecem, em todo e qualquer espaço, por

meio da linguagem, ou, nas palavras de Moita Lopes (2006, p.14), “a criar

inteligibilidade sobre problemas sociais em que a linguagem tem um papel central”.

Como afirmam Menezes, Silva e Gomes (2009, p.25), hoje, “parece haver um

consenso de que o objeto de investigação da LA é a linguagem como prática social, seja

no contexto de aprendizagem de língua materna ou outra língua, seja em qualquer outro

contexto onde surjam questões relevantes sobre o uso da linguagem”. Esse consenso –

talvez o único elemento que unifique todos os trabalhos que se colocam dentro desse

campo - é fruto de sua trajetória histórica que, no Brasil, em especial, construiu-se de

modo particular, “permeada por uma heterogeneidade de ações e de dizeres na procura,

quase sempre de um novo sentido e de uma autonomia como ordem epistemológica”

(SCHERER, 2003, p.62).

No início de sua trajetória, nos anos 40/50, a LA nasceu como uma disciplina

voltada quase que exclusivamente para pesquisas sobre o ensino de línguas não

maternas, estando fortemente influenciada pelo contexto de expansão militar

estadunidense e das consequências colonialistas da expansão imperialista britânica que

apontavam para a necessidade de ensino de línguas diversas para os militares e de

língua inglesa para os países com os quais EUA e Grã Bretanha tinham relações de

domínio ou de parceria (LUNA, 2012; MENEZES, SILVA e GOMES, 2009;

RAJAGOPALAN, 2013b; SCHERER, 2003; SZUNDY e NICOLAIDES, 2013).

Com o advento da Segunda Guerra, o quadro de irregularidade de

oferta de cursos de línguas estrangeiras começa a mudar em

instituições de ensino dos Estados Unidos. A sociedade e as

instituições americanas, que tinham, durante a Primeira Guerra

Mundial, desmerecido a língua e a cultura do inimigo e repudiado

qualquer coisa que pertencesse a ele, passa, na Segunda Guerra, a

querer aprender a língua dos povos com cujos países os Estados

Unidos estavam envolvidos, fosse como inimigo, fosse como aliado.

Objetivamente, a motivação era militar e estratégica, mas também

política e econômica; visava ao período da guerra em si, mas também

ao que viria depois, por exemplo, as oportunidades de negócios

(LUNA, 2012, p.33).

Sobre este contexto, Scherer (2003, p.61) chega a dizer que a LA, a esse tempo,

era “entendida como sinônimo de Análise Contrastiva”, uma vez que basicamente se

dedicava a contrastar estruturas de línguas visando a encontrar possíveis dificuldades

46

para o aprendizado das línguas pelos falantes até então tidos como não nativos. É nesse

momento também que, segundo Luna (2012), os linguistas são, por primeira vez,

chamados a pensarem contextos aplicados de pesquisa voltando seus trabalhos para o

ensino de línguas, em especial, as estrangeiras. Cria-se, assim, por primeira vez um

circuito de produção de conhecimento sobre o ensino de línguas e, neste contexto, nasce

então a linguística aplicada.

Contrariamente ao que se costuma apontar dizendo-se que a linguística aplicada

nasce como tentativa de aplicação da Linguística, Menezes, Silva e Gomes (2009, p.27)

defendem que

a LA não nasceu como aplicação da linguística, mas como uma

perspectiva indutiva, isto é, uma pesquisa advinda de observações de

uso da linguagem no mundo real, em oposição à língua idealizada”, o

que teria abalado a forma de fazer ciência na academia, confrontando-

se diretamente “com a pesquisa tradicional dentro de modelos teóricos

e metodológicos muito rígidos.

Entretanto, não é possível negar que a ideia de aplicação da linguística emergiu

logo em seguida e predominou por um bom tempo – talvez mesmo predomine ainda

hoje –, apesar de todos os seus movimentos de expansão. Esses movimentos se iniciam

ainda na metade do século passado e percorrem todo o século, tanto no exterior como no

Brasil, em movimentos muito próximos (MENEZES, SILVA e GOMES, 2009;

SCHERER, 2003; SZUNDY e NICOLAIDES, 2013).

Já nos anos 60, segundo Luna (2012, p.44), inicia-se uma busca “de esclarecer

os limites da Linguística Aplicada para resolver os problemas existentes na sala de aula

de línguas”, sendo esta a motivação da maior parte dos estudos e publicações de

linguistas deste período.

Caracterizado como tinha ficado o problema do ensino de línguas

estrangeiras nos Estados Unidos no período pré- e pós-guerra, e

vinculado como acabou ficando o método audiolingual à Linguística,

a década de 60 começa com cobranças e defesas da aplicabilidade da

ciência da linguagem (LUNA, 2012, p.44).

Nos anos 70, em prosseguimento ao movimento vivido nos anos 60, a LA

passou a associar-se ao ensino da linguagem em geral, cobrindo um conjunto de tópicos

muito mais extenso (SCHERER, 2003). É também neste período que se inicia um

movimento fundador da área no Brasil, em um momento em que os pesquisadores

dedicados a questões linguístico-pedagógicas constituíam-se em grupos cada vez mais à

parte. Mesmo que a questão do ensino de línguas estivesse no centro dos debates àquele

47

tempo, quando os problemas da educação básica começaram a invadir as universidades,

a produção linguística ia se afastando de sua motivação pedagógica inicial, fazendo com

que os pesquisadores interessados pelas questões de ensino buscassem construir novas

formas de se organizarem (SCHERER, 2003).

Esse movimento faz com que, nos anos 80, viva-se um momento de pouco

consenso, tanto no Brasil como no exterior, atravessado pela discussão sobre a relação

de dependência da área em relação à linguística dita geral e a necessidade de

independência da LA como disciplina específica (SCHERER, 2003; SILVA, 2015). É

também nesse momento que se inicia um movimento de abertura disciplinar, a partir da

influência de outras teorias, tais como a linguística sistêmico funcional, a antropologia e

a abordagem comunicativa de ensino. Assim, a LA passa a investigar os usos situados

da linguagem no processo de ensino-aprendizagem de línguas, preocupando-se, por

exemplo, com o desenvolvimento de estratégias de aprendizagem e o ensino

instrumental de LE e LM para fins específicos (SZUNDY e NICOLAIDES, 2013). Com

o grupo de linguistas aplicados sentindo-se discriminados pelos linguistas gerais,

passam, então, a reinvidicar uma especificidade própria e a criar, na metade final da

década de 1980 suas próprias instituições em nosso país (SCHERER, 2003; SILVA,

2015).

Essa trajetória chega ao ápice, no Brasil, nos anos 90, com a fundação da

Associação de Linguística Aplicada do Brasil, e os primeiros Congressos Brasileiros de

Linguística Aplicada (SCHERER, 2003; SZUNDY e NICOLAIDES, 2013). É nos anos

90 que a LA passa a se circunscrever “a um conjunto de discursos portando em si,

sobretudo, o que se passa em uma sala de aula – quando se aprende e se ensina uma

língua -, qualquer que seja o estatuto reconhecido desta e de sua natureza” (SCHERER,

2003, p.62).

Nesse tempo, a principal influência emerge da teoria sócio-histórico-cultural de

Vygostky e de Bakhtin, o que retira o objeto de estudo do aprendiz e o coloca na

interação que se constrói em aula (SZUNDY e NICOLAIDES, 2013). Aqui, é

importante acrescentar também que é nesta virada que os estudos em cognição

começam a perder prestígio nas pesquisas sobre o ensino de línguas e vão sendo

deixados de lado por essas pesquisas. Esse abandono dos estudos em cognição no Brasil

fez com que a pesquisa sobre o ensino de línguas e a Linguística Aplicada perdessem de

vista também as viradas pelas quais tais estudos passaram. Assim, o Brasil passou a

48

ignorar os caminhos cada vez mais multidisciplinares que os estudos em cognição

tomaram, bem como a ampliação do escopo de seus estudos. O compromisso desta tese

é, então, também contribuir para a devolução desse espaço retirado dos estudos em

cognição, sem buscar qualquer centralidade para ele dentro desse campo cada vez mais

indisciplinar (cf. MOITA LOPES, 2006), que é a Linguística Aplicada.

Nos anos 2000, tem-se, então, a consolidação de uma linguística aplicada tal

como posta na seção anterior (MOITA LOPES, 2006; 2013). Em relação a isso, Moita

Lopes (2013) nos lembra que todo esse percurso anteriormente exposto se deu em meio

à influência das chamadas viradas pós-estruturalista, discursiva, icônica, cibernética,

somática, pós-colonial, feminista, queer, antirracista, etc., o que fez com que o sujeito

social se tornasse o foco central das pesquisas em LA:

Se tradicionalmente a pesquisa modernista apagou o sujeito social na

produção de um conhecimento positivista, quantificável,

experimental, generalizável e objetivista (ou seja, modernista), o qual

somente com tal apagamento se tornava possível, a pesquisa na LA

em seu desenvolvimento no Brasil o coloca como crucial em sua

subjetividade ou intersubjetividade, tornando-o inseparável do

conhecimento produzido sobre ele mesmo assim como das visões,

valores e ideologias do próprio pesquisador. Em decorrência, questões

de ética, poder e política se tornam inerentes à produção do

conhecimento (MOITA LOPES, 2013, p.16-17).

Nesse sentido, considero importante ressaltar que, ainda que centrada na análise

de livros didáticos, esta tese é uma tese que busca tratar deste sujeito social que antes

estava apagado. O olhar para os livros didáticos se justifica justamente porque, como

explicarei mais adiante, eles também fazem parte dos processos de construção da

intersubjetividade dos alunos – enquanto alunos – e de professores – enquanto

professores – e, por isso, precisam ser compreendidos em seus conteúdos e nas políticas

que projetam nessa interação. Considero que esse é também um compromisso ético de

alguém que busque entender a escola brasileira e contribuir para que se transforme no

sentido de diminuir o sofrimento dos que dela fazem parte. Assim, faz parte desta busca

construir uma escola que corresponda aos desejos dos que dela fazem parte. Como o

próprio Moita Lopes (2013, p.19) nos lembra, a sala de aula, os professores, os alunos e

os materiais de ensino precisam também ser vistos como produtos e/ou produtores do

que ele chama de modernidade recente.

Dessa maneira, se, por um lado, concordo com Moita Lopes (2013, p.17),

quando ele afirma que “a situacionalidade e a particularidade do conhecimento e as

49

condições situadas de natureza ética, política e aquelas relativas a poder na sua

produção são o que importa”, discordo quando ele nega a importância da “procura por

grandes generalizações” (MOITA LOPES, 2013, p. 17), principalmente, em uma

pesquisa sobre o ensino, sobre a sala de aula, sobre a escola. Como instituição altamente

normatizada, os movimentos de interação que se apresentam nas aulas de leitura ao

longo de todo o país são muito semelhantes, principalmente se consideramos, como

explicitarei mais adiante, o papel que os livros didáticos vêm executando nessa

interação. Portanto, se é nosso objetivo compreender a forma como a leitura é ensinada

na escola para contribuir com as transformações desejadas, é nosso papel como

linguistas aplicados também fazer generalizações que revelem certos padrões de

interação institucionalmente situados.

Nesse sentido, mais uma vez, trago a noção de “lei social” posta por Silva

(2015), a partir de Butler, apresentada na introdução desta tese. Com base nisso,

entendo que obviamente as generalizações aqui postas não definem as interações que se

dão em cada sala de aula desse país, mas entendendo também que, mais relevante que

isso, elas mostram a existência de uma regularidade que, de alguma maneira, revela

crenças, conceitos, visões, e, em alguma medida, manifesta políticas e práticas, que

definem formas de se pensar na/a escola.

Como apontam Kirshner e Whitson (2009), pesquisas que desejem responder às

necessidades educacionais não podem ignorar a generalização e a transferência de seus

resultados, o que inclui, obviamente, também problematizá-los. Como

institucionalmente, a escola brasileira ainda se organiza de forma bastante padronizada,

é preciso entender esse padrão, para que, entendendo-o, possamos romper com ele. E

assim construir salas de aula que, como defende Paraquett (2009a, p.124), “funcione de

maneira mais democrática e comprometida politicamente”.

Na próxima seção, trago, então, alguns conceitos básicos que vêm sendo

discutidos quando se trata do ensino de línguas na escola brasileira de hoje, em especial,

na Linguística Aplicada. Dessa forma, busco inserir esta pesquisa dentro desse campo

maior de estudos, com o qual pretendo dialogar e a partir do qual busco justificar os

caminhos escolhidos para investigar o problema apresentado na introdução desta tese.

1.3. Letramentos, Educação Linguística e ensino de línguas na escola pública

50

Em uma pesquisa panorâmica sobre a história dos estudos em Linguística

Aplicada no Brasil e no exterior, Menezes, Silva e Gomes (2009) apontam que ainda

hoje há uma tendência forte de compreender a linguística aplicada como mera aplicação

da Linguística, mas ressaltam também que mesmo em pesquisas sobre o ensino em

contextos escolares, muitas outras questões emergiram. Assim, os autores defendem que

hoje há três visões de LA vigentes: a) a de pesquisa em ensino e aprendizagem, b) a de

aplicação da linguística e c) a de investigações aplicadas sobre estudos da linguagem

como prática social. Esta pesquisa se insere na primeira das categorias, mas também na

terceira, já que não acredito que as práticas de linguagem que ocorrem na sala de aula

possam não ser consideradas como práticas sociais e que, portanto, a linguagem da/na

sala de aula não seja uma prática social.

Ao analisar revistas da área nacionais e internacionais, os autores observam que

a linguística aplicada ainda continua com forte afiliação aos estudos sobre ensino e

aprendizagem, em diferentes perspectivas teóricas e metodológicas, com diferentes

focos de investigação (MENEZES, SILVA e GOMES, 2009). Em relação a isso, é

interessante observar que, em análise sobre os discursos fundadores do campo no Brasil,

que vão apartar a Linguística Aplicada da Linguística, Scherer (2003) ressalta o papel

de destaque que ocupam os estudos sobre a leitura e sobre a sala de aula:

Leitura define um lugar de visibilidade, a sala de aula; esta, por sua

vez, define um campo do que pode e deve ser dito, do que é dizível; já

os enunciados relativos à sala de aula, como forma de conteúdo,

definem o lugar de viabilidade em sua materialidade mesma. Os

enunciados que aí se encontram são inseparáveis do espaço no qual

eles se distribuem. Não há nada possível, nem nada virtual no

domínios desses enunciados. Tudo é real e toda a realidade aí se

manifesta. A sala de aula surge, então, como aquele lugar de

visibilidade para o dizer sobre a Linguística Aplicada, ao mesmo

tempo em que a leitura formula os enunciados fundamentais para

estatuir o lugar de enunciação do linguista aplicado (SCHERER,

2003, p.79, grifos da autora).

Apesar da relevância histórica ocupada por esses estudos e da tradição já

consolidada dessa área como campo de pesquisas em nosso país, ainda se pode afirmar,

como o faz Gerhardt (2013, p.79) que “o Brasil enfrenta uma dificuldade histórica de

fazer com que os estudos na universidade influenciem as práticas escolares”. Ao tratar

do ensino de língua portuguesa, a autora aponta que tal dificuldade acarreta uma

“ausência de uma verdadeira e pertinente didática do ensino de leitura e de produção

textual escrita”. No ensino das outras línguas, a realidade não é muito diferente e, como

51

pode-se ver ao longo desta tese, talvez seja historicamente até pior. Por isso, em Vargas

(2012a, p.23) nomeei a relação entre pesquisa e ensino de leitura como “uma realidade

em dois planos” – realidade essa que revela constantemente o “insucesso das propostas

de letramento escolar” (ROJO e BATISTA, 2003, p.9), frequentemente apontadas como

reprodutoras, uma vez que nelas

obtém sucesso o aluno que se nega a “mergulhar” no texto e a recriá-

lo. Neste caso, a leitura singular, denotativa, parafrásica é o padrão

comparativo utilizado pelo sistema escolar pelas “vantagens” que

proporciona, tais como: a facilidade de correção por parte do

professor, a superficialidade não reflexiva que gera alienação e a

manutenção de estratificação social (DELL’ISOLA, 1997, p.56).

Em relação ao ensino de espanhol, como mencionei anteriormente, atualmente,

já não são poucos (ainda que o número esteja longe do ideal) os trabalhos dedicados, no

mundo acadêmico, a desenvolver propostas de trabalho com a leitura na Educação

Básica. O aumento desse volume de trabalhos se deve, em grande parte, à publicação,

em 1998, dos “Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino

fundamental: língua estrangeira” (BRASIL, 1998), uma vez que foram os PCN que

instituíram, oficialmente, um novo papel para o ensino de línguas estrangeiras16

na

Escola Brasileira, ao apontar a necessidade de se desenvolver um ensino com foco na

leitura. Tal foco se justificaria, segundo o documento, porque:

Com exceção da situação específica de algumas regiões turísticas ou

de algumas comunidades plurilíngues, o uso de uma língua estrangeira

parece estar, em geral, mais vinculado à leitura de literatura técnica ou

de lazer. Note-se também que os únicos exames formais em Língua

Estrangeira (vestibular e admissão a cursos de pós-graduação)

requerem o domínio da habilidade de leitura. Portanto, a leitura

atende, por um lado, às necessidades da educação formal, e, por outro,

é a habilidade que o aluno pode usar em seu contexto social imediato.

Além disso, a aprendizagem de leitura em Língua Estrangeira pode

ajudar o desenvolvimento integral do letramento do aluno. A leitura

tem função primordial na escola e aprender a ler em outra língua pode

colaborar no desempenho do aluno como leitor em sua língua materna

(BRASIL, 1998, p.20).

Quase vinte anos depois da elaboração dos PCN, já não parece ser consenso a

ideia de que o ensino de língua espanhola na escola deva estar exclusivamente, ou

prioritariamente, focado na leitura, uma vez que as condições postas no documento

16

Ciente do debate que há em torno da nomenclatura “línguas estrangeiras”, justifico o uso do termo

nesta tese em função do fato de que os documentos oficiais e os currículos escolares ainda nomeiam as

disciplinas relativas ao ensino de outras línguas que não a portuguesa (e a LIBRAS) dessa maneira.

52

teoricamente já não seriam as mesmas17

. Entretanto, não há quem negue a importância

de um trabalho bem desenvolvido com a leitura em sala de aula, sendo esta a habilidade

principal ou não a ser trabalhada na Educação Básica. Assim, considera-se que é papel

do ensino de línguas estrangeiras na escola brasileira unir-se ao ensino de língua

materna para que, juntamente às outras disciplinas do currículo escolar, possa atuar no

desenvolvimento do letramento dos estudantes.

Entendendo, então, com base em Soares (1997), que a linguagem assume uma

dupla função em determinada cultura, posto que, ao mesmo tempo em que constitui o

seu mais importante produto, também é o seu principal instrumento de transmissão,

acredito ser essencial, para o desenvolvimento desta tese, trazer a noção de

letramento(s) e suas contribuições para as pesquisas em ensino de línguas. Como bem

define Kleiman (1995, p.11), entende-se letramento como “um conjunto de práticas

sociais, cujos modos específicos de funcionamento têm implicações importantes para as

formas pelas quais os sujeitos envolvidos nessas práticas constroem relações de

identidade e poder”.

No Brasil, o termo “letramento” é um termo recente, tendo sido usado por

primeira vez no ano de 1986 (KATO, 1986) – período de importância destacada, como

já explicitado anteriormente, para a construção da Linguística Aplicada em nosso país.

Soares (1998) explica que se trata de um neologismo derivado de uma nova maneira de

compreender a presença da escrita no mundo social, a partir do momento em que se

compreende que “a escrita traz consequências sociais, culturais, políticas, econômicas,

cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o

indivíduo que aprenda a usá-la” (SOARES, 1998, p.17).

Dessa forma, por isso, o termo letramento passa a complementar os sentidos

atribuídos ao termo alfabetização, que, quando em oposição ao letramento, passa a

referir-se apenas às capacidades e competências individuais, cognitivas e linguísticas,

escolares e valorizadas socialmente. Assim, a inclusão do termo letramento apresenta a

representação de outra condição social e cultural, já que, como posto por Soares (1998),

por meio das práticas que se realizam com a linguagem escrita, pode-se mudar o lugar

17

Não entrarei no âmbito dessa polêmica aqui, uma vez que ela exige um debate mais longo do que o

espaço e o tempo que tenho para me dedicar a este tópico nesta tese. Porém, considero importante dizer

que defendo que, devido às condições ainda presentes na escola pública brasileira, a leitura deve ser sim o

objeto central do ensino de línguas, pelo menos até que novas condições sejam postas para o trabalho com

essas disciplinas. Explico melhor essa ideia no artigo “Ensino de línguas na escola pública brasileira:

entre concretudes e virtualidades” (a sair).

53

social, o modo de se viver na sociedade e a inserção dos indivíduos na cultura (a relação

com os outros, com o contexto, com os bens culturais).

Nesse sentido, cabe lembrar que dois são os modelos de letramento existentes

hoje. O primeiro é definido como “concepção liberal de letramento” (SOARES, 1998)

ou “letramento autônomo” (STREET, 1984, apud KLEIMAN, 1995) e se refere a uma

visão de letramento como instrumento de desenvolvimento cognitivo e econômico, de

mobilidade social, de progresso profissional e de cidadania. Essa concepção vem sendo

usada, por isso, para a manutenção das práticas e relações sociais correntes,

acomodando as pessoas às condições vigentes. Assim, a escrita é vista como um

produto completo em si mesmo, que não dependeria do contexto de produção para ser

interpretado, o que dicotomiza fortemente as práticas orais e as práticas escritas e atribui

poderes e qualidades intrínsecas à escrita e aos povos que a possuem (KLEIMAN,

1995; SOARES, 1998).

A segunda concepção, à qual esta tese se alinha, pode ser denominada de

“concepção radical ou revolucionária” (SOARES, 1998) ou de “modelo ideológico”

(STREET, 1984, apud KLEIMAN, 1995). Sob essa ótica, entende-se que o letramento

não é um instrumento neutro, mas sim um conjunto de práticas socioculturalmente

construídas e determinadas, “responsáveis por reforçar ou questionar valores, tradições,

formas de distribuição de poder presentes nos contextos sociais” (SOARES, 1998,

p.74). As práticas de letramento são vistas, assim, como “um conjunto de práticas

sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em

contextos específicos para fins específicos” (KLEIMAN, 1995: p.19)18

.

Passa-se a questionar, então, as relações de causa e efeito entre poder, acesso (e

sucesso) social e saber escolarizado e busca-se refletir sobre a capacidade de usar a

leitura e a escrita como um meio de tomar consciência da realidade e transformá-la. Em

relação ao ensino das línguas ditas estrangeiras na escola, a partir da inserção nesta

perspectiva de letramento, “o grande desafio é ajudar os aprendizes a dominarem a

língua sem serem dominados por ela” (RAJAGOPALAN, 2013a, p.159), posto que

tradicionalmente o aprendizado de uma outra língua está associado meramente a fins

18 Além disso, sob o modelo ideológico, deixa-se de focar apenas nas práticas escolares, considerando-se

também as práticas letradas produzidas pela família, igreja, trabalho, etc., entendendo o letramento como

um termo que se refere às diversas formas – institucionalizadas ou não – de interação social às quais os

sujeitos, em sua natureza coletiva/social, têm acesso por meio da linguagem escrita (KLEIMAN, 2005;

SOARES, 1998). Daí, o termo ser usado muitas vezes no plural.

54

tecnocráticos, dentre os quais se destaca a inserção acrítica no mercado de trabalho.

Além disso, historicamente,

Junto ao aprendizado de uma língua estrangeira e, analogamente, de

uma variante adotada como padrão para a língua materna, emerge uma

visão de mundo elitizada que não raro silencia a pessoa que não

nasceu e cresceu em condições sociais prestigiadas, e não adquiriu os

conhecimentos por uma elite legitimados. (...) No caso de uma língua

estrangeira, essa percepção acarreta a idealização do aprendizado do

inglês, do francês, do espanhol, etc. como a inserção numa cultura

rica, superior (GERHARDT, 2013, p.78).

Como salienta Gerhardt (2013), tais objetivos acarretam a invisibilidade do

aluno e a ausência de seus processos de subjetivação bem como das semioses que ele

produz dentro e fora da escola, ao colocarem esse aprendizado na condição para a sua

libertação, uma vez que institucionalmente, na escola, ele é considerado pobre e inculto,

de um lugar de indigência e impossibilidade de sucesso na vida. As línguas estrangeiras

seriam, assim, mais um objeto de salvação e, por isso, seu ensino deveria ignorar tudo

que ele traz para a sala de aula, suas experiências e seus saberes.

Como aponta Moita Lopes (2006, p.24) [com base em Gee (2000) e Bauman

(1999, 2005)], vivemos contemporaneamente em “uma nova ordem mundial” ou em

“um novo capitalismo”, “que atravessa o mundo, em todas as esferas, por meio da

globalização”, e que “promove as elites que passam a viver transglobalmente e deixam

aqueles que vivem vidas locais restritos a um mundo sem alternativas ou ao lixo dos que

vivem transglobalmente”. Acredito que o ensino de línguas, por ocupar lugar de

destaque na representação desses movimentos de globalização na escola pode ser um

importante instrumento, não de salvação, mas de conscientização dos alunos que vivem

na marginalização local, com o que lhes sobra do que é global.

Em relação à língua espanhola, então, seu lugar se torna ainda mais privilegiado,

uma vez que ela própria se encontra em posição marginal. Como afirma Rajagopalan

(2003, p.61), uma vez que “o avanço triunfante da língua inglesa como meio preferido

de comunicação internacional está afetando diretamente as demais línguas do mundo”,

e, consequentemente, as identidades linguísticas dos cidadãos do mundo globalizado. É

dentro desse panorama que Rajagopalan (2003) exalta a importância da inclusão da

pedagogia crítica na construção dos discursos sobre e das práticas de ensino de línguas

que pretendam formar focos de resistência em relação aos movimentos de globalização:

No contexto da linguística aplicada, uma proposta de pedagogia crítica

terá que começar agindo em duas frentes: a primeira, assumindo uma

postura crítica (...) em relação à linguística teórica (...), questionar a

55

própria validade da teorização feita in vitro e de sua aplicação

automática no mundo da prática. (...) A segunda (...) proporcionar aos

aprendizes capacidade de desenvolver formas de resistência e dar-lhes

condições de enfrentar os desafios e decidir o que é melhor para si. No

caso do ensino de línguas, mais especificamente de línguas

estrangeiras, a questão adquire uma certa urgência, diante do efeito

avassalador do fenômeno conhecido como “imperialismo linguístico”

(RAJAGOPALAN, 2003, p.112).

Acredito que a discussão que trago nesta tese sobre o trabalho com o plano

inferencial de leitura em livros didáticos de língua espanhola para alunos brasileiros se

encaixa perfeitamente nesse paradigma, posto que a leitura em língua estrangeira pode

ser plenamente desenvolvida em qualquer sala de aula deste país, independentemente

das condições tecnológicas, físicas e econômicas que elas venham a ter. Além disso, é

justamente o plano inferencial que permite a manifestação concreta da inclusão do aluno

nas aulas de leitura, como será possível perceber mais detalhadamente mais adiante.

Essa inclusão torna-se fundamental para que se rompa, em algum nível, com a recepção

acrítica por parte dos alunos da realidade denunciada pelos autores anteriormente

citados (RAJAGOPALAN, 2003; 2006; 2013; MOITA LOPES, 2006; 2013;

GERHARDT, 2013).

Por conta disso, é interessante trazer também para esta tese juntamente ao

conceito de letramento, a noção de Educação Linguística ainda pouco utilizada nos

discursos sobre o ensino de línguas no Brasil. Em relação a esse pouco uso, ressaltam

Menezes, Silva e Gomes (2009) que enquanto outras áreas assumiram o termo

educação, citando como exemplos, a “arte-educação” e a “educação matemática”, o

termo “educação linguística” não vingou, uma vez que os profissionais da área de

teriam se acomodado sob o guarda-chuva da LA. Por conta disso, segundo os autores, o

termo começa a ser resgatado recentemente no Brasil. Segundo os autores:

Nomear os estudos sobre ensino e aprendizagem como “educação

lingüística” seria benéfico tanto à linguística quanto à lingüística

aplicada, independente da afiliação de seus pesquisadores à LA ou à

Lingüística, pois daria realce a essa dimensão importante dos estudos

da linguagem (MENEZES, SILVA e GOMES, 2009).

A educação linguística pode ser definida como o

conjunto de fatores socioculturais que, durante toda a existência de um

indivíduo, lhe possibilitam adquirir, desenvolver e ampliar o

conhecimento de/sobre sua língua materna, de/sobre outras línguas,

sobre a linguagem de um modo mais geral e sobre todos os demais

sistemas semióticos. Desses saberes, evidentemente, também fazem

parte as crenças, superstições, representações, mitos e preconceitos

56

que circulam na sociedade em torno da língua/linguagem e que

compõem o que se poderia chamar de imaginário linguístico ou, sob

outra ótica, de ideologia linguística. Inclui-se também na educação

linguística o aprendizado das normas de comportamento linguístico

que regem a vida dos diversos grupos sociais, cada vez mais amplos e

variados, em que o indivíduo vai ser chamado a se inserir. (BAGNO e

RANGEL, 2005, p.63).

Assim, é possível dizer que o ensino de leitura nas disciplinas de línguas

estrangeiras desenvolvido nas escolas é apenas parte da educação linguística recebida

pelo aluno ao longo de sua vida. Entretanto, é parte relevante na medida em que

desenvolve concepções/crenças/representações do que é ser leitor, do que é ser leitor em

língua estrangeira, do que é ser aprendiz de outra língua, do que é ser aprendiz, do que

lhe cabe dizer na escola e fora dela, do que é seu papel na sociedade, etc. – o que se

vincula claramente à noção de letramento defendida anteriormente. Pode-se dizer,

então, que a educação linguística se encontra baseada em um tripé essencial para a

construção do aprendiz como aprendiz em nossa sociedade. Nesse tripé,

língua/linguagem, escola e sociedade se encontram intrinsecamente vinculados.

Sobre isso, cabe lembrar que, como aponta Kleiman (1995), o letramento escolar

constitui apenas um tipo de letramento, ou seja, um tipo de prática social, porém seu

caráter é predominante em relação a outras práticas. A escola se constitui ainda hoje

como a mais importante agência de letramento, que se preocupa

não com o letramento, prática social, mas com apenas um tipo de

prática de letramento, a alfabetização, o processo de aquisição de

códigos (...) geralmente concebido em termos de competência

individual necessária para o sucesso e promoção na escola

(KLEIMAN, 1995, p.20).

Como consequência, como bem define Rojo (2004, p.01):

a maior parcela de nossa população, embora hoje possa estudar, não

chega a ler. A escolarização, no caso da sociedade brasileira, não leva

à formação de leitores e produtores de textos proficientes e eficazes e,

às vezes, chega mesmo a impedi-la. Ler continua sendo coisa das

elites, no início de um novo milênio.

Em relação às aulas de língua espanhola, o que tenho notado, juntamente a

tantos outros colegas, é que, muitas vezes, por diversas razões, o texto nem chega a

entrar na sala de aula contrariamente ao que propõem os documentos oficiais (cf

PARAQUETT, 2009a). Assim, sequer há qualquer preocupação com a formação leitora

dos alunos que assistem a essas aulas, estando as práticas ainda baseadas quase que

essencialmente em exercícios gramaticais de conjugação de verbos, preenchimento de

57

lacunas, “tradução” de frases, etc. E minha hipótese aqui, a ser verificada ao longo do

trabalho é de que, quando o texto adentra a sala de aula, o trabalho desenvolvido nem

sempre condiz com o que preveem os estudos sobre o ensino de leitura, priorizando, por

exemplo, questões de “copiação” (MARCUSCHI, 1996) ou de “tradução” (no sentido

logocêntrico, palavra por palavra ou com frases isoladas, quando se pede as respostas

em português), avaliando uma competência reprodutora ou uma falsa competência

tradutória, ao invés de priorizar questões que levem o aluno a interagir, de fato, com o

texto que lê, para que assim se desenvolva como leitor, como aprendiz, etc.

Com base nisso, concordo com Gerhardt (2013, p.109-110), quando ela afirma

que:

Qualquer iniciativa de mudança estrutural dos projetos pedagógicos e

das propostas didáticas deve conter em sua base o objetivo de incluir

os alunos verdadeiramente e possibilitar a sua autonomia (...) através

do exercício do agenciamento sobre os seus processos de aprendizado,

para que eles se singularizem não apenas na escola, mas em todos os

espaços que eles desejarem ocupar e conquistar.

Para isso, creio que seja necessário, como apontam outros autores que:

a) se pense o mundo a partir de um olhar não ocidentalista (MOITA LOPES,

2006), valorizando-se assim, em nosso caso específico, os saberes e experiências

trazidos pelos alunos, tirando do lugar central os conteúdos escolares historicamente

construídos que trazem em si valores eurocêntricos e modernos e colocando o aluno

neste lugar de centralidade. Em relação ao ensino de espanhol, por exemplo, isso é

possível se se rompe com o padrão de organização do currículo focado em tópicos

gramaticais (ou mais recentemente nos gêneros discursivos apresentados de maneira

estrutural) e se coloquem práticas de leitura e escrita como foco dessa organização.

Essas práticas, por sua vez precisam estar centralizadas no desenvolvimento do aluno

como leitor e não nos conteúdos gramaticais, lexicais, genéricos etc.;

b) se busque romper com uma visão de linguística aplicada (e ensino de línguas)

como instância mediadora entre uma linguística construída à margem dos anseios

populares e a sociedade que deseja soluções práticas (RAJAGOPALAN, 2006). Assim,

torna-se papel do pesquisador em linguística aplicada (e, em nosso caso, por que não

dizer do professor de línguas?), detectar problemas linguísticos reais e teorizações que

partam desses problemas, centrando-se em quem os vive, ou, nas palavras de

Rajagopalan (2006, p.165):

58

intervir de forma consequente nos problemas linguísticos constatados,

não procurando possíveis soluções numa linguística que nunca se

preocupou com os problemas mundanos (e nem sequer tem uma

intenção de fazê-lo), mas teorizando a linguagem de forma mais

adequada àqueles problemas.

c) professores e pesquisadores se insiram no que Moita Lopes (2006) chama de

“coligação anti-hegemônica”, buscando construir maneiras de “criar inteligibilidades

sobre a vida contemporânea ao produzir conhecimento e, ao mesmo tempo, colaborar

para que se abram alternativas sociais com base nas e com as vozes dos que estão à

margem” (MOITA LOPES, 2006, p.86).

d) se procure, conforme descreve Pennycook (2006), com base em Janks (2000),

compreender as inter-relações entre dominação (compreendendo a

linguagem e a reprodução do poder), acesso (a necessidade de ter

acesso aos gêneros discursivos, línguas de poder etc.), diversidade (a

necessidade de reconhecer a diferença) e planejamento (a importância

de criatividade e agenciamento). Esses elementos, ela sugere, não

podem ser considerados isoladamente. Seguindo Janks, precisamos

focalizar o inter-relacionamento constante entre domínio (os efeitos

contingentes e contextuais do poder), disparidade (desigualdade e

demanda por acesso), diferença (engajamento com a diversidade) e

desejo (compreendendo como identidade e agenciamento estão

relacionados) (PENNYCOOK, 2006, pp.70-71).

Em relação a este último tópico, entendendo que ele envolve os tópicos

anteriormente citados, cabe destacar que, a partir da consideração das inter-relações

descritas por Janks, Pennycook (2006) levanta uma série de questões relativas a cada

item por ela definidos. Acreditando que tais questões propõem um norte interessante

para os que se inserem nesta perspectiva de estudos, abaixo, apresento as questões

propostas por Pennycook e, paralelamente, como elas poderiam ser reenquadradas

dentro desta tese.

Quadro 1 - Questões propostas por Pennycook (2006) e seus reenquadramentos para esta tese

Nível de análise Questões propostas por Pennycook

(2006)

Questões para esta tese

Domínio De que modos múltiplos o poder opera na

comunicação no trabalho? Que textos têm

poder em que contextos? Que questões

relativas a poder subjazem às diferentes

versões de uma tradução? Outros têm

acesso aos processos de tradução? 19

De que maneira as estruturas

de poder existentes na escola

afetam o acesso dos alunos

aos textos e a forma como os

alunos leem os textos nas

aulas de espanhol?

19

Ao tratar de uma linguística aplicada que ele denomina de transgressiva, o autor inclui os estudos da

tradução (translation) em inglês em um conjunto de caminhos “trans” (transculturalidade, translocalidade,

etc.) que contribuiriam para a ruptura com o que ele denomina de hipocrisias dentro da LA.

59

Disparidade Como os silenciados no contexto do

trabalho podem começar a falar? Como as

pessoas podem ter acesso a textos

poderosos? Outros podem ter acesso aos

processos de tradução?

Como os alunos podem ter

acesso a textos relevantes e

começarem a ser valorizados

em suas leituras nas aulas de

espanhol?

Diferença Que outros tipos de comunicação são

possíveis? Como as pessoas leem textos

diferentemente? Que formas de diferença

emergem em traduções alternativas?

Que leituras diferentes de um

mesmo texto podem existir?

Como os alunos constroem

diferentes leituras de um

mesmo texto nas aulas de

espanhol?

Desejo Por que as pessoas utilizam modos

particulares de comunicação? Que

posições de sujeito estão disponíveis para

leitores diferentes? Por que ainda são

preferíveis certas interpretações?

Que posições de aprendiz

estão disponíveis para os

alunos nas aulas leitura em

espanhol? Em que medida

suas leituras são (in)

validadas? Por quê?

Com todos esses desafios postos, ressalto, a partir de Gerhardt (2013), que é

preciso buscar construir “um ensino de língua que priorize a pessoa do aluno e as

variáveis que interferem na sua relação com os significados na escola”, devolvendo

assim ao aprendiz um lugar de centralidade que sempre deveria ter sido seu

(GERHARDT, 2013, p.94). Segundo a autora, isso só é possível “através da inserção

dos selves situados dos alunos como elementos estruturadores dos projetos curriculares

e dos planejamentos didáticos e pedagógicos em geral” (GERHARDT, 2013, p.94).

É nesse sentido que os estudos em cognição podem trazer contribuições

fundamentais para a ruptura do sistema de fracasso que tem sido o ensino de línguas no

Brasil, denunciado por diversos autores trazidos para esta tese. A partir deles, foi

possível recorrer a diversos estudos dedicados à compreensão do aprendizado (escolar

ou não) e à construção do significado de maneira situada pelas pessoas. Dessa maneira,

os estudos em cognição “podem dar uma valiosa contribuição na medida em que se

propõem a compreender como se processa o significado, quais são os elementos e

interveniências em jogo na sua produção, e como os novos conceitos produzidos se

enquadram no universo escolar” (GERHARDT, 2013, p.94).

Como se trata de um campo de estudos excluído e regularmente visto de maneira

redutora, trago no próximo capítulo, a visão de cognição com a qual trabalho nesta tese.

Lembro que são muitas as possibilidades hoje postas pelos pesquisadores desse campo

de estudos e aqui procuro apresentar as principais contribuições destes estudos para a

compreensão de uma visão de aprendizado que se alinhe às questões postas neste

60

capítulo, principalmente no que se refere ao ensino de línguas, em especial, o ensino de

leitura na escola.

61

CAPÍTULO 2: OS ESTUDOS EM COGNIÇÃO E OS PROCESSOS DE

CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADOS

Muitas são as perspectivas de observação dos aspectos envolvidos no processo

de desenvolvimento da leitura. As escolhas por um caminho teórico-prático ou outro,

como discutido no capítulo anterior, não são frutos de uma escolha aleatória, uma vez

que se trata também de uma escolha ética. Optar por uma maneira de observar o

fenômeno da leitura, ou da linguagem de forma mais geral, significa optar por uma

visão (e não outras) de ser humano, de aprendizado, de escola, etc. Como dito

anteriormente, nesta tese, incluo o olhar dos estudos em cognição sobre os fenômenos

que envolvem a interação por meio da linguagem – o que inclui, obviamente a leitura.

Essa escolha deriva de minha busca por compreender como a cognição humana

funciona – em especial, como funciona na escola – e da crença de que a perspectiva

desenvolvida nos estudos em cognição pode contribuir para a construção de uma

linguística aplicada comprometida com a compreensão da realidade social

contemporânea e de sua necessária transformação – o que passa também pela

compreensão e transformação da escola e do que nela se faz.

Como apontam Duque e Costa (2012, p.13),

a abordagem cognitivista contemporânea contempla distintas áreas do

conhecimento e se propõe a descrever e explicar as mútuas relações

entre a linguagem e outras faculdades cognitivas, assim como o papel

que a experiência intersubjetiva situada em diferentes contextos

socioculturais desempenha na arquitetura dessas relações (DUQUE e

COSTA, 2012, p. 13).

Assim, os estudos em cognição podem ser trazidos para uma pesquisa

preocupada com o ensino de línguas e com a realidade escolar com a qual os alunos se

deparam – e a qual os exclui cotidianamente (MOITA LOPES, 1996; SOARES, 2005;

GERHARDT, 2013), porque, como afirma Gerhardt (2013, p.77),

as línguas (materna e estrangeiras) com as quais o aluno tem contato

na escola precisam ser consideradas não apenas como “produtos

sociais da linguagem” (SAUSSURE, [1916] 2001), mas também como

construtos semióticos atravessados por valores engendrados nas

intersubjetividades simétricas e assimétricas em que as pessoas se

envolvem em quase todos os momentos de suas vidas.

Acreditando nisso, o objetivo deste capítulo é, então, destrinchar a visão de

cognição com a qual trabalho, de forma que: a) se entenda a visão de ser humano, de

linguagem, de interação e de mente que essa abordagem instancia e b) se construam as

62

bases teóricas necessárias para a visão de leitura e de inferenciação com a qual

trabalharei mais adiante.

Em sua maioria, os documentos oficiais e os trabalhos desenvolvidos na

academia brasileira, no que se refere ao ensino de línguas, se baseiam em um aporte

discursivo e/ou sócio-interacionista. Ao trazer os estudos em cognição para esse campo,

assumo o risco de estar trabalhando em um terreno desconhecido por muitos – e, por

isso, muitas vezes julgado equivocadamente como sendo um campo que reduzisse o

sujeito a seus aspectos fisiológicos. A título de exemplificação, em uma breve busca

rápida no Google, é possível localizar em trabalhos diversos sobre o ensino de línguas,

(auto)afirmações que ressaltam que a abordagem escolhida por seus autores não é

“meramente cognitiva”, “apenas cognitiva” ou “estritamente cognitiva” (e suas

derivações).

Em documento complementar ao edital do Programa Nacional do Livro Didático

– PNLD 201820

, por exemplo, a Comissão Técnica – Componente Língua Estrangeira

Moderna afirma que “cognitivistas acreditam que o indivíduo é uma "caixa-preta" e que

o processo de aprendizagem é tarefa única e exclusiva do sujeito, o ambiente não

participa do processo”, o que não condiz sequer com as perspectivas iniciais adotadas

pelos estudos em cognição, e, como se verá nesta tese, não corresponde a perspectivas

(nem tão) mais recentes às quais estou aderindo. Assim, pode-se notar que o discurso

oficial sobre a cognição e seus estudos é completamente alheio ao que efetivamente se

diz e se estuda nesse campo.

Por isso, tem sido foco de nosso grupo de pesquisa - o COGENS (Grupo de

Pesquisa em Cognição e Ensino de Língua) compreender os aspectos cognitivos

envolvidos em atividades escolares de leitura e de produção escrita, e também divulgar

a abordagem cognitivista de forma a mostrar que ela não se constitui por uma visão

restrita sobre a cognição e sobre a linguagem. Nesse sentido, posso dizer que, para nós,

a cognição nunca será “mera, estrita ou apenas”, e que, na verdade, esses julgamentos

são feitos por pesquisadores que possuem visões restritas sobre a cognição e sobre seus

estudos. Como afirma Gerhardt (2013, pp.80-81):

atualmente, as ciências cognitivas podem dar conta de contribuir com

o ensino através de subsídios conceituais e metodológicos, em

articulação com outras predisposições que advogam por uma visão de

20

Em: http://www.fnde.gov.br/arquivos/category/165-editais?download=9812:pnld-2018-consideracoes-

comissao-tecnica-lem

63

pessoa atravessada por diferentes dimensões de subjetividade e pelos

universos de interação em que se engaja. Essa articulação permite que

assumamos uma das principais tarefas da Linguística Aplicada ao

ensino de línguas: a de estabelecer o necessário diálogo entre as

teorias da linguagem e os aparatos conceituais que oferecem

explicações sobre o que é o aprendizado e sobre o que é a construção

dos significados realizada pelas pessoas situadas em contextos

sociocomunicativos específicos.

Tendo isso em mente, acreditamos que, diferentemente do que fazem, em sua

maioria, os documentos oficiais, não é possível deixar de lado o legado deixado pelos

estudos em cognição, que foram essenciais, em um primeiro momento, para que o

debate sobre o ensino de línguas – tanto materna como estrangeiras – alcançasse o lugar

que hoje ocupa nos meios acadêmicos e escolares (cf. FULGÊNCIO e LIBERATO,

1996, 2003; KATO, 1986, 1990; KLEIMAN, 2001, 2010; LEFFA, 1996; SCLIAR-

CABRAL, 1991; SOLÉ, 1992; entre outros). A forma como esses estudos foram sendo

abandonados pelos discursos oficiais e por boa parte dos estudiosos em ensino de

línguas poderia nos levar a entender que a discussão sobre os aspectos cognitivos

envolvidos no ensino-aprendizagem de línguas já estivesse findada ou superada ou que

não se adequasse a um ensino que respeite as especificidades e a complexidade dos

sujeitos envolvidos nesse processo – o que não é verdade.

Esse abandono, na verdade, apenas acarretou o não acompanhamento da

evolução dos estudos em cognição por parte dos pesquisadores brasileiros dedicados ao

ensino e, consequentemente, dos professores que estão nas escolas e dos documentos

oficiais. Por isso, a abordagem cognitivista citada por seus críticos é sempre retratada

sob uma ótica ultrapassada mesmo dentro dos estudos em cognição. Em relação a isso, é

interessante observar, por exemplo, o que diz Rojo (2006), ao descrever as

transformações ocorridas no campo da LA, em seus objetos eleitos para pesquisa, em

seus métodos e em seus recortes teóricos:

Das pesquisas iniciais sobre o texto e seu processamento –

principalmente em leitura, mas também em produção – onde se

apresentava um sujeito atemporal e a-histórico – sujeito

cognitivo/organismo mental -, capaz (inata ou maturacionalmente) de

atualizações, estratégias e procedimentos; passa-se então a um foco

discursivo (nas diversas acepções que a palavra discurso encerra),

processual e genético, onde, embora o sujeito cognitivo/atemporal não

tenha saído completamente de cena, sobretudo nas abordagens mais

ecléticas, pode emergir o sujeito psicológico historicizado e, mesmo, o

sujeito sócio-histórico (ROJO, 2006, p.256).

64

Observando a fala da autora, o que se nota é uma visão de “perspectiva

cognitiva” como abordagem atemporal e a-histórica, sendo o sujeito cognitivo sinônimo

de organismo mental, apontando-se, inclusive, para a possibilidade de se considerar um

“sujeito cognitivo” em oposição a um “sujeito psicológico historicizado” ou “sócio-

histórico”, como se em algum momento pudéssemos deixar de ser sujeitos cognitivos

para ser outras coisas. Ao invés de se incorporar a historicidade, os aspectos sociais e

culturais à cognição, nega-se a sua existência. Sob essa perspectiva – amplamente

difundida –, a cognição é vista

apenas como um acervo de saberes que são ativados e usados no

momento da enunciação linguística, sem se ponderar que essa própria

enunciação por si só já é uma ação cognitiva, que produz conceitos

que precisam ser levados em conta na investigação sobre ensino,

porque revelam como funciona a mente do aluno quando ele está em

sala de aula exercendo o seu self de aluno, e também porque

evidenciam quais são de fato os conteúdos e aprendizados que ele

aufere na escola” (GERHARDT, 2013, p.92-93).

Desse modo, cabe dizer que os estudos em cognição formam um campo que está

em constante processo de revisão de si mesmo, articulando conhecimentos de diferentes

disciplinas, sob diferentes abordagens, para construir uma visão sobre a mente humana

coadunada com seu tempo. Neste capítulo, portanto, procuro integrar os trabalhos que

vão me ajudar a construir uma visão processual e distribuída sobre a construção do

significado, o que acontece não só na leitura, mas em qualquer uso da linguagem por

seres humanos.

Para isso, trago pressupostos que mostram a complexidade da cognição humana,

entendida essencialmente como distribuída, uma vez que é social, cultural e

intersubjetival – daí a possibilidade de inserir tais pressupostos ao campo da Linguística

Aplicada. Sob essa perspectiva, destacam-se, então, os processos de construção de

sentido, entendidos como “um fenômeno multidimensional, um processo dinâmico de

acoplamento que delimita as relações entre o organismo e seu meio, entre os aspectos

estruturais e a dinâmica sociocultural, atestando uma atividade que perpassa organismo,

ambiente e cultura” (DUQUE e COSTA, 2012, p. 15).

Assim, nas próximas seções, apresento por que a visão de cognição aqui adotada

pode ser entendida como social e cultural. Nesse sentido, em seguida, explico como a

cognição é entendida como intersubjetival, corporificada, baseada em frames e

desenvolvida a partir de integrações conceptuais. Todos esses pressupostos, apesar de

didaticamente separados para a construção deste capítulo existem de maneira integrada

65

em nossos processos cognitivos. Além disso, todos eles nos levam à percepção de que a

cognição é distribuída, o que aparecerá ao final do capítulo como ideia base para a

compreensão do funcionamento da cognição dos alunos (e dos professores) no espaço

da sala de aula e suas consequências na formação do aprendiz e de seus aprendizados.

2.1. A cognição é social e cultural (bem com a linguagem...)

Como aponta Salomão (1998, p.261), “a hipótese central a toda abordagem

cognitivista postula que a ‘significação é uma construção mental produzida pelo

sujeito’”, o que confrontaria, segundo ela, diretamente a tradição em semântica

filosófica e linguística que ignora a dimensão mental do processo de construção de

significados. A partir dessa noção, a autora afirma que a abordagem cognitivista do

processo de construção de sentido se contrapõe à chamada semântica de verdades, que

trabalha, por exemplo, com conceitos como “sentido literal”, “forma lógica” e “análise

componencial e composicional da significação”.

Historicamente, a busca pelo desenvolvimento de uma linguística isolada de

outras perspectivas sobre a linguagem e bem definida enquanto disciplina, tal e como

posto por Saussure e por seus seguidores, dentro de uma linha estruturalista, acabou por

retirar toda a dimensão psicológica do estudo da linguagem, do sentido e da

compreensão da sociedade, uma vez que o foco dos estudos linguísticos estaria na

língua enquanto sistema estruturado. Essa perspectiva de abordagem da linguagem só

teve seu lugar de prestígio alterado pela “revolução copernicana protagonizada por

Chomsky” (SALOMÃO, 1999, p.63), uma vez que, a partir do desenvolvimento de uma

perspectiva essencialmente mental sobre a linguagem, ele colocou a natureza da mente

como foco de estudo.

Entretanto, Chomsky manteve uma visão essencialista da linguagem, ao assumir

uma perspectiva teórica que isola a faculdade da linguagem de outras capacidades

humanas, e postulou princípios gerais inatos (SALOMÃO, 1999). A partir de seus

estudos, a linguística voltava-se para a cognição, porém, sob uma visão de mente

modular, não considerando o fato de que a mente se insere em um corpo, que, por sua

vez, se insere em uma determinada cultura, que também a constituem. Como afirma

Salomão (1999, p.64), o reconhecimento da presença de um sujeito cognitivo não fez

66

com que os estudos gerativistas rompam com a barreira disciplinar entre as ciências

sociais e as ciências psicológicas. Porém, posteriormente,

quando os estudos linguísticos (...) encaram o desafio de tratar o

fenômeno da significação, tornam-se insustentáveis tanto a tese da

exclusão do sujeito, cultivada pelos estruturalismos de todos os

matizes, como a tese gerativa da exclusividade do sujeito cognitivo

(SALOMÃO, 1999, p.64).

Nesse sentido, é interessante observar que, como aponta Geeraerts (2006a), a

própria separação, dentro dos estudos linguísticos entre os aspectos psicológicos e os

aspectos sociais da linguagem, é derivada da separação entre “langue” e “parole”, posta

por Saussure:

A distinção saussuriana entre langue (o sistema linguístico) e parole (o

uso do sistema linguístico em uso real) cria uma gramática

internamente dividida, uma concepção de linguagem com, por assim

dizer, um buraco no meio. Por um lado, a langue é definida por

Saussure como um sistema social, um conjunto de convenções

coletivas, um código comum compartilhado por uma comunidade. Por

outro lado, a parole é uma atividade psicológica individual, que

consiste em produzir combinações específicas dos elementos que

estão presentes no código (GEERAERTS, 2006a, p.25, tradução

minha)21

.

Essa separação, uma vez que a Linguística serviu de base para a construção das

ciências humanas e sociais modernas, também foi adotada por outras disciplinas. Por

isso, apenas recentemente, como apontam Sinha e Jensen de López (2000), linguagem,

cultura e cognição começaram a ser vistos como objetos de estudos integrados por

diferentes abordagens. Entretanto, ainda assim, como enfatizam os autores, esses

elementos têm sido vistos dois a dois (linguagem e cultura, linguagem e cognição,

cultura e cognição), o que não é suficiente para se entender a complexidade humana.

Assim, se, por um lado, esse pareamento torna a interdisciplinaridade mais fácil de ser

construída, sendo vista como um fenômeno de fronteira entre duas disciplinas (o que

levou à criação das chamadas subdisciplinas: psicolinguística ou psicologia da

linguagem, linguística antropológica, antropologia cognitiva, etc.), por outro, também

tem levado as mais diversas disciplinas a verem o ser humano e sua realidade como

compartimentalizada em função dessa divisão.

21 Original: “The Saussurean distinction between langue (the language system) and parole (the use of the

language system in actual usage) creates an internally divided grammar, a conception of language with, so

to speak, a hole in the middle. On the one hand, langue is defined by De Saussure as a social system, a set

of collective conventions, a common code shared by a community. On the other hand, parole is an

individual, psychological activity that consists of producing specific combinations from the elements that

are present in the code” (GEERAERTS, 2006, p.25).

67

É na busca pela ruptura com essa divisão que a inclusão dos estudos em

cognição dentro da Linguística Aplicada apresentada no capítulo anterior pode ser uma

importante contribuição, uma vez que, como afirma Rajagopalan (2006, p. 18-19),

talvez tenha chegado a hora de não só traçar novos rumos para a LA,

mas de livrar o ensino de línguas, de uma vez por todas, das garras das

teorias linguísticas hegemônicas que insistem na tese de

autonomismo, segundo o qual o fenômeno linguístico deve ser

abordado sem se preocupar com seus eventuais desdobramentos

políticos e ideológicos, nem tampouco levar em consideração as

implicações práticas deles decorrentes.

Considerando o propósito posto por Rajagopalan em mente, é possível buscar na

inclusão dos estudos em cognição um caminho possível para se livrar dessas garras que

limitam visões sobre as práticas de linguagem nas quais nos engajamos como seres

humanos. Como explica Geeraerts (2006a), enquanto outras perspectivas linguísticas

acabaram construindo para si ilhas com entidades conceituais e sociológicas próprias, a

Linguística Cognitiva22

se construiu como um arquipélago sem um território delimitado,

constituído por um conjunto de muitas abordagens parcialmente sobrepostas: “a

Linguística Cognitiva é mais um suporte flexível do que uma única teoria da

linguagem” (GEERAERTS, 2006a, p.2)23

.

Dessa maneira, ainda que eu esteja evitando aderir ao termo, uma vez que seu

campo de estudos no Brasil parece estar marcado por um tipo de pesquisa muito

específica que coloca apenas a linguagem no centro dos projetos de investigação, é

possível afirmar que este é também um trabalho em Linguística Cognitiva, posto no que

Gerhardt (2017, p.11) coloca como “instância mais externa e expandida”:

Na instância mais externa e expandida da Linguística Cognitiva como

categoria radial, assim como se dá na Linguística Aplicada, rompe-se

com as definições disciplinares, para se privilegiar, no centro do

cenário, a pessoa, e se começa a pensar nela como situada,

normatizada e intersubjetival. E o aparato conceptual desenvolvido

para os estudos da linguagem bem como das práticas nas realidades

em que ela faz presente, ganha nova e interessantíssima dimensão.

Essa ampliação dos territórios revela uma abertura de caminhos sem

precedentes, porque as condições de pensabilidade proporcionadas

pelo aparato conceitual desenvolvido pela Linguística Cognitiva nas

outras instâncias da categoria tornam-na poderosa o suficiente para

que a empreguemos para falar das pessoas: à investigação da língua

22

Aqui, cabe ressaltar que a Linguística Cognitiva é apenas uma das disciplinas que compõem a área dos

estudos em cognição, mas é possível reconhecer esse movimento no campo como um todo.

23 Original: “Cognitive Linguistics is a flexible framework rather than a single theory of language”

(GEERAERTS, 2006, p.2).

68

como semiose, agrega-se a investigação das experiências das pessoas

(no meu caso, por exemplo, as experiências das pessoas com a

linguagem em contextos escolares), para a produção de conhecimento

com base no que há de integrativo entre os diferentes planos

experienciais/conceptuais em que existimos.

Dentro desta perspectiva, portanto, não há separação entre linguagem, cultura e

cognição, uma vez que “ao utilizar a linguagem, os seres humanos carregam, em suas

palavras, uma carga cumulada de crenças, ideais, influências, as quais estão tão

arraigadas em sua cognição que são inseparáveis daquilo que ele quer significar”

(VANIN, 2009, p.42). Nesse sentido, ao falarmos em linguagem, falamos em cognição

e, ao falarmos em cognição, falamos em linguagem, já que esta é entendida como “uma

parte integrada da cognição humana que opera em interação com e baseada nos mesmos

princípios de outras faculdades cognitivas”24

(DIRVEN, 2005, p.17, tradução minha).

Apresenta-se aqui, portanto, uma abordagem que “analisa a linguagem em suas relações

com outros domínios cognitivos e faculdades”25

(DIRVEN, 2005, p.17, tradução minha)

e que entende que “percepção, ação, linguagem não podem mais serem consideradas

como módulos totalmente autônomos e independentes, devendo tornar-se especificações

funcionais em uma configuração unitária comum”26

(DIRVEN, 2005, p.17, tradução

minha).

É por conta disso que se pode dizer que “o conhecimento de si próprio, o saber

sobre o mundo e a noção daquilo que está na mente do outro, num tripé irredutível,

tornam-se tão essenciais para a formulação de significados” (VANIN, 2009, p.57), uma

vez que, dentro dessa concepção, a linguagem, bem como a mente, também não se

separa do mundo. Se pensamos no trabalho a ser feito com os alunos na escola,

podemos encontrar aqui um importante foco para o trabalho com a educação linguística,

uma vez que a escola deveria contribuir para a construção desse conhecimento. Como

aponta Salomão (2003, pp.82-83):

24

Original: “CL approaches language as na integrated part of human cognition which operates in

interaction with and on the basis of the same principles as other cognitive faculties” (DIRVEN, 2005,

p.17).

25 Original: “a linguistic theory wich analyzes language in its relation to other cognitive domains and

faculties” (DIRVEN, 2005, p.17).

26 Original: “Perception, action, language cannot anymore be considered as totally autonomous and

independent modules, they must become functional specifications in a common unitary configuration”

(DIRVEN, 2005, p.17).

69

O realismo cognitivista (não-metafísico) reconhece que o mundo

existe e que a mente é inseparável do mundo, em sua materialidade e

em sua história: de fato, a mente é parte do mundo e, nesta condição,

não o representa, mas atua nele, e o transforma ao transformar-se. Por

isso, nesta perspectiva, é impossível conceber a verdade como

transcedência ou a liberdade como autonomia da situação em que a

cognição se produz. (...) A razão-no-mundo, que transforma o mundo

ao transformar-se, não se sintetiza jamais: ela é contrapontística,

mesclada e heterogênea; nada nela anuncia qualquer hipótese de

unificação. Sua pluralidade não a torna, entretanto, errática. (...) a

verdade, tanto quanto o mundo, existe e se produz como

entendimento, construído em condições comunicativas densamente

radicadas e vividamente experimentadas.

Nesse sentido, lembra Vanin (2009): “a cognição humana tem lugar em um

contexto cultural e também social, já que usa instrumentos fornecidos pela cultura na

qual estão inseridos, como palavras, conceitos e crenças” (VANIN, 2009, p.47). Desse

modo, a linguagem é entendida apenas como um dos instrumentos cognitivos, que,

juntamente a outros e em semelhança a eles, “aciona um conjunto de princípios

aparentemente simples, gerais e limitados, operativos sobre bases de conhecimento

subjacentes na memória, ou presentes, como contexto, na situação comunicativa”

(SALOMÃO, 1999, p.65)27

.

Por isso, nos lembra Miranda (2001) que o objetivo de um trabalho que parta

dessa concepção deve se alinhar a uma agenda mais ampla: a de busca da compreensão

do processo de significação, desvelando-lhe a face cognitiva, social e linguística sem

que se trabalhem com sujeitos ou cenas idealizadas, uma vez que “o coração da

atividade interpretativa está no caráter social da cognição e, portanto, no sujeito

interativo – um sujeito que constrói a identidade, o conhecimento, na dialogia, no

partilhamento com o outro” (MIRANDA, 2001, p.59). Sob essa concepção, o processo

de construção de sentidos ou significação deve ser considerado tanto um ato cognitivo

como social e, sob essa visão, não se pode falar em cognição e ignorar qualquer aspecto

social que faça parte de sua construção28

. Na verdade, é possível radicalizar essa visão e

dizer que o ato cognitivo é social e o ato social é cognitivo. Não há como separar essas

duas realidades.

27

Nesta e nas seções seguintes, tratarei de alguns desses princípios que, apresentam-se separados apenas

por questões didáticas, uma vez que, dentro da abordagem aqui adotada, estão plenamente imbrincados

uns nos outros.

28 Salomão (1997, 1998, 1999), por exemplo, defende a ideia de uma abordagem sócio-cognitivista. Nesta

tese, não uso o termo por acreditar, junto a tantos outros autores, que o termo “cognição” em si já envolve

os aspectos sociais e que, portanto, falar em “sócio-cognição” pressuporia a existência de uma cognição

que não seja social.

70

A linguagem, por sua vez, é entendida como uma capacidade humana (biológica

e cultural) desenvolvida para guiar esses processos de significação em contextos de uso

determinados. Como aponta Langacker (1995, apud DIRVEN, 2005), todo significado

linguístico é conceptual por natureza, pois reside na conceptualização. Assim, como já

dito, ela não pode ser analisada de maneira isolada de outras capacidades humanas, uma

vez que funciona como “operadora da conceptualização socialmente localizada através

da atuação de um sujeito cognitivo, em situação comunicativa real, que produz

significados como construções mentais, a serem sancionadas no fluxo interativo”

(SALOMÃO, 1999, p.64).

Posto que a conceptualização só se dá em situações reais de comunicação, sendo

dirigida pelo fluxo interativo, sob essa ótica, não se acredita que o sentido esteja nem na

linguagem nem no mundo. Ele não é visto como dado, mas sim como construído na

interação, em conjunto pelos participantes que nela atuam. Dentro dessa lógica, “a

linguagem, antes de refletir objetivamente a realidade, impõe ao mundo uma

organização, interpretando-o e construindo-o (...), é uma das estruturas mentais por

meio da qual o homem arquiteta e percebe o seu entorno biopsicossocial” (DUQUE e

COSTA, 2012, p. 15). Assim, é na interação que se interpretam os sentidos do outro e,

principalmente, que se atribui sentido ao mundo: “é a partir daquilo que se compartilha

com o outro que as coisas do mundo passam a existir realmente” (VANIN, 2009, p.45).

Assim, em uma visão de mente que vai muito além dos limites do cérebro,

passa-se a ver a relação entre conceitos construídos pelas pessoas e as palavras como

imperfeita (VANIN, 2009). Salomão (1997, 1999) denominou essa imperfeição de

princípio da escassez da forma linguística. Como afirma a autora, “o significado literal

não mora em parte alguma; não está na linguagem” (SALOMÃO, 1999, p.67). Uma vez

que, dentro dessa concepção, entende-se que os sentidos são sempre localmente

construídos, não se trabalha com ideias como sentido literal ou denotativo em oposição

a sentidos que fugiriam de uma significação previamente dada, posto que nunca haveria

sentidos preexistentes a uma determinada situação de uso linguístico.

Nesse sentido, não se trabalha com a noção de que são as palavras que codificam

os significados construídos pelo falante, uma vez que elas apenas os evidenciam. Os

significados, sob essa perspectiva, são construídos na mente das pessoas, o que inclui o

mundo social e tudo o que o constitui (objetos, pessoas, instituições, animais, etc.) (cf.

FAUCONNIER, 1997). Assim, quando alguém fala, esse alguém deseja que o

71

interlocutor entenda algo que está em sua mente e o interlocutor, por sua vez, espera que

o falante lance evidências do que ele quer dizer. Essas evidências só podem ser

interpretadas porque ambos vivem em um contexto compartilhado, micro e macro, ou

seja, porque ambos se inserem em uma cultura comum e em uma mesma situação de

comunicação (VANIN, 2009). Em uma pesquisa como esta sobre o ensino de leitura,

torna-se, então, fundamental, a compreensão de como esse processo de interação e de

construção de significados se dá, uma vez que é ele que compõe a construção das

leituras dos alunos (e de qualquer pessoa em qualquer espaço).

Sobre esse processo de construção de significados, Salomão (1998, p.263)

pergunta “Como determinar que a significação pretendida não recobre o campo de toda

a significação evocável?”, uma vez que não são os sentidos pré-determinados às

situações de comunicação nas quais os falantes se engajam. A própria autora responde:

A chave para a elucidação deste problema repousa em duas

dimensões: de um lado, o constrangimento imposto pela própria

escolha formal do significante; e, de outro, mais crucialmente, a

operação de estratégias comunicativas seletivas que elegem, no

contexto interativo determinado, “qual a interpretação relevante”.

(SALOMÃO, 1998, p.263).

A resposta dada por ela está diretamente conectada a outro princípio

estabelecido pela pesquisadora, denominado de “princípio do dinamismo contextual”

(SALOMÃO, 1997, 1999). Esse princípio está ligado ao fato de que linguagem e

contexto não são polaridades estanques, pois entende-se que as coisas do mundo social

também são signos e que é o contexto que, de maneira perspectival, focalizada ou

enquadrada, dará conta da escassez da linguagem. Sob essa ótica, o contexto não é um

conjunto de variáveis estáticas (espácio-temporais, sociais, situacionais, etc.), mas sim

um modo de ação compreendido fenomenologicamente (SALOMÃO, 1997).

Todo processo de construção conceptual é visto, então, como dinâmico, de

natureza duplamente contextual, uma vez que o contexto modela a prática interpretativa

e a prática interpretativa também modela o contexto (SALOMÃO, 1997). O contexto é,

sob essa ótica também visto como socialmente construído, sendo, portanto, sustentado

interativamente e delimitado temporalmente (SALOMÃO, 1999). Dessa maneira, o

caráter social da cognição (e da linguagem) se manifesta na medida em que

toda experiência social é, por sua vez, semantizante: só é possível

atuar na cena social (de caráter micro ou macro), investindo-a de

sentido, seja com base em conhecimento consensualizado (o MCI da

interação), disponível como norma de conduta, ou por conta da

72

motivação singular de realizar objetivos localmente relevantes

(SALOMÃO, 1999, p.71).

Assim, o significado produzido na interação é não apenas um significado

possível, mas é também – e principalmente – o significado aceitável naquele contexto

de interação, uma vez que a situação de comunicação impõe condições que operam na

construção dos sentidos pelos interactantes que nela atuam. É por isso que a natureza

social da cognição nos impõe a ruptura de uma visão cumulativa de cognição em função

da compreensão de que a cognição é essencialmente processual. E ela é processual,

entre outras razões, porque, como nos lembra Vanin (2009), a representação conceitual

(do que quer seja) não está fixa na mente do indivíduo, construindo-se no convívio com

os outros. Tal perspectiva é essencial para a mudança da visão escolar de aprendizagem,

uma vez que ela substitui a noção tradicionalmente valorizada pela escola de

inteligência como acúmulo de informações e coloca o foco na processualidade, ou seja,

no que se pode fazer com o que se aprende.

Sob esse ponto de vista, dizemos que os sentidos são construídos e reconstruídos

continuamente, sempre de forma interativa e, por isso, negociada, entre os sujeitos que

interagem sob qualquer condição e a qualquer tempo.

Tal interação pode levar à associação com outros conceitos que foram

derivados de trocas comunicativas anteriores, gerando assim uma

entrada mais complexa daquela que já faz parte da memória

enciclopédica do indivíduo. A língua, como prática social, é

sustentada pelas suas formulações no plano comunicativo e, como

capacidade cognitiva, é culturalmente situada e definida. Assim,

assume uma visão contextualizada – ou enciclopédica – do significado

(VANIN, 2009, p.50).

O significado linguístico, dentro dessa visão, é então visto como: a) perspectival,

uma vez que não é o reflexo objetivo do mundo, mas sim uma forma de modelar o

mundo, construído de uma maneira particular, corporificando uma perspectiva para o

mundo; b) dinâmico e flexível, uma vez que lidamos com um mundo em transformação

e que nossas novas experiências exigem que adaptemos nossas categorias semânticas

em função dessas transformações; c) enciclopédico e não autônomo, uma vez que se

considera a pessoa em sua completude, não entendendo a linguagem como um módulo

independente na mente, mas sim como refletindo nossa experiência global como seres

humanos e considerando que somos seres com corpos e com identidades culturais e

sociais que atuam na construção dos significados; d) baseado no uso e na experiência,

73

uma vez que o significado é experencialmente enraizado, não existindo no abstrato e

sendo sempre parte de enunciados e diálogos reais (GEERAERTS, 2006a).

Como Geeraerts (2006a) aponta, cada um desses pressupostos traz em si

diversas questões que servem de base para uma série de investigações. Nas próximas

seções, detalharei essa perspectiva social da cognição (e da linguagem), a partir de

alguns pressupostos dela derivados que serão úteis para a compreensão do objeto central

dessa pesquisa: o trabalho com o plano inferencial de leitura nas aulas de língua

espanhola a partir da análise de materiais didáticos e das respostas dos alunos a

atividades aplicadas em sala de aula.

2.2. A cognição é intersubjetival

O fato de a significação ser tratada como uma construção mental produzida

pelos interactantes no curso de uma determinada interação comunicativa (SALOMÃO,

1997) aponta não apenas para o fato de que a cognição é social, mas também – e

originariamente – para o fato de que a cognição é intersubjetival. E, consequentemente,

para o fato de que nós somos intersujeitos (GERHARDT, 2013). Assim, entende-se que,

em oposição à ideia defendida pelos gerativistas, o ser humano não é visto como um ser

social porque possui uma capacidade inata para a linguagem, mas sim porque possui

uma capacidade inata para o entendimento, sendo direcionado pela necessidade de

interação. Nossa cognição é vista como social, portanto, porque parte de um princípio

de partilhamento (TOMASELLO, 1999; VANIN, 2009).

Em função disso, Miranda (2001) nos lembra do caráter compartilhado da

construção da significação, já que o sentido não está na linguagem, mas sim no

resultado de uma atividade conjunta que exige cooperação: “a linguagem é ação

conjunta, o que significa dizer que, sem atenção partilhada, não há linguagem”

(MIRANDA, 2001, p.60). Como afima Tomasello (1999), o ser humano, em seu

processo de desenvolvimento, se projeta no outro, construindo assim, em função do

outro, sua própria identidade. Segundo defende o pesquisador, aprendemos através do

outro porque nos identificamos e nos projetamos nele.

Assim, as habilidades cognitivas são também modelos culturais, e

onde se desenvolvem os sistemas de dimensões coletivas a partir da

capacidade de compartilhar intenções através da linguagem (VANIN,

2009, p.46).

74

Tomasello (1999), em trabalho fundamental para a construção dessa perspectiva,

ao buscar investigar as origens culturais da cognição humana, aponta que a espécie

humana compartilha algumas capacidades com outras espécies primatas, tais como a de

se localizar espacialmente e temporalmente e a de categorizar. Porém, em oposição ao

que apontam outros teóricos, ele defende que a nossa diferença evolutiva em relação a

esses outros primatas não está em nenhuma mudança genética. Esta diferença reside,

para ele, no caráter cultural que a nossa cognição adquiriu ao longo do tempo, através

das gerações que compõem a história de nossa espécie no planeta.

Filogeneticamente, argumenta Tomasello (1999), não houve tempo histórico

para que uma transformação biológica / genética, ocorresse, uma vez que somente há

cerca de 200 mil anos nossa espécie humana teria iniciado um processo de

desenvolvimento de ferramentas mais complexas, de formas mais complexas de

comunicação e representação simbólica, bem como de organizações e práticas sociais.

Ademais, ontogeneticamente, o pesquisador observou que crianças apresentam em seu

desenvolvimento mecanismos de aprendizagem muito mais complexos do que a simples

associação ou do que a indução cega. Além disso, ele parte de estudos mais recentes que

revelam que a competência linguística das crianças é muito mais próxima da

competência linguística dos adultos do que comumente se pensa.

Em relação a isso, Sinha (2005, p. 313, tradução minha), que compartilha da

perspectiva definida por Tomasello (1999), defende que:

ao contrário dos sistemas de comunicação de sinais não-humanos, as

línguas naturais humanas são sistemas de símbolos. A transição

evolutiva do uso do sinal para o símbolo, e a elaboração exo-somática,

culturalmente dirigida do uso do símbolo na linguagem, explica a

complexidade única da linguagem humana (incluindo a gramática).

Esta complexidade emergente, (...), tem, no decurso da evolução,

cooptado ou capturado um conjunto de capacidades cognitivas que são

exclusivamente desenvolvidas (mas não únicas) em seres humanos.29

Com base nessa perspectiva, nossa evolução se deu porque, ao longo do tempo,

os processos socialmente e culturalmente desenvolvidos foram transformando nossas

habilidades comuns a outros primatas em habilidades mais complexas. E isso só

29

Original: “My argument is rather that, in contrast to non-human signal systems of communication,

human natural languages are symbol systems. The evolutionary transition from signal to symbol usage,

and the exo-somatic, culturally-driven elaboration of symbol usage into language, accounts for the unique

complexity of human language (including grammar). This emergent complexity, I suggest, has, in the

course of evolution co-opted or captured a suite of cognitive capacities that are uniquely developed (but

not unique) in humans” (SINHA, 2005, p. 313).

75

aconteceu porque, em determinado momento da história de nossa espécie, conseguimos

nos ver como co-específicos e, consequentemente, como agentes intencionais, capazes

de reconhecer e de compartilhar intenções. A cognição humana é, nessa concepção,

então, o resultado de processos evolutivos, que construíram biologicamente a cognição

primata, aprimorados pela nossa capacidade cultural de nos engajarmos em atividades

de colaboração, sendo, portanto, uma cognição essencialmente cultural.

Assim, a espécie humana seria a única capaz de transmitir conhecimentos já

existentes para membros de uma mesma cultura, mesmo através de diferentes gerações,

modificando-os ao longo do tempo e transmitindo também essas modificações para as

próximas gerações. Nesse sentido, retoma-se a ideia de que “a principal função da

linguagem não é a descrição objetiva do mundo, mas sim a comunicação e o

compartilhamento de experiências”30

(ROHRER, 2007, p.26, tradução minha), uma vez

que ela teria se desenvolvido como instrumento para esse mecanismo de transmissão de

conhecimentos, único de nossa espécie. Como aponta Sinha (2005, p.312, tradução

minha):

As línguas naturais humanas são sistemas comunicativos, e o uso

primário da linguagem é a comunicação. A extensão e a natureza da

relação entre as funções comunicativas, e as propriedades sistêmicas,

das línguas naturais podem ser contestadas, mas o que não pode ser

contestado é que a linguagem é um veículo para a comunicação

humana.31

Dentro dessa concepção, a linguagem não é considerada um aspecto crítico para

a evolução de nossa cognição. Ao contrário, defende-se que a linguagem é apenas mais

uma das consequências dessa capacidade humana de cognizar intersubjetivamente. Em

função disso, Miranda (2001) defende que a linguagem é conhecimento para o outro,

uma vez que nascemos programados apenas para nos entendermos como co-específicos

e atribuirmos intencionalidades às ações dos outros. Como aponta Gerhardt (2006,

p.1189), “a linguagem é uma forma de cognição constituída com a finalidade de

promover a comunicação interpessoal”.

30

Original: “the primary purpose of language is not the objective description of the world, but instead to

communicate and share experiences” (ROHRER, 2007, p.26).

31 Original: “Human natural languages are communicative systems, and the primary use of language is to

communicate. The extent and nature of the relationship between the communicative functions, and the

systemic properties, of natural languages may be disputed, but what cannot be disputed is that language is

a vehicle for human communication” (SINHA, 2005, p. 312).

76

Nesse sentido, Sinha (2005) diferencia o uso de sinais do uso de símbolos. Para

o autor, no uso de sinais comunicativos, as únicas relações atencionais necessárias são

entre o emissor e o estímulo e entre o receptor e o comportamento, não estando

envolvida por intencionalidade. Dessa maneira, o intercâmbio social de sinais não

envolve intersubjetividade, uma vez que não existe atenção conjunta nem um mundo

socialmente compartilhado de referência conjunta. Segundo o autor, o mecanismo

subjacente ao intercâmbio social de sinais é a simples coordenação do comportamento

organísmico individual. Os símbolos, por outro lado, são convencionais, e seu uso se

apoia na compreensão compartilhada, uma vez que se constroem em um campo de

significado intersubjetivo.

Um sinal pode ser considerado como uma instrução (possivelmente

codificada) para se comportar de certa forma. Um símbolo, por outro

lado, direciona e guia, não o comportamento do (s) organismo (s) que

recebe o sinal, mas seu entendimento (interpretação) ou

(minimamente) sua atenção em relação a uma situação referencial

compartilhada (SINHA, 2005, p.319, tradução minha)32

.

Por isso, a simbolização é vista como uma propriedade emergente

filogeneticamente da comunicação (SINHA, 2005). Assim, a natureza intersubjetival da

cognição humana “relaciona-se ao fato de que qualquer codificação lingüística é

compartilhada na interação” (GERHARDT, 2006b, p.1187): “daí podermos afirmar que

toda forma de linguagem, para muito além de ser um produto de processamentos de

informação, é uma ação conjunta, e é dessa forma que se observará qualquer

experiência humana que envolva a linguagem” (GERHARDT, 2006b, p. 1187).

O envolvimento em uma atividade de atenção conjunta, por sua vez, pressupõe a

compreensão da intencionalidade do outro. Nessas atividades, monitoramos sua atenção

e seus gestos em relação a referentes presentes no mundo, e, ao compreendermos que as

ações do outro são distintas de seus resultados e que ações determinadas se relacionam

com determinados resultados, entendemos também que podemos manipular sua atenção,

por meio de gestos não linguísticos e, posteriormente, por meio da linguagem

(TOMASELLO, 1999).

32

Original: “A signal can be regarded as a (possibly coded) instruction to behave in a certain way. A

symbol, on the other hand directs and guides, not the behaviour of the organism(s) receiving the signal,

but their understanding (construal) or (minimally) their attention, with respect to a shared referential

situation” (SINHA, 2005, p.319).

77

Sob essa perspectiva, então, Tomasello (1999) defende que nossa motivação

para compartilhar intencionalidades fez com que desenvolvêssemos formas complexas

de colaboração que acabaram por resultar nas organizações culturais humanas

modernas. Através dos processos de interação, socialmente e simbolicamente

estruturados, as crianças aprendem as perspectivas de mundo de seu grupo social e a

utilizá-las para mediar sua compreensão do mundo, sendo capazes de reconstruir em si

normas sociais que permitem a conceptualização e o compartilhamento de crenças, de

valores e de conceitos culturalmente estabelecidos.

Por isso, “a atenção conjunta é a base crucial para a emergência da

simbolização” (SINHA, 2005, p.321, tradução minha)33

. É ela também a responsável

por nossa capacidade, desde crianças, de nos envolvermos triadicamente e

colaborativamente em situações de interação, na medida em que, somos capazes de

compartilhar nossos objetivos, nossas ações e percepções e que somos capazes de

compartilhar também nossos estados intencionais e agirmos conjuntamente em função

de um objetivo compartilhado (TOMASELLO, 1999). Como afirma Miranda (2001,

p.69):

A integração entre sinalização e reconhecimento constitutiva de

qualquer atividade conjunta, inclusive das ações de linguagem,

espelha exatamente o caráter social singular da cognição humana: ao

projetar-se como contraparte do outro, reconhecendo-o como agente

intencional à semelhança de si mesmo, o ser humano é capaz de eleger

um foco comum de percepção, construindo-o com ou através do outro.

É esse foco comum de percepção que torna possível sinalizar e

reconhecer sinais na busca de entendimento com o outro.

Tudo que um indivíduo cria cognitivamente em sua mente, então, parte da

existência do outro em seu processo de interação com o mundo. Nesse sentido, Salomão

(1997) aponta, inclusive, que, sob essa concepção, radicaliza-se o dialogismo

bakhtiniano, uma vez que a presença do outro é vista como incorporada na produção

linguística de forma muito mais compacta do que habitualmente se reconhece e que

assim se rompe com a separação, normalmente estabelecida por estudos linguísticos,

entre: a) sentença, enquanto objeto sintático; b) proposição, enquanto objeto lógico e c)

ato de fala, enquanto objeto pragmático. Dessa maneira, a cognição humana se utiliza

da linguagem para produzir infinitas representações “através das quais os sujeitos se

conhecem e se dão a conhecer, ajustam a situação em que se encontram a

33

Original: “joint reference is the criterial basis for the emergence of symbolization” (SINHA, 2005,

p.321).

78

conhecimentos previamente acumulados e, criam novos conhecimentos” (SALOMÃO,

1999, p.74).

Como bem explica Vanin (2009, p.57):

O significado não existe a priori: ele é fruto mutável das atividades

cognitivas e de suas relações com o mundo. O mundo não é algo

pronto, algo a ser nomeado pelos indivíduos. Seus significados

surgem a partir de um princípio de partilhamento, em que a sua carga

semântica é comunicada intersubjetivamente, até que o consenso – e

até mesmo a convenção – o torne significativo para uma determinada

comunidade de mentes. Acredita-se na noção de que o mundo só

exista no momento em que ele é percebido. Isso porque é a partir da

própria consciência de que algo existe – “extramentalmente” – que

surge a necessidade de referir-se a ela.

Desse modo, entende-se que as interações fazem com que o aprendiz de uma

língua assuma diferentes perspectivas do meio com que está interagindo, sendo as

categorias linguísticas um importante instrumento para orientar essa perspectivização

(TOMASELLO, 1999). Essa natureza perspectival da cognição humana é derivada,

portanto, da compreensão de que ela se constrói gestalticamente, não sendo possível

dissociá-la do meio ambiente em que os sentidos se produzem. O mesmo valeria para a

linguagem. Entende-se, assim, que as formas linguísticas representam contextos nos

quais interagem entidades e processos, sendo, então, enquadres de cenas visualizáveis

na comunicação (GERHARDT, 2006a).

Pode-se dizer assim que se vê “a mente humana como fundada num mundo

intersubjetivamente compartilhado e ecologicamente real: um mundo povoado e

animado por artefatos, símbolos, convenções e significados intersubjetivamente

compartilhados” (SINHA, 2005, p. 333, tradução minha)34. Desse modo, rompe-se, com

a perspectiva cartesiana que separa corpo e mente e com o que Sinha (2005) chama de

“narrativa neo-cartesiana” que separa mente e cérebro, uma vez que “o caráter

intersubjetivo da cognição remete às experiências vivenciadas pelo sujeito e o torna apto

a revivenciá-las a cada nova interação, transmitindo e sorvendo impressões e

transformando-as em sentidos para o seu mundo em constante renovação” (VANIN,

2009, p.57).

Por isso, novos significados são dados continuamente ao mundo, a cada novo

contexto construído, o que só é possível pela “conjunção com outras mentes” (VANIN,

34

Original: “The alternative is to view the human mind as grounded in na intersubjectively shared,

ecologically real world: a world populated and animated by artefacts, symbols, conventions, and

intersubjectively shared meanings” (SINHA, 2005, p. 333).

79

2009, p.57) e pelo fato de que “a linguagem pode corporificar a experiência cultural e

histórica de grupos de falantes (e indivíduos)”35

(GEERAERTS, 2006a, p.05, tradução

minha). Dessa maneira, entende-se que a cognição é também essencialmente

experiencial e, consequentemente, corporificada – ideia que será desenvolvida na

próxima seção.

2.3. A cognição é corporificada

Como explicam Sinha e Jensen de López (2000) e Ferrari (2001), a tese da

corporificação da cognição (e da linguagem) é uma tese central dentro da concepção

aqui explicitada, uma vez que atua tanto como hipótese sobre o significado linguístico

como princípio filosófico e psicológico mais geral. Essa hipótese rompe com o

dualismo cartesiano, ao salientar o caráter motivador da relação entre a experiência

humana pré-linguística (ou não linguística) e a cognição.

Enquanto o cartesianismo postula uma racionalidade formal e

universal, instanciada inatamente no organismo humano, a tese da

corporificação reforça a continuidade e o caréter motivado da

relação entre experiência corporal pré ou não linguística e a

cognição (FERRARI, 2001, p.24).

Segundo Ferrari (2001), três achados das ciências cognitivas embasam essa

perspectiva: a ideia de que a mente é inerentemente corporificada; a noção de que o

pensamento é, em grande parte, inconsciente e o fato de os conceitos abstratos serem,

em sua maioria, metafóricos, derivados de experiências humanas concretas. Assim, a

tese da corporificação rompe também com a dicotomia empirismo-racionalismo, uma

vez que se acredita que os mecanismos cognitivos e, portanto, nossos sistemas

conceptuais, se constroem a partir de bases tanto inatas como aprendidas.

Como nos lembra Ferrari (2001), enquanto o empirismo clássico toma o ser

humano como uma tábula rasa, sendo todo o conhecimento adquirido pelos sentidos, o

racionalismo toma toda a razão humana como inata. Em oposição a ambas as visões,

acredita-se que o significado se constrói através de padrões recorrentes de interação

entre pessoas e entre pessoas e ambiente:

A visão experiencialista, portanto, encara a experiência como

resultado de estruturas cognitivas e sensório-motoras corporificadas

que geram significado através de interações permanentes com

35

Original: “languages may embody the historical and cultural experience of groups of speakers (and

individuals)” (GEERAERTS, 2006, p.05).

80

ambientes em constante mudança. A experiência é sempre um

processo interativo, envolvendo restrições fisiológicas e neurais do

organismo tanto quanto ganhos característicos do ambiente e de outras

pessoas para criaturas com nossos tipos de corpos e cérebros

(FERRARI, 2001, p.25, grifos da autora).

Outra ruptura proposta por essa visão se dá em relação à dicotomia

reducionismo-relativismo, uma vez que, como explica Ferrari (2001), dentro dessa

concepção, acredita-se em universais conceptuais que não negam a existência da

variação cultural na forma como os significados são elaborados.

evidências das ciências cognitivas demonstram que não há uma

faculdade autônoma da razão separada e independente das

capacidades corporais tais como percepção e movimento. As

evidências indicam que a razão desenvolve-se a partir dessas

capacidades corporais (FERRARI, 2001, p.27).

Uma dessas evidências aparece claramente no fenômeno da categorização,

entendida como “atividade cognitiva e sociocultural, a partir da qual a realidade é

construída” (DUQUE e COSTA, 2012, p. 19), não sendo, portanto, vista como um

processo desenvolvido individualmente. Duque e Costa (2012, p.21) apontam que a

categorização é “um dos mais fundamentais processos cognitivos e a mais relevante

função da linguagem”, não podendo ser “tomada como produto do nosso raciocínio

consciente, mas como resultante de nossa interação com o meio ambiente” (DUQUE e

COSTA, 2012, p. 21). Segundo Lakoff e Johnson (1999, apud DUQUE e COSTA,

2012), mais importante do que o fato de o pensamento ser corporificado é o fato de que

a natureza de nosso corpo modela nossas possibilidades de conceptualização e de

categorização.

O fenômeno da categorização, por sua vez, instanciou o desenvolvimento da

chamada teoria dos protótipos, que é fundamental para a compreensão da discussão

colocada nesta seção e na seguinte. Ela parte do pressuposto de que as categorias se

organizam em função de exemplares prototípicos e não de critérios rigidamente

estabelecidos. Assim, no centro da categoria, estariam os exemplares com maior

semelhança em relação ao protótipo e, em sua periferia, os com menor semelhança

(DUQUE e COSTA, 2012). Segundo Rosch (1978, apud DIRVEN, 2005, p.23, tradução

minha),

a categorização é baseada na experiência cotidiana e nem sempre

conduz a categorias claras com características necessárias e

suficientes. Na maioria das vezes, conduz a categorias que têm um

centro claro preenchido por membros prototípicos, e que têm limites

81

difusos que permitem membros marginais que, inclusive, podem se

aproximar de outras categorias vizinhas”36

.

A noção de prototipicidade se articula à noção de radialidade, que parte da ideia

de que a teoria do significado é mais operacional do que representacional (DIRVEN,

2005). Segundo Geeraerts (2006b), tais noções buscam dar conta da natureza dinâmica

e flexível da linguagem (e, portanto, da cognição humana). O modelo de rede radial,

especificamente, descreve categorias a partir de elementos centrais que irradiam em

direção a novas instâncias. Assim, os usos de elementos menos centrais só são possíveis

porque eles se extendem a partir do centro (BRUGMAN e LAKOFF, 2006).

Geeraerts (2006b) defende que o modelo de rede radial é apenas um dos

modelos que se enquadram na teoria dos protótipos. Segundo o autor, o próprio termo

“protótipo”, como todos os conceitos existentes e com os quais trabalhamos

cotidianamente, se encaixa nessa teoria, uma vez que não apresenta uma única definição

que capture todos os seus usos.

Outro modelo proposto é o de rede esquemática, na qual o dinamismo do

significado envolve uma mudança dentro de uma dimensão taxonômica, indo, por

exemplo, de um nível mais específico para um nível mais geral (TUGGY, 2006). Dessa

forma, entende-se que “a semântica do léxico e das unidades construcionais não é um

saco de significados, mas é um significado potencial (prototipicamente e

esquematicamente) estruturado que é sensível aos efeitos contextuais” (GEERAERTS,

2006a, p.10, tradução minha)37

. Nesse sentido, Geeraerts (2006a) enfatiza que definir

uma categoria envolve mais descrever alguns de seus membros principais do que dar

simplesmente uma definição abstrata.

Articulado à noção de categorização, um dos conceitos centrais para a

construção desta tese e que instancia a visão corporificada da linguagem adotada pela

Linguística Cognitiva e trazida para a discussão aqui construída é o de “esquema

imagético”. Os esquemas imagéticos são considerados padrões pré-conceituais ou

36

Original: “categorization is based on every-day experience and does not always lead to clear-cut

categories with necessary and sufficient features. Rather more often than not, it leads to categories wich

have a clear center populates by prototypical membres, and which have fuzzy boundaries that allow for

marginal members wich may even overlap with other neighboring categories” (ROSCH, 1978, apud

DIRVEN, 2005, p.23).

37 Original: “The semantics of lexical and constructional units is not a bag of meanings, but is a

(prototypically and schematically) structured meaning potential that is sensitive to contextual effects”

(GEERAERTS, 2006, p.10).

82

corporais que servem de base para a categorização do mundo físico, envolvendo, assim,

alguma forma de experiência sensório-motora.

Trata-se, portanto, de domínios pré-linguísticos que organizam estruturas

fundamentais para a construção da linguagem, e, consequentemente, para a

categorização também do mundo abstrato. Não são, porém, depósitos passivos de

experiência, uma vez que, para serem construídos, o ser humano deve organizar de

maneira imaginativa sua própria experiência com o mundo. Alguns dos esquemas

imagéticos prototípicos são o de contenção, o de escala, o de verticalidade, o de centro-

periferia e o de trajetória, que instanciam, por sua vez, a construção de conceitos como

movimento, superfície, contato, suporte, força, bloqueio, altura, distância etc. (GIBBS e

COLSTON, 2006; JOHNSON, 1987).

Para Johnson (1987), portanto, as categorias e o pensamento abstrato emergem

da experiência corporal, através de mapeamentos metafóricas e metonímicos de

categorias concretas, em especial, essas de domínio espacial que são representadas pelos

esquemas imagéticos. Dessa maneira, acredita-se que os esquemas imagéticos se

constroem em função dos movimentos do corpo no espaço e dos outros objetos em

relação ao corpo e que essa experiência estrutura metaforicamente as relações

interpessoais e as instituições sociais.

Rohrer (2007), assim, descreve que a hipótese da corporificação é a prova de que

a cognição e o físico humanos e a corporificação social sustentam nossos sistemas

linguístico e conceptual. Nesse sentido, Rohrer (2007) aponta que o termo

“corporificação” pode ter muitos sentidos dentro dos diversos estudos em cognição e

acaba por resumi-los em duas grandes vertentes: como “corporificação amplamente

experiencial" ou como "corporificação como substrato corporal". O primeiro grupo

refere-se a dimensões que se concentram nas experiências contextuais subjetivas,

culturais e históricas específicas, enquanto o segundo enfatizava a influência fisiológica

e o substrato neurofisiológico corporal, reconhecendo tanto os sentidos experienciais

quanto corporais da corporificação.

Segundo Sinha e Jensen de López (2000), a hipótese da corporificação,

manifestada pela teoria dos esquemas imagéticos, apresenta algumas semelhanças com

a perspectiva desenvolvida por Piaget, uma vez que ambas ressaltam o papel da

experiência sensório-motora no desenvolvimento cognitivo e buscam fundamentar a

teoria cognitivista nas propriedades biológicas do desenvolvimento do organismo

83

humano e suas interações com o mundo físico. Além disso, ambas as perspectivas

partem de uma visão universalista e individualista da mente; porém, uma diferença

básica estaria no fato de que Piaget enfatiza o raciocínio lógico-matemático, mas não a

hipótese da corporificação.

Em função disso, ainda que Piaget não negasse os aspectos socioculturais e sua

influência no desenvolvimento humano, sua classificação do desenvolvimento em

estágios é manifestada sempre de forma invariante:

Nesse sentido, o contexto sociocultural da cognição e seu

desenvolvimento era visto por Piaget simplesmente como uma

condição necessária e talvez limitadora, que, a seu ver, poderia

modular o ritmo e o ponto final de uma sequência universal e

endógena do desenvolvimento cognitivo (SINHA e JENSEN DE

LÓPEZ, 2000, p.18, tradução minha).38

Assim, Piaget é criticado por seu “individualismo epistêmico” e sua negligência

em relação ao contexto comunicativo e sociocultural do desenvolvimento cognitivo.

Sinha e de López (2000), entretanto, argumentam que a tese da corporificação como

formulada até então – e utilizada por muitos estudos até hoje – sofria da mesma

deficiência que a teoria de Piaget, uma vez que, mesmo sendo superior a ela em muitos

sentidos, ainda falhava ao não dar atenção suficiente à importância da cultura e da

sociedade no desenvolvimento da cognição humana, na motivação da estrutura

linguística e na aquisição da linguagem.

Dessa forma, a perspectiva corporificada explicita tanto a natureza interativa da

experiência que dá origem às categorias cognitivas como o fato de o ambiente em que o

organismo funciona e se desenvolve ser tão social como fisicamente construído.

Entretanto, por outro, tanto a natureza da interação como o fato de que cada experiência

pode variar entre indivíduos e entre culturas não são elementos suficientemente

desenvolvidos na teoria (SINHA e JENSEN DE LÓPEZ, 2000).

Sinha e Jensen de López (2000) acreditam que essa perspectiva orientada apenas

de dentro para fora precisa ser problematizada, já que as crianças desde sempre

aprendem a interagir com objetos culturalmente determinados, que também servem

como materiais para a realização de esquemas. Assim, os autores advogam por uma

38

Original: “In this sense, the socio-cultural context of cognition and its development was seen by Piaget

as simply a necessary and perhaps limiting condition, which could in his view only modulate the pace and

terminal point of a universal, endogenous sequence of cognitive development” (SINHA e JENSEN DE

LÓPEZ, 2000, p.18)

84

compreensão estendida (para além do corpo) da tese da corporificação, ao defenderem

que “o esquema corpo humano é um privilegiado, mas não o único, domínio fonte para

a conceptualização linguística das relações espaciais, e que o seu recrutamento

generalizado para este fim reflete sua relevância experiencial universal” (SINHA e

JENSEN DE LÓPEZ, 2000, p. 22, tradução minha)39

.

Essa mesma crítica é compartilhada por outros autores que advogam por uma

“corporificação situada”, como explica Dirven (2005, pp.29-30, tradução minha):

Também em semântica cognitiva estudiosos como Zlatev (1998,

2002) criticam o uso atual de Lakoff do conceito de corporificação

como muito pouco inserido no contexto situacional e de lidar com

corpos flutuantes apartados de seus ambientes. Em vez disso, Zlatev

propõe uma "corporificação situada" e apresenta uma abordagem que

ele chama de "semântica corporificada situada", em que o significado

emerge de um emparelhamento de expressões linguísticas com

situações. Ele usa o modelo conexionista para testar a viabilidade da

abordagem e para construir insights sobre questões como as categorias

de aprendizagem sem condições suficientes e necessárias para a

adesão, a dependência do contexto de significado e a habilidade de

expressar e compreender novas expressões.40

Dessa maneira, a tese da corporificação é vista como capaz de predizer uma

parte dos dados linguísticos relevantes, mas não é capaz de por si só explicar tudo, a não

ser que seja estendida para abranger aspectos e características do mundo não corpóreo.

Assim, Sinha e Jensen de López (2000) defendem que a corporificação permaneça

como noção central nos estudos sobre a significação, porém propõem uma reformulação

que a relacione mais explicitamente a sistemas culturais, integrando, portanto, de forma

triádica, linguagem, cultura e cognição, como apresentado anteriormente. Os autores

sugerem que as diferenças socioculturais não linguísticas em relação ao uso de artefatos

dão origem a pequenas, mas importantes, diferenças nos processos de conceptualização

39

Original: “the human body schema is a privileged, but not unique, source domain for the linguistic

conceptualization of spatial relations, and that its widespread recruitment for this purpose reflects its

universal experiential salience” (SINHA e JENSEN DE LÓPEZ, 2000, p. 22).

40 Original: “Also in cognitive semantics scholars like Zlatev (1998, 2002) criticize Lakoff’s present use

of the concept of embodiment as too little embedded in the situational context and of dealing with floating

bodies detached from their environments. Instead, Zlatev proposes a ’situated embodiment’ and presents

an approach which he calls “situated embodied semantics” in which meaning emerges from a pairing of

linguistic expressions with situations. He uses connectionist modeling to test the feasibility of the

approach and for gaining insights into such issues as learning categories without necessary and sufficient

conditions for membership, the context dependence of meaning and the ability to utter and comprehend

novel expressions”.

85

de esquemas desenvolvidos pelas pessoas em diferentes culturas (SINHA e JENSEN

DE LÓPEZ, 2000).

Assim, os artefatos usados cotidianamente, e consequentemente a relação de

nossos corpos com eles, deixam de ser vistos como culturalmente neutros, uma vez que

podem ser mais ou menos familiares a indivíduos de diferentes culturas e que podem

corporificar diferentes conceptualizações de esquemas culturais (SINHA e DE LÓPEZ,

2000). Os autores denominam esse fenômeno de “corporificação estendida” e destacam

que ela não acontece no vácuo, não sendo, portanto, uma propriedade dos objetos em si

mesmos, mas sendo constituída e exemplificada pela participação desses objetos em

uma matriz inteira de práticas culturais (linguísticas e não linguísticas).

Nesse sentido, pode-se afirmar que, “ao postularmos a continuidade essencial

das semioses, reconhecemos que igualmente se misturam, como representações, a

conceptualização do mundo e a comunicação do mundo” (SALOMÃO, 1999, p.72),

uma vez que todo significado é construído pela articulação interativa entre sujeito e

mundo imersos em uma realidade cultural específica, sem que se considere que haja um

sujeito cognitivo e uma realidade cognoscível apartados um do outro.

Essa problematização, por exemplo, é fundamental para a compreensão dos usos

que se podem fazer do livro didático em sala de aula dentro de uma visão de cognição

como fenômeno distribuído. Na verdade, é fundamental para a compreensão de como a

sala de aula funciona e de como ela pode funcionar de uma melhor maneira, a partir da

consciência de que os ambientes em que nos inserimos também nos constituem.

Portanto, através da ideia de que nossas experiências cognitivas se constróem a

partir de esquemas imagéticos corporificadamente e, por isso, culturalmente definidos, e

de que a linguagem se projeta também em função deles, pode-se dizer que a linguagem

guia a construção dos sentidos, através da ativação de estruturas de conhecimento não

linguísticas que compõem o “estoque de representações culturais disponíveis ao

indivíduo enquanto membro de algum grupo social” (SALOMÃO, 1998, p.264).

Como apontam Lakoff e Johnson (1999, p.37-38, apud ROHRER, 2007, p.38,

tradução minha), a hipótese da corporificação rompe com a divisão entre percepção e

concepção, uma vez que já se pode observar, contemporaneamente, que o mesmo

sistema neural envolvido na percepção (ou nos movimentos corporais) desempenha um

papel central na conceptualização: “é possível que os mesmos mecanismos envolvidos

86

na percepção, nos movimentos e na manipulação de objetos possam ser responsáveis

pela conceptualização e pelo raciocínio” 41

.

É justamente, a partir da compreensão de que mesmo os processos não

linguísticos de construção da nossa conceptualização/percepção do mundo estão

inseridos em uma realidade cultural específica, que parto para o pressuposto

apresentado na próxima seção – o de que a cognição é baseada em frames.

2.4. A cognição é baseada em frames

Como apresentado na seção anterior, uma das consequências do fato de nossa

razão ser corporificada é o fenômeno da categorização – “uma consequência inevitável

da estrutura biológica humana” (FERRARI, 2001, p.28). Esse fenômeno se dá, em

grande parte, de forma inconsciente, em função de como nossos corpos e cérebros

funcionam, através de nosso sistema visual, do movimento de nossos corpos, dos

movimentos de outros objetos em relação a nossos corpos, etc: “a natureza peculiar de

nossos corpos modela nossas possibilidades de conceptualização e categorização”

(FERRARI, 2001, p.28).

Sob essa perspectiva, a linguagem é considerada um instrumento cognitivo

(MIRANDA, 1999) que nos permite organizar, processar e transmitir informação, e, por

isso, ela é vista como primariamente semântica (GEERAERTS, 2006a), servindo para

categorizar o mundo e pressupondo uma relação do sujeito com o seu meio social e

cultural (VANIN, 2009). A linguagem é vista “como um meio de interpretar, construir e

organizar conhecimentos” (VANIN, 2009, p.43), “que refletem as necessidades, os

interesses e as experiências dos indivíduos e das culturas” (VANIN, 2009, p.45).

Considera-se que a linguagem é um fenômeno psicologicamente real, mas

também que o processamento e estoque de informações é um recurso fundamental para

seu desenvolvimento. Ela, portanto, faz parte do conhecimento humano e que, portanto,

precisa ser analisada com foco no significado e não na forma (GEERAERTS, 2006a):

a linguagem, que é parte da cognição, se fundamenta em processos

cognitivos, interacionais e culturais, abrindo espaço para dimensões

intersubjetivas. Por isso, a observação do seu uso torna-se relevante

pelo fato de os processamentos da conceitualização, da categorização,

41

Original: “it is possible that the very mechanisms responsible for perception, movements, and object

manipulation could be responsible for conceptualization and reasoning” (Lakoff e Johnson, 1999, p.37-

38, apud ROHRER, 2007, p.38).

87

da interação e da experiência social e cultural estarem imbricados e se

formarem nas práticas cotidianas (VANIN, 2009, p.46).

Diversos trabalhos em cognição, em especial, no Brasil, têm trabalhado com a

noção de que nossos saberes acumulados organizam-se em nossa mente em diferentes

tipos de domínios estáveis e locais (DUQUE e COSTA, 2012; GERHARDT, 2006a;

MIRANDA, 1999, entre outros). Enquanto os domínios locais seriam representados

pelos espaços mentais (cf. FAUCONNIER, 1994), que se constroem e reconstroem ao

longo da interação, sendo, portanto, efêmeros, os chamados domínios estáveis seriam

representados por categorias de saberes que são construídos e partilhados dentro de uma

determinada história e de um contexto sociocultural. São estruturas de memória pessoal

e social, possuindo uma natureza estável, mas também dinâmica, uma vez que se

estruturam na mente a partir das experiências pessoais, sendo, portanto, passíveis de

mudanças em função de como e quando essas experiências vão ocorrendo ao longo da

vida (DUQUE e COSTA, 2012; GERHARDT, 2006a; MIRANDA, 1999).

Tais trabalhos partem da noção de que os domínios estáveis se subdividem em

categorias em função da natureza dos saberes que representam. Miranda (1999), por

exemplo, diferencia os domínios estáveis em “frames” e “esquemas”: “uma categoria

interativa para os “frames” e uma categoria de estruturas de conhecimento para os

esquemas” (MIRANDA, 1999, p.82), diferenciando-os a partir de seus papéis na

interação:

A noção interativa de “frame” refere-se, pois, a uma definição do que

está em movimento na interação, sem o que nenhuma fala, gesto,

movimento faz qualquer sentido... Assim, na tarefa interpretativa, os

interlocutores precisam saber “o jogo que está sendo jogado”: se um

“frame” de brincadeira ou de conflito, por exemplo. Só assim poderão

dar significação ao que é dito. (...) Quanto aos “esquemas de

conhecimento” referem-se a expectativas dos interactantes sobre

pessoas, objetos, eventos e cenários no mundo. Alguns estudos

vinham caracterizando “frames” como estruturas dinâmicas e

esquemas como estáticas. Na realidade, qualquer estrutura de

expectativa é dinâmica, uma vez que é continuamente confrontada

com a experiência e revista (MIRANDA, 1999, p.82, grifos da

autora).

Além disso, a autora categoriza, a partir de Salomão (1999), os domínios

estáveis como sendo de três naturezas: a) Modelos Cognitivos Idealizados (MCI),

Molduras Comunicativas e Esquemas Genéricos. Duque e Costa (2012) e Gerhardt

(2006a) partem dessa mesma classificação, mas constroem categorizações diferentes.

Enquanto Gerhardt (2006a) incorpora à categoria os esquemas imagéticos e a própria

88

língua, Duque e Costa (2012) colocam os esquemas imagéticos e os frames dentro da

categoria dos MCI e articulam os esquemas genéricos às construções gramaticais. Além

disso, eles trabalham com quatro categorias de frames: cenários, roteiros, conjuntos de

traços e taxonomias.

Dentro dessa concepção, os Modelos Cognitivos Idealizados (MCI) seriam mais

culturalmente organizados, representando formas de pensamento e opinião socialmente

produzidos e culturalmente disponíveis na interação, correspondendo a conceitos mais

abstratos como família, casamento, estereótipos de gênero, etc. As molduras

comunicativas, por sua vez, seriam esquemas ou frames de interação, também

culturalmente definidos, que representam conhecimentos operativos configurados nos

eventos de interação, muitas vezes institucionalmente definidos. Já os esquemas

genéricos representariam esquemas conceptuais que se configuram de forma mais

abstrata, sendo, portanto, mais flexíveis em suas aplicações e a língua, por fim, atuaria

como um enquadre léxico-gramatical que fornece pistas de focalização durante a

interação (MIRANDA, 1999; GERHARDT, 2006a; DUQUE e COSTA, 2012).

Ao compilar diversos trabalhos sobre o tema, Duque (2015, p.30), chega à

conclusão de que todas essas categorias podem ser tratadas como frames, uma vez que

todas elas se baseiam no pressuposto de que, conforme Lakoff (2008,

p.22), “os frames estão entre as estruturas cognitivas com que

pensamos” (tradução nossa), de modo que orientam a maneira como

compreendemos o mundo à nossa volta. Essa grande quantidade de

abordagens acaba repercutindo em grande diversidade de tipologias.

Independentemente dessa variedade, no entanto, frames são pensados

como gestalts cujas partes, ou papéis, estabelecem relações entre si”

(DUQUE, 2015, p.30).

O conceito de frame parte da noção de que o significado linguístico não é visto

como isolado de outras formas de conhecimento. Rompe-se, assim, inclusive, com a

tradicional separação que comumente se faz entre conhecimento de mundo e

conhecimento do significado linguístico (FILLMORE, 2006). Tal ruptura é fundamental

para a compreensão do objeto desta tese – o trabalho com o plano inferencial de leitura

–, uma vez que, como se poderá ver melhor no capítulo 4, a não separação entre

conhecimento linguístico e conhecimento de mundo traz à tona o papel do

conhecimento prévio na construção da leitura e a necessidade de se sair de um trabalho

focado no nível literal, na reprodução das palavras postas no texto lido.

Segundo Fillmore (2006), um frame pode ser visto como uma estrutura que

envolve conceitos relacionados pela forma como as coisas acontecem em situações do

89

mundo real, uma vez que são os frames que permitem que o nosso conhecimento

enciclopédico seja estruturado (FILLMORE, 2006). Dessa maneira, frames integram

nossas experiências biológicas a nossas experiências culturais e podem ser definidos

como domínios complexos de experiências emoldurados a partir da cultura (MIRANDA

e BERNARDO, 2013).

Assim, sob a proposta de Duque (2015) e, entendendo com base em Sinha e

Jensen de López (2000), que os esquemas imagéticos também são construídos

culturalmente, eles também passam a ser considerados um tipo de frame, que,

especificamente, se organiza de forma “extremamente simples, contendo poucos papéis

e poucas relações entre esses papéis” (DUQUE, 2015, p.31). O autor classifica os

frames em:

a. Frames conceptuais básicos,

b. frames interacionais,

c. esquemas imagéticos,

d. frames de domínio-específico,

e. frames sociais (cenários e categorização social),

f. frames descritores de eventos,

g. frames-roteiro,

h. frames-culturais (DUQUE, 2015).

Esses frames se ligam através de relações de:

a. continência, uma vez que frames mais complexos são estruturados por

frames mais simples;

b. subcategorização, pois frames se organizam hierarquicamente;

c. evocação, já que frames podem evocar instancias de outros frames, e de

d. unificação, pois papéis que integram um frame podem ser preenchidos pelo

contexto (DUQUE, 2015).

Nesse sentido, é interessante retomar o que Miranda (2001) descreve com base

em Salomão (1999), uma vez que, ainda que ela não trate de frames com base na mesma

categorização posta por Duque (2015), ela antecipa uma caracterização que permite a

unificação de todas essas categorias sob o rótulo de frame:

os domínios conceptuais (MCIs, molduras comunicativas ou

esquemas genéricos) caracterizam-se (i) pela sua permanência como

ordens cognitivas identificáveis e evocáveis; (ii) pela organização

interna das informações que os constituem; (iii) pela flexibilidade de

90

sua instanciação, conforme as necessidades locais manifestadas

(MIRANDA, 2001, p.86, grifos da autora).

Assim, pode-se dizer que os frames são essenciais para a construção de sentidos,

uma vez que só podemos atribuir características a certos conceitos porque somos

capazes de associá-los a frames específicos e de mudar a perspectiva dentro de um

mesmo frame. Dessa maneira, os frames acabam construindo e orientando nosso modo

de pensar e de compreender o mundo, podendo ser acionados através de três estratégias:

a seleção lexical, o arranjo gramatical de uma determinada sentença e/ou o mapeamento

metafórico (DUQUE, 2015).

Com base nisso, Duque (2015) define os frames como “mecanismos cognitivos

através dos quais organizamos pensamentos, ideias e visões de mundo” e afirma que

“novas informações só ganham sentido se forem integradas a frames construídos por

meio da interação ou do discurso” (DUQUE, 2015, p.26). Assim, cognitivamente, é

possível afirmar que a linguagem aciona e constrói frames em nossa memória

continuamente, o que teria respaldo nos estudos neurais da linguagem, que já

demonstraram que “um frame é uma “cascata” de circuitos neurais acionada por

palavras” (DUQUE, 2015, p.27).

Frames são como Gestalts formadas por partes ou papéis que estabelecem

relações entre si, podendo variar em níveis de complexidade, ou seja, em números de

papéis pelos quais são compostos e de relações entre esses papéis. Eles poderiam,

inclusive, ser constituídos por outros frames (DUQUE, 2015). Um frame “é constituído

por estruturas hierárquicas, com atributos fixados nos níveis mais elevados, e slots,

fixados nos terminais. No frame “cozinha” por exemplo, os slots são preenchidos com

“geladeira”, “fogão”, “talheres” etc.” (DUQUE e COSTA, 2012, p. 84), ainda que,

muitas vezes, seja difícil “identificar os papéis que integram um frame por se

confundirem com informações de fundo ou com eventos em si (DUQUE, 2015, p.31).

Segundo Fillmore e Baker (2011, p. 318, apud DUQUE, 2015, p.26), “[...]

basicamente todas as palavras de conteúdo exigem, para a sua compreensão, um apelo

aos frames situacionais dentro dos quais o sentido transmitido por elas é motivado e

interpretado”. Por isso, apontam Miranda e Bernardo (2013, p.86), com base em

Fillmore, que

as palavras que evocam frames em um texto revelam a multiplicidade

de maneiras com que o falante ou o autor esquematizam a situação e

induzem o ouvinte a construir uma tal visualização do mundo textual

91

que motive ou explique os atos de categorização expressos pelas

escolhas lexicais observadas no texto.

Segundo Miranda e Bernardo (2013, p.84), a abordagem baseada em frames traz

um importante caminho metodológico para pesquisas que busquem o estudo da

significação por duas razões: a) porque constrói-se uma Semântica da Compreensão em

oposição a uma Semântica da Verdade, o que “fornece um olhar diferenciado - com

unidade e coerência - sobre os processos de significação e referenciação”; b) trabalha-se

com “importantes ferramentas analíticas, capazes de servir ao nível descritivo e

explanatório do léxico, da gramática e, em nossa visão, do discurso”.

O delineamento de tal proposta acabou por nos conduzir a outro

achado – a descoberta do frame como uma ferramenta singular no

suporte à interpretação da realidade perspectivada pelos atores sociais

(dentro ou fora da realidade educacional). Dito de outro modo, a

configuração da rede de frames no discurso faz emergirem as

vivências mais reiteradas e marcantes para os sujeitos na comunidade

em foco e finca uma sólida ferramenta como base para a leitura

hermenêutica multidisciplinar destas vivências perspectivadas pelo

discurso (MIRANDA e BERNARDO, 2013, p.83).

Como afirmam as autoras, a palavra-chave para se definir o que se chama de

Semântica de Frames é “experiência, ou mais precisamente, a relação entre linguagem e

experiência” (MIRANDA e BERNARDO, 2013, p.85), uma vez que os frames e,

consequentemente, a língua representam categorizações de experiências. Cada categoria

criada, por sua vez, “emoldura um complexo emaranhado de conhecimentos e

experiências” (MIRANDA e BERNARDO, 2013, p.85).

Nesta perspectiva, a categoria frame se define como (...) qualquer

sistema de conceitos relacionados de tal modo que, para entender

qualquer um deles, é preciso entender toda a estrutura na qual se

enquadram; quando um dos elementos dessa estrutura é introduzido

em um texto, ou em uma conversa, todos os outros elementos são

disponibilizados automaticamente. (FILLMORE, 1982: 112)

(MIRANDA e BERNARDO, 2013, p.85).

Dessa maneira, os frames não são entendidos como construídos apenas de fora

para dentro como um processo de internalização sem a participação ativa do indivíduo.

Em nosso processo de interação com o ambiente em que estamos inseridos, agimos

autonomamente, o que nos leva a desenvolver conceitos pessoais sobre essas

experiências (DUQUE, 2015). Além disso, “não tentamos internalizar uma

representação completa do mundo” (DUQUE, 2015, p.60), uma vez que nossa cognição

92

é sempre perspectival, “nem mantemos cristalizados todos os possíveis conceitos

herdados da nossa comunidade linguística” (DUQUE, 2015, p.60).

Ainda assim, como a cognição também é intersubjetival, esse processo de

construção de conceitos, também depende “do seu nicho ecológico e social para manter

a estabilidade de parte dos significados em geral” (DUQUE, 2015, p.61). Dessa

maneira, entende-se que os frames se localizam na memória de um indivíduo, mas, ao

mesmo tempo, são compartilhados por membros de uma mesma cultura quando estes

expressam seus conhecimentos, suas perspectivas e visões de mundo.

O conhecimento de frames pelos falantes permite, então, que a linguagem ative

frames, enfoque conceitos específicos do frame ou determine perspectivas por meio das

quais o frame é visto (FILLMORE, 2006). Por isso, tanto os frames se ancoram no

discurso como o discurso se ancora nos frames (DUQUE, 2015). Assim, “o

conhecimento linguístico é composto por um repositório de estruturas linguísticas

simples e complexas responsáveis pelo acionamento de frames (dos mais básicos aos

mais complexos)” (DUQUE, 2015, p.45) e o chamado “senso comum é simplesmente

uma coleção de frames fixos que usamos para entender o que experienciamos e

ouvimos” (DUQUE, 2015, p.46).

Como o uso dos frames no processo de comunicação entre os indivíduos vai

além da internalização passiva, torna-se fundamental compreender como esses frames e

os elementos que os estruturam se articulam para a criação de novos conhecimentos, de

novos sentidos, de novos usos. Na próxima seção, abordo, em especial, um desses

processos de projeção, tomado nesta tese como essencial para a construção da cognição

humana, da leitura e dos processos de aprendizagem – a integração (ou mesclagem)

conceptual.

2.5. A cognição é desenvolvida por meio de mesclagens

Até aqui é possível notar que têm se apresentado pressupostos que apontam para

uma natureza processual e dinâmica da cognição humana e, portanto, da construção do

significado. Assim,

não estamos considerando as expectativas prévias de como as coisas

significarão, tampouco postulamos um jogo entre uma virtualidade e

uma efetividade semântica, mas sim visualizamos as formas de

construção do significado que emergem na interação on line e nela

vão sendo negociadas, ajustadas. Isso permite que nos coloquemos em

93

posição de observar o significado de forma dinâmica, ou seja, como

construção e articulação entre experiências, habilidades,

conhecimentos e processos, incluindo as formas dos acordos

interacionais possíveis (ou não) durante a interação (GERHARDT,

2006a, p.01).

Essa natureza processual e dinâmica da cognição se dá essencialmente porque,

mais do que acumular conhecimentos, somos capazes de articulá-los processualmente

para criar novos saberes. Essa capacidade se dá em função de todo o exposto nas seções

anteriores e porque, como será apresentado aqui, possuímos a habilidade de estabelecer

projeções entre elementos de diferentes domínios. Sobre isso, Salomão (1998), em uma

comunicação pessoal, aponta o que Miranda (1999, p.81) chama de “hipótese-guia” de

um “arcabouço teórico de uma teoria [sobre a cognição humana] de grande alcance

explicativo”: “O princípio nuclear da cognição humana corresponde à projeção entre

domínios, desta forma operando produção, fracionamento da informação, transferência

e processamento do sentido” (SALOMÃO, 1998).

Segundo Miranda (1999), as projeções eram vistas tradicionalmente como

fenômenos periféricos, ganhando destaque nos estudos em cognição a partir da

fundação do Modelos dos Espaços Mentais. Como dito anteriormente, os espaços

mentais são tratados, dentro dessa abordagem, como domínios locais de conhecimento,

sendo, portanto, dinâmicos.

EM [espaços mentais] são domínios dinâmicos, i.e., proliferam

enquanto pensamos e falamos. Por isso são diferentes e novos a cada

semiose. São produzidos como funções da expressão lingüística que

os suscita e do contexto que os configura. Externamente esses

domínios estão ligados uns aos outros por conectores: marcas

lingüísticas e contextuais (Construtores de Espaços Mentais (CE)).

Internamente são estruturados por domínios estáveis (MIRANDA,

1999, p.86).

As projeções, inicialmente, foram vistas como exclusivamente acontecendo

entre os espaços mentais. Porém, ao observarem o papel central que ocupam na

cognição humana, os pesquisadores foram ampliando seu escopo de atuação para outros

domínios. Conforme explica Gerhardt (2006, p.04), a assunção de que a linguagem não

é autônoma e de que, por isso, os processos envolvidos na construção do significado

linguístico também estão nas representações cognitivas de outras naturezas trouxe para

as projeções o papel de “ação cognitiva humana mais importante”. Uma vez que

“domínios são evocados o tempo todo e, por isso, sofrem ajustes a fim de acomodarem

novas informações durante o processo de construção do sentido do/no mundo”

94

(DUQUE e COSTA, 2012, p. 75-76), “a perspectiva dos domínios conceptuais coloca

as projeções numa posição central da cognição humana, tendo em vista que operam para

construir e conectar domínios” (DUQUE e COSTA, 2012, p. 86).

Gerhardt (2006a) inclui a mesclagem na categoria por ela denominada de

“saberes processuais”, em complementação aos chamados “saberes acumulados”

apresentados anteriormente. Os saberes processuais permitem, assim, o uso dos saberes

acumulados na produção dos significados e se constituem de mecanismos de projeção

inter e intradominial, tais como a metonímia, a metáfora, a mesclagem, o reenquadre, a

contrafactualidade, a correlação, a refocalização e a referenciação.

Fauconnier (1997), por sua vez, apresenta a possibilidade das projeções

acontecerem entre partes de domínios, de um (domínio-fonte) em direção a outro

(domínio-alvo), entre domínios por conta de funções pragmáticas, e a partir de um

esquema abstrato para estruturar uma situação em contexto. Além disso, o autor

apresenta um modelo especial de projeção, ao qual me dedicarei nesta seção, em função

do papel essencial que ele vai ocupar no desenvolvimento desta tese – a mesclagem

(blending, no original), posteriormente denominada também de integração conceptual

(FAUCONNIER e TURNER, 2002).

Em Fauconnier (1997), o autor apresenta a mesclagem como ocorrendo apenas

entre espaços mentais. Entretanto, já em Salomão (1999, apud MIRANDA, 2001), a

mesclagem passa a ser tratada como um fenômeno geral da cognição humana, operando

sobre múltiplos domínios, estáveis ou locais. Em Fauconnier e Turner (2002), é possível

encontrar uma compreensão geral do fenômeno – também denominado de “integração

conceptual”, que chega a ser tratado pelos autores como “uma ótima capacidade mental

que, na sua forma de duplo-escopo mais avançada, deu aos nossos ancestrais

superioridade e, para o melhor e para o pior, fez de nós o que somos hoje”42

(FAUCONNIER e TURNER, 2002, p.V, tradução minha). A isso, os autores

acrescentam que “os produtos da integração conceptual são onipresentes”

(FAUCONNIER e TURNER, 2002, p.V, tradução minha)43

.

42

Original: “a great mental capacity that, in its' most advanced "double-scope" form, gave our ancestors

superiority and, for better and for worse, made us what we are today” (FAUCONNIER e TURNER, 2002,

p.V).

43 Original: “The products of conceptual blending are ubiquitous” (FAUCONNIER e TURNER, 2002,

p.V).

95

Dessa forma, a integração conceptual aparece como fenômeno cognitivo geral.

Os autores, sobre isso, descrevem que:

Como a integração conceitual apresenta tantas aparências diferentes

em diferentes domínios, sua unidade como capacidade geral tinha sido

perdida. Agora, no entanto, a nova disposição dos cientistas cognitivos

para encontrar conexões através dos campos tem revivido o interesse

nos poderes mentais básicos subjacentes produtos dramaticamente

diferentes em diferentes tipos de vida (FAUCONNIER e TURNER,

2002, p.15, tradução minha).44

A mesclagem, tal e como definida por Fauconnier (1997) e Fauconnier e Turner

(2002) se dá através da projeção entre dois domínios-fonte, em função da projeção

parcial de suas contrapartes, ou seja, trata-se de uma projeção interdominial complexa.

Essa projeção só é possível se, entre os domínios, houver estruturas comuns que

permitam sua articulação. Essas estruturas, em geral, mais abstratas que os dois

domínios, se situa em um terceiro espaço, denominado de espaço genérico. Por fim,

surge, então, um espaço-mescla, no qual se projetam parcialmente os dois domínios-

fonte. Essa projeção se dá de forma seletiva e, dela, resultam novos elementos,

formando-se, assim, uma estrutura emergente própria, que é diferente da soma simples

dos dois domínios-fonte.

Figura 1 - Esquema básico de integração conceptual

44

Original: “Because conceptual integration presents so many different appearances in different domains,

its unity as a general capacity had been missed. Now, however, the new disposition of cognitive scientists

to find connections across fields has revived interest in the basic mental powers underlying dramatically

different products in different walks of life” (FAUCONNIER e TURNER, 2002, p.15).

96

Segundo Fauconnier e Turner (2002), a mesclagem envolve três processos

básicos: a identidade, a integração e a imaginação. Segundo os autores, o

reconhecimento de relações de identidade (e de oposição) não seria uma ação inicial

primitiva, mas já seria o produto de um trabalho inconsciente imaginativo complexo.

Dessa forma, a integração deriva do processo de construção de relações de identidades e

de oposições, ocorrendo de maneira despercebida, uma vez que trabalha com

propriedades estruturais e dinâmicas e restrições operacionais bastante elaboradas. Os

autores reforçam ainda que a identidade e a integração não podem ocorrer nos processos

de significação sem o terceiro “I” – o da imaginação, que pode acontecer mesmo sem

estímulos externos, em processos já comumente taxados como “criativos”, mas que

ocorre também mesmo nas mais simples construções de significado – “os produtos da

mesclagem conceptual são sempre imaginativos e criativos” (FAUCONNIER e

TURNER, 2002, p.06, tradução minha)45

.

(...) o trabalho em vários campos converge para a reabilitação da

imaginação como um tema científico fundamental, uma vez que é o

motor central do significado por trás dos eventos mentais mais

comuns. A mente não é um Ciclope; tem mais de um I; tem três46

-

identidade, integração e imaginação - e todos eles trabalham

inextricavelmente juntos (FAUCONNIER e TURNER, 2002, p.15)47

.

Fauconnier e Turner (2002) partem do pressuposto de que a mesclagem surge

da nossa necessidade de manter o que eles chamam de “escala humana”, assim,

podendo tornar, por meio de um processo de compreensão, ideias complexas facilmente

compreendidas e armazenadas em nossa memória: “Nós dividimos o mundo em

entidades a uma escala humana para que possamos manipulá-las em nossas vidas, e essa

divisão do mundo é uma realização imaginativa” (FAUCONNIER e TURNER, 2002,

45

Original: “The products of conceptual blending are always imaginative and creative” (FAUCONNIER

e TURNER, 2002, p.06).

46 Nota de tradução: Aqui, o autor faz um trocadilho em inglês, uma vez que a pronúncia do nome da letra

“i” lembra a palavra “eye” (olho). Assim, ele remete ao personagem da mitologia grega, o Ciclope, que só

tinha um olho.

47 Original: “As we continue to see, work in a number of fields is converging toward the rehabilitation of

imagination as a fundamental scientific topic, since it is the central engine of meaning behind the most

ordinary mental events. The mind is not a Cyclops; it has more than one I; it has three--identity,

integration, and imagination-and they all work inextricably together. Their complex interaction and their

mechanisms are the subject of this book” (FAUCONNIER e TURNER, 2002, p.15).

97

p.8)48. “Um dos benefícios centrais da mesclagem conceptual é sua habilidade de prover

compressões à escala humana de sequências difusas de eventos” (FAUCONNIER e

TURNER, 2002, p.30)49. Assim, essa nossa capacidade de reestruturar diferentes

domínios para criar novas estruturas emergentes nos permitiu, ao longo do

desenvolvimento de nossa espécie, a criação de novas ferramentas, novas tecnologias e

novas maneiras de pensar (FAUCONNIER e TURNER, 2002).

A mesclagem transforma imaginativamente as nossas realidades

humanas mais fundamentais, as partes de nossas vidas mais

profundamente sentidas e mais claramente conseqüentes. Significado

vai muito além do jogo de palavras. Significar vai além de jogar com

as palavras. Significar importa, de maneira que tenha relevância para o

indivíduo, para o grupo social, e para a descendência da espécie

(FAUCONNIER e TURNER, 2002, p.28)50

.

Nesse sentido, aponta Salomão (2003, p.78): “a natureza essencialmente social

da cognição torna imprescindível que disponhamos de âncoras materiais para as

integrações conceptuais, através das quais rompemos as barreiras de nossa

“internalidade” (nossa experiência mental subjetiva)”. Como aponta Gerhardt (2006,

p.02): “uma teoria cognitiva que reconhece a realidade da integração conceptual

compactuará com o significado visto de forma dinâmica, on line e real time”. Isso

porque, ao se trabalhar com a noção de “projeção interdominial”, entende-se que a

mesclagem “manipula elementos presentes na memória de trabalho no continuum da

comunicação” (GERHARDT, 2006a, p.02). Dessa maneira:

Compreende-se que todo evento de linguagem evidencia e deflagra, a

um só tempo, modelos e planos de realidade e de compreensão da

representação linguística, envolvendo conhecimentos sistematizados

de mundo que se articulam via processos cognitivos intra e

interdominiais, e gerando diferentes qualidades de interpretação,

relacionadas às condições pragmáticas de validação de cada

construção linguística (GERHARDT, 2006a, pp.02-03).

48

Original: “We divide the world up into entities at human scale so that we can manipulate them in

human lives, and this division of the world is an imaginative achievement” (FAUCONNIER e TURNER,

2002, p.8).

49 Original: “one of the central benefits of conceptual blending is its ability to provide compressions to

human scale of diffuse arrays of events” (FAUCONNIER e TURNER, 2002, p.28).

50 Original: “Blending imaginatively transforms our most fundamental human realities, the parts of our

lives most deeply felt and most clearly consequential. Meaning goes far beyond word play. Meaning

matters, in ways that have relevance for the individual, the social group, and the descent of the species”.

98

Nesse sentido, a compreensão do papel da integração conceptual na construção

de significados torna-se de grande valia para uma pesquisa como esta preocupada com o

ensino de leitura, posto que leitura é construção de significado. No capítulo 4, será

apresentada mais detalhadamente a concepção de leitura com que trabalharei nesta tese,

entendendo-a como também construída com base em integrações conceptuais.

A integração conceptual aparece também como a chave para a compreensão da

natureza intersubjetival da cognição humana.

Os processos de integração/mesclagem conceptual de que tratamos,

decisivos para a interpretação simbólica e, nestes termos, para a

ordenação de nossa relação com o mundo, encontram a mais nobre de

suas aplicações na constituição da própria cena comunicativa, de que

participamos como pessoas do discurso e na qual radicamos toda a

experiência de percepção, concepção, referenciação e identificação

das coisas (SALOMÃO, 2003, p.80).

Assim, de acordo com Salomão (2003), a própria interação humana só é possível

porque nos mesclamos uns aos outros, em um processo de reflexividade profundo, que,

como apontado anteriormente, radicaliza o dialogismo bakhtiniano. Como se vê na

figura 2, realizamos projeções com base nos domínios conceptuais distintos (as

identidades comunicativas que interagem no discurso), que se integram a partir de um

esquema genérico da ação comunicativa. No espaço-mescla, emerge, então a

redefinição da pessoa como participante no discurso a partir de si e de seu interlocutor.

Figura 2 - Esquema de integração conceptual proposto por Salomão (2003) para a interação humana

99

Para Salomão (2003), no espaço mescla emerge um Interlocutor 1’, porém,

Gerhardt (2006a) acredita que ali emirja também um Interlocutor 2’, na medida em que

havendo mesclagem entre os egos para a configuração do interlocutor,

comunicamo-nos não para um outro, especificamente, mas sim para

uma mescla entre o que somos, ou que pensamos ser, e os outros, ou o

que pensamos sejam os outros, porque projetamos neles expectativas

relacionadas aos resultados de nossa fala. Assim, não vemos as

pessoas tais quais são, mas mescladas às expectativas que

alimentamos sobre elas, as quais, em última instância, somos nós

mesmos, já que estas expectativas são as de que elas se assemelhem a

nós, fazendo o que faríamos numa dada situação (GERHARDT,

2006b, p. 1193).

Por isso, para a autora, “a mescla conceptual entre os sujeitos engajados numa

comunicação seria assim a ação sociocognitiva mais primordial do ser humano, que

fundamenta a sua compressão de significados” (GERHARDT, 2006b, p. 1191), o que,

de maneira aprofundada, reforça a proposta de Fauconnier e Turner (2002):

Essas operações mentais básicas são altamente imaginativas e

produzem nossa consciência de identidade, mesmice e diferença.

Enquadramento, analogia, metáfora, gramática e raciocínio de senso

comum, todos desempenham papel nessa produção não consciente de

reconhecimentos aparentemente simples e atravessam divisões de

disciplina, idade, nível social e grau de especialização. A integração

conceptual, que também chamamos de mesclagem conceitual, é outra

operação mental básica, altamente imaginativa, mas crucial para até

mesmo os tipos mais simples de pensamento (FAUCONNIER e

TURNER, 2002, p.18, tradução minha)51

.

A proposta de Salomão (2003) põe em foco a noção central adotada nesta tese de

que a cognição é distribuída –, neste caso, entre os interactantes que atuam em uma

determinada situação de interação. A ideia de que a cognição é distribuída, na verdade,

já se apresentava nas seções anteriores, uma vez que, desde o início, a visão de cognição

aqui adotada rejeita uma visão modular da mente humana, que encapsularia

determinadas funções cognitivas em regiões do cérebro desconectadas entre si. Na

próxima seção, que encerra este capítulo, desenvolvo, então, especificamente, o

conceito de cognição distribuída, articulando-o às ideias apresentadas anteriormente.

51

Original: “These basic mental operations are highly imaginative and produce our conscious awareness

of identity, sameness, and difference. Framing; analogy, metaphor, grammar, and commonsense

reasoning all play a role in this unconscious production of apparently simple recognitions, and they cut

across divisions of discipline, age, social level, and degree of expertise. Conceptual integration, which we

also call conceptual blending, is another basic mental operation, highly imaginative but crucial to even the

simplest kinds of thought” (FAUCONNIER e TURNER, 2002, p.18).

100

2.6. A cognição é, em resumo, distribuída

Por conta de tudo o que foi dito neste capítulo até aqui – por conta das relações

que se estabelecem entre linguagem, cultura e cognição, por conta do fato de a cognição

ser corporificada, cultural, social e compartilhada intersubjetivamente, porque todas as

nossas experiências são organizadas através de frames individualmente e culturalmente

estabelecidos e porque nossos movimentos de criação dependem da integração

conceptual –, é que se pode dizer que, em resumo, nossa cognição é distribuída. Apesar

disso, tradicionalmente, os estudos em cognição distribuída não têm sido incorporados

com frequência pelos que investigam aspectos da chamada Linguística Cognitiva, talvez

pelo que apontam Miranda e Bernardo (2013, p.95) na citação abaixo:

Dentro da tradição sociocognitivista da Linguística que emoldura este

estudo, é fato que os estudos sobre o discurso - confrontados com os

avanços alcançados, em nível descritivo e explanatório, pelos estudos

da gramática e do léxico - ainda são o nosso patinho feio. Não por

falta de aparato teórico (os fundamentos teórico-analíticos derivados

de uma visão holística sobre forma e significação são um bom

gancho!), mas, acreditamos, por falta de tradição. Assim, os modos de

processamento da significação discursiva ocupam pouco espaço nas

agendas analíticas dos projetos neste paradigma.

Uma vez que aqui trabalho a partir de um norte teórico-ético que busca a

inserção dos estudos em cognição no campo da linguística aplicada, centrando-me no

problema do trabalho escolar (e, portanto, em um uso situado da linguagem) com o

plano inferencial de leitura no ensino de língua espanhola, não posso abrir mão de trazer

a perspectiva distribuída da cognição e cruzá-la com os pressupostos já citados ao longo

deste capítulo – algo que, inclusive, já foi feito mais explicitamente ao problematizar a

visão corporificada da linguagem com base no trabalho de Sinha e Jensen de López

(2000). Tal cruzamento é fundamental, uma vez que

relações entre as pessoas e as coisas são de afetamento mútuo, sem

ponto de partida nem de chegada. Dissociar as pessoas dos objetos e

dos lugares de produção semiótica acabará por, entre outras coisas,

negar às pessoas aquilo que as compõe, porque o ambiente constitui as

pessoas tanto quanto elas os constituem” (GERHARDT, 2013, p.97).

Como aponta Duque (2015), a abordagem distribuída é essencial em qualquer

trabalho em cognição que “considere a intencionalidade e a interação, mediada ou não,

entre agente e ambiente, como crucial para a formação de conceitos e concepções”,

como é exatamente o caso desta tese.

101

Qualquer teoria que separe o agente do ambiente e o agente de outros

agentes está fadada a lidar, não com conceitos, mas com definições

destituídas de qualquer sopro de vida, pois um conceito só pode ser

apreendido e aprendido e compreendido nas relações intersubjetivas

que pavimentam nossos nichos ecológicos (DUQUE, 2015, p.61).

Em relação a isso, Gerhardt (2006, p.1186) diz que “a mente humana elabora e

padroniza universos de experiência enquanto interage com o ambiente externo, e esta

capacidade é o pré-requisito essencial para o desenvolvimento da inteligência e a

aquisição de novos conhecimentos com base em outros já existentes”, rompendo

completamente com a visão de cognição e de inteligência como acúmulo de

conhecimentos. Essa perspectiva se alinha com a visão distribuída da cognição ao

propor uma perspectiva que integra cérebro, corpo e ambiente. Nesse sentido, negam-se

visões modularistas e computacionais, que, por enfatizarem apenas os processos já

produzidos e ignorarem as condições de produção de tais processos, acabam não

oferecendo aparatos conceituais para observar o ambiente como variável estruturante da

cognição (GERHARDT, 2014; HUTCHINS, 2000) – algo que não pode ser ignorado

em pesquisas sobre o ensino, sobre a escola, sobre a sala de aula.

Com base nos estudos em cognição distribuída, a cognição humana é entendida,

então, como não restrita aos limites do cérebro, nem aos do corpo, mas sim como

distribuída (ou estendida) pelo ambiente. Portanto, para além do nosso processo de

interação corpórea com o mundo, as outras pessoas, os artefatos e as tecnologias

também formam parte da nossa cognição, ao interagirmos com elas em uma

determinada situação. Assim, parte-se do pressuposto de que a mente humana também é

constituída por esses elementos, uma vez que eles transformam, aumentam e/ou

possibilitam atividades cognitivas variadas, que, sem eles, não poderiam ser feitas

(GERHARDT, 2014; HUTCHINS, 2000; ZANGH e PATEL, 2008). Como explica

Hutchins (2000, p.01): “a cognição distribuída procura uma categoria mais ampla de

eventos cognitivos e não espera que todos esses eventos sejam abrangidos pela pele ou

pelo crânio de um indivíduo”52

.

Assim, entende-se que a mente e a atividade cognitiva se distribui entre pessoas,

artefatos externos e o ambiente, além de se distribuir também através do espaço e do

tempo, de forma que eventos anteriores podem transformar a natureza de eventos

52

Original: “distributed cognition looks for a broader class of cognitive events and does not expect all

such events to be encompassed by the skin or skull of an individual”.

102

posteriores (ZANGH e PATEL, 2008; HUTCHINS, 2000). Segundo Hutchins (2000),

os estudos em cognição distribuída começam a se construir como campo no meio dos

anos 80, após a divulgação dos trabalhos de Vygotsky, Minsky e Rumelhart et al. Em

seu texto, o autor traz uma série de trabalhos de diferentes vertentes teóricas que, ao

pesquisarem o comportamento de grupos, demonstram que “as propriedades cognitivas

de um grupo podem diferir das propriedades cognitivas dos membros do grupo”

(HUTCHINS, 2000, p.4, tradução minha)53

.

Dessa maneira, sob essa concepção, a inteligência é vista como derivada de

interações com artefatos cognitivos externos e com outras pessoas. A unidade de análise

passa a ser um sistema cognitivo distribuído composto por um grupo de pessoas

interagindo com artefatos cognitivos externos, uma vez que as atividades das pessoas se

dão em situações concretas e são guiadas, restringidas e determinadas pelos contextos

físicos, culturais e sociais em que se situam (ZANGH e PATEL, 2008). Dessa forma, a

noção de cognição distribuída torna-se fundamental para se pensar a aprendizagem – e,

consequentemente, o ensino – que se desenvolve na escola.

Algo semelhante fora proposto por Fauconnier e Turner (2002) quando

estabeleceram o conceito de integração conceptual como fenômeno geral. Tal fenômeno

ocorre, segundo os autores, também de forma distribuída:

A mesclagem não acontece on-line a partir do zero. Culturas

trabalham duro para desenvolver recursos de integração que podem

ser entregues com relativa facilidade. (...) Nas práticas culturais, a

cultura pode já ter desenvolvido uma mesclagem a um nível grande da

especificidade para inputs específicos, de modo que toda a rede da

integração esteja disponível, com todas suas projeções e elaborações.

(...) Os princípios de otimalidade que governam cérebros individuais

operando on-line também se aplicam a comunidades de cérebros

trabalhando juntas de forma distribuída para chegar a redes

compartilhadas adequadas (FAUCONNIER e TURNER, 2002, p.72,

tradução minha).54

53

Original: “that the cognitive properties of a group can differ from the cognitive properties of the

members of the group” (HUTCHINS, 2000, p.4).

54 Original: “But blending does not happen on-line from scratch. Cultures work hard to develop

integration resources that can then be handed on with relative ease. (...) In cultural practices, the culture

may already have run a blend to a great level of specificity for specific inputs, so that the entire

integration network is available, with all of its projections and elaborations. (...) The optimality principles

that govern individual brains operating on-line also apply to communities of brains working together in a

distributed fashion to come up with suitable shared networks” (FAUCONNIER e TURNER, 2002, p.72).

103

Entretanto, é preciso esclarecer que a adoção de uma perspectiva essencialmente

distribuída sobre a cognição humana amplia o escopo dos estudos anteriormente citados

sobre a mente corporificada, posto que, segundo Hutchins (2000), os estudos em

cognição distribuída se distinguem por dois princípios teóricos relacionados: os limites

para a unidade de análise da cognição humana e o alcance dos mecanismos que podem

ser assumidos como participantes dos processos cognitivos estudados. Como aponta

Gerhardt (2014), em sua maioria, os estudos sobre a cognição corporificada, apesar de

retirarem o foco de um possível mundo objetivo e colocarem-no sobre as experiências

cotidianas das pessoas, ainda colocam sobre si um ponto de vista de um observador “de

fora”:

Isso ocorre porque os estudos que assumem a cognição corporificada

não assumem também a corporalidade situada, isto é, uma

corporalidade imersa e articulada às forças do ambiente, com seus

objetos, intersubjetividades e normatividades. (...) a ideia de um

cenário é levada em conta (...), mas este cenário nunca inclui a própria

pessoa como um componente estruturador dos acontecimentos que ali

se dão, (...) o corpo não é contínuo às coisas (GERHARDT, 2014,

p.5).

Assim, uma vez que a cognição é vista como partilhada, ela é igualmente vista

como normatizada, sendo estruturada por regulações internas, mas também por

regulações funcionais externas, no sentido de que as ações cognitivas precisam estar

adequadas a um maior ou menor grau de institucionalização a depender de onde a

pessoa se encontra, o que, por sua vez, está profundamente relacionado ao fato de

sermos intersujeitos (GERHARDT, 2014). Essa forma de entender a cognição humana

faz com que, por exemplo, ao olharmos para o que o aluno (ou o que o professor) faz

em sala de aula, para como pensa, para o que diz ao desenvolver suas tarefas etc,

tenhamos que olhar também para o que normatiza, em termos institucionais, todas essas

ações.

De acordo com os estudos em cognição distribuída, entende-se que nós apenas

acionamos nossos processos cognitivos a partir da identificação de um problema, o que

nos demanda determinadas ações e determinados pensamentos, vistos como integrados.

Essas ações e pensamentos nos levam a observar o ambiente e nele perceber certos

aspectos e artefatos como possíveis extensores de nossas possibilidades cognitivas

(GERHARDT, 2014). Esses processos podem estar envolvidos em diferentes atividades

cognitivas, como a memória, a inferência, a tomada de decisões, o raciocínio, o

104

aprendizado, etc. (HUTCHINS, 2000). Assim, podemos usar uma calculadora para fazer

uma conta, um lápis e um papel para anotarmos uma lista de coisas passíveis de

esquecimento ou mesmo o diálogo com outra pessoa para nos ajudar a pensar, etc.

Nesse sentido, é interessante observar que a própria identificação de um problema só

ocorre mediante alguma ação “externa” ao indivíduo, ou seja, ela acontece no ambiente

e faz com que o indivíduo dele se utilize para transformá-la (GERHARDT, 2014).

Sobre isso, Hutchins (2000) afirma que o potencial do ambiente material para

auxiliar a memória já é amplamente reconhecido, do mesmo modo que a noção de que

os artefatos cognitivos ampliam nossa cognição já é lugar comum. Entretanto, o autor

ressalta que o ambiente pode ser mais do que um recurso de memória ou um

amplificador da nossa cognição. Para ele, a atividade cognitiva pode estar situada no

mundo material de tal forma que o ambiente atua como um meio computacional, com

seus artefatos cognitivos fazendo-nos mais inteligentes por usarmos uma série de

habilidades diferentes das que usaríamos sem eles.

Dessa maneira, entende-se que o cérebro, o corpo e o ambiente possuem a

mesma importância no desenvolvimento dos processos cognitivos. Assim, a mente é

vista como um processo, uma vez que nenhum desses elementos seria dado

preeminentemente à sua própria construção para o desenvolvimento das ações

realizadas em função do problema identificado. Nesse sentido, “cada ato de pensar

torna-se único, porque formulado por uma pessoa com uma vivência única, e articulado

estruturalmente ao contexto em que ela se encontra num dado momento”

(GERHARDT, 2014, p.11), o que marca claramente a situatividade da cognição

humana, uma vez que suas ações se dão sempre em um contexto situacional específico

(SINHA, 1999; KIRSHNER e WHITSON, 2009).

Com base nos trabalhos de Hutchins, Salomão (2003) entende que a invenção e

o uso de qualquer artefato se dá por conta de complexos processos de mesclagem

conceptual. Assim, a autora postula que os processos de distribuição da mente humana

só são possíveis por conta de sermos capazes de desenvolver integrações conceptuais.

Além disso, afirma a autora que “todos estes fatos nos levam a concluir pela inequívoca

materialidade da vida simbólica, ou, dito de outro modo, pela inescapável

semiologização da vida material” (SALOMÃO, 2003, p.79), rompendo definitivamente

com o “dualismo espírito/matéria” e refletindo “o caráter eminentemente social da

cognição”.

105

Assim, diz Hutchins (2000): “(...) Um grupo social é um sistema

cognitivo com propriedades distintas daquelas apresentadas pelos

indivíduos que o compõem. (...)”. Na verdade, na medida em que cada

um dos sujeitos, que participa deste grupo, adquire, pela

aprendizagem, o conjunto de representações das experiências das

gerações precedentes, na forma de um acervo de modelos culturais,

este indivíduo passa a ter acesso a uma base de dados que seria

incapaz de constituir no decurso de sua vida pessoal. Neste sentido, o

conhecimento, como o próprio Hutchins proclama, além de ser uma

condição psicológica, é a maior de todas as realizações sociais. Na

mesma linha, é possível afirmar que cultura é cognição distribuída. O

tratamento da cognição como rede social e o reconhecimento da

dimensão material da experiência cognitiva impelem-nos, no mesmo

movimento, a abandonar duas dicotomias fundadoras da Razão no

Ocidente: o dualismo corpo/mente e a distinção sujeito/objeto

(SALOMÃO, 2003, p.80).

Como esclarecem Zhang e Patel (2008), um sistema distribuído pode ter

propriedades cognitivas que diferem radicalmente das propriedades cognitivas de seus

componentes, e, por isso, estas propriedades não podem ser inferidas a partir das

propriedades dos componentes isoladamente. Por isso, os autores denominam os

componentes que integram um sistema cognitivo distribuído de “representações internas

e externas”: “O comportamento de um sistema cognitivo distribuído é geralmente

suficiente para entender como informação e conhecimento são distribuídos e

propagados através dos vários componentes do sistema distribuído” (ZHANG e

PATEL, 2008, p.138, tradução minha)55

. De igual maneira, as interações entre os

indivíduos produzem propriedades que emergem no grupo e que não podem ser

reduzidas às propriedades dos indivíduos: “nesta visão, para entender o comportamento

do grupo, precisamos examinar não apenas as propriedades dos indivíduos, mas também

as interações entre os indivíduos” (ZANGH e PATEL, 2008, p.139, tradução minha)56

.

Dentro dessa abordagem, um conceito fundamental é o conceito de affordance.

O termo, original do inglês, foi fundado por Gibbson (1986, apud DUQUE, 2015) a

partir do verbo to afford (fornecer). Segundo Duque (2015), o autor deu significado

próprio ao termo, que

55

Original: “the behavior of a distributed cognitive system it is usually sufficient to understand how

information and knowledge are distributed and propagated across the various components of the

distributed system” (ZHANG e PATEL, 2008, p.138).

56 Original: “the interactions among the individuals can produce emergent group properties that cannot be

reduced to the properties of the individuals. In this view, to study group behavior, we need to examine not

only the properties of individuals but also the interactions among the individuals” (ZHANG e PATEL,

2008, p.139).

106

passou a designar as possibilidades oferecidas pelo ambiente a um

agente particular. Nesse sentido, superfícies possibilitam locomoção,

alguns objetos possibilitam manuseio e alguns animais possibilitam

interação. Assim, quando um agente percebe superfícies, objetos e

animais, ele percebe affordances (DUQUE, 2015, p.57).

Segundo Zhang e Patel (2008), affordances são ações permitidas especificadas

pelo ambiente acopladas às propriedades do organismo. Podem ser consideradas como

representações distribuídas estendidas através do ambiente e do organismo. Segundo os

autores, as estruturas e as informações presentes no ambiente especificam o espaço da

representação externa e as estruturas físicas do organismo – as estruturas e mecanismos

das faculdades biológicas, perceptivas e cognitivas internas – especificam o espaço da

representação interna. Essas duas representações, de maneira integrada, especificam o

espaço da representação distribuída, que é o espaço de affordance. As affordances

representariam, assim, a disjunção das restrições e a conjunção das ações permitidas dos

dois espaços que se integram. Os autores apresentam o esquema abaixo e é interessante

observar como ele se assemelha ao esquema de integração conceptual de Fauconnier e

Turner, apresentado anteriormente.

Figura 3 - Esquema de construção de affordances, definido por Zangh e Patel (2008)

107

A partir do esquema de Zangh e Patel (2008), Gerhardt (2012) propõe então que

efetivamente a construção de affordances seja vista como um processo de integração

conceptual entre nós e as coisas, ou entre as representações internas e as representações

externas, como se pode ver na figura 4:

Figura 4 - Esquema de integração conceptual proposto por Gerhardt (2012) para a identificação de

affordances

Sob essa ótica, as representações externas deixam de ser vistas como meros

inputs e estímulos às representações internas, uma vez que, para muitas tarefas, as

representações externas atuam como componentes intrínsecos a elas (ZHANG e

PATEL, 2008). Assim, entende-se que as affordances não estão nem nas coisas nem em

nós (GERHARDT, 2012), mas em nossa integração com elas e, por isso, guiam também

nosso processo de construção de sentidos: “A externalidade destas formas simbólicas

que se afiguram “coisas” tem a finalidade de construir nossa condição de pertinência a

um grupo social específico, o qual, em condições históricas assemelhadas, faz sentido –

o mais coletivo de todos os modos de produção” (SALOMÃO, 2003, p.80). Aqui, é

interessante citar que Fauconnier e Turner (2002, p.21, tradução minha) também

apontaram o papel fundamental das affordances em nossa cognição: “A criação de

108

mesclagens também é guiada por affordances do mundo real, incluindo a física e a

biofísica”57

.

Para isso, como apontam Zhang e Pathel (2008), as pessoas precisam integrar, de

maneira dinâmica, a informação percebida das representações externas e a informação

recuperada das representações internas. Desse modo, é interessante observar que em

trabalhos como os de Vigostski (2008) e de Sinha (1999), os objetos materiais também

aparecem como mediadores semióticos do desenvolvimento cognitivo do aprendiz

(SINHA, 1999; VIGOSTSKI, 2008), atuando como elementos que também contribuem

para o posicionamento do aprendiz em determinada prática discursiva de aprendizagem

(SINHA, 1999).

Nesse sentido, não podemos esquecer os aspectos institucionais que envolvem a

construção de affordances em um determinado ambiente. Assim, essa construção, como

toda nossa cognição, também é atravessada pelas relações institucionais e normatizadas

que se dão em um certo espaço, pela macro e pela microcultura que definem essas

relações, pela história dos objetos e das pessoas que compõem esse espaço, etc. Tais

aspectos serão essenciais para pensarmos, por exemplo, o papel do livro didático nesta

tese, especialmente em relação à sua história e a seu uso em sala de aula.

Além disso, é essencial entender o papel da linguagem nesse processo, uma vez

que, sob nossa perspectiva, cognição e linguagem não existem autonomamente, assim, a

linguagem também passa a ser abordada como distribuída:

Integrados ao ecossistema, gerenciamos inputs, percebemos,

reconhecemos e associamos entidades em tempo real e, assim,

aliviamos nossas memórias. Nesse sentido, a cognição se distribui por

todo o ecossistema. Essa cognição distribuída, dinâmica e complexa, é

organizada graças à linguagem, que estabelece a conexão entre

pessoas em si e entre pessoas, recursos ecológicos e tradições

(DUQUE, 2015, p.55-56).

Como afirma Hutchins (2000), a linguagem de nosso grupo social é usada para

descrever o que acontece em nossas mentes, o que é uma evidência da natureza

distribuída da cognição humana. Nesse sentido, aponta Duque (2015, p.76) que “da

mesma forma que a linguagem não é uma concatenação de palavras, o significado não é

uma concatenação de affordances”. Nas trocas comunicativas, a identificação de

57

Original: “The creation of blends is guided by cognitive pressures and principles, but in the case of

skiing it is also guided by real-world affordances, including biophysics and physics” (FAUCONNIER e

TURNER, 2002, p.21).

109

affordances é essencial para a compreensão de enunciados, já que não é possível

construir o significado fora da interação (DUQUE, 2015). Assim, as affordances

precisariam ser sempre combinadas em padrões coerentes que se sustentem em um

evento, uma vez que identificar as affordances de “objetos linguisticamente já

indexados pressupõe que todas as possibilidades de interação de um indivíduo com

esses objetos refletem diversas maneiras de interagir (e diversas intenções de interação)

com esses objetos num dado espaço e num dado momento” (DUQUE, 2015, p.63).

De acordo com a Hipótese Indexical, adaptada aqui de Glenberg &

Robertson (1999), a compreensão linguisticamente guiada aciona a

simulação da ação e do deslocamento físico por meio de três

procedimentos: 1) palavras e expressões linguísticas mais amplas são

indexadas a corpos físicos do ambiente de entorno ou à imagética

desses corpos, quando estes não estão presentes; 2) dos corpos físicos

do ambiente, extraímos affordances; e 3) as affordances (e não as

palavras) restringem a maneira como as idéias podem ser

coerentemente combinadas (DUQUE, 2015, p.57).

Além disso, outro conceito fundamental, uma vez que esses processos são vistos

sempre como situados, é o conceito de “nicho cognitivo”, que pode ser definido como

“um locus onde as pessoas pensam e agem de forma situada, e relativamente ao qual

elas constroem suas intersubjetividades” (GERHARDT, 2014, p.12) ou como “um

ambiente dinâmico em que as ações modificam o comportamento do cognizador e

também as características e propriedades do ambiente, incluindo tudo o que pode ser

percebido nele” (GERHARDT, 2012, p.3, tradução minha)58

.

Dessa maneira, esse conceito permite a compreensão dos processos cognitivos

efetivamente construídos intersubjetivamente, uma vez que se pode observar o processo

de construção de significados, observando-se, ao mesmo tempo, as regulações internas e

externas de comportamento, os padrões institucionais de construção do conhecimento, o

relacionamento com outras pessoas, etc. (GERHARDT, 2014). Assim, podem-se

observar as negociações intersubjetivais, os cruzamentos normativos e as possibilidades

de ressemiotização para a resolução de problemas de sentido, bem como a recriação de

sentidos (GERHARDT, 2012).

58 Original: “a dynamic setting where cognitive actions modify the cognizer’s behavior and also the

environment features and properties, including everything which can be perceived in there”

(GERHARDT, 2012, p.3).

110

Segundo Gerhardt (2014), a adoção do nicho cognitivo como elemento

estruturador da cognição permite identificar e descrever, de uma só vez, sua natureza

local e seus atributos intersubjetivos e normatizados:

a. Sua natureza local diz respeito ao fato de que o reconhecimento

de um determinado espaço como nicho cognitivo articula-se

intimamente com o reconhecimento dos artefatos materiais e

simbólicos de um dado ambiente como elementos propiciadores e

desencadeadores das ações cognitivas pretendidas e realizadas naquele

espaço.

b. Sua constituição intersubjetiva relaciona-se às pessoas que

constroem, participam de e têm as suas formas de cognição

organizadas relativamente ao nicho. Essas pessoas assumem entre si, e

em condições de ação conjunta, formas de cognição baseadas no

nicho, bem como nos problemas que justificam sua existência, e nos

objetivos de ação e cognição específicas àquele espaço (Carassa et al.

2008).

c. Seus elementos de regulação normativa, que podem se

apresentar em âmbito mais ou menos institucional, afetam e

estruturam os comportamentos cognitivos das pessoas e suas

construções de significado (GERHARDT, 2014, p.15).

Dessa maneira, podem-se ressaltar as contribuições dessa perspectiva para a

pesquisa em ensino, preocupada com a compreensão e com a transformação da escola

brasileira. Como explica Hutchins (2000), a visão "clássica" da cognição foi sendo

construída de dentro para fora, com: a) a mente sendo vista como um motor de lógica

central, b) a memória sendo vista como simples recuperação de uma base simbólica de

dados armazenados, c) com a resolução de problemas sendo vista como uma forma de

inferência lógica, d) com o ambiente sendo entendido como um mero domínio problema

e e) com o corpo sendo visto apenas como um dispositivo de entrada. Entretanto, sob a

ótica dos estudos em cognição distribuída é possível reconstruir os estudos em cognição

de fora para dentro, reintegrando cultura, contexto e história aos seus conceitos centrais,

e partindo da configuração social e material da atividade cognitiva.

Essa possibilidade é essencial em um trabalho que, como este, pretende

compreender os processos de aprendizagem da leitura que se desenvolvem em um

ambiente altamente institucionalizado como é a escola brasileira, que carrega consigo

uma história e uma cultura, que projetam possibilidades de intersubjetividades,

normatividades e restringem e permitem a construção de umas affordances e não de

outras. Como aponta Gerhardt (2012, p.16, tradução minha):

A principal vantagem que esta perspectiva pode trazer reside na

epígrafe deste texto: quanto mais procuramos entender o que é a

cognição, em contextos reais de ação cognitiva, e quanto mais

111

incorporarmos à Ciência Cognitiva a evidência de que nossa relação

com o mundo é intercambiada com nossas maneiras de pensar, mais

perto nos encontramos de nós mesmos para, em última análise,

entender quem somos.59

No próximo capítulo, então, adentro especificamente o campo da escola

brasileira, de forma a ir adentrando mais aprofundadamente no meu objeto central nesta

tese – o trabalho com o plano inferencial de leitura em livros didáticos de espanhol. Para

isso, incorporo a esta tese o conceito de “políticas cognitivas”, cunhado por Kastrup

(2005) e o aplico à compreensão da trajetória que o ensino de espanhol construiu na

escola brasileira, em paralelo à busca pela compreensão do papel que o livro didático foi

assumindo dentro das relações que se instauram em sala de aula. Acredito que essa

discussão seja essencial para, mais adiante, adentrarmos no campo do ensino de leitura.

59

Original: “The best advantage that this perspective can bring lies in the epigraph of this text: the more

we search to understand what cognition is, in real contexts of cognitive action, and the more we

incorporate to Cognitive Science the evidence that our relationship with the world is interchanged with

our ways of thinking, the closer we find ourselves to understand who we are, ultimately” (GERHARDT,

2012, p.16).

112

CAPÍTULO 3: POLÍTICAS COGNITIVAS, LIVROS DIDÁTICOS E ENSINO

DE ESPANHOL NA ESCOLA BRASILEIRA

Neste capítulo, trago para a discussão proposta por esta tese o conceito de

Políticas Cognitivas, fundado por Kastrup (2005) e discutido ainda muito timidamente

em pesquisas sobre o ensino. Considero que o conceito de políticas cognitivas possa

contribuir para pesquisas que, como esta, estão preocupadas em compreender a

realidade escolar brasileira do século XXI e embasar discussões que proponham

caminhos alternativos para ela. Dessa maneira, especificamente nesta tese e, mais

especificamente ainda neste capítulo, busco cruzar este conceito à trajetória na escola

brasileira dos objetos centrais desta pesquisa: o ensino de língua espanhola e o livro

didático, em especial, o de língua estrangeira.

É importante ressaltar aqui que o conceito de políticas cognitivas se originou,

nos trabalhos de Virgínia Kastrup e seu grupo de estudos, a partir de um aporte teórico

não diretamente relacionado aos construtos teóricos que foram trazidos anteriormente

para esta tese. Entretanto, tais pressupostos não se negam; apenas representam caminhos

diferentes que, neste momento, estão sendo cruzados pela primeira vez. Além disso,

neste capítulo, preparo definitivamente o terreno para a discussão a que se propõe esta

tese, contextualizando o cenário em que se encontra o problema central aqui trazido – o

trabalho com o plano inferencial de leitura nos livros didáticos de espanhol para a

educação básica.

Por isso, intercalando políticas cognitivas, políticas educacionais e políticas

linguísticas, após definir a visão de aprendizagem com a qual me coaduno, trago nas

seções seguintes, respectivamente e brevemente, a história do ensino de espanhol e a

trajetória do livro didático e, em especial, do livro didático de língua estrangeira, na

escola brasileira. Acredito que assim é possível entender melhor o panorama histórico

recente de que tratarei mais adiante, na análise do trabalho desenvolvido por livros de

espanhol produzidos entre 2004 e 2012, uma vez que nesse panorama recente também

se fazem presentes as histórias desses objetos e suas interseções.

3.1. Visões de aprendizagem e a aprendizagem integrativa

113

Como pressuposto básico, entendo que não é possível falar em ensino e em

ensino escolar sem que se considerem perspectivas teóricas dedicadas à compreensão da

aprendizagem, uma vez que, como bem salienta Kastrup (2005, p.1274), “o modo como

ela [a aprendizagem] é entendida implica diretamente a maneira como concebemos o

processo de ensino/aprendizagem”. Falar de aprendizagem, entretanto, não é tarefa

simples, tampouco é tratar de unanimidades. Dentro das perspectivas teóricas que

tratam dessa questão, diversas são as visões apresentadas e, fora delas, no senso comum,

nas diferentes mídias e nos discursos de profissionais da educação e de estudantes,

tantas outras se apresentam. Fala-se, por exemplo, em estilos de aprendizagem,

aprendizagens múltiplas, ensino-aprendizagem e desaprendizagem sem que se defina a

visão de aprendizagem adotada e as bases que ela carrega consigo para que esses e

outros termos sejam adotados. De igual maneira, propõem-se teorias e práticas sobre o

ensino sem que se pense, porém, no que é aprender, para, a partir daí, poder se pensar

em como alguém pode ajudar alguém a aprender mais e melhor.

Entretanto, ainda que não se explicitem visões de aprendizagem, ao se falar

sobre ensino ou ao se ensinar, seja em um ambiente escolar seja em qualquer outro

espaço, visões de aprendizagem são construídas, são apresentadas e são igualmente

ensinadas. Além disso, tais visões, bem como as visões sobre a linguagem,

simultaneamente, ajudam a definir e são definidas por visões de cognição e,

consequentemente, visões de ser humano, sendo, portanto, essa também uma escolha

ético-teórica, mesmo quando negada ou invisibilizada.

Dentro das diferentes correntes teóricas que tratam do tema, destaca-se,

inclusive nos diversos discursos sobre educação, a oposição que se construiu entre os

estudos de Piaget e Vygotsky, em um tempo em que o behaviorismo já estava eliminado

dos discursos sobre a aprendizagem humana. Nessa oposição, regularmente, Vygotsky

aparece como oferecendo, através de sua teoria, melhores contribuições para o ensino na

escola, uma vez que ele consideraria as condições sociais ignoradas por Piaget.

Entretanto, um estudo mais aprofundado de ambas as teorias, sem um olhar pré-

concebido sobre elas, pode revelar que elas se distanciam em alguns pressupostos, mas

se aproximam em outros. Nesse sentido, podem se complementar e serem

complementadas por perspectivas mais atuais sobre o que é a aprendizagem, como

proponho nesta seção.

114

Como apontam Moura e Corrêa (1997, p.83), os estudos de Piaget se orientam

para a compreensão da gênese do conhecimento: “para ele as estruturas cognitivas que

caracterizam o sujeito do conhecimento não são aprendidas ou apreendidas através do

contato com o meio, nem dadas a priori ou determinadas geneticamente. São, isto sim,

construídas por um sujeito ativo em interação com esse meio”. Assim, tal como os

pressupostos defendidos no capítulo anterior, para Piaget, a base do processo de

construção do conhecimento é a ação do sujeito sobre o ambiente, sendo hereditárias

apenas nossas capacidades cognitivas de adaptação e de organização. Nossa

inteligência, então, se constrói, sob sua visão, em um processo de continuidade entre

ações biologicamente programadas e processos construídos por nossa interação com o

ambiente (MOURA e CORRÊA, 1997).

Dentro desse processo, é interessante observar que, para o pesquisador, as

estruturas mentais tendem sempre a um equilíbrio – que, é bom ressaltar, não é inato,

mas construído. Dessa forma, nossos processos de aprendizagem, que são a base do

processo de adaptação, ocorreriam por um princípio de autorregulação a partir de dois

componentes complementares: a assimilação e a acomodação.

A assimilação consiste na integração de elementos novos aos

esquemas ou estruturas já existentes, e a acomodação consiste na

adequação do funcionamento do organismo às características novas e

diferentes do ambiente. É importante ressaltar que acomodação e

assimilação podem ser caracterizadas como duas faces de uma mesma

moeda, no sentido de que a adequação do organismo às características

novas do ambiente ocorre por exigência da própria assimilação. Na

tentativa do organismo de incorporar os elementos do ambiente às

suas estruturas, faz-se necessária a modificação destas mesmas

estruturas visando uma maior eficácia do processo de assimilação. A

coordenação entre assimilação e acomodação é possível por meio da

equilibração (...), vista como majorante, não levando a uma

homeostase estática, mas à criação de novas estruturas a partir das

anteriores (...) (MOURA e CORRÊA, 1997, p.90).

Além disso, para Piaget, a abstração ocupa um lugar central, uma vez que ela é

que permitiria a construção de novas organizações a partir das ações, criando-se uma

espécie de percurso em que “cada nova forma de organização é vista como abstração de

organizações mais simples” (MOURA e CORRÊA, 1997, p.91). Por isso, a teoria de

Piaget é muito marcada – e igualmente criticada – pelas etapas de desenvolvimento da

cognição humana. Outra crítica relevante se relaciona ao fato de que estudos mais

recentes, principalmente os que observam a cognição de forma situada, têm

115

demonstrado que há uma maior influência dos fatores contextuais (micro e macro) do

que a teoria de Piaget prevê.

Vygostky, por sua vez, entende que o desenvolvimento cognitivo se dá pelo

processo de socialização, e que a aprendizagem, portanto, é social e leva ao

desenvolvimento humano. Como seu foco está no que ele chama de funções

psicológicas superiores, e, em seu trabalho, apresenta uma busca por separar a cognição

humana da de outros animais, o pesquisador atribui um papel dominante à experiência

social no desenvolvimento humano. Assim, para ele, o uso de instrumentos pelo homem

e o desenvolvimento da linguagem, socialmente construídos em um processo de

internalização, alteram as estruturas internas das nossas operações intelectuais enquanto

somos crianças (VYGOTSKY, 1991).

Para Vygostky (1991, p.21), então, a maturação não é passiva, sendo, “um fator

secundário no desenvolvimento das formas típicas e mais complexas do comportamento

humano”. As mudanças cognitivas ocorridas durante o processo de desenvolvimento

humano, para ele, são sempre complexas e qualitativas, alterando nossas formas de

comportamento e as estruturas internas das nossas operações intelectuais. Assim, a

linguagem, para ele, atua no desenvolvimento de uma nova organização da estruturação

prática, e o aprendizado vai se dar sempre por meio de um processo de internalização de

experiências sociais que se realizam repetidamente e de maneira mediada, através do

uso dos signos e dos instrumentos, que são separados no desenvolvimento cultural das

crianças, mas se ligam mutuamente (VYGOTSKY, 1991).

Dessa forma, a mediação é tomada como base para o desenvolvimento do que

ele chama de processos psicológicos superiores, e a chamada zona de desenvolvimento

proximal vai adquirir um destaque essencial em sua teoria. Através dela, o pesquisador

defende que não se pode resumir a pesquisa sobre o aprendizado e o desenvolvimento a

níveis específicos, ainda que eles existam, uma vez que as nossas capacidades

cognitivas dependem da articulação entre aquilo que efetivamente podemos realizar

sozinhos (nosso nível real de desenvolvimento) e o que podemos fazer com a ajuda do

outro (a zona de desenvolvimento proximal) (VYGOTSKY, 1991).

Nesse sentido, é importante destacar que, como apontam Cole e Scribner, no

prefácio de A formação social da mente (1991), Vygotsky foi o “primeiro psicólogo

moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte da natureza de

cada pessoa” (VYGOSTKY, 1991, p.7). Ao mesmo tempo, “ao insistir em que as

116

funções psicológicas são um produto da atividade cerebral, tornou-se um dos primeiros

defensores da associação da psicologia cognitiva experimental com a neurologia e a

fisiologia” (VYGOSTKY, 1991, p.7). Pode-se dizer, assim, que a zona de

desenvolvimento proximal é um dos primeiros achados da psicologia moderna que

apontam para o fato de que a cognição é distribuída.

Como aponta Gerhardt (2010, p.247), “em virtude dos trabalhos de Jean Piaget

não discutirem os efeitos do aprendizado no desenvolvimento cognitivo, os estudos

interessados especificamente nas relações entre cognição e escolarização têm assumido

as ideias de Lev Vygotsky como orientação teórico-epistemológica”. Ainda assim,

longe das disputas travadas entre seus seguidores, é possível, como faz Tomasello

(1996), conciliar ambas as perspectivas, não apenas para que se cruzem os conceitos

definidos pelos dois pesquisadores, mas para que, através dessa integração, eles também

sejam ampliados a partir da inclusão de novas perspectivas em seus estudos.

Assim, tomando Piaget como um pesquisador dedicado à compreensão do

funcionamento interno do desenvolvimento cognitivo humano e Vygotsky como um

pesquisador dedicado à compreensão da relação entre a socialização e o

desenvolvimento, Tomasello (1996, p.275, tradução minha), ao abordar especificamente

o tema da aquisição da linguagem, defende que:

Seguindo suas pistas, conseguimos apreciar em alguns detalhes como

é que as habilidades cognitivas das crianças e o contexto cultural

dentro do qual elas se desenvolvem interagem para permitir a

aquisição da linguagem. Pode-se argumentar que, na verdade, a

maioria dos nossos avanços no estudo da aquisição de linguagem se

deu por estarmos sobre os ombros desses dois gigantes. Porém, dessa

perspectiva elevada, podemos também ver coisas que eles não viram -

observações mais detalhadas, em consonância com suas teorias, e uma

nova apreciação do papel da cognição social precoce na aquisição da

linguagem. O fato de termos usado as idéias de Piaget e Vygotsky

para ir mais longe do que eles foram capazes de ir por si só serve para

destacar a generatividade que está latente nessas duas mais poderosas

teorias do desenvolvimento60

.

60 Original: “Following their leads, we have come to appreciate in some detail how it is that children's

cognitive skills and the cultural context within which they develop interact to enable language acquisition.

An argument can be made that in fact the majority of our advances in the study of language acquisition

have come as we stand on the shoulders of these two giants. From that lofty perspective, however, we can

also see things they did not see - both more detailed observations consonant with their theories and a new

appreciation for the role of early social cognition in the acquisition of language. The fact that we have

used Piaget's and Vygotsky's ideas to go further than they were able to go by themselves serves to

highlight the generativity that is latent in these two most powerful of developmental theories”

(TOMASELLO, 1996, p.275).

117

Aqui, parto do pressuposto de que a conclusão a que chega Tomasello (1996)

vale também para os estudos sobre a aprendizagem – e sobre o ensino. Portanto, é

possível articular ambas as visões entre si, e entre elas e os conceitos apresentados no

capítulo anterior. Pode-se, dessa maneira, prosseguir nessa discussão e ao mesmo tempo

ampliá-la. Sobre essa articulação, Tedesco (2015) reorganiza o domínio das diferentes

teorias que compõem os chamados estudos em linguagem, tomando a relação entre o

signo e o não signo como referência. Nessa reorganização, inclui Piaget e Vygotsky

dentro de um mesmo grupo, revelando mais semelhanças do que oposições em suas

concepções.

A autora organiza seu mapeamento de concepções teóricas em dois grupos:

Um deles representa o modo de pensar dominante desde o início do

século. Ele dispensa ao objeto um tratamento orientado pelo enfoque

formal no qual, através de um processo de depuração das contigências

empíricas, faz ressaltar o caráter geral da linguagem, sua

homegeneidade e cristalização temporal. (...) O outro setor do campo,

que começa a ganhar mais expressão a cada dia, acentua o aspecto

pragmático, heterogêneo e sempre provisório da linguagem

(TEDESCO, 2015, pp.23-24).

Sob essa ótica, então, tanto Vygotsky como Piaget tratam a linguagem como

representação: “a linguagem é definida como um sistema de sinalizadores que apontam

para a realidade da qual não participam e sobre a qual não possuem intervenção (...). À

linguagem cabe apenas representar objetos ou situações e transmitir informações”

(TEDESCO, 2015, pp.24-25). Dessa forma, a autora revela não só a possibilidade de

articulação entre suas teorias, como busca a superação dessa visão, através da defesa por

uma abordagem pragmática. Nesta tese, adoto uma abordagem cognitivista, que é

também pragmática e foi apresentada no capítulo anterior61

, através da defesa de uma

visão de cognição e, consequentemente, de linguagem, como distribuída, uma vez que:

À medida que nossas interações configuram a maneira como

construímos significados e desenvolvemos habilidades de enriquecer

pensamentos e de refinar ações, a linguagem não deve ser concebida

como um objeto autônomo. Por fazermos parte de uma rede social

61

É importante ressaltar que Tedesco (2015) não defende a visão de linguagem e de cognição como

fenômenos distribuídos. A autora traz para sua defesa autores como Austin e Deleuze e Guatari.

Entretanto, pela definição de “perspectiva pragmática da linguagem” por ela apresentada, essa articulação

com a visão de cognição distribuída apresentada no capítulo anterior é possível: “Pelo desempenho da

força instauradora de mudanças empíricas, a linguagem adquire a qualidade de acontecimento e, como

evento irreprodutível, passa a comportar demarcação espaço-temporal precisa, não podendo ser

compreendida sem que sejam consideradas as contigências de sua apresentação e, principalmente, sua

responsabilidade pelos fatos que engendra (...) A singularidade da linguagem reside no seu caráter único

de acontecimento, isto é, potência portadora de sentidos novos, inesperados” (TEDESCO, 2015, p.29).

118

dinâmica, a experiência linguística pode alterar quem somos quando

orientamos o outro (e o outro nos orienta). Buscamos a sincronia com

o outro, criando expectativas, rastreando olhares e evocando

memórias. Enfim, a linguagem conecta o aqui e o agora com o que já

foi e, crucialmente, com o que está por vir (DUQUE, 2015, p.56).

Segundo Gerhardt (2010, p.248), é possível reconhecer nos trabalhos de

Vygotsky uma busca pela compreensão das “bases processuais-cognitivas do

aprendizado e do desenvolvimento cognitivo”. Entretanto, de forma geral, os trabalhos

que hoje utilizam tais estudos como bases teóricas acabam ignorando a forma como o

aprendizado acontece como processo cognitivo e a experiência interna à pessoa durante

o desenvolvimento do aprendizado, uma vez que buscam apenas “premissas, parâmetros

de observação e evidências para identificar os atributos de uma pessoa que obteve

sucesso no processo de construção de conceitos” (GERHARDT, 2010, p.248).

Gerhardt (2010), então, busca articular a visão de Vygotsky, especificamente a

oposição que ele estabelece entre conceitos cotidianos e conceitos escolares, a propostas

que buscam romper com a suposta superioridade dos conceitos científicos. Assim, a

pesquisadora observa que, ainda que Vygotsky, em princípio, tome os conceitos

escolares como superiores, em sua própria teorização, é possível inferir que “a diferença

qualitativa entre os conceitos cotidianos e escolares não é inerente aos conceitos, mas

sim às suas condições de produção. Assim, os conceitos cotidianos estão aptos a serem

sistematizados da mesma forma, pela via da escolarização” (GERHARDT, 2010,

p.250).

Conclui, então, Gerhardt (2010) que há uma homogeneidade entre os conceitos

no sentido de que tudo o que o ser humano aprende, independentemente do lugar em

que o faz, tem o mesmo valor.

Essa definição desconsidera a hipótese de que a pessoa escolarizada,

que teve contato com conceitos científicos, seria mais desenvolvida

cognitivamente do que a pessoa que não frequentou os bancos

escolares, já que aqui estamos inclinados a reconhecer que a mente

humana funciona da mesma forma no contato com todo tipo de

conceito, informação e conhecimento, o que lhe permite articulá-los

eficientemente. Com base nisso, não se considerará também a ideia de

que os conceitos escolarizados e científicos seriam mais

sistematizados que os cotidianos, já que a atribuição de sistematizar (e

ser sistemático) não está no conceito, mas sim na pessoa, que os

formata, organizando-os em sua mente e articulando-os a padrões de

conhecimento já assimilados e constituídos (...). A diferença entre os

dois está apenas no fato de que, na escola, estar-se-á lidando com

informações a ela pertinentes. Tal fato abre espaço para a suposição de

que o ambiente em si não é suficiente para formar conceitos, mas

119

concorre para estabelecer as suas condições de validação

(GERHARDT, 2010, p.251).

Dessa forma, é possível relacionar os estudos em aprendizagem à visão de

cognição apresentada no capítulo anterior, uma vez que, como posto anteriormente, a

nossa cognição está estruturada para organizar nossas experiências em frames, ou seja

para categorizar, inserindo os conceitos aprendidos em padrões anteriormente

existentes. Tal proposta, inclusive, de alguma maneira, também nos permite articular-

nos à proposta de Piaget de que todo processo de aprendizado passa por um movimento

de inserção de novos saberes em padrões anteriormente estabelecidos (assimilação),

que, por sua vez, precisam se transformar para receber esses novos saberes

(acomodação). Entretanto, como bem salienta Gerhardt (2010, p.253), “categorizar é

padronizar, mas não é aprender, porque a ação de padronizar não implica

necessariamente a formação de novos conceitos”.

Entendendo, com base em uma visão de cognição que se aproxima à posta no

capítulo anterior desta tese, que “para formarmos conceitos, precisamos reconhecer os

espaços mentais, contextuais, culturais e epistêmicos que ancoram toda forma de

conceptualização, esteja ela atrelada ao cotidiano, seja ela tida como científica”

(GERHARDT, 2010, p.256), defende a pesquisadora que:

Qualquer que seja o modelo processual proposto, ele deverá

reconhecer a relação de mão dupla entre a pessoa que cogniza e o

universo à sua volta, num fluxo contínuo de informação em ambos os

sentidos, e não supor que o ser humano apenas recebe passivamente as

informações, sem atuar sobre a construção do significado

(GERHARDT, 2010, p.256).

Dessa maneira, mais uma vez, é necessário retomar a noção defendida

anteriormente de que essa relação de mão dupla só é possível acontecer porque nossa

cognição é distribuída, e, assim, nos integramos conceptualmente ao ambiente, às outras

pessoas e integramos conceptualmente saberes novos a saberes velhos. Dentro dessa

concepção, só podemos aprender quando nos deparamos com o novo, e, então, o

analisamos e o integramos aos saberes que já temos. Assim,

a forma como aprendemos não é específica em nada, mas sim é parte

de uma habilidade geral, subjacente e única a todas as formas de

conceptualização por parte da mente humana: uma “habilidade de

juntar duas coisas” (Fauconnier & Turner, 2008), para formar uma

terceira (GERHARDT, 2010, p.257).

120

Isso não quer dizer, porém, que a aprendizagem não seja situada. Aprendemos

sempre do mesmo modo – através da integração conceptual –, mas o que aprendemos,

como valoramos o que aprendemos, como interagimos e como nos posicionamos em

uma situação de aprendizagem, por exemplo, dependem do micro e do macrocontexto

em que estamos inseridos. Nesse sentido, uma vez que especificamente esta tese trata da

aprendizagem escolar, é preciso salientar, como faz a autora, que, para que a integração

conceptual possa se realizar, “é necessário estarem nítidos na mente da pessoa os

universos de experiência que servirão de input para a mesclagem, porque apenas se eles

forem completamente visualizados é que poderão ser capturados e associados em

relação ao que têm em comum” (GERHARDT, 2010, p.260). Torna-se, então, papel da

escola auxiliar o aluno nesse processo, muito mais do que levá-lo à reprodução de

conceitos construídos fora dela.

Dessa forma, o caráter situado da cognição distribuída se faz ainda mais

relevante, uma vez que aprender é “também reconhecer as realidades que enquadram e

validam esses conteúdos para que eles sejam compreendidos como conceitos”

(GERHARDT, 2010, p.260).

Ou seja, para reconhecer os objetos de conhecimento na escola como

instrumentos de aprendizado o aluno precisa reconhecer os lugares de

onde eles vêm. Então, se a escola não se faz como realidade

disponível ao aluno, e se ele mesmo assim conseguir dar-se conta dos

objetos simbólicos ali dispostos, ele vai relacioná-los de outra forma

com os instrumentos e conhecimentos de que dispõe. Para evitar esse

problema, a escola precisa apresentar-se à pessoa como uma realidade

a ser construída com base em outras que ela já conhece, mas de forma

não alijada da chamada realidade imediata do aluno, porque ambas

precisam ser percebidas e conceptualizadas por ele (GERHARDT,

2010, p.260).

Nessa visão, a qual estou denominando aqui de concepção integrativa da

aprendizagem (ou aprendizagem integrativa), o aprendizado é tratado, então, como

construção semiótica (GERHARDT, 2013), que se dá por meio de integrações

conceptuais de forma situada. Sob essa ótica, os aprendizes, aqueles (ou aquilo) com

quem eles interagem e seus objetos de aprendizagem se enquadram de maneiras

diferentes de acordo com o macrocontexto cultural e com o microcontexto situacional

de aprendizagem (SINHA, 1999). Nesse sentido, entende-se, inclusive que um aprendiz

não nasce aprendiz, mas aprende a sê-lo, em um contexto cultural e institucional

específico, e por meio de experiências reais de aprendizagem, as quais o guiam nesse

processo (SINHA, 1999).

121

Como defende Sinha (1999), o ser humano se constrói e se posiciona em práticas

discursivas específicas, para que assim se torne um sujeito-aprendiz. Esse processo se

dá conforme o modelo exigido pela cultura em que a pessoa se insere, em um âmbito

mais geral, e, mais especificamente, pelas situações e oportunidades de aprendizagem

com as quais a pessoa se relaciona. Dessa forma, o aprendiz e as relações de

aprendizagem se constroem num processo constante de negociação e ressignificação,

definido por um macrocontexto sociocultural e por um microcontexto situacional, que

não agem, entretanto, como elementos definitórios e definidos a priori.

Os diferentes significados dos artefatos correspondem a práticas e

padrões discursivos distintos, a diversas posições do sujeito nos

discursos embutidos nos artefatos e a diferentes construções da

situação. A situatividade, desse ponto de vista, não é dada a priori,

mas é continuamente contestada, negociada e restabelecida. Esse

processo de contestação, negociação e ressignificação discursivas leva

a novidades, e se a novidade deve ser avaliada no processo de ensino-

aprendizagem; então, o processo deve levá-la adiante (SINHA, 1999,

p.45, tradução minha)62

.

Entendendo que somos a única espécie que nos educamos, que, por isso, retemos

nossos filhos por tanto tempo e que aprendemos não apenas com o outro, mas também

através dele (TOMASELLO, 1999), é preciso ver o aprendizado em termos macro e

micro sociais e individuais, sem apartar o sujeito cognoscente da situação real de

aprendizado, ou sem focar demasiadamente no contexto e deixar de se olhar para o

aprendiz como indivíduo (SINHA, 1999).

Sinha (1999) defende, dentro dessa concepção, que a subjetividade do aprendiz

se constrói discursivamente na situação de aprendizagem, sendo, portanto, situada.

Assim, deixa-se de lado uma visão naturalizada do aprendizado, que não á capaz de

explicar os matches e mismatches (encontros e desencontros) que ocorrem entre o

aprendiz e a situação de aprendizado, e alça-se o ensino a uma condição que vai muito

além de ser apenas um input desse processo. Desse modo, entende-se que os espaços

perceptuais/conceptuais e epistêmicos ocupados pela pessoa definem sua forma de ver

os objetos de aprendizagem, bem como de entender a própria aprendizagem. Essa

62

Original: “The various different “meanings” of artefacts correspond to different discursive patterns and

practices, different subject positions within the discourses embedding the artefact, and different construals

of the situation. “Situatedness”, from this point of view, is not given once and for all, but is continually

contested, negotiated and re-established. It is this process of contestation, negotiation and discursive re-

imagining which leads to novelty; and if novelty is to be valued in learning and teaching, so must the

process be which brings it forth” (SINHA, 1999, p.45).

122

abordagem pode ocupar um espaço essencial no tratamento da aprendizagem escolar,

uma vez que é preciso considerar:

o fato de que a condição de professor e turma estarem ocupando um

espaço físico, ou usando um mesmo código linguístico, não significa

que estão construindo os mesmos significados, observando os mesmos

objetos, concebendo as coisas da mesma forma. A não assunção da

cognição situada pode acarretar a completa estranheza e desinteresse

do aluno por aquilo que o professor pretende lhe dizer, simplesmente

por não conseguir conceptualizar em sua mente a realidade que o

professor descreve e os elementos e processos que a compõem

(GERHARDT, ALBUQUERQUE E SILVA, 2009, P.80).

A macroestrutura, ao longo dos processos de socialização, formata

microestruturas específicas de ensinar e aprender para fins específicos em culturas

específicas (SINHA, 1999). Assim, ainda que, aparentemente, aprendiz e ensinante

estejam em uma mesma microestrutura de aprendizagem, é possível que tenham

construído visões diferentes sobre ela. Se essa diferença é ignorada no espaço escolar,

geram-se consequências na aprendizagem diferentes do que seria esperado. Além disso,

é também possível que os aprendizes (entre si e em relação a quem ensina) atribuam

diferentes sentidos aos objetos de aprendizagem, para além do que se convencionalizou

socialmente, uma vez que as diferentes perspectivas dos diferentes participantes em uma

determinada situação ou em diferentes momentos de uma mesma situação podem gerar

diferentes concepções do que se aprende.

Desse modo, para Sinha (1999), a agentividade surge, então, como construção de

subjetividade na elaboração do significado e na prática discursiva, uma vez que o

receptor ressignifica ao ouvir o tempo todo. Assim, o autor constrói uma visão, ao

mesmo tempo, naturalista e social (micro e macro) do aprendizado. E também da

criatividade, que passa a ser vista não apenas como um atributo de nossa espécie, mas

também como uma construção social. Segundo Gerhardt (2013, p.91), pode-se assim,

então, construir uma crítica à perspectiva sócio-histórica, cujos estudos tratam a

aprendizagem de forma essencialista, descrevendo

um movimento top-down de ação cognitiva – do coletivo para o

individual. Tal perspectiva se manifesta, por exemplo, no fato de que

não se reconhece a possibilidade de que o aluno, como um elemento

estruturador do processo de aprendizado, possa agir sobre as

construções materiais e simbólicas na sala de aula, operando de forma

ascendente (bottom-up) sobre os significados.

Com base nisso, a autora denuncia que, embora os alunos geralmente sejam

vistos como sem conhecimentos, acredita-se, ao mesmo tempo, que a mera exposição a

123

novas informações é suficiente para que aprendam: “nesse sentido, a ideia do que é

aprender é naturalizada, isto é, o aprendizado acontece independentemente das

condições em que o contato com os conteúdos tem lugar e das formas de

intersubjetividade envolvidas no processo” (GERHARDT, 2013, p.83). Essa confusão,

segundo ela, seria, na verdade, um paradoxo aparente, uma vez que, na profundidade,

ambas as situações evidenciam o fato de que as percepções sobre o

ensinar e o aprender não incluem um entendimento de quais são as

variáveis envolvidas na produção do conhecimento em situação de

sala de aula, e quais seriam os comportamentos cognitivos dos alunos

quando se considera a normatividade inerente à estruturação das

atividades escolares (GERHARDT, 2013, p.84).

Dentro dessa visão sobre o processo de escolarização, apagam-se as experiências

sociais dos alunos, bem como suas experiências cognitivas, já que seus processos de

integração entre o que já sabem e o que estão aprendendo não são considerados como

relevantes. Assim, definem-se de antemão quem eles são, o que eles desejam e como

eles aprendem (GERHARDT, 2013), o que gera dois problemas principais relativos ao

ensino em geral:

(a) “não problematização dos objetivos para o engajamento dos alunos

na cognição conjunta escolar” ou “em outras palavras: não se busca

compreender quais são os propósitos dos alunos para estar lidando

com artefatos materiais e simbólicos em sala de aula” (GERHARDT,

2013, p.86);

(b) “definição dos conhecimentos e conceitos como dados a priori,

anteriormente à produção linguística, e não reconhecidos como

construídos no fluxo comunicativo da sala de aula”, uma vez que

acredita-se que a cognição é apenas a organização de conceitos

prontos, acabados e, por isso, ignora-se sua processualidade, que é

“um fenômeno inerentemente intersubjetival, normatizado e situado”

(GERHARDT, 2013, p.86).

Em função disso, na próxima seção trago o conceito de políticas cognitivas e a

discussão proposta por pesquisadoras do tema, uma vez que acredito que ele pode trazer

um refinamento interessante a essa discussão sobre visões de aprendizagem e suas

relações com os processos de formação de aprendizes em sala de aula. Além disso, bem

como subsidiará a discussão a ser trazida posteriormente sobre como a leitura é

trabalhada nos livros didáticos que compõem o corpus desta tese e como esse trabalho

se relaciona a uma visão de aprendizagem difundida na escola brasileira.

3.2. O conceito de políticas cognitivas

124

Com base no que foi exposto na seção anterior e, entendendo que uma concepção

de aprendizagem sempre emerge dos discursos (e das práticas) sobre o ensino, mesmo

que os estudos em cognição sejam invisibilizados, apresento, nesta seção, o conceito de

políticas cognitivas e suas contribuições para a pesquisa em ensino. Antes de adentrar

especificamente no conceito de políticas cognitivas, trago a citação de Rajagopalan

(2003, p.104), ao tratar de políticas linguísticas, quando afirma que:

A pergunta que urgentemente precisamos fazer é: que esforços podem

ser feitos de imediato a fim de trazer à baila os interesses ocultos e

escusos que podem eventualmente estar por trás das propostas

políticas e descortinar as consequências longínquas de adotarmos esta

ou aquela política no momento atual? É preciso, com urgência,

encarar a dimensão política da linguagem, sob pena de sermos

ultrapassados pela marcha dos acontecimentos ao nosso redor.

Tal como proposto pelo autor, acredito que também seja preciso, com igual

urgência, encarar a dimensão política da cognição (e de seus estudos). Se consideramos

que o ser humano é um ser essencialmente cognitivo, nos termos postos no capítulo

anterior, precisamos prontamente entender que visões sobre a cognição e,

consequentemente, sobre a aprendizagem constroem visões de ser humano que podem

ser potencializadoras ou delimitadoras, dependendo de onde e de como circulam.

Sabendo do lugar de prestígio que a escola tem em nossa sociedade e do papel que ela

exerce na formação de aprendizes, acredito que seja urgente pensar nas políticas

cognitivas nela e por ela (im)postas, em termos institucionais.

O termo “política cognitiva” foi cunhado por Kastrup (1999, apud KASTRUP,

2005; 2012; 2015), partindo dos estudos de Deleuze sobre a aprendizagem e a produção

de subjetividade e do princípio da não separação entre conhecimento e política: “O que

é uma política cognitiva? É um modo específico de relação com o conhecimento, com o

mundo e consigo mesmo” (KASTRUP, 2012, p.56). Para a autora, a ideia que temos do

que é o conhecimento e a própria ideia que temos do que é a aprendizagem vão muito

além de posicionamentos teóricos, e constituem, na verdade, políticas da cognição

(KASTRUP, 2005; 2012). Como salienta Dias (2012, p.27),

o conceito de política cognitiva busca evidenciar que o problema do

conhecer não se esgota na sua definição teórica ou no debate acerca

dos modelos ou paradigmas que são utilizados para o seu

entendimento. O problema do conhecer envolve uma posição em

relação ao mundo e a si mesmo, uma atitude, um ethos.

Por isso, Kastrup (2005; 2012) propõe que políticas cognitivas manifestam o tipo

de relação que estabelecemos com a cognição nas diferentes práticas de aprendizagem

125

em que nos engajamos: “Deixando patente que o conhecimento não se separa da

política, Deleuze aponta como nossos mestres deixam em nós sua marca, sua política

cognitiva” (KASTRUP, 2005, p.1286).

Com base nesses trabalhos, é possível entender que diferentes políticas cognitivas

manifestam diferentes visões de aprendizagem e se concretizam nas diferentes práticas

de ensino que podem ser executadas por alguém que ensina algo a alguém em um

determinado contexto. A isso, acrescento o fato de que essas políticas também podem se

manifestar, para além das práticas cotidianas e da sala de aula, em discursos, como os

apresentados em documentos oficiais ou em materiais didáticos.

A autora apresenta dois modelos de políticas de cognição: o da representação (ou

recognição) e o da invenção, que, como dito anteriormente, vão muito além de modelos

teóricos distintos (KASTRUP, 2005; 2012; 2015). O primeiro toma a cognição como

representação de um mundo dado, que oferece informações a serem captadas pelo

aprendiz. A cognição assim seria a representação da relação entre um sujeito e um

objeto previamente definidos.

O modelo da representação caracteriza sistemas psicológicos diversos,

como a psicologia da gestalt, a psicologia genética de J. Piaget, bem

como o cognitivismo computacional que surge no campo das ciências

cognitivas. No caso deste último, o que prevalece é o entendimento da

cognição como processamento de informação. O sistema cognitivo

recebe inputs, realiza seu processamento de acordo com regras lógicas

e transforma-os em outputs. Varela afirma que o cognitivismo

computacional trabalha com o modelo do tubo: input – processamento

simbólico – output. Resulta daí uma concepção lógica da cognição, o

que significa seu resfriamento formal. Ela se limita a um processo de

solução de problemas, sem espaço para a invenção de problemas

(KASTRUP, 2005, p.1275).

Dentro desse modelo, “existe um sujeito, existe um mundo e existe um

equivalente mental que esse sujeito faz dentro dele, desse mundo preexistente. Há então

sujeito, mundo e relação” (KASTRUP, 2012, p.56). Essa concepção, então:

polariza-se em duas posições. A primeira evidencia uma atitude

realista, que faz com que lidemos com o mundo como se ele

preexistisse. A segunda é a atitude idealista e individualista. Agimos

como se tivéssemos um eu, como se fossemos o centro, a fonte e o

piloto do processo de conhecimento (KASTRUP, 2005, p.1281).

Dessa maneira, políticas de recognição manifestam uma visão de aprendizagem

como representação e reprodução: “as informações chegam de um mundo preexistente e

o sistema cognitivo opera com regras e representações, chegando a resultados

previsíveis” (KASTRUP, 2005, p.1275). Dessa forma, “aprende-se para obter um saber.

126

A aprendizagem é solução de problemas preexistentes, que são colocados muitas vezes

pelo professor. A atenção que é mobilizada durante o processo de aprendizagem atém-se

a formas prontas e à aquisição de informações” (KASTRUP, 2005, p.1275). Como

aponta Kastrup (2012), mesmo que nos pareça natural, essa ideia de cognição

representacional é produzida historicamente, ainda que nos pareça natural.

O segundo modelo é denominado de política de invenção. Dentro dele, a

cognição é tomada como inventiva, em oposição à ideia de cognição como

representação. Dentro do modelo da cognição inventiva, não há nem sujeito nem mundo

prévios: “há práticas, ações concretas. A partir daí há produção de subjetividades e

produção de mundos. Mundos e subjetividades são efeitos de práticas” (KASTRUP,

2012, p.56). Dessa forma, entende-se que as práticas têm uma potência inventiva, na

medida em que diferentes práticas produziriam diferentes subjetividades e diferentes

mundos (KASTRUP, 2012): “a invenção não deve ser entendida a partir do inventor. O

sujeito, bem como o objeto, são efeitos, resultados do processo de invenção”

(KASTRUP, 2005, p.1275).

Como salienta Kastrup (2005), é importante não confundir invenção, no sentido

tomado para definir uma política cognitiva e uma prática de aprendizagem, com

criatividade, uma vez que, enquanto a criatividade representaria uma “capacidade de

produzir soluções originais para os problemas” (KASTRUP, 2005, p.1274), a invenção

representaria, inclusive, a invenção de problemas. A invenção é, assim, tratada como a

potência que a cognição tem de diferir de si mesma, podendo haver, assim, uma

percepção inventiva, uma memória inventiva, uma linguagem inventiva e uma

aprendizagem inventiva (KASTRUP, 2005). Dessa forma, ela deixa de ser vista como

um processo cognitivo dentre outros, sendo, na verdade, “uma certa maneira de

entender a cognição, de colocar o problema da cognição” (KASTRUP. 2012, p.52).

Dentro dessa concepção, entende-se que:

O sujeito e o objeto não são polos prévios. O sujeito do conhecimento

e o objeto conhecido, que aparentemente existe independente dele,

vão ser entendidos como efeitos das práticas cognitivas. Então, o que

existe no início são ações de conhecer, são práticas de conhecer. Os

efeitos são sujeitos cognitivos e domínios cognitivos, ou um ser e um

mundo, ou uma subjetividade e um território existencial (KASTRUP,

2012, p.54).

Portanto, segundo a autora, a invenção representaria uma terceira via em relação

ao debate sobre o caráter mecânico ou inteligente da aprendizagem. Em oposição às

127

políticas de recognição, as políticas de invenção manifestariam uma visão de

aprendizagem como não “apenas um processo de solução de problemas, mas inclui a

invenção de problemas, a experiência de problematização” (KASTRUP, 2012, p.53).

Dessa maneira, enxerga-se o ato de aprender como emergindo dessa “experiência de

problematização, de invenção de problemas ou de posição de problemas” (KASTRUP,

2012, p.53), o que leva a autora a afirmar que esse processo envolve também a invenção

de mundo, não correspondendo, portanto, a um processo de adaptação a um mundo

preexistente (KASTRUP, 2012). Dentro dessa visão, conhecer é problematizar

(KASTRUP, 2012).

Entretanto, é preciso esclarecer que a cognição inventiva não é espontânea, nem

tampouco privilégio de poucos. Segundo Kastrup (2005, p.1279), ela depende de

cultivo:

A invenção não vai por si, mas envolve repetição. O aprendizado

depende, de saída, da suspensão da atitude recognitiva. Começando

por mobilizar uma intenção consciente, torna-se aos poucos

inintencional. Depraz, Varela & Vermersch apontam que, no longo

prazo, uma segunda espontaneidade tem lugar. Esta é definida com a

curiosa formulação de um esforço sem esforço, que supera tanto a

dicotomia ativo/passivo quanto a dicotomia voluntário/involuntário.

Nesta segunda espontaneidade a atenção não é ativa, pilotada por um

eu, nem passiva, lançada reflexa ou mecanicamente ao sabor dos

estímulos do ambiente externo. Partindo da suspensão da recognição,

o aprendizado estabiliza um tônus atencional singular que envolve a

ativação de uma atenção aberta ao encontro de experiências pré-

egóicas. Esta atenção se encontra até certo ponto desativada, sendo

pouco investida na contemporaneidade. Aumentar sua potência e

trabalhar para sua estabilização por intermédio de práticas de

transformação de si é atualizar uma virtualidade por meio da aliança

da surpresa com a regularidade. O aprendizado assume a forma de um

círculo, em que o movimento é o de reincidir, retornar, renovar,

reinventar, reiterar, recomeçar.

Além disso, com base nos trabalhos de Maturana e Varela, a pesquisadora

ressalta que, dentro de uma política inventiva, deixa-se de se aderir à polêmica sobre se

as condições da cognição são invariantes ou produzidas historicamente e passa-se a

evidenciar o fato de que as condições históricas coexistem com um presente que é vivo

e pode problematizar as configurações históricas (KASTRUP, 2015): “o problema não é

entender o funcionamento cognitivo como produzido historicamente, mas sim como o

presente é capaz de promover rachaduras nos estratos históricos, nos antigos hábitos

mentais, nos acoplamentos estruturais estabelecidos e produzir novidade” (KASTRUP,

128

2015, p.98). Portanto, é possível perceber que a visão de cognição que está sendo

apresentada nesta tese casa-se perfeitamente com essa proposta.

Assim, partindo da oposição que se estabelece entre recognição e invenção, Dias

(2012) traz uma comparação entre o que ela chama de cognitivismo computacional e o

que denomina de construtivismo radical, para demonstrar que, dentro dos chamados

estudos em cognição, há tendências que apontam para uma visão de cognição como

recognição e modelos que se aproximam de uma visão inventiva de cognição:

Para o cognitivismo computacional, a cognição é uma relação

intencional entre um sujeito e um objeto. Nessa relação, prevalece o

entendimento da cognição como processamento da informação: o

sistema cognitivo recebe inputs, realiza seu processamento por regras

lógicas e os transforma em outputs. A cognição é (...), em última

análise, um processo de solução de problemas. O construtivismo

radical de Humberto Maturana e Francisco Varela propõe que sujeito e

objeto são efeitos emergentes, e não condição prévia da atividade

cognitiva (DIAS, 2012, p.26).

Segundo Kastrup (2012), a ideia de cognição como invenção é bastante pautada

nos trabalhos de Maturana e Varela sobre o que denominaram de teoria da autopoiese:

Com esta teoria, eles problematizaram uma noção muito instituída,

muito pouco questionada e muito naturalizada no campo dos estudos

da cognição: a ideia de que conhecer é representar um mundo

preexistente. Segundo essa concepção tradicional da cognição, que é

conhecida como modelo da representação, existe um sujeito do

conhecimento, um objeto e uma capacidade de representar, de

produzir uma espécie de cópia, equivalente ou correspondente mental

do mundo externo (KASTRUP, 2012, p.53).

Além deles, no campo da filosofia, a autora cita os trabalhos de Gilles Deleuze e

Félix Guattari como “também intercessores muito fortes” (KASTRUP, 2012, p.56):

Eles também nos ajudam a pensar que não existe um sujeito pronto,

um sujeito essencial, um sujeito-fundamento. Em seu lugar existe um

processo de produção de subjetividade por meio de práticas concretas

(...) É necessário entender que todas essas subjetividades fazem parte

de uma rede que é constituída através de práticas concretas, práticas

que são, ao mesmo tempo, cognitivas e existenciais (KASTRUP,

2012, p.56).

Ao reconhecer a trajetória de pesquisa que levou Kastrup a definir as políticas

cognitivas anteriormente citadas, é possível notar que ela não passa pelos mesmos

pressupostos apontados no capítulo anterior desta tese. Assim, ao opor sua visão a

concepções recognitivas de cognição, a pesquisadora chega a apontar que

a invenção é sempre invenção do novo, sendo dotada de uma

imprevisibilidade que impede sua investigação e o tratamento no

interior de um quadro de leis e princípios invariantes (...) se houvesse

129

uma teoria da invenção, ou mesmo leis da invenção, seus resultados

seriam passíveis de previsão, o que trairia o caráter de novidade e

imprevisibilidade que toda invenção comporta (KASTRUP, 2005,

p.1274).

Com base nessa citação e em outras passagens de seu texto, talvez se pudesse

pressupor que não é possível articular a visão de Kastrup (2005; 2012; 2015) aos

pressupostos trazidos no capítulo anterior, uma vez que eles trabalham dentro de um

“quadro de leis e princípios invariantes”. Entretanto, são leis e princípios que não

pressupõem uma linearidade no desenvolvimento e no funcionamento da cognição e

que, portanto, como se pode ver, principalmente na apresentação da integração

conceptual como fenômeno crucial para o funcionamento da cognição humana, não

trazem consigo a possibilidade de previsão do que se constrói. Com base nisso, defendo

aqui que é possível articular esses estudos, sem que se negue o “caráter de novidade e

imprevisibilidade” trazido pela noção de invenção, visto que ele também é trazido pelos

pressupostos anteriormente apresentados.

Por caminhos diferentes, que agora se cruzam, Kastrup (2005; 2012; 2015) e os

estudos em cognição anteriormente trazidos vão negar a ideia de cognição como

reprodução e a possibilidade de se trabalhar com sentidos prévios ao momento de

construção do significado. Esse esclarecimento se faz relevante porque a autora chega a

apontar a visão da representação como “uma ideia cognitivista” (KASTRUP, 2012,

p.53). Entretanto, ela faz a distinção entre estudo da cognição e cognitivismo: “A

posição cognitivista, que trabalha com o modelo da representação, é uma das posições

dentro do estudo da cognição, o que não significa que ela é a mais verdadeira, nem

tampouco a única” (KASTRUP, 2012, p. 54). E cita outras três posições: as perspectivas

da autopoiese, da enação e da invenção, que vão apontar para o fato de que “o

conhecimento não é uma representação, mas uma ação, uma prática” (KASTRUP, 2012,

p. 54).

Com base nos estudos em cognição apresentados no capítulo anterior e não

tomados como pressupostos por Kastrup, em especial na visão de integração conceptual

de Fauconnier e Turner (2002) e o papel imaginativo a ela atrelado no processo de

construção do pensamento humano, postulo aqui uma quarta posição, que, na verdade,

pode-se desmembrar em diversas outras e que já foi associada à perspectiva da

autopoeise em trabalhos anteriores, como o de Duque e Costa (2012). Inclusive, ao fazer

essa postulação, é possível perceber que, ao falar de políticas cognitivas, a autora não

está falando da forma como as pessoas pensam ou como aprendem, mas sim da forma

130

como elas pensam que pensam ou pensam que aprendem. Trata-se, portanto, de uma

discussão que está no plano meta da cognição (NELSON, 1996; NELSON e NARENS,

1990).

A existência do plano meta parte da compreensão de que a mente humana

funciona sempre em dois planos de consciência, que co-existem e se retroalimentam: o

plano base, nível do objeto ou da constituição linear das coisas, e o plano meta, nível de

suas condições de validação (NELSON, 1996; NELSON; NARENS 1990). Assim, o

plano meta pode ser entendido como aquele por meio do qual

percebemos/conceptualizamos como as coisas devem ser entendidas em termos

situacionais, interacionais, normativos, estruturais, funcionais, epistêmicos, etc.

(GERHARDT e VARGAS, 2010). Por meio do plano meta, podemos enquadrar e

validar cognitivamente os elementos existentes no plano base. Sob essa concepção, é

pela existência de um plano de validação que podemos construir significados a partir do

que vemos / ouvimos / sentimos. Por isso, não é possível separar percepção e

conceptualização, pois só percebemos o que conceptualizamos, e vice-versa.

A identificação do plano meta vai perfeitamente ao encontro dos

pressupostos cognitivistas, que se consubstanciam justamente porque,

longe de suporem a uniplanificação e a generalidade da cognição

humana, atestam fortemente o seu caráter particionado, perspectival,

distribuído, situado e baseado em domínios específicos, que interagem

tentacularmente entre si, mas que, com fins de descrição ou ensino,

podem ser observados separadamente, graças à capacidade que

desenvolvemos em lidar com esses domínios ao mesmo tempo,

mesmo tendo eles naturezas diversas (GERHARDT e VARGAS,

2010, p.152).

É por isso, e com base nos pressupostos trazidos no capítulo anterior, que é

possível postular aqui que, ainda que se possa partir, em práticas de aprendizagem, da

ideia de que cognição é reprodução, a cognição como representação de um mundo dado

não existe na realidade da mente humana. Com base em Faucconier e Turner (2002),

entende-se que a cognição humana opera essencialmente através da integração

conceptual. Assim, ela pode ser entendida como uma teoria geral da cognição, por meio

da qual é possível descrever nossa capacidade de imaginar relações entre conceitos e

integrá-los para criar novos – o que chamamos anteriormente de aprendizagem

integrativa. Como Kastrup (2005; 2012; 2015) define ao tratar da aprendizagem

inventiva, concebe-se a cognição humana como criativa e produtora de realidades, não

se tomando, portanto, o mundo como dado, pronto para ser reconhecido pela pessoa,

131

que também não é dada, uma vez que está o tempo todo se mesclando a outros e a

elementos do espaço de formas únicas e imprevisíveis.

Entretanto, ainda que a aprendizagem não possa ser entendida como

efetivamente um processo meramente recognitivo, é preciso salientar, como faz a

própria Kastrup (2012), que os diferentes modelos de cognição nos constituem,

justamente porque se encontram, segundo postulo aqui, no plano meta (NELSON, 1996;

NELSON e NARENS, 1990). Portanto, embora eu não conceba que a recognição exista

no plano base, ou seja, como funcionamento cognitivo, é possível afirmar sim que ela

existe – e com muita força – no plano meta, ou seja, no plano de validação das coisas,

principalmente na escola. Diz Kastrup (2012, p.57): “a cognição representacional e a

cognição inventiva são duas maneiras de estar no mundo”, o que acarreta em

consequências nas formas como vemos a aprendizagem e, consequentemente, no

trabalho do professor, na produção de materiais didáticos, de documentos oficiais sobre

a educação, etc. Nesse sentido, é interessante observar o que diz Rajagopalan (2013b,

p.62) sobre políticas linguísticas:

Em primeiro lugar, é importante reconhecer que, enquanto a ciência

lida com os fatos, a matéria prima da política é composta das

percepções dos tais fatos, e nunca dos fatos em si e por si sós. (...). E

o povo, habitante da poleis, reage às percepções dos fatos, isto é, os

fatos tais como eles se apresentam ou são apresentados, e não os fatos

como eles realmente são. Daí a conclusão a que famosamente chega

Nietzche quando diz que não há fatos, apenas percepções.

Ao tratar da política (seja ela linguística, cognitiva, educacional, micro ou

macro), Rajagopalan traz, na citação acima, o papel central que o conceito de políticas

cognitivas pode ocupar nas discussões sobre aprendizagem e, primordialmente, sobre

aprendizagem na escola. A partir de sua percepção sobre o que é a política e,

especialmente, porque “nossos corpos, cérebros e interações com o ambiente fornecem

a base, em grande parte inconsciente, de nossa metafísica cotidiana, ou seja, de nosso

sentido do que é real” (FERRARI, 2001, p.28), é possível entender que é a visão de

aprendizagem aprendida institucionalmente que vai definir para os alunos quem são eles

como aprendizes, o que devem aprender e como e para que devem fazê-lo. Dessa

maneira:

somente entendendo a cognição como invenção63

podemos dar conta

do fato de que algumas formas cognitivas, forjadas pelas nossas

63

Aqui, tomo a cognição inventiva como baseada em integrações conceptuais.

132

práticas concretas, resultam em subjetividades que encarnam o

funcionamento inventivo, e outras resultam em subjetividades

recognitivas, que se limitam a tomar o mundo como oferecendo

informações prontas para serem captadas (KASTRUP, 2005, p.1281).

Além disso, é interessante observar como a ideia de cognição como invenção se

articula à proposta de cognição distribuída anteriormente apresentada. Essa articulação

se mostra mais clara quando Kastrup (2005, p.1276) traz para seu texto o conceito de

breakdown de Varela:

Para Varela, ao contrário, o sujeito e o objeto, o si e o mundo são

efeitos da própria prática cognitiva. O mundo perturba, mas não

informa. O conceito de “perturbação” ou de “breakdown” responde

pelo momento da invenção de problemas, que é uma rachadura, um

abalo, uma bifurcação no fluxo recognitivo habitual. O conceito de

“breakdown” é essencial na argumentação de que não existe mundo

prévio, nem sujeito preexistente. O si e o mundo são co-engendrados

pela ação, de modo recíproco e indissociável. Encontram-se, por sua

vez, mergulhados num processo de transformação permanente. Pois

ainda que sejam configurados como formas, estas restam sujeitas a

novas perturbações, que forçam sua reinvenção.

Através do uso desse conceito, Kastrup (2015), revela que concebe a cognição

como ação ou prática, sendo o domínio cognitivo um domínio “experiencial e emergido

das interações e dos acoplamentos do organismo” (KASTRUP, 2015, p.99). Dessa

forma, deixa-se de olhar de forma objetiva para as relações que estabelecemos com o

ambiente, uma vez que se entende a cognição como corporificada ou encarnada, o que

inclui os acoplamentos biológicos, psicológicos e culturais: “A corporificação do

conhecimento inclui, portanto, acoplamentos sociais, inclusive linguísticos, o que

significa que o corpo não é apenas uma entidade biológica, mas é capaz de se inscrever

e se marcar histórica e culturalmente” (KASTRUP, 2015, p.103).

Como esta tese discute a aprendizagem escolar, é preciso estabelecer um diálogo

entre a ideia de política da invenção e a necessidade de se “trazer as identidades situadas

(ou selves situados, no entender de Chris Sinha, 1999a) dos alunos para o centro do

cenário educacional, equacionando-as e requerendo que elas se configurem como

elementos estruturadores dos projetos curriculares” (GERHARDT, 2013, p.78). Nesse

sentido, é importante retomar o fato de que, “ao provocar deslocamentos uma formação

inventiva trabalha sob o signo do novo e do imprevisto” (DIAS, 2012, p.31)64

e que,

64

A autora está se referindo ao processo de formação de professores, mas igualmente podemos nos referir

ao processo de formação de alunos na Educação Básica

133

portanto, “as singularidades se tornam ferramentas indispensáveis” (DIAS, 2012, p.36).

Entretanto, em um contexto escolar, essas singularidades são institucionalizadas e

passam por planos de validação.

Esses dados revelam um fator importante no processo de

escolarização, que diz respeito ao fato de os conteúdos passarem a ser

expressos dentro de determinados formatos, padrões de validação que

os definem como escolares, e não pertencentes a outro universo. Ora,

já se sabe que faz parte do aprendizado na escola não apenas assimilar

um conceito; talvez tão importante quanto isso ou até, em muitos

casos, mais importante, é assimilar as condições discursivas que o

validam como conceito aprendido na escola e conferem à pessoa que o

expressa o status de indivíduo letrado, instruído (Kleiman, 1998;

Signorini, 2001). (GERHARDT, 2010, P.254).

Além disso, elas se constroem de forma distribuída, na integração entre alunos e

professores, entre eles e as coisas que formam o ambiente escolar, e entre tudo isso e o

que a escola representa como instituição em nossa cultura:

Se pensarmos na atividade dentro da escola, as subjetividades que

serão constituídas ocorrerão através de determinadas práticas

concretas. Nós não podemos pensar o aluno e o professor como

sujeitos diferentes, ou seja, pessoas que têm uma realidade dada e que

chegam ali e vão conhecer um ao outro, representar um ao outro e

entrar em interação (KASTRUP, 2012, p.56).

Quando essas singularidades não são consideradas e trabalha-se com a ideia de

cognição como recognição, formam-se alunos que lidam com o mundo como se ele

preexistisse, em uma atitude realista, ou que agem como se só houvesse um eu, tomado

como centro, fonte e piloto da aprendizagem, em uma atitude idealista e individualista

(KASTRUP, 2005):

O que prevalece é a crença de que o conhecimento é configurado

pelos esquemas recognitivos, pelas regras e pelo saber anterior. Seja

fundamentando o conhecimento nas formas de um mundo

preexistente, seja na forma do sujeito cognoscente, a atitude realista e

a idealista/individualista apresentam-se como duas faces da mesma

política da recognição, que toma o conhecimento como uma questão

de representação (KASTRUP, 2005, p.1281).

Por outro lado, ao se trabalhar com a ideia de cognição como invenção, formam-

se alunos que exercitam a problematização, sendo “afetados pela novidade trazida pela

experiência presente e tomam o conhecimento como invenção de si e do mundo. Ainda

que as práticas cognitivas configurem regras, estas são tomadas como temporárias e

passíveis de reinvenção” (KASTRUP, 2005, p.1281). Dentro desse modelo, não há

distinção entre teoria e prática, e ao contrário do que se pode pensar, as práticas de

134

estudo não são dispensáveis. Ao contrário, são fundamentais, “pois ajudam sim a

constituir políticas cognitivas (...). Só que o estudo tem que se transformar em algo

encarnado. O que se estuda deve deixar de ser apenas uma teoria abstrata” (KASTRUP,

2012, p. 58).

Dentro dessa concepção, Dias (2012, p.29) ressalta que:

Os processos de formação não podem ser reduzidos à aquisição de

conhecimentos técnico-científicos, à transmissão de conteúdos /

informações visando mudança comportamental, à aplicação de

técnicas e de teorias, que nos alertam para o perigo de reduzir o

conhecimento a um objeto já dado, produto a ser consumido, ou ainda,

o que me parece mais importante, não reduzir o processo da formação

à avaliação do resultado obtido ao final, para solucionar problemas.

(...) o processo de formação não se separa do modo de fazê-la.

Com base nisso, complementa a autora: “a aposta de uma formação inventiva é

fazer com o outro, e formar é criar outros modos de viver-trabalhar, aprender,

desaprender, e não apenas instrumentalizar o outro com novas tecnologias ou ainda, dar

consciência crítica ao outro” (DIAS, 2012, p.36). Para isso, porém, é preciso romper

com o que Gerhardt (2013, p.92) chama de “visão neutralizada da sala de aula e dos

elementos e fatos que a compõem”, uma vez que essa visão só se justifica em uma

escola que se interessa unicamente pelos materiais de linguagem produzidos fora dela

(GERHARDT, 2013), ou seja, por uma escola que toma o mundo como dado e o coloca

na sala de aula independentemente do que nela acontece e das pessoas que ali estão. Em

oposição a isso, é preciso que a escola seja considerada “um lugar de construção social

da cognição: um lugar plural, intersubjetival, palco para estranhamentos,

desentendimentos, confrontos epistêmicos, diferenças entre objetivos, expectativas e

desejos” (GERHARDT, 2013, p.92), uma vez que:

os alunos são indivíduos que têm papel agentivo na construção

semiótica da sala de aula, portanto, são parte integrante do ambiente

escolar como um espaço de ação e cognição. O seu fazer constrói e ao

mesmo tempo é afetado pela organização estrutural da sala de aula

(GERHARDT, 2013, p.96).

Assim, tendo em mente a ideia de que “uma formação inventiva é exercício da

potência de criação que constitui o vivo, é invenção de si e do mundo, se forja nas redes

de saberes e fazeres produzidas histórica e coletivamente” (DIAS, 2012, p.36), na

próxima seção deste capítulo, busco trazer um panorama histórico do ensino de

espanhol na escola brasileira. Articulando trabalhos que trazem o histórico das políticas

linguísticas e educacionais que marcam a história dessa disciplina escolar, busco

135

construir uma reflexão sobre como essa história pode se refletir nas políticas cognitivas

que se manifestam nos livros didáticos dessa disciplina hoje em dia e,

consequentemente, como argumentarei mais adiante, nas práticas desenvolvidas em sala

de aula. Ao mesmo tempo, por outro lado, também busco compreender como a história

dessa disciplina foi sendo alterada ao longo dos anos em função de sua adequação às

políticas cognitivas já instituídas na escola brasileira.

3.3. Políticas cognitivas e a trajetória do ensino de espanhol no Brasil: a construção

histórica de uma disciplina

Como defende Gerhardt (2014), existe, ao longo da história da escola, seja no

Brasil ou em qualquer outra parte do mundo, um processo de institucionalização do

ensinar-aprender que define um código que especifica como as ações dentro de sala de

aula devem ser interpretadas. A autora defende, assim, que esse processo de

institucionalização é, a longo prazo,

parte estruturadora da constituição sócio-histórica de cada Disciplina

escolar, definindo seus objetivos de organização e permitindo que se

agreguem a eles as formas de conhecimento, as práticas culturais, os

padrões cognitivos, interacionais e discursivos, bem como os sistemas

de crenças e estruturas de expectativa peculiares ao entendimento e

diferenciação entre disciplinas (GERHARDT, 2014, p.14).

Pensando nisso, nesta seção, me proponho justamente a entender os movimentos

de institucionalização da disciplina escolar “Espanhol”, uma vez que esses movimentos

vão se espelhar, de alguma maneira, na análise que farei mais adiante de livros didáticos

dessa disciplina produzidos entre 2004 e 2012. Para isso, é necessário trazer para essa

seção não apenas estudos que se dedicam a debates sobre o ensino de espanhol no

Brasil, como também estudos voltados para as políticas linguísticas relacionadas à

língua espanhola, uma vez que a história dessa disciplina também estará atravessada por

tais políticas. Assim, através desses estudos, uma vez que não é o foco deles, tento

apreender quais políticas cognitivas atravessam a história do ensino de espanhol no

Brasil, para que as políticas cognitivas que se apresentam hoje sejam melhor entendidas.

Como afirma Rajagopalan (2013b, p. 52), “há um componente nítido e

inconfundivelmente político em matéria de ensino de línguas”, o qual se manifesta tanto

nas políticas educacionais como nas políticas linguísticas que o sustentam. Segundo ele,

“a questão política esteve presente o tempo todo ao longo da história, influenciando

136

diretamente a tomada de decisões no que tange às políticas educacionais”

(RAJAGOPALAN, 2013a, p.145). Além disso, o autor afirma que

o ensino de línguas, sejam elas línguas maternas ou estrangeiras,

constituiu-se desde sempre como parte integral da política linguística

(no sentido de language policy) posta em prática no país.

Curiosamente, esse fato nem sempre foi reconhecido como tal.

Contudo, a política linguística tem norteado, de maneira escancarada

ou muitas vezes sutilmente velada, os objetivos e as prioridades do

ensino de línguas. Ela também invariavelmente baliza e determina

seus rumos e suas guinadas ocasionais (RAJAGOPALAN, 2013a,

p.144).

De igual maneira, defendo aqui que esse ensino também foi permeado ao longo

do tempo por políticas cognitivas, que, inclusive, podem ter se transformado durante a

história do ensino de línguas e, aqui em especial, do ensino de espanhol, no Brasil.

Sobre esse tema, Rajagopalan (2013a, p.151) descreve que “a história das políticas

linguísticas é ainda mais difusa e muitas vezes até confusa, no Brasil” (grifos do autor),

faltando “ainda e de forma bastante acentuada uma política clara e bem elaborada”.

Nesse sentido, Daher (2006, p.1, tradução minha) nos lembra que “a trajetória do ensino

de espanhol no Brasil é recente, complexa e difusa, mas integra uma história maior do

ensino de línguas estrangeiras e, igualmente, da educação no Brasil”65

.

Além disso, entendendo que “do ponto de vista social, não todas as línguas têm

o mesmo valor, nem o mesmo peso no sistema linguístico mundial” (LAGARES, 2013,

p.387), e que a trajetória do ensino de línguas estrangeiras em qualquer parte do mundo

vai manifestar também essas relações, é importante ressaltar que

As fonias (francofonia, hispanofonia, lusofonia, anglofonia,

arabofonia...), que podemos definir como espaços de gestão

internacional de línguas, apresentam características diversas de acordo

com sua história sociopolítica. (...) Assim, a anglofonia teria uma

norma descentralizada, sem protagonismo da antiga potência colonial

e com um mercado forte; a francofonia e a hispanofonia teriam uma

norma centralizada com grande protagonismo do antigo Estado

colonial e forte intervenção econômica em sua difusão; enquanto a

lusofonia teria uma norma descentralizada e dual, com pouca e

desigual participação dos seus principais Estados – Portugal e Brasil –

em sua promoção internacional” (LAGARES, 2013, p.388).

Essas características das fonias, como processos históricos de expansão política

e/ou religiosa (LAGARES, 2013), acabam por se manifestar também, como veremos ao

65

Original: “La trayectoria de la enseñanza de español en Brasil es reciente, compleja y difusa, pero

forma parte de una historia mayor de la enseñanza de las lenguas extranjeras y, a su vez, de la educación

en Brasil” (DAHER, 2006, p.1).

137

longo dessa seção, na história do ensino de línguas no Brasil. Em relação à língua

espanhola, Paraquett (2009b) nos lembra de que a Espanha foi, em certo aspecto,

pioneira na dominação linguística de outros povos, através de uma política linguística

que se inaugura em 1492, com a publicação da Gramática de Nebrija, não

coincidentemente o mesmo ano em que se dá a chegada dos espanhóis ao continente

americano. A autora nos recorda que a criação dessa gramática não só traz em si a

intenção de sistematização de uma língua do reino como facilita o domínio dele sobre o

nosso continente (PARAQUETT, 2009b).

ao ano de 1492, marco de glória da história moderna da Espanha.

Além da “Descoberta da América”, naquele ano os espanhóis

terminaram de expulsar os judeus e os mouros de seu território, e

ainda publicaram a Gramática de la lengua castellana, cujo autor foi

Elio Antonio de Nebrija. Esses não são fatos isolados, naturalmente.

Ao contrário, deixam clara a política de nacionalização e de

formalização linguística dos reis católicos, Fernando e Isabel

(PARAQUETT, 2009b, p.01).

Esse fato se torna especialmente relevante se observamos que, durante muito

tempo, a maior parte do material didático de ensino de espanhol que circulou no

mercado brasileiro era produzido na Espanha, sendo considerada essa produção

localizada nesse país um símbolo por si de qualidade e que boa parte do material que

hoje ainda circula no mercado privado brasileiro ainda é espanhola. Além disso, como

ressalta Paraquett (2009b, p.01):

a história da presença/ausência do Espanhol como língua estrangeira

(E/LE) no Brasil foi marcada por um percurso que confirma a falta de

compromisso com uma política que, de fato, tenha se dedicado à

construção de uma relação dialética entre o Brasil e os países

hispânicos.

Como destaca Daher (2006), a história do ensino de línguas estrangeiras no

Brasil se inicia no momento em que se inicia a história da educação brasileira, que,

dentro de uma política colonizadora, propunha a catequização dos indígenas. Assim, a

política educacional brasileira, nos primeiros anos de colonização, se voltou para esse

objetivo. Segundo Lagares (2013), nesse primeiro momento de expansão, ainda que um

extenso espaço político do português e do espanhol tenha começado a se constituir, a

difusão das línguas ainda se dava de forma muito desigual. A justificativa ideológica da

colonização era religiosa e, por isso, a ideia de língua nacional só se estabiliza como

instrumento de unidade política no século XIX. Sobre isso, Rajagopalan (2013b) afirma

que, até metade do século XVIII não havia nem no Brasil nem em Portugal uma

138

consciência em relação à existência de uma língua nacional, ou seja, não havia uma

política linguística sistemática66

.

No Brasil, a política educacional logo se deparou com a chegada dos europeus

para efetivamente colonizar o país. Eles acabam por exigir outros parâmetros de ensino.

Com a expulsão dos jesuítas em 1759 e a vinda da corte em 1808, a educação deixa de

se voltar para a Igreja e passa a se voltar para o Estado, ainda que o modelo jesuítico

fosse o seguido, em integração com modelos europeus. Dentre as mudanças ocorridas a

esse tempo, inseriram-se nos “currículos” o ensino das línguas clássicas – o latim e o

grego – através de uma prática baseada na tradução e nos comentários sobre os textos

clássicos e seus autores (DAHER, 2006). Dessa maneira, inaugura-se o ensino de

línguas no país, para além das razões da catequização, por meio da aprendizagem de

línguas mortas através de textos escritos, sem que, obviamente, houvesse qualquer

preocupação com a aprendizagem dessa língua para um uso cotidiano.

Além disso, também em 1759 o Marques de Pombal proibiu o uso da língua

geral e marcou a conscientização dos colonizadores sobre o papel desempenhado pela

língua em sua missão imperialista, tal como Nebrija propôs no prólogo de sua

Gramática de la lengua castellana. Assim, o ensino da língua portuguesa se tornou

obrigatório no Brasil (RAJAGOPALAN, 2003). Paralelamente, na América Latina,

houve o processo de expansão do castelhano de diferentes modos em diferentes regiões,

a partir de diferentes centros de prestígio, em função de fatores como:

a) O estado político, social e cultural da população indígena à época

da colonização.

b) A situação política e cultural de cada território durante a época

colonial.

c) As relações entre povoadores europeus e indígenas americanos

durante os primeiros séculos da colonização, e, sobretudo, a posição

social desses últimos.

d) Os ideais linguísticos e culturais durante o século XIX.

e) A evolução linguístico-cultural posterior, sobretudo com o processo

de industrialização e a imigração. (LAGARES, 2013, p.394).

Isso fez com que o espanhol se desenvolvesse como uma língua pluricêntrica

(LAGARES, 2013), mas, como visto anteriormente, ela ainda não havia alcançado os

espaços de aprendizagem de línguas no Brasil. Com a criação da “Real Academia

Española”, em 1773, esse pluricentrismo se viu obrigado a conviver com a obediência a

66

É interessante observar, com base em Lagares (2013) que nos séculos XVI e XVII, o termo Espanha

referia-se a toda pensínsula ibérica e que o castelhano era tomado, então, como “língua vulgar da

Espanha”, sendo falado por toda a aristocracia dos reinos ibéricos, inclusive pelas elites portuguesas.

139

uma norma prescritiva única (LAGARES, 2013), o que influenciou também a trajetória

do ensino de língua espanhola pelo mundo: “A influência da norma prescritiva da RAE

e um certo imaginário sobre a prevalência das formas ibéricas, por seu suposto ‘valor de

origem’, sempre estiveram presentes, em maior ou menor medida, no ensino de língua

em todo o mundo hispânico” (LAGARES, 2013, pp.399-400).

Aqui, é interessante observar que, a partir de 1871, criam-se outras academias

em diversos países e só em 1960 elas passam a criar uma associação, que “de alguma

maneira, reconhece uma certa autonomia das academias (o que não acontecia quando

estas eram “correspondentes”) e ao mesmo tempo permite que a RAE continue

mantendo o seu controle sobre todas” (LAGARES, 2013, p.400). Esse controle, não

apenas da não apenas da RAE, mas também de editoras e grupos espanhóis, acaba por

se refletir nas práticas de ensino de línguas através da produção de materiais didáticos e

de programas de formação de professores e, como se verá adiante, na implementação de

políticas linguísticas, educacionais, e também cognitivas relativas ao ensino de

espanhol. Dessa forma, o lugar do ensino de leitura no ensino de espanhol e a forma

como foi sendo desenvolvido ao longo do tempo no Brasil também vão ser

influenciados por essas políticas de centralização.

Prosseguindo esse breve panorama histórico, segundo Rajagopalan (2013b), o

século XIX presenciou a consolidação de conceitos como pátria, nacionalidade,

patriotismo e dos símbolos que os representam – hino nacional, bandeira nacional, etc.

Assim, através “de um trabalho árduo de delineação das fronteiras entre os territórios

recém-demarcados e a implementação de práticas pedagógicas que visavam à separação

linguística dos povos nos dois lados das fronteiras” (RAJAGOPALAN, 2013a, p.146),

uma vez que “as línguas eram convocadas para servir de laço unificador de um povo e

distingui-lo dos seus vizinhos” (RAJAGOPALAN, 2013a, p.146).

Leffa (1999) aponta que, no Brasil Império, o ensino das línguas modernas

sofria de dois graves problemas: falta de metodologia adequada, uma vez que se

utilizava a mesma metodologia para o ensino de línguas mortas e de línguas vivas –

tradução de textos e análise gramatical; e problemas de administração, o que incluía

também decisões curriculares, uma vez que as decisões relativas a esse tema estavam

centralizadas nas congregações dos colégios, que pouca competência tinham para

“gerenciar a crescente complexidade do ensino de línguas” (LEFFA, 1999, p. 24). Além

disso, ressalta o autor que foi nesse tempo que se instaurou a prática rotineira, presente

140

até hoje, de adaptar no Brasil o que acontecia em outros países, tanto em termos de

conteúdo (línguas escolhidas) como de metodologias, o que vai se manifestar também

na recente história do livro didático de espanhol no Brasil – objeto desta tese.

Em 1892, ocorreu a primeira reforma educacional da República, a qual reduziu o

número de horas dedicado ao ensino de línguas: o grego praticamente desapareceu, o

italiano passou a ser facultativo, e os alunos deveriam escolher entre o inglês e o alemão

(DAHER, 2006), desconsiderando-se desde lá, a proximidade com países que tinham já

a língua espanhola como língua oficial e a trajetória histórica que essas línguas –

português e espanhol – traçaram em conjunto. Dentro desse contexto, Freitas (2011)

lembra que talvez, ainda no século XIX, o Colégio Pedro II tenha ofertado a disciplina

língua espanhola, uma vez que, em 1885 houve um concurso para professor substituto

da disciplina, para o qual o candidato Alfredo Augusto Gomes escreveu a tese

Litteratura Hespanhola do XVII século. Escriptores Hespanhoes do XVII século: suas

produções principaes; porém, não há registros acerca de sua aprovação ou reprovação.

Assim, em termos institucionais, o primeiro registro do ensino de língua

espanhola em uma rede oficial só vai se dar em 1919, no Colégio Pedro II, através do

concurso que aprovou Antenor Nascentes para que se oferecesse a disciplina como

optativa, ainda que essa língua não fizesse parte das disciplinas previstas pela legislação

vigente naquele momento. A disciplina foi ofertada até 1925 e orientou, a partir de

então, a visão contrastiva como prática pedagógica, uma vez que, a partir dessa

experiência, Nascentes publicou, em 1934, a primeira gramática da língua espanhola

voltada para aprendizes brasileiros, tendo por base o princípio contrastivo (DAHER,

2006; FREITAS e BARRETO, 2007; FREITAS, 2011; PARAQUETT, 2009b;

RODRIGUES, 2010).

Sobre essa gramática, Celada e González (2000) chamam atenção para o fato do

autor nela dizer que “Estando o Brasil cercado de países onde se fala o espanhol e com

os quais se acha em relações constantes, de origem política, comercial, etc. é de grande

vantagem para os brasileiros o conhecimento não perfunctório daquella lingua” e que

“O espanhol é parecidíssimo com o português, como tôda a gente o sabe. Quem conhece

o português, com facilidade lê e compreende o espanhol, sentirá, é verdade, algumas

deficiências”. Dessa forma, é possível notar que o primeiro material didático produzido

no Brasil para o ensino de língua espanhola apresenta uma realidade difusa: ao passo

que não seria necessário que o brasileiro se dedicasse a estudar a língua espanhola, uma

141

vez que a compreensão entre os falantes de português e de espanhol estaria garantida,

cabe ao aprendiz brasileiro dedicar-se, muito provavelmente de maneira ainda mais

intensa, a esse aprendizado para que não saiba a língua de modo perfunctório e, assim,

supere suas deficiências.

Segundo Sebold (1998), na gramática de Nascentes, apresenta-se uma visão de

língua normativa e prescritiva e uma confusão entre língua literária e língua cotidiana,

uma vez que os modelos de correção derivavam de modelos literários. Entretanto, é

interessante observar, como fazem Vargens e Freitas (2010) que, em sua Gramática,

Antenor Nascentes também chamava a atenção para a necessidade de trabalhar com os

gêneros do cotidiano, que seriam efetivamente usados pelos alunos e não mais com o

método derivado do ensino de línguas clássicas, ou seja, o da tradução e do comentário

de textos literários: “Em vez da versão de trechos de antologias, é preferível ensinar a

redigir cartões postais, telegramas, bilhetinhos, cartas, que são as coisas que o aluno

precisará escrever em língua espanhola” (Nascentes, 1934, p.119, apud VARGENS e

FREITAS, 2010, pp.196-197).

Portanto, Nascentes traz, com sua gramática, outra forma de se ensinar a língua

espanhola no Brasil, através do método contrastivo e do uso de gêneros do cotidiano.

Em termos de políticas cognitivas, podemos dizer que ele inaugura assim uma política

cognitiva acerca de como e por que a língua espanhola precisa ser ensinada aos

brasileiros – uma política cognitiva que traz consigo a marca da recognição, uma vez

que, por mais que se ressalte a necessidade de uso de gêneros do cotidiano, as línguas

são entendidas como prévias e acabadas em si mesmos e que, portanto, cabe ao

aprendiz, que está alheio a elas, compará-las para que não tenha um conhecimento

superficial e assim resolva suas dificuldades, que também são pré-determinadas, uma

vez que elas se encontram na língua e não nos aprendizes.

Entre 1925, quando o espanhol deixa de ser ensinado no Colégio Pedro II, e

1942, quando uma nova lei para educação é formulada, têm-se que, segundo Freitas

(2011, p.04), “o ensino do espanhol no Rio de Janeiro e no Brasil enfrentou-se com um

longo período de esquecimento, um interregno sobre o qual não há notícias da presença

dessa disciplina em instituições escolares”. Em 1942, então, em meio à chamada

Reforma Capanema, que pretendia reestruturar a educação nacional, foi criada a

primeira legislação a tornar a língua espanhola disciplina obrigatória – a Lei Orgânica

do Ensino Secundário. Essa lei foi criada durante o governo ditatorial de Getúlio Vargas

142

e em meio à Segunda Guerra Mundial. De acordo com ela, o espanhol, substituindo o

alemão, passou a ser ensinado como disciplina obrigatória, mas apenas no 1º ano dos

cursos Clássico ou Científico e com uma carga menor do que as outras línguas

estrangeiras modernas e clássicas: o francês, o inglês, o latim e o grego, já ensinadas,

nesse momento, há quase um século nas escolas brasileiras (DAHER; 2006; FREITAS e

BARRETO, 2007; FREITAS, 2011; PARAQUETT, 2009b; RODRIGUES, 2010).

Segundo Picanço (2003), a substituição do alemão pelo espanhol se

explica não apenas pelo fato de aquela ser a língua do inimigo na

Guerra Mundial, mas também como uma tentativa de sufocar as

colônias alemãs do sul do país que insistiam em manter em língua dos

seus antepassados e em não adotar o português. A opção pelo

espanhol se deu em função de que o inglês e o francês já faziam parte

do currículo e o italiano padecia dos mesmos problemas do alemão.

Além disso, o espanhol era língua de grandes clássicos da literatura...

(FREITAS e BARRETO, 2007, p.58)

Daher (2006) afirma que a Reforma também sugeria que se adotasse o ensino

através do método direto, apontando inclusive detalhes de como as aulas deveriam ser

dadas. Segundo Leffa (1988), esse método se caracteriza pela ênfase na língua oral,

podendo a escrita ser introduzida nas primeiras aulas. Nele, recomenda-se o uso de

diálogos situacionais e pequenos trechos de leitura para desenvolver exercícios orais e,

posteriormente, exercícios escritos, sendo o primeiro método que vai se utilizar da

integração das chamadas quatro habilidades (ouvir, falar, ler e escrever, nessa ordem).

Além disso,

A gramática, e mesmo os aspectos culturais da L2, são ensinados

indutivamente. O aluno é primeiro exposto aos "fatos" da língua para

mais tarde chegar a sua sistematização. O exercício oral deve preceder

o exercício escrito. A técnica da repetição é usada para o aprendizado

automático da língua. O uso de diálogos sobre assuntos da vida diária

tem por objetivo tornar viva a língua usada na sala de aula. O ditado é

abolido como exercício (LEFFA, 1988, p.215).

De acordo com o autor, esse método foi introduzido no Brasil, em 1932, no

Colégio Pedro II, através de uma reforma radical no método de ensino, que envolveu a

diminuição do número de alunos por turma – entre 15 e 20 alunos –, uma seleção

rigorosa de professores e a escolha de material adequado à proposta. Apresentado na

letra da lei, poderíamos dizer que se institui assim, pela primeira vez, uma política

cognitiva oficial no Brasil relativa ao ensino de línguas, a qual, igualmente marcada

pela lógica da recognição, aparta a língua de seus aprendizes e regula uma maneira

única de se aprender – de fora para dentro, ou seja, da língua pronta para o aprendiz, que

143

não deveria, então, bem como o professor, usar sua língua materna para não prejudicar o

processo. Entretanto, salienta Leffa (1988, p.216), esse método não foi adotado

plenamente por professores em sala de aula, “o antagonismo entre a AD [abordagem

direta], defendida pelos metodólogos, e a AGT [abordagem da gramática e da tradução],

empregada pela maioria dos professores na prática, parece mostrar uma luta constante

que perpassa todo o ensino de línguas através das mais diferentes abordagens e

métodos”.

É nesse tempo também – anos 40 – que se criam os primeiros Cursos Superiores

de Letras Neolatinas, sendo o primeiro deles em 1941, na Universidade Federal do Rio

de Janeiro, com foco maior nos estudos literários (DAHER, 2006; PARAQUETT,

2009b). Nota-se que o método direto não chega a invadir os cursos superiores a esse

tempo, estando eles mais restritos ao caráter cultural, que marca o aspecto mais

importante do ensino de espanhol em sua origem no Brasil, bem como uma concepção

de língua focada na norma e na prescrição (DAHER, 2006).

Além disso, é também na década de 40, que surge nos EUA, conforme aponta

Luna (2012), o chamado “Army Method”, voltado para o ensino para militares da

produção e da compreensão oral de línguas faladas pelos diferentes povos com os quais

o exército americano deveria se comunicar, influenciando também o ensino de língua

inglesa como LE em países que apoiavam os EUA. Esse método é marcadamente

influenciado pela teoria behaviorista, concebendo a língua um sistema de hábitos, e o

aprendizado como um processo de condicionamento (LUNA, 2012, p.37). O foco,

assim, deste método, também denominado de audiolingual, estava na oralidade, a

gramática deveria auxiliar apenas a imitação da fala e a escrita só deveria ser ensinada

após o “domínio” da oralidade. Para esses fins, também teve grande contribuição a

chamada linguística contrastiva, com ênfase nas estruturas das línguas estrangeiras em

comparação ao inglês (LUNA, 2012). Como apresentado no capítulo 1, é também com

forte influência desse campo que nasce a Linguística Aplicada.

Essa perspectiva contrastiva chega de maneira muito forte no ensino de espanhol

no Brasil com a publicação do Manual de Español, de Idel Becker, em 1945,

considerado por Celada e González (2000, p.44) um “gesto fundador” de uma visão de

ensino de espanhol no Brasil, aprofundando o que já aparecia na gramática de Antenor

Nascentes: “os estudos de Nascentes instauram e fundam uma interpretação acerca da

língua espanhola que o Manual de Becker consolida e consagra (CELADA e

144

GONZÁLEZ, 2000, p.50, tradução minha)67

. A presença do manual de Becker foi tão

forte durante algum tempo que Amaral (1995, apud CELADA e GONZÁLEZ, 2000,

p.51), chega a dizer que “quem não estudou na época com o professor Becker estudou,

certamente, com seu Manual de Español”. Segundo Sebold (1998), esse manual, focado

nas dificuldades para um brasileiro ou um português aprender o espanhol (e vice-versa),

baseado em “divergências léxicas” e na abordagem contrastiva, traz ressonâncias no

ensino de espanhol no Brasil até hoje.

Não apenas o Manual ressoa ainda hoje como também o próprio método da

análise contrastiva voltada para o ensino e apoiada na pressuposição behaviorista de que

os indivíduos transferem hábitos de sua língua à língua aprendida influencia os estudos

em espanhol até hoje (CELADA e GONZÁLEZ, 2000). Essa abordagem pressupõe que

havia a necessidade de colocar as línguas em contraste para encontrar as diferenças

entre elas e, assim, prever as dificuldades dos aprendizes. Entretanto, como salientam

Celada e González (2000, p.38, tradução minha), “essa diferença linear, em tese

objetivamente observável pelo linguista, não necessariamente se traduz em dificuldade,

o que significa que se suprime totalmente a reflexão sobre o peso da relação do sujeito

com seu objeto de aprendizagem”68

. Dessa forma, com o foco na língua e não no

aprendiz (GERHARDT, 2013), uma vez que as línguas são vistas como dadas e devem

ser comparadas para que as dificuldades dos alunos sejam previstas, projeta-se uma

política de cognição mais uma vez baseada na recognição. Tal política, como é possível

notar, vai atravessando os diferentes métodos ao longo do tempo.

Nesse sentido, é interessante observar a crítica feita por Celada e González

(2000, p.39) sobre o fato de que os estudos da língua realizados para resolver problemas

de didática geralmente mantêm a pressuposição de que “a efetiva investigação no

campo da língua espanhola, aquela que, sem ter um caráter propriamente didático, é a

que pode dar e dará à didática do espanhol as pautas, se não do que deve ser, ao menos

do que não deve reproduzir”69

. Retomo aqui, então, a ideia apresentada no início deste

67

Original: “los estudios de Nascentes instauran y fundan una interpretación acerca de la lengua española

que el Manual de Becker consolida y consagra” (CELADA e GONZÁLEZ, 2000, p.50).

68 Original: “esa diferencia lineal, en tesis objetivamente observable por el linguista, no necesariamente se

traduce en dificultad, lo que significa que se suprime totalmente la reflexión el peso de la relación del

sujeto con su objeto de aprendizaje” (CELADA e GONZÁLEZ, 2000, p.38).

69 Original: “la efectiva investigación en el campo de la lengua española, aquella que, sin tener un carácter

propiamente didáctico, es la que puede dar y dará a la didáctica del español las pautas, si no de lo que

debe ser, al menos de lo que no debe reproducir” (CELADA, GONZÁLEZ, 2000, p.39).

145

capítulo de que só é possível falar de ensino-aprendizagem com base em pressupostos

sobre a aprendizagem. A lógica recognitiva que separa língua de aprendiz e concebe

ambos como pré-definidos e, portanto, passíveis de previsibilidade na relação que

estabelecerão ao longo do aprendizado, acaba por instaurar cenários como esse, que se

apresentam até hoje, uma vez que a noção naturalizada de aprendizagem não é

questionada.

Na década de 50, segundo Valbuena Prat (2000, apud FREITAS e BARRETO,

2007), a situação do espanhol no Brasil era precária e se restringia apenas a algumas

iniciativas individuais. Em 1961, cria-se, então, a primeira LDB – Lei de Diretrizes e

Bases da Educação (LDB) e o panorama se altera, uma vez que ela não apresenta, em

seu texto, nenhuma referência a qualquer língua estrangeira. Abria-se, porém, uma

brecha para que elas continuassem a ser ensinadas, uma vez que a lei descentralizava as

determinações sobre a educação, criando os Conselhos Estaduais de Educação (CEE),

que deveriam ser corresponsáveis pela estruturação curricular das escolas, em função

das especificidades de cada região (RODRIGUES, 2010; FREITAS, 2011). Entretanto,

em função disso, a língua espanhola praticamente desapareceu dos currículos escolares,

uma vez que:

Essa oportunidade de subsistência que a LDB abria, porém, não foi

sentida da mesma maneira por todas as línguas que se ensinaram entre

1942 e 1961. O espanhol foi, entre as três línguas modernas

obrigatórias – ao lado do francês e do inglês -, aquela que desfrutou do

menor poder de adesão na estrutura curricular desse período, devido a

sua presença praticamente simbólica nos cursos Clássico e Científico

(contando com apenas um ano de estudo) e ao pouco tempo de que se

dispôs para poder consolidar nesse nível de ensino (RODRIGUES,

2010, p.17).

Como destaca Daher (2006), com menos de vinte anos de implantação, o

espanhol acabou saindo do espaço educativo, no qual permaneceram unicamente o

inglês e/ou o francês e, “com isso, o inglês e o francês se tornaram hegemônicos

durante, pelo menos, três décadas” (FREITAS, BARRETO e MARESMA, 2006). Nesse

sentido, cabe ressaltar o conceito de fonias (LAGARES, 2013) e a trajetória desses

idiomas para que eles se sobrepusessem ao espanhol. Sobre isso, Lagares (2013) aponta

que:

a sua presença [do francês] em instituições internacionais e o seu

prestígio como língua de cultura tem a ver, sobretudo, com o papel

que a França cumpriu desde cedo como centro mundial da cultura

“leiga”, e com o fato de Paris ser um centro cultural de produção e

validação internacional da cultura letrada [e que] a hegemonia

146

internacional do inglês se baseia principalmente no fato de outros

países se situarem na sua órbita, apesar de não o terem como língua

primeira da sua população nem como língua oficial (...). Mas o grande

sucesso do inglês como “língua franca” nas relações internacionais

(políticas, econômicas, culturais, científico-acadêmicas) se deve ao

enorme poder de atração do mercado de bens materiais constituídos

nessa língua” (LAGARES, 2013, pp.389-390).

Além disso, como bem ressaltam Celada e González (2000, p.37, tradução

minha, grifos das autoras): “o espanhol é uma língua que, no Brasil, tradicionalmente

foi objeto de uma ‘falta de atribuição de um suposto saber’ pelo qual valesse o esforço

de ser estudada”. Assim, o seu ensino no Brasil é marcado por “uma história de

desconhecimento mútuo, apoiado, porém – e isso é talvez o mais problemático – em

uma pressuposição de conhecimento”.70

É importante, entretanto, ressaltar que a língua

espanhola continuava sendo ensinada no nível universitário, primeiramente nos cursos

de Letras Neolatinas, criados no final da década de 1930 e, a partir dos anos 60, nos de

Letras (Português-Espanhol), e em alguns cursos livres (FREITAS e BARRETO, 2007;

FREITAS, 2011; PARAQUETT, 2009b).

Sobre a nova legislação, Rodrigues (2010, p.18) aponta que, mais do que

prejudicar a ampliação do ensino de espanhol, essa alteração na legislação “deu início a

um processo que temos chamado de ‘desoficialização’ do ensino de línguas estrangeiras

por parte do Estado em suas escolas”. Assim, aos poucos as línguas estrangeiras vão

deixando de ocupar lugar de destaque nas escolas brasileiras. Não à toa, os cursos livres

se fortalecem nas décadas de 1950 e 1960, quando são fundados, no Brasil, institutos de

cultura empreendidos por países hispânicos, ou seja, como parte de suas políticas

linguísticas, especialmente por Espanha e Argentina (FREITAS, 2011): “Eram criações

de política exterior linguística e cultural e tinham, entre suas finalidades, a oferta de

cursos de língua espanhola” (FREITAS, 2011, p.8). Um desses exemplos é o ICH, que:

nasceu com a conclusão das atividades do Consejo de la Hispanidad,

instituição criada em 1940 para levar adiante o ideal de Hispanidade,

sob a direção da Espanha, que assumia o papel de “líder espiritual do

mundo hispânico” (BARBEITO DÍEZ, 1989). Na verdade, o ICH

dava continuidade apenas à Sección Cultural do Consejo de la

Hispanidad, com seus programas de intercâmbio acadêmico e cultural,

bolsas, publicações, entre outros. A política externa franquista

70

Original: “el español es una lengua que en Brasil tradicionalmente fue objeto de una “falta de

atribución de un supuesto saber” por el cual valiese el esfuerzo de ser estudiada”. – “una historia de

desconocimiento mutuo, apoyados, sin embargo – y esto es quizás lo más problemático – en una

presuposición de conocimiento” (CELADA e GONZÁLEZ, 2000, p.37).

147

desejava cooptar o Brasil para a “causa” da hispanidade (AYLLÓN

PINO, 2004). Dois anos após sua fundação, em 1958, o IBCH começa

a oferecer cursos de língua espanhola. A iniciativa partiu de Emilia

Navarro Morales, então professora de língua espanhola da Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro, que teria encontrado na

criação desses cursos a solução para a prática de ensino de seus alunos

de graduação (FREITAS, 2011, p.8).

Sobre esse período, Vargens e Freitas (2010) apontam que “o século XX, em

especial o período que vai da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) à década de 70, foi

marcado, no que diz respeito ao ensino de línguas estrangeiras, por métodos (direto,

audiolingual, situacional) cujo foco estava nas competências orais” (VARGENS e

FREITAS, 2010, p. 199), principalmente se considerarmos esses cursos livres que se

multiplicavam cada vez mais com o passar dos anos.

Em 1971, cria-se uma nova LDB que apenas sugeria que as línguas estrangeiras

poderiam ser escolhidas pelos CEEs para a composição dos currículos, sendo a situação

de “desoficialização” alterada apenas em 1976, com a Resolução 58/76 do Conselho

Nacional de Educação (CNE), que retornava com a obrigatoriedade do ensino das

línguas no núcleo comum do 2º grau e recomendava também sua inclusão no 1º grau,

“onde as condições o indiquem e permitam”. A escolha das línguas a serem ensinadas

ficava por conta dos CEEs, o que mantinha o espanhol na mesma condição

(RODRIGUES, 2010; FREITAS, 2011).

Com isso, a partir de 1961, o espanhol praticamente desaparece das

escolas brasileiras e permanecem hegemônicos durante quase três

décadas o francês e o inglês, em especial. A língua espanhola

resiste, sempre convivendo com inglês e francês, em instituições como

o Colégio Pedro II, que a manteve no curso Clássico ao longo da

década de 1960, e em algumas escolas da rede pública do Estado da

Guanabara, que realizou concurso para professor de espanhol em 1967

(DAHER, 2009) (FREITAS, 2011).

A esse tempo – nos anos 70, por um lado, introduz-se no Brasil uma concepção

instrumental do ensino de línguas (DAHER, 2006) e, por outro, há um avanço dos

enfoques chamados de comunicativos, que levam a um ensino focado de forma mais

equilibrada nas quatro habilidades linguísticas. Entretanto, dentro dessa abordagem, a

ilusão de transparência entre as línguas fez com que as competências escritas fossem

pouco trabalhadas em aula (VARGENS e FREITAS, 2010): “Entre línguas estrangeiras

e língua materna parece haver-se criado um hiato que isolava as competências orais

como responsabilidade das primeiras e, as escritas, como pertencentes à seara da

segunda” (VARGENS e FREITAS, 2010, p.200). O ensino da língua escrita em língua

148

estrangeira parece, então, ter sido relegado à concepção instrumental, que, dedicada

especialmente à leitura, passou a ser procurada por aqueles que precisavam das línguas

estrangeiras para fins acadêmicos.

De certa forma, pode-se dizer que há nesse movimento um princípio de busca

pela fuga de uma política de recognição que apontava ali ainda timidamente para uma

política de invenção: em teoria, o método instrumental partiria das necessidades dos

alunos que vão buscá-lo, colocando-os no centro do processo, e o método comunicativo

retiraria o foco da língua e o colocaria na interação, reconhecendo a necessidade de 1 -

priorizar a comunicação; 2 - o uso de diferentes recursos, inclusive a língua materna e a

tradução se necessários, para a aprendizagem; 3 - a motivação e a reflexão sobre os

erros como parte de um processo pelos alunos; 4 - a contextualização da correção e a

impossibilidade de que o professor saiba exatamente e previamente a língua que seus

alunos usarão (cf. LEFFA, 1988; RICHARDS e RODGERS, 2003).

Entretanto, ao que parece, a busca por uma didatização encaixada nos padrões

anteriormente estabelecidos não fez com que a prática de ensino de línguas estrangeiras

se encaminhasse efetivamente para uma política de invenção, o que se pode notar muito

claramente na crítica levantada por Leffa (1988, p.229) a essa abordagem:

Embora a abordagem comunicativa tenha produzido na teoria várias

tentativas de taxionomias, na prática parece impossível aplicar os

princípios taxionômicos de modo que uma unidade de ensino forme

um todo integrado pelas suas partes. O fato de que uma função

independe da realidade física em que se encontram os participantes

(uma pessoa pode discordar numa loja, num restaurante ou numa aula)

torna difícil ou impossível encapsular uma série de funções menores

numa função maior. Um dos problemas, por exemplo, com materiais

comunicativos é identificar o conteúdo de cada unidade, normalmente

expresso através de listas de funções simultaneamente repetitivas,

incompletas e sem qualquer relação entre si. A compartimentalização

da língua em funções corre o risco de atomizacão da aprendizagem.

Não digo aqui que a abordagem comunicativa iria resolver os problemas do

ensino de línguas, principalmente considerando-se os problemas que a esse tempo já

dominavam a escola pública brasileira. Entretanto, é interessante observar na crítica

posta por Leffa (1988), a dificuldade de que novas propostas fossem inseridas em sala

de aula de forma a que fosse possível romper com visões de aprendizagem já

estabelecidas – dificuldade essa que nos acompanha ainda hoje, como bem nos lembra

Kastrup (2005; 2012), ao comentar nossa dificuldade de romper com o modelo da

recognição.

149

Nos anos 80, então, inicia-se um movimento de luta pelo regresso do ensino de

espanhol na educação básica, principalmente após a fundação da Associação de

Professores de Espanhol do Estado do Rio de Janeiro (APEERJ), criada para esse fim,

em 1981. Em poucos anos de luta, a APEERJ conseguiu aprovar leis no Estado e no

município do Rio de Janeiro que tornavam obrigatório o ensino de espanhol em escolas

de 1º e 2º graus. Além da APEERJ, paralelamente, outras associações foram sendo

fundadas pelo Brasil (DAHER, 2006; FREITAS e BARRETO, 2007; FREITAS, 2011;

PARAQUETT, 2009b). Antes disso,

Em 1980, já no processo de reabertura democrática, a Secretaria

Estadual de Educação do Rio de Janeiro faz a opção pelo Espanhol,

juntamente com o Inglês e o Francês, como língua estrangeira a ser

oferecida nos Centros de Estudos Supletivos. Dessa forma, o Espanhol

passa a ser, outra vez, uma opção de língua estrangeira na rede pública

estadual” (PARAQUETT, 2009b, p.07).

Entretanto, Paraquett (2009b, pp.08-09) nos lembra que “essa obrigatoriedade

[posta nas leis estadual e municipal aprovadas] não foi cumprida a contento, porque

houve resistência por parte de muitos diretores de escolas e também pela comunidade

como um todo, já que ainda não se podia compreender a importância da aprendizagem

de E/LE por brasileiros”. Ressalto aqui que, na verdade, ainda hoje as leis são

descumpridas por falta de compromisso dos governantes, mesmo com o apoio das

diversas comunidades escolares.

Além disso, outro fator que contribuiu para a ampliação do ensino de espanhol,

principalmente nas redes privadas, foi a inclusão, a partir de 1986, pela Cesgranrio entre

as línguas que poderiam ser escolhidos pelos alunos que prestariam os exames de

vestibular, sendo também essa uma conquista da APEERJ (FREITAS, 2011; FREITAS

e BARRETO, 2007 e PARAQUETT, 2009b). Também nos anos 80, impulsiona-se a

investigação sobre o ensino de leitura em língua estrangeira no Brasil, a partir do

projeto de Maria Antonieta Alba Celani denominado Projeto Nacional de Ensino de

Inglês Instrumental (VARGENS e FREITAS, 2010). Vargens e Freitas (2010) apontam

que esse projeto, ainda que focado no inglês, foi muito importante também para o

desenvolvimento de pesquisas relativas ao ensino de leitura em espanhol.

Entretanto, até os anos 90, a presença quase exclusiva do Inglês em instituições

públicas e privadas não conseguiu ser quebrada (PARAQUETT, 2009b), sendo ela

o resultado de uma política de hegemonia linguística que está além

das leis brasileiras. Pode-se encontrar explicação para essa hegemonia

no (falso) caráter utilitário que essa língua tem no imaginário da classe

150

média brasileira e que, de certa forma, repete o discurso ideológico e

econômico que vem crescendo desde a metade do século XX

(PARAQUETT, 2009b, p.06).

A situação só vai começar a se alterar no início dos anos 90, com a assinatura do

Tratado do Mercosul (1991), em um contexto em que “ao mesmo tempo em que se fala

em interesses globais, as nações estão procurando cada vez mais cuidar dos interesses

regionais” (RAJAGOPALAN, 2003, p.60). A partir daí, o número de cursos de língua

espanhola expandiu-se bastante e houve uma mudança no perfil do público, passando a

ser composto por profissionais e estudantes (FREITAS, 2011). Dessa forma, o espanhol

deixa de ocupar um lugar de língua “literária” e “de cultura” e passa a ocupar o lugar de

língua veicular (CELADA e GONZÁLEZ, 2000). Paralelamente, desde os anos 90, a

RAE vem implementando uma política denominada de “pan-hispânica”, que se projeta

na produção de materiais normativos e didáticos para o ensino de espanhol e no próprio

ensino de espanhol como língua estrangeira, através de uma visão de língua como puro

instrumento de comunicação e da noção de pátria compartilhada (LAGARES, 2013):

Essa política inclui uma proposta padronizadora para o espaço

internacional do espanhol, e é implementada com o apoio desigual dos

governos dos países de língua espanhola e com a decidida intervenção

de um conglomerado empresarial que já tinha constituído formalmente

uma Fundación Pro Real Academia Española, em 1993 (LAGARES,

2013, p.400).

Essa política se manifesta mais claramente quando, em 1998, é criado o Instituto

Cervantes no Brasil (PARAQUETT, 2009b).

O Instituto Cervantes é o órgão oficial do Ministério de Educação da

Espanha para fomentar o Espanhol como língua estrangeira fora do

território nacional. Seu papel é, portanto, político. Essa aparente

coincidência [com a criação do MERCOSUL] confirma que a

Espanha seguia com sua política lingüística externa, lutando por

garantir a presença do Espanhol fora de seu espaço geopolítico. Além

da oportuna presença do Instituto Cervantes, houve a partir dos anos

noventa uma intensa corrida de editoras às instituições brasileiras de

ensino, no propósito de vender manuais didáticos que seriam

utilizados, farta e cegamente, na rede privada e pública de nosso país.

Esses materiais traziam em si, e sem disfarce, as marcas da política de

hegemonia linguística, conhecida, pela primeira vez, nas caravelas dos

conquistadores (PARAQUETT, 2009b, p.08).

É interessante observar que, apesar de o MERCOSUL ser uma proposta de

integração regional, com a presença forte de uma política linguística espanhola aqui no

Brasil, o ensino de língua espanhola passa a ser regido pelos materiais produzidos na

Espanha – materiais que se produzem para alunos de espanhol de todo o mundo e que

151

ignoram, portanto, as especificidades do aprendiz que aprende essa língua no Brasil.

Assim, vemos também uma influência estrangeira na construção de uma política

cognitiva relativa à aprendizagem do espanhol, uma vez que essa padronização colocada

nos materiais demonstra claramente que o seu foco está na língua (GERHARDT, 2013),

e que, como a língua é a mesma para todos, não há problema algum que um mesmo

material cruze o mundo ensinando-a. E isso se refere a não apenas materiais, uma vez

que, como ressalta Freitas (2011), os Institutos Cervantes aqui fundados vieram com o

propósito de formar professores:

Após a fundação, em 1998, da sede em São Paulo, o IC abre as portas

no Rio de Janeiro em 2001. A princípio, eram sedes diferentes das

demais no mundo, pois não ofereciam cursos livres de língua e se

dedicavam apenas a atividades de didática e de metodologia. Em

função disso, eram inicialmente denominadas Centros de Formación

de Profesorado, apesar de a legislação educacional brasileira atribuir

apenas às Instituições de Ensino Superior a tarefa de formação

docente. Somente em 2002 e 2003, respectivamente, os IC de São

Paulo e Rio de Janeiro começam a dispor de cursos livres de língua e,

de maneira gradativa, vêm diminuindo as atividades de didática e

metodologia em prol dos cursos de língua (FREITAS, 2011, P.16).

Uma nova lei que alteraria a situação escolar das línguas estrangeiras só entrou

em vigência em 1996 e mantém-se vigente até hoje. Trata-se da LDB 11.161, que define

que, obrigatoriamente, uma língua estrangeira moderna deve ser ensinada como

disciplina obrigatória, a partir do segundo segmento do ensino fundamental, sendo ela

escolhida pela comunidade escolar, e outra em caráter optativo, no ensino médio, dentro

das possibilidades da instituição (FREITAS e BARRETO, 2007; PARAQUETT, 2009b;

RODRIGUES, 2010). Essa lei, mais uma vez, não altera a situação do espanhol na

escola brasileira; entretanto, com a luta das associações e com o argumento da fundação

do MERCOSUL, abrem-se brechas para que a disciplina se expanda. Paraquett (2009b),

por exemplo, nos lembra que, em 1998, devido à importância atribuída ao espanhol,

realiza-se o primeiro concurso para professores da rede pública municipal do Rio de

Janeiro para o nível de Ensino Fundamental, o que torna essa a primeira rede a incluir o

espanhol em seu currículo como língua obrigatória, embora opcional para o aluno.

Por outro lado, os cursos superiores de formação de professores de espanhol

ainda se espelhavam em currículos de universidades espanholas ou mesmo na

organização de gramáticas espanholas (SEBOLD, 1998), o que as aproximava das

políticas linguísticas (e, claro, cognitivas) da Espanha. Nesse sentido,

152

Por um lado, há um consenso de que é importante que o espanhol seja

amplamente divulgado e ensinado no Brasil, em vista do interesse

geopolítico do Estado brasileiro em fortalecer os laços com seus

vizinhos no continente sul-americano. Por outro lado, há uma

tremenda indefinição ou falta de clareza em relação às variedades da

língua a serem escolhidas para compor os materiais didáticos

(RAJAGOPALAN, 2013b, p.67).

Em 2000, ainda nesse contexto, funda-se a Associação Brasileira de Hispanistas

(ABH) e amplia-se em nível nacional a luta pela expansão do ensino de espanhol

(PARAQUETT, 2009b). Alguns anos depois, em 2005, então, é aprovada a lei 11.161,

que estabelece a obrigatoriedade da oferta de língua espanhola no ensino médio: uma lei

polêmica mesmo entre professores de espanhol, uma vez que muitos alegam que ela

representaria um movimento contrário ao plurilinguismo e à escolha livre da

comunidade escolar (FREITAS e BARRETO, 2007).

Em função da indeterminação estabelecida pela LDB, essa lei teve que obrigar a

oferta pela escola, mas deixar facultativa a matrícula ao aluno, de forma que não se

sobrepusesse à LDB. Essa lei traz um problema grave para os que acreditam na

possibilidade de ensinar línguas estrangeiras na escola regular. Ela autoriza e

regulamenta uma prática já comum em escolas privadas desde os anos 90 – o ensino de

línguas estrangeiras através do convênio com cursos livres. Além disso, ela

institucionaliza a possibilidade de que sistemas públicos criem “centros de ensino de

língua estrangeira” (RODRIGUES, 2010), retirando assim das escolas a

responsabilidade pelo ensino de línguas estrangeiras. Segundo Rodrigues (2010, p.21),

essas possibilidades se vinculam diretamente ao processo de “desoficialização” do

ensino de línguas estrangeiras em contexto escolar, uma vez que:

Segundo uma imagem que ganha espessura e se estende pelo Brasil a

partir dos anos 60, a escola “não ensina bem línguas estrangeiras” e,

por isso, essa disciplina deve ser concebida como um conteúdo

extracurricular, podendo ser estudada isoladamente, sem vínculos com

as demais disciplinas que compõem a grade do Ensino Médio (...).

A partir da criação da lei, o Ministério da Educação (MEC) executou ações

diversas no sentido de contribuir para o processo de inclusão dessa disciplina na

Educação Básica:

avaliação, seleção e distribuição aos professores do Ensino Médio de

um kit de materiais didáticos de Língua Espanhola; elaboração de um

capítulo específico para o Espanhol nas Orientações Curriculares

(2006); inclusão das Línguas Estrangeiras (Inglês e Espanhol) no

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD 2011 – anos finais do

Ensino Fundamental e PNLD 2012 – Ensino Médio) e no Programa

153

Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), entre outras (BARROS e

COSTA, 2010a, p.9).

Por outro lado, começaram a aparecer também notícias na imprensa nacional e

internacional sobre milhares de postos de trabalho que se abririam em função da lei, o

que não era verdade (DAHER, 2006). Também apareceram projetos do governo

espanhol para a formação de professores fora dos cursos de licenciatura em função

desses números. Em contraposição a elas, manifestações intensas das associações de

professores e de professores de diversas universidades contrários a esses projetos

conseguiram bloquear tais projetos (DAHER, 2006). Sobre esse período, que vai até os

anos 2000, Freitas e Barreto (2007, p.58) descrevem a expansão do ensino de espanhol

no Brasil como um fenômeno impressionante, uma vez que “há trinta anos ocupava uma

posição secundária entre as línguas estrangeiras estudadas no país, e atualmente, embora

não tenhamos dados exatos sobre o assunto, é, sem dúvida, a segunda em importância”.

Além disso, observa-se também um fenômeno inédito: a propagação do ensino

de espanhol nos dois primeiros ciclos do ensino fundamental, sem que se tenham

pensado documentos orientadores para este trabalho e sem que os cursos universitários

formem professores para atuar nesse nível (DAHER, 2006), o que mais uma vez reforça

a ideia de aprendizagem como recognição, posto que se entende que se a língua é a

mesma, os professores que vão trabalhar com crianças e com adolescentes também

podem ser os mesmos e ter as mesmas formações, independente das especificidades que

a infância traz para o trabalho do professor.

Atualmente, excluindo o trabalho desenvolvido nas chamadas escolas bilíngues

ou internacionais, as línguas estrangeiras, especialmente o espanhol, ainda aparecem,

como ressalta Rodrigues (2010, p.23) num certo imaginário, desvinculadas do

estabelecimento escolar, “o que explica as numerosas tentativas de produzir sua efetiva

separação com relação às demais disciplinas oferecidas pela escola em suas estruturas

curriculares”. Entretanto, é importante observar que

A integração do processo de aprendizagem de línguas estrangeiras

com as demais disciplinas que compõem o currículo de cada

estabelecimento é uma forma de respeitar a proposta de formação

integral, além de uma oportunidade de fazer com que a língua

estrangeira estudada, faça sentido no/para aluno (RODRIGUES, 2010,

p.23).

A isso, se soma o fato de que “o multilinguismo está se tornando cada vez mais a

norma e não a exceção em nosso mundo” (RAJAGOPALAN, 2003, p.27) e que,

154

portanto, “urge pensar em novas formas de formular a política linguística no Brasil, com

vistas à nova ordem mundial que está aí e ao importante papel reservado a nosso país

nesta nova ordem” (RAJAGOPALAN, 2013a, p. 161). Além disso,

As formas como a língua estrangeira é encarada e ensinada como

parte do currículo escolar determinam como as crianças vão abordar

sua própria identidade como futuros cidadãos adultos, encarregados de

participar nas decisões importantes relativas às políticas internas e

externas do seu país, e de conduzir os rumos do seu país no cenário

global (RAJAGOPALAN, 2013b, p.69).

Nesse sentido, é de se lamentar enormemente o que vem acontecendo com o

ensino de línguas estrangeiras no Brasil durante o governo Temer, uma vez que, após a

Reforma do Ensino Médio, o inglês passou a ser a única língua estrangeira obrigatória

tanto no Ensino Fundamental como no Ensino Médio, alterando-se a LDB de maneira

radical e jogando-se fora qualquer possibilidade de projeto plurilíngue. Além de revelar

uma política linguística que dá às costas para a América Latina, essa alteração também

projeta uma política cognitiva, uma vez que, subliminarmente, o que se diz é que a

função da aprendizagem de uma língua estrangeira deve ser unicamente tecnicista e

voltada para o mercado de trabalho. Dessa maneira, a impossibilidade de escolha por

parte do aprendiz demonstra que o mundo já está dado a tal ponto que não há sequer o

que escolher. Sobre isso, Rajagopalan (2013a, p.157) aponta que:

Há uma consciência crescente em diversas partes do mundo de que as

políticas educacionais devem colocar os interesses nacionais em

primeiro lugar, atendendo-se às prioridades geopolíticas que a nação

elegeu. Deve haver uma perfeita sintonia entre a política educacional

– e isso inclui a política de ensino de línguas – e o projeto geopolítico

na qual a nação se encontra isolada. Em vez de a linguística teórica

ditar as práticas relacionadas às políticas linguísticas e, por

conseguinte, a fortiori, ao ensino de línguas (...), hoje em dia percebe-

se que todos aqueles envolvidos de uma forma ou de outra na

educação devem estar atentos à esfera política, o lugar onde tais

questões devem ser debatidas e postas em prática.

O autor apresentava um panorama positivo derivado dessa reflexão. Entretanto,

em nosso contexto, em que o projeto colocado em voga não é o que a nação elegeu,

infelizmente, não há como projetar um futuro muito próspero, ao menos a curto prazo,

para o ensino de espanhol na escola regular. Nesse sentido, prosseguimos na luta para

que

(...) essa disciplina cumpra sua função no contexto do Ensino Regular:

contribuir para a formação de cidadãos letrados e críticos, com

autonomia para enriquecer e continuar seu aprendizado. Pode-se

concluir, assim, que não vemos a Língua Estrangeira na Educação

155

Básica como um mero instrumento para o mercado de trabalho, como

um signo de status social ou ainda como um conjunto de saberes

técnicos que se deve dominar para aplicar com fins específicos. Em

nossa concepção, o Espanhol no Ensino Regular tem uma função

muito mais ampla – a de educar e formar cidadãos -, possibilitando

contatos e encontros culturais relevantes e, mais que ensinar um

código, promover uma educação linguística, discursiva e intercultural

(BARROS e COSTA, 2010a, p.10).

Dessa maneira, o que se nota hoje, em trabalhos diversos, na academia

brasileira, é a defesa de um ensino de língua espanhola que:

a) parta do papel educativo das línguas estrangeiras (GONZÁLEZ, 2010;

BARROS e COSTA, 2010b; BAPTISTA, 2010; VARGENS e FREITAS, 2010);

b) que se apoie na superação de uma visão comunicativa tecnicista (GONZÁLEZ,

2010; BAPTISTA, 2010; VARGENS e FREITAS, 2010);

c) em uma perspectiva interdisciplinar (BARROS e COSTA, 2010b;

PARAQUETT, 2010; VARGENS e FREITAS, 2010);

d) no reconhecimento e na reflexão sobre a diversidade/pluralidade linguística e

cultural (GONZÁLEZ, 2010; BARROS e COSTA, 2010b; PARAQUETT,

2010; PONTE, 2010);

e) na superação da “enganosa proximidade” entre as línguas portuguesa e

espanhola, através do estudo da relação entre elas (GONZÁLEZ, 2010;

BARROS e COSTA, 2010b);

f) no ensino de gramática abordada de forma contextualizada e para além da

gramática normativa (GONZÁLEZ, 2010) e/ou reflexiva e indutiva (BARROS e

COSTA, 2010b);

g) na organização em temas transversais relevantes aos alunos (GONZÁLEZ,

2010; BARROS e COSTA, 2010b; PARAQUETT, 2010; VARGENS e

FREITAS, 2010) e

h) em gêneros discursivos e tipos textuais diversos, de forma intertextual

(BARROS e COSTA, 2010b; COSTA, 2008; PARAQUETT, 2010; VARGENS

e FREITAS, 2010; BRUNO, 2010);

i) no desenvolvimento linguístico do aluno associado ao desenvolvimento dos

letramentos (críticos, múltiplos, etc.) (BAPTISTA, 2010; BARROS e COSTA,

2010b; COSTA, 2008; VARGENS e FREITAS, 2010),

j) do pensamento crítico (BARROS e COSTA, 2010b), do senso de cidadania

(BARROS e COSTA, 2010b; VARGENS e FREITAS, 2010),

156

k) da autonomia intelectual (BARROS e COSTA, 2010b) e do domínio ativo do

discurso em diferentes comunidades e situações discursivas (VARGENS e

FREITAS, 2010);

l) e no desenvolvimento de habilidades, competências e estratégias diversas

(BARROS e COSTA, 2010b).

Entretanto, em um breve panorama, uma série de outros trabalhos tem

denunciado uma situação não muito positiva, em que materiais didáticos diversos

apresentam

a) questões de leitura que privilegiam a reprodução de informações explicitamente

postas na linearidade dos textos a leitura feita superficialmente, sem questões em

que os alunos emitam opiniões sobre o texto lido e sem que o conhecimento

prévio seja evocado para que o aluno conteste ou se contraponha ao que leu

(COSTA, 2011; FERREIRA, 2012; VARGAS, 2013);

b) dificuldade de se trabalhar, sistematicamente, com gêneros textuais e tipologias

de textos (PARAQUETT, 2012);

c) uma abordagem “estrutural” dos gêneros com ênfase na forma composicional e

no conteúdo (tema), deixando à parte os efeitos de produção de sentido e as

interrelações entre autor, leitor, texto e contexto (CARNEIRO et al., 2015);

d) a permanência de modelos comunicativistas que ignoram um ensino de base

interculturalista (PARAQUETT, 2012; GUADELUPE e SILVA, 2013);

e) a hegemonia de alguns países sobre outros, abandonando-se os mais periféricos,

inclusive em relação à diversidade linguística (PARAQUETT, 2012; ERES

FERNÁNDEZ et al., 2012; PONTE, 2010; RAJAGOPALAN, 2013b);

f) a apresentação de informações culturais pouco relevantes ou

descontextualizadas, com estereótipos ou visões distorcidas da realidade (ERES

FERNÁNDEZ et al., 2012);

g) a desconsideração das relações entre o universo cultural do aluno e os da língua

estudada (ASSIS e SILVA, 2015);

h) poucas atividades de compreensão leitora com a presença das relações entre

diferentes modos semióticos e práticas do letramento visual (MOREIRA, 2013);

i) ausência de reflexão (meta)linguística sobre as relações entre a língua materna

(português) e a língua aprendida (espanhol) (VARGAS, 2013).

157

Tudo isso demonstra que, basicamente, no ensino de língua espanhola vem se

reproduzindo o que Gerhardt (2013) denunciou em relação ao ensino de língua

portuguesa:

o foco dos planejamentos curriculares de língua portuguesa tem

recaído sobre a língua e não sobre os alunos, daí se considerarem as

condições de produção dos materiais didáticos, mas não as condições

em que os alunos constroem significados em contato com eles em sala

de aula, e com quais objetivos e recursos o fazem (GERHARDT,

2013, p.80).

Nesse sentido, é muito relevante que os dados anteriores tenham sido retirados

de análises de materiais didáticos, justamente porque, como demonstrarei na seção

seguinte, são esses materiais que efetivam em sala de aula as políticas cognitivas, sejam

elas previstas por documentos oficiais ou não. Portanto, considerando que “o desafio

para o aluno é como aprender a dominar a língua sem ser dominado por ela”

(RAJAGOPALAN, 2013b, p.68), é possível notar brevemente que ainda há muito por

fazer. Sobre esse fazer, é interessante observar que:

A política consiste em ação, não constatação. Ademais, ela objetiva

mudanças num dado status quo, não em sua perpetuação. Embora as

iniciativas políticas devam ser sensíveis às aspirações e aos desejos

daqueles em nome e em prol de quem elas são elaboradas, não podem

ser limitadas a tais restrições. Muitas vezes, as políticas devem ter

como objetivo introduzir mudanças no comportamento de um povo e

até mesmo nas suas formas de pensar. Em outras palavras, as ações

políticas são medidas intervencionistas (RAJAGOPALAN, 2013,

p.161a).

Concordando com Rajagopalan (2013a), acredito, então, que a produção de

livros didáticos que se proponham a fomentar políticas cognitivas de invenção é uma

ação política fundamental para a introdução de mudanças nas formas de pensar a

aprendizagem na escola brasileira. Essa ideia ficará mais clara na seção seguinte, em

que demonstrarei o papel basilar que os livros didáticos vêm desempenhando na

organização da cultura escolar brasileira e consequentemente na formação de aprendizes

e de seu posicionamento sobre seus processos de aprendizagem.

3.4. O livro didático como metonímia de políticas cognitivas: a construção histórica

de uma proposta de affordance

Como apresentei no capítulo anterior, parto, nesta tese, de uma visão de

cognição como processo de produção de conhecimento que se dá de forma distribuída

158

materialmente e socialmente, sendo, portanto, também situada, e representando a

manifestação das relações concêntricas estabelecidas entre forças culturais, locais e

individuais (HATCH e GARDNER, 1993). Assim, há sob essa visão dois tipos de

cognição distribuída, que se integram ao longo da interação que estabelecemos com o

ambiente e com as pessoas que nele se encontram: entre uma mente e um artefato

externo e entre mentes individuais (ZHANG e PATEL, 2006).

Essa visão de cognição distribuída traz para os estudos em e sobre o ensino

escolar a concepção da sala de aula como um nicho cognitivo (GERHARDT, 2014):

Para discussões sobre ensino, esse lugar é a sala de aula, que assume

um estatuto específico por ser um espaço de cognição, ação e

construção de significados com peculiaridades que não encontramos

em outros lugares. Tais peculiaridades permitem-nos definir para a

sala de aula a condição de nicho cognitivo - um locus onde as pessoas

pensam e agem de forma situada, e relativamente ao qual elas

constroem suas intersubjetividades (GERHARDT, 2014).

Entendendo, então, que, na escola, os pensamentos e as ações das pessoas se dão

de forma altamente institucionalizada, e que “é através de práticas cognitivas concretas

e efetivas que subjetividades são constituídas, sujeitos cognitivos são produzidos,

mundos são também constituídos, tudo em movimento em coengendramento”

(KASTRUP, 2012, p.55), torna-se essencial compreender como as pessoas atuam

situadamente a este espaço. Para que essa compreensão se desenvolva, é fundamental

que se observem os materiais que se encontram no nicho e que demonstram, de

diferentes maneiras, como o espaço (e tudo que há nele) afeta as pessoas, bem como as

pessoas também o afetam. Como nos lembra Gerhardt (2014):

como nicho cognitivo, não apenas a sala de aula afeta as pessoas que a

ocupam, como também as pessoas, através de suas ações cognitivas,

constroem os artefatos simbólicos e materiais propostos para uso, e

transformam-nos em coisas que elas podem compreender, usar (...).

Mas elas também reconstroem, ou seja, agem significativamente sobre

esses objetos, por isso a forma como os alunos os percebem é parte

integrante da natureza da sala de aula e dos relacionamentos em que

ali eles se engajam.

Portanto, entender a história do livro didático no Brasil e entender seu papel na

escola brasileira hoje é entender a própria história da construção da sala de aula como

nicho cognitivo e as possibilidades institucionalizadas para que nela atuem alunos e

professores.

a. Sua natureza local [do nicho cognitivo] diz respeito ao fato de que o

reconhecimento de um determinado espaço como nicho cognitivo

articula-se intimamente com o reconhecimento dos artefatos materiais

159

e simbólicos de um dado ambiente como elementos propiciadores e

desencadeadores das ações cognitivas pretendidas e realizadas naquele

espaço.

b. Sua constituição intersubjetiva [do nicho cognitivo] relaciona-se às

pessoas que constroem, participam de e têm as suas formas de

cognição organizadas relativamente ao nicho. Essas pessoas assumem

entre si, e em condições de ação conjunta, formas de cognição

baseadas no nicho, bem como nos problemas que justificam sua

existência, e nos objetivos de ação e cognição específicas àquele

espaço (Carassa et al. 2008).

c. Seus elementos de regulação normativa [do nicho cognitivo], que

podem se apresentar em âmbito mais ou menos institucional, afetam e

estruturam os comportamentos cognitivos das pessoas e suas

construções de significado (GERHARDT, 2014).

Nesse sentido, é fundamental, então, entender que, na sala de aula, o livro

didático atua como uma importante affordance, utilizada, como apontarei mais adiante,

como metonimização das intenções e expectativas da escola em relação ao aprendizado

dos alunos e ao desempenho dos professores. Entretanto, a construção e o uso dessa

affordance para o aprendizado escolar não é pré-dado, mas é também aprendido ao

longo do processo de escolarização. Como salienta Duque (2015a, p.62), “é na atuação

que descobrimos, revelamos ou até mesmo criamos o que elas [as affordances]

realmente proporcionam”. Além disso, a percepção (que é também conceptualização)

dessas affordances envolvem a mediação social e “não podem ser determinadas por

alguém que desconheça tais artefatos e esteja isolado de outras pessoas” (DUQUE,

2015a, p.62).

A affordance não se limita a um objeto isolado, mas depende de uma

coleção de objetos relacionados e de eventos. Em especial, as

affordances de artefatos não costumam ser autônomas. Elas dependem

de um contexto mais amplo que envolve outros artefatos e um

conjunto de ações envolvendo tais objetos (DUQUE, 2015a, p.62).

Não se pode esquecer que o uso do livro didático como affordance (ou como

suporte para a construção de affordances) não pode ser entendido fora de um contexto

específico de uso. Entretanto, não se pode negar o papel histórico que ele vem ocupando

na escola e que vem definindo também seus usos em microcontextos específicos. Nesse

sentido, é possível entender o que se planeja para esse uso para se entender as

possibilidades postas para os usos que alunos e professores fazem dele em um contexto

tão normatizado como é a sala de aula brasileira.

Em Vargas (2012a), eu já havia apontado que o livro didático atua como um

objeto semiótico formador de comportamentos cognitivos, modelando práticas e

160

estruturando relações em sala de aula. Nesta seção, trago parte da discussão lá posta,

atualizada e articulada aos estudos em cognição distribuída e à noção de políticas

cognitivas. Retomando os estudos sobre a história social do livro didático, é possível

notar que o modelo de livro didático que hoje existe na escola brasileira, tendo como

função principal a estruturação do trabalho pedagógico a ser desenvolvido em sala de

aula, se constituiu definitivamente no Brasil por volta da década de 60 (BATISTA,

2003; 2004; 2009; GERALDI, 2003; LERNER, 2004).

Esse modelo se caracteriza basicamente pela apresentação de conteúdos

curriculares e atividades para o ensino, por parte do professor, e a aprendizagem, por

parte dos alunos, desses conteúdos, e por sua distribuição de acordo com a progressão

escolar em séries e em unidades de ensino. Dentro desse modelo, então, o livro didático

se dirige especificamente ao aluno, mas seu uso deve ser feito com a mediação do

professor, direcionando, inclusive, o seu fazer através, mais recentemente, do manual do

professor. Desse modo, os livros didáticos acabam por atuar mais como um

condicionante e organizador da ação docente do que um material de apoio ao seu fazer,

como fora em outros tempos (BATISTA, 2003; 2004; 2009; GERALDI, 2003;

LERNER, 2004).

É importante observar, porém, que o processo de cristalização desse modelo de

livro didático não se deu de maneira isolada de qualquer contexto histórico. Ele

representou e ainda hoje representa o resultado de políticas públicas dirigidas ao próprio

material, em um nível mais restrito, e a projetos pedagógicos, em um nível mais amplo.

Nesse sentido, essa modelização acompanha a própria formação da escola brasileira

como ela é hoje constituída e de, portanto, um processo maior de sistematização de

projetos pedagógicos em nosso país – o que se comprova pelas crescentes políticas

públicas voltadas para esses materiais (GALVÃO e BATISTA, 2009; GERALDI, 2003).

Paralelamente à formação desse modelo de livro didático, a escola brasileira foi

se transformando em um espaço em que deveriam ocorrer um conjunto de atividades

reunidas em um ensino seriado de método simultâneo. Assim, os alunos passaram a ser

organizados em classes, que, teoricamente, representariam grupos com o mesmo grau de

desenvolvimento, e o professor passou a desenvolver atividades coletivas com eles, a

partir de um mesmo material.

Os livros didáticos vão passando, então, a ocupar esse papel de reproduzir e, ao

mesmo tempo, condicionar fortemente o “modo de organização da cultura escolar,

161

concepções pedagógicas, [e] maneiras de escolarizar saberes” (GALVÃO e BATISTA,

2009, p. 16). Isso se deu, por volta dos anos 60 e 70, em meio a um processo de intensa

ampliação do sistema de ensino, em especial da rede pública, que gerou, juntamente a

um aumento significativo do número de matrículas de alunos, um recrutamento docente,

por necessidade de dar conta desse número de alunos, mais amplo e menos seletivo.

Dessa forma, deterioraram-se suas condições de trabalho e o livro atuaria como um

manual impresso de conteúdos e exercícios delimitados em áreas de conhecimento e

Disciplinas para que esse professor, cujo trabalho entrava em suspeição, pudesse ser de

alguma forma direcionado (BATISTA, 2003; 2004; 2009; GALVÃO e BATISTA, 2009;

GERALDI, 2003).

Em função dessas transformações, os conteúdos a serem ensinados passaram a

ser organizados em progressão, acompanhando o ano letivo e possibilitando o controle

sobre o trabalho do professor (BATISTA, 2003; 2004; 2009; GALVÃO e BATISTA,

2009; GERALDI, 2003). Como denuncia Geraldi (2003, p.95):

O material está aí: facilitou a tarefa, diminuiu a responsabilidade pela

definição do conteúdo de ensino, preparou tudo - até as respostas para

o manual ou guia do professor. E permitiu: elevar o número de horas-

aula (...); diminuir a remuneração (...); contratar professores

independentemente de sua formação ou capacidade (GERALDI, 2003,

p.95).

Portanto, é possível entender que o livro didático atua como um objeto que

metonimiza a instituição escolar, uma vez que é a representação mais concreta da forma

como a escola se vê e de como ela quer ser vista pelos que nela atuam. Nele, revelam-

se, então, as intenções e as expectativas da instituição escolar em relação aos seus

objetivos e à atuação dos diferentes sujeitos que a integram (VARGAS, 2012a):

Assim, a solução para o despreparo do professor, em dado momento,

pareceu simples: bastaria oferecer-lhe um livro que, sozinho,

ensinasse aos alunos tudo o que fosse preciso. Os livros didáticos

seriam de dois gêneros: verdadeiros livros de textos para os alunos, e

livros-roteiros para os professores, para que aprendessem a servir-se

bem daqueles. Automatiza-se, a um tempo, o mestre e o aluno,

reduzidos a máquinas de repetição material (GERALDI, 2003, p.117).

Como aponta Geraldi (2003), essa configuração acaba por introduzir, na relação

entre a atividade de produção de conhecimentos e a atividade de ensino, uma nova

realidade intermediária: a produção do material didático que está unicamente a serviço

do trabalho de transmissão.

162

Trata-se de uma “parafernália didática” que vai do livro didático (para

o professor, com respostas dadas) até recursos de informática (...). Em

relação ao trabalho do professor, a profecia de Comenius se

concretiza: “tudo aquilo que deverá ensinar e, bem assim, os modos

como há de ensinar, o tem escrito como que em partituras”

(GERALDI, 2003, p.93).

No Brasil, estudos sobre o livro didático vêm sendo divulgados também desde os

anos 60. Em sua maioria, acabam por denunciar a falta de qualidade desses materiais em

relação aos seus conteúdos e às práticas que eles viabilizam (BATISTA, 2003).

Entretanto, como já apontado em Vargas (2012a), quase nada se fala sobre as relações

que se podem estabelecer entre o uso desses materiais por alunos e professores e a

forma como atuam cognitivamente, em um espaço tão institucionalizado como é o

espaço escolar. Nesse sentido, não se pode esquecer a importância dos objetos materiais

não apenas como ferramentas para o pensamento (VIGOTSKI, 2008) e como

mediadores semióticos do desenvolvimento cognitivo do aprendiz (SINHA, 1999), mas

como parte mesmo da própria cognição do aprendiz (ZHANG e PATEL, 2006),

contribuindo também para o seu posicionamento em determinada prática discursiva de

aprendizagem (SINHA, 1999).

Com base nisso, entendendo o livro didático como um objeto semiótico

formador de uma forma de cognição específica da aprendizagem escolar, desenvolvida

em sala de aula (VARGAS, 2012a), é possível observar que historicamente o livro

didático foi se construindo para atuar como uma affordance que fomenta políticas de

recognição, que emergiriam, então, no momento em que o professor colocaria as

atividades nele postas em prática. Assim, já se sabendo do papel fundamental que os

livros exercem em sala de aula, eles acabam por ser pensados para concretizar-se em

meios de controlar a atuação dos interactantes em sala de aula, enquadrando, portanto,

formas de pensar situadamente a esse espaço.

Sobre isso, Vigostki (2008) já havia apontado que a cognição humana é também

modelada pelos instrumentos e pelas ferramentas que o homem utiliza, sendo as funções

da mente e do corpo também desenvolvidas pelos objetos com que interagem em meio a

um contexto social que define essa interação. Sinha (1999) a isso acrescenta o fato de

que não apenas o contexto social define essa interação, mas também a própria interação,

em seu microcontexto, enquanto espaço de negociações entre os intersujeitos nela

presentes, se define e define o papel a ser desempenhado por cada um, por meio

também dos objetos que dela fazem parte. Assim, como os signos podem ser vistos

163

como ferramentas ou mercadorias, sob a ótica dos estudos em cognição, os objetos

também podem ser vistos como signos e como mediadores semióticos do

desenvolvimento da cognição, integrando o posicionamento e a perspectiva do sujeito-

aprendiz aos contextos das práticas que enquadram significativamente a aprendizagem

(SINHA, 1999; VIGOTSKI, 2008).

Como explicou Vigotski (2008) – e esse pode ser um conceito fundamental para

a noção de affordance –, um instrumento só é utilizado pelos seres humanos para

resolver problemas se a pessoa consegue conceptualizar simultaneamente as funções do

objeto e o objetivo a ser alcançado por meio dele: “mesmo o melhor instrumento para a

solução de dado problema não será utilizado pelo chimpanzé se ele não puder vê-lo ao

mesmo tempo, ou quase ao mesmo tempo, que o objetivo” (VIGOTSKI, 2008 [1934],

p.49). E affordances, por sua vez,

são as entidades primárias que são percebidas, e perceber affordances

é perceber o mundo significativo. Importante para finalidades em

curso, affordances não são meramente entidades no ambiente, e eles

também não são projeções de significado estabelecidas por animais

em um ambiente meramente físico. Affordances são funcionalidades

dos sistemas animais-meio ambiente, e existem em tais sistemas

apenas em virtude de animais possuirem as habilidades necessárias

para perceber e tirar proveito deles (Anderson e Chemero, 2009, p.

306, apud GERHARDT, 2012).

Desse modo, um instrumento só pode ser usado se é posto para ele um objetivo,

uma vez que só assim é possível ao homem enxergar nele uma affordance. Em relação

ao livro didático, existe um objetivo pretendido para seu uso em sala de aula e que pode

também ser conceptualizado pelo aprendiz que se põe em interação com ele. Assim, por

meio de uma política de recognição, esses livros acabam por contribuir para a formação

de sujeitos reprodutores, o que se concretiza através da verificação das ações cognitivas

da pessoa que aprende. Dessa forma, como apontei em Vargas (2012a), mais uma vez, é

possível afirmar que o livro didático entra em sala de aula como um objeto que não

ensina apenas “conteúdos”, mas ensina também – e principalmente – o aprendiz a se

comportar como aprendiz, a formar seu comportamento cognitivo enquanto aprendiz:

como explica Gerhardt (2006b), a aprendizagem de conteúdos na escola é incidental,

uma vez que se ensinam, na verdade, comportamentos (socio)cognitivos e

metacognitivos.

Além disso, como consequência da construção desse modelo de escola e desse

perfil de livro didático elaborado por pessoas que não vão trabalhar com ele em sala de

164

aula, gera-se uma clara separação entre o grupo dos que executam o trabalho didático e

o dos que pensam esse trabalho. Sob a ótica dos estudos em cognição, então, o resultado

que se tem é que o livro didático passou a assumir o papel de formador de

comportamentos cognitivos tanto do professor, como sujeito-ensinante, como do aluno,

como sujeito-aprendiz. Entretanto, ambos atuam como reprodutores e não como

produtores de um conhecimento que deveria ser construído conjuntamente em sala de

aula. E o pior: sem a consciência de que o sistema educacional os colocou nessa posição

de emuladores e (re)produtores (SINHA, 1999), os professores acabam por

responsabilizar o aluno pelos fracassos que são, como já dizia Soares (1997), da escola

(VARGAS, 2012a).

Essa situação toda se agrava quando se observa que ainda hoje o livro didático,

em muitos casos, é o único instrumento de letramento dos nossos alunos, constituindo o

único meio de acesso sistemático deles à cultura escrita (PERINI, 1988; ROJO e

BATISTA, 2003; GALVÃO e BATISTA, 2009). Como salientam Rojo e Batista (2003,

p.16), “muitas vezes, o livro didático é o único material de leitura disponível nas casas

destes alunos de Ensino Fundamental e, por isso mesmo, são fundamentais para seu

processo de letramento”, uma vez que “os textos e impressos escolares parecem vir

sendo, assim, para parte significativa da população brasileira, o principal meio em torno

do qual sua escolarização e acesso à cultura escrita são organizados e constituídos”

(GALVÃO e BATISTA, 2009, p. 17) ou como cita Perini (1988, p. 81), são “o único

tipo de material escrito com o qual esses alunos têm oportunidade de um convívio

relativamente prolongado”.

Nesse sentido, não se pode negar que sejam, muitas vezes, esses materiais que

estejam ensinando os estudantes da escola brasileira a se posicionarem como

aprendizes, ensinando visões de aprendizagem e, portanto, ensinando e construindo

políticas cognitivas. Por isso, concordo com Rajagopalan (2003) quando ele diz que

“com certeza, esses materiais têm uma importância fundamental na formação dos

alunos, posto que eles orientam a escolha do modelo que vai ser seguido pelos alunos”

(RAJAGOPALAN, 2013b, p.67).

Igualmente, por conta de todo o cenário de precarização docente que ainda hoje

vivemos e que parece agravar-se de maneira vertiginosa, devido a fatores externos ao

trabalho em sala de aula, mas que acabam por defini-lo – entre eles, a inadequada

formação de professores e/ou suas precárias condições de trabalho, e as dificuldades de

165

produção e circulação do livro no Brasil -, o livro didático se transformou “numa das

poucas formas de documentação e consulta empregadas por professores e alunos”

(BATISTA, 2003, p.28). Assim, ele atua também como referência teórica para a

formação e informação do professor, sendo, por muitas vezes, seu único meio para isso,

uma vez que se encontra em um estado legitimado pela tradição escolar (BATISTA,

2003; BATISTA e COSTA VAL, 2004; BARROS e COSTA, 2010b; BRÄKLING,

2003; ERES FÉRNANDEZ et. al, 2012; GALVÃO e BATISTA, 2009; GERALDI,

2003; LERNER, 2004; ROJO, 2003; SEBOLD, 1998).

Sobre isso, Eres Fernández et al. (2012) chegam a dizer que os professores, em

sua maioria, não realizam análises prévias, não verificam os princípios teóricos nos

quais se pautam os livros, e não sabem como analisar os livros didáticos, comentando

pontos negativos de maneira genérica, o que, consequentemente, restringe suas

possibilidades de intervenção. Citando a pesquisa de Xavier e Urias (2006) com

professores de inglês, Rojo (2013) apresenta que o livro didático, para os professores

pesquisados, assume as funções de orientar as ações pedagógicas; de auxiliar e facilitar

o trabalho do professor, de complementar as aulas e a aprendizagem dos alunos; e de

estabelecer o conteúdo de ensino-aprendizagem e a sua sequência, isto é, viabilizar e

concretizar o programa e o currículo. Assim, como afirma Sebold (1998, p.34): “na falta

de informação, de subsídios e de uma definição clara de objetivos didáticos

institucionais, o livro-texto aparece como um elemento organizador da prática

pedagógica do professor”, constituindo-se, então, “na única referência metodológica de

que o professor de LE [língua estrangeira] dispõe e, portanto, se torna indispensável e,

muitas vezes, inquestionável”, uma vez que

Esses manuais [os livros didáticos] às vezes adquirem tanta

importância que acabam sendo a única referência para a elaboração do

planejamento de curso e, nesses casos, o professor normalmente

apenas transpõe para o plano os conteúdos apresentados no índice do

livro (BARROS e COSTA, 2010b, p.88).

Sobre essa questão, Rojo (2013) apresenta, então, três alternativas a partir das

quais o professor poderia se posicionar em relação ao livro didático. A primeira seria o

professor estar completamente refém do livro escolhido, executando-o em sala de aula

tal e como ele se apresenta – o que, pelo que apontam as pesquisas, é o que acontece na

maior parte dos casos. A segunda seria o professor ter uma “autonomia” total em

relação a ele, o que se torna impossível para a maior parte dos professores a partir da

organização do tempo escolar, da jornada de trabalho e das tecnologias disponíveis para

166

a preparação das aulas e para o trabalho em sala de aula. A terceira via seria, “além de

gerenciar o tempo e a disciplina escolar, selecionar bons livros, afinados com suas

concepções tanto sobre o ensino-aprendizagem como sobre os objetos de ensino, e deles

extrair seu melhor, combinando-o com outros recursos disponíveis” (ROJO, 2013,

p.171).

Transpondo essa reflexão para a discussão proposta por essa tese, é possível

dizer que a terceira via seria justamente assumir um movimento de invenção em relação

ao livro didático, assumindo-o como uma affordance que está ali para ajudar o professor

e os alunos na construção de práticas inventivas de aprendizagem. O livro didático

deixaria, portanto, de ser um objeto de controle e passaria a ser uma ferramenta a mais

no trabalho do professor, que, pelas condições precárias de trabalho que tem, não pode

abrir mão dele para desenvolver suas atividades em sala de aula. Rojo (2013) chega a

dizer que existe um problema nessa terceira via, uma vez que “quase sempre, ela resulta

em uma colagem de textos e atividades retirados de LD com propostas muitas vezes

disparatadas ou contraditórias, sem uma “espinha dorsal” que sustente tais disparates ou

contradições” (ROJO, 2013, p.172) e atribui esse problema ao fato de o livro didático

ser, em si mesmo, “um gênero discursivo que, como tal, apresenta unidade discursiva,

autoria e estilo” (ROJO, 2013, p.172).

Dentro da perspectiva aqui levantada, é possível dizer que o problema está, sob o

viés de análise das políticas da cognição, no fato de que os professores se libertam do

uso exclusivo de um único livro, mas não da forma reprodutora como se utilizam dele.

Assim, acabam não se colocando – porque não foram ensinados a isso – de maneira

inventiva em relação a eles, mas apenas reproduzindo fragmentos de livros dispersos.

Respaldado pela tradição, então, o livro didático acaba funcionando como principal

instrumento de letramento escolar – sendo que a escola, como já lembrou Kleiman

(1995), ainda é a principal agência de letramento de nossa sociedade, atuando com

privilégio sobre as outras –, tanto para alunos como para professores, e, portanto, como

um manual de como se deve pensar na Escola e fora dela (VARGAS, 2012a).

Como esta tese trata do livro didático de língua espanhola, é fundamental

ressaltar que o livro didático de língua estrangeira foi traçando, no Brasil, ao longo do

tempo uma trajetória paralela que nem sempre se alinhou à trajetória de livros de outras

disciplinas mais integradas ao cotidiano escolar. Paiva (2009), em texto sobre a história

dos LD de inglês no Brasil, diz que, em sua maioria, esses materiais, por um longo

167

tempo, foram produzidos fora do Brasil. Nesta tese, parto da premissa de que entender a

recente história do livro didático de língua estrangeira no Brasil é entender o processo

de integração da disciplina língua, no sistema educacional brasileiro, ao que Batista e

Galvão (2009) chamam de “cultura escolar”. Assim, acredito que esse processo de

inserção foi transformando os livros didáticos de língua estrangeira de forma que

passassem a se configurar também para a reprodução e o condicionamento dessa

cultura. Nesse sentido, é possível considerar a entrada das línguas estrangeiras no

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do MEC, sobre o qual falaremos mais

adiante, o ponto culminante desse processo.

Paiva (2009) demonstra que, ao longo da história do livro didático de língua

estrangeira no Brasil, ele foi se modificando de acordo com as perspectivas teóricas

vigentes a cada tempo, tais como as que foram brevemente apresentadas na seção

anterior. Entretanto, na análise da autora, é possível notar que não se trata de uma

história linear, uma vez que é atravessada por inovações e retrocessos, e pela

transposição nem sempre fidedigna para o material dos princípios teóricos que

influenciam sua produção. A autora salienta que a produção própria no Brasil de

materiais para o ensino de inglês só vai acontecer com alguma relevância por volta dos

anos 70, crescendo progressivamente até hoje.

Tratando dos livros didáticos de língua espanhola, Sebold (1998) apresenta uma

trajetória muito semelhante. Segundo a autora, os materiais didáticos dedicados ao

ensino de língua espanhola de maior êxito editorial foram influenciados, num primeiro

momento, pela concepção estruturalista e pela hipótese contrastiva, que tiveram maior

repercussão a partir da década de 60, quando começam a se desenvolver os materiais

que aderiam ao método audiolingual ou direto. Ela salienta também que, a partir da

década de 50, a produção de material didático espanhola começa a se tornar mais

significativa, inserindo-se, de um lado, dentro do pensamento gramatical espanhol, no

qual predominava a perspectiva formal, e de outro, recebendo influências das correntes

que se propagavam a partir de então: como salientado anteriormente, o estruturalismo, o

behaviorismo e a análise contrastiva.

Por volta dos anos 80, começam a se desenvolver fora do Brasil e são trazidos

para cá materiais voltados para o método comunicativo, com princípios da abordagem

nocional-funcional e com base em abordagens cognitivistas. Neles, a língua escrita volta

a ocupar lugar de destaque, bem como a produção criativa e a compreensão do sistema

168

de regras da língua, em vez da memorização de elementos sistêmicos apresentados em

cadeia. Segundo a autora, nesse momento, os exercícios e tarefas aparecem de forma

contextualizada, e a organização do material leva em conta o que o aprendiz já sabe

(SEBOLD, 1998).

Paralelamente a essa trajetória, entre os anos 60 e 80, foram também produzidos

no Brasil alguns materiais voltados para o ensino de língua espanhola especificamente

por brasileiros, em especial, compêndios gramaticais que incorporaram a abordagem

contrastiva e/ou descreviam princípios da gramática normativa da variedade dominante,

a castelhana, em português (SEBOLD, 1998):

Esses materiais apresentam, ainda que com pequenas variações, uma

abordagem sobre a língua numa mesma perspectiva. A produção

apresenta dados sistêmicos da língua espanhola segundo uma visão

normativa e prescritiva onde a dedução de regras é uma das estratégias

(...). Além da informação gramatical, essas obras incorporam textos

literários, primeiro, identificando literatura com língua e, depois,

oferecendo padrões de correção a partir dos modelos literários. Essa

perspectiva segue os princípios metodológicos anteriormente

apresentados no método gramática-tradução (SEBOLD, 1998, p.36).

Nos anos 90, então, surgem materiais que, seguindo as tendências anteriores,

integravam diferentes abordagens em sua produção e começaram a apresentar

informações variadas sobre os diferentes países de fala espanhola, coisa que antes não

era comum, já que o espanhol era diretamente associada à Espanha e sua cultura.

Entretanto, como salienta Sebold (1998, p.37),

esses materiais, em maior ou menor grau, se limitam a seguir

conceitos metodológicos já institucionalizados, buscando um

ecletismo que encobre o conflito entre a formação tradicional dos

profissionais de ensino e as necessidades de atualização teórica e

pedagógica (SEBOLD, 1998, p.37).

Ou como aponta Rojo (2013, p.164):

Entre outros resultados, os vários estudos têm apontado o papel

estruturador e cristalizador de currículos desempenhado pelo livro

didático e por outros materiais impressos de caráter apostilado e certa

homogeneização das práticas e propostas didáticas presentes nesses

materiais que, embora busquem se adequar a referenciais e propostas

curriculares mais recentes, mantêm-se ligados a certa “tradição” na

abordagem de seus objetos de ensino (ROJO, 2013, p.164).

Com base nesse processo histórico, nesta tese, me proponho a analisar a recente

história do livro didático de espanhol, tomando a leitura como foco de análise, o que se

verá mais adiante. A partir da trajetória de construção desse objeto que pode atuar como

169

uma affordance ou como suporte para a construção de affordances para a realização de

interações em sala de aula, torna-se mais do que relevante pensar sobre como o livro

didático vem se construindo. Além disso, é importante também refletir sobre como é

possível repensar seu lugar na escola brasileira, tendo em vista o papel fundamental que

ele desempenha na formação de professores e alunos. Nesse sentido, não se pode

esquecer que são os livros didáticos que evidenciam o que está sendo de fato

reconhecido como objeto de ensino nas salas de aula brasileiras (GERHARDT, 2013) e

que a seleção e organização dos conhecimentos escolares que neles se apresentam se dá

em função do que se acredita ser o processo de desenvolvimento humano e de

aprendizagem (MOREIRA e CANDAU, 2007), instituindo, portanto, políticas

cognitivas.

Cabe ressaltar, além disso, que os livros didáticos, seguindo essa lógica de

recognição, colocam, como ressalta Coracini (2011), o foco do ensino em seus

conteúdos e não no aluno, levando o professor ao posto de simples mediador, como já

dito anteriormente, entre o que se pensou fora da escola e o processo de reprodução a

ser desempenhado pelo aluno. Essa situação se agrava quando observamos que tudo que

nele se apresenta é visto como verdade, e os modelos apresentados, como padrões a

serem seguidos (CORACINI, 2011). Feitos fundamentalmente para a reprodução, então,

não costuma[m] incluir, entre os conteúdos selecionados, os debates,

as discordâncias, os processos de revisão e de questionamento que

marcam os conhecimentos e os saberes em muitos de seus contextos

originais. Dificilmente apresenta[m] menções às disputas que se

travam, por exemplo, no avanço do próprio conhecimento científico

(MOREIRA e CANDAU, 2007, p.23).

Nesse sentido, cabe entender os usos que se fazem hoje desses materiais em sala

de aula, bem como os modelos que eles propõem para a interação nesse espaço, mas

também – e, principalmente – cabe utilizar essa compreensão para estimular usos

inventivos desse material, fazendo com que se construam affordances diferentes

dependendo dos objetivos estabelecidos em cada situação de interação específica. Para

isso, Paiva (2009, p.53) espera que “o professor seja capaz de adaptar e complementar o

livro adotado e, até mesmo, de produzir material didático para seu contexto específico”.

Nessa mesma perspectiva, Gónzalez (2010, p.39) defende que:

Além disso, é importante ter claro que os materiais didáticos,

sobretudo o livro didático, são um meio e não um fim, elementos de

mediação e não objetos de aprendizagem, tampouco os compiladores

da matéria a ser aprendida de modo automático, os sinalizadores dos

rumos do ensino, aqueles que, sobretudo na ausência de propostas

170

curriculares claras (que é o caso mais frequente em nossas escolas),

funcionam como o currículo oculto a ser seguido passo a passo, sem

reflexão e crítica (GONZÁLEZ, 2010, p.39).

Considerando toda a precariedade que envolve a nossa realidade educacional,

principalmente, as condições de trabalho e de formação do professor que está em sala de

aula, defendo que esse movimento de transformação das concepções de uso do livro

didático precisam também emergir, em nível mais imediato, dos próprios materiais e

das políticas públicas que envolvem a produção de livros didáticos no Brasil. Nesse

sentido, concordo com Batista (2003) que, por exemplo, defende a necessidade do MEC

diversificar o modelo de livro didático proposto nos editais. É com base nesse

pensamento que observarei mais adiante os documentos oficiais e os livros selecionados

para a construção desta tese, tentando verificar em que medida os discursos e as práticas

executadas nos livros, em especial, no que se refere ao ensino e à aprendizagem da

leitura, foram se transformando ao longo do tempo. Antes disso, no próximo capítulo,

adentro, então, especificamente, o plano do ensino de leitura.

171

CAPÍTULO 4: A LEITURA INTEGRATIVA E O PLANO INFERENCIAL DE

LEITURA

Como aponta Kastrup (2012, p.59), a suspensão de uma política de recognição

ou a invenção de práticas de descontrução ou deslocamento dessa política nos obriga a

colocar outras práticas no lugar. Tal tarefa não é simples, uma vez que o modelo da

recognição “é um modelo que nos puxa sempre e a resistência tem que ser

constantemente reiterada. O caminho tem que ser feito dia a dia, como um desafio

permanente. Por isso, a formação inventiva vai se fazendo o tempo todo, sem ter um

resultado pronto”.

Assim, torna-se urgente a busca por práticas escolares que fomentem políticas de

invenção e que, portanto, reconheçam uma visão de cognição como distribuída e de

aprendizagem como invenção de problemas. Essa aprendizagem deveria ser construída,

na escola, através da integração conceptual entre o que o aluno já sabe e as informações

novas que a escola traz. Em função disso, neste capítulo, me dedico a tratar

especificamente do problema do ensino de leitura e de possíveis caminhos para sua

reconstrução. Acredito que essa seja uma contribuição fundamental não apenas para o

ensino de língua espanhola na escola pública brasileira, mas também para o ensino de

qualquer disciplina em qualquer etapa da educação básica, uma vez que a leitura

permeia toda e qualquer atividade escolar.

Assim, inicio este capítulo apresentando um breve panorama de como o ensino

da leitura vem sendo tratado pela escola brasileira, às vezes, apresentando-o de forma

mais geral, às vezes, apresentando-o especificamente ao que apontam os trabalhos sobre

o ensino de espanhol em situação escolar. Em seguida, apresento, então, a proposta de

visão de leitura integrativa, acreditando que ela pode nos oferecer um suporte para a

compreensão do processo de construção de significados durante a leitura. Assim,

acredito também que ela pode embasar a proposição de caminhos didáticos para

melhorar o ensino de leitura na escola, de forma que ele possa contribuir efetivamente

para o desenvolvimento dos alunos como leitores amadurecidos e críticos em relação ao

que leem.

Tal concepção me leva à seção seguinte em que apresentarei o plano inferencial

de leitura e sua articulação com as necessidades de mudança para o tratamento da leitura

na escola brasileira. Assim, perpassando os estudos em metacognição, apresento, ao

172

final, uma visão de ensino de leitura baseada na ideia de cognição distribuída e pensada

especificamente para o tratamento do plano inferencial de leitura, que deveria ser

trabalhado de forma inventiva em sala de aula.

4.1. Problemas do ensino de leitura no Brasil

No capítulo anterior, ao tratar do tema das políticas cognitivas e de sua

articulação com o uso dos livros didáticos em sala de aula e com a trajetória histórica da

disciplina língua espanhola na escola brasileira, já foi possível estabelecer, de alguma

maneira, uma visão panorâmica de como a escola brasileira enxerga a aprendizagem e,

consequentemente, o ensino. Neste capítulo, foco especificamente na leitura, sem

ignorar que ela representa, em um pequeno – mas essencial – nível, essa visão mais

ampla. Nesta seção, especificamente, trago, então, alguns estudos que já discutiram o

ensino de leitura na escola brasileira, seja em língua portuguesa, seja em língua

espanhola, uma vez que entendo, como os próprios PCN apontam, que o ensino de

leitura é um só, e que as habilidades desenvolvidas em uma língua são levadas a outra.

Antes de tudo, é importante ressaltar que estudos que levantam críticas em

relação à forma como a escola ensina a leitura são diversos desde muito tempo. No

Brasil, eles se reproduzem de maneira intensa, desde especialmente os anos 80 (KATO,

1990). Minha intenção com essa seção é apenas recolher alguns desses estudos que

tenham alguma relação mais direta com o objeto desta tese, retomando e dando

prosseguimento à pesquisa desenvolvida em Vargas (2012a), quando, por exemplo,

identifiquei que, em livros didáticos de língua portuguesa, não existe de fato um ensino

de leitura e que, ainda que se apresentem textos de qualidade, as atividades de leitura

neles apresentadas são de nível relativamente baixo.

De forma geral, o que se nota é que a vasta produção acadêmica sobre o trabalho

escolar com a leitura não conseguiu ainda se efetivar em mudanças concretas na

realidade da sala de aula, dessa maneira, se veem, demonstrações diversas do “insucesso

das propostas de letramento escolar” (ROJO e BATISTA, 2003, p.9). Entre outros

fatores, sobre isso, diversos trabalhos, a partir de diferentes linhas teóricas, já revelaram

que o trabalho em sala de aula não propicia que os estudantes entendam que ler é um

processo que exige a participação ativa dos leitores (BOTELHO, 2010; 2011; 2015;

BRANDÃO e MARTINS, 2003; CARNEIRO et al., 2015; COSTA, 2011;

DELL’ISOLA, 1997; FERREIRA, 2012; FULGÊNCIO e LIBERATO, 1996, 2003;

173

GERALDI, 2003; GERHARDT, 2006b; 2013; 2014; GERHARDT, ALBUQUERQUE e

SILVA, 2009; GERHARDT, BOTELHO e AMANTES, 2015; GERHARDT e

VARGAS, 2010; KATO, 1990; KLEIMAN, 2001, 2010; MARCUSCHI, 1996;

PIMENTA, 2006; ROJO, 2003; ROJO e BATISTA, 2003; TOMITCH, 2000; VARGAS

et al., 2011; VARGAS, 2011; 2012a; 2012b; 2013).

De modo geral, o que se nota é que a leitura ainda se encontra em um lugar

difuso dentro das aulas de língua portuguesa ou de línguas estrangeiras na escola

brasileira. Esse lugar difuso, como apontei em Vargas (2012a), se deve justamente à

contradição que se estabelece entre o que agora podemos chamar de políticas cognitivas

que embasam a estrutura escolar e o que é a leitura como prática social. Como denuncia

Geraldi (2003, p.117), a escola, em oposição ao fazer científico, busca sempre a

sistematização, a regularidade, a padronização:

a instituição escolar, incapaz de tolerar tais idas e vindas, porque

adepta de uma forma de conceber o conhecimento como algo exato e

cumulativo, pretensamente científico, não pode abrir mão de,

didaticamente, tentar ordenar e disciplinar esta aprendizagem

(GERALDI, 2003, p.117).

Nesse sentido, é possível afirmar que a escola desenvolve práticas reprodutoras.

Em função disso, o trabalho com a leitura acaba se dando de forma difusa, posto que

não caberia nesse modelo. Assim, a realidade do ensino de leitura acaba se construindo

de outra maneira, uma vez que não há qualquer sistematicidade em relação a ele:

A assistematicidade que se apresenta no contexto escolar em relação

ao desenvolvimento da leitura ao longo das etapas escolares pelas

quais o estudante passa acaba por revelar a quebra de um padrão,

justamente porque não se consegue, mantendo os padrões vigentes,

fazer um trabalho que desenvolva as capacidades leitoras de seus

alunos (VARGAS, 2012a, p.41).

Além disso, como apontam Rojo e Batista (2003, p.117), as atividades de leitura,

de forma geral, não conseguem “explorar satisfatoriamente aspectos linguístico-

discursivos cruciais para a construção da leitura” (ROJO e BATISTA, 2003, p.117), o

que gera uma leitura superficial em relação aos temas abordados nos textos (ROJO,

2003). Essas questões acabam não contribuindo para o desenvolvimento das

capacidades dos alunos, uma vez que, de modo geral, “o aluno passeia pelo texto em sua

superfície em busca das respostas que satisfarão não a si, mas à aferição de leitura que o

livro didático e o professor podem vir a fazer” (GERALDI, 2003, p.170).

174

Acabam, assim, sendo priorizados “os trabalhos temático e estrutural ou formal

sobre estes [os textos], ficando as abordagens discursivas ou a réplica ativa em segundo

plano” (ROJO e BATISTA, 2003, p.19-20). Como destaca Botelho (2015), ao ensinar a

leitura através de uma concepção de texto como produto acabado e como repositório de

informações, a escola, metonimizada pelo livro didático (VARGAS, 2012a), acaba não

contribuindo para a realização de uma leitura criativa, reflexiva ou mesmo para que os

alunos construam significados a partir do que leem: “as atividades desses materiais

formam um leitor que não atua sobre o texto e que não constrói reflexões sobre o que

leu, mas que aprende somente a reproduzir informações que o texto lhe transmite e que

não interpreta de forma autônoma a partir do que leu” (BOTELHO, 2015, p.31).

Apresenta-se, assim, o reforço de uma visão recognitiva de aprendizagem da leitura, já

que o texto é tomado como dado e o aluno não é encarado como capaz de produzir

significados ao interagir com ele.

Portanto, nota-se que o aluno como produtor de significados também não existe

nas aulas de leitura, sendo o seu papel apenas reproduzir os significados dados pelo

texto e confirmados pelo professor ou pelo livro didático. Assim, em resumo, não se

reconhece “a leitura como uma ação que envolve a participação ativa da pessoa que lê

na construção dos significados” (GERHARDT, BOTELHO e AMANTES, 2015,

p.181). Essa visão reprodutora é claramente demonstrada quando se observa que não há,

nas atividades de leitura, a apresentação para os alunos de objetivos claros para sua

realização (BOTELHO, 2015; GERHARDT, BOTELHO e AMANTES, 2015).

Tampouco se apresentam atividades que reconheçam os conhecimentos prévios dos

alunos como relevantes para o desenvolvimento da leitura (BOTELHO, 2015). Como

denuncia Botelho (2015, p.21), “Não considerar o conhecimento prévio dos alunos

como parte relevante para realização da atividade de leitura deriva de um modelo de

educação em que os saberes dos alunos não são convidados a participar do processo de

aprendizado escolar”.

Esses dois dados revelam a pouca importância que é dada ao aluno-aprendiz

durante o processo de ensino. A consequência, como apontei em Vargas (2012a), dessa

situação de ensino de leitura na escola é que esse tipo de prática, que coloca o aluno-

leitor no lugar de mero decodificador de signos linguísticos e reprodutor de ideias

apresentadas por outros, encaminha esses aprendizes a um entendimento de leitura

175

como simples tarefa mecânica de seleção de informações. Dessa forma, na escola, de

maneira absurda,

obtém sucesso o aluno que se nega a “mergulhar” no texto e a recriá-

lo. Neste caso, a leitura singular, denotativa, parafrásica é o padrão

comparativo utilizado pelo sistema escolar pelas “vantagens” que

proporciona, tais como: a facilidade de correção por parte do

professor, a superficialidade não reflexiva que gera alienação e a

manutenção de estratificação social (DELL’ISOLA, 1997, p.56).

Considerando o panorama apresentado no capítulo anterior, não se pode ignorar

que essa é uma política cognitiva que se apresenta muito fortemente na escola brasileira.

Assim, o mais grave é que, como se trata, então, de uma política cognitiva efetivada nas

salas de aula, além do aprendizado da leitura como tarefa mecânica de seleção de

informações, há aí outra aprendizagem, que se dá no plano meta: a ideia de que

aprender é reproduzir e que, ao aprendiz, que não tem nem é capaz de construir

qualquer saber relevante, só cabe, portanto, repetir as informações que recebe:

porque os temas destas interlocuções são constituídos como

“conteúdos de ensino” prontos, acabados, aos quais cabe ao aprendiz

“aceder”; porque a interlocução de sala de aula se caracteriza mais

como “aferição” de incorporação do que já estava pronto, acabado;

porque os sujeitos envolvidos se sujeitam às compreensões do mundo

que se lhes oferecem na escola (GERALDI, 2003, p.8).

Esse modelo de leitura apresentado anteriormente e massivamente desenvolvido

no espaço escolar, mais do que ensinando conteúdos aos alunos, estão atuando muito

fortemente na construção de sentidos sobre qual é a verdadeira natureza da leitura.

Como destaca Geraldi (2003), a Escola se converteu em um lugar de certezas e, mais

que isso, de reprodução dessas certezas. Não há espaço para dúvidas, erros e, muito

menos, para a construção de conhecimentos, uma vez que tudo se apresenta como

produto. Os processos, dessa forma, são ignorados e inexistem. Essa visão também

acaba conceptualizada pelo aprendiz que, no papel de aluno, em sala de aula, aprende

que é assim que se constrói o conhecimento e assim que se desenvolve a leitura: através

da reprodução do que já é certo, do que está escrito. O aprendiz aprende, então, que ele

não é alguém que possui saberes e experiências relevantes e que tampouco pode

construir qualquer tipo de conhecimento.

Neste sentido, não apenas o professor se despersonaliza na relação

institucional que mantém com o aluno – este também se dessujeitiza e

se minimiza, preocupando-se mais em atender a um sistema de

avaliação que infere e incorpora ao longo da sua existência como

estudante, do que propriamente em formar-se como pessoa por meio

176

da compreensão plena dos conteúdos e da expressão das suas próprias

ideias (GERHARDT, 2006b, p.1184-1185).

Com esse modelo de interação, em que alunos, professores e objetos de

aprendizagem são pré-existentes à interação que constroem em sala de aula e em que o

foco está na reprodução de um conteúdo escolarizado, obviamente, não há espaço para

que o professor entenda efetivamente as necessidades de seus alunos e trabalhe, com

base nelas e a partir delas. Em relação à leitura Gerhardt, Botelho e Amantes (2015,

p.182) destacam que:

as atividades escolares, por não promoverem a leitura como ação

cognitiva plena, não permitem a professores e alunos compreender as

capacidades destes últimos como leitores, nem identificar eventuais

dificuldades de leitura para saná-las em atividades posteriores.

Tudo isso se resume no que, em Gerhardt e Vargas (2010, p.153), apresentamos

com uma lista de “premissas equivocadas” sobre o ensino de leitura:

1. Saber ler é saber repetir/transcrever material explícito do texto; a

leitura inferencial não é identificada como tal.

2. Na falta de parâmetros objetivos para a avaliação em leitura, aceita-

se toda resposta que for oferecida numa dada atividade;

3. Ou, ao contrário, aferra-se ao gabarito do livro ou outro material

disponível, tido como certo, e tratam-se como erradas as respostas

diferentes;

4. Não se consideram os saberes prévios do aluno na leitura de um

texto, os quais poderiam levar à compreensão sobre como ele elabora

suas respostas;

5. As aulas de leitura (e também de escrita) são completamente

apartadas das de gramática, o que demonstra falta de percepção de

que, nos textos, os conteúdos estruturais tratados nos estudos

gramaticais estão sendo efetivamente usados, e poderiam ser

explorados nas atividades de leitura e produção textual.

Todas essas premissas revelam como o ensino de leitura é atravessado, nas

escolas, por políticas de recognição. Alunos e textos são tomados como dados, sem que

possam ser transformados ao se integrarem para a construção de novos sentidos. Não se

considera sequer que novos sentidos possam ser construídos através da atividade de

leitura. Com base nesse panorama, este capítulo busca, então, propor caminhos para o

ensino de leitura com base nos pressupostos que foram apresentados no capítulo

anterior. Como inspiração, pego o questionamento proposto por Dias e Scheinvar (2012,

p.150): “Seria possível experienciar e fazer aulas menos explicativas e mais

problematizadoras em um tempo como o nosso, em que tudo já vem muito pronto e sob

um regime de controle?”. Assim, me pergunto: seria possível pensar um ensino de

177

leitura que fugisse da reprodução e se voltasse para a formação de leitores críticos,

reflexivos, autônomos? Seria possível superar as “premissas equivocadas”

(GERHARDT e VARGAS, 2010) em que se baseiam as atividades escolares de leitura?

Acredito que sim e que a educação está nesse movimento, posto que, como

aponta Rajagopalan (2006, p.161),

está ganhando cada vez mais adeptos a ideia de que, na hora de

planejar o currículo e de elaborar a metodologia do ensino de línguas,

é preciso valorizar e levar em conta o conhecimento que os próprios

aprendizes já possuem e empregam como um dos fatores importantes

na tarefa de aprender. É essa ideia que move tendências recentes

como: educação com fins emancipatórios (empowerment education),

ensino reflexivo (reflective teaching) etc.

Dessa maneira, torna-se urgente o resgate do “saber do aluno como elemento

constitutivo da elaboração pedagógica e didática, favorecendo o aprendizado e

provendo a necessária construção da autonomia das pessoas como produtoras de

significados linguísticos na vida pública” (GERHARDT, 2013, p.82). Só dessa forma é

possível romper com a lógica denunciada em, entre outros, Soares (2005) e Moita Lopes

(1996), de que os alunos de classes populares nada teriam a contribuir para o ensino,

uma vez que seriam menos aptos intelectualmente ou pertenceriam a uma cultura menor

e/ou porque não teriam aptidão para o aprendizado de línguas estrangeiras. Nessa

perspectiva, para Rajagopalan (2006, p.162), há também outra ruptura com o próprio

campo teórico, posto que “a atitude de respeitar o ponto de vista do discente contrasta

de forma gritante com orientação da linguística teórica, segundo a qual o leigo nada

teria a ensinar ao perito”.

Buscando somar forças a essas perspectivas de ensino, considero que a

transformação em direção a uma mudança efetiva em relação ao ensino de leitura,

baseada nas questões postas anteriormente, passa pela construção de outra concepção de

leitura e, consequentemente, de ensino de leitura. Essa outra concepção, defendida aqui

nesta tese, será apresentada nas próximas seções deste capítulo.

4.2. Da leitura interativa à leitura integrativa

Tradicionalmente, os estudos em leitura têm apresentado, quase sempre em uma

linha temporal, três visões sobre como se dá o processamento da informação pelo

sujeito leitor. Predominantemente encarando-a como um processo no qual leitor e texto

participam com igual responsabilidade, tais estudos consideram duas dessas visões

178

como ultrapassadas e postulam uma terceira visão, na qual busca-se articular as duas

anteriores. Assim, opõe-se uma visão denominada de interativa a duas outras visões que

se opõem entre si e que corresponderiam aos dois tipos básicos de processamento da

informação: a hipótese top-down ou descendente e a hipótese bottom-up ou ascendente

(CORACINI, 2002; FULGÊNCIO e LIBERATO, 2003; KATO, 1990; KLEIMAN,

2001).

A hipótese bottom-up deriva de uma visão estrutural e mecanicista da

linguagem. Tal hipótese toma o texto, ou seja, a informação visual71

como fonte única

de sentido para o leitor. Assim, por meio de um processamento exclusivamente

ascendente, o leitor faria um uso linear e indutivo das informações visuais, construindo

o significado a partir da síntese do significado das partes. A leitura seria entendida,

então, como um processo mecânico e serial que começaria pela verificação de um

elemento escrito para que, a partir dele, se mobilizem outros conhecimentos de forma

que, passivamente, o leitor possa restaurar o sentido original do texto (CORACINI,

2002; FULGÊNCIO e LIBERATO, 2003; KATO, 1990; KLEIMAN, 2001).

A hipótese top-down, derivada de uma primeira geração de estudos da psicologia

cognitiva voltados para a compreensão leitora, vê o texto como um objeto

indeterminado e incompleto. Por isso, no ato de leitura, o leitor seria a fonte única do

sentido, acionando esquemas cognitivos que atuariam como padrões para o

entendimento das coisas. O processo de leitura seria um jogo de adivinhações e o texto

atuaria como mero confirmador de hipóteses. Desse modo, de forma descendente, o

leitor processa o texto não linearmente, fazendo o uso intensivo e dedutivo da chamada

informação não visual (ou conhecimento prévio), ou seja, de tudo o que não aparece

explicitamente no texto, partindo da macroestrutura para a microestrutura e da função

para a forma (CORACINI, 2002; FULGÊNCIO e LIBERATO, 2003; KATO, 1990;

KLEIMAN, 2001).

Nesse sentido, pode-se perceber que as duas visões constituem modelos de

recognição, posto que, na primeira delas, temos o predomínio de um texto que já chega

pronto para o leitor e, na segunda, o predomínio de um leitor que, igualmente, chega

pronto para o texto. Nenhum dos dois se altera ao entrarem mutuamente em contato. A

terceira hipótese não necessariamente se vincula a um modelo inventivo de cognição,

71

A informação visual é tratada aqui como toda informação explicitamente apresentada na linearidade do

texto. Ela pode ser reconhecida pelos olhos, no caso de videntes, ou pelo tato, no caso de leitores cegos.

179

uma vez que também pode apontar para a existência prévia de sentidos antes da

interação que se estabelece entre texto e leitor, entretanto, nos auxilia na construção

dessa visão.

Ela foi definida posteriormente, quando os teóricos da leitura perceberam que

essas duas visões isoladamente não conseguem representar completamente o processo

de construção de significados pelo sujeito leitor no ato de sua leitura. Assim, articulando

as duas anteriores, passou-se a se defender a existência de um processamento interativo

– a um só tempo top-down e bottom-up –, de forma que se vê a compreensão de um

texto como ocorrendo por meio da interação entre experiências prévias (conceitos

linguístico-culturais recuperados pelo leitor) e o texto.

Não nego que, de fato, a leitura se dá pela realização a um só tempo desses dois

movimentos e que, portanto, há uma interação entre texto e leitor no ato da leitura.

Entretanto, a partir da perspectiva que busco construir nesta tese, derivada da

articulação desses pressupostos a estudos mais recentes, acredito que uma concepção de

leitura que a toma como um processo interativo não seja suficiente, uma vez que ela

simplifica excessivamente os processos cognitivos envolvidos no ato de ler, reduzindo-

os a dois movimentos opostos (ascendente e descendente) e dificultando, assim, as

possibilidades de intervenção em relação ao ensino. Como aponta Gerhardt (2010,

p.257):

a sua adoção não é suficiente para que possamos defini-lo como base

processual do aprendizado em termos cognitivos, porque, restrito à

movimentação de informações entre a mente e o contexto, esse

modelo não dá conta de incluir – quanto mais de definir como se

constitui e do que se constitui – o estatuto do novo conceito formulado

pela mente e de como ele se relaciona com os conceitos que servem de

input para a sua formação, para que se atrelem, em um só esquema

estrutural, fontes, processo e resultado (GERHARDT, 2010, p.257).

Além disso, a busca pela construção de outra concepção ajuda a resolver

também o problema que a nomenclatura “leitura interativa” (também denominada de

interacional72

) traz, posto que vem sendo utilizada por diferentes correntes teóricas.

Desse modo, os diferentes usos do termo acabam por esconder diferenças substanciais

entre eles, podendo, inclusive, referir-se a diferentes tipos de interação: leitor-texto,

72

O fato de que muitos trabalhos, inclusive, apresentam os dois termos como semelhantes é uma

evidência dessa falsa polissemia do termo “leitura interativa”.

180

leitor-autor, autor-texto-leitor.73

Com base nisso, busco, então, nesta seção, definir essa

perspectiva que estou nomeando de “leitura integrativa” (ou de “leitura como processo

integrativo”) e mostro, em seguida, como o processo de construção de inferências pode

ser uma evidência dessa concepção, surgindo, inclusive como uma possibilidade

concreta de intervenção na formação de leitores em ambiente escolar.

Inicialmente, cabe destacar que, dentro dessa concepção, a leitura é vista como um

processo (ou como a integração de processos) e não como um produto, resultado da

extração de significados do texto pelo leitor. Assim, alinhando-me tanto aos

pressupostos apresentados no capítulo 2 desta tese como a uma concepção de cognição

como invenção, nego qualquer concepção que parta da ideia de que os significados

construídos ao longo de uma leitura existam anteriormente ao processo de integração do

leitor com o que lê. Dentro dessa perspectiva, o significado é visto como construído on

line e real time, ou seja, no momento da interação, de forma negociada e ajustada. Isso

nos leva a “observar o significado de forma dinâmica, ou seja, como construção e

articulação entre experiências, habilidades, conhecimentos e processos” (GERHARDT,

2006a, p.1).

Como dito anteriormente, essa concepção não nega o fato de que haja uma real

interação entre leitor e texto, ou entre a informação visual e os conhecimentos prévios

do leitor durante o processamento da leitura. Acredita-se, inclusive, que essa ideia tem

seu respaldo na fisiologia do cérebro humano, uma vez que ele não é capaz de processar

toda a informação visual alcançada pelos olhos, o que tomaria muito tempo

(FULGÊNCIO e LIBERATO, 2003). Entretanto, embora não negue a ideia de que o

processamento da leitura exija do leitor previsões e saltos de parte da informação a ser

processada, gastando, assim, menos tempo e menos esforço cognitivo, como apontam os

estudos psicolinguísticos clássicos, uma concepção integrativa concebe que os

conhecimentos do leitor e as informações do texto se integram para o surgimento de

novos conhecimentos porque essa é a natureza da cognição humana.

Com base em importantes textos responsáveis pela divulgação de uma primeira

visão sobre os aspectos cognitivos e psicolinguísticos da leitura no Brasil (KATO, 1990;

73

É interessante observar que, por exemplo, encontrei em Coracini (2002), uma proposta de também

construir uma visão própria de leitura, denominada de leitura como processo discursivo, com base em

seus pressupostos teóricos, e que essa visão também foi usada em trabalhos posteriores, de outros autores,

em conjunto à noção de “leitura interativa (ou interacional)”, o que nos revela a importância desse

movimento de singularização teórica, mas também a dificuldade de evidenciá-lo a possíveis leitores.

181

LEFFA, 1996; KLEIMAN, 2001; 2010; FULGÊNCIO e LIBERATO, 2003, entre

outros), sabe-se o leitor retém apenas o conteúdo semântico construído, abandonando a

forma literal apresentada na informação visual. Além disso, sabe-se também que todo o

processo de leitura é seletivo e, portanto, individual, pois, como não percebemos tudo o

que vemos, cada um de nós tem uma percepção única de um mesmo objeto.

Postula-se também, nesses estudos, a existência de uma memória intermediária

(consciousness ou estado de consciência), na qual se focalizam as partes do

conhecimento geral do leitor necessárias para o entendimento de novas informações.

Nela, parte da informação velha, o conhecimento prévio, é focalizada, e a informação

nova é introduzida para a construção de novos significados. Isso só seria possível

porque os nossos conhecimentos se organizam em esquemas cognitivos, que podem

modificar-se, aumentando ou alterando-se, conforme novas informações são aprendidas.

Portanto, os estudos psicolinguísticos clássicos fundantes de uma visão interativa

de leitura já apontavam para o fato de que, para que a leitura seja construída, é

necessário que o leitor tenha conhecimentos para serem ativados, de modo que ele possa

receber a informação nova e compreendê-la. Nesse sentido, já se chamava a atenção

para o papel fundamental do conhecimento prévio do leitor no desenvolvimento de sua

leitura. Kleiman (2010, p.13) chega, inclusive, a apontar que “sem o engajamento do

conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão”.

Parto, então, desses estudos para buscar compreender processualmente como essa

interação, posteriormente posta como integração, se dá, entendendo que, como

destacado no capítulo anterior,

Qualquer que seja o modelo processual proposto, ele deverá

reconhecer a relação de mão dupla entre a pessoa que cogniza e o

universo à sua volta, num fluxo contínuo de informação em ambos os

sentidos, e não supor que o ser humano apenas recebe passivamente as

informações, sem atuar sobre a construção do significado

(GERHARDT, 2010, p.256).

Com base, então, em pressupostos mais recentes, apresentados no segundo

capítulo desta tese, é possível observar que nossos conhecimentos estão organizados,

em nossa mente, em saberes acumulados e se relacionam e se manifestam na interação

por meio de saberes processuais, que permitem a utilização desses saberes para a

formação de outros (DUQUE e COSTA, 2012; GERHARDT, 2006a; 2010;

MIRANDA, 2001). A partir disso, pode-se entender que, na leitura, o leitor integra a

182

informação recebida do texto aos seus saberes acumulados, por meio dos processos

cognitivos que constituem os saberes processuais.

Assim, o conhecimento prévio é entendido como todo o conhecimento que o leitor

tem e que é ativado no momento da leitura (cf. BOTELHO, 2011, 2015; GERHARDT,

ALBUQUERQUE, e SILVA, 2009). O conhecimento prévio se torna, assim, “um

conceito fundamental à compreensão e exploração estratégica da leitura, tendo em vista

que (...) é possível ler melhor a partir do olhar sobre aquilo que já conhecemos”

(BOTELHO, 2015, p.16).

Isso implica que, muito embora algumas previsões possam ser feitas

sobre como um determinado texto será lido, cada pessoa lerá um texto

de uma forma que lhe é absolutamente pessoal; por isso, não haverá

nunca duas pessoas que leiam um texto de maneira igual

(GERHARDT, ALBUQUERQUE e SILVA, 2009, p.75-76).

Segundo Duque (2015b), como também já foi mostrado no capítulo 2, os nossos

saberes acumulados se estruturam e são acionados inconscientemente através de padrões

cognitivos denominados de frames. O autor define os frames como “mecanismos

cognitivos através dos quais organizamos pensamentos, ideias e visões de mundo” e

afirma que “novas informações só ganham sentido se forem integradas a frames

construídos por meio da interação ou do discurso” (DUQUE, 2015b, p.26). Assim,

cognitivamente, podemos afirmar que a linguagem aciona e constrói frames em nossa

memória continuamente, o que teria respaldo nos estudos neurais da linguagem, que já

demonstraram que “um frame é uma “cascata” de circuitos neurais acionada por

palavras” (DUQUE, 2015b, p.27).

De certa forma, essa visão retoma a dos estudos clássicos, uma vez que já

consideravam que o nosso conhecimento prévio estava organizado em esquemas, e a

refina, ao evidenciar a dinamicidade da construção do significado, permitindo-nos um

melhor uso da teoria para estudos aplicados ao ensino. Além disso, é interessante

observar que, mesmo no campo da linguística cognitiva, alguns trabalhos, como o de

Miranda (1999), já associavam os chamados “domínios estáveis” ao conhecimento

prévio, ainda que nesses trabalhos, alguns desses domínios tivessem um caráter de

permanência recentemente rejeitado por uma abordagem exclusivamente baseada em

frames. Propostas de análises de leituras realizadas por estudantes em contexto escolar

com base em frames podem ser vistas em Botelho (2015) e Vargas (2012a, 2015).

Tratando especificamente do ensino da leitura, Botelho (2015), então, afirma que a

183

organização do conhecimento prévio do leitor deve ser compreendida em função do

emprego dos frames, uma vez que sendo

estruturas de conhecimento altamente sistematizadas, delimitadas por

experiências corporificadas e por interações sociais, (...) além de não

permanecerem na memória de forma aleatória, podem ser entendidas

como uma espécie de conhecimento compartilhado a fim de se

compreender um dado evento ou objeto abordados em um texto. Com

base nesse tipo de percepção, Duque (2014, p.82) definiu os frames

como uma estrutura seletiva de “memória social”, o que favorece a

que pensemos o conhecimento prévio a partir da noção de frame

(BOTELHO, 2015, p.49).

Duque (2015b) afirma que os frames são essenciais para a construção de sentidos,

uma vez que só podemos atribuir características a conceitos predefinidos porque somos

capazes de associá-los a frames específicos e de mudar a perspectiva dentro de um

mesmo frame. O autor ressalta que diversas são as abordagens sobre esse conceito, mas

que todas constroem uma visão de frames como gestalts formadas por partes ou papéis

que estabelecem relações entre si, podendo variar em níveis de complexidade, ou seja,

em números de papéis pelos quais são compostos e de relações entre esses papéis. Os

frames, assim, poderiam, inclusive, ser constituídos por outros frames.

Dentro de uma visão que reconhece os movimentos ascendente e descendente do

fluxo da informação como contribuindo de igual maneira para a construção de

significados, é possível dizer que apenas a ativação dos frames não é suficiente para a

compreensão do discurso. É preciso que eles se articulem, nesse duplo movimento, às

informações que o texto traz. Para isso, o leitor deve se utilizar de seus saberes

processuais, tais como a integração conceptual (FAUCONNIER e TURNER, 2002),

processo cognitivo que, por excelência, permite a articulação de diferentes domínios já

existentes e, consequentemente, a formação de novos significados. Ao considerar a

integração conceptual como processo chave para a construção de significados, no caso

desta tese, em uma atividade de leitura, é possível começar a construir uma visão que

fuja do modelo da recognição, posto que se reconhece a possibilidade de que texto e

leitor se transformem no ato da leitura e de que novos significados surjam dessa

integração.

Em resumo, entende-se que os conhecimentos prévios se unem e se organizam

em nossos saberes acumulados, que, durante a leitura, são ativados e integrados às

informações novas. Consecutivamente, as informações construídas passam a constituir-

se como velhas, o que possibilita a integração com novas informações, formando uma

184

sucessão de integrações para a compreensão do texto. Assim, ao longo de uma atividade

de leitura, ocorrem sucessivos processos de integração conceptual entre a informação

visual e o conhecimento prévio do leitor, o que permite a formação de novos

significados que, por sua vez, passam a compor também sua memória.

Para isso, pode-se basear em Gerhardt (2010), que define os processos de

formação de conceitos, e, consequentemente, de aprendizagem como frutos da

capacidade humana de juntar duas coisas para formar uma terceira por meio da

integração conceptual, como apresentado no capítulo anterior. A autora define da

seguinte maneira como se dá o aprendizado de um conceito na Escola (o que, para mim,

vale também para a construção dos significados durante a leitura de um texto em sala de

aula):

Os participantes do processo de construção de significados

proporcionado pela mesclagem conceptual - no nosso caso, conceitos-

base para a formação de outros novos conceitos na escola – estão em

diferentes domínios de experiência: no input I, o domínio dos

conhecimentos do aluno; no input II, o domínio dos conhecimentos da

escola. Os domínios input encontram-se numa situação de fluxo, de

troca; para usar a terminologia clássica do processamento interativo,

trata-se dos movimentos top-down e bottom-up, respectivamente. Isso

nos permite dizer que o modelo interativo proposto por Rumelhart &

McClelland (1982) faz parte de um universo processual mais amplo,

de integração conceptual (GERHARDT, 2010, p.258).

Assim, é possível associar a visão clássica da psicolinguística sobre o

processamento da leitura a esse fundamental processo descoberto recentemente e

definido no segundo capítulo desta tese. Cabe ressaltar que a projeção interdominial se

dá por meio de projeções seletivas e deriva na formação de um espaço-mescla. Essa

projeção só é possível se, entre os domínios, houver estruturas comuns que permitam

sua articulação, formando, assim, o espaço genérico. O espaço-mescla herda, assim,

estruturas parciais dos inputs, mas tem uma estrutura própria, não sendo simplesmente a

soma das partes.

Dessa forma, se os estudos clássicos já entendiam a leitura como o resultado da

interação entre conhecimento prévio e informação nova, dentro dessa ótica derivada da

articulação dos estudos clássicos a estudos mais recentes, pode-se compreendê-la como

o resultado de sucessivas integrações conceptuais entre o conhecimento prévio

(organizado em frames) e a informação nova recebida do texto (que ativa os frames do

conhecimento prévio e é também selecionada em função dos frames já construídos pelo

185

leitor). O que se produz dessa interação estaria, então, nos sucessivos espaços-mescla

que se formam para a construção do todo conceptualizado.

Assim, o leitor, ao receber as informações novas explicitamente apresentadas no

texto, recupera experiências, saberes, conceitos, sentidos, etc. previamente construídos e

os articula ao que recebe do texto. Dessa forma, tanto a informação nova, recebida do

texto, como a informação velha, se alteram para que novos saberes, conceitos,

experiências, visões, sentidos, etc. se construam.

Tanto do ponto de vista psicológico quanto sociológico, o texto se

descontextualiza e se deixa recontextualizar pelo leitor. Tal fato

relaciona-se diretamente com o repertório de experiências do leitor.

Nenhum texto apresenta um sentido único, instalado, imutável,

depositado em algum lugar. (...). A leitura é produzida à medida que o

leitor interage com o texto (DELL’ISOLA, 2001, p.28).

Assim, reconhece-se o papel fundamental desempenhado pelo conhecimento

prévio na compreensão da linguagem, como já apontavam os textos responsáveis pela

divulgação de uma primeira visão sobre os aspectos cognitivos e psicolinguísticos da

leitura no Brasil (KATO, 1990; LEFFA, 1996; KLEIMAN, 2001; 2010; FULGÊNCIO

e LIBERATO, 2003, entre outros), mas entende-se também e melhor como se dá a

integração entre este e a informação nova, o que nos permite, inclusive, pensar numa

didática mais apropriada para o trabalho com a leitura na escola.

Ao mesmo tempo, através dessa visão, também se retoma o valor da informação

visual para a construção da leitura, uma vez que é esta que vai ativa os frames que

compõem o nosso conhecimento prévio. Também é importante destacar que nem todas

as informações constantes no texto são percebidas/conceptualizadas, uma vez que a

projeção interdominial é sempre seletiva e que o próprio conhecimento prévio guia essa

seleção, o que contribui para a corroboração do já clichê de que toda leitura é

individual, uma vez que é fruto de projeções seletivas únicas. Para que a leitura se dê

efetivamente, é preciso, então, que as partes relevantes dos dois inputs sejam

selecionadas e integradas, de forma que o leitor possa de fato integrar-se ao texto e que,

desse processo, novos saberes se formem.

Assim, não haveria leitura ou significado construído anteriormente ao próprio

ato de leitura, tampouco haveria leituras melhores ou piores por si mesmas. Como

salienta Kastrup (2012, p.55), “não existe um mundo só, nem existe só um sistema

cognitivo e nem uma representação melhor do que a outra do mundo, mais próxima da

realidade. Existem diferentes percepções e diferentes mundos”. Existem também

186

diferentes leituras, pensadas em diferentes contextos, por diferentes pessoas, com base

em diferentes saberes e experiências para o alcance de diferentes objetivos.

Nas próximas seções, apresento, então, o que estou chamando de plano

inferencial de leitura. Dentro da concepção que aqui apresento, este seria o plano de

leitura que melhor evidencia as premissas aqui postas, uma vez que as inferências vão

ser vistas justamente como a consequência da integração conceptual entre os

conhecimentos prévios do leitor e as informações visuais apresentadas na linearidade do

texto. Assim, apresento, inicialmente, o processo de construção de inferências – a

inferenciação – como um processo cognitivo, para depois atravessar essa discussão com

as questões que envolvem o ensino de leitura na escola.

4.3. A inferenciação como processo cognitivo

Como dito anteriormente, nesta tese, estou focando nossa atenção no processo de

construção de inferências (ou inferenciação), por acreditar que ele evidencia os

fenômenos descritos anteriormente. Com base nos pressupostos anteriormente

apresentados, a inferenciação passa a ser entendida como um processo cognitivo básico

de construção de significados, consequência, na leitura, da integração das duas fontes de

informação anteriormente citadas: a informação visual e o conhecimento prévio. Antes

de tudo, é importante salientar que, durante muito tempo, a inferência foi vista como

uma forma de se referir a tudo que não estava explícito em um texto. Assim, a

inferência estava essencialmente vinculada ao texto, sendo vista dentro de uma

concepção ascendente (bottom-up) de leitura. Além disso, ao referir-se a tudo que não é

explícito em um texto, apresenta-se uma aparente polissemia do termo, que, na verdade,

representa uma falta de precisão teórica.

A noção de inferência tem sido usada para descrever operações

cognitivas que vão desde a identificação do referente de elementos

anafóricos e exofóricos até a construção da organização temática do

texto. Essa excessiva abrangência do conceito de inferência é

problemática para a caracterização desse fenômeno, pois reúne sob o

mesmo título operações muito diversas, trazendo assim dificuldades

para o estudo dele (COSCARELLI, 2002, p.2).

Ao escolher uma angular teórica que busque aprimorar o conceito de inferência

em leitura sob a ótica apresentada nos capítulos anteriores e na seção anterior deste

capítulo, acredito estar contribuindo para a fundamentação de discursos pedagógicos

sobre o ensino de leitura. Nesse sentido, é importante ressaltar que diversos dos

187

trabalhos clássicos sobre leitura e cognição já deram o devido destaque ao papel

cumprido pelas inferências em um ato de leitura. Muitos já apontaram, inclusive, que os

leitores sempre constroem inferências de forma espontânea enquanto leem, e que o que

fica após uma leitura, ou seja, seu resultado para o leitor, na verdade, são as inferências

geradas ao longo do processo e não as informações explicitamente postas nos textos

(DELL’ISOLA, 2001; FERREIRA e DIAS, 2004; FULGÊNCIO e LIBERATO; 2003;

KATO, 1990; KLEIMAN, 2001, 2010): “há evidências experimentais que mostram com

clareza que o que lembramos mais tarde, após a leitura, são as inferências que fizemos

durante a leitura; não lembramos o que o texto dizia literalmente” (KLEIMAN, 2010,

p.25).

Entretanto, tendo em mente a ideia de que tais estudos não permitiam observar

com a devida importância a processualidade da leitura, como destacado na seção

anterior, tornou-se necessário também construir uma visão de inferência que se

encaixasse com a visão de leitura explicitada anteriormente. Essa visão foi definida de

forma mais detalhada em Vargas (2012a), e aqui apresento brevemente alguns pontos lá

postos, os que nos permitem entender melhor a análise apresentada mais adiante.

Nesse sentido, é interessante observar que os primeiros estudos sobre leitura e

cognição já nos deram, anteriormente, também a base para a construção de uma visão

essencialmente integrativa do processo de inferenciação, uma vez que já definia esse

processo como a articulação entre duas fontes de informação: o texto, em sua

linearidade, e o conhecimento prévio (cf. CHIKALANGA, 1992). Além disso, o fato de

entenderem a leitura como processamento seletivo, que depende de previsões e

deduções também já produzira, em estudos anteriores, contribuições para a

compreensão da inferenciação como processo básico de significação, por meio do qual

o leitor se coloca como ativo na construção de significados (KATO, 1990; KLEIMAN,

2001, 2010; FULGÊNCIO e LIBERATO, 1996, 2003).

Chikalanga (1992), entre outros autores, ofereceu a base para essa compreensão,

ao definir a inferência como

o processo cognitivo no qual um leitor obtém a informação implícita

de um texto escrito com base em duas fontes de informação: o

conteúdo proposicional do texto (isto é, a informação explicitamente

afirmada) e o conhecimento prévio do leitor. Alternativamente, o

188

termo é usado para definir o produto final desse processo

(CHIKALANGA, 1992, p.697, tradução minha)74

.

A partir desses estudos, em Vargas (2012a), caracterizei as inferências como

resultados únicos e novos de cada leitura, sendo, portanto, uma evidência de que a

leitura é um processo que acontece on line, em condições singulares. Nesse sentido,

cabe lembrar que a inferenciação é um processo que permeia a linguagem de forma

geral, ocorrendo em todas as atividades que envolvem a compreensão (de textos, de

imagens, etc.), tanto na fala como na escrita, posto que novas experiências são sempre

postas em articulação a velhas, e a construção de significados se dá sempre nesse

movimento de integração: “a nossa compreensão não só de textos, mas da realidade

como um todo, está condicionada à nossa experiência anterior” (FULGÊNCIO e

LIBERATO, 2003, p.86).

Dessa forma, em relação à leitura, um leitor só é capaz de atribuir sentido a um

texto se passa a constituí-lo também, transformando-o em algo novo.

O significado não está embutido ou inscrito totalmente no texto oral

ou escrito. Embora o texto carregue um sentido pretendido pelo autor,

ele é polissêmico e, como tal, oferece possibilidades de ser

reconstruído a partir do universo de sentidos do receptor, que lhe

atribui coerência através de uma negociação de significados. Esse

processo, por sua vez, amplia as chances de compreender e ser

compreendido na e pela interação (FERREIRA e DIAS, 2004, p.440).

A construção de inferências é entendida, então, como um processo de criação,

um processo básico de produção de (novos) significados. Com base nisso, ao

incorporar-se a teoria da integração conceptual (FAUCONNIER e TURNER, 2002) aos

estudos anteriormente citados, é possível trazer uma maior noção de processualidade ao

estudo da inferenciação, que pode, então, ser analisada de maneira on line e por meio de

integrações de conceitos projetados seletivamente. Assim, a inferenciação é vista como:

um processo de formação de conceitos (inferências) que se dá a partir

da integração conceptual entre dois inputs de informação: o

conhecimento prévio do leitor e a informação visual apresentada no

texto. A inferência, por sua vez, possui um caráter imprevisto e

particular, sendo um elemento novo relativamente aos inputs

(VARGAS, 2012a, p.85).

74

Original: “inference is defined as the cognitive process a reader goes through to obtain the implicit

meaning of a written text on the basis of two sources of information: the ‘propositional content of the

text’ (i.e. the information explicitly stated) and ‘prior knowledge’ of the reader. Alternatively, the term is

taken to mean the end product(s) of such a process” (CHIKALANGA, 1992, p.697).

189

É importante lembrar que a informação recebida não vem por meio de frases,

mas dos agrupamentos de saberes que denominamos de frames, uma vez que a mente

cria gestalts contextuais e não interpreta cada frase de forma isolada (DUQUE e

COSTA, 2012). A geração de inferências se dá, então, por meio da projeção

interdominial entre o conhecimento prévio e as informações visuais, que funcionam

como inputs, e assim, por meio da projeção seletiva, obtêm-se as inferências no espaço-

mescla. Essas inferências seriam, então, sempre base para a construção de novas

inferências que vão se desenvolvendo ao longo da leitura, uma vez que, como explicam

Fauconnier e Turner (2002, p.24), “a existência de uma boa mescla pode tornar possível

o desenvolvimento de uma mescla melhor. A estrutura conceptual contém muitos

produtos entrincheirados da integração conceptual anterior”75

.

Tal processo seria, então, a base da compreensão leitora, que se daria sempre

como fruto de inferenciações situadas, porque dependem, em um sentido amplo, do

contexto em que são realizadas, mas não podem ser previstas. Utilizando, então, o

esquema de integração conceptual representado a seguir, pode-se dizer que, no input I,

estariam as informações que o leitor seleciona de seu conhecimento prévio, organizado

em frames, e que se articulariam ao input II, das informações trazidas pelo texto e

igualmente selecionadas pelo leitor. Da projeção seletiva das informações contidas em

ambos os espaços, seriam construídas as inferências no espaço-mescla, que se forma

pela integração de ambos os espaços, com base em elementos que eles tenham em

comum. Como salientam Fauconnier e Turner (2002), nós podemos criar diferentes

mesclagens a partir dos mesmos inputs. Assim, o processo, ainda que seja o mesmo,

pode ter resultados diferentes, uma vez que os inputs não determinam a rede de

integração conceptual.

75 Original: “The existence of a good blend can make possible the development of a better blend.

Conceptual structure contains many entrenched products of previous conceptual integration”.

190

Figura 5 - Esquema de integração conceptual representando a inferenciação em leitura

Dessa forma, a inferência surge como a evidência mais representativa de que a

leitura é essencialmente integrativa, uma vez que, ao mesmo tempo em que é o

resultado de uma integração conceptual, ela representa o que retemos após a realização

de uma leitura. Assim, mais do que uma interação na qual leitor e texto contribuem para

a construção de significados através dos movimentos ascendente e descendente, o que

temos é uma verdadeira integração entre texto e leitor, sendo os resultados dessa

integração elementos completamente novos relativamente aos domínios que os formam

e únicos para cada leitor em cada momento de cada leitura que realiza.

Assim, é possível concordar com Vanin (2009, p.51), que, por outro caminho,

entende que a inferenciação (ou o “ato inferencial”, como o denomina) é “um processo

de construção de sentido através de um conjunto de relações decorrentes da interligação

do conteúdo de memórias enciclopédicas pertinentes para o momento comunicacional e

do contexto que circunda tal interação”. Para ela – como para a visão que aqui é

apresentada – “a significação só se torna possível devido à atividade inferencial, que é

desencadeada pelas interações do indivíduo com o mundo, através de um sistema de

encaixes de raciocínios de natureza linguística, social, cultural, e cognitiva” (VANIN,

2009, p.51).

Mais uma vez, essa visão integrativa nos permite associar-nos à ideia de

cognição inventiva (KASTRUP, 2005, 2012, 2015), posto que, como já salientara Vanin

191

(2009, p.56), “a formação de inferências nas trocas comunicativas leva à construção do

mundo e dos significados dos objetos que nele estão inseridos”, não havendo, portanto,

qualquer sentido anterior ao movimento de integração. Mesmo a informação visual, que

poderia ser entendida como dada antes da integração, nessa concepção, torna-se única,

uma vez que cada um de nós seleciona o que dela nos interessa selecionar ou o que

podemos selecionar em função de nossos conhecimentos prévios. Não só “as inferências

são subordinadas a contextos interpretativos específicos” (DUQUE, 2015a, p.68), como

a informação visual também o é.

Nesse sentido, não só a leitura integrativa comprova a natureza distribuída da

cognição humana, mas também as inferências – enquanto resultado dessa leitura –

também o fazem. As inferências, desse modo, só são construídas porque distribuímos

nossa cognição entre o que há em nossos conhecimentos prévios, o texto com o qual nos

integramos e a situação em que nos encontramos, que vai nos levar a definir objetivos

específicos para nossa leitura a usar elementos e pessoas nela presentes como parte

também desse processo de construção.

Como afirmam Fauconnier e Turner (2002), nós vivemos na mescla, uma vez

que nossa experiência deriva das integrações conceptuais que realizamos. Isso quer

dizer que as inferências que produzimos formam parte da nossa realidade. Entretanto,

ressaltam eles, há atividades altamente abstratas que realizamos e que dependem da

nossa capacidade de separar passo a passo as integrações realizadas. Os autores citam,

por exemplo, a matemática, e prosseguem:

Quão completamente nossa apreensão consciente é limitada à mescla

depende do tipo de atividade para qual a mesclagem serve. No caso da

sensação e da percepção, nossa experiência consciente vem

inteiramente da mistura - nós "vivemos na mistura", por assim dizer.

Em outras atividades, a apreensão consciente tem mais margem para

avançar e retroceder, para "viver na rede de integração completa”

(FAUCONNIER e TURNER, 2002, p.83, tradução minha)76.

É partindo, então, da ideia de que podemos refletir sobre parte das integrações

conceptuais que realizamos que desejo pensar o trabalho com o ensino de leitura na

escola. Entendendo que a escola é o espaço – socialmente construído – que deveria nos

levar a nos construirmos como sujeitos críticos, autônomos, reflexivos, acredito que,

76

Original: “How thoroughly our conscious apprehension is limited to the blend depends on the kind of

activity that blending serves. In the case of sensation and perception, our conscious experience comes

entirely from the blend - we "live in the blend", so to speak. In other activities, conscious apprehension

has more leeway to go back and forth, to "live in the full integration network” (FAUCONNIER e

TURNER, 2002, p.83).

192

nela, o ensino de leitura deva ir além do estímulo à produção de processos espontâneos

de construção de inferências.

Uma vez que as inferências que construímos em uma leitura se tornam parte da

nossa realidade, cabe à escola levar os alunos a pensarem sobre essa realidade

construída, não naturalizando sentidos e visões de mundo. A leitura crítica, dessa

maneira, partiria (mas não se restringiria a) de um trabalho realizado no plano

inferencial. É sobre isso que tratarei na próxima seção, para, nos capítulos seguintes,

verificar o que vem sendo feito da leitura nos livros didáticos de espanhol selecionados

para esta pesquisa.

4.4. A cognição distribuída e o plano inferencial de leitura: por um ensino de

leitura como processo integrativo

Como explicitado anteriormente, ao pensar o ensino de leitura na escola, parto

do fato de que o aprendizado envolve dois domínios de realidade distintos: o do

conhecimento da pessoa e o domínio contextual (GERHARDT, 2010). Dessa forma,

dentro de uma visão escolar de aprendizagem, existiria o espaço da realidade do aluno e

o espaço da realidade da escola, que se mesclariam para a formação de novos conceitos,

por parte de quem aprende, gerados na estrutura emergente fruto dessa integração. Do

mesmo modo, a leitura na Escola ocorre a partir da integração entre o espaço da

realidade do aluno e o espaço das informações trazidas pelo texto, com o aluno-leitor

construindo uma nova leitura, fruto dessa integração.

Nesse sentido, Gerhardt (2013), apresenta algumas contribuições que as ciências

cognitivas podem oferecer às ciências sociais na discussão sobre a escola –

contribuições essas que serão consideradas aqui basilares para a discussão proposta

sobre o ensino de leitura, entendendo-o como manifestação de uma relação maior da

escola com a aprendizagem:

[1] As ciências cognitivas atualmente podem oferecer o entendimento

de como a construção do significado em “coparticipação social”

(MOITA LOPES, 1996, p.88) se manifesta em termos dos processos

cognitivos realizados pelas pessoas (...), porque oferece uma

percepção fidedigna e aprimorada de como a pessoa lida com a

linguagem, não apenas interacional e socialmente, mas também

cognitivamente – articulando “o lado de dentro” com o “lado de fora”

e recusando as supostas dualidades mente-corpo e cognição-cultura

típicas das epistemologias tradicionais (GERHARDT, 2013, p.98,

grifos da autora).

193

[2] Os estudos em cognição e ensino de língua permitem realizar uma

associação entre o uso da linguagem e a construção mais geral da

cognição humana, detectando as evidências linguísticas do que

desencadeia as ações cognitivas, quais são os seus objetivos, e quais

tipos de problemas elas buscam resolver. Essa detecção pode subsidiar

a formulação de propostas didático-pedagógicas que, em vez de

definir a priori qual é a relação entre as pessoas e a linguagem,

busquem associar a cognição cotidiana dos alunos, mais próxima das

realidades vividas por eles fora da escola, às suas ações cognitivas

situadas dentro da sala de aula (GERHARDT, 2013, p.98).

[3] Os estudos em cognição, sobretudo aqueles relacionados ao caráter

processual da construção do significado, oferecem um arcabouço

teórico-descritivo capaz de nos auxiliar a compreender os

mecanismos, elementos e processos relacionados ao aprendizado, aqui

visto como integração conceptual que conta com a articulação entre as

bases de conhecimento existentes no “lado de dentro” e no “lado de

fora”, para que sejam criados novos conceitos, novas ideias.

Associando-se tais trabalhos aos estudos em cognição distribuída, é

possível definir parâmetros razoavelmente precisos acerca do que é

necessário proceder para que se possa instaurar em sala de aula um

ambiente de intersubjetividade que seja favorecedor do aprendizado,

mesmo com o engessamento que a forte institucionalização e a

normatização das relações escolares impõem sobre nossos

comportamentos (GERHARDT, 2013, p.99).

Acredito, assim, que o trabalho reflexivo sobre esse movimento de integração

entre o espaço cotidiano do aluno, de seus saberes e suas experiências, e o espaço da

escola, manifestado no texto lido e na atividade realizada, seja essencial. Não apenas o

aluno pode selecionar melhor as informações que busca em seu conhecimento prévio e

as informações novas recebidas em função de um objetivo específico, como também

pode refletir sobre possíveis direcionamentos presentes nos textos lidos para que ele

selecione determinadas informações e ignore outras.

Além disso, ao refletir sobre as inferências construídas, o aluno pode refletir

também sobre sua concepção de mundo, alterando-a, de maneira mais consciente, em

função da sua integração com novos saberes. É possível dizer, inclusive, que um

trabalho com o plano inferencial apresenta para os alunos uma concepção de

aprendizagem que foge do padrão reprodutivo do modelo de recognição e que, portanto,

auxilia na construção de aprendizes que estão sempre abertos – e atentos – à construção

de novos saberes e à consciência de que nenhum saber é fixo, uma vez que não existe

ninguém nem nada que esteja dado e acabado.

Desse modo, evitam-se dois problemas clássicos em relação à aprendizagem

escolar, descritos em Gerhardt (2013): o fato de a cognição cotidiana interferir

excessivamente na cognição escolar, ou seja, o aluno não conseguir aprender o que a

194

escola lhe ensina porque seus saberes prévios se sobrepõem aos novos saberes, e o fato

de a cognição escolar ser excessivamente institucionalizada, ou seja, de não haver,

dentro da escola, qualquer espaço de abertura para a entrada dos saberes prévios dos

alunos, o que, dentro dessa concepção, impede inclusive a articulação com os novos

saberes apresentados. Como apontam Gerhardt, Albuquerque e Silva (2009, p.89), a

sala de aula, geralmente, é posta como um cenário de desencontros e falta de diálogos:

a escola fala uma língua, o aluno, outra; a escola suscita dele

pensamentos alienígenas à sua vida, e ele, evidentemente, se mantém

no lugar de onde veio, e esse estado de coisas se repete sem que a

parte realmente responsável por uma mudança de olhar e de atitude

reconheça as suas responsabilidades. De forma que o aluno sai da

escola sem ter verdadeiramente em algum momento entrado nela.

Para isso, torna-se essencial, de antemão, um trabalho escolar que tome

verdadeiramente a leitura como um processo, e como um processo que se dá na mente

de forma distribuída, por meio da integração de dois domínios de experiência diferentes

e pela seleção de elementos desses domínios para a sua integração, em função de

objetivos anteriormente postos para a leitura e da articulação entre os frames que

organizam o conhecimento prévio do leitor e os frames que são apresentados no/pelo

texto lido.

Portanto, torna-se necessário entender que qualquer leitura depende tanto do

leitor quanto do texto, no sentido de que o texto não pode se distanciar demais dos

conhecimentos prévios do leitor, o que exige um trabalho de construção desses

conhecimentos anterior à leitura, nem o leitor pode abrir mão de engajar seus saberes

nesse processo. Além disso, ela é marcada por um contexto macro e microssocial,

envolvendo outras pessoas e o ambiente físico e institucional em que elas se encontram.

Nesse sentido, uma boa leitura é aquela que permite a construção de novos saberes: nem

o texto nem o leitor permanecem inalterados, sendo esses novos saberes o que o leitor

reterá após sua leitura. Metacognitivamente, cabe ainda ao leitor saber que está

realizando esse processo, regulando-o em função de seus objetivos.

Entendido o processo de leitura sob essa ótica, é possível pensar melhor em

como a Escola pode atuar no desenvolvimento metacognitivo do aluno-leitor em

interação não só com o texto escrito, mas também com o mundo que o rodeia, uma vez

que esse também é compreendido e interpretado por meio dos mesmos processos

cognitivos. As atividades de leitura, em qualquer disciplina, deveriam lançar mão dessas

noções, buscando ativar os conhecimentos prévios do aluno (ou construí-los, se

195

necessário) e permitir (e mais: validar e desenvolver) a integração desses conhecimentos

aos novos que o texto apresenta, trabalhando, essencialmente, o processo de construção

da leitura com base na integração entre esses dois inputs. Não faz sentido, assim, que a

escola busque do aluno, como vimos na primeira seção deste capítulo, apenas a

capacidade de reproduzir informações explicitamente postas nos textos, uma vez que

isso nega os processos cognitivos envolvidos na leitura e força o aluno a se comportar

de uma maneira artificial em relação à sua leitura.

Como vimos, essa é uma prática que representa uma política cognitiva contra a

qual precisamos lutar emergencialmente e o plano inferencial de leitura pode ser um

importante instrumento nessa luta. Nesse sentido, cabe salientar que estou denominando

de plano inferencial de leitura o plano das possibilidades de inferências realizadas

durante uma determinada leitura, a partir da proposta apresentada em Gerhardt e Vargas

(2010) de que um texto pode ser lido de várias formas diferentes, cada qual equivalente

à ativação de uma determinada organização no plano meta77.

Sobre isso, diversos trabalhos já apontaram que os leitores constroem inferências

espontaneamente enquanto leem e que o resultado de uma leitura, na verdade, são as

inferências geradas ao longo do processo e não as informações explicitamente postas

nos textos, como se costuma imaginar (DELL’ISOLA, 2001; FERREIRA E DIAS,

2004; FULGÊNCIO e LIBERATO, 1996; 2003; KATO, 1990; KLEIMAN, 2001; 2010,

MARCUSCHI, 2002, 2003). Por outro lado, outros tantos trabalhos mostram que, na

escola, ainda se ignoram os diferentes processos de construção possíveis para cada

leitor, buscando essencialmente a reprodução de informações explicitamente

apresentadas ou recorrendo a questões que não exigem a leitura dos textos para serem

respondidas (DELL’ISOLA, 1997; FERREIRA, 2012; GERHARDT e VARGAS, 2010;

MARCUSCHI, 1996; 2003; ROJO e BATISTA, 2003; ROJO, 2003; VARGAS, 2011,

2012a, 2012b, 2013; VARGAS et al., 2011). Além disso, há trabalhos que mostram que

diferentes inferências, quantitativamente e qualitativamente, são produzidas em função

de objetivos diferentes postos para a leitura (GERBER e TOMITCH, 2008; ROSCIOLI

e TOMITCH, 2014; ROSCIOLI, TOMITCH e FARIAS, 2015).

77

Nesse texto, entre outros planos ainda não estabelecidos, citamos algumas possibilidades de planos: a) o

das estruturas esquemáticas dos saberes estáveis que subjazem à construção do significado; b) o da

estrutura de evento para narrativas; c) o da organização referencial; d) o da organização sequencial; e) o

da organização do parágrafo; f) o da organização inferencial; g) o da estrutura de argumentação; h) o da

compreensão metalinguística e i) o da compreensão metacognitiva (GERHARDT e VARGAS, 2010).

196

Quando se trata da inferência, costuma-se observá-la como uma simples

estratégia de leitura utilizada para, teoricamente, preencher as lacunas deixadas em um

texto. Como explica Dell’isolla (2001), nesse tipo de abordagem, o nível básico do texto

(o que mais adiante chamarei de linear ou literal) pode apresentar proposições que não

se inter-relacionam. As inferências, então, atuariam preenchendo os espaços deixados

entre essas proposições. A construção de inferências seria, assim, um procedimento nem

sempre utilizado, ocorrendo apenas quando o texto o exigisse. Sob essa visão, o leitor

geraria inferências apenas para entender o que está escrito quando as informações do

texto lido não fossem suficientes. Acredita-se, assim, que, de alguma forma, seria

possível entender o texto tal e como ele se nos apresenta, e a inferência seria o resultado

de um processo predominantemente ascendente (bottom-up), o que reforça uma visão de

cognição – e de aprendizagem – como reprodução, dentro de uma política de

recognição.

De forma a superar essa visão, acredito que as atividades escolares de leitura

deveriam, no que se refere ao plano inferencial, trabalhar em dois planos:

(a) num primeiro plano, deveriam trabalhar efetivamente com o

desenvolvimento de tarefas que levassem os alunos a reconhecerem as inferências por

eles construídas e a pensarem sobre as inferências como um processo que envolve a

integração de duas fontes de informação. Isso envolveria um trabalho de ativação e, se

necessário, de construção de conhecimento prévio e um trabalho com questões que

abordem diferentes níveis de leitura, orientando o aluno em sua reflexão sobre as

inferências construídas e sobre os elementos selecionados e articulados para essa

construção; e

(b) num segundo plano – meta –, em paralelo ao anterior, no desenvolvimento de

habilidades metacognitivas sobre os processos que os leitores desenvolvem ao

aprenderem a ler, em função de objetivos previamente definidos e de hipóteses

construídas ao longo de uma leitura. Dessa forma, pensando no plano inferencial, seria

papel da escola levar os alunos a proporem objetivos para suas próprias leituras –

pensando-os como invenção de problemas – e a pensarem estratégias de leitura em

função desses problemas, sendo as inferências, assim, construídas em função dos

objetivos propostos. Além disso, seria fundamental a compreensão de como as

inferências atuam na formulação e flexibilização de hipóteses de leitura de forma que a

197

leitura seja efetivamente vista como processualidade e que o aluno possa pensar sobre

ela enquanto lê.

Assim, questões de leitura que se propusessem de fato a ensinar o aluno a ler

melhor deveriam atuar levando-o a ativar seus conhecimentos prévios e permitindo que

os integre de uma melhor maneira às informações novas que o texto apresenta. Para que

isso aconteça, é necessário que os professores que se dedicam ao ensino de leitura, em

aulas de línguas ou de outras disciplinas, conheçam como se dá o processo da leitura,

para que possam atuar reflexivamente em sala de aula, interferindo nele quando

necessário, e criando parâmetros para a avaliação e análise dos textos a serem

utilizados, bem como do trabalho a ser desenvolvido com eles:

...acreditamos que o desvendamento do processo torna possível o

planejamento de medidas de ensino adequadas, de base informada,

bem fundamentadas. (...) Refletir sobre o conhecimento e controlar os

nossos processos cognitivos são passos certos no caminho que leva à

formação de um leitor que percebe relações, e que forma relações com

um contexto maior, que descobre e infere informações e significados

mediante estratégias cada vez mais flexíveis e originais (KLEIMAN,

2010, p.9).

Igualmente, para que a citação de Kleiman (2010) possa ser efetivamente

realizada, o aluno deve conhecer os objetivos da tarefa que busca desenvolver, do que

está buscando alcançar, das habilidades que precisa ativar e das estratégias de que se

pode utilizar para alcançá-lo. No que se refere à leitura, por exemplo, o estabelecimento

de objetivos “refere-se à intervenção do leitor na seleção prévia de quais significados

deverão ser capturados na interação com o texto, a partir de uma definição específica do

que se quer reconhecer nele” (GERHARDT, BOTELHO e AMANTES, 2015, p.182).

Dessa maneira, nosso foco de atuação deve estar no desenvolvimento de suas

habilidades metacognitivas, ou seja, em sua conscientização sobre seus próprios

processos cognitivos. Nesse sentido, cabe lembrar que, como nos ensinou Kleiman

(1992), as habilidades cognitivas não podem ser ensinadas, apenas exercitadas, mas as

estratégias de leitura (ou seja, as habilidades metacognitivas) sim podem ser ensinadas

de forma consciente. A metacognição é entendida aqui, então, como a nossa capacidade

de pensar e refletir sobre nossa cognição, monitorando-a, regulando-a e reformulando-a

quando necessário. Mais especificamente, podemos dizer que a metacognição diz

respeito à autorregulação da própria cognição, de forma que possamos administrar

nossos próprios processos cognitivos, em função de um determinado objetivo, através

198

de atividades de monitoramento e controle (NELSON e NARENS, 1996; SCHWARTZ

e PERFECT, 2002; TARRICONE, 2011).

Na leitura, podemos atuar metacognitivamente por meio da habilidade em

elaborar objetivos e hipóteses flexíveis acerca dos significados que o texto traz. Assim,

podemos dizer que o monitoramento e o controle são processos que atuam

articuladamente na construção de duas dimensões para a metacognição em atividades de

leitura: a autoavaliação, a partir da formulação de hipóteses, e o controle da ação

cognitiva em função de um resultado desejado, a partir da postulação de objetivos e de

estratégias para resolver os problemas (BOTELHO, 2011; 2015; GRIFFITH e RUAN,

2008; RANDI, GRIGORENKO e STERNBERG, 2008). Pensando em uma abordagem

que busque a construção de políticas inventivas em sala de aula, acredito que os estudos

em metacognição podem nos auxiliar na fundação de um olhar que parta de problemas

efetivamente inventados em sala de aula – que se transformam, no caso da leitura, em

objetivos de leitura – para construir uma prática de leitura que abra espaço para a

criação.

Nesse sentido, cabe observar que mesmo ao trabalharmos com o primeiro plano,

anteriormente citado, estamos também, como professores, trabalhando com habilidades

metacognitivas, uma vez que a busca é por levar os alunos a refletirem sempre sobre as

inferências por eles construídas ou sobre as inferências que poderiam construir para

desenvolver uma melhor leitura dos textos com que se integram. Nesse sentido, se um

leitor reconhece que uma determinada inferência se derivou da integração de uma

determinada informação presente em um texto e uma informação existente em seu

conhecimento prévio, já há nesse reconhecimento o desenvolvimento de uma reflexão

metacognitiva sobre esse processo. Assim, a ideia é que, com o tempo, essa reflexão

seja incorporada ao processo espontâneo de leitura do aluno, tendo ele se construído,

com o apoio das atividades escolares, como um leitor maduro, autônomo – e crítico em

relação ao que lê e, igualmente, à leitura que constrói.

Essa perspectiva se aproxima do que Kastrup (2005) propõe como perspectiva

para o aprendizado. Segundo a autora,

A novidade e a surpresa configuram uma das faces da dupla

temporalidade da aprendizagem. A segunda face de sua temporalidade

é a sedimentação e o enraizamento. A sedimentação do aprendizado

ocorre por intermédio da repetição e do ritmo de um treino que se dá

por meio de um conjunto de sessões consecutivas e regulares. O

sentido do treino é criar um campo estável de sedimentação e

acolhimento de experiências afectivas inesperadas, que fogem ao

199

controle do eu. A regularidade das sessões tem como efeito a criação

de uma familiaridade com as experiências de breakdown e, enfim, o

desenvolvimento de uma atitude cognitiva e atencional ao plano das

forças. O processo começa com esforço, por intermédio de uma

atitude consciente e intencional, mas que se torna, com a prática,

espontânea e inintencional” (KASTRUP, 2005, p.1279).

É interessante observar que, ao repensar o papel da linguística aplicada para os

novos tempos que vivemos, Rajagopalan (2006, p.160) aponta os estudos sobre a

metacognição como um dos “bons ventos” que “começaram a soprar, ajudando a

dissipar certo marasmo que se instalou no campo”, vindo para contribuir para o

questionamento da tese de que “a prática só teria êxito se obedecesse aos ditames da

teoria”. Entretanto, para que isso possa se concretizar em sala de aula, professores e

especialistas em leitura podem e devem, como afirmam Applegate et al. (2002), atuar

como catalizadores para uma mudança no ensino.

Para que possam exercer esse papel, precisam os professores, anteriormente,

compreenderem como se constrói uma leitura integrativa e se tornarem capazes de

acessar a habilidade de seus alunos em pensar sobre e responder ao texto – o que

também é um aprendizado que exige sedimentação, no termo proposto por Kastrup

(2005). Caso contrário, eles acabam por perder, como apontei em Vargas (2012a), uma

de suas mais poderosas ferramentas para estimular a consciência nos estudantes, e em si

mesmos, de que ler é um processo ativo de construção de significados (e não de

reprodução!) para o qual concorrem, entre outros fatores, tanto a voz de quem escreve

como a voz de quem lê, em igual proporção.

O caminho para esta mudança tem sido oferecido fartamente pelas

ciências da cognição: a partir da pressuposição de que a relação entre

professor e aluno, fortemente marcada pela institucionalização, é

assimétrica por natureza, o olhar inicial de atenção para o lugar do

outro precisa ser construído pela escola; cabe a ela dar-se conta de que

em sala de aula existe uma pessoa que, embora esteja por lá

fisicamente, precisa de estímulo e atenção para integrar o universo de

saberes e experiências que a escola tem a oferecer; cabe a ela

compreender que a aquisição de novas informações por parte do aluno

só acontecerá se ele conseguir encontrar ligações entre o que lhe é

conhecido e o que está para ser aprendido. O novo, pelo novo, de nada

vale (GERHARDT, ALBUQUERQUE e SILVA, 2009, p.89).

Assim, novamente, é possível voltar à ideia de cognição inventiva, uma vez que,

dentro dessa visão, segundo Kastrup (2005, p.1287), “ensinar é, em grande parte,

compartilhar experiências de problematização”. Desse modo, o ato de ensinar precisa

200

estar sempre aberto a potencializar as possibilidades de invenção de novas

subjetividades e de novos mundos.

Por isso considero que, no domínio da formação, é preciso encontrar

estratégias de constante desmanchamento da tendência a ocupar o

lugar do professor que transmite um saber. Penso que não se trata de

determinismo nem de livre arbítrio; nem de submissão a um modelo

existente, nem de boa vontade. O caminho é de um aprendizado

permanente. Trata-se de um processo lento, marcado por idas e

vindas, mas só ele possibilita a criação de uma política cognitiva da

invenção (KASTRUP, 2005, p.1287).

Além disso, uma vez que a perspectiva assumida aqui é a de que a cognição é

distribuída, a saída do professor do lugar de alguém que transmite um saber também

abre espaço para que os alunos, entre si, se engajem em processos coletivos de

construção de significados. Assim, entendo que a leitura no plano inferencial pode ser a

comprovação de que a leitura é distribuída entre texto e leitor, mas é também – e, talvez,

até de maneira mais importante, distribuída entre leitores. Como apontam Zhang e Patel

(2006), existem dois tipos de cognição distribuída: entre uma mente e um artefato

externo e entre mentes individuais, e que:

Um grupo de mentes pode ser melhor que um (ganho de processo)

porque, em um grupo, há muito mais recursos, carga de tarefa e carga

de memória, que são compartilhados e distribuídos, os erros são

verificados, e assim por diante. O desempenho de um grupo também

pode ser pior do que o de um indivíduo (perda de processo), porque

em um grupo de comunicação leva tempo, o conhecimento pode não

ser compartilhado e diferentes estratégias podem ser utilizadas por

diferentes indivíduos (ZANGH e PATEL, 2006, p. 140).78

Sem o professor ocupar exclusivamente esse lugar de saber, a busca pela resposta

correta às questões postas por ele dá lugar a uma busca individual e coletiva de

construção efetiva de significados em sala de aula. Entretanto, como é possível notar

pela citação acima, isso precisa ser ensinado e desenvolvido em sala de aula, de forma a

que a perspectiva de um pensar em grupos (GURECKIS e GOLDSTONE, 2008) não

mais atrapalhe do que ajude. Pensar a cognição de forma distribuída em sala de aula,

seja distribuída entre um aluno e o material com que se integra, seja entre alunos e entre

alunos e professores, exige necessariamente um novo fazer, a criação de práticas que

78

Original: “A group of minds can be better than one (process gain) because in a group there are much

more resources, task load and memory load are shared and distributed, errors are cross-checked, and so

on. The performance of a group can also be worse than that of an individual (process loss) because in a

group communication takes time, knowledge may not be shared and different strategies may be used by

different individuals” (ZANGH e PATEL, 2006, p. 140).

201

retirem do centro políticas de recognição e ocupem esse espaço com políticas de

invenção.

Acredito que a possibilidade de trabalharmos com uma perspectiva que integre

esses pressupostos a uma didática de leitura focada no desenvolvimento de habilidades

metacognitivas nos auxilia como aporte metodológico para o ensino de leitura em

situação escolar, atendendo à necessidade destacada por Davis, Nunes e Nunes (2005)

de construir, em sala de aula, uma cultura do pensar. Como ressalta Rajagopalan (2006,

p.162),

a prática pedagógica dentro da sala de aula não pode ser considerada

como mero apêndice da reflexão teórica feita sobre a aquisição da

língua (...). as práticas pedagógicas devem se basear nas aspirações e

motivos dos aprendizes e não, como foi a prática durante um bom

tempo (isto é, o tempo em que a teoria ditava as regras do jogo) nas

tomadas de decisões com base em elucubrações teóricas, feitas longe

dos aprendizes e de suas crenças.

Como caminhos metodológicos para isso, me baseio aqui na integração de

atividades que trabalhem com os diferentes níveis inferenciais em que uma leitura pode

ocorrer (APPLEGATE et al., 2002) e o modelo de ações metacognitivas de Nelson e

Narens (1996), segundo os quais, devem compor-se de três etapas: aquisição, retenção e

recuperação, que, em relação à leitura, se transformam nas etapas de pré-leitura, leitura

e pós-leitura, respectivamente. Dessa forma, acredito ser possível pensar em uma prática

– mais do que em um modelo – de ensino de leitura que abra perspectivas para a

inclusão dos saberes e experiências dos alunos e para sua inclusão com o texto lido,

considerando o ato de ler como sendo efetivamente um processo, que, por sua vez,

exige reflexão para não se dar de maneira passiva.

Partindo, então, desses pressupostos, é possível encontrar em Applegate et al.

(2002) um protocolo de leitura que nos permite pensar em questões de leitura que levem

em conta essencialmente o processo inferencial do leitor. Segundo os autores, boas

atividades de leitura deveriam fazer com que o leitor pensasse sobre o que lê79

e usasse

as informações do próprio texto para explicar seus pensamentos. Em outras palavras,

pode-se dizer que os autores colocam o processo inferencial como central para a

elaboração de questões de leitura que levem o aluno a se tornar agente de sua própria

leitura. Com base nisso, os autores criaram um protocolo de classificação de questões de

79

Aqui, podemos acrescentar que, além de fazer com que o leitor pense sobre o que lê, essas questões

deveriam também reconhecer e validar os pensamentos já desenvolvidos pelo aluno-leitor durante sua

leitura, ou seja, antes mesmo da realização das questões.

202

leitura e definiram quatro níveis de questões de compreensão leitora, levando em conta

o que estamos chamando de plano inferencial:

(a) questões de nível literal: exigem que o leitor apenas selecione informações

declaradas explicitamente no texto;

(b) questões de baixo nível inferencial: requerem respostas não citadas

verbalmente no texto, mas que podem estar próximas do literal; exigem que o leitor

identifique relações entre ideias do texto não explicitadas gramaticalmente; importam-se

com detalhes irrelevantes para a mensagem central ou requerem que o leitor especule

sobre informações do texto sem apoiar-se nelas;

(c) questões de alto nível inferencial: incitam o leitor a articular suas

experiências e o texto; requerem pensamentos mais complexos do que as questões de

baixo nível inferencial; exigem soluções alternativas para um problema específico

descrito no texto; solicitam a descrição de motivações que poderiam explicar atitudes

apresentadas nos textos; buscam explicações para uma situação, um problema ou uma

ação apresentado no texto; buscam explicitar predições baseadas nas informações do

texto; ou descrições de personagens ou ações baseando-se em eventos do texto; e

(d) questões inferenciais globais80: enquanto questões de alto nível se dirigem a

elementos específicos ou problemas em passagens do texto, as inferenciais globais

requerem um leitor que discuta e reaja ao significado do texto como um todo; buscam

descrever a lição que um personagem pode ter aprendido, julgar a eficácia de uma ação

ou decisão e defender um julgamento ou uma solução alternativa para um problema

complexo descrito no texto; solicitam ao aluno responder positivamente ou

negativamente ao texto, baseando-se em julgamentos lógicos sobre ele.

Em relação ao modelo proposto por Nelson e Narens (1996), Gerhardt, Botelho e

Amantes (2015, p.190-191) propõem a seguinte adaptação para atividades de leitura:

(i) As tarefas do estágio de aquisição incluem o recrutamento de dados

do objeto de estudo para a checagem das estratégias utilizadas – no

caso, o enquadramento, na memória rasa, de conhecimentos prévios

que são importantes para uma boa leitura do texto.

(ii) No estágio de retenção, administra-se a coleta e a manutenção do

aprendizado do objeto de estudo, em relação aos conhecimentos

prévios levantados e aos objetivos de leitura.

(iii) O estágio final de recuperação contém atividades de fixação e

verificação da aprendizagem e de checagem do alcance dos objetivos

80 Em inglês, Applegate et al. (2002) denominam essa categoria como “response items”. Em português,

temos usado, no âmbito do COGENS, esse termo juntamente a outros autores que também usam a mesma

categorização dos autores.

203

de leitura. Nesse estágio, é possível refletir sobre a relação entre os

dados recrutados e os conhecimentos prévios dos alunos, em vias de

validar as informações capturadas durante a leitura.

Assim, dentro da proposta aqui levantada, em atividades escolares de leitura que

considerem o plano inferencial como relevante e que pensem nos alunos como sujeitos

de sua aprendizagem, torna-se fundamental que:

a) sejam elaboradas questões de pré-leitura, que solicitem a ativação de

conhecimentos prévios do leitor ou o auxiliem na construção de

conhecimentos necessários para o desenvolvimento de sua leitura e que

contribuam – ou ofereçam provisoriamente – para o estabelecimento de

objetivos de leitura;

b) questões de leitura, que possam auxiliar o aluno em seu processo de

integração com o que lê, através de questões que priorizem os níveis mais

inferenciais de leitura, usando o nível literal apenas como suporte para a

construção de inferências; e

c) questões de pós-leitura, que busquem o desenvolvimento de reflexões a

partir da articulação entre o que o leitor sabia antes e o que ele aprendeu ao

longo de sua leitura.

Em meio a tudo isso, cabe também a essas tarefas o auxílio no desenvolvimento,

por parte do aluno, da percepção de que toda inferência construída durante a leitura

representa uma hipótese provisoriamente levantada e que, por isso, é preciso a

verificação e a reformulação constante, pela integração e não pela reprodução, dos

sentidos construídos ao longo da leitura.

Nesse sentido, não se pode esquecer que, dentro de uma prática que fomente

políticas cognitivas de invenção, tudo isso deve estar a serviço da construção de alunos

(e professores) inventivos e não reprodutores, mesmo que a reprodução fosse desse

modelo de leitura. Como salienta Kastrup (2015, p.105):

A repetição serve para corporificar o conhecimento, para eliminar a

análise, a representação. A aprendizagem, em sentido deleuziano, não

é analítica nem reflexiva. Se ela passa pela reflexão, não se esgota aí.

Ela envolve intimidade, contato direto, corporal com a matéria – é

disto que o conceito de agenciamento maquínico fala. Repetir não é

criar automatismos, condutas mecânicas. A repetição que está

envolvida na arte-aprendizagem é como a do músico que ensaia

duramente até poder viajar na melodia ou a de um ator que ensaia até

incorporar o espírito do personagem, até cavar uma profunda

intimidade com ele, até encarná-lo, corporificá-lo e com isso espantar

a mediação da representação.

204

Dessa forma, o objetivo não é levar o aluno ao treinamento maçante de técnicas

e estratégias de leitura, respondendo sempre questões que sigam um mesmo modelo até

que ele esteja suficientemente treinado a respondê-las. Se assim o fizermos, não estamos

alterando a relação desses alunos com a aprendizagem. A ideia é que, através de tarefas

diversas de leitura, eles sejam levados a construírem essa relação com os textos que

leem. Essa relação exige o reconhecimento de sua agentividade e da importância de seus

conhecimentos prévios para a construção de novos saberes. Exige também a

desconfiança em relação ao que se lê e mesmo aos sentidos que se constroem, posto que

não devem ser fixos, prontos, acabados. E acima de tudo, uma relação que reflita o lugar

de autor da leitura; não uma autoria vazia, de quem não pensa sobre o que diz, mas uma

autoria que parte da leitura, de fato, da informação recebida e da construção de uma

análise crítica dessa informação, baseada nos movimentos de integração. Assim, a

escola – em especial, a pública – pode efetivamente contribuir para o desenvolvimento

de leitores que pensem criticamente sobre sua realidade, sobre o que leem, o que veem,

o que ouvem, o que sentem em um mundo que, na maior parte do tempo, lhes traz

sofrimento e segregação.

205

CAPÍTULO 5: METODOLOGIA E CORPORA

Neste capítulo, apresento, então, a metodologia com que esta tese foi construída

e os corpora selecionados para a construção da análise, que será apresentada nos

capítulos seguintes. Aqui, é importante, destacar que estou desenvolvendo a análise de

alguns corpora que se integram na prática de ensino desenvolvida em sala de aula. A

separação entre eles se dá de maneira a que possamos entender como eles constroem

uma cadeia de discursos que se manifestam nessas práticas e que, consequentemente,

contribuem para a construção de políticas cognitivas no espaço da sala de aula.

5.1. O caminho metodológico: escolhas e não escolhas

Antes de tudo, é importante assinalar que, dentro do caminho teórico

anteriormente apresentado, nesta tese, é preciso entender, como nos lembra Dias (2012,

p.30), que toda pesquisa traz consigo uma “ideia de intervenção na relação

sujeito/objeto pesquisado, pois ambos se constroem na trajetória” (DIAS, 2012, p.30) e

que, “uma vez que é na relação das políticas de pesquisa que se configura a condição do

próprio conhecimento, não há neutralidade nem objetividade a serem perseguidas”

(DIAS, 2012, p.30). Assim, mais do que apresentar uma metodologia de pesquisa, nesta

seção, eu apresento o caminho metodológico que me levou à construção desta tese,

consciente de que esse caminho poderia ter sido diferente se outro o tivesse percorrido,

já que ele foi construído através de escolhas e, consequentemente, não escolhas, que

foram também feitas a partir da minha relação com meu objeto de pesquisa e de minha

trajetória de pesquisa e tudo que a envolve.

Como apontado na introdução, inicialmente, esta tese seria derivada de uma

pesquisa-ação desenvolvida com alunos do 6º ano do ensino fundamental em uma

escola pública no município de Niterói. Com o campo que me permitiria desenvolver a

pesquisa perdido, decidi voltar meus olhos mais detidamente para os livros didáticos de

língua espanhola produzidos para essa etapa da escolaridade e para sua história recente

no Brasil. Escolhi o 6º ano do Ensino Fundamental por ser essa a série em que, por lei, é

o primeiro momento em que há a obrigatoriedade do ensino de uma língua estrangeira:

“§5º Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir da

quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha

206

ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição” (LDB –

BRASIL, 1996)81

.

Dessa maneira, entendo que, sendo essa a série em que o contato com a leitura

em espanhol se inicia até então para muitos alunos, nela eles constroem uma primeira

percepção/conceptualização do que é a leitura em língua estrangeira e de como ela se

constrói. Além disso, como a própria LDB aponta, ao final do Ensino Fundamental, o

aluno já deveria ter se formado como um leitor maduro. É interessante observar,

inclusive, que a lei coloca a leitura e seu “pleno domínio” como essencial para o

desenvolvimento, nos alunos, de suas capacidades de aprendizagem:

O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos,

gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá

por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: (Redação dada

pela Lei nº 11.274, de 2006)

I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios

básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político,

da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a

sociedade;

III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em

vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de

atitudes e valores;

IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de

solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a

vida social (BRASIL, 1996, s/p.)

Assim, uma vez que é papel do ensino de línguas estrangeiras se unir ao ensino

de língua materna nessa tarefa (BRASIL, 1998), torna-se fundamental observar como a

leitura é tratada desde o momento em que ela é apresentada inicialmente, em língua

estrangeira, aos alunos. Acredito, inclusive, que, uma vez que toda prática de ensino traz

consigo políticas cognitivas, nesse processo também se apresente aos alunos o que é

aprender uma língua estrangeira.

Além de observar as atividades apresentadas nos livros, observei também como

os alunos interagem com ela. Para isso, apliquei, em uma turma do sexto ano de uma

escola municipal de Niterói-RJ, uma atividade de cada um dos livros selecionados.

Dessa maneira, esta etapa da pesquisa se dividiu com base em dois focos: por um lado,

81

Como visto no capítulo 3, no momento em que esta tese foi iniciada, essa língua era de escolha da

comunidade escolar e o espanhol vinha ocupando, cada vez mais, esse lugar, como língua única ou

dividindo o espaço com o inglês: Entretanto, com a chamada Reforma do Ensino Médio, a lei foi alterada

e o inglês passou a ser a língua obrigatória, o que poderá alterar profundamente o panorama apresentado

nesta tese.

207

em como o livro didático se apresenta aos alunos e, por outro, na forma como os alunos

interagem com ele em sala de aula, ou seja, em como ele é concebido (com base nas

políticas cognitivas que o definem ou que neles se manifestam) e em como ele é

recebido (como de fato o aluno aprende com ele).

Não foi objetivo desta análise desenvolver profundamente reflexões sobre novos

usos para os materiais didáticos em sala de aula. Acredito, porém, que aqui se abrem

portas para que elas sejam feitas posteriormente. Adiante, analisarei apenas como os

livros didáticos selecionados para a construção desta tese apresentam o ensino de leitura

aos alunos, através da análise das atividades por eles propostas. Assim, em um primeiro

momento, analiso o lugar do texto na organização das unidades dos livros e,

posteriormente, analiso especificamente as atividades de leitura apresentadas. Essa

análise das atividades se dá a partir de: a) sua contagem e de sua classificação em

função dos níveis de leitura exigidos e, b) da seleção de uma delas por livro para

exemplificar e ampliar a discussão trazida.

Como apontado na apresentação, ainda como docente da educação básica,

apliquei uma atividade de cada livro em turmas do 6º ano de uma escola pública.

Adiante, analisarei também como os alunos responderam a uma atividade de leitura de

quatro dos livros didáticos selecionados para a pesquisa.

5.2. Os corpora

Começo, no próximo capítulo, minha análise com o que estou denominando aqui

de “objetos reguladores”, entendendo que esses objetos constroem uma trajetória de

regulação: documentos oficiais regulam, de alguma maneira, a produção dos livros

didáticos, que, por sua vez, regulam as práticas desenvolvidas em sala de aula. Dentre o

conjunto de objetos reguladores que se possam apontar, escolhi os que considerei mais

relevantes nessa trajetória de regulação:

a) os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira para os terceiro e

quarto ciclos do Ensino Fundamental;

b) os editais do Programa Nacional do Livro Didático; e

c) os Manuais do Professor dos livros selecionados para pesquisa.

Acredito que a inserção dos manuais nessa parte dos corpora da pesquisa se faz

necessária porque são eles que vão apontar (mesmo que o professor não os leia ou crie

práticas diferentes em sala) as visões com que esse material foi construído. Nesse

208

sentido, é possível, inclusive, perceber discrepâncias entre o que se apresenta no

discurso sobre o ensino de leitura e no que se apresenta na prática fomentada pelas

atividades.

Além desses objetos, meus corpora, como já dito, são formados também pelos

livros didáticos selecionados para a pesquisa, com o objetivo de medir sua capacidade

em valorizar as habilidades cognitivas e desenvolver as habilidades metacognitivas de

leitura dos alunos que se colocam em interação com eles, especificamente no que diz

respeito ao trabalho com o plano inferencial. Além disso, é objetivo desta tese também

observar as respostas dadas pelos alunos a atividades de leitura desses livros, com o

objetivo de entender como os alunos interagem efetivamente com as atividades postas

nos livros, em especial, no que diz respeito aos processos inferenciais desenvolvidos.

5.2.1. A escolha dos livros didáticos

Para o desenvolvimento deste trabalho, optei por analisar sete livros didáticos de

espanhol, como já dito, do 6º ano do ensino fundamental, produzidos entre 2004 e 2012,

em suas versões “manual do professor”. A opção por recortar esse intervalo de tempo se

deve a minha busca por tentar perceber, em uma perspectiva de curto tempo, em que

medida novas (ou velhas) práticas passaram a circular e a modelar o ensino de leitura

em espanhol como língua estrangeira ao longo dos últimos anos.

Desse modo, paralelamente à análise dos próprios livros, busco identificar

também em que medida a inclusão da disciplina Línguas Estrangeiras no Programa

Nacional do Livro Didático (PNLD) pode ter contribuído para uma mudança dessas

práticas ou de discursos sobre essas práticas. Assim, é possível avaliar também em que

medida as políticas públicas estão contribuindo para que a leitura integrativa se faça

presente no trabalho desenvolvido em sala de aula. Em outras palavras, como as

políticas públicas contribuem para a construção de políticas cognitivas na escola.

A entrada das línguas estrangeiras modernas (inglês e espanhol) no programa só

se deu a partir do PNLD 2011, cujas atividades de avaliação das obras inscritas

aconteceram entre os anos de 2009 e 2010. Assim, tomando a inserção das línguas

estrangeiras no programa como um fato relevante nas políticas públicas sobre o ensino

de línguas estrangeiras na escola brasileira, foram selecionados, para o desenvolvimento

desta tese os seguintes livros:

209

(a) ¡Arriba! (RINALDI e CALLEGARI, 2004) e (b) Projeto Radix – Espanhol

(GARCÍA e HERNÁNDEZ, 2005), que compõem o nosso corpus anterior à inclusão da

disciplina Língua Espanhola no PNLD, podendo servir como parâmetros para a análise

dos efeitos dessa inclusão no desenvolvimento das atividades de leitura.

(c) ¡Entérate! (BRUNO, TONI e ARRUDA, 2009) e (d) Saludos (MARTIN,

2010), que são os dois únicos livros aprovados na primeira edição do PNLD (em 2011).

A minha hipótese é a de que os efeitos de um primeiro processo de avaliação ainda não

pudessem ser tão visíveis nesse momento, levando-se em conta o fato de que,

possivelmente, as obras aprovadas nesse edital ainda não teriam sido moldadas para sua

aprovação. Como afirmou González (2010, p.49):

Em que pese todo o detalhamento do Edital PNLD 2011, e sua relação

clara com os documentos anteriores nos quais esse caráter educativo

do ensino de língua estrangeira na Educação Básica vem sendo

reiteradamente valorizado, o primeiro processo avaliativo do livro

didático (...) foi ainda bastante decepcionante. (...) Acreditamos e

esperamos que, superada esta etapa, superem-se também as graves

deficiências encontradas e possamos contar com materiais melhor

elaborados e que sejam mais adequados ao tipo de ensino de língua

estrangeira que queremos garantir aos alunos de escolas públicas.

(e) Ventana al español (ALMEIDA e AMENDOLA, 2011), produzido após o

primeiro processo de avaliação, mas não incluído nos dois primeiros editais. Não se

pode afirmar que esse livro tenha sido reprovado no processo de avaliação do PNLD,

uma vez que a lista de coleções reprovadas não é divulgada pelo MEC. Este livro foi

escolhido também, porque fora usado, mesmo sem estar na lista do PNLD, na rede

municipal de Niterói, onde a pesquisa-ação seria desenvolvida82

.

E, por fim, (f) Cercanía (COIMBRA, CHAVES e ALBA, 2012); e (g)

Formación en Español: Lengua y cultura (VILLALBA, GABORDO e MATA, 2013),

que são também os dois únicos livros aprovados no segundo processo de avaliação – o

PNLD 2014, já tendo sido produzidos com base na avaliação que é feita pelo programa

e, provavelmente, com base nos resultados da primeira edição.

Esses livros foram analisados segundo os critérios apontados anteriormente e

essa análise será apresentada nos próximos capítulos. Ao final do capítulo 6, incluo uma

82

Em “treinamento” para o uso do livro feito por uma representante da editora com os professores da

rede, foi informado que o livro seria submetido à edição seguinte do PNLD e que ele não havia sido

finalizado a tempo de entrar na edição anterior. Entretanto, ainda assim, não é possível afirmar que ele foi

efetivamente submetido ao edital seguinte.

210

análise das políticas cognitivas que emergem dos manuais do professor desses livros,

entendendo que eles atuam nessa “cadeia de regulação” do que se faz em sala de aula e,

no capítulo 7, apresento a análise das atividades em função dos critérios anteriormente

apresentados.

Esses livros foram analisados, inicialmente, de forma individual, ou seja, em que

medida cada livro trabalha com a leitura e a apresenta aos alunos. Posteriormente, foi

feita uma análise comparativa entre os livros, observando-se a ordem cronológica de sua

produção. Essa análise foi feita de forma qualitativa, mas, para seu desenvolvimento,

foram utilizados alguns dados quantitativos baseados, principalmente, na classificação

de questões de leitura posta por Applegate et al. (2002).

De forma a facilitar a leitura dos dados a serem apresentados nos próximos

capítulos, a seguir apresento como esses livros serão dominados daqui em diante, ao

longo desta tese:

Tabela 1 - Referência resumitiva dos livros selecionados para a pesquisa

Nº de

Referência Livro

Como será

referido na tese

1 ¡Arriba! (RINALDI e CALLEGARI, 2004) “Arriba”

2 Projeto Radix – Espanhol (GARCÍA e HERNÁNDEZ,

2005) “Radix”

3 ¡Entérate! (BRUNO, TONI e ARRUDA, 2009) “Entérate”

4 Saludos (MARTIN, 2010) “Saludos”

5 Ventana al español (ALMEIDA e AMENDOLA, 2011) “Ventana”

6 Cercanía (COIMBRA, CHAVES e ALBA, 2012) “Cercanía”

7 Formación en Español: Lengua y cultura (VILLALBA,

GABORDO e MATA, 2013) “Formación”

5.2.2. A seleção e a aplicação das atividades

De cada um dos livros didáticos, foi selecionada uma atividade de leitura neles

contida. As atividades foram selecionadas de acordo com:

(a) a temática abordada nos textos, ou seja, busquei selecionar textos que,

quando possível, fossem do interesse dos alunos, o que, provavelmente,

permitiria a construção de um maior número de inferências, uma vez que

eles tratariam de temas que compõem elementos de seu conhecimento

prévio e que permitiriam alguma motivação, por parte dos alunos, para sua

leitura.

211

(b) a fonte do texto, evitando-se a seleção de atividades que usavam textos

criados especialmente para o livro didático; e

(c) sua forma de organização como representação da forma como a leitura é

trabalhada em outras atividades do livro.

Tais atividades foram aplicadas, através de folhas fotocopiadas, em dias

diversos, em sala de aula, com alunos do 6º ano do ensino fundamental de uma escola

pública da rede municipal de Niterói. Dessa maneira, o número de alunos que as

responderam não é o mesmo em todas elas. Como o objetivo é analisar a capacidade do

livro de reconhecer as diversas leituras possíveis, as atividades respondidas foram

numeradas aleatoriamente. Não há identificação dos alunos que as responderam, o que

não nos permite desenvolver uma análise comparativa entre as respostas dadas às

atividades com foco em um ou mais alunos especificamente.

As atividades selecionadas e aplicadas foram analisadas com base nos seguintes

pontos: (1) se reconhecem as diferentes leituras possíveis do texto, a partir da

observação de como trabalham o plano inferencial de leitura; (2) se, da forma como se

organizam, são capazes de encaminhar o leitor a uma leitura qualitativa que ultrapasse o

nível linear; e (3) se possibilitam uma conscientização do leitor de seu processo de

leitura, tornando-o mais hábil ao lidar com o texto. Para isso, portanto, tornou-se

necessário analisar tanto as atividades em si, o que inclui os gabaritos propostos, como

as respostas dos alunos para elas.

Em relação às respostas dos alunos, como em Vargas (2012a), não me preocupo

em agrupá-las em categorias que levem em consideração a noção de certo ou errado. O

objetivo de minha análise é entender o raciocínio desenvolvido pelos alunos para que

dessem uma determinada resposta para uma determinada questão, levando em

consideração a noção de plano inferencial e a visão de cognição distribuída e inventiva

apresentada anteriormente. Por isso, parto da premissa de que as respostas dadas pelos

estudantes, mesmo as que são consideradas erradas pelos gabaritos dos livros e pela

prática escolar que os reproduz, são sempre reveladoras de seus processos cognitivos.

Muitas vezes, em determinada atividade de leitura, apresenta-se um alto índice

de respostas semelhantes de diferentes alunos, porém discordantes das consideradas

corretas. Como já apontado em diversos trabalhos (GERHARDT, 2006b; VARGAS,

2012a; BOTELHO, 2015; entre outros), tal semelhança revela uma lógica subjacente de

base cognitiva que orienta as respostas dos alunos para as questões apresentadas. Mais

212

do que avaliar o processo de leitura dos alunos, ao analisar suas respostas, pretendo

entender que lógica é essa que se apresenta, especificamente no que se refere ao

processo de inferenciação, uma vez que, na maioria das vezes, a Escola prefere

desconsiderá-la e tratar a explicitação do processo cognitivo do aluno como erro,

quando ele não resulta em respostas legitimadas pelo livro didático. Assim, a proposta é

sistematizar esses processos, bem como estabelecer, quando possível for, generalizações

acerca dos processos desenvolvidos pelos alunos para responder a questões de naturezas

diferentes.

Como esses livros traçam um percurso histórico, para esse segundo momento – de

análise das respostas dos alunos, selecionei apenas as atividades aplicadas dos dois

primeiros e dos dois últimos livros que constroem o panorama histórico de curto tempo

desta tese. Assim, é possível ver como os alunos respondem a atividades que

correspondem ao padrão inicial, anterior às intervenções do Programa Nacional do

Livro Didático e ao padrão final, após dois editais desse programa. Como o objetivo

principal é identificar a capacidade dessas atividades em reconhecerem e validarem o

desenvolvimento dos alunos como leitores, acredito que seria desnecessário apresentar

como os alunos responderam às atividades dos outros livros, tendo em vista o fato de

que há um processo evolutivo sendo descrito e que será detalhado nos próximos

capítulos.

213

CAPÍTULO 6: POLÍTICAS COGNITIVAS E OS OBJETOS REGULADORES

DO ENSINO DE LEITURA EM ESPANHOL-LE NOS ANOS FINAIS DO

ENSINO FUNDAMENTAL

Neste capítulo, me dedico, então, a, com base nos pressupostos apresentados nos

capítulos anteriores, analisar o que estou denominando de objetos reguladores do

ensino, especificamente, de espanhol nos anos finais do ensino fundamental. Como

objetos reguladores, como dito anteriormente, estou entendendo aqui, os documentos

oficiais que direcionam o processo de produção dos livros didáticos que são produzidos

no Brasil, em especial, para serem usados na escola pública. Podem ser entendidos

também como objetos reguladores os próprios livros didáticos que adentram o espaço

da sala de aula, uma vez que, como visto no capítulo 2, com a estrutura escolar que

temos, são eles que efetivamente conduzem, na maior parte dos casos, o trabalho feito

pelo professor na maior parte das salas de aula do país.

Dessa maneira, é possível através dessa análise, entender o que se pensa

oficialmente sobre o ensino de espanhol para os anos finais do ensino fundamental no

Brasil e, inclusive, observar como esse pensamento foi se transformando nos últimos

anos, uma vez que se cobre aqui um intervalo de tempo que vai desde a publicação dos

Parâmetros Curriculares Nacionais dos 3º e 4º ciclos em 1998 até os livros aprovados no

Edital do PNLD 2014, produzidos em 2012. De forma mais ampla, é possível entender,

assim, qual é a visão de aprendizagem que circula oficialmente no Brasil e que, se

demonstra, nesta tese, através das visões de aprendizagem da leitura em língua

espanhola e, consequentemente, de seu ensino.

Em relação aos livros didáticos, neste capítulo, foco apenas nos discursos que se

manifestam em seus “manuais do professor”83

, ou seja, nas seções especificamente

voltadas para a leitura do professor em que se apresenta como os livros foram

supostamente pensados e as visões teóricas a que eles pretendem, de alguma maneira,

aderir. No capítulo seguinte, foco nas atividades propostas pelos livros, uma vez que

essa análise exige um grau de detalhamento maior, e em como os alunos se integram a

83

Nos documentos oficiais, tais como os editais do PNLD, “Manual do Professor” é todo o livro que é de

uso do professor, o que inclui o livro do aluno com as respostas sugeridas para as atividades. Aqui, estou

tratando como manual do professor a seção teórica que é inserida no livro apenas para a leitura do

professor. Assim, uso a nomenclatura, em geral, usada mesmo pelos livros.

214

essas atividades através das respostas que eles dão para as questões apresentadas pelos

livros.

Aqui, então, busco compreender, numa perspectiva ampla, que política(s)

cognitiva(s) são instituídas por esses objetos reguladores do ensino de espanhol (ou que

se manifestam nos objetos reguladores do ensino de espanhol) no ensino fundamental

do Brasil e, em uma perspectiva mais estrita, como o ensino de leitura em espanhol se

apresenta nesses objetos e, consequentemente, como ele pode estar sendo levado para a

sala de aula e apresentado aos alunos. Nesse sentido, é importante enfatizar que tais

visões, por se apresentarem de forma institucionalizada no espaço escolar, também

levam os alunos, enquanto aprendizes, a aprenderem como devem se colocar diante de

situações de aprendizagem não apenas dentro desse espaço como também fora dele

(SINHA, 1999).

Na próxima seção, então, apresento as concepções postas nos Parâmetros

Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira para os 3º e 4º ciclos (ou anos finais) do

ensino fundamental. É interessante observar que, como a LDB não prescrevia, até a

Reforma do Ensino Médio, o ensino de línguas específicas, os PCN trazem uma

perspectiva geral que aborda o ensino de línguas estrangeiras de modo geral. Dessa

forma, a análise feita na próxima seção serve para o ensino de espanhol, mas também

para o de qualquer língua que seja ofertada nesta etapa de ensino como língua

estrangeira.

6.1. Os Parâmetros Curriculares Nacionais - LE/EF

De início, é importante salientar que os Parâmetros Curriculares Nacionais se

apresentam ao professor como um documento elaborado para

De um lado, respeitar diversidades regionais, culturais, políticas

existentes no país e, de outro, considerar a necessidade de construir

referências nacionais comuns ao processo educativo em todas as

regiões brasileiras. Com isso, pretende-se criar condições, nas escolas,

que permitam aos nossos jovens ter acesso ao conjunto de

conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como

necessários ao exercício da cidadania (BRASIL, 1998, p.5).84

84

Esse fragmento se encontra na introdução, intitulada “Ao professor”, dos parâmetros de todas as

disciplinas e é assinado pelo então ministro da educação e do desporto Paulo Renato Souza.

215

Dessa forma, pode-se observar o caráter regulador do documento, uma vez que,

ainda que pretenda respeitar a diversidade, ele aponta, ao menos dentro do texto que o

oficializa como documento nacional, para a possibilidade de, com sua publicação,

desenvolver intervenções no que se faz em sala de aula. De igual maneira, acredita-se

oficialmente que a publicação desses referenciais cria condições para que os jovens

tenham acesso a esse conjunto de conhecimentos “socialmente elaborados e

reconhecidos como necessários ao exercício da cidadania”.

É interessante notar também que os parâmetros nascem dentro de uma visão de

cognição como recognição, uma vez que os conhecimentos “socialmente elaborados e

reconhecidos” estão fora do aprendiz e prontos no mundo e cabe, portanto, à escola dar

aos jovens o acesso a eles para que possam exercer sua cidadania. O uso do verbo

acessar, inclusive, demonstra bem a metáfora construída: esses saberes são ou estão em

um lugar e cabe aos jovens encontrarem-nos. Eles não são construídos, mas alcançados.

Tampouco os jovens os têm independentemente da escola: é a escola (e os parâmetros)

que permitem seu acesso.

Ao longo do documento, entretanto, é possível notar que diferentes concepções

de aprendizado, de língua, de aluno, de papel da escola, etc. se atravessam85

. Entre os

objetivos gerais do ensino fundamental, também igual para todas as disciplinas e todos

os ciclos, é possível notar, por exemplo, a presença de alguns objetivos que apontam

para uma concepção de aprendizagem como invenção, ainda que eles tendam bem a

uma ideia de reprodução de um mundo dado a ser (re)conhecido pelo aluno. A seguir,

apresento esses objetivos, marcando em negrito os momentos em que a invenção possa

ter aparecido de algum modo:

OBJETIVOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Os Parâmetros Curriculares Nacionais indicam como objetivos do

ensino fundamental que os alunos sejam capazes de:

compreender a cidadania como participação social e política,

assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais,

adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e

repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo

respeito;

85

O documento não tem uma autoria claramente definida, o que pode ter contribuído para essa não

uniformidade. Nos parâmetros de todas as disciplinas, aparecem os mesmos nomes, divididos em:

coordenação geral, coordenação de temas transversais, elaboração, consultoria, assessoria, revisão e

copydesk e agradecimentos.

216

posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva

nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma

de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas;

conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões

sociais, materiais e culturais como meio para construir

progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o

sentimento de pertinência ao país;

conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural

brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e

nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em

diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou

outras características individuais e sociais;

perceber-se integrante, dependente e agente transformador do

ambiente, identificando seus elementos e as interações entre eles,

contribuindo ativamente para a melhoria do meio ambiente;

desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o

sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física,

cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social,

para agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício

da cidadania;

conhecer o próprio corpo e dele cuidar, valorizando e adotando

hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida

e agindo com responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde

coletiva;

utilizar as diferentes linguagens – verbal, musical, matemática,

gráfica, plástica e corporal – como meio para produzir, expressar e

comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das produções

culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a

diferentes intenções e situações de comunicação;

saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos

tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos;

questionar a realidade formulando-se problemas e tratando

de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a

criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica,

selecionando procedimentos e verificando sua adequação

(BRASIL, 1998, pp.7-8).

É possível observar, assim, que a invenção aparece efetivamente apenas no

segundo e no último dos objetivos, sendo articulada, nos outros objetivos marcados, à

ideia de reprodução. Para os PCN, a construção da identidade do aluno depende do

“conhecimento de características fundamentais do Brasil”; o conhecimento de si mesmo

deve servir à busca de conhecimento, externo ao sujeito; e as diferentes linguagens são

meios para que o aluno se expresse, produza e comunique, não sendo desenvolvidas

também por ele. É interessante notar também que, nos momentos em que a invenção

aparece de alguma maneira, também se encontram fragmentos que apontam para a ideia

de que usamos também outras pessoas e elementos, além de nós mesmos, para aprender,

como defendo nesta tese ao trazer a ideia de cognição distribuída.

217

Ao adentrar a parte específica da disciplina “Língua Estrangeira”, pode-se

verificar que, explicitamente, ela se assume como concebendo linguagem e

aprendizagem dentro de uma visão intitulada de sociointeracional. Como se pode ver na

citação abaixo, essa visão acaba sendo definida pela integração de conceitos e enfoques

derivados de diferentes perspectivas, tais como a discursiva, a (meta)cognitiva e a sócio-

histórica. Entretanto, o documento, de forma geral, acaba entendendo que a linguagem e

os conhecimentos a serem aprendidos pelos alunos já estão prontos no mundo e cabe a

eles apenas aprenderem como usá-los.

Duas questões teóricas ancoram os parâmetros de Língua Estrangeira:

uma visão sociointeracional da linguagem e da aprendizagem. O

enfoque sociointeracional da linguagem indica que, ao se engajarem

no discurso, as pessoas consideram aqueles a quem se dirigem ou

quem se dirigiu a elas na construção social do significado. É

determinante nesse processo o posicionamento das pessoas na

instituição, na cultura e na história. Para que essa natureza

sociointeracional seja possível, o aprendiz utiliza conhecimentos

sistêmicos, de mundo e sobre a organização textual, além de ter de

aprender como usá-los na construção social do significado via Língua

Estrangeira. A consciência desses conhecimentos e a de seus usos são

essenciais na aprendizagem, posto que focaliza aspectos

metacognitivos e desenvolve a consciência crítica do aprendiz no que

se refere a como a linguagem é usada no mundo social, como reflexo

de crenças, valores e projetos políticos (BRASIL, 1998, p.15).

Dentro dessa perspectiva, cabe ao aluno aprender como os conhecimentos se

apresentam fora dele e como eles e a linguagem são usadas em seu mundo social para

reproduzir tais usos. É curioso observar que mesmo uma classificação clássica,

apresentada em Kleiman (2010)86

sobre o conhecimento prévio é aqui transformada em

uma classificação de conhecimentos que estariam fora do aprendiz87

. Quando a palavra

“construção” aparece, ela se refere apenas à “construção social do significado” sem que

haja explicitação de que o aluno deve ser agente dessa construção. Sob a visão aqui

defendida, concordo que haja uma “construção social desse significado”, mas ela se dá

porque é, antes de tudo, invenção (de mundo e de si), desenvolvendo-se de maneira

distribuída e, portanto, também social.

86

Kleiman (2010, p.13) entende que o conhecimento prévio se divide em conhecimento linguístico,

textual e de mundo. Nesta tese, como dito anteriormente, não trabalho com essa divisão, mas com a ideia

de que ele se organiza em frames.

87 Diferentemente do que propõe a autora, posto que, para ela, tais conhecimentos são construídos pelas

pessoas e organizados em sua memória semântica.

218

Nesse sentido, é importante retomar aqui, brevemente, a ideia posta por Kirshner

e Whitson (2009), com base no trabalho de Litowitz (1993), de que teorias

socioculturais correm o risco de se tornarem educacionalmente triviais, ao adotarem o

que eles chamam de uma postura neobehaviorista sobre a aprendizagem:

Isso é especialmente verdade quando o papel do adulto é descrito

como uma série de passos cuidadosamente organizados e habilidades

de ensino... e quando a contribuição do aluno como uma tabula rasa é

absorver a linguagem e a estrutura a partir do input do adulto.

(Litowitz, 1993, p.190, apud KIRSHNER e WHITSON, 2009, p.12,

tradução minha)88

.

Ao longo do documento é possível estabelecer relações entre a ideia de cognição

posta nesta tese e a posta nele, como se pode ver no fragmento a seguir, em que se

ressalta a natureza situada da aprendizagem, especificamente, da aprendizagem escolar

e o papel que o professor exerce nesse processo. Além disso, dialoga também de algum

modo com a natureza distribuída da aprendizagem, ao se trazer uma noção claramente

articulada à ideia de Zona de Desenvolvimento Proximal de Vygotsky (1991)89

:

No que se refere à visão sociointeracional da aprendizagem, pode-se

dizer que é compreendida como uma forma de se estar no mundo com

alguém e é, igualmente, situada na instituição, na cultura e na história.

Assim, os processos cognitivos têm uma natureza social, sendo

gerados por meio da interação entre um aluno e um parceiro mais

competente. Em sala de aula, esta interação tem, em geral, caráter

assimétrico, o que coloca dificuldades específicas para a construção

do conhecimento. Daí a importância de o professor aprender a

compartilhar seu poder e dar voz ao aluno de modo que este possa se

constituir como sujeito do discurso e, portanto, da aprendizagem

(BRASIL, 1998, p.15).

O objetivo dessa seção é justamente identificar essas relações de semelhança e

oposição entre a concepção defendida nesta tese e as concepções postas nos Parâmetros.

Dessa forma, não pretendo fazer aqui uma leitura crítica exaustiva do documento, mas

apenas pontuar as questões mais interessantes para os encaminhamentos desta pesquisa.

Nesse sentido, cabe salientar que os parâmetros elegem a habilidade de leitura como a

88

Original: “It is especially true when the adult’s role is described as a series of carefully arranged steps

and teaching skills... and when the child’s contribution as tabula rasa is to absorb the language and

structure from the adult input.” (Litowitz, 1993, p.190, apud KIRSHNER e WHITSON, 2009, p.12).

89 Segundo Vygotsky, a Zona de Desenvolvimento Proximal pode ser definida como a distância entre o

nível de desenvolvimento real para a resolução de um determinado problema e o nível potencial, em

função da colaboração de um parceiro mais experiente.

219

principal habilidade a ser aprendida na disciplina escolar de Língua Estrangeira, o que

se encaixa perfeitamente com a discussão feita aqui.

Para que isso seja possível, é fundamental que o ensino de Língua

Estrangeira seja balizado pela função social desse conhecimento na

sociedade brasileira. Tal função está, principalmente, relacionada ao

uso que se faz de Língua Estrangeira via leitura, embora se possa

também considerar outras habilidades comunicativas em função da

especificidade de algumas línguas estrangeiras e das condições

existentes no contexto escolar (BRASIL, 1998, p.15).

Além disso, ele é o primeiro documento oficial que ressalta, por diversas vezes,

que a escola também é lugar de se aprender outras línguas, indo contra a lógica

defendida pelo senso comum e ainda hoje muito presente em políticas públicas e

discursos de profissionais da educação de que os cursos livres seriam o lugar ideal para

isso. Inclusive, esse papel formativo da disciplina Língua Estrangeira, na escola, é

ressaltado pela contribuição que ela pode oferecer ao processo de letramento do aluno:

Portanto, a leitura atende, por um lado, às necessidades da educação

formal, e, por outro, é a habilidade que o aluno pode usar em seu

contexto social imediato. Além disso, a aprendizagem de leitura em

Língua Estrangeira pode ajudar o desenvolvimento integral do

letramento do aluno. A leitura tem função primordial na escola e

aprender a ler em outra língua pode colaborar no desempenho do

aluno como leitor em sua língua materna (BRASIL, 1998, p.20).

Nesse momento, tem-se uma concepção de ensino de língua cujo foco está no

aluno (GERHARDT, 2013), ou seja, em quem aprende e não no conteúdo aprendido,

uma vez que a preocupação central está no processo de desenvolvimento do aluno, o

que se pode, inclusive, associar à ideia de cognição como invenção. Entretanto, logo

depois, vemos uma concepção de currículo que ignora as possibilidades inventivas do

aprendiz ao defender que a escolha linguística de uma escola parta de três fatores:

históricos, relativos às comunidades locais e relativos à tradição (BRASIL, 1998, pp.

22-23). Assim, cabe, portanto, ao aluno adequar-se à realidade que lhe é dada.

Obviamente que os Parâmetros não poderiam sugerir a oferta de diferentes línguas para

os alunos, considerando-se a realidade brasileira e a LDB – 9394/96. Entretanto, é

bastante significativo que, considerando-se seu caráter de intervenção, nem se

problematize essa questão ao longo do documento.

Essa noção é reforçada ainda ao final das “considerações preliminares”, quando

se ressalta que

os temas centrais nesta proposta são a cidadania, a consciência critica

em relação à linguagem e os aspectos sociopolíticos da aprendizagem

220

de Língua Estrangeira. Eles se articulam com os temas transversais,

notadamente, pela possibilidade de se usar a aprendizagem de línguas

como espaço para se compreender, na escola, as várias maneiras de se

viver a experiência humana.

Dessa forma, os PCN tomam toda essa realidade como dada, cabendo ao aluno

apenas sua compreensão e sendo, inclusive, esse o foco da proposta de ensino por eles

defendida. Diferentemente do que poderia parecer, o foco não está no aluno, em seu

desenvolvimento como sujeito letrado, em seu processo de invenção de si e do mundo

também por meio da aprendizagem de outras línguas, mas sim nos conceitos pré-

definidos de cidadania e de consciência crítica em relação à linguagem. Assim, a

aprendizagem é vista prioritariamente em seus aspectos sociopolíticos e a discussão

sobre seus aspectos cognitivos fica deixada de lado em grande parte do documento.

Entretanto, em um momento posterior, logo após definir o que se denomina “a

natureza sociointeracional da linguagem”, novamente, pode-se retomar sentidos que

remetam, de certa forma, a uma concepção de aprendizagem como invenção, uma vez

que se parte da ideia de que é o aluno que constrói seu conhecimento sobre a linguagem

e é ele quem constrói significados na língua que aprende, ainda que a ideia de língua e

linguagem pareçam representar algo pronto e não igualmente construído:

Em linhas gerais, o que a aprendizagem de uma Língua Estrangeira

vai fazer é:

aumentar o conhecimento sobre linguagem que o aluno

construiu sobre sua língua materna, por meio de comparações com a

língua estrangeira em vários níveis;

possibilitar que o aluno, ao se envolver nos processos de

construir significados nessa língua, se constitua em um ser discursivo

no uso de uma língua estrangeira (BRASIL, 1998, pp.28-29).

Assim, caberia perguntar como processualmente a escola contribuiria para essa

construção a partir da concepção posta no documento de como tal construção se daria.

Entretanto, não há resposta explícita para isso. Mais adiante, ao explicar os

conhecimentos anteriormente citados – sistêmico, de mundo e da organização textual –

os Parâmetros explicam que eles “compõem a competência comunicativa do aluno e o

preparam para o engajamento discursivo” (BRASIL, 1998, p.29). Não há uma discussão

sobre os aspectos cognitivos envolvidos na construção desses conhecimentos. Diz-se

apenas que são conhecimentos que as pessoas têm. Sobre o conhecimento de mundo,

explica-se que:

Esses conhecimentos, organizados na memória em blocos de

informação, variam de pessoa para pessoa, pois refletem as

221

experiência que tiveram, os livros que leram, os países onde vivem

etc. Pode-se, contudo, imaginar que algumas pessoas que tenham a

mesma profissão – professores, por exemplo – tenham mais

conhecimentos de mundo em comum do que aquelas que exerçam

outra profissão (BRASIL, 1998, p.30).

Assim, é possível notar o caráter individual e o caráter social dessa construção

atuando de forma integrada, mas não o papel agentivo da própria pessoa nesse processo.

Ainda que se reconheça o papel fundamental do conhecimento prévio e da motivação

vinculada a ele no processo de aprendizagem, chega-se também, simultaneamente, a

apresentar, como se nota no fragmento destacado abaixo, a ideia de que o

desenvolvimento cognitivo se dá de fora para dentro, apenas pelo contato do aluno com

outras experiências:

Do mesmo modo, para o aluno de Língua Estrangeira, ausência de

conhecimento de mundo pode apresentar grande dificuldade no

engajamento discursivo, principalmente se não dominar o

conhecimento sistêmico na interação oral ou escrita na qual estiver

envolvido. (...) Além disso, não é comum vincular-se a práticas

interacionais orais e escritas que não sejam significativas e

motivadoras para o engajamento discursivo. Em Língua Estrangeira, o

problema do conhecimento de mundo referente ao assunto de que se

fale ou sobre o qual se leia ou escreva pode também ser complicado

caso seja culturalmente distante do aluno. (...) Ao mesmo tempo, é

esse tipo de conhecimento que pode, com o desenvolvimento da

aprendizagem no nível sistêmica, colaborar no aprimoramento

conceptual do aluno, ao expô-lo a outras visões do mundo, a

outros modos de viver a vida social e política, à possibilidade de

reconhecer outras experiências humanas diferentes como válidas etc. (BRASIL, 1998, p.30).

Aqui, novamente, é possível retomar a crítica levantada por Litowitz (1993,

apud KIRSHNER e WHITSON, 2009), uma vez que o aluno é tratado como um ser que

não possui agência nenhuma sobre seu aprendizado. Sobre o conhecimento da

organização textual, afirma-se que “o terceiro tipo de conhecimento que o usuário de

uma língua tem engloba as rotinas interacionais que as pessoas usam para organizar a

informação em textos orais e escritos” (BRASIL, 1998, p.31) e mais uma vez não se

destaca o papel do sujeito nessa construção. É interessante observar, inclusive, como se

mostra uma visão homogeneizante de língua, com ela definindo o comportamento

discursivo (e por que não dizer cognitivo também?) das diferentes pessoas e das

diferentes culturas que se manifestam através de uma determinada língua:

Deve-se notar também que usuários de línguas diferentes podem

organizar textos escritos e orais de forma distinta. Por exemplo,

mesmo em uma conversa informal em inglês não se admitem tantas

222

interrupções e fracionamento dos tópicos quanto parecem ocorrer em

uma conversa informal em português. Da mesma forma, um texto

escrito em inglês não permite tantas digressões do tópico principal

quanto um texto em português (BRASIL, 1998, p.31).

Esse dado e o pouco destaque dado aos conhecimentos sistêmicos revela uma

visão de língua que não passa pela construção/invenção do sujeito que dela se utiliza.

Sobre o conhecimento sistêmico, diz-se apenas que:

O conhecimento sistêmico envolve os vários níveis da organização

linguística que as pessoas têm: os conhecimentos léxico-semânticos,

morfológicos, sintáticos e fonético-fonológicos. Ele possibilita que as

pessoas, ao produzirem enunciados, façam escolhas gramaticalmente

adequadas ou que compreendam enunciados apoiando-se no nível

sistêmico da língua (BRASIL, 1998, p.29).

Na seção seguinte, os PCN se dedicam a explicar como esses conhecimentos são

usados na construção do significado e, nesse momento, é possível notar uma concepção

bem próxima da defendida nesta tese, inclusive, dando destaque ao papel que o

conhecimento prévio exerce no desenvolvimento da aprendizagem:

São esses conhecimentos (sistêmico, de mundo e da

organização de textos) que falantes e escritores utilizam na construção

do significado para atingirem suas propostas comunicativas, apoiando-

se nas expectativas de seus interlocutores em relação ao que devem

esperar no discurso. Em contrapartida, os interlocutores (ouvintes e

leitores) projetam esses conhecimentos na construção do significado.

O processo de construção de significado resulta no modo como as

pessoas realizam a linguagem no uso e é essencialmente determinado

pelo momento que se vive (a história) e os espaços em que se atua

(contextos culturais e institucionais), ou seja, pelo modo como as

pessoas agem por meio do discurso no mundo social, o que foi

chamado de a natureza sociointeracional da linguagem. Assim, os

significados não estão nos textos; são construídos pelos participantes

do mundo social: leitores, escritores, ouvintes e falantes (...).

Um dos procedimentos básicos de qualquer processo de

aprendizagem é o relacionamento que o aluno faz do que quer

aprender com aquilo que já sabe. Isso quer dizer que um dos processos

centrais de construir conhecimento é baseado no conhecimento que o

aluno já tem: a projeção dos conhecimentos que já possui no

conhecimento novo, na tentativa de se aproximar do que vai aprender.

(BRASIL, 1998, p.32).

Os Parâmetros destacam ainda a relação complementar que se estabelece entre

esses diferentes tipos de conhecimento e entre o conhecimento linguístico que se tem

em língua materna e o que se constrói na língua estrangeira, além de ressaltar o papel da

consciência (meta)linguística no aprendizado de uma língua:

(...) uma parte importante do que o aluno precisa aprender está

relacionada ao conhecimento sistêmico, embora essa aprendizagem

223

possa ser facilitada ao se apoiar, principalmente no início da

aprendizagem, nas convergências entre o que o aluno já sabe do

conhecimento sistêmico de sua língua materna e a língua estrangeira.

(...) Pode-se dizer também que uma maneira de facilitar a

aprendizagem do conhecimento sistêmico e colaborar para o

engajamento discursivo da parte do aluno é exatamente fazê-lo se

apoiar em textos orais e escritos que tratam de conhecimento de

mundo com o qual já esteja familiarizado. (...) Quanto ao

conhecimento da organização de textos orais e escritos, o aluno pode

se apoiar também nos tipos de texto que já conhece como usuário de

sua língua materna. (...) A consciência desses tipos de conhecimento

pelo aluno é o que será chamado aqui de consciência linguística, que,

além de ampliar o conhecimento que o aluno tem sobre o fenômeno

linguístico, isto é, incluindo a percepção de sua língua materna, tem

um alto valor na aprendizagem de Língua Estrangeira devido à sua

natureza metacognitiva (BRASIL, 1998, p.32).

É interessante observar que os PCN dedicam uma seção a esclarecer que os

alunos já possuem um conhecimento prévio sobre a linguagem desenvolvido em língua

materna (“Os usos dos conhecimentos e o processo de aprender e ensinar Língua

Estrangeira”). Nesse momento, dizem que o ensino de língua estrangeira pode

contribuir para o desenvolvimento metacognitivo e metalinguístico do aluno e que esse

desenvolvimento contribui para o aprimoramento do letramento do aluno. Entretanto,

essa discussão específica se reduz ao parágrafo apresentado abaixo e não se desenvolve

ao longo do documento, que parece estar mais focado em discutir “a função social da

língua” do que os processos de desenvolvimento do aluno como sujeito que se utiliza da

linguagem para construir visões de si e do mundo.

Esses usos em Língua Estrangeira têm de ser trazidos à mente do

aluno, posto que, freqüentemente, ele não tem consciência deles como

usuário em sua língua materna. É nesse sentido, explorando aspectos

metacognitivos da aprendizagem, que a aprendizagem da Língua

Estrangeira pode ajudar na educação lingüística do aluno como um

todo, aumentando sua consciência do fenômeno lingüístico, e no

aprimoramento de seu nível de letramento (BRASIL, 1998, p.34).

Essa discussão, por exemplo, não é trazida à tona quando se trata do “Papel da

área de Língua Estrangeira no Ensino Fundamental diante da construção da cidadania”

(BRASIL, 1998, pp. 37-41). Nessa seção, diz-se que a aprendizagem de uma língua

estrangeira “leva a uma nova percepção da natureza da linguagem, aumenta a

compreensão de como a linguagem funciona e desenvolve maior consciência do

funcionamento da própria língua materna” (BRASIL, 1998, p.37). Entretanto, não há

uma discussão que relacione esses aspectos à construção da cidadania. Não se fala, por

224

exemplo, sobre o agenciamento que os alunos devem exercer sobre o que leem, o que

traz uma certa contradição ao texto.

Passa-se também por questões referentes à interculturalidade, à

interdisciplinaridade, aos processos de exclusão social por que passam os usos de

línguas estrangeiras, à possibilidade delas atuarem como instrumento de libertação, à

presença do inglês como língua hegemônica e ao processo de escolha das línguas para o

currículo, mas não há uma articulação entre esses temas e como a consciência sobre os

próprios usos linguísticos e os usos dos outros pode auxiliar a construção do aluno

como cidadão. Ao se tratar de cidadania, os PCN recomendam que a reflexão seja feita

apenas sobre a realidade exterior ao sujeito, ou seja, a um mundo já construído.

A Língua Estrangeira no ensino fundamental tem um valioso papel

construtivo como parte integrante da educação formal. Envolve um

complexo processo de reflexão sobre a realidade social, política e

econômica, com valor intrínseco importante no processo de

capacitação que leva à libertação. Em outras palavras, Língua

Estrangeira no ensino fundamental é parte da construção da cidadania

(BRASIL, 1998, p.41).

A seção seguinte inicia-se ressaltando o fato de que construímos o mundo e a

nós mesmos através da linguagem. Poderia parecer uma contradição com o que (não) foi

dito anteriormente, porém, mais uma vez, vemos uma visão homogeneizante de língua,

como se as línguas, por si sós, definissem modos de estar no mundo. Assim, segundo o

documento, ao aprender uma língua estrangeira, passivamente, o aluno aprenderia novas

formas de estar no mundo além da forma que teria aprendido em língua materna:

A aprendizagem de Língua Estrangeira representa outra possibilidade

de se agir no mundo pelo discurso além daquela que a língua materna

oferece. Da mesma forma que o ensino da língua materna, o ensino de

Língua Estrangeira incorpora a questão de como as pessoas agem na

sociedade por meio da palavra, construindo o mundo social, a si

mesmos e os outros à sua volta. Portanto, o ensino de línguas oferece

um modo singular para tratar das relações entre a linguagem e o

mundo social, já que é o próprio discurso que constrói o mundo social

(BRASIL, 1998, p.43).

Em outros momentos, ressalta-se a possibilidade do ensino de línguas

estrangeiras ajudar o aluno a perceber as escolhas linguísticas feitas pelas pessoas, mas

elas acabam recaindo nessa ideia de que mundos sociais são construídos diferentemente

em línguas diferentes, em uma visão homogeneizante de língua. Pode-se observar isso

no fragmento a seguir, em que se apresenta a noção de que a relação entre linguagem e

mundo social se dá externamente ao aprendiz.

225

A consciência crítica de como a linguagem é usada no mundo social

pode ser bem desenvolvida em Língua Estrangeira, devido ao

distanciamento que ela oferece, possibilitando um estranhamento mais

fácil em relação ao modo como as pessoas usam a linguagem na

sociedade. Ao mesmo tempo que isso traz para o centro do currículo a

relação da linguagem com o mundo social, constitui um modo de

integrar os temas transversais com a área de Língua Estrangeira. Além

disso, a consciência crítica em relação à linguagem possibilita o

surgimento de novas práticas sociais por meio da criação de espaços

na escola para a construção de contra-discursos.

A comprovação de que a ideia de aprendizagem se dá com base em um mundo

dado e de que o aluno age passivamente em relação a esse mundo aparece logo em

seguida, quando o documento expressa a busca por fazer com que o aluno aprenda a

olhar para “as escolhas linguísticas que as pessoas fazem para agir no mundo social”

(BRASIL, 1998, p.43). Para isso, bastaria o aluno localizar ou identificar elementos que

se apresentariam explicitamente no que lê ou no que ouve. Não há qualquer menção ao

processo inferencial que o leitor/ouvinte executa nesse processo. Ou seja, ele como

alguém que age construindo significados sobre o que lê ou sobre o que ouve é ignorado

nesse “procedimento pedagógico”:

Um procedimento pedagógico útil para mostrar ao aluno que a

linguagem é uma prática social, ou seja, envolve escolhas da parte de

quem escreve ou fala para construir significados em relação a outras

pessoas em contextos culturais, históricos e institucionais específicos

é submeter todo texto oral e escrito a sete perguntas: quem

escreveu/falou, sobre o que, para quem, para que, quando, de que

forma, onde? (BRASIL, 1998, p.43).

É importante ressaltar que há uma seção dedicada nos PCN à descrição dos

alunos que frequentam, normalmente, os terceiro e quarto ciclos, à sua experiência

escolar e ao fato de eles estarem passando por um momento de transição em diversos

sentidos. Ainda que, equivocadamente, diga-se, no documento, que os alunos, neste

momento estão passando por “transformações significativas relacionadas (...) ao

desenvolvimento cognitivo” (BRASIL, 1998, p.53), é interessante que ele ressalta a

necessidade de se partir dos conhecimentos que os alunos tenham. Além disso, ressalta

também que, geralmente, “sem ter ainda uma reflexão mais aprofundada sobre o

funcionamento e uso da língua materna, o aluno se depara com a necessidade de

compreender a construção do significado na língua estrangeira” (BRASIL, 1998, p.53).

Nesse sentido, o documento destaca também a importância de um trabalho focado na

autonomia dos alunos e no trabalho cooperativo, em um fragmento que poderia dialogar

com a ideia de cognição distribuída:

226

Assim, é fundamental que desde o início da aprendizagem de Língua

Estrangeira o professor desenvolva, com os alunos, um trabalho que

lhes possibilite confiar na própria capacidade de aprender, em torno de

temas de interesse e interagir de forma cooperativa com os colegas.

(...) Dentre esses aspectos, destaca-se, inicialmente, como

fundamental diagnosticar os conhecimentos que os alunos trazem,

proporcionando a eles a oportunidade de identificar e reconhecer esses

conhecimentos e oferecer possibilidades de troca de experiências entre

eles, na perspectiva de dar continuidade à construção de novos

conhecimentos. Outro aspecto a ser levado em conta consiste em

aproveitar o interesse que os alunos mostram em relação à novidade

que representa aprender uma língua estrangeira, estimulando-os a

trabalhar com autonomia, de forma a poderem identificar suas

possibilidades e dificuldades no processo de aprendizagem (BRASIL,

1998, pp.54-55).

Assim, os PCN complementam essa discussão, ressaltando a importância de um

trabalho que desenvolva diferentes capacidades. O papel do professor como mediador

do desenvolvimento dessas capacidades também é salientado, mas não há uma

discussão aprofundada que, inclusive, ajude o professor a pensar sobre isso e a

desenvolver seu trabalho em sala de aula.

O estímulo à capacidade de ouvir, discutir, falar, escrever, descobrir,

interpretar situações, pensar de forma criativa, fazer suposições,

inferências em relação aos conteúdos é um caminho que permite

ampliar a capacidade de abstrair elementos comuns a várias situações,

para poder fazer generalizações e aprimorar as possibilidades de

comunicação, criando significados por meio da utilização da língua,

constituindo-se como ser discursivo em língua estrangeira. (...) A

mediação do professor é fundamental em todo esse percurso de

aprendizagem, que abrange ainda o desenvolvimento e aprimoramento

de atitudes. Coloca-se a necessidade de intervenção do professor em

relação às orientações sobre como organizar e lidar com o material de

estudo, como desenvolver atitudes de pesquisa e de reflexão sobre as

descobertas, para promover a autonomia do aluno, sem a qual torna-se

mais difícil garantir avanços.

Aqui, cabe destacar também que há nos parâmetros uma seção dedicada às

“Concepções teóricas do processo de ensino e aprendizagem de língua estrangeira”.

Nela, apresentam-se três concepções: a behaviorista, a cognitivista e a sociointeracional.

Como o documento assume a terceira perspectiva como sendo a ideal, é dado mais

destaque a ela. Já a concepção behaviorista é descrita de forma negativa. A visão

cognitivista é apresentada dentro de uma perspectiva individualizadora e reducionista,

muito mais atrelada ao processo de construção linguística do que à aprendizagem de

forma geral. Além disso, esse processo de construção linguística é tratado dentro de

uma percepção derivada muito mais de estudos inatistas, que trabalham com noções

227

como interlíngua, do que com concepções mais sociais de cognição e aprendizado de

línguas. Assim, desconsideram-se, por exemplo, trabalhos que já utilizavam concepções

cognitivistas para o tratamento do ensino de leitura e de produção textual, por exemplo,

como dito anteriormente, já bastante divulgados no Brasil desde os anos 80:

Na visão cognitivista desloca-se o foco do ensino para o aluno

ou para as estratégias que ele utiliza na construção de sua

aprendizagem da Língua Estrangeira. Entende-se que a mente humana

está cognitivamente apta para a aprendizagem de línguas. Ao ser

exposto à língua estrangeira, o aluno, com base no que sabe sobre as

regras de sua língua materna, elabora hipóteses sobre a nova língua e

as testa no ato comunicativo em sala de aula ou fora dela. Os erros,

então, passam a ser considerados como evidência de que a

aprendizagem está em desenvolvimento, ou seja, são hipóteses

elaboradas pelo aluno em seu esforço cognitivo de aprender a língua

estrangeira. Contrariamente à visão behaviorista, os erros passam a ser

entendidos como parte do processo da aprendizagem.

Os traços característicos da língua construída pelo aprendiz,

normalmente entendidos como erros, passam a ser vistos como

constitutivos da língua em construção no processo de aprendizagem

sua interlíngua, uma língua em constante desenvolvimento, no

contínuo entre a língua materna e a língua estrangeira, e que resulta de

suas tentativas de aprendizagem. Nesse processo, uma das estratégias

mais comumente usadas pelo aluno é criar hipóteses sobre a língua

estrangeira que está aprendendo, com base no conhecimento que tem

de sua língua materna: a estratégia de transferência lingüística.

Outras estratégias usadas pelo aluno podem ser entendidas

como estratégias gerais de aprendizagem de línguas, tais como

supergeneralização, em que o aluno generaliza uma regra para um

contexto em que não se aplica (por exemplo, a generalização, na

aprendizagem do português, da flexão verbal de passado do verbo

comer em comi que é generalizada para o verbo fazer, gerando a

forma fazi); hipercorreção, em que o aluno, por excesso de

preocupação com correção, acaba corrigindo formas que estariam

corretas (por exemplo, a correção do uso do pronome objetivo em

posição de sujeito em português, tal como em Isto é para mim fazer,

corrigida intensamente na escola para Isto é para eu fazer, acaba

gerando a forma Isto é para eu, que pode ser entendida como resultado

de hipercorreção) (BRASIL, 1998, p.57).

Ao final, há uma deturpação do que os estudos cognitivistas dizem sobre a

aprendizagem, ao tomá-la como um processo individual e generalizado, como se cada

pessoa aprendesse de uma maneira diferente. Assim, os PCN confundem estratégias

metacognitivas de aprendizagem com processos cognitivos e as toma,

contraditoriamente, independentemente dos objetivos do aprendiz e das situações em

que se encontra.

Uma contribuição importante do enfoque cognitivista foi chamar a

atenção para a questão dos diferentes estilos individuais de

aprendizagem que as pessoas possuem, ou seja, nem todos os alunos

228

aprendem da mesma forma. Por exemplo, há alunos que se utilizam

mais de meios auditivos e outros de meios visuais da mesma forma

que alguns têm mais sucesso no uso de estratégias sociointeracionais

devido ao fato de serem mais extrovertidos (BRASIL, 1998, p.57).

Como apresentado nos capítulos anteriores, todos nós aprendemos através do

que estou chamando aqui de aprendizagem integrativa, ou seja, da nossa capacidade de

realizar integrações conceptuais entre saberes velhos e novos. O que varia de pessoa

para pessoa e de situação para situação são as estratégias metacognitivas, ou seja, como

refletimos conscientemente sobre nossas potencialidades cognitivas. Essa confusão se

dá justamente porque não há um aprofundamento nesses estudos na construção dos

PCN. O interessante é que, ao explicar a visão sociointeracional, o documento retoma

como os processos cognitivos são tomados nessa perspectiva, e resgata a perspectiva

defendida por Vygotsky e seus seguidores.

O que subjaz a esta última visão é a compreensão de que a

aprendizagem é de natureza sociointeracional, pois aprender é uma

forma de estar no mundo social com alguém, em um contexto

histórico, cultural e institucional. Assim, os processos cognitivos são

gerados por meio da interação entre um aluno e um participante de

uma prática social, que é um parceiro mais competente, para resolver

tarefas de construção de significado/conhecimento com as quais esses

participantes se deparem. O participante mais competente pode ser

entendido como um parceiro adulto em relação a uma criança ou um

professor em relação a um aluno ou um aluno em relação a um colega

da turma. Na aprendizagem de Língua Estrangeira, os enunciados do

parceiro mais competente ajudam a construção do significado, e,

portanto, auxiliam a própria aprendizagem do uso da língua (BRASIL,

1998, pp. 57-58).

Posteriormente, os Parâmetros explicam como a aprendizagem é tomada, nessa

concepção como uma “forma de co-participação social” e como “construção de

conhecimento compartilhado”, citando, inclusive, a Zona de Desenvolvimento

Proximal. Dessa forma, focam no papel mediador da linguagem e da interação e na

problematização da natureza assimétrica das relações que se estabelecem entre professor

e alunos em sala de aula.

O processo de aprendizagem, mediado pela interação, vai levar à

construção de um conhecimento conjunto entre o aluno e o professor

ou um colega. Para que isso ocorra, o processo envolverá dificuldades

e sucessos na compreensão, negociação das perspectivas diferentes

dos participantes e o controle da interação por parte deles até que o

conhecimento seja compartilhado. Em última análise, o processo é

caracterizado pela interação entre os significados ou conhecimento de

mundo do parceiro mais competente (em sala de aula, o professor ou

um colega) e os do aluno. Muitas dificuldades na aprendizagem são

geradas, exatamente, por essas diferenças, que vão determinar

229

expectativas e condições de relevância diferentes sobre o que se fala.

Na verdade a aprendizagem em sala de aula é uma extensão de um

desafio diário: a necessidade de se interagir a partir de percepções

comuns do mundo ou da criação de perspectivas comuns (BRASIL,

1998, pp. 58-59).

Dessa forma, o documenta apresenta aqui uma perspectiva de aprendizagem que

dialoga com a visão defendida nesta tese. Essa perspectiva é retomada, posteriormente

no documento, quando se levantam críticas à forma como a interação é posta em sala de

aula, como se nota no fragmento abaixo:

Tradicionalmente, a interação em sala de aula tem sido explicada por

uma organização discursiva considerada típica: INICIAÇÃO,

RESPOSTA e AVALIAÇÃO. Assim, a interação é assimétrica, pois

seu controle é exercido pelo professor, que inicia a interação sobre um

tópico que escolheu (na dependência de seu planejamento), que faz

perguntas sobre respostas que já sabe, para, a seguir, avaliar a resposta

do aluno. (...) Esse jogo interacional não possibilita, muitas vezes, que

o aluno construa os princípios subjacentes ao que está aprendendo

para poder transferi-los para outros contextos de uso da linguagem. O

aluno deu a resposta certa para resolver a tarefa, mas o conhecimento

construído é limitado à resposta (BRASIL, 1998, p.59).

O problema é que, ao questionar esse jogo interacional que se estabelece em sala

de aula, os PCN discutem apenas os aspectos sociais que são consequência dele, tais

como a insubmissão de grupos de alunos ou a dificuldade de inserção de determinados

grupos sociais nesse padrão interacional. Nesse momento, sobre os aspectos cognitivos,

dizem apenas que “abordagens que se apoiam em visões cognitivistas podem conflitar

com tradições escolares de aprendizagem que se centram em práticas de memorização”

(BRASIL, 1998, p.60). Não há uma problematização em relação às políticas de ensino e

de aprendizagem nesse espaço segundo esse modelo. Os Parâmetros não questionam,

por exemplo, a formação que se dá em sala de aula do aluno como um sujeito aprendiz

reprodutor e as consequências disso em sua vida social, em sua prática cidadã, no

mundo do trabalho etc.

Em uma seção intitulada “Cognição e metacognição”, os PCN dizem apenas que

“a cognição é construída por meio de procedimentos interacionais” (BRASIL, 1998,

p.62) e chamam, em seguida, a atenção para o trabalho escolar com base em uma

abordagem metacognitiva:

Cabe chamar a atenção para o fato de que, além do domínio de

processos de natureza cognitiva, é preciso que o aluno tenha

conhecimento de natureza metacognitiva em relação ao que está

aprendendo e como. Sabe-se que, quanto melhor for o controle que os

aprendizes têm sobre o que estão fazendo no ato de aprender, maiores

230

serão os benefícios do ponto de vista da aprendizagem. Isso inclui

clareza sobre o propósito da aprendizagem com que estão envolvidos

(por exemplo, saber que são alunos de um curso de leitura em Língua

Estrangeira), da tarefa pedagógica que estão querendo resolver (por

exemplo, saber que a tarefa focaliza o ensino da organização textual),

do papel de uma determinada organização do espaço (por exemplo,

saber que a finalidade da organização em grupos menores pode

facilitar a aprendizagem) etc. (BRASIL, 1998, p. 62).

Entretanto, mais uma vez, o que se vê é uma visão de (meta)cognição baseada

em uma realidade dada e não no processo de construção / invenção pelo qual o aprendiz

passa no desenvolvimento de sua aprendizagem. Essa visão acaba por negar o conceito

de metacognição que foi explicitado anteriormente nesta tese, bem como os

encaminhamentos didáticos que se abrem a partir de sua consideração. Assim, o foco do

trabalho metacognitivo, nos PCN, recai apenas sobre objetivos superimpostos, que, na

verdade, se relacionam mais à tarefa do professor do que aos processos desenvolvidos

pelos alunos. Essa visão é reforçada nos parágrafos seguintes, em que caberia ao aluno

metacognizar apenas a relação interacional posta em sala de aula ou os processos de

construção linguística.

Além disso, o conhecimento explícito sobre a relação entre o uso de

certos padrões interacionais em sala de aula e a construção do

conhecimento constitui um tipo de conhecimento metacognitivo que

pode colaborar para que o aluno tome consciência das regras

implícitas que regem a interação em sala de aula, as quais são centrais

na construção do conhecimento. No ensino de Língua Estrangeira, os

processos de natureza metacognitiva envolvem também a consciência

lingüística, isto é, a consciência dos conhecimentos (sistêmico, de

mundo e da organização textual) que o usuário possui como também a

consciência crítica de como as pessoas usam esses conhecimentos na

construção social dos significados (BRASIL, 1998, pp.62-63).

Toda essa perspectiva acaba por gerar uma lista de “Objetivos gerais de Língua

Estrangeira para o Ensino Fundamental” mais centrada em processos recognitivos do

que inventivos, como se pode ver na citação abaixo, em que destaco aqueles que

remeteriam a uma concepção inventiva de aprendizagem, ainda que eles possam

representar igualmente uma perspectiva que vê a aprendizagem como compreensão

passiva, de fora para dentro, de um mundo que está dado.

Os objetivos são orientados para a sensibilização do aluno em relação

à Língua Estrangeira pelos seguintes focos:

mundo multilíngüe e multicultural em que vive;

a compreensão global (escrita e oral);

o empenho na negociação do significado e não na correção.

Ao longo dos quatro anos do ensino fundamental, espera-se com o

ensino de Língua Estrangeira que o aluno seja capaz de:

231

identificar no universo que o cerca as línguas estrangeiras que

cooperam nos sistemas de comunicação, percebendo-se como

parte integrante de um mundo plurilíngüe e compreendendo o

papel hegemônico que algumas línguas desempenham em

determinado momento histórico;

vivenciar uma experiência de comunicação humana, pelo uso de

uma língua estrangeira, no que se refere a novas maneiras de

se expressar e de ver o mundo, refletindo sobre os costumes

ou maneiras de agir e interagir e as visões de seu próprio

mundo, possibilitando maior entendimento de um mundo

plural e de seu próprio papel como cidadão de seu país e do

mundo;

reconhecer que o aprendizado de uma ou mais línguas lhe

possibilita o acesso a bens culturais da humanidade

construídos em outras partes do mundo;

construir conhecimento sistêmico, sobre a organização

textual e sobre como e quando utilizar a linguagem nas

situações de comunicação, tendo como base os

conhecimentos da língua materna;

construir consciência lingüística e consciência crítica dos

usos que se fazem da língua estrangeira que está

aprendendo;

ler e valorizar a leitura como fonte de informação e prazer,

utilizando-a como meio de acesso ao mundo do trabalho e dos

estudos avançados;

utilizar outras habilidades comunicativas de modo a poder atuar

em situações diversas (BRASIL, 1998, pp.66-67).

Ao tratar dos conteúdos a serem trabalhados em aula, novamente, os Parâmetros

trazem a importância de se partir dos conhecimentos prévios dos alunos e os separa,

novamente, em conhecimento de mundo, tipos de texto e conteúdo sistêmico. Além

deles, incorporam também “conteúdos atitudinais”, mas sempre a partir de uma

perspectiva que adota como conteúdo aspectos de uma realidade tomada como pronta,

na qual o aluno não exerce processos de criação. Ao final dessa seção, aparecem os

princípios que alicerçam as abordagens que embasam a discussão neles posta, em que se

separam, equivocadamente, aspectos inseparáveis do processo de aprendizagem.

As abordagens estão alicerçadas em princípios de natureza variada, já

considerados neste documento:

sociointeracional da aprendizagem em sala de aula;

cognitiva, em relação a como o conhecimento lingüístico é

construído por meio do envolvimento na negociação do

significado, como também no que se refere aos pré-

conhecimentos (língua materna e outros) que o aluno traz;

afetiva, tendo em vista a experiência de vir a se constituir como

ser discursivo em uma língua estrangeira;

pedagógica, em relação ao fato de que o uso da linguagem é

parte central do que o aluno tem de aprender (BRASIL, 1998,

p.76).

232

Em relação à compreensão escrita, especificamente, há dois momentos em que o

documento trata especificamente dela. No primeiro momento, apresentam-se os

“critérios de avaliação”, em que se pode observar muito claramente a ideia de que a

leitura serve à compreensão passiva por parte do leitor de sentidos construídos por outra

pessoa:

Quanto à compreensão escrita, o aluno deverá ser capaz de:

demonstrar compreensão geral de tipos de textos variados,

apoiado em elementos icônicos (gravuras, tabelas, fotografias,

desenhos) e/ou em palavras cognatas;

selecionar informações específicas do texto;

demonstrar conhecimento da organização textual por meio do

reconhecimento de como a informação é apresentada no texto

e dos conectores articuladores do discurso e de sua função

enquanto tais;

demonstrar consciência de que a leitura não é um processo

linear que exige o entendimento de cada palavra;

demonstrar consciência crítica em relação aos objetivos do

texto, em relação ao modo como escritores e leitores estão

posicionados no mundo social;

demonstrar conhecimento sistêmico necessário para o nível de

conhecimento fixado para o texto (BRASIL, 1998, pp.82-83).

O outro momento se encontra na seção “Orientações didáticas”, em que se

defende a ideia de que

O processo da compreensão escrita e oral envolve fatores relativos ao

processamento da informação, cognitivos e sociais. Os fatores

relativos ao processamento da informação têm a ver com a atenção, a

percepção e decodificação dos sons e letras, a segmentação

morfológica e sintática, a atribuição do significado ao nível léxico-

semântico, e a integração de uma informação a outra. Os fatores

cognitivos envolvem a contribuição do leitor/ouvinte, a construção do

significado (a formulação de hipóteses sobre os significados possíveis

com base no seu pré-conhecimento de mundo) e de organização

textual e os fatores sociais, que englobam a interação/falante e

escritor/ouvinte localizada na história, na instituição e na cultura. Isso

significa dizer que compreender envolve crucialmente a percepção da

relação interacional entre quem fala, o que, para quem, por que,

quando e onde (BRASIL, 1998, p.89).

Assim, observa-se uma concepção de leitura (e de compreensão oral) que

diferencia níveis tomados nessa tese como indissociáveis e que resume o ato de ler na

identificação de elementos externos ao ato de ler e pré-concebidos (quem fala, o que,

para quem, por que, quando e onde). Entretanto, não é ignorada a agentividade de quem

lê, uma vez que, em seguida, os objetivos de leitura e os resultados subjetivos desse

processo são tratados.

233

Deve-se dizer, ainda, que a compreensão é uma atividade com

propósito definido, pois aqueles envolvidos nesse processo

estabelecem objetivos quanto à finalidade do ato de compreender em

que estão engajados (...). Outro aspecto importante é que o resultado

do processo de compreensão é variado por estarem envolvidas pessoas

diferentes, com propósitos interacionais nem sempre iguais, e

conhecimento de mundo variados (BRASIL, 1998, p.89).

Sobre as especificidades do processo de compreensão escrita, os PCN apontam a

necessidade de que se trabalhe, primeiramente, com uma compreensão geral, no terceiro

ciclo, para depois, no quarto ciclo, trabalhar-se com a compreensão também detalhada.

Assim, se pode priorizar os conhecimentos de mundo e textuais que o aluno já tenha e ir

introduzindo, aos poucos, o conhecimento sistêmico. Dessa forma, ressaltam o papel

fundamental do conhecimento prévio e seu papel na construção de hipóteses de leitura:

O que é crucial no ensino de leitura é a ativação do

conhecimento prévio do leitor, o ensino de conhecimento sistêmico

previamente definidos para níveis de compreensão específicos e a

realização pedagógica da noção de que o significado é uma construção

social. Além disso, a leitura abarca elementos outros que o próprio

texto escrito, tais como as ilustrações, gráficos, tabelas etc., que

colaboram na construção do significado, ao indicar o que o escritor

considera esclarecedor ou principal na estrutura semântica do texto.

(...) O conhecimento de mundo tem um papel primordial, pois, ao ler,

o aluno cria hipóteses sobre o significado que está construindo com

base em seu pré-conhecimento. (...) O conhecimento de organização

textual também facilita a leitura ao indicar para o aluno como a

informação está organizada no texto. (...) O conhecimento sistêmico

contribui para a ativação e a confirmação das hipóteses que o aluno

está elaborando. Nos estágios iniciais de aprendizagem, o

conhecimento referente aos itens lexicais é crucial, já que facilita a

ativação de conhecimento do mundo do aluno (BRASIL, 1998, p.90).

Em função disso, os PCN trazem uma proposta que se reparte em “pré-leitura”,

“leitura” e “pós-leitura”, que, como as orientações apontadas anteriormente, se

coadunam com a proposta defendida nesta tese. Em relação à pré-leitura, indicam um

trabalho com base na elaboração de hipóteses, a partir da ativação de conhecimentos

prévios de mundo e textuais e a identificação de elementos como o autor do texto, o

leitor virtual, quando e onde foi publicado e seu propósito. Para a leitura, recomendam o

trabalho com a projeção do conhecimento prévio dos alunos no texto, com as estratégias

de leitura que o aluno tenha em língua materna, o trabalho com elementos sistêmicos,

quando necessário, e com diferentes níveis inferenciais (lexical, estabelecimento de elos

coesivos e estratégia de inferência). Para a pós-leitura, propõem o planejamento de

234

atividades que levem os alunos a pensarem sobre o texto, emitindo reações e avaliando-

o criticamente (cf. BRASIL, 1998, pp.91-93).

Nesse sentido, é interessante observar que, ao trazer orientações didáticas

concretas para o ensino da leitura, é nos estudos cognitivistas de até então que os PCN

se baseiam. Nesse momento, as sugestões todas parecem orientar-se para a participação

ativa do leitor no processo de construção de sentidos, em integração com o texto lido.

Entretanto, ao pautar grande parte da discussão anterior em uma concepção de

aprendizagem como processo que se dá de fora para dentro por meio da apreensão ou

identificação de um mundo já construído, o documento não traz uma base teórica que

facilite a compreensão deste trabalho como um trabalho que se deva centrar no aluno e

não no texto. Assim, sem o apoio de uma discussão que leve o professor a compreender

que tais propostas pressupõem uma dinâmica diferente de trabalho com a leitura, pode-

se hipotetizar que os leitores (professores) do documento entendam que se trata de uma

mesma visão de leitura, de cognição, de aprendizagem, etc.

Não nego aqui, porém, a importância histórica dos Parâmetros Curriculares

Nacionais de Língua Estrangeira, que, naquele momento, representaram uma

perspectiva inovadora, fugindo da lógica do senso comum de que o ensino de línguas

estrangeiras na escola deveria reproduzir as práticas dos cursos livres de idiomas. A

questão que aqui coloco é que, ao ignorar os avanços alcançados pelos pressupostos

derivados dos estudos em cognição até então desenvolvidos, os PCN creem que a

apresentação de uma proposta sociointeracional representaria uma superação da

abordagem cognitivista – ainda muito baseada nos estudos trazidos para o Brasil nos

anos 80. Dessa forma, dissociam os aspectos sociais dos, segundo eles, cognitivos – o

que, nesta tese, se trata como indissociável – e focam excessivamente nos primeiros,

construindo uma visão de aprendizagem que tente mais à ideia de recognição do que a

de invenção.

Sei que a influência dos PCN nas práticas cotidianas dos professores é ainda

hoje mínima. Nas salas de aulas do nosso país, como se pôde ver no capítulo 3, é o livro

didático que ainda define as práticas realizadas em sala de aula. Porém, eles serviram

como base para a produção dos editais do PNLD e, consequentemente, para a produção

de livros didáticos. Mesmo antes das línguas estrangeiras serem incorporadas ao PNLD,

os livros didáticos já citavam os PCN como um documento de referência. Além disso,

antes da participação das línguas estrangeiras no PNLD, eram esses os livros utilizados

235

pelos professores como modelos para suas aulas. Assim, essa visão neles apresentada

pode ter trazido consequências diretas para o trabalho com a leitura em línguas

estrangeiras em sala de aula. Na próxima seção, me dedico então a analisar os editais do

PNLD envolvidos nessa tese – 2011 e 2014 – para que, mais adiante, parta para a

análise dos livros didáticos.

6.2. O Programa Nacional do Livro Didático: 2011 e 2014

Buscando, entender, então, como as políticas públicas de regulação da produção

de materiais didáticos para a escola pública brasileira atuaram, nos últimos anos, na

construção de políticas cognitivas em sala de aula, neste momento da tese, busco

analisar as concepções de aprendizagem (e de aprendizagem da leitura) que aparecem

nos editais do Programa Nacional do Livro Didático, de 2011 e 2014, uma vez que

foram eles que estabeleceram os parâmetros de avaliação das obras aprovadas. Como

sabemos que boa parte do mercado é direcionada aos editais públicos, eles acabam

também por orientar fortemente a produção editorial de livros didáticos no Brasil.

Em função disso, cabe esclarecer que o PNLD é um programa que se encontra

sob a responsabilidade do Ministério da Educação (MEC) e tem como objetivo principal

“prover as escolas públicas de livros didáticos, dicionários e outros materiais de apoio à

prática educativa” (BRASIL, 2010, s/p). O programa integra-se ao Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação (FNDE) – autarquia federal responsável pela captação

de recursos para o financiamento de diversos programas educacionais. Segundo o

decreto 7084/10, o PNLD se organiza em diferentes etapas. A primeira corresponde à

inscrição, por meio de edital publicado no Diário Oficial pelo FNDE, das editoras que

desejem ter suas obras avaliadas pelo programa. Posteriormente, ocorrem a etapa de

triagem, realizada pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo

(IPT), na qual se verifica se as obras apresentadas se enquadram nas exigências técnicas

e físicas do edital, e a etapa de pré-análise, na qual se verifica se o objeto e a

documentação definidos pelo edital de convocação foram respeitados, bem como se

obras excluídas em anos anteriores foram realmente reformuladas.

Em seguida, ocorre a etapa de avaliação, quando os livros já selecionados pela

triagem do IPT são encaminhados à Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC). Nessa

236

etapa, ocorre a avaliação pedagógica pelos especialistas – etapa fundamental para a

atuação efetiva do programa. A SEB é responsável por selecionar alguns especialistas

para que as obras sejam analisadas conforme os critérios estabelecidos previamente no

edital:

Art. 14o A avaliação pedagógica das obras será realizada por

instituições de educação superior públicas, de acordo com as

orientações e diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Educação, a

partir das especificações e critérios fixados no edital correspondente.

§ 1o Para realizar a avaliação pedagógica, as instituições de

educação superior públicas constituirão equipes formadas por

professores do seu quadro funcional, professores convidados de outras

instituições de ensino superior e professores da rede pública de

ensino (BRASIL, 2010, s/p).

As obras avaliadas recebem pareceres nos quais se indica se o material foi

aprovado, aprovado com a necessidade de correção de falhas pontuais – com o prazo de

15 dias para as devidas correções – ou reprovado. Posteriormente à avaliação, os

especialistas elaboram resenhas sobre os livros didáticos aprovados para a distribuição

nas escolas e estas resenhas passam a compor o Guia de Livros Didáticos. Esse guia é

disponibilizado pelo FNDE, via internet, uma vez que “os livros didáticos serão

escolhidos pelas escolas” (BRASIL, 2010, s/p) e para que, assim, os professores possam

escolher, auxiliados pelo conteúdo do guia, os livros com os quais gostariam de

trabalhar.

Desse modo, em um país como o Brasil, onde existe uma política pública em

relação ao livro didático, acredito que seja fundamental aproveitar a oportunidade de

que ao menos esse livro seja acessível a cada um dos alunos e que, acima de tudo, seja

um livro de qualidade (cf. PERINI, 1988; LERNER, 2004). Acredito que, ao criar o

processo de avaliação dos livros a serem escolhidos, o Estado, por meio do Ministério

da Educação (MEC) assumiu um papel fundamental nesse momento, participando

ativamente do processo de avaliação de livros, mas também do trabalho em sala de aula

– através do uso desses livros por alunos e professores –, induzindo, assim, “a uma

oferta e a uma demanda de livros articuladas com as políticas públicas para a educação”

(BATISTA, 2003, p.35).

De início, cabe destacar que os editais do PNLD envolvidos na análise dos

materiais selecionados para essa pesquisa – ou seja, PNLD 2011 e PNLD 2014 –, não

apresentam explicitamente concepções de aprendizagem, de texto e de leitura, uma vez

que é valorizado, segundo neles mesmo se afirma, o “pluralismo de ideias e de

237

concepções pedagógicas” (MEC, 2008, p.34; MEC, 2011, p.52). Entretanto, como foi

possível observar na análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais, essas concepções

aparecem mesmo quando não são apresentadas explicitamente. Nesse sentido, é

interessante observar que, em seus princípios gerais90

, ambos editais apontam que:

os progressos efetuados nas últimas décadas nos campos das teorias da

aprendizagem e da psicologia cognitiva não podem ser esquecidos.

Para formar cidadãos capazes de participar, de forma consciente,

crítica e criativa, de uma sociedade cada vez mais complexa é preciso

levar os alunos a desenvolverem múltiplas habilidades cognitivas. A

apresentação de conceitos e procedimentos sem motivação prévia,

seguida de exemplos resolvidos como modelo para sua aplicação em

exercícios repetitivos é danosa, pois não permite a construção, pelo

aluno, de um conhecimento significativo e condena este aluno a ser

um simples repetidor de procedimentos memorizados. Assim, o ensino

que ignore a necessidade do desenvolvimento, por parte do aluno, das

várias habilidades cognitivas e se dedica primordialmente à

memorização de definições, procedimentos e à resolução de exercícios

rotineiros de fixação não propicia uma formação adequada para as

demandas da sociedade atual (MEC, 2008, p.35; MEC, 2011, p.52-

53).91

Assim, é possível notar que a discussão trazida nesta tese está profundamente

ligada aos propósitos do edital e das políticas públicas sobre o livro didático no Brasil.

Porém, é interessante observar que, em relação aos critérios específicos propostos para a

avaliação dos livros de língua estrangeira, essa discussão sobre aspectos cognitivos da

aprendizagem em sala de aula não é explicitamente retomada em nenhum dos dois

editais. Isso revela o aprofundamento de um processo de construção de um discurso

oficial sobre o ensino de línguas estrangeiras que ignora as contribuições dos estudos

em cognição. Esse processo se inicia, como vimos, já na escrita dos Parâmetros

Curriculares Nacionais e parece radicalizar-se na construção dos editais, como se pode

ver na análise que será apresentada adiante.

Ambos os editais abrem os Princípios Gerais com uma discussão sobre o papel

da escola, o que é interessante, porque também mostra, de certa forma, qual seria o

papel do edital – e dos livros didáticos – dentro dos objetivos postos para a escola.

Assim, eles apontam que

90

Ambos os editais são compostos por uma parte geral, em que se apresentam pressupostos e critérios de

avaliação comuns a todas as disciplinas e partes específicas em que se discutem critérios para cada uma

das disciplinas que compõem o edital.

91 Parte considerável dos dois editais aqui analisados apresenta texto idêntico. Por isso, quando for o caso,

utilizarei essa citação dupla como forma de localização do texto citado em cada um dos editais.

238

O acesso aos bens culturais produzidos pela humanidade é um dos

direitos fundamentais do cidadão. A educação escolar, como

instrumento de formação integral dos alunos, constitui requisito

fundamental para a concretização desse direito. Para tanto, a educação

deve organizar-se, de acordo com a legislação em vigor, de forma a

respeitar o princípio de liberdade e os ideais de solidariedade humana,

visando assim, ao pleno desenvolvimento do educando, ao seu preparo

para o exercício da cidadania e à sua qualificação para o trabalho

(MEC, 2008, p.34; MEC, 2011, p.52).

Com essa abertura, já é possível observar a contradição com que o edital é

construído – e que representa a contradição em que a escola brasileira se assenta,

apresentada também nos PCN. Se por um lado, segundo os editais, a educação visa o

“pleno desenvolvimento do educando” para que possa exercitar sua cidadania e estar

qualificado para o trabalho, por outro, acredita-se que isso se dá pelo “acesso aos bens

culturais produzidos pela humanidade”. Dessa forma, pode-se perceber que, para os

editais do PNLD e, consequentemente, para a política educacional brasileira, o

desenvolvimento dos alunos deve se dar dentro de uma visão de aprendizagem como

reprodução, mais uma vez manifestada pelo verbo “acessar”.

Essa perspectiva é reforçada em fragmento apresentado ao final da seção

“princípios gerais”, em que se retoma a noção de “acesso ao conhecimento”:

O PNLD cumpre a função, também, de estimular a discussão e

participação de professores na escolha dos materiais didáticos a serem

utilizados na escola, contribuindo dessa forma para o exercício

competente de sua profissão. Espera-se, sobretudo que o livro didático

contribua para o acesso de professores, alunos e famílias a fatos,

conceitos, saberes, práticas, valores e possibilidades de compreender,

transformar e ampliar o modo de ver e fazer a ciência, a sociedade e a

educação. Assim, iniciativas editoriais que associem correção

conceitual, adequação de atividades e procedimentos, atualização

pedagógica e reflexão sobre as interações entre ciência, tecnologia e

sociedade constituem importantes instrumentos de apoio e

qualificação do ensino (MEC, 2008, p.36; MEC, 2011, p.54).

Dentro dessa visão, os editais propõem, então, que o livro didático deva

“veicular informação correta, precisa, adequada e atualizada” (MEC, 2008, p.35; MEC,

2011, p.53) e que o manual do professor deve “valorizar os conhecimentos prévios do

aluno e buscar a confrontação com o conhecimento científico, esclarecendo a relação

entre o conhecimento historicamente construído e aquele construído em seu cotidiano”

(MEC, 2008, p.35; MEC, 2011, p.53). Assim, pode-se entender que não caberia ao livro

apresentar para os alunos a valorização de seus conhecimentos prévios, uma vez que

isso ficaria restrito ao trabalho do professor, embasado nos manuais a que tenha acesso.

239

Para os alunos, caberia apenas a apresentação das informações corretas. Para os editais,

portanto, ao menos em seus princípios gerais, o livro não é o lugar da invenção, que

pode ser construída a partir da integração entre os saberes novos e os saberes que os

alunos já têm. Esse lugar deveria ser construído pelo professor e, portanto, pelos

manuais do professor.

O mais interessante é que, logo em seguida, traz-se uma discussão que poderia

dialogar com a ideia de cognição distribuída, ao apresentar o processo de construção do

conhecimento como envolvendo entre pessoas e instituições. Entretanto, ao que parece,

apresenta-se uma proposta de trabalho não para a construção do conhecimento em sala

de aula, mas para o reconhecimento por parte dos alunos das pessoas e instituições

envolvidas no processo de construção de um conhecimento pronto.

Dessa forma, estará favorecendo a interação da escola com as famílias

e a comunidade. Isso significa reconhecer que a construção do

conhecimento é um empreendimento laborioso e que envolve

diferentes pessoas e instituições, às quais se deve dar o devido crédito.

É esse amadurecimento e esse refletir constante que garantirão que

ocorram as mudanças efetivas na prática pedagógica do ensino

fundamental do país (MEC, 2008, p.35; MEC, 2011, p.53).

Partindo dessa noção, os editais enxergam, então, o livro didático como um

material de apoio ao trabalho do professor, como se pode ver na citação a seguir.

É preciso que o livro didático contribua com o trabalho do professor

no sentido de propiciar aos alunos oportunidades de desenvolver

ativamente as habilidades envolvidas no processo de ensino e

aprendizagem, e, além disso, buscar a formação dos alunos como

cidadãos, de modo que possam estabelecer julgamentos, tomar

decisões e atuar criticamente frente às questões que a sociedade, a

ciência, a tecnologia, a cultura e a economia têm colocado ao presente

e, certamente, colocarão ao futuro (MEC, 2008, p.35; MEC, 2011,

p.53).

Com base nesses princípios, os editais propõem “critérios eliminatórios comuns

a todas as áreas” (MEC, 2008, p.37; MEC, 2011, p.55):

(i) respeito à legislação, às diretrizes e às normas oficiais relativas

ao ensino fundamental;

(ii) observância de princípios éticos necessários à construção da

cidadania e ao convívio social republicano;

(iii) coerência e adequação da abordagem teórico-metodológica

assumida pela coleção, no que diz respeito à proposta

didático-pedagógica explicitada e aos objetivos visados;

(iv) correção e atualização de conceitos, informações e

procedimentos;

(v) observância das características e finalidades específicas do

manual do professor e adequação da coleção à linha

pedagógica nele apresentada;

240

(vi) adequação da estrutura editorial e do projeto gráfico aos

objetivos didático-pedagógicos da coleção.

No detalhamento desses critérios, é possível notar que os dois primeiros (i e ii) e

o último (vi) apresentam critérios mais pontuais e objetivos, que não cabem ser

problematizados aqui. Em relação ao terceiro critério (iii), é interessante observar que

inicialmente se apresenta uma perspectiva de aprendizagem centrada na ideia de

recognição, uma vez que o edital entende que cabe ao aluno apropriar-se de um

conhecimento pronto.

Por mais diversificadas que sejam as concepções e as práticas de

ensino envolvidas na educação escolar, propiciar ao aluno uma efetiva

apropriação do conhecimento implica: a) escolher uma abordagem

metodológica capaz de contribuir para a consecução dos objetivos

educacionais em jogo; b) ser coerente com essa escolha, do ponto de

vista dos objetos e recursos propostos (MEC, 2008, p.38; MEC, 2011,

p.56).

Logo em seguida, ainda na descrição do critério, apresentam-se requisitos que

reforçam a ideia de aprendizagem como recognição de saberes construídos por outros,

ainda que um deles reforce a necessidade de que os livros favoreçam o desenvolvimento

do pensamento autônomo e crítico dos alunos.

Em conseqüência, serão excluídas as coleções que não atenderem aos

seguintes requisitos:

I. explicitar, no manual do professor, os pressupostos teórico-

metodológicos que fundamentam sua proposta didático-pedagógica;

II. apresentar coerência entre essa fundamentação e o conjunto de

textos, atividades, exercícios etc. que configuram o livro do aluno; por

isso mesmo, no caso de uma coleção recorrer a mais de um modelo

teórico-metodológico, deve indicar claramente a articulação entre eles;

III. organizar-se — tanto do ponto de vista dos volumes que as

compõem quanto das unidades estruturadoras de cada um de seus

volumes — de forma a garantir a progressão do processo de ensino-

aprendizagem;

IV. favorecer o desenvolvimento de capacidades básicas do

pensamento autônomo e crítico, no que diz respeito aos objetos de

ensino-aprendizagem propostos;

V. contribuir para a apreensão das relações que se estabelecem entre

os objetos de ensino-aprendizagem propostos e suas funções

socioculturais (MEC, 2008, p.38; MEC, 2011, p.56).

Assim, parece que a ideia de apreensão e a ideia de pensamento autônomo e

crítico são tratadas como se representassem uma mesma visão de cognição e de

aprendizagem. Nesse sentido, cabe-se perguntar qual é a ideia de “progressão do

processo de ensino-aprendizagem” proposta pelo edital, uma vez que ela não é

explicitada e pode representar a noção de sistematização de um ensino voltado para a

241

reprodução de uma organização pré-estabelecida de um mundo dado. O quarto critério

(iv) reforça essa noção na medida em que ele se propõe justamente a avaliar a

capacidade de reprodução dos livros didáticos. Obviamente, não nego aqui a relevância

desse critério e de que os livros apresentem conceitos, informações e procedimentos

corretos e atualizados, mas é interessante observar o destaque que se dá a essa questão.

Respeitando tanto as conquistas científicas das áreas de conhecimento

representadas nos componentes curriculares quanto os princípios de

uma adequada transposição didática, serão excluídas as coleções que:

I. apresentar de modo equivocado ou desatualizado conceitos,

informações e procedimentos propostos como objetos de ensino-

aprendizagem;

II. utilizar de modo equivocado ou desatualizado esses mesmos

conceitos e informações, em exercícios, atividades, ilustrações ou

imagens (MEC, 2008, p.39; MEC, 2011, p.56).

O quinto critério (v), dedicado especificamente aos manuais do professor, nos

mostra a visão que os editais apresentam em relação ao papel não só do manual, mas

também do professor no uso dos livros didáticos. Nesse sentido, cabe salientar que há

alterações textuais entre o edital do PNLD 2011 e do PNLD 2014. Neste último, parece

haver uma preocupação maior em não se reproduzir a ideia de que ao professor caberia

apenas utilizar passivamente o material que chegasse a suas mãos. Entretanto, ao manter

parte do texto original, o segundo edital mantém também a contradição entre uma

concepção de manual que busque a superação da dicotomia entre quem pensa e quem

executa o trabalho didático e uma concepção de manual que oriente o professor no “uso

adequado da coleção”.

O Manual do Professor deve visar, antes de mais nada, a orientar os

docentes para um uso adequado da coleção, constituindo-se, ainda,

num instrumento de complementação didático-pedagógica e

atualização para o docente. Nesse sentido, o Manual deve organizar-se

de modo a propiciar ao docente uma efetiva reflexão sobre sua prática.

Deve, ainda, colaborar para que o processo de ensino-aprendizagem

acompanhe avanços recentes, tanto no campo de conhecimento do

componente curricular da coleção, quanto no da pedagogia e da

didática em geral (MEC, 2008, p.39).

As concepções atuais de ensino e aprendizagem, assim como as

orientações para formação docente consideram que é preciso superar a

dicotomia entre os que produzem e os que ensinam os conhecimentos

e repensar o papel do professor, valorizando sua competência também

como produtor do saber.

Portanto, o manual do professor não deve ser um mero roteiro para

utilização do livro do aluno, com acréscimo de textos desarticulados

da proposta central da coleção.

O manual do professor deve se constituir em um material diferenciado

do livro do aluno e deve visar à orientação dos docentes para o uso

242

adequado da coleção, constituindo-se, ainda, num instrumento de

complementação didático-pedagógica e atualização para o docente.

Nesse sentido, o livro deve organizar-se de modo a propiciar ao

docente uma efetiva reflexão sobre sua prática.

Deve, ainda, colaborar para que o processo de ensino-aprendizagem

acompanhe avanços recentes, tanto no campo de conhecimento do

componente curricular da coleção, quanto no da pedagogia e da

didática em geral (MEC, 2011, pp.56-57).

É interessante observar que, em meio a essa contradição em que se constrói o

edital – e que, na verdade, revela a realidade escolar brasileira, ainda baseada em uma

sucessão de reproduções –, aparece como papel do manual do professor “propiciar ao

docente uma efetiva reflexão sobre sua prática”. Essa contradição se manifesta mais

detalhadamente nos requisitos apontados para a avaliação dos manuais em ambos os

editais:

Considerando-se esses princípios, serão excluídas as coleções cujos

Manuais não se caracterizarem por:

1. explicitar os objetivos da proposta didático-pedagógica efetivada

pela coleção e os pressupostos teórico-metodológicos por ela

assumidos;

2. descrever a organização geral da coleção, tanto no conjunto dos

volumes quanto na estruturação interna de cada um deles;

3. relacionar a proposta didático-pedagógica da coleção aos principais

documentos públicos nacionais que orientam o ensino fundamental no

que diz respeito ao componente curricular em questão;

4. discutir o uso adequado dos livros, inclusive no que se refere às

estratégias e recursos de ensino a serem empregados;

5. indicar as possibilidades de trabalho interdisciplinar na escola, a

partir do componente curricular abordado na coleção;

6. discutir diferentes formas, possibilidades, recursos e instrumentos

de avaliação que o professor poderá utilizar ao longo do processo de

ensino-aprendizagem;

7. propiciar a reflexão sobre a prática docente, favorecendo sua análise

por parte do professor e sua interação com os demais profissionais da

escola;

8. apresentar textos de aprofundamento e propostas de atividades

complementares às do livro do aluno (MEC, 2008, p.39).

Considerando-se esses princípios, o manual do professor deverá:

1. explicitar os objetivos da proposta didático-pedagógica efetivada

pela coleção e os pressupostos teórico-metodológicos por ela

assumidos;

2. descrever a organização geral da coleção, tanto no conjunto dos

volumes quanto na estruturação interna de cada um deles;

3. orientar o professor para o uso adequado da coleção , inclusive no

que se refere às estratégias e recursos de ensino a serem empregados;

4. indicar as possibilidades de trabalho interdisciplinar na escola, a

partir do componente curricular abordado na coleção;

243

5. discutir diferentes formas, possibilidades, recursos e instrumentos

de avaliação que o professor poderá utilizar ao longo do processo de

ensino-aprendizagem;

6. promover a interação com os demais profissionais da escola;

7. sugerir textos de aprofundamento e propostas de atividades

complementares às do livro do aluno.

8. propiciar a superação da dicotomia ensino e pesquisa,

proporcionando ao professor um espaço efetivo de reflexão sobre a

sua prática (MEC, 2011, p.57).

Quando se observam os critérios específicos de Língua Estrangeira Moderna

(Inglês e Espanhol), é possível observar diferenças consideráveis entre os dois editais.

De início, é possível observar que no PNLD 2014 há uma referência direta aos PCN que

não se encontra no edital PNLD 2011, o que reforça a existência de um caminho de

regulação, como hipotetizo nesta tese. Pode-se inferir que a inclusão dessa citação se

deva à frustração denunciada por González (2010) em relação às obras avaliadas no

PNLD 2011 e seu distanciamento do que estava posto nos referenciais oficiais. Porém,

mesmo que não haja uma referência explícita, é possível identificar uma visão de língua

e de ensino de língua que remete aos PCN, também apresentada no edital de 2011, no

de 2014, como se pode ver nos fragmentos a seguir:

O ensino de Língua Estrangeira – Inglês e Espanhol - para os anos

finais do ensino fundamental pauta-se, primordialmente, pelos

objetivos que contribuam para a reflexão sobre a função social da

língua estrangeira como uma disciplina que permite o acesso a outros

bens, tais como a ciência, a tecnologia, as artes, as comunicações e

produções (inter)culturais e o mundo do trabalho. Além disso, a

aprendizagem de outras línguas possibilita o contato com novas e

variadas formas de ver e organizar o mundo e com outros valores, os

quais, confrontados com os nossos próprios, contribuem para uma

saudável abertura de horizontes, uma ruptura de estereótipos, uma

superação de preconceitos, um espaço de convivência com a

diferença, que promove inevitáveis e frutíferos deslocamentos em

relação às nossas próprias formas de organizar, dizer e valorizar o

mundo. Assim, não resta dúvida de que essa abertura para o diferente

tem um papel muito importante na constituição da identidade dos

alunos (MEC, 2008, p.55).

Entre os fundamentos orientadores dos anos finais do nível

fundamental, os Parâmetros Curriculares Nacionais ressaltam a

importância da escola como espaço de acesso ao conhecimento e à

valorização da “pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro,

bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações,

posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças

culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia, ou

características individuais e sociais.” (PCNEF-LE, 1998, p. 7). Desse

modo, o ensino da língua estrangeira assume papel relevante para o

alcance desse objetivo, ao propiciar ao aluno a oportunidade de

reflexão sobre diferentes povos, culturas e consequentes visões de

244

mundo, e, ainda, permitir-lhe melhor conhecer outras realidades,

assim como aquela em que vive.

Aprender uma língua estrangeira tem como um de seus princípios

proporcionar o acesso a sentidos relacionados a outros modos de

compreender e expressar-se no e sobre o mundo. A aproximação do

aluno a essas formas de dizer o mundo e de significar experiências

vividas por outros povos deve estar pautada no esforço de romper

estereótipos, superar preconceitos, criar espaços de convivência com a

diferença, que vão auxiliar na promoção de novos entendimentos das

nossas próprias formas de organizar, dizer e valorizar o mundo. Para

que essa aproximação se dê de forma efetiva, ao longo desse segmento

de ensino, é importante ressaltar o papel da criatividade, do lúdico e

dos afetos na construção coletiva do conhecimento a ser partilhado

(MEC, 2011, p.72).

Dessa forma, em ambos os editais, é possível notar uma concepção de

aprendizagem que parte de um mundo dado, que deve ser acessado pelo aluno, ainda

que se cite a busca por um trabalho reflexivo sobre esses novos mundos a serem

(re)conhecidos pelos alunos. Seguindo essa concepção, o edital do PNLD 2011 traz uma

discussão inicial mais centrada nos conteúdos e temas a serem apresentados nas obras

avaliadas, que deveriam “contemplar as variedades linguísticas” e levar os alunos e os

professores a “perceber a diversidade sócio-cultural que há no mundo”, por exemplo (cf.

MEC, 2008, p.56). Além disso, ele propõe uma visão de língua “como portadoras de

valores e sentimentos” (MEC, 2008, p.56), o que também revela uma visão de língua

que independe de seus falantes para existir e que se encaixa na visão de aprendizagem

como recognição.

O edital do PNLD 2014, por sua vez, traz visão de língua semelhante, descrita

como “como portadora de sentimentos, valores e saberes profundamente atrelados a

processos históricos de sociedades muito diversificadas” (MEC, 2011, p.72), mas, em

sua discussão inicial sobre os critérios específicos, ao invés de focalizar os temas e

conteúdos a serem apresentados nos materiais, apresenta uma interessante discussão

sobre como os livros didáticos podem contribuir para a construção de um trabalho

autônomo do professor, como se pode ver na citação abaixo. É interessante observar

também nela que, ao final, se reforça o caminho regulador postulado nesta tese, uma vez

que se faz novamente referência aos documentos organizadores do ensino fundamental,

dentre os quais se apresentam os PCN.

Outro princípio orientador a ser considerado diz respeito ao papel

atribuído ao professor nesse contexto. O material didático para o

ensino de língua estrangeira tem função complementar à ação do

professor. É este que, a partir de sua experiência no meio de trabalho

escolar, compromete-se com o encaminhamento mais adequado para

245

sua turma. Por isso, é preciso estar garantido na coleção o diálogo

respeitoso e equilibrado entre esse compromisso e os critérios gerais

de organização do material didático. As concepções que norteiam a

coleção didática devem incluir propostas que favoreçam as decisões

do professor e elucidem o compromisso com a valorização da prática

docente, prática essa que exige arbitragem entre saberes teóricos e

práticos. Uma das questões fundamentais para que esse diálogo entre

coleção e professor possa ser efetivo está no modo como a coleção

explicita sua orientação teórico-metodológica e demonstra coerência

entre essa e a seleção temática, a apresentação de elementos

linguísticos e de atividades de compreensão e produção na língua

estrangeira. Essa coerência deve estar pautada no que propõem os

documentos organizadores do ensino fundamental e devem atravessar

tanto o material impresso quanto o que se oferece na mídia que

compõe a coleção (MEC, 2011, pp.72-73).

Cada edital aponta também os objetivos para o ensino de línguas estrangeiras na

escola. Ainda que se aproximem na maior parte deles, é interessante notar as diferenças,

uma vez que elas marcam a busca, no edital de 2014, pelo apagamento de uma

concepção comunicativista de ensino de língua que atravessa o edital de 2011 (cf.

FREITAS e VAZQUEZ, 2016) e a adesão a uma perspectiva mais fortemente

discursivo-interacionista.

Em conformidade com esses princípios gerais que balizam o ensino e

a aprendizagem das línguas estrangeiras na atualidade, esse ensino,

nessa etapa da educação formal, deve ter por objetivo possibilitar ao

aprendiz:

• vivenciar uma experiência de comunicação humana pelo uso de uma

língua estrangeira, no que se refere a novas e diversificadas maneiras

de se expressar e de ver o mundo;

• refletir sobre os costumes ou maneiras de agir e interagir em

diferentes situações e culturas, em confronto com as formas próprias

do universo cultural dos alunos, de modo a promover neles uma visão

plural e heterogênea do mundo e a fazer entender o papel de cada um

como cidadão em nível local e global;

• reconhecer que a aprendizagem de Língua Estrangeira possibilita o

acesso a legados culturais da humanidade construídos em outras partes

do mundo;

• construir conhecimento sistêmico sobre a língua estudada,

conhecimento sobre diferentes modalidades pragmático-discursivas

vigentes nos diversos âmbitos sociais e regionais, sobre a organização

textual e sobre como e quando utilizar a linguagem adequadamente

nas situações de comunicação;

• desenvolver consciência lingüística e crítica dos usos que se fazem

da língua estrangeira que está aprendendo;

• utilizar a língua estrangeira como fonte de informação, de fruição e

como veículo de comunicação, em diversas práticas sociais da

linguagem (MEC, 2008, p.55).

Tendo em vista esses princípios, o ensino de língua estrangeira deve

orientar-se para oferecer ao aluno condições para que possa:

246

1. vivenciar experiências de interação pelo uso de uma língua

estrangeira, no que se refere a novas e diversificadas maneiras de se

expressar e de ver o mundo;

2. refletir sobre costumes, maneiras de agir e interagir em diferentes

situações e culturas, em confronto com as formas próprias do universo

cultural do seu entorno, de modo a perceber que o mundo é plural e

heterogêneo e entender o papel de cada um como cidadão;

3. construir conhecimento sobre a língua estrangeira estudada, em

particular, quanto às diferentes finalidades de uso dessa língua,

conforme os diversos âmbitos sociais e regionais, a partir do estatuto

dos parceiros em interação, o lugar e o momento legítimos, e os seus

possíveis modos de organização verbal, não verbal e verbo-visual, que

remetem a uma finalidade reconhecida social e historicamente;

4. reconhecer processos de intertextualidade como inerentes às formas

de expressão humana, às manifestações humanas, quer se manifestem

por meio do verbal, não verbal ou verbo-visual;

5. desenvolver consciência linguística e crítica dos usos que se fazem

da língua estrangeira que está aprendendo (MEC, 2011, p.73).

Em função disso, é possível observar que a ideia de “experiência de

comunicação humana” foi trocada pela ideia de “experiências de interação” e as noções

de “conhecimento sistêmico”, “modalidades pragmático-discursivas” e “situações de

comunicação” pelas noções de “conhecimento sobre a língua”, “finalidades de uso”,

“parceiros em interação” e “modos de organização”, por exemplo. Além disso, apagam-

se noções instrumentais da aprendizagem de língua estrangeira, tais como a ideia de que

por meio dela pode-se acessar a legados culturais e a possibilidade de seu uso como

“fonte de informação, de fruição e como veículo de comunicação”, ao mesmo tempo em

que inclui-se a noção de intertextualidade como inerente às formas de expressão.

Entretanto, em ambos editais, os objetivos reforçam a ideia de aprendizagem como

percepção, reconhecimento de um mundo dado, ainda que apareçam objetivos que

visem a reflexão, a construção de conhecimentos e o desenvolvimento de consciência

crítica. Mesmo nesses casos, parece que a ideia de reflexão ou de criticidade, por

exemplo, aparece apenas como recaindo sobre algo que já existe e não como sentidos

construídos pelo aprendiz.

Ao apresentar os “Critérios específicos eliminatórios para o componente

curricular Língua Estrangeira Moderna (Inglês e Espanhol)”, os dois editais se

organizam em uma estrutura bastante diferente. O edital de 2011 propõe uma lista de

critérios introdutórios, uma lista de critérios para cada uma das habilidades linguísticas

– compreensão escrita, produção escrita, compreensão oral e produção oral –, uma lista

para o “trabalho integrado das quatro habilidades”, uma para o “enfoque intercultural”,

247

uma “para a construção da cidadania” e uma para a “estrutura editorial”, além de

dedicar uma lista específica para os critérios que se refiram ao manual do professor (cf.

MEC, 2011, pp. 56-62). Assim, é possível notar que há uma visão de livro didático mais

compartimentalizada e a necessidade do edital de detalhar de modo bastante minucioso

a diversidade de critérios de avaliação, o que poderia se explicar pelo fato de este ser o

primeiro edital a apresentar a disciplina de Línguas Estrangeiras na história do PNLD.

Já o edital de 2014, por sua vez, apresenta uma lista menor de critérios, que são

apresentados de forma integrada, sem a separação apresentada no edital anterior. A

única separação que nele se encontra divide os critérios referentes ao manual do

professor dos outros (cf. MEC, 2011, pp.73-76). Dessa forma, é possível perceber que

há no edital de 2014 a tentativa de construção de uma outra concepção de livro didático

e de aprendizado de línguas estrangeiras, priorizando uma abordagem integrada das

chamadas habilidades linguísticas, sem a separação de aspectos que atravessam seu

ensino, tais como o trabalho com questões (inter)culturais e questões relativas à

construção da cidadania.

Nesse comparativo, é interessante observar que o edital do PNLD 2011

apresenta um grupo de critérios específicos para tratar da aprendizagem em sala de aula,

como se pode ver abaixo:

Por sua vez, a aprendizagem na sala de aula é compreendida como

construída e reconstruída pelos alunos e professores, como resultado

de (auto-)observação, (auto-) análise e (auto-)avaliação. Para tanto, as

coleções de Língua Estrangeira devem:

apresentar instruções claras para as atividades;

maximizar as oportunidades de aprendizagem do aluno e

propiciar-lhe condições para ampliar suas habilidades e

competências de maneira autônoma, bem como sua

capacidade de auto-avaliação;

permitir ao aluno a construção e ampliação de um repertório de

estratégias de aprendizagem, relacionadas ao desenvolvimento

de diferentes habilidades e competências e ao alcance dos

objetivos de aprendizagem definidos tanto pelo currículo

escolar quanto pelo próprio aluno;

ser sensíveis às diferentes situações de ensino e aprendizagem

escolar em contextos educacionais urbanos e rurais;

reconhecer as identidades coletivas e individuais dos

participantes do processo de ensino e aprendizagem em

relação a classe, raça, gênero e outras marcas identitárias

(MEC, 2008, p.57).

Aqui, é possível notar uma visão de aprendizagem que dialoga muito fortemente

com a visão defendida nesta tese. Entretanto, não há uma integração concreta entre essa

248

visão de aprendizagem e os critérios apresentados para a avaliação do trabalho com as

diferentes habilidades, uma vez que, na apresentação desses critérios, o edital foca

muito mais nos conteúdos propostos pelos livros do que no desenvolvimento da

aprendizagem deles pelos alunos. No edital 2014, esses critérios são retirados e

apresenta-se apenas o seguinte tópico, muito mais focado na avaliação do que na

aprendizagem:

18. propõe atividades de avaliação e de autoavaliação que integrem os

diferentes aspectos que compõem os estudos da linguagem nesse nível

de ensino, buscando harmonizar conhecimentos linguístico-

discursivos e aspectos culturais relacionados à expressão e à

compreensão na língua estrangeira (MEC, 2011, p.75).

Dessa forma, mais uma vez, é possível notar o processo de apagamento, nos

documentos oficiais sobre o ensino de línguas estrangeiras, das discussões referentes

aos aspectos (meta)cognitivos da aprendizagem em sala de aula, em um movimento

contrário ao que é defendido nesta tese. A ausência de uma discussão (ou de uma

discussão aprofundada) sobre a cognição nos dois editais e suas consequências se

mostram mais explicitamente quando se observam os critérios apresentados,

especificamente em relação ao ensino da leitura. Como dito anteriormente, o edital do

PNLD 2011 apresenta critérios específicos para essa habilidade. São eles:

No componente curricular Língua Estrangeira é essencial que a

coletânea de textos seja composta por textos autênticos e originais,

advindos de suporte impresso ou digital, para que se possibilite ao

aprendiz qualidade de experiência em leitura, incluindo textos

multimodais. Logo, a diversidade de temas, de gêneros e de tipos

textuais, bem como a de contextos culturais e de circulação deve

estimular a leitura como processo de construção de sentido, ao

considerá-la uma situação efetiva de interação leitor-autor, tendo em

conta a constituição histórico-social e ideológica de ambos. Para tanto,

é necessário que:

o aluno tenha contato com textos de diferentes esferas –

científica, cotidiana, jornalística, jurídica, literária, publicitária etc. –

nas quais possa estreitar seu contato com diversas práticas de

linguagem, de estilo formal e informal, de modo a confrontar

diferentes recursos comunicativos;

as atividades respeitem as convenções e os modos de ler

constitutivos de diferentes gêneros e tipos textuais, bem como o

caráter polifônico dos textos e, portanto, a multiplicidade de vozes

nele presentes;

o processo de compreensão envolva atividades de pré-leitura e

pós-leitura; as atividades pressuponham a abordagem de diversas

estratégias de leitura, tais como localização de informações explícitas

no texto, levantamento de hipóteses, produção de inferência,

reconstrução de sentidos do texto pelo leitor, compreensão

global e detalhada do texto, dentre outras;

249

as atividades explorem a intertextualidade e estimulem alunos e

professores a buscarem textos e informações fora dos limites do livro

didático;

as atividades de interpretação de texto sejam estimuladas,

aceitando-se, dentro dos limites do que o próprio texto permite, a

pluralidade de interpretações;

o aluno seja formado como leitor reflexivo e crítico (MEC,

2008, p.57-58).

Assim, é possível observar que os critérios estão muito mais centrados nos textos

que serão apresentados aos alunos do que efetivamente com o trabalho que é feito com

eles. Desse modo, por exemplo, a partir de uma visão que toma o texto como pré-

construído antes da leitura a ser feita pelo aluno, acredita-se que os diferentes modos de

ler um texto estão nos gêneros e tipos dos textos e não nos objetivos postos pelo leitor.

De igual modo, acredita-se que os leitores reconstroem os sentidos postos nos textos e

não que são eles que, em integração com os textos, efetivamente os constroem.

Ao falar sobre as atividades de leitura, especificamente, o edital mistura, então,

diferentes habilidades e estratégias, de naturezas e propósitos diversos, sem que haja

qualquer problematização em relação a isso. Ainda que o documento ressalte a

necessidade de um trabalho com a pré e com a pós-leitura, o fato das diferentes

estratégias serem apresentadas desse modo, em uma lista organizada de forma aleatória

com um “dentre outras” ao final revela a pouca importância dada a isso pelo edital.

Assim, a formação de um leitor crítico e reflexivo aparece, entre os critérios, sem que se

estabeleça um diálogo entre as atividades e essa formação, como se não dependesse

delas para se concretizar. Cabe ainda ressaltar a estranheza que causa a inclusão, na

seção dedicada à “compreensão leitora”, de um critério que aponta a necessidade de que

os livros estimulem “as atividades de interpretação de texto”, como se a interpretação de

texto fosse apenas uma das atividades possíveis dentro do trabalho com a compreensão

escrita. Compreensão escrita e interpretação de texto não são tratadas, assim, como

expressões sinônimas. Um aspecto positivo nesse critério é o foco dado a “pluralidade

de interpretações”.

Como dito anteriormente, o edital de 2014 não faz a separação entre as

habilidades. Assim, os critérios que envolvem a leitura aparecem dispersos ao longo da

lista apresentada. Abaixo, apresentam-se os que mais diretamente se relacionam ao

trabalho com a leitura:

Para o componente curricular Língua Estrangeira Moderna

(Espanhol e Inglês), será observado se a obra:

250

1. reúne um conjunto de textos representativos das

comunidades falantes da língua estrangeira, com temas adequados aos

anos finais do ensino fundamental, que não veicule estereótipos nem

preconceitos em relação às culturas estrangeiras envolvidas, nem à

nossa própria em relação a elas;

2. seleciona textos que favoreçam o acesso à diversidade

cultural, social, étnica, etária e de gênero manifestada na língua

estrangeira, de modo a garantir a compreensão de que essa diversidade

é inerente à constituição de uma língua e a das comunidades que nela

se expressam;

3. contempla variedade de gêneros do discurso (orais e

escritos), concretizados por meio de linguagem verbal, não verbal ou

verbo-visual, caracterizadora de diferentes formas de expressão na

língua estrangeira e na língua nacional;

4. inclui textos que circulam no mundo social, oriundos de

diferentes esferas e suportes representativos das comunidades que se

manifestam na língua estrangeira;

5. discute relações de intertextualidades a partir de produções

expressas em língua estrangeira e língua nacional;

6. propõe atividades de leitura comprometidas com o

desenvolvimento da capacidade de reflexão crítica;

7. ressalta nas atividades de compreensão leitora o processo

que envolve atividades de pré-leitura, leitura e pós-leitura;

8. explora estratégias de leitura, tais como localização de

informações explícitas e implícitas no texto, levantamento de

hipóteses, produção de inferência, compreensão detalhada e global do

texto, dentre outras;

13. desenvolve atividades de leitura, escrita e oralidade, que

sejam capazes de integrar propósitos e finalidades da aprendizagem da

língua estrangeira (...) (MEC, 2011, p.74-75).

Apesar de haver diferenças importantes entre os dois editais no que se refere às

atividades de leitura, é possível notar que, de modo geral, eles apresentam uma forma de

lidar com a avaliação do trabalho com a leitura muito semelhante. No edital de 2014,

também há uma sequência de critérios dedicados à avaliação dos textos usados e uma

sequência de critérios dedicados às atividades propostas pelos livros. Nesse, porém,

parece dar-se um destaque um pouco maior às atividades do que no edital anterior.

Novamente, tratam-se os textos dentro de uma visão que tente à recognição, uma vez

que, sem que haja uma problematização em relação a como as atividades contribuem

para a construção de perspectivas de mundo pelos alunos, centraliza-se o papel do texto

como único responsável pelo acesso dos estudantes às visões de mundo privilegiadas

pelo edital. Não nego a fundamental relevância de que o edital exija dos livros um

trabalho cuidadoso no processo de escolha dos textos e na construção da relação entre

eles em suas unidades, entretanto, como o edital apresenta seus critérios, pode-se

251

entender que o aluno receberia passivamente as visões de mundo apresentadas pelos

textos lidos.

Dessa forma, a aprendizagem da / pela leitura parece naturalizar-se: acredita-se

que, a partir do momento em que o aluno entre em contato com os textos, ele aprende

visões de mundo, posto que, assim, tem acesso a elas. Isso fica mais claro no critério 2,

em que se levanta a possibilidade de que a seleção de textos garanta a compreensão de

alguma coisa. O critério 5 também não parece deixar claro se as “relações de

intertextualidades” são discutidas nas atividades e, portanto, são produzidas pelo leitor,

ou se encontram dadas nos próprios textos (“produções expressas em língua estrangeira

e língua nacional”). O edital parece não evidenciar a noção de que leitura é construção

de sentidos nunca previamente estabelecidos, e que, portanto, as atividades podem

contribuir de maneira significativa para esse processo de construção, principalmente em

contextos de aprendizagem como a sala de aula. Novamente, apresentam-se estratégias

de leituras de maneira pouco aprofundada e agrupadas como se fossem todas de

natureza semelhante, inclusive, igualmente ao edital de 2011, com a lista delas

finalizada com a expressão vaga “dentre outras”.

Entretanto, diferentemente do edital de 2011, esse já apresenta a noção de que

são as atividades de leitura que contribuem para o “desenvolvimento da capacidade de

reflexão crítica”. Além disso, novamente, ressalta-se a importância de um trabalho que

envolva atividades de pré-leitura, leitura e pós-leitura. O problema é que, também nesse

edital, não há integração entre esses dois critérios e entre eles e os anteriores, o que

dificulta a percepção de que não são os textos em si, mas as atividades feitas a partir

deles que contribuem para que os alunos se construam como leitores autônomos,

críticos, reflexivos, uma vez que nelas é que deve aparecer a possibilidade de

reconhecimento e valorização da potencialidade inventiva de alunos e professores na

construção de suas leituras. A avaliação dos livros parece, desse modo, não considerar a

qualidade do trabalho feito com as diferentes etapas da leitura (pré-leitura, leitura e pós-

leitura) e com as diferentes estratégias de leitura, sem que haja, por exemplo, uma

discussão sobre a natureza consciente ou inconsciente delas e o papel delas para os

diferentes objetivos que se pode ter em cada leitura. Desse modo, o edital parece

apontar apenas para que haja nos livros atividades que trabalhem com as etapas de

leitura e as estratégias citadas, mas não há qualquer referência a critérios qualitativos

que sirvam à avaliação desse trabalho.

252

Sobre os critérios postos para a avaliação do manual do professor, apresenta-se,

nos dois editais, critérios que tentam diminuir o papel normativo do manual em relação

à prática a ser desenvolvida pelo professor em sala de aula, o que é interessante discutir

aqui nesta seção, uma vez que esses critérios também demonstram uma tentativa dos

editais de romper com a lógica reprodutora a que o uso do livro didático geralmente

atende. Abaixo, apresentam-se os critérios que melhor explicitam essa perspectiva em

cada um dos editais:

Na avaliação das coleções de Língua Estrangeira Moderna, será

observado se o Manual do Professor:

• estimula o professor a continuar investindo em sua própria

aprendizagem, ampliando os seus conhecimentos da e sobre a língua

bem como sobre as múltiplas formas de desenvolver as suas atividades

de ensino;

• apresenta insumo lingüístico e informações culturais que propiciem a

expansão do conhecimento do professor acerca das culturas

vinculadas à língua estrangeira e do desenvolvimento de sua própria

competência lingüística, comunicativa e cultural;

• apresenta referências bibliográficas de qualidade, que orientem o

professor em relação a leituras complementares, tanto sobre os temas

que deve abordar em suas aulas quanto sobre questões relativas ao

processo de aprendizagem e às metodologias de ensino;

• apresenta sugestões de implementação das atividades, porém

evitando detalhamentos que possam impedir a criatividade e

autonomia do professor (MEC, 2008, p.62).

Na avaliação das obras do componente curricular Língua Estrangeira

Moderna (Espanhol e Inglês), será observado se o manual do

professor:

4. oferece referências suplementares (sítios de internet, livros, revistas,

filmes, outros materiais) que apoiem atividades propostas no livro do

aluno e na mídia que integra/compõe a coleção;

6. inclui informações que favoreçam a atividade do professor,

proporcionando-lhe condições de expandir seus conhecimentos acerca

da língua estrangeira e de traços culturais vinculados a comunidades

que se expressam por meio dessa língua;

9. elucida seu compromisso com a valorização dos saberes advindos

da experiência do professor, favorecendo a aproximação respeitosa

entre saberes teóricos e saberes práticos (MEC, 2011, pp.75-76).

Sobre essa questão, é interessante observar que o primeiro edital se preocupa

mais com o material que deve ser apresentado ao professor, focando no papel de

(in)formação teórica, linguística ou educacional, que o manual pode desempenhar. Já o

segundo edital foca na valorização do trabalho do professor, ressaltando a “atividade do

professor” e os “saberes advindos de sua experiência”. Além disso, em relação à

apresentação dos critérios de avaliação do manual do professor, um deles chama a

atenção em relação à discussão desta tese:

253

• oferece sugestões de respostas para as atividades propostas no livro

do aluno, sem, no entanto, restringi-las a uma única possibilidade,

sobretudo tendo em conta a diversidade lingüística e cultural, que

pode dar margem a diferentes soluções, e orientando o professor nesse

sentido (MEC, 2008, p.62).

7. sugere respostas às atividades propostas no livro do aluno, sem que

tenham caráter exclusivo nem restritivo, em especial quando se refira

a questões relacionadas à diversidade linguística e cultural expressa na

língua estrangeira (MEC, 2011, p.75).

Se por um lado, é de suma importância que os editais proponham que os livros

não apresentem respostas exclusivas e restritivas às suas atividades, por outro, é

estranho que o destaque se dê apenas “a questões relacionadas à diversidade linguística

e cultural expressa na língua estrangeira”. Dessa maneira, ainda que se instaure um

gesto histórico de abertura para a diversidade linguística, ao não fazer o mesmo para as

questões de leitura, o edital ignora o fato, por exemplo, de que as questões de

compreensão leitora devem ser, por tudo que foi discutido nos capítulos anteriores desta

tese, essencialmente de natureza aberta, principalmente, em uma proposta de ensino que

vise à formação crítica do aluno para o exercício da cidadania. Observando-se esse

critério, é possível notar que, segundo os editais, a diversidade de respostas às

atividades só é possível se ela já estiver reconhecidamente dada no mundo, dada na

língua aprendida. Nesse sentido, não se apresenta uma visão de aprendizagem que

permita uma diversidade de respostas em função dos alunos, que construiriam seus

saberes, de forma distribuída e inventiva.

Novamente, não nego aqui a importância desses editais para a transformação do

livro didático de língua espanhola produzido no Brasil, como se poderá ver, inclusive,

mais detalhadamente no próximo capítulo. Entretanto, ao não reconhecerem a

importância da discussão sobre os aspectos (meta)cognitivos da aprendizagem e

focarem apenas nos aspectos discursivos e comunicativos do ensino das línguas

estrangeiras, os editais, entre avanços e permanências, acabam por manter – e, como

objeto regulador, estimular – a lógica recognitiva que permeia as relações entre

professores e alunos e entre ambos e a construção do conhecimento em sala de aula. Se,

por um lado, há uma preocupação legítima de que o professor não seja um mero

reprodutor das práticas que se apresentam nos livros didáticos, por outro, não há a

mesma preocupação em relação à forma como os alunos vão construir sua

254

aprendizagem, o que se manifesta muito claramente nos critérios de avaliação das

atividades de leitura.

Na próxima seção, analiso, então, os manuais dos livros didáticos selecionados

para a pesquisa, entendendo que, de alguma maneira, eles trazem as concepções que

explicam (ou que pretendem explicar) as atividades propostas pelos livros e que, neles,

podem se explicitar visões de aprendizagem que completam o percurso regulador

traçado nesta tese: Parâmetros Curriculares Nacionais > Editais do PNLD > Livro

Didático. Dessa forma, abre-se o caminho para a análise que farei no capítulo seguinte

das atividades apresentadas nos livros didáticos selecionados.

6.3. Os Manuais do Professor

Nesta seção, busco apresentar as visões de aprendizagem e, especificamente, de

aprendizagem da leitura postas nos manuais do professor. O objetivo aqui não é exaltar

alguma(s) obra(s) em relação à(s) outra(s), mas entender como os livros didáticos

apresentam suas concepções para os professores e, em função do percurso regulador

postulado nesta tese, entender também as alterações que possam ter ocorrido nessas

concepções em função dos editais do PNLD. Aqui, entendo que os livros didáticos

como suportes para a construção de affordances são objetos permeados por concepções

diversas, culturalmente construídas, que podem alterar-se ao longo do tempo, inclusive,

por meio da ação de elementos superimpostos, como é o caso do PNLD. É importante

ressaltar também que esses livros já tiveram reedições lançadas e foram alterados em

muitos aspectos. Como nossa intenção é tratar de um processo histórico, apresento a

análise dos manuais dos livros na ordem em que eles foram produzidos.

6.3.1. “Arriba”

Começo, então, pelo livro “Arriba”. Em seu manual, logo nas primeiras palavras

apresentadas ao professor, o livro se assume como pensado em uma concepção

comunicativista de língua, o que, segundo ele, o diferenciaria dos outros livros

disponíveis no mercado: “La lengua, aquí, está pensada como instrumento de

comunicación, que permite al individuo articular sus pensamientos, ampliar su visión

del mundo y expresarse con claridad” (RINALDI e CALLEGARI, 2004, p.02).

255

Retomando Paraquett (2009a), é possível observar que, historicamente, a abordagem

comunicativa realmente não chegou a alcançar sua plenitude no ensino de espanhol,

uma vez que a abordagem gramatical sempre predominou sobre ela. A partir dessa

perspectiva, em seu objetivo, o livro busca associar a visão comunicativista com os

propósitos postos pelos PCN:

El objetivo principal de la colección ¡ARRIBA! es presentar a

los estudiantes de E/LE un vasto material que les permita un

acercamiento agradable a la lengua española y ofrecerles condiciones

para que, a lo largo de cuatro años de estudios, sean capaces de

comunicarse oralmente y por escrito, en situaciones cotidianas y

formales en dicha lengua.

Entendemos que aprender un idioma extranjero no significa

solamente conocer sus reglas gramaticales o un conjunto de palabras.

Así ¡ARRIBA! contempla también el desarrollo de otras

competencias, además de la gramatical, como la competencia

estratégica, la discursiva y sociocultural, de acuerdo con las

orientaciones de los Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).

Es nuestro objetivo, aun, que el alumno se sienta el principal

responsable de su aprendizaje y que considere la lengua extranjera

como un vehículo no sólo de comunicación sino también de

interacción social, bajo una perspectiva sociointeraccionista del

lenguaje y de la construcción del conocimiento. Además, debe saber

reconocer y respetar la existencia del otro y de otras culturas,

identificándose como miembro de un mundo plurilingüe (RINALDI e

CALLEGARI, 2004, p.02).

É interessante observar que, apesar de citar os PCN, não há uma discussão

aprofundada que parta das mesmas bases postas nos parâmetros. Assim, o livro cita

termos que se encontram nos parâmetros, mas não desenvolvem esses termos. Além

disso, apresenta uma série de competências (estratégica, discursiva e sociocultural)

como se elas tivessem sido apresentadas pelos parâmetros, divididas dessa maneira, o

que não é verdade. Chama a atenção ainda como o livro busca articular uma visão de

aprendizagem que coloca o aluno como centro do processo a uma perspectiva

sociointeracionista, provavelmente, por ela ser apresentada nos PCN como a ideal para

o ensino de línguas estrangeiras.

Entretanto, ao falar sobre os tipos de atividades que compõem o livro, é possível

encontrar fragmentos que revelam uma concepção de aprendizagem aparentemente

baseada em “achismos”, com julgamentos sobre o processo de ensino-aprendizagem

não baseados em qualquer perspectiva teórica que os justifique. Assim, o livro

naturaliza uma visão de aprendizagem focada nos conteúdos e não no aluno. A ele

caberia exercer uma função passiva diante do que aprende, inclusive, não podendo ter

256

para si a sensação de que “já sabe o que vai fazer” nem podendo atuar livremente sem

que tenha passado por experiências controladas anteriormente.

Las presentamos [las actividades] en gran variedad, lo que hace que el

alumno se motive a realizarlas y no tenga la sensación a todo

momento de que ya sabrá que va a hacer. Buscamos favorecer la

curiosidad y la imaginación de los estudiantes por medio de prácticas

que, además de hacer que se trabaje el contenido linguístico, estimulan

su creatividad y sensibilidad. Sobre todo en lo gramatical, tuvimos el

cuidado de graduarlas, partiendo de las controladas, pasando por las

semicontroladas para sólo después ofrecer prácticas libres, cuando los

alumnos ya se sientan más seguros para actuar (RINALDI e

CALLEGARI, 2004, p.03).

Ao tratar da leitura, em uma seção intitulada “Cómo alcanzar esos objetivos”, os

autores ressaltam a preocupação que tiveram em apresentar textos diversos aos alunos,

com base no que, segundo eles, preconizam os PCN. Como se pode ver no fragmento a

seguir, explicita-se uma preocupação de que os textos sejam adequados à realidade dos

alunos e sejam apresentados a eles em ordem de complexidade e de profundidade.

Dessa forma, é possível notar uma visão de texto como produto, previamente

construído. Para esta coleção, os textos é que precisariam estar prontamente adequados

aos alunos e não o trabalho feito pelo livro que ajudaria os alunos a construírem suas

leituras:

Comprensión lectora: tuvimos la preocupación de presentar a los

alumnos varios tipos de textos a lo largo de la colección (narrativos,

descriptivos, poéticos, periodísticos, humorísticos, cuentos, fábulas,

publicidades, gráficos, cuadros, mapas, cómics, textos de internet

etc.), auténticos, adaptados y didácticamente elaborados, de manera

que el estudiante reciba input suficiente y de la calidad (...) los textos

escritos presentan gradualmente mayor complejidad y profundidad a

cada nueva unidad y nuevo volumen, Los temas elegidos, todos de

acuerdo con el eje de la unidad, forman parte de la realidad del

alumno (la escuela, la familia, los amigos etc.) para que él se

identifique y el aprendizaje le resulte realmente significativo

(RINALDI e CALLEGARI, 2004, pp.02-03).

Além disso, ao explicar o trabalho pretendido pela seção “Entretextos”,

especificamente pensada para o trabalho com a leitura, o manual também salienta a

importância de atividades que desenvolvam a pré-leitura, a leitura, e a pós-leitura.

Entretanto, como se pode notar na citação abaixo, isso aparece como uma sugestão para

o trabalho do professor, não como um compromisso da obra em relação ao trabalho que

desenvolverá com os textos:

Sugerimos que el trabajo con los textos pase por tres fases:

a) prelectura – exploración del título del texto, imágenes, autor,

257

vehículo de información y conocimiento previo de los alumnos sobre

el tema;

b) lectura – en silencio y/o voz alta, promueve el desarrollo de

aspectos fonéticos y la ampliación de vocabulario. Es interesante que

el alumno aprenda a inferir el significado de palabras desconocidas

por medio del contexto.

c) poslectura – solicitación de informaciones sobre el texto e

interpretaciones sobre su contenido (RINALDI e CALLEGARI, 2005,

p.05).

Interessante notar que, apesar de apresentar concepções equivocadas sobre as

três etapas de desenvolvimento da leitura, principalmente sobre a leitura – focada no

desenvolvimento da pronúncia e na ampliação do vocabulário –, já se nota uma

preocupação em que haja um trabalho que antecipe a leitura do texto e que a

complemente, ainda que o livro não os desenvolva, o que estimularia a realização de um

trabalho que integre os saberes dos alunos às informações do texto. De forma geral, é

possível notar, ao longo do manual, uma visão de aprendizagem não baseada em

abordagens que a respaldem. Assim, seus autores a tomam como reprodução de sentidos

previamente construídos e, mais especificamente, entendem a aprendizagem da leitura

tomando o texto como produto acabado. O texto deveria, então, ocupar o lugar central

nesse processo e não os alunos.

6.3.2. “Radix”

O livro “Radix”, ao menos na edição a que tivemos acesso, não apresenta, no

livro do professor, uma discussão teórica ou textos que apresentem os aspectos teórico-

metodológicos que embasam o trabalho desenvolvido ao longo das atividades propostas

para os alunos. Nele, consta-se apenas uma página dupla denominada “Apresentação da

obra”, em que as seções do livro são resumidamente apresentadas. São duas as seções

dedicadas à leitura: “Leyendo” e “Sobre el texto”.

Na apresentação da seção “Leyendo”, foca-se apenas nos textos que nela se

apresentam: “Lectura de textos, cuentos, poesias, artículos de periódicos, trechos de

novelas juveniles como Harry Potter y Manolito Gafotas, etc., para conocer un poco

más de la cultura española, hispanoamericana y otras.” (GARCÍA e HERNÁNDEZ,

2005, p.5). Já na apresentação da seção “Sobre el texto”, diz-se que seu foco está na

“lectura del texto y compreensión de la idea central y de las secundarias; relacionar el

tema a tu realidad; opinar y hacer críticas sobre una determinada situación, etc”

(GARCÍA e HERNÁNDEZ, 2005, p.4). Assim, é possível notar que o livro apresenta

duas visões de leitura diferentes: uma para cada seção.

258

Na primeira, a leitura é apresentada dentro de uma política de recognição, em

que o aluno apenas recebe informações do texto, sendo seu propósito apenas levá-lo ao

conhecimento de certas culturas. Na segunda, ao menos pelo que se propõe nessa

apresentação, o objetivo é que o aluno receba informações, mas também relacione-as à

sua realidade, opinando e fazendo críticas sobre elas. Dessa forma, é possível observar

que é objetivo dessa seção fazer com que os alunos integrem as informações recebidas

do texto aos seus saberes e experiências.

6.3.3. “Entérate”

Em seguida, analiso os livros aprovados na primeira edição do PNLD de Língua

Estrangeira, começando pelo “Entérate”. Logo em seu primeiro parágrafo, o livro

retoma os PCN para dizer que a aprendizagem de línguas estrangeiras é um direito de

todos e que a prática dessa aprendizagem deve tomar o diálogo como forma de mediar

conflitos. Além disso, aponta que o aprendizado das línguas estrangeiras pode ser uma

oportunidade de levar os alunos a aprenderem sobre si mesmos e sobre a pluralidade

cultural do mundo.

Ao apresentarem a metodologia com que a obra foi criada, as autoras do livro

dizem que optaram por uma metodologia que busca estratégias de comunicação

relacionadas com o léxico associado a um contexto e definem essas estratégias como

“actividades cognitivas realizadas en lengua extranjera y, si es necesario, en lengua

materna” (BRUNO, TONI e ARRUDA, 2009, p.4). Posteriormente, misturam-se

pressupostos derivados de abordagens comunicativas, discursivas e cognitivas, como se

fossem naturalmente complementares.

Um aspecto positivo da discussão apresentada nessa seção “Metodología” é a

valorização dos conhecimentos prévios do aluno, dividido, segundo o livro, em

“vivencias y sistémicos”, dando papel relevante à língua materna dos aprendizes. Além

disso, as autoras também trazem uma discussão importante sobre os trabalhos em grupo,

que poderiam se relacionar à discussão aqui trazida sobre a cognição distribuída.

Entretanto, ao focar apenas nos aspectos comportamentais da interação entre diferentes

alunos em sala de aula, os autores perdem a oportunidade de mostrar como

aprendizagens podem ser melhor construídas se bem construídas por mais de uma

pessoa.

259

Além disso, o livro trata, ainda nessa seção, como “actividades cognitivas

desafiadoras y motivadoras” os seguintes grupos de tarefas, que revelam uma concepção

de cognição difusa e mais baseada no senso comum do que em estudos da área:

deducción: involucran la comparación, el reconocimiento, la

observación y el establecimiento de relaciones entre ideas y cosas;

diversión: involucran el diseño, la pintura, la memorización y el

juego;

sistematización: involucran la formalización gramatical

comunicativa y textual (BRUNO, TONI e ARRUDA, 2009, p.05).

É interessante observar que esse é o único dos livros analisados para esta tese que

apresenta uma discussão, em uma seção específica, sobre o erro. Partindo da noção de

“Interlengua”, a seção “El error”, entretanto, foca apenas nos “erros linguísticos” do

aprendiz e trabalha com as noções de língua materna e língua meta. Assim, as autoras

dizem que o “erro” faz parte do processo de aprendizagem, mas tratam a aprendizagem

como a compreensão de uma língua pronta que se reduz às formas linguísticas. As

orientações sobre como o professor deve corrigir os alunos reforçam essa visão e a

discussão proposta se dedica muito mais ao âmbito afetivo da relação aluno-professor

do que aos processos de aprendizagem de uma língua estrangeira (cf. BRUNO, TONI e

ARRUDA, 2009, pp.08-10).

Ao tratar especificamente do trabalho com as chamadas “habilidades de

comprensión”, o manual dessa coleção aponta que, segundo os PCN, estão envolvidos

nos processos de compreensão fatores relativos ao processamento da informação,

cognitivos e sociais. A partir disso, separa cada um desses fatores, dizendo que o

processamento da informação envolve: a atenção, a percepção e a decodificação dos

sons e letras, a segmentação morfossintática, a atribuição do significado em nível

léxico-semântico e a integração de uma informação a outra. Os fatores cognitivos são

apontados como envolvendo a contribuição do leitor/ouvinte, a construção do

significado, formulando hipóteses com base no conhecimento prévio e a organização

textual. Os fatores sociais envolveriam a interação entre falante e ouvinte e escritor e

leitor (cf. BRUNO, TONI e ARRUDA, 2009, p.14).

Nessa distribuição, é possível ver novamente a confusão que se faz em relação ao

tratamento da cognição ao longo do manual. Sobre o que chamam de fatores cognitivos,

pode-se observar, por exemplo, que o livro separa a formulação de hipóteses das

contribuições do leitor e trata a construção do significado como se fosse algo também

260

separado dessas contribuições. A organização textual, por sua vez, que independe de

quem lê ou ouve, aparece como um fator cognitivo.

Especificamente, na seção dedicada à compreensão leitora, o manual prescreve:

Prelectura: elaboración de hipótesis antes de la actividad de

lectura. Se activan los conocimientos previos de los/as aprendices por

medio de preguntas sobre la visualización del texto: el título, autor,

figuras, dibujos, organización textual (aspectos que revelan de qué

género de texto se trata, como, por ejemplo, el encabezamiento de una

carta).

Lectura: a partir de lo visto en la prelectura, el/la profesor/a

podrá orientarlos/as a que observen qué es igual y diferente de su

lengua materna, de modo que esta conducta los/as ayude a encontrar

pistas contextuales para el entendimiento de aquello que no conocen y,

por otro lado, advertirlos/as de que no siempre es necesario entender

cada palabra o fragmento para comprender el significado general del

texto. Es más importante saber establecer relaciones, integrando una

información a outra.

Postlectura: para actividad de comprensión lectora, elaboramos

ejercicios variados (BRUNO, TONI e ARRUDA, 2009, p.14).

Assim, é possível notar que, no discurso posto no manual do professor,

apresenta-se uma concepção de leitura que poderia remeter à concepção integrativa

postulada nesta tese, uma vez que enfoca a interação entre o leitor, seus conhecimentos

e habilidades, e as informações do texto, em diferentes etapas de leitura. Entretanto,

mais uma vez, vemos que o trabalho de pré-leitura e de leitura é apresentado como

tarefa única do professor e trata-se a pós-leitura de maneira generalizada como todas as

atividades apresentadas no livro.

6.3.4. “Saludos”

O livro “Saludos”, aprovado no mesmo edital, diz, no parágrafo de abertura do

manual do professor, que seu objetivo é

aliar o estudo específico da língua espanhola – apreensão do

vocabulário, de construções sintáticas e de estruturas comunicativas –

ao aprendizado das manifestações culturais dos povos falantes do

idioma, visando a uma formação crítica dos educandos baseada no

respeito à diferença e na construção de uma sociedade de paz

(MARTIN, 2010, p.03).

A partir da postulação desse objetivo, é possível perceber uma visão de

aprendizagem de língua estrangeira reduzida a reproduções – tanto da língua reduzida a

suas estruturas como da cultura –, o que não está de acordo com a noção de formação

crítica apontada ao final do parágrafo. Essa visão é reforçada, ainda na “Apresentação”,

261

em que os verbos “aprender” e “apreender” são usados como sinônimos por diversas

vezes, como, por exemplo, no fragmento abaixo em que se explicitam os objetivos para

a inclusão dos textos na obra:

A coleção oferece uma grande variedade de textos autênticos, de

gêneros e origens diferentes, para que o aluno aprenda a perceber e a

utilizar o registro adequado às situações comunicativas. Essa

diversidade contribui também para a apreensão de outros modos de

sentir e ver o mundo. Considerando a faixa etária à qual se destina

cada um dos volumes, os textos escolhidos apresentam uma

progressão em sua complexidade formal. E, no que diz respeito ao

conteúdo, sempre que possível se optou por aqueles que propiciam a

reflexão (MARTIN, 2010, p.03).

Assim, por exemplo, o manual parte da ideia de que o aluno perceba e apreenda

coisas pelo seu contato com os textos, que ofereciam informações prontas a ele.

Acredita, inclusive que a reflexão do leitor é propiciada pelo texto, como se nele

estivesse as possibilidades de se refletir sobre sua leitura. Essa perspectiva se contrapõe

ao propósito apresentado para as atividades, focadas na compreensão dos alunos: “As

atividades convidam o aluno a expressar, oralmente ou por escrito, sua compreensão da

leitura dos textos escritos, da audição de diálogos e depoimentos e da observação de

imagens e ilustrações” (MARTIN, 2010, p.03).

Além disso, o livro aponta que adota uma concepção de linguagem e de

aprendizagem sociointeracionista. Assim, ele estaria superando as visões de linguagem

“estrutural” e “funcional”, o que é curioso, porque, normalmente, essas visões são

encaradas como opositivas, uma vez que uma se dedica à compreensão da forma e a

outra do uso linguístico. O livro prossegue trazendo três concepções de aprendizagem: a

behaviorista, a inatista e a sócio-histórica, aderindo à terceira na seção seguinte

“Princípios gerais orientadores da coleção”, em que se resgatam preceitos apresentados

pelos PCN.

Sobre a leitura, apresentada na seção “Compreensão e produção escrita”, o

manual inicia a discussão, fazendo uma crítica aos que acreditam que a leitura em

língua espanhola não precisaria ser trabalhada pela proximidade dela com a língua

portuguesa. Reconhecendo o papel dela no que chama de “sociedade da informação e do

conhecimento”, nesse início de século XXI, aponta que:

A aula de leitura em espanhol contribui, portanto, não só para a

aprendizagem da língua como também para o desenvolvimento

constitutivo do indivíduo – o leitor. No entanto, é preciso deixar de

lado a velha prática da leitura como decodificação de palavras ou

aquela visão de texto como mero pretexto para o ensino de aspectos

262

linguísticos, pois, assim entendido, o texto nada mais é do que uma

fonte de palavras ou conceitos gramaticais a serem depositados na

cabeça dos alunos, um modelo de educação bancária, como bem

definiu o professor Paulo Freire (...). Para o desenvolvimento da

habilidade de leitura em língua estrangeira, entendemos que a prática

problematizadora (Freire, 1979) proporciona ao aluno a possibilidade

de construir novos conhecimentos a partir daqueles já existentes, dos

quais faz uso em sua língua materna (MARTÍN, 2010, p.7).

Dessa maneira, o manual faz uma crítica a uma política de recognição, fortemente

manifestada nas práticas tradicionais de ensino de leitura. Essa visão aponta para uma

política de invenção já que reivindica o abandono da prática de leitura como simples

decodificação de palavras e o incentivo a uma prática problematizadora. Ela é

confirmada quando, logo em seguida, o manual, ainda baseado nos PCN, apresenta os

tipos de conhecimento que o aluno possui e que precisam ser usados nas atividades de

leitura: o conhecimento de mundo, o conhecimento sistêmico e o conhecimento textual.

E acrescenta:

Para que esses conhecimentos possam ser mobilizados é fundamental

que sejam estabelecidas ações conjuntas entre professor e alunos na

sala de aula, que poderão compartilhar seus saberes. Nesse sentido, na

coleção, o professor atua como mediador do conhecimento no

intercâmbio de experiências do grupo, criando o espaço para a

construção conjunta dos saberes (MARTÍN, 2010, p.8).

Se, por um lado, é interessante observar como o livro fomenta, em seu manual,

uma prática de ensino relacionada à proposta defendida nesta tese, por outro, novamente

o professor é colocado como o único responsável pela mediação (nesse caso, somente

entre os saberes dos alunos). O livro não toma essa responsabilidade para si a partir dos

propósitos que seriam apresentados para suas atividades. Essa visão do papel do livro

didático como simples meio de apresentação de textos aos alunos transparece também

na seção intitulada “A noção de gênero e o trabalho com textos orais e escritos”. Após

uma discussão sobre o conceito de gêneros e seu papel pedagógico, o manual do livro

aponta o seguinte:

A seleção dos textos (orais e escritos) desta coleção foi feita

considerando-se o texto no âmbito do gênero a que pertence. Assim,

ao longo dos quatro volumes encontramos textos os mais diversos que

colocam o aluno em contato com contextos de produção que fazem

parte de seu dia a dia. Essa variedade permite que o aluno tome

consciência das características típicas de determinados gêneros e

também lhe apresenta aqueles que emergiram no último século (...)

(MARTÍN, 2010, p.11).

263

Dessa forma, seu autor manifesta a ideia de que apenas a apresentação de uma

variedade de textos é capaz de levar o aluno a tomar consciência das características do

gênero, que, por sua vez, também são apresentadas como relevantes porque são dadas

pelos textos. Tal ideia manifesta uma concepção de aprendizagem como reprodução e,

consequentemente, de leitura como recepção passiva de informações, o que entra em

contradição com a ideia anteriormente apresentada de leitura como integração. Essa

contradição se expressa também na apresentação das seções que envolvem a leitura.

Sobre a seção “Así lo dices”, diz o manual que:

Nessa seção são propostos dois tipos de atividade. Utilizando as

informações e as estruturas linguísticas vistas imediatamente antes, na

seção Así se dice, os alunos devem responder, com frases geralmente

curtas, a perguntas diretas sobre os textos e, depois, criar pequenos

textos em que se falem de si mesmos (MARTÍN, 2010, p.11).

Já sobre a seção “Lee y reacciona”, diz o manual que seu principal objetivo é

propiciar ao aluno as ferramentas necessárias para ler, analisar e

interpretar textos em língua espanhola. Por meio da realização de

atividades de leitura e compreensão de textos de fontes e gêneros

diversos, o aluno é convidado a refletir sobre os mecanismos que

constroem o tecido discursivo e também sobre os aspectos históricos e

culturais inerentes às enunciações (MARTÍN, 2010, p.15).

Assim, enquanto, em uma seção, o texto é tomado como pretexto para a

aprendizagem de estruturas linguísticas, em outra, o texto aparece como instrumento

para a aprendizagem da leitura de forma ampla, o que inclui análise, interpretação e

reflexão, por exemplo.

6.3.5. “Ventana”

Em seguida, analiso o livro “Ventana”, produzido entre os dois editais do PNLD.

Segundo seus autores,

La colección se ha elaborado con el objetivo de servir de base para un

proceso valioso de aprendizaje de español (...) y se apoya en una

concepción de lengua extranjera (LE) como instrumento de

comunicación y conocimiento que permite al alumno insertarse en

otra comunidad discursiva, a fin de ampliar su visión de mundo y

exponer ideas con claridad y seguridad. (...) La colección ofrece a los

alumnos una diversidad de textos auténticos de diferentes géneros y

tipos, así como una variedad de propuestas de trabajo con esos textos,

a fin de insertarles en situaciones de uso de la lengua que sean lo más

reales posibles (ALMEIDA e AMENDOLA, 2011, p.02).

A partir desse fragmento, é interessante observar que, mesmo que aderindo a uma

concepção de língua como instrumento de comunicação – muito criticada por teóricos

264

sociointeracionistas –, esse livro é o primeiro que coloca o aluno (e não a língua) em

uma posição central, uma vez que é ela, a língua, que lhe serve para a ampliação de sua

visão de mundo e para a exposição de ideias. Além disso, também revela, de início, a

importância do trabalho realizado com os textos e não apenas da apresentação de uma

diversidade de textos.

Já na seção “Visión de lenguaje y de lengua”, o livro explica que sua visão de

língua é a “de una actividad social e interactiva situada (quienes usan la lengua

consideran el público al cual se dirigen o quién ha producido el enunciado), así que se

relacionan aspectos históricos y discursivos y se observa la lengua en su funcionamiento

social, cognitivo e histórico” (ALMEIDA e AMENDOLA, 2011, p.02). Ao citar

Bakhtin, o livro diz ainda que, nessa concepção, “el ser humano usa el lenguaje para

actuar en el contexto social, pues lengua y lenguaje son concebidos como formas de

acción social como espacios de interlocución que permiten la práctica de los más

diversos tipos de actos” (ALMEIDA e AMENDOLA, 2011, pp.02-03).

Ao tratar da concepção de avaliação proposta pelo livro e da organização do

material, os autores citam os PCN como base teórica, mais uma vez, reforçando o

percurso regulador postulado nesta tese, mesmo em uma obra que não apareceu como

aprovada nos dois editais do PNLD. Em relação ao trabalho com a leitura, é possível

notar que ele se dá em três seções: “¿Qué sabes?”, “!A empezar!” e “Contextos”.

A seção “¿Qué sabes?” tem como objetivo “determinar el conocimiento del

alumno sobre el tema planteado” (ALMEIDA e AMENDOLA, 2011, p.04), através de

um trabalho com perguntas de pré-leitura. Segundo os autores do livro, “es importante

haber relación entre los conocimientos previos que poseen los alumnos y los que

adquieren en el ambiente escolar” (ALMEIDA e AMENDOLA, 2011, p.04). Ainda que

a proposta foque apenas no tema dos textos, cabe observar que essa é a primeira obra

que propõe um trabalho sistematizado com o conhecimento prévio dos alunos,

fundamental para o desenvolvimento de uma leitura efetivamente integrativa e

adequado a uma concepção de cognição como processo distribuído.

A seção “A empezar”, segundo o manual, tem por finalidade desenvolver a

compreensão auditiva e leitora dos alunos, uma vez que, primeiramente o aluno escuta a

gravação e depois lê o texto escrito lido na gravação. Esses textos são apresentados

como sendo de complexidade gradual e representando gêneros diversos. O objetivo da

seção seria levar o aluno a desenvolver e empregar “estrategias de lectura que lo

265

llevarán a procesos de inferencia a partir del texto leído, construyendo la lectura a través

de su conocimiento textual y de mundo” (ALMEIDA e AMENDOLA, 2011, p.04).

Assim, observa-se na obra um discurso que aponta para uma visão integrativa da

leitura, chegando-se a apontar explicitamente processos e estratégias que os alunos

deverão utilizar para integrar-se ao texto lido. Apesar de crer na possibilidade de que os

textos possam ser organizados em uma complexidade gradual (e não o trabalho com

eles), a perspectiva propõe que os processos inferenciais do leitor ocupem uma posição

central no trabalho com a leitura. O manual chega a afirmar que a aprendizagem do

aluno se constrói pela “reorganización de los contenidos ya assimilados por el alumno

de acuerdo con los nuevos significados que aprende en el contexto escolar” (ALMEIDA

e AMENDOLA, 2011, p.04).

Em relação à seção “Contextos”, o livro explica que seu objetivo é ampliar o

trabalho com os textos na coleção e que, nela,

Se expone al alumno al reconocimiento de diferentes géneros

textuales, con actividades que unen comprensión lectora y análisis de

los componentes intrínsecos del tipo textual. La propuesta de esta

sección es la comprensión textual basada en el proceso de reflexión

sobre el género trabajado (ALMEIDA e AMENDOLA, 2011, p.05).

A mudança de perspectiva, ao menos na forma como o discurso se apresenta ao

professor fica explícita no fragmento anterior, uma vez que o aluno mais uma vez é

colocado como elemento central do processo de aprendizagem. Ainda que os diferentes

gêneros sejam colocados como reconhecidos, esse reconhecimento, que apontaria para

uma política de recognição, se dá pela compreensão leitora e pela análise do aluno.

Além disso, essa compreensão deve se dar pela reflexão sobre o gênero e não pelo

“acesso” ou pela “apreensão” como em outros livros. Além disso, é possível notar que o

livro toma também para si a responsabilidade de incentivar a integração entre aluno e

texto para si ao demonstrar que esse é o foco das seções que o compõem.

6.3.6. “Cercanía”

Passo, então, aos livros aprovados no segundo edital do PNLD, começando pelo

Cercanía (COIMBRA, CHAVES e ALBA, 2012). Em seu manual do professor, o livro

se assume como seguindo uma abordagem sociodiscursiva não apenas para a aquisição

do espanhol como língua estrangeira, mas também para a construção da autonomia e do

pensamento crítico dos estudantes. Segundo seus autores, ele

266

parte del proyecto de conciliar el trabajo con los géneros textuales y el

tratamiento de los temas transversales (...), en conjunción con una

enseñanza de la lengua española que lleve a que los niños y

adolescentes se expresen de forma efectiva en español, insertándoles

en la cultura de los diversos países hispanohablantes, como forma de

establecer puentes interculturales y relaciones con su propia cultura

(COIMBRA, CHAVES e ALBA, 2012, p.03).

Como meios para alcançar esses objetivos, os autores apontam que optaram por,

entre outras coisas: escolher temas que estabelecessem uma mediação entre o mundo

escolar e o mundo extraescolar; utilizar uma grande variedade de gêneros textuais das

mais diversas esferas de circulação; ensinar a língua como fonte de investigação e de

construção do conhecimento; trabalhar a língua em uso e o vocabulário em contexto (cf.

COIMBRA, CHAVES e ALBA, 2012, p.03). Além disso, tomam a língua como

un sistema que se organiza en tres niveles: semántico (sentido y

significado), gramatical (estructuras lingüísticas) y discursivo

(dimensión social). No es un sistema fijo e inmutable, instrumento

listo y acabado para ser usado. No es simplemente un sistema de

signos, una gramática con reglas fijas, un código que sirve para

transmitir informaciones. (...) Estudiar la lengua extranjera significa

comprenderla en su funcionamiento social, en la interacción entre los

sujetos que construyen la comunicación, sus elecciones sintácticas,

semánticas, morfológicas, fonológicas y pragmáticas dentro de un

contexto discursivo (COIMBRA, CHAVES e ALBA, 2012, p.03).

Nota-se, assim, que as concepções anteriormente apresentadas circulam entre

diferentes vertentes teóricas, oscilando entre o foco na língua como forma e o foco na

língua como uso linguístico. O aluno aparece na investigação e na construção do

conhecimento, bem como na compreensão de seu funcionamento social, mas até aqui

ele ainda é alguém que aprende uma língua que é dada em seu uso, ainda que o próprio

manual negue essa concepção, o que também revela a oscilação comentada

anteriormente.

Com base nessa concepção, o manual apresenta sua concepção de gênero textual,

tipo textual e domínio discursivo. Entre outras ideias apresentadas, ele defende que, “en

el trabajo con las cuatro destrezas (leer, escribir, escuchar, hablar), se busca reflexionar

sobre las características de los géneros textuales” (COIMBRA, CHAVES e ALBA,

2012, p.04). Assim, nesse momento, propõe uma visão de ensino baseada na reflexão e

não na reprodução, o que é reforçado quando diz que “la responsabilidad de la escuela

en la sociedad actual es, mucho más que enseñar contenidos, formar ciudadanos éticos y

críticos para actuar en la sociedade” (COIMBRA, CHAVES e ALBA, 2012, p.04). Ao

267

tratar do papel do professor nesse processo, novamente, essa visão é retomada, dessa

vez, e pode até ser articulada à ideia de cognição distribuída:

El profesor se configura como un “articulador de voces”, un

dinamizador, un elemento de apoyo importantísimo en ese proceso de

construcción y reconstrucción de conocimiento. (...) Así, enseñar

exige investigación, busca indagació, componentes definidores de la

autonomia que dicen respeto a la capacidad de conocer e intervenir en

el mundo. El profesor intelectualmente autónomo y crítico es aquel

que tiene consciencia del no-acabamiento del ser humano, que analiza

el presente e interroga el futuro (COIMBRA, CHAVES e ALBA,

2012, p.05)

Essa perspectiva aparece ainda quando o manual explica que a produção do livro

buscou “conducir la enseñanza de la lengua extranjera de forma responsable, teniendo

en cuenta la identidad de los alumnos, su saber linguístico y sociodiscursivo, siendo

esse el principal punto de partida de la práctica educativa” (COIMBRA, CHAVES e

ALBA, 2012, p.05). Igualmente, quando recomenda que a prática em sala deve partir de

“una negociación en la construcción de sentido: los variados puntos de vista deben ser

llevados en cuenta y no se debe prejuzgar lo que es correcto o incorretcto, sino

desarrollar un diálogo, propiciar un intercambio de experiencias” (COIMBRA,

CHAVES e ALBA, 2012, p.07).

Ao tratar especificamente do trabalho com a leitura, os autores do livro indicam

que esse trabalho parte das seguintes concepções:

Leer es un proceso interactivo que involucra las inter-relaciones entre

autor, lector, texto y contexto;

El lector tiene un papel activo en la negociación de los sentidos;

En el proceso de lectura se involucran y se usan diferentes estrategias

(cognitivas, metacognitivas, afectivas, sociales) (COIMBRA,

CHAVES e ALBA, 2012, p.13).

São apresentados, assim, preceitos que se coadunam com a perspectiva

integrativa. Tais preceitos são reforçados ainda por uma citação de Cassany (2006, apud

COIMBRA, CHAVES e ALBA, 2012, p.13)

el discurso no posee conocimiento en sí, sino que este emerge, al

entrar en contacto con los significados que aporta cada comunidad a

través del lector. El conocimiento es siempre cultural e ideológico; no

existen realidades absolutas u objetivas que puedan servir de

referencia. Tampoco es completo tomar los propósitos del autor como

fuente básica del significado (...).

Ao apresentar a estrutura da coleção e tratar novamente do trabalho com a leitura,

o manual apresenta a seção “Lectura” subdividida em três. A primeira, “Almacén de

268

ideas”, apresenta, segundo o manual, questões “de activación de conocimientos de

mundo y previos del alumno sobre el tema y sobre el género a leer y de formulación de

hipótesis a partir de la temática y/o del género y sus condiciones de producción”

(COIMBRA, CHAVES e ALBA, 2012, p.18). Na segunda, “Red (con)textual”, “se

define el objetivo de lectura del alumno, es decir, se informa cuál es la función de

lectura a la hora de empezar a entrar en contacto con el texto. Además, se proponen

estrategias de lectura distintas” (COIMBRA, CHAVES e ALBA, 2012, p.18). Na

terceira, “Tejiendo la comprensión”, por fim,

se explora el texto a partir del tema, de su forma composicional, del

soporte y del contexto de circulación. Además, se proponen preguntas

que llevan el alumno a adquirir variadas habilidades de lectura:

comprensión global del texto, localización de información explícita,

producción de inferência, identificación de efectos de sentido,

comparación de informaciones, expresión de opiniones, etc.

(COIMBRA, CHAVES e ALBA, 2012, p.18).

O livro aponta, então, para uma abordagem integrativa de leitura, explicitamente

posta na forma como suas seções se constroem. Dessa forma, a responsabilidade pelo

desenvolvimento desse tipo de trabalho não é tomada como sendo apenas do professor,

mas também do próprio material, que está feito para isso.

6.2.7. “Formación”

Por fim, chego ao livro “Formación”, que se assume como seguindo uma

concepção sociointeracionista de ensino-aprendizagem e de língua como prática de

interação social, saindo, assim, “do que se entende em geral como metodologia

comunicativa” (VILLALBA, GABORDO e MATA, 2012, p.08). Ao longo de seu

manual do professor, políticas de invenção se manifestam em alguns momentos. Por

exemplo, quando os autores dizem que o que lhes interessa “não é apenas o processo

dessa relação num contexto de concordância e/ou discordância, mas também os novos

saberes que são gerados continuamente, obrigando-nos a reformulá-los e a reestruturar

crenças e valores” (VILLALBA, GABORDO e MATA, 2012, p.08).

Além disso, esse é o primeiro livro que traz uma discussão efetiva, mesmo que

breve, sobre seu papel na interação que se estabelece em sala de aula, entendendo,

inclusive que ele não é pré-concebido, mas deve ser construído na interação. Assim, ele

se articula, de alguma maneira, a uma visão de aprendizagem que entende a cognição

como distribuída, uma vez que se coloca explicitamente como buscando um diálogo

269

entre ele e seu usuário, desejando que, “ao ser inserida manualmente a resposta, seja

construído um objeto de estimação por meio do qual as vozes das duas partes (autores e

leitores) tornem-se reais e companheiras” (VILLALBA, GABORDO e MATA, 2012,

pp.12-13).

Essa noção que remete à cognição distribuída também é posta em relação à

interação entre professores e alunos em sala de aula: “Este material didático foi

concebido como um conjunto de tarefas, cujo objetivo é a interação verbal entre

professor e alunos, entre alunos, entre a classe e a escola, e entre a escola e a

comunidade em geral, seja regional ou internacional (...). O ideal seria haver condições

de discutir entre todos o resultado dessas reflexões, com o auxílio do(a) professor(a)”

(VILLALBA, GABORDO e MATA, 2012, p.10). A partir dessa perspectiva, o manual

problematiza também as relações que se estabelecem no espaço da sala de aula, ao

priorizar “o enfoque à prática social de interação verbal numa situação formal de sala de

aula, sem que este último fator constituísse a perpetuação do modelo clássico de

professor e aluno em representação teatral” (VILLALBA, GABORDO e MATA, 2012,

p.11).

Em função disso, o manual também reforça a necessidade de um trabalho baseado

em objetivos preestabelecidos: “Isso nos faz assumir a importância das tarefas

realizadas com determinada finalidade, e não mais como meras obrigações escolares

para passar de ano” (VILLALBA, GABORDO e MATA, 2012, p.11). Além disso,

ressalta também a importância de um trabalho baseado no conhecimento prévio dos

alunos:

É preciso esclarecer que o entrave maior é que se trata de um livro de

língua estrangeira e por isso exige um tratamento diferenciado em

relação à língua materna. Estamos apostando na capacidade de cada

aluno de desenvolver a sua estratégia de compreensão leitora e

auditiva, ajudado pelo(a) professor(a), que pode se valer da abertura

de cada unidade, na seção “Calentando el motor” para comentar com

seus alunos os aspectos que julgar necessários. Com o apoio do

conhecimento que, no momento em que é discutido se torna prévio, e

na experiência de vida escolar (são leitores em língua materna),

consideramos que o acesso às informações dadas em espanhol pode

ser facilitado (VILLALBA, GABORDO e MATA, 2012, p.12).

Nesse sentido, é interessante observar que diversas vezes o livro ressalta a

importância do trabalho apoiado no uso da língua portuguesa em suas atividades: “no

caso de abordagem do espanhol por um falante brasileiro, o pior empecilho para a

compreensão leitora não é a língua em si, mas a falta de habilidade para enfrentar o

270

desconhecido e a inexperiência em empregar pistas adequadas” (VILLALBA,

GABORDO e MATA, 2012, p.13). Assim, há uma importante compreensão do papel

dos saberes dos alunos, entre os quais se inclui sua própria língua, no desenvolvimento

de sua aprendizagem. Também apresenta-se um reconhecimento do papel desse uso no

desenvolvimento de uma reflexão metalinguística pelos alunos, entretanto, esse

reconhecimento, como se pode ver abaixo, vem acompanhado da ideia de que línguas,

como sistemas homogêneos, representam visões de mundo, o que deve ser percebido

pelos alunos:

entendemos que essa aparente transgressão ajuda a praticar a reflexão

metalinguística e a afinar a percepção de que esses dois sistemas

linguísticos tão próximos, como é o caso do português do Brasil e do

castelhano hispano-americano, representam visões de mundo

diferentes (VILLALBA, GABORDO e MATA, 2012, p.07).

Essa oscilação entre visões que remetem a políticas de recognição e visões que

remetem a políticas de invenção no discurso do manual do professor desse livro fica

evidente na apresentação dos objetivos do livro. A seguir, reproduzem-se tais objetivos,

estando destacados aqueles que remetem, de algum modo, a uma perspectiva inventiva e

distribuída de cognição. É interessante observar como esse é o único livro que apresenta

como objetivo o desenvolvimento de certas habilidades por parte dos alunos:

1. OBJETIVOS

1.1. GERAIS

Contribuir para a educação do jovem como indivíduo leiturizado

capaz de interagir adequadamente com o seu contexto, seguindo os

padrões de conduta estabelecidos historicamente pela sociedade

brasileira.

Contribuir para a aprendizagem da língua espanhola como prática

de interação intercultural com os falantes hispânicos para

desenvolver a capacidade de compreender as diferenças e as

semelhanças linguísticas e socioculturais.

Promover a compreensão de que a sociedade humana se manifesta

por meio de vários tipos de textos, puros ou mesclados, que

demandam respostas adequadas não só do ponto de vista

gramatical, mas principalmente do ponto de vista discursivo,

atendendo às peculiaridades pragmáticas e ideológicas.

Educar os jovens para a solidariedade e a generosidade mediante a

prática de tarefas colaborativas em que o compartilhamento

responsável de informações e experiências deve servir para

produzir os melhores resultados.

1.2. ESPECÍFICOS

Desenvolver a habilidade receptiva de mensagens em língua

espanhola mediante a prática de compreensão auditiva e leitora.

Desenvolver a habilidade produtiva de mensagens em língua

espanhola mediante a prática de produção oral e escrita.

271

Desenvolver as estratégias comunicativas, baseando-se no

conhecimento prévio de mundo e da língua materna, e

apoiando-se na colaboração de outros colegas.

Desenvolver a capacidade de estabelecer relações entre diferentes

visões de mundo e a forma de expressá-las.

Desenvolver a capacidade de usar os novos conhecimentos

linguísticos e sócio-culturais para gerar outros conhecimentos (VILLALBA, GABORDO e MATA, 2012, p.09).

O trabalho com a leitura, especificamente, é feito, segundo o manual, em diversas

seções. A primeira, “Calentando el motor”, busca “ativar o conhecimento prévio por

meio de comentários gerais em torno do tema a ser trabalhado. É um tipo de

aquecimento que aparece na página de abertura e que pode ser otimizado solicitando-se

aos alunos que busquem as informações pertinentes” (VILLALBA, GABORDO e

MATA, 2023, p.13). A seção “Puerta de acceso”, por sua vez, busca levar o aluno a

“entrar efetivamente no âmbito temático selecionado, cujos textos não são

necessariamente do mesmo gênero exposto no preâmbulo, os quais permitem a primeira

abordagem em termos de compreensão leitora” (VILLALBA, GABARDO e MATA,

2012, p.13), sendo “privilegiadas questões que levem à reflexão baseando-se

principalmente no texto cujas pistas devem ser reconhecidas e aproveitadas”

(VILLALBA, GABARDO e MATA, 2012, p.13).

Já a seção “Explorando el texto” busca “trabalhar a habilidade de lidar com

diferentes tipos de textos (…), relacionando as pistas extraverbais com as verbais”

(VILLALBA, GABORDO e MATA, 2012, p.13) e a seção “Interactuando com el

texto” busca “desenvolver atividades sugeridas pelo tema da unidade que permitam

estabelecer uma ponte entre os novos conhecimentos e a realidade circundante, muitas

vezes por meio de tarefas de pesquisa extraclasse” (VILLALBA, GABORDO e MATA,

2012, p. 14), relacionando-se diretamente com a visão interdisciplinar adotada pela

obra.

Dessa maneira, novamente, vemos mais uma obra cujo trabalho com a leitura está

concebido para o desenvolvimento de práticas integrativas, uma vez que a organização

das tarefas apresentadas aponta para a necessidade de que os alunos e os textos lidos se

integrem para que sejam realizadas.

272

6.2.8. Em resumo

Ao comparamos os manuais dos livros que compõem o corpus desta pesquisa,

torna-se importante ressaltar o papel fundamental que o PNLD desempenhou no

processo de transformação das concepções de trabalho com a leitura neles apresentados.

Nos dois livros produzidos anteriormente ao primeiro PNLD, temos manuais pouco

aprofundados e mais centrados no que denominam de abordagem comunicativista. A

preocupação dos autores sobre o trabalho com a leitura está mais focada na seleção de

textos e em sua “adequação aos alunos” do que na proposta efetiva de trabalho feita

com eles. O livro “Arriba” chega a apresentar uma preocupação com a necessidade de

um trabalho dividido em pré-leitura, leitura e pós-leitura, mas o atribui ao professor,

eximindo-se dessa responsabilidade.

Nos dois livros aprovados no primeiro edital do PNLD, apresenta-se uma

confusão teórica que acaba por construir uma confusão de concepções de leitura (e de

sua aprendizagem). Nota-se nesses livros uma mudança nos discursos em relação à

leitura, estando eles mais desenvolvidos e mais preocupados em explicitar uma

proximidade com o que se diz nos PCN. Entretanto, ao tratar da organização das

atividades de leitura e das concepções envolvidas na produção dessas atividades, os

discursos apontam para uma visão que, novamente, coloca apenas o texto como

elemento central. Assim, não há uma discussão efetiva sobre o aprendizado da leitura e

o texto aparece, na descrição das propostas de atividades, servindo tanto a políticas de

invenção como a políticas de recognição, com essas predominando sobre aquelas. Por

muitas vezes, a ideia de aprendizagem como reprodução, repetição ou recepção passiva

aparecem implicitamente nos manuais dessas obras.

Ao tratar das atividades de leitura, em ambos, novamente, a proposta de um

trabalho com as três etapas da leitura é tomada como responsabilidade do professor e

não das atividades apresentadas nos livros. Essa realidade só é alterada nos livros

produzidos após o primeiro edital do PNLD, começando pelo “Ventana”, que já traz, em

suas concepções, reflexões sobre o papel das atividades do livro no desenvolvimento do

aluno como leitor. Assim, uma preocupação com o desenvolvimento de uma leitura

integrativa e, consequentemente, de uma política de invenção no aprendizado da leitura

pelos alunos começa a aparecer mais concretamente nas obras a partir de então.

Dessa maneira, em diferentes graus, mesmo que não se concretizem nas

atividades a serem analisadas no próximo capítulo desta tese, todos os livros

273

desenvolvidos após os resultados do primeiro edital, em diferentes níveis, assumiram

para si a tarefa de estimular e auxiliar os alunos em sua integração com o material lido,

trabalhando a leitura em três etapas (pré-leitura, leitura e pós-leitura) e se organizando

para o desenvolvimento desse trabalho. Nos dois livros aprovados no segundo edital do

PNLD, essa assunção inclusive vem acompanhada de uma reflexão mais aprofundada

sobre o lugar do aluno, do livro e do professor na construção da aprendizagem em sala

de aula.

Entretanto, não se alteram por completo as visões de aprendizagem postas nos

discursos dos manuais do professor ao longo dos anos, o que, acontece, inclusive,

porque, como visto anteriormente, nem os próprios editais alteram essas concepções.

Assim, intercalam-se posicionamentos que remetem a políticas de invenção, que

aumentam ao longo do tempo, com posicionamentos que remetem a políticas de

reprodução, que, em muitos momentos, se apresentam de forma bastante forte.

A partir dessa percepção, buscando entender melhor esse processo de rupturas e

de permanências que atravessa a recente história do livro didático de espanhol para os

anos finais do ensino fundamental, no próximo capítulo, analiso, então, as atividades

concretamente apresentadas pelos livros, sabendo que elas podem corresponder ou não

ao discurso teórico apresentado nos manuais do professor. Na segunda parte do

capítulo, analiso as respostas dos alunos como forma de entender em que medida essa

história alterou as condições de inte(g)ração estabelecidas entre o aluno e o livro

didático.

274

CAPÍTULO 7: O LIVRO DIDÁTICO DE ESPANHOL E O ENSINO DA

LEITURA INTEGRATIVA: UMA BREVE E RECENTE HISTÓRIA

Nos capítulos anteriores, discuti o papel que o livro didático exerce na escola

brasileira. Como suporte para a construção de affordances utilizado para o

desenvolvimento de processos cognitivos de professores e alunos em sala de aula, tal

ferramenta didática explicita visões de aprendizagem e auxilia na construção de

políticas cognitivas. Tais políticas, por sua vez, são aprendidas pelos alunos, que, a

partir delas, se constroem como aprendizes. Sabendo desse importante papel que o livro

desempenha, principalmente, em situações de maior precariedade em relação ao

trabalho do professor e às oportunidades de aprendizagem do aluno, neste capítulo,

procuro traçar um panorama que leve em consideração: (a) como os livros ensinam os

alunos a se construírem como aprendizes da leitura em espanhol através das atividades

por eles propostas, e (b) como os alunos se integram a essas atividades, ou seja, como

eles participam desse processo de construção e como se colocam como leitores em

função das atividades apresentadas.

Obviamente, não há como analisar aqui como os livros didáticos são usados como

affordances ou como suportes para a construção de affordances em sala de aula, o que

dependeria de uma análise situada de práticas desenvolvidas por alunos e professores

em espaços específicos. Entretanto, é possível através da análise aqui apresentada

encontrar pistas para a compreensão de como os livros didáticos se apresentam a

professores e a alunos, guiando fortemente, como foi possível ver nos capítulos

anteriores, as formas como são utilizados. Nesse sentido, pode-se dizer que há uma

visão pretendida de uso dos livros didáticos na construção de affordances na sala de

aula, uma vez que tais materiais são feitos para cumprirem certos papéis no processo de

ensino-aprendizagem que se instituti nesse espaço. Tais papéis, como estou postulando

ao longo desta tese, se derivam da cadeia reguladora aqui descrita, que envolve os

documentos oficiais e é atravessada pela história do ensino de língua espanhola no

Brasil, pelas condições de trabalho do professor, pela forma como a escola brasileira, de

modo geral, enxerga a aprendizagem, entre outros fatores.

Entretanto, como a cognição é integrativa, distribuída, situada e pode ser

inventiva, esses usos pretendidos pelos livros não necessariamente são desenvolvidos

275

em sala de aula, uma vez que professores e alunos podem utilizá-los de maneiras

diversas. Tais usos acabam, inclusive, fazendo com que os mesmos livros didáticos se

tornem objetos diferentes, dependendo das políticas cognitivas que definam os

processos de integração que se dão entre eles, professores, alunos e outros objetos que

ocupem a sala de aula. Desse modo, há que se lembrar que o livro didático usado para

práticas recognitivas não é o mesmo que usado em práticas inventivas, ainda que, no

plano objeto, sejam o mesmo livro92

.

A partir disso, a análise que será apresentada a seguir torna-se importante por duas

razões. Em primeiro lugar, porque nos mostra como os livros didáticos propõem o

trabalho com a leitura, revelando, assim, essa visão pretendida de uso e que é relevante

de ser entendida, uma vez que, fomenta práticas em sala de aula. Em segundo lugar,

porque, entendendo o que se propõe para o trabalho com a leitura nos livros didáticos,

no breve percurso histórico abarcado por esta tese, é possível pensar novos modelos de

livros didáticos (ou de materiais produzidos por professores para o uso em suas salas de

aula) que proponham um trabalho que auxilie os alunos em seu desenvolvimento e o

professor na mediação desse processo. Além disso, é possível também, a partir dessa

análise, pensar em usos inventivos para o livro didático dentro e fora do espaço escolar.

Assim, os livros podem efetivamente ser usados na construção de affordances para o

ensino e para a aprendizagem do que estou chamando de leitura integrativa, na qual o

leitor se reconhece como parte importante do seu próprio desenvolvimento como leitor.

Não é objetivo desta análise desenvolver profundamente reflexões sobre esses

novos usos. Acredito, porém, que aqui se abrem portas para que elas sejam feitas

posteriormente. Adiante, apresento, então, como os livros didáticos selecionados para a

construção desta tese apresentam o ensino de leitura aos alunos, através da análise das

atividades por eles propostas.

92

Aqui, retomo a discussão realizada no capítulo 3 sobre políticas cognitivas e metacognição. Nesse

sentido, é possível que políticas cognitivas, no nível meta, alterem o modo como utilizamos os objetos

para o desenvolvimento de diferentes práticas de aprendizagem. A separação entre nível objeto e nível

meta se apresenta didaticamente para compreendermos analiticamente o processo. No uso efetivo dos

objetos, entretanto, essa separação não existe. Como apresentado no capítulo 2, conceptualização e

percepção são duas faces de uma mesma moeda. Só concebemos o que percebemos e só percebemos o

que concebemos.

276

7.1. Como os livros didáticos apresentam o ensino de leitura aos alunos?

Como explicado anteriormente, o primeiro foco de análise se encontra nos livros

didáticos selecionados para o desenvolvimento da pesquisa e em suas atividades de

leitura. Assim, em uma primeira subseção, apresento como as unidades dos livros são

organizadas e o lugar que o trabalho com o texto e com a leitura ocupa nelas. Essa

ordenação das atividades no livro e o lugar da atividade de leitura nas coleções

permitem entender as visões de aprendizagem em que os livros se assentam e o papel da

leitura dentro delas. Em seguida, analiso as visões de leitura predominantes nos livros a

partir da contagem e da categorização das questões de leitura apresentadas nos livros e

da análise detalhada de uma atividade de leitura de cada livro didático selecionado para

a pesquisa.

7.1.1. A organização das atividades e o lugar do texto

O primeiro aspecto considerado nessa análise é, então, a forma como as

atividades se organizam nos livros, a fim de que seja possível entender o lugar ocupado

pelos textos nos diferentes livros em relação à organização das sessões que os

constituem. Acredito também que a própria organização das sessões, por si, nos traz

informações sobre como o processo de ensino-aprendizagem da língua espanhola na

escola é visto por cada um dos livros e sobre como se hierarquizam (ou mesmo se

ignoram) os diferentes saberes envolvidos nesse processo.

A seguir, apresento, então, uma descrição de como as unidades e seções dos

livros selecionados para a pesquisa se organizam e do lugar ocupado pelos textos em

cada um deles. Em meio a essa descrição, busco fazer uma análise crítica, tentando

entender como visões de aprendizagem e de cognição e, especificamente, de

aprendizagem da leitura são apresentadas através da forma como as atividades

apresentadas nos livros foram organizadas e propostas aos alunos.

7.1.1.1. “Arriba”

O livro “Arriba” é composto de 9 unidades, cujos títulos representam o tema

desenvolvido em suas seções (“Conociendo el español”, “Y tú, ¿quién eres?”; “Dulce

hogar”, “Nuestra rotina”; “¿Y en tu tiempo libre?”; “Estoy perdido”; “¡Qué hambre!”;

277

“Moviéndonos”; “En el escaparate”). Cada unidade, por sua vez, é composta pelas

seguintes seções:

(a) Abertura – Essa seção é apresentada em uma página de abertura dupla, com o

título da unidade, uma imagem central, os objetivos da unidade (“En esta unidad

aprenderás”) e uma caixa lateral com questões de escuta de uma gravação (“De

entrada”). Em geral, essa gravação apresenta diálogos produzidos originalmente

para o livro. Na página seguinte, apresenta-se o texto que foi lido na gravação.

Em algumas unidades, o texto vem acompanhado de novas questões, neste

momento, já de leitura, uma vez que, segundo as orientações dadas pelo livro, o

aluno deve escutar a gravação novamente, acompanhando-a com a leitura do

texto.

(b) “Pide la palabra” – Essa seção se apresenta a partir da unidade 2, dedicando-se à

apresentação aos alunos de algumas “estruturas comunicativas”, como

saudações e despedidas, por exemplo. Nela, apresentam-se pequenos diálogos

também criados para o livro, que devem ser lidos pelos alunos enquanto escutam

a gravação de sua leitura. Apresentam-se também quadros para a observação das

estruturas enfocadas e exercícios de simulação de uso dessas estruturas.

(c) “En la punta de la lengua” – Seção dedicada ao trabalho com o vocabulário. Em

alguns momentos, são apresentadas listas de palavras e, em outros, textos (orais

e escritos) criados para o livro ou retirados de algum outro meio de divulgação.

Os exercícios dessa seção em geral trabalham com a língua no nível da palavra.

(d) “Descubriendo la gramática” – Essa seção tem como propósito o trabalho com o

que se costuma chamar de elementos gramaticais. Em todas as unidades,

juntamente à seção anterior, é a seção que ocupa o maior número de páginas.

Nela, apresentam-se gravações para que os alunos reproduzam seus conteúdos

(em especial, listas de palavras), além de frases descontextualizadas, tabelas ou

gravações e textos escritos com diálogos criados para o livro, para que se

exemplifiquem os tópicos trabalhados.

(e) “Bolsa de sonidos” – Nessa seção, apresentam-se travalínguas em espanhol e

gravações com a leitura desses travalínguas para que os alunos escutem e

repitam, a fim de que pratiquem a pronúncia de sons específicos.

(f) “Falsos amigos” – Apresentada a partir da unidade 2, essa seção se dedica ao

trabalho com palavras que, supostamente, podem confundir o aprendiz brasileiro

278

por serem semelhantes em sua forma a palavras com significados diferentes em

português. Esse trabalho normalmente é feito com frases e palavras

descontextualizadas e ilustrações.

(g) “Entretextos” – Essa seção, que ocupa no máximo uma página ao final do

capítulo, apresenta pequenos textos retirados de fontes diversas e questões de

leitura.

(h) “Momento de Recreo” – Página final, que não aparece em todas as unidades,

com jogos como forca, “tutti frutti”, tabuleiro, além de adivinhações e piadas e

atividades de desenho.

Com base nessa organização, é possível notar que o trabalho com palavras e

frases descontextualizadas, ou seja, com o vocabulário e com os chamados elementos

gramaticais não inseridos em qualquer tipo de texto, ocupam um espaço muito maior no

livro do que o trabalho com a leitura. Assim, o lugar do texto, na coleção, é ocupado, de

modo geral, por diálogos voltados para o trabalho com o vocabulário ou com elementos

gramaticais específicos e criados especialmente para o livro. Há também o trabalho com

textos de outros gêneros e finalidades, em alguns momentos, mas aqueles predominam,

sobremaneira, em relação a esses outros.

Além disso, mesmo os textos que não são diálogos, em geral, estão a serviço do

trabalho com o vocabulário ou com os elementos gramaticais selecionados para as

unidades. Os nomes das unidades, inclusive, já denunciam que sua organização e sua

seleção se dão em função do vocabulário e dessa gramática descontextualizada

selecionada previamente. A única seção que apresenta um trabalho que, de fato,

pretende desenvolver um trabalho sistematizado com a leitura é a “Entretextos”, que

ocupa a parte final das unidades e, em geral, não ultrapassa o tamanho de uma página do

livro.

Em resumo, mesmo depois de quase dez anos da publicação dos PCN, ainda era

possível encontrar no mercado brasileiro, um livro voltado para o trabalho escolar que

não tinha o texto como elemento central do processo de ensino e aprendizagem do

espanhol como língua estrangeira. Nessa obra, então, o texto, em sua maioria,

artificialmente produzido, é usado, prioritariamente como pretexto ou como forma de

ilustrar usos artificiais de palavras e expressões selecionadas pelas autoras do livro

previamente. Nessa organização, transparece uma visão de política de cognição como

279

recognição e se nota, assim, uma visão predominantemente gramaticalista de ensino de

língua, em que a língua, isolada de seus usos ou em usos artificialmente produzidos, é

tomada como elemento central e dado, sem qualquer possibilidade de in(ter)venção por

parte do aluno.

7.1.1.2. “Radix”

O livro “Radix” é composto de 8 unidades, chamadas de “módulos”, sendo duas

de revisão. Seus títulos, como no livro anterior, representam o tema do vocabulário

central a ser trabalhado na unidade (“Presentaciones”, “Los días de la semana”, “La

família”, “Nuestro cuerpo”, “El vestuario”, “La casa y sus partes”). Todas as unidades,

com exceção das duas de revisão, são compostas pelas seguintes seções:

(a) Abertura – Página de abertura dos módulos, em que se apresentam os

objetivos da unidade (“Aquí vas a aprender...”), fotografias que remetam ao

tema da unidade e algumas questões sobre as imagens ou sobre os temas

nelas representados (“¿Empezamos?”).

(b) Em seguida, na página ao lado, apresenta-se uma seção (na primeira unidade,

são duas), que varia de título segundo o tema trabalhado (“Saludos y

despedidas”, “Conociendo la familia”, “Buscando un piso”, etc.). Nessa

seção, apresenta-se um texto (dialogado ou não) que deve ser escutado e lido

pelo aluno e se remete ao tema da unidade. Em seguida, apresentam-se

questões de leitura/escuta sobre o texto em uma subseção intitulada “Sobre

el texto”. A essa subseção, acompanham-se outras, que variam de unidade

para unidade: “Pratica oralmente”, com frases que devem ser usadas pelos

alunos em situações criadas para o uso em sala de aula; “Amplía tu

vocabulario”, com o vocabulário a ser trabalhado na unidade; “Para que

sepas”, também com um trabalho dedicado ao vocabulário. Todas elas

remetem a expressões ou frases usadas no texto que abre a seção.

(c) “¿Quieres aprender? Gramática” – Essa seção está dedicada ao trabalho com

as chamadas estruturas gramaticais, apresentadas por meio de quadros e

tabelas e acompanhadas de uma subseção intitulada “Practica”, com

exercícios que, em geral, são frases com lacunas a serem preenchidas ou

frases a serem criadas pelos alunos com os tópicos gramaticais estudados.

(d) “¿Quieres aprender? Fonética” ou “¿Quieres aprender? Fonética y

Ortografía” – Essa seção se dedica ao trabalho com os sons da língua

280

espanhola e com suas representações na escrita. Apresentam-se palavras ou

frases que devem ser escutadas pelos alunos, regras de pronúncia ou de

ortografia e frases para que o aluno leia depois da escuta.

(e) “¿Entiendes lo que oyes?” – Seção dedicada a compreensão auditiva, na qual

os alunos devem escutar alguns diálogos produzidos originalmente para o

livro e completar frases com as palavras escutadas ou diálogos com as frases

escutadas.

(f) “¡Diviértete!” – Seção dedicada a atividades supostamente lúdicas, como

reprodução de travalínguas, atividades de leitura de quadrinhos, piadas, e

jogos como forca, quebra-cabeças.

(g) “Leyendo” – Essa é a seção dedicada exclusivamente à leitura. Nela, são

apresentados textos essencialmente literários acompanhados de questões de

leitura a serem respondidas pelos alunos. Interessante observar como o

layout da seção é diferente das outras, inclusive a cor da página em que se

encontra. Essa diferença pode indicar que a seção se apresenta como um

material extra de finalização da unidade.

(h) Além disso, em diversas seções, apresentam-se caixas intituladas “¿Sabías

que...?”, com exemplos de variação linguística ou “curiosidades” sobre os

tópicos trabalhados e “¡Ojo!”, com algum ponto que as autoras do livro

consideram que deva ser focado.

(i) As unidades de revisão são formadas por uma seção de abertura

(“¿Empezamos?”) na qual os alunos devem conversar sobre as imagens

apresentadas; uma seção de escuta acompanhada de perguntas a serem

respondidas pelos alunos; uma seção de revisão dos tópicos gramaticais; e

uma seção final com a leitura de piadas.

Sobre o lugar ocupado pelo texto nesse livro, então, pode-se notar que, na

verdade, são dois, de naturezas diferentes. O primeiro é a abertura da unidade, através

de textos criados para o livro com a função de trabalhar o vocabulário e o tema da

unidade. O segundo é a seção “Leyendo”, em que textos literários são apresentados

acompanhados de questões de leitura. Ambas as seções, em todos os módulos, não

chegam a ultrapassar duas páginas de tamanho. Cabe dizer também que, em outras

seções, aparecem outros textos, como também diálogos feitos para o livro, ou poemas e

281

tirinhas em quadrinhos retirados de outras fontes. Entretanto, a leitura desses textos não

é sistematizada, uma vez que sua função é apenas exemplificar os tópicos lexicais ou

gramaticais trabalhados. Novamente, os títulos das unidades denunciam que a

organização do livro e, consequentemente, a seleção dos textos se dá em função dos

tópicos gramaticais e de vocabulário selecionados previamente e não o contrário – ou

seja, o vocabulário e a gramática sendo trabalhada em função dos textos.

A partir dessa organização, muito próxima à do livro anterior, pode-se observar

que há uma forma de conceber o aprendizado de línguas estrangeiras que se repete. Tal

forma é marcada por um trabalho que prioriza as palavras, as expressões e as frases

descontextualizadas, a partir da crença de que o domínio da língua viria do menor nível

para o maior nível. Não à toa os tópicos e temas trabalhados nos dois livros são muito

semelhantes. A abordagem desses tópicos e temas também é muito semelhante: com

base na apresentação de quadros, tabelas e textos produzidos para os livros com

palavras, expressões e frases destacadas e exercícios que solicitam, de diferentes modos,

a repetição desses elementos.

O texto, novamente em sua maioria artificialmente produzido, é usado, como

pretexto ou como ilustração de usos artificiais de palavras e expressões selecionadas

pelas autoras do livro. Vê-se assim o cruzamento de uma perspectiva behaviorista com

uma proposta gramaticalista, disfarçada de comunicativa, apesar de os dois livros

citarem os PCN como documento norteador. Nesse cruzamento, o texto, se não é

pretexto ou ilustração, é elemento extra no processo de ensino-aprendizagem, ocupando

espaço semelhante ao das supostas atividades lúdicas.

Nessas duas obras, anteriores ao PNLD, manifesta-se uma organização que

aponta para uma visão de aprendizagem como repetição do já dito e a interação é posta

como momento de reprodução. Segue-se um modelo que fora, durante muito tempo,

predominante nos chamados cursos livres de línguas. Dessa forma, pode-se notar que a

criação dos PCN, por si, não foi capaz de alterar, mesmo quase dez anos depois de sua

publicação, a forma como a aprendizagem de línguas estrangeiras era vista pelo ensino

de espanhol na escola brasileira. A partir dos próximos livros, pode-se observar se,

então, a entrada dessa disciplina no PNLD foi capaz de alterar essa situação.

7.1.1.3. “Entérate”

O livro “Entérate” é composto de 8 unidades de conteúdos, além de apresentar

ao final um “Apéndice”, com exercícios complementares de compreensão auditiva, de

282

prática de pronúncia, passatempos e uma seção de leitura com uma narrativa maior

(“Celebrar el cumpleaños en España”). Os títulos das unidades, como nos livros

anteriores, também fazem referência aos temas trabalhados nos vocabulários das

unidades e às estruturas gramaticais enfocadas nelas (“¡Bienvenidos/as al curso de

español!”, “¡Qué bien se está entre amigos!”, “Así es donde vivo”, “Hogar, dulce

hogar”, “Más vale prevenir que curar”; “Cada cosa a su tiempo”, “Rutina, rutina,

rutina”, “Vamos a celebrar...”). Cada uma dessas unidades é subdivida em unidades

menores, que tratam de temas específicos relativos ao tema maior das unidades que as

unem. Por exemplo, a unidade 2 – “¡Qué bien se está entre amigos!” – é composta pelas

subunidades “Nos encontramos en el aula...”, “Los/as compañeros/as del “cole”,

“Los/as nuevos/as amigos/as”.

Entre essas subunidades, aparece, em diversos momentos, mas de forma não

necessariamente regular, uma subunidade chamada “Gramática”. Essa subunidade se

constrói de diferentes maneiras ao longo do livro, dedicando-se essencialmente ao

trabalho com um tópico gramatical específico. Esse tópico, em geral, é apresentado por

meio de tabelas, regras breves e/ou exemplos de frases. Dentro dela, podem aparecer

exercícios de diferentes tipos.

Com exceção da primeira unidade, que é uma unidade de apresentação composta

por um jogo de sete erros, um mapa-múndi com informações sobre diversos países, um

jogo de perguntas e respostas, e uma questão final (“Estudio español porque...”), as

unidades (e subunidades, inclusive as chamadas de “Gramática”) do livro são compostas

pelas seguintes seções, que se apresentam de forma variada, tanto em relação à ordem

como em relação à quantidade:

(a) Abertura – Toda unidade abre com algum tipo de jogo: jogo dos sete erros,

caça-palavras, achar os intrusos, labirinto, palavras cruzadas, etc.

(b) Hablar – As seções dedicadas ao trabalho com a fala apresentam atividades

de tipos variados, tais como, por exemplo, organizar a lista dos alunos da

turma em ordem alfabética, elaborar diálogos ou discutir com colegas a

partir de questões referentes à temática de um texto lido. Para realizar

algumas dessas tarefas, o livro oferece possibilidades de perguntas e

respostas que podem ser usadas pelos alunos.

(c) “Leer” – Na seção de leitura, aparecem textos criados especialmente para o

livro, como uma lista de chamada de uma turma de uma escola “hispana”,

283

anúncios de busca de amizades, caixas de texto com os dias da semana etc.,

ou textos literários escritos originalmente em outros suportes e incluídos no

livro especificamente para o trabalho com a leitura ou para o trabalho

conjunto com outras habilidades, a partir de atividades diversas. Esses textos

são acompanhados de algumas questões a serem respondidas pelos alunos.

(d) “Escribir” – Esta seção apresenta tarefas variadas com diferentes atividades

consideradas pelo livro como tarefas de escrita. Entre elas, podemos citar:

colocar palavras em ordem alfabética, completar ou escrever frases com

elementos gramaticais anteriormente apresentados, criar anúncios buscando

amigos, completar um jogo de palavras cruzadas, organizar uma agenda das

atividades dos próximos dias.

(e) “Escuchar” – Dedicada à compreensão oral, trabalha com a escuta da leitura

em voz alta de textos escritos originalmente em outros suportes ou textos

dialogados criados especialmente para o livro. Esses textos são

acompanhados de exercícios de completar lacunas com letras ou palavras

escutadas, exercícios de verdadeiro ou falso, questões de múltipla escolha,

etc. Alguns textos aparecem transcritos e são usados também na seção

“leer”. Além disso, também são inseridas nessa seção frases que devem ser

escutadas para que se completem as lacunas com elementos gramaticais

anteriormente apresentados ou mesmo palavras para que os alunos as

reconheçam.

(f) “Taller de creación” – Apresentam-se ao final de cada duas unidades, com

tarefas de produção a serem desenvolvidas por grupos de alunos ou pela

turma inteira. Buscam levar os alunos a produzirem: um mural ou cartaz com

nacionalidades, um trabalho sobre uma família e seu entorno, a confecção de

um convite.

Nessa obra, já é possível notar um momento de transição. O livro não mais se

organiza como os anteriores, sendo o primeiro livro a se dividir em seções por

habilidades trabalhadas (leitura, fala, escrita e escuta). Os textos apresentados já são de

natureza diversa, porém o lugar ocupado por eles se mostra de um modo difuso. As

atividades de escuta, de leitura e de escrita permeiam todo o livro, o que poderia levar à

conclusão de que os textos também permeiam toda a obra. Entretanto, em meio a textos

284

literários ou mesmo a textos criados especialmente para o livro, aparecem frases soltas e

descontextualizadas, pequenos parágrafos que não chegam a constituir um texto, listas

de palavras, etc. Todos ocupando os mesmos espaços, a depender das unidades em que

se encontram.

Em geral, mesmo os textos literários são apresentados como meio para que os

alunos completem lacunas a partir do que escutam nas gravações ou para a prática dos

elementos lexicais e gramaticais estudados. Interessante observar que a maior parte dos

textos literários incluídos no livro se encontra ao final, na unidade denominada de

“Apéndice”, e, dentro dela, na seção “Ejercicios complementarios de Comprensión

Auditiva”. Ao final do livro, aparece ainda um texto extra – um conto de 10 páginas,

aparentemente produzido para fins didáticos, intitulado “Celebrar el cumpleaños em

España”, acompanhado de uma chamada “Actividades postlectura”.

Dessa forma, se, por um lado, é importante observar que o contato do aluno com

textos não artificiais e de diferentes gêneros é maior nesse livro do que nos anteriores,

por outro, é preciso ressaltar que esse contato ainda se dá dentro do mesmo modelo de

ensino e dentro da mesma concepção de aprendizagem. Esses textos ainda são

selecionados em função dos elementos gramaticais e do vocabulário a serem

trabalhados nas unidades. O trabalho com esses elementos e com o vocabulário, apesar

de mais disperso ao longo das unidades, ainda é baseado no mesmo modelo de repetição

dos itens focalizados pelas autoras da coleção. Inclusive, os temas e tópicos lexicais e

gramaticais trabalhados também são muito próximos dos selecionados pelos livros

anteriores. Mantém-se, portanto, uma organização que ainda remete a políticas

recognitivas, em um ensino predominantemente gramaticalista, centrado nos elementos

linguísticos selecionados para o trabalho nas unidades do livro.

7.1.1.4. “Saludos”

O livro “Saludos” é composto por 8 unidades, um glossário e 4 unidades extra

apresentadas ao final e intituladas “Actividades de lectura”. Os títulos das unidades,

como nos livros anteriores, fazem referência aos tópicos lexicais e/ou gramaticais

trabalhados, de forma até mais restrita do que no livro anterior (“Hola, ¿qué tal?”,

“¿Cómo somos?”, “Mi família es así”, “A la escuela”, “A la mesa”, “Me gustan los

animales”, “Todos los días pasa lo mismo”, “¿Qué está haciendo la gente?”).

Diferentemente do livro “¡Entérate!”, também aprovado no mesmo edital, todas as

285

unidades desse livro se apresentam de uma mesma maneira, no que se refere à

organização e à apresentação de suas seções aos alunos. São elas:

(a) “Así se dice” – Essa é a seção de abertura das unidades. Ela se apresenta em

página dupla, com fotos de crianças ao fundo e pequenos textos, em primeira

pessoa, em que essas crianças se apresentam em relação ao tema da unidade.

Os textos são lidos em uma gravação que deve ser escutada pelos alunos.

(b) “Así lo dices” – Seção dedicada ao trabalho com a leitura/escuta dos textos

anteriormente apresentados, com questões a serem respondidas

discursivamente pelos alunos. Ao final dessa sequência de questões, inclui-

se uma que solicita ao aluno a produção de um pequeno texto, a partir do

modelo lido. Podem ser incluídas nessa seção também exercícios de

vocabulário, a partir dos textos apresentados na abertura da unidade.

(c) “Charla” – Seção dedicada ao trabalho com a compreensão e com a

produção oral. Os alunos devem escutar um diálogo criado especialmente

para o livro e responder a questões de escuta. Apresenta-se o diálogo

transcrito para que o aluno complete as lacunas com as palavras que estão

faltando. Podem apresentar-se questões de leitura/escuta ou não. Também se

incluem exercícios para que os alunos pratiquem o uso de expressões

apresentadas no livro ou a discussão sobre questões relativas à temática da

unidade.

(d) “Y canta” – Essa seção aparece em apenas duas unidades do livro. Nela,

apresentam-se canções compostas especialmente para o livro e que devem

ser escutadas pelos alunos.

(e) “Como se usa” – Essa é a seção dedicada ao trabalho com os tópicos

gramaticais escolhidos para serem desenvolvidos nas unidades. Todas se

iniciam com uma tirinha ou charge na qual se exemplifica o tópico (ou os

tópicos) trabalhado na sessão. Depois da tirinha ou da charge, podem

aparecer ou não algumas questões de leitura a serem respondidas oralmente

com foco no tópico gramatical exemplificado. Em seguida, apresentam-se

questões para que os alunos pratiquem o uso dos elementos estudados, em

geral, exercícios de relacionar itens, formar frases e/ou de completar lacunas.

Também se incluem questões em que os alunos são levados a produzirem

pequenos parágrafos. Os elementos gramaticais são sistematizados em

286

tabelas e quadros dispostos nas laterais das páginas. Charges, tirinhas e

pequenos textos de outros gêneros também podem aparecer ao longo dessa

seção, como base para exercícios de sistematização dos tópicos gramaticais

estudados.

(f) “Algo más” – Nessa seção, são trabalhados temas diversos, a partir de textos

criados para o livro ou anteriormente publicados em outros suportes. Entre

esses temas, encontram-se questões de pronúncia, em especial, escuta da

leitura de textos escritos, repetição de palavras e leitura em voz alta, além de

charges, jogos de lógica, adivinhações.

(g) “Lee y reacciona” – Nesta seção, são apresentados alguns textos adaptados

de outras fontes, acompanhados de questões de leitura de diversos tipos e

atividades de produção de pequenos textos a partir do que foi lido.

(h) “Proyecto” – A cada duas unidades, é apresentado um projeto, com

diferentes atividades: um festival de poesia, um álbum de fotos, um livro de

receitas e transformar uma fábula em uma tirinha.

(i) “Repaso” – A cada duas unidades, apresentam-se exercícios de revisão de

diferentes tipos: relacionar itens, caça-palavras, palavras cruzadas, completar

tabelas de conjugação, escrever ou produzir oralmente frases e pequenos

textos, completar lacunas, adivinhações.

A partir da análise da obra e da descrição apresentada anteriormente, podemos

observar que o texto ocupa lugar central em algumas seções do livro. Nas seções “Así se

dice” / “Así lo dices”, na seção “Charla” e na seção “Y canta” se apresentam textos

criados especialmente para o livro. Porém, muitos deles novamente servem basicamente

para o aprendizado de determinadas estruturas linguísticas, que seriam o foco das

unidades. A seção “Lee y reacciona” também tem o texto como elemento central. Nela,

se incluem textos extraídos de outros suportes, adaptados ou não e se apresenta um

trabalho mais sistematizado com a leitura. Em outros momentos, os textos também se

fazem presente, mas são mais explicitamente postos para exemplificar certos usos

gramaticais, lexicais e/ou de pronúncia. Ao final do livro, aparecem quatro apêndices

denominados “Actividades de lectura”, em que se apresentam textos e atividades sobre

esses textos.

287

Mais uma vez, é possível notar uma proposta de coleção na qual o aluno pode ter

uma relação maior com textos variados, como preconizam os PCN e o edital do PNLD,

mas essa relação continua acontecendo dentro do mesmo modelo de ensino-

aprendizagem e manifesta a mesma política cognitiva. Os textos prosseguem, em sua

maior parte, ocupando o lugar de pretextos para a apresentação de elementos lexicais e

gramaticais. O trabalho com esses elementos continua também baseando-se no modelo

da repetição. Os temas e tópicos lexicais e gramaticais trabalhados também continuam

muito próximos dos selecionados pelos livros anteriores. A seção dedicada à leitura de

textos não artificialmente produzidos para o livro também continua ocupando poucas

páginas. No caso desse livro, especificamente, é interessante observar como a leitura

não aparece nos momentos de revisão, o que demonstra que o foco central do trabalho

do livro não é esse.

Dessa forma, observando as duas coleções aprovadas no PNLD 2011, é possível

notar que o texto entra de forma mais presente nos livros didáticos, a partir da entrada

das línguas estrangeiras no PNLD. Entretanto, o cruzamento de uma perspectiva

behaviorista com um ensino gramaticalista continua prevalecendo, mesmo que,

novamente, os PCN sejam citados como documento norteador. Assim, o texto deixa de

ser tratado como um elemento extra no processo de processo de ensino-aprendizagem,

mas seu lugar central ainda é de pretexto para o ensino de gramática ou de vocabulário.

O primeiro edital do PNLD, portanto, conseguiu mudar quantitativamente o

trabalho com os textos, mas não qualitativamente a estrutura dos livros e o lugar do

texto dentro dela. Tampouco conseguiu mudar a visão de aprendizagem proposta por

esses materiais: continua-se acreditando que a aprendizagem se dá pela repetição e a

interação continua sendo colocada como momento de reprodução.

Assim, a perspectiva escolar de trabalho com a língua espanhola, nesse edital,

ainda não conseguiu se livrar da tradição das práticas desenvolvidas nas décadas

anteriores, como se pôde ver no histórico apresentado no capítulo 3. O ensino

prosseguiu sendo o mesmo do século passado. Nesse sentido, cabe destacar que tanto os

PCN como os editais do PNLD apresentam concepções que oscilam entre uma

perspectiva recognitiva de aprendizagem e uma perspectiva inventiva, predominando

muito mais aquela do que essa. Também cabe ressaltar, mesmo assim, a decepção

encontrada pelos avaliadores do primeiro edital em relação às obras inscritas, como

apontou González (2010).

288

7.1.1.5. “Ventana”

O livro “Ventana”, como apontado anteriormente, não aparece na lista dos

aprovados em nenhum dos dois editais envolvidos nesta tese. Ele é composto de 8

unidades, sendo duas de “Repaso”. Além dessas unidades, apresentam-se ainda outras

duas intituladas “Proyecto interdisciplinario”, um “Cuaderno de ejercicios” e um de

“Apéndices”. Os títulos das unidades, como nos livros anteriormente analisados, fazem

referência aos temas nelas trabalhados e apresentam uma relação direta com os

conteúdos lexicais focalizados (“El mundo habla español”, “Hola, ¿qué tal?”, “Hora de

aprender”, “Lazos de família”, “Cómo somos”, “Mi casa, tu casa”). Todas as unidades

desse livro se organizam segundo um mesmo padrão, com as mesmas seções

organizadas de uma mesma maneira, inclusive em relação ao tamanho e número de

páginas que ocupam em cada unidade. São elas:

(a) “Abertura” – A abertura da unidade se dá em página dupla com uma

grande imagem, que se relaciona ao seu tema, além de três subseções: “Serás

capaz de...”, que apresenta os objetivos da unidade; “¿Qué sabes?”, em que se

propõem questões sobre os conhecimentos prévios dos alunos acerca do tema

tratado ao longo da unidade; “A empezar”, na qual os alunos devem ouvir uma

gravação (que podem ser diálogos produzidos especialmente para o livro ou

textos de gêneros diversos retirados da internet e/ou de outras fontes) e

responder a questões sobre essa gravação.

(b) Logo após a página dupla de abertura, apresenta-se a versão escrita do

texto ouvido acompanhada de questões de leitura.

(c) “Cajón de letras” – Sessão dedicada ao trabalho com o vocabulário,

apresentado geralmente por meio de listas de palavras e exercícios que solicitam

sua repetição.

(d) “Acércate” – Sessão dedicada ao trabalho com os elementos gramaticais

selecionados. Em geral, esses elementos são apresentados por meio de tabelas,

quadros e listas de palavras. Apresentam-se também exemplos de usos por meio

de ilustrações tratadas pelo livro como se fossem textos: em realidade, são cenas

isoladas nas quais os personagens usam algum ou alguns dos elementos

trabalhados na seção em frases apresentadas em balões. Os exercícios que

acompanham as explicações e apresentações dos conteúdos, em geral, não saem

289

do nível da frase e trabalham com o preenchimento de lacunas, a escrita e a

reescrita de frases.

(e) “Lengua en uso” – Essa seção apresenta determinadas frases ou

expressões que se possam dizer em espanhol para determinados objetivos (“para

pedir permiso”, “para presentar a otra persona”, “para preguntar grados de

parentesco o relación”, etc.) e exercícios de completar diálogos apresentados por

meio de ilustrações e de criação de diálogos com colegas de classe. Nessa seção,

também se apresentam gravações com monólogos ou diálogos criados

especialmente para o livro e exercícios de escuta desses textos.

(f) “Contextos” – Seção em que se trabalha a leitura de um gênero textual

específico, com questões de leitura do texto lido e uma proposta breve de

produção de um texto de mesmo gênero pelos alunos.

Há também unidades que fogem a esse padrão dentro do livro, uma vez que

propõem trabalhos específicos:

(g) “Proyecto interdisciplinario” – Um dos projetos busca levar os alunos a

investigarem sobre os imigrantes que vivem em sua comunidade e a apresentar

os resultados de suas pesquisas, feitas por meio de entrevistas, aos colegas de

turma. No segundo, os alunos devem pesquisar sobre os diferentes tipos de casas

existentes no mundo e compartilhar os resultados da pesquisa com os colegas.

(h) “Cuaderno de ejercicios” – Apresentam-se exercícios de revisão de tipos

variados, entre eles, algumas questões de leitura de pequenos textos

originalmente apresentados em outros suportes.

(i) “Apéndices” – Nos apêndices, apresentam-se “fichas de estudio” dos

tópicos lexicais e gramaticais trabalhados nas unidades” e uma “autoevaluación”

sobre esses itens; uma seção denominada “¡Fíjate en la pronunciación!”, com

alguns trava-línguas para que os alunos os leiam e ouçam uma gravação na qual

eles são lidos; um “Glosario”; uma seção denominada “Para ir más allá”, com

sugestões de filmes, livros, sites e canções sobre os temas das unidades.

Assim, com base nessa configuração, é possível notar que o texto, nessa coleção,

possui lugares bastante delimitados, apresentando-se como elemento central na abertura

e no encerramento das unidades. Na abertura, apresenta-se o mesmo texto em uma

290

gravação e por escrito e um trabalho com a escuta e com a leitura desse texto e, no

encerramento, apresenta-se um trabalho sistematizado com o texto escrito através de um

determinado gênero textual selecionado. Além disso, ele aparece também, mas de forma

menos sistematizada nas gravações apresentadas na seção “Lengua en uso”, e no

“Cuaderno de ejercicios” apresentado ao final do livro.

Pode-se observar, então, que, pela primeira vez, o texto deixa de ocupar o lugar

de pretexto para o ensino de elementos gramaticais e lexicais. É a primeira vez que o

texto chega a ser trabalhado, em uma seção própria para isso, como efetivamente texto,

a partir da ideia de ensino de gêneros textuais. Além disso, ainda que, na primeira seção,

os textos tenham sido selecionados ou criados em função do vocabulário neles

apresentado, nota-se um trabalho com a leitura e com a escuta que extrapola o pretexto

para o aprendizado de palavras e de estruturas gramaticais. Entretanto, o trabalho com

os itens lexicais, com as estruturas e elementos gramaticais ainda se mantem no mesmo

padrão de prática reprodutora. Os temas e tópicos lexicais e gramaticais trabalhados

seguem semelhantes aos dos livros anteriores.

Apesar do trato com o texto se apresentar de uma forma diferente nesse livro, ele

ainda ocupa lugares isolados dentro das unidades. Assim, se, por um lado em relação à

abordagem do texto, há um avanço, por outro, há um retrocesso, na medida em que não

há diálogos estabelecidos de maneira sistematizada entre as seções. Assim, gramática e

vocabulário são trabalhados aqui como elementos descontextualizados, sem que estejam

inseridos efetivamente em textos analisados pelos alunos. Os textos, principalmente os

da última seção, desse modo, podem, voltar a ser entendidos, por um professor que

adote uma prática gramaticalista, como elementos extras. Nesse sentido, é importante

observar que as unidades de revisão trabalham especificamente com os itens gramaticais

e lexicais apresentados nas unidades anteriores, o que revela o lugar de prioridade que o

livro dá ao trabalho com eles em relação ao trabalho com a leitura ou com a produção.

Dessa vez, então, apresenta-se uma proposta que permite ao aluno ter uma

relação diferente com os textos lidos, tomando-os efetivamente como objeto de

aprendizagem, mas não há como afirmar que essa relação se construa, a partir de uma

política cognitiva diferente, antes de se fazer uma análise detalhada desse trabalho. O

que se pode afirmar é que, de modo geral, a visão de ensino de língua estrangeira

predominante é a mesma, construída pelo cruzamento de uma perspectiva behaviorista a

uma proposta gramaticalista, posto que se continua acreditando, de modo geral, que a

291

aprendizagem se dá pela repetição e a interação ainda é vista como espaço para a

reprodução. Mesmo que, novamente, os PCN sejam citados como documento norteador,

o trabalho com o texto parece deslocado da proposta geral do livro. Mantem-se, como

comentado anteriormente, uma perspectiva escolar de trabalho com a língua espanhola

presa à tradição das práticas desenvolvidas nas décadas anteriores, ainda que

complementada por uma nova abordagem sobre o texto.

7.1.1.6. “Cercanía”

Parto, então, para os livros aprovados no edital do PNLD 2014, na tentativa de

verificar se, após um segundo processo de seleção, esse lugar do texto foi, enfim,

alterado. O livro “Cercanía” também é composto de 8 unidades, além de algumas seções

ao final intituladas “Chuleta linguística: ¡no te van a pillar!”, “Para ampliar: ver, leer oír

y navegar”, “Glosario” e “Referencias bibliográficas”. Os títulos das unidades, como

ocorre em outros libros, fazem referência aos temas nelas trabalhados (“Identidad: ¡a

comparar los otros conmigo!”, “Cine en casa: ¡a convivir con la familia y la pandilla”,

“Noticias de nuestro entorno: ¡a cuidar el medio ambiente!”, “Autoestima en test: ¡a

gustarse y a cuidarse!”, “Recetas para disfrutar: ¡a distribuir la comida!”, “Reglas para

un juego limpio: ¡a tener deportividad!”, “Derecho y justicia: ¡a protestar en contra de

los prejuicios!”, “Itinerarios de viaje: ¡a planificar las vacaciones!”). É interessante ver

como esses títulos trazem outra perspectiva para o centro das unidades: há uma

proposição de ações para os alunos e eles parecem trazer os gêneros textuais para um

lugar de foco e não o léxico ou “estruturas comunicacionais” como nos livros anteriores.

Todas as unidades do livro se organizam segundo um mesmo padrão, com as

mesmas seções organizadas de uma mesma maneira. São elas:

(a) Abertura – A abertura da unidade se dá em página dupla, como em outros

livros já analisados e é composta por um quadro grande com imagens e

pequenos textos referentes ao tema da unidade; pelos objetivos da unidade na

subseção “En esta unidad...”, pela subseção “¡Para empezar!, com questões

sobre as imagens e pequenos textos de abertura e questões de conhecimento

prévio sobre o tema da unidade, além de uma caixa (“Transversalidad”) com

a explicitação do tema transversal tratado na unidade.

(b) “Lectura” – A seção de leitura se divide em subseções, a saber: “Almacén de

ideas”, dedicada ao trabalho de ativação e de construção de conhecimentos

prévios e/ou à construção de hipóteses sobre o que será lido no texto

292

principal a ser lido na subseção “Red (con)textual”. Esse trabalho pode se

dar, inclusive, por meio da leitura de outros textos que, de alguma maneira,

se relacionam com os textos principais. Essas duas seções são acompanhadas

da seção “Tejiendo la comprensión”, em que se apresentam questões de

leitura sobre o texto lido.

(c) “Escritura” – A seção de escritura também se divide em subseções, a saber:

“Conociendo el gênero”, na qual os alunos leem e analisam um texto

representativo do gênero textual a ser produzido por eles; “Planeando las

ideas”, em que os alunos são levados a refletirem sobre como serão os textos

que produzirão, a partir de algumas questões propostas pelo livro ou da

leitura de outros textos que os façam refletir sobre esse planejamento; “Taller

de escritura”, momento em que os alunos devem produzir os textos a partir

das instruções apresentadas pelo livro; “(Re)escritura”, quando os alunos são

instruídos a revisarem seus textos a partir das orientações apresentadas pelo

livro.

(d) “Vocabulario en contexto” - Essa seção, na verdade, apresenta-se como

subseções dentro das seções de “Lectura” e “Escritura”. Nela, apresentam-se

alguns itens lexicais a partir dos textos lidos.

(e) “Gramática en uso” – Essa seção também apresenta-se como subseção das

seções apresentadas anteriormente. Nela, são trabalhados alguns tópicos

gramaticais, a partir de exemplos retirados dos textos. Inicialmente,

apresentam-se algumas questões que levam os alunos a analisarem esses

exemplos. Em seguida, apresenta-se a sistematização desses tópicos

gramaticais a partir de tabelas e listas de exemplos. Por fim, apresentam-se

exercícios, em geral, também de completar lacunas com os itens gramaticais

estudados.

(f) “Habla” – Essa é a seção do livro dedicada à prática da produção oral. Ela

também se divide em subseções, a saber: “Lluvia de ideas”, momento em

que os alunos são levados a ativar e/ou construir conhecimentos prévios

sobre a produção oral que desenvolverão através da leitura de textos, de

exercícios focados no vocabulário que usarão; “Rueda viva:

comunicándose”, momento em que os alunos devem produzir o texto

oralmente, interagindo com os colegas de classe; “A concluir”, subseção em

293

que os alunos devem sumarizar parte dos conhecimentos construídos em

interação com os colegas.

(g) “Escucha” – Seção dedicada ao trabalho com a compreensão auditiva. Como

as outras seções, essa também se divide um subseções: “¿Qué voy a

escuchar?”, também dedicada à ativação e construção de conhecimentos

prévios e/ou à construção de hipóteses sobre o que ouvirão; “Escuchando la

diversidad de voces”, momento em que os alunos ouvem a gravação e

respondem a algumas questões de identificação; “Comprendiendo la voz del

otro”, em que os alunos devem responder às questões de escuta; “Oído

perspicaz: el español suena de maneras diferentes”, subseção dedicada ao

trabalho com a percepção dos sons que formam a língua espanhola, a

variação de pronúncias e suas relações com a escrita, em especial, a

ortografia.

(h) “Culturas em diálogo – nuestra cercanía”: Essa seção, apresentada ao final

das unidades, trabalha o conhecimento de aspectos culturais específicos dos

países em que a língua espanhola é falada. Nessa seção, podem aparecer

alguns textos ou as informações são dadas por meio de frases e parágrafos

criados pelos autores do livro.

(i) “¿Lo sé todo? (Autoevaluación)” – Apresenta questões de autoavaliação

sobre os diferentes elementos trabalhados na unidade: “Lectura”,

“Escritura”, “Escucha”, “Habla”, “Gramática”, “Vocabulario”, “Cultura”,

“Reflexión”.

(j) “Glosario virtual” – Apresentam-se algumas palavras através de imagens e

de pequenos parágrafos.

(k) “Repaso: ¡juguemos con el vocabulario y la gramática!” – A seção de

revisão, apresentada a cada duas unidades, traz alguns jogos para que os

alunos revisem os conteúdos lexicais e gramaticais vistos nas unidades

anteriores.

(l) Ao final, se apresentam ainda a “Chuleta lingüística: ¡no te van a pillar!”,

pequena gramática para consulta dos alunos; “¡Para ampliar!: ver, leer, oír y

navegar”, apresenta dicas de outras fontes de consulta aos alunos;

“Glosario”, pequeno glossário de uma página e as “Referencias

Bibliográficas”

294

Pode-se observar, com base nessa descrição, que esse livro se organiza de uma

forma completamente diferente da dos livros anteriormente analisados. Nele,

definitivamente, o texto ocupa lugar central em sua organização, uma vez que as quatro

seções principais se organizam em função dele: duas de compreensão e duas de

produção. Além disso, observa-se uma tentativa de que a gramática e o vocabulário

sejam ensinados a partir dos textos lidos. Essa tentativa se mostra mais claramente no

fato de que tanto a gramática como o vocabulário são trabalhados em subseções dentro

das quatro seções citadas anteriormente. Isso também comprova o lugar central do texto

na organização do livro, ainda que, muitas vezes, para o trabalho dessas subseções, os

textos sejam usados apenas como pretextos ou como fontes de exemplos não analisados

propriamente em função dos sentidos construídos por eles nos textos.

É importante ressaltar que se reconhece, nessa organização, que a aprendizagem

se constrói também com base no que o aluno já sabe e não apenas no que o livro traz de

conhecimentos novos, tendo em vista o fato de que todas essas seções se organizam em

três etapas: uma inicial que serve para a ativação e construção de conhecimento prévio

para o desenvolvimento das tarefas, uma segunda com tarefas de leitura, fala, escrita ou

escuta e uma terceira com atividades de pós-leitura, de reescrita e/ou de avaliação do

que foi feito. Além disso, o fato de o vocabulário e de os elementos gramaticais estarem

inseridos dentro das grandes seções focadas nas quatro habilidades mostra também uma

busca por integrar esse trabalho ao trabalho com o texto e, dentro das unidades, de se

fazer um trabalho integrado entre todas as seções. Ao final de tudo, encontra-se ainda

uma proposta de autoavaliação que busca abarcar todo o trabalho desenvolvido ao longo

da unidade.

Dessa forma, é possível dizer que há, enfim, uma ruptura com a tradição advinda

de uma abordagem behaviorista e gramaticalista, posto que esse é o primeiro livro a

romper efetivamente com o padrão organizacional que aparecia nos livros anteriores. Os

momentos de interação, centrados na compreensão e produção de textos orais e escritas,

parecem sair do modelo de reprodução e caminhar para a abertura a modelos de

invenção, que, aqui, aconteceriam a partir das tarefas postas pelo livro. Não há como

negar a presença de atividades que ainda partem do modelo de reprodução,

principalmente nas seções de gramática e vocabulário, em que as tarefas propostas ainda

se aproximam do mesmo modelo usado nos livros anteriores. Entretanto, esses

295

conteúdos já não são postos como centrais na organização do livro. Cabe, em seguida,

avaliar como efetivamente o trabalho com a leitura acontece no livro.

7.1.1.7. “Formación”

O livro “Formación” é composto de 4 unidades, organizadas em função de

objetivos específicos e de um objetivo geral para o livro, apresentados no sumário. Os

títulos das unidades fazem referência aos temas nelas tratados: “Mi mundo y yo”

(“Objetivo: Elaborar un blog”), “En América Latina” (“Objetivo: Elaborar un texto

descriptivo”), “Formas de vivir” (“Objetivo: Describir un barrio”), “Las ciencias

nuestras de cada día” (“Objetivo: Describir un plato típico regional”). O objetivo geral

do livro é: “Al término del año lectivo, el alumno deberá ser capaz de elaborar una

receta culinaria, describiendo cada etapa de realización”. A organização interna das

unidades não se repete entre elas, porém todas são compostas pelas mesmas seções, que

variam de tamanho, número e ordem, ao longo do livro. São elas:

(a) Abertura – Cada unidade abre em página única em que se apresenta uma

ilustração, o número e o título da unidade, os temas nela trabalhados e seu

objetivo.

(b) “Calentando el motor” – Essa seção abre todas as unidades e apresenta

algum trabalho inicial com o tema a ser desenvolvido: a imagem de fictícios

autores da coleção, um jogo de buscar elementos em uma imagem, a leitura

do poema “A casa” para que o aluno a desenhe, um infográfico com a

explicação do ciclo da água. Não necessariamente essa seção cria ou ativa

conhecimentos prévios para o desenvolvimento específico das tarefas

seguintes.

(c) “Escuchando” – Essa seção está dedicada ao trabalho com a compreensão

auditiva e aparece em distintos momentos das unidades. Em geral, são textos

escritos e lidos para a gravação. Nessa seção, podem incluir-se as

transcrições dos textos ouvidos ou não, a depender da atividade. Esses textos

podem ter sido criados pelos autores do livro ou selecionados de outras

fontes de consulta.

(d) “Puerta de acceso” – Seção dedicada à leitura, traz alguns textos produzidos

pelos autores do livro e/ou retirados de outros suportes e questões sobre eles.

Pode-se desenvolver em uma mesma seção o trabalho com mais de um texto

296

ou com um texto só. Alguns dos textos trazidos podem ter sido apresentados

anteriormente na seção “Escuchando”.

(e) “Explorando el texto” – Essa seção desenvolve um trabalho a partir dos

textos lidos, mas não necessariamente relativos à ele, uma vez que, além de

questões sobre a leitura dos textos, podem-se apresentar questões que o

tenham como pretexto para o trabalho com temas que de alguma maneira se

relacionem com eles ou com os usos de determinadas estruturas

comunicativas. Nessa seção, podem-se apresentar também outros textos para

o desenvolvimento desses aspectos.

(f) “Practicando la lengua” – Essa seção se dedica ao uso de alguns elementos

linguísticos selecionados pelos autores do livro. Esses elementos são, em

geral, apresentados ao início da seção e alguns exercícios apresentados são:

completar as lacunas deixadas em textos criados especialmente para o livro

ou retirados de outras fontes com os elementos apresentados, transformar

frases e criar frases ou pequenos textos usando-os. Além disso, algumas

questões de análise do uso desses elementos podem se apresentar em

algumas seções. Também se apresentam algumas atividades lúdicas nessa

seção.

(g) “Interactuando con el texto” – A partir de algum tema tratado no texto,

desenvolve-se algum trabalho que extrapole sua leitura (por exemplo: nomes

e apelidos em espanhol; o tango na Argentina; etc.). Nessa seção, podem-se

apresentar também outros textos para o desenvolvimento desses aspectos e

questões relativas à sua leitura.

(h) “Punto de apoyo” – Seção também dedicada ao uso de alguns elementos

linguísticos específicos. Esses elementos são apresentados em quadros ao

início da seção e praticados por meio de exercícios de formação de frases.

Alguns itens lexicais também são trabalhados nessa seção por meio da

formação de listas de palavras e/ou frases.

(i) “Produciendo un texto propio” – Seção dedicada à produção escrita, que, em

realidade, é o objetivo da unidade. A seção apresenta instruções que

orientam o aluno nessa produção.

297

(j) “Puerta de salida” – Seção que encerra a unidade, traz alguns jogos,

charadas, canção, leitura de um conto, problemas de lógica e sugestões de

leitura.

A partir dessa descrição, é possível observar que a estrutura e a organização

desse livro também são bastante distintas dos livros anteriores, uma vez que ele é o

primeiro a fugir completamente do modelo padronizado entre as unidades. De início, é

interessante observar que se apresenta uma proposta direcionada para objetivos

previamente estabelecidos que se sobrepõem à aprendizagem de conteúdos específicos.

Dessa maneira, os conteúdos lexicais, gramaticais e temáticos se encontram no livro, ao

menos teoricamente, em função desses objetivos postos. Tais objetivos, como se pôde

ver anteriormente, estão baseados na produção de textos, o que demonstra também o

lugar central que eles ocupam na organização do livro.

As seções, ainda que nem sempre façam referência direta aos textos

apresentados, muitas vezes, usando-os como pretextos para o trabalho com outros

temas, questões, etc., se organizam em função deles. Tais temas são principalmente

apresentados na seção “Puerta de acceso” (textos escritos) e na seção “Escuchando”

(textos orais). De diferentes maneiras, as outras seções, com exceção da “Puerta de

salida”, partem das seções em que os textos são apresentados para desenvolverem os

trabalhos propostos.

Essa estrutura do livro, com objetivos, temas abordados e organização bastante

diferente das anteriores também nos revela a busca por uma prática de aprendizagem de

línguas estrangeiras diferente do que a tradição dos cursos de línguas impôs ao longo

dos anos. Entretanto, como no livro anterior, a abordagem de alguns itens ainda

permanece muito próxima a práticas tradicionais, embora eles também aqui não sejam

postos como elementos centrais dentro das unidades e na coleção em sua totalidade.

Sem uma análise detalhada das atividades não é possível afirmar que o modelo

reprodutor tenha sido abandonado, mas a organização das questões e o lugar do texto,

disperso ao longo das unidades, sem um limite específico de páginas para esse trabalho,

demonstra essa intenção. Essa intenção, por si, revela a busca por uma perspectiva

inovadora dos autores do livro.

298

7.1.1.8. Em resumo

Antes de analisar as questões de leitura, especificamente, é interessante observar

como o lugar do texto foi se alterando nos materiais que se incluem nesta pesquisa ao

longo dos anos. Essa mudança vai se revelar também mais adiante na identificação da

crescente quantidade, ao longo dos anos, de questões de leitura apresentadas nos livros

analisados. A disposição dos textos nos livros, como se pode ver anteriormente, foi se

alterando com o tempo, o que alterou também a própria formatação das unidades dos

livros. Enquanto que, nas primeiras obras, o texto se apresentava em uma primeira seção

– normalmente sendo transcrições de diálogos presentes nos CDs dos livros e

produzidos especialmente para eles – ou última, quase como um anexo sem relevância,

aos poucos, a quantidade e a qualidade dos textos foram sendo ampliadas nas obras,

ainda que nem sempre isso represente uma maior integração entre o trabalho com a

leitura e o trabalho com as outras habilidades.

A partir da análise feita nas subseções anteriores, é possível afirmar que, se o

texto entra de forma mais presente nos livros didáticos de espanhol a partir do primeiro

PNLD, é apenas no segundo edital que vai acontecer uma mudança efetiva no lugar que

ocupam dentro das obras. Isso porque é apenas nesse momento que as obras abandonam

o modelo trazido ao longo de décadas do século passado e, consequentemente,

abandonam, ao menos na organização da proposta de ensino, o cruzamento de uma

perspectiva behaviorista com uma proposta gramaticalista, posta como comunicativa.

Assim, os elementos gramaticais, o vocabulário e as estruturas comunicativas são

colocadas em segundo plano e o texto é alçado à posição de foco dentro da proposta dos

dois livros aprovados. O trabalho com os elementos sistêmicos parte dos textos lidos e

caminha em direção aos textos produzidos, mas ainda não é possível encontrar uma

integração efetiva entre esse trabalho e o trabalho com o texto (seja na compreensão,

seja na produção).

Nesse sentido, é interessante observar que, somente após o segundo edital do

PNLD e o processo de avaliação acumulado desde o edital anterior, a estrutura dos

livros e o lugar do texto dentro dela se alterou qualitativamente, adequando-se ao que

propunham os PCN. Assim, somente quase vinte anos depois da publicação dos PCN,

foram entrar nas salas de aulas das escolas públicas do Brasil, livros didáticos que

colocam o texto como elemento central para o ensino de línguas. Não é possível, porém,

afirmar ainda que a política cognitiva proposta por esses materiais também tenha se

299

transformado, o que será analisado mais detalhadamente adiante, a partir das atividades

de leitura apresentadas nos livros. Lembrando que os PCN e os editais do PNLD

oscilam entre políticas de recognição e políticas de invenção, predominando os modelos

de recognição, pode-se hipotetizar que essa oscilação também se apresente nas

atividades propostas pelos livros, o que poderá ser verificado nas seções seguintes.

7.1.2. O que se faz com a leitura: níveis e estratégias de leitura trabalhados

Para desenvolver a análise do trabalho que se faz com a leitura nos livros

didáticos selecionados para a pesquisa, utilizei-me da categorização estabelecida por

Applegate et al. (2002), apresentada anteriormente. Como já comentado, essa

classificação coloca a inferência como elemento central para a classificação das

questões de leitura e para a organização do trabalho didático com ela. Assim, o plano

inferencial – e tudo o que o envolve – é colocado, nessa classificação, como ponto de

referência do nível de agentividade do leitor requerido pelas questões que se dirigem a

ele.

As categorias postas por Applegate et al. (2002) foram adaptadas em Vargas

(2012a) para uma categorização das questões propostas por livros didáticos de Língua

Portuguesa, uma vez que poucas eram as questões inferenciais presentes nos livros

analisados. Como entre os livros selecionados para o desenvolvimento desta tese a

realidade não foi diferente, utilizei essa categorização para classificar as atividades

apresentadas neles:

(a) questões de nível literal – correspondem às mesmas apresentadas por

Applegate et al. (2002);

(b) questões de nível inferencial – incluem, na categorização de Applegate et al

(2002), as questões de baixo nível inferencial, de alto nível inferencial e as

inferenciais globais;

(c) questões de nível literal-inferencial – questões subdivididas em duas ou

mais, sendo pelo menos uma de nível literal e/ou pelo menos outra de nível

inferencial; e

(d) questões de ativação de conhecimento prévio – não apresentadas em

Applegate et al. (2002), são aquelas que não exigem a leitura do texto para serem

respondidas, muitas vezes caracterizadas como as chamadas perguntas de opinião.

300

As questões de ativação de conhecimento prévio foram divididas quanto à

posição do trabalho com a leitura em que se apresentam. Como bem mostrou Botelho

(2015), seu momento ideal de apresentação é no trabalho de pré-leitura, quando este

tipo de questão permite a ativação ou a construção de conhecimentos que serão usados

na leitura dos alunos. Assim, como visto no capítulo 4 desta tese, eles podem integrá-los

mais facilmente às informações apresentadas na linearidade do texto – o que, por

consequência, propicia a geração de inferências mais significativas. Partindo desses

critérios, alcançamos, em uma análise quantitativa, os seguintes resultados:

Tabela 2 - Distribuição dos tipos de questão de leitura nos livros analisados

Livros

Tipos de Questões

Co

nh

ecim

ento

Pré

vio

(an

tes)

Co

nh

ecim

ento

Pré

vio

(d

epo

is)

Lit

era

l

Lit

era

l

Infe

ren

cia

l

Infe

ren

cia

l

To

tal

Arriba 1 2% 6 11% 36 67% - - 11 20% 54

Radix 34 20% 16 9% 110 65% 3 2% 8 5% 171

Énterate - - 11 20% 37 67% - - 7 13% 55

Saludos - - 12 7% 88 55% - - 62 38% 162

Ventana 34 27% 3 2% 64 51% - - 25 20% 126

Cercanía 42 17% 19 8% 56 23% 13 5% 113 47% 243

Formación 7 3% 62 26% 106 45% 1 0,5% 59 25% 235

Logo de início, pode-se observar o aumento considerável no número de questões

de leitura apresentadas, ao longo do tempo, nos diversos livros, o que, por si, já

demonstra o aumento progressivo do lugar dedicado ao trabalho com a leitura nos livros

analisados. Observa-se, porém, que o total de questões presentes do livro “Projeto

Radix” poderia distorcer essa percepção, tendo-se em vista o fato de que ele é o terceiro

livro com maior número de questões, ainda que seja o segundo mais antigo. Isso se dá

porque nele se apresentam muitas perguntas para cada texto, mas, como se pode ver na

tabela, elas essencialmente pedem apenas a reprodução de determinados trechos dos

textos lidos pelos alunos. Considerando-se o espaço físico ocupado pelas seções de

301

leitura, é possível observar que são feitas muitas perguntas para textos pequenos, o que

faz com que boa parte dos textos sejam reproduzidos nas respostas dos alunos.

Em relação ao trabalho com o conhecimento prévio dos alunos nas obras

analisadas, é possível notar que houve mudança ao longo dos anos, ainda que não tenha

sido efetivamente progressiva. Aqui, é importante lembrar que esse trabalho é essencial

para que se possa desenvolver um bom trabalho com uma leitura integrativa, auxiliando

o aluno em seu processo de inferenciação. Na maior parte dos livros, incluindo alguns

dos aprovados nos dois editais do PNLD, não há um trabalho sistematizado com o

conhecimento prévio dos alunos anteriormente à leitura dos textos. Isso demonstra em

que medida as obras (não) reconhecem e valorizam os saberes trazidos pelos alunos

para a sala de aula, o que define, em grande medida as condições de intersubjetividade

postas pelos livros didáticos e a centralidade do modelo recognitivo – os sentidos estão

nos textos apenas. Somente nos livros “Ventana al Español” e “Cercanía” é possível

encontrar uma constância em relação a essas atividades, posto que todos os textos

trabalhados de ambos os livros são antecipados por questões de pré-leitura, o que se

comprova pelo percentual que essas questões representam em relação ao todo desses

livros.

É importante ressaltar que o livro “Projeto Radix” também apresenta uma certa

constância em relação ao trabalho com o conhecimento prévio, porém, o trabalho

desenvolvido é de outra natureza: todas as unidades abrem com uma proposta de

discussão sobre o tema a ser trabalhado nelas e é acompanhada de um trabalho de

escuta/leitura de diálogos ou pequenas narrativas e descrições criados especialmente

para o livro sobre tais temas. Assim, a discussão fica restrita ao tema do texto

apresentado a seguir, que é artificialmente produzido para o livro. Na seção específica

de leitura, não há qualquer trabalho com os conhecimentos prévios anteriormente à

leitura dos textos apresentados aos alunos.

Outro estudo seria necessário para detalhar as estratégias trabalhadas nessas

questões. Entretanto, de forma geral, pode-se dizer que elas desenvolvem

principalmente um trabalho temático em relação ao texto, ou seja, propõem aos alunos

perguntas sobre os temas trabalhados nos textos. Relativamente poucas são as perguntas

focadas em estratégias de formulação de hipóteses ou de estabelecimento de objetivos

de leitura, o que poderia contribuir ainda mais para tornar os alunos leitores cada vez

mais agentivos (cf. GERHARDT, BOTELHO e AMANTES, 2015) e para a construção

302

de inferências mais significativas, direcionadas e controladas em função de objetivos

específicos (cf. GERBER e TOMITCH, 2008; ROSCIOLI e TOMITCH, 2014;

ROSCIOLI, TOMITCH e FARIAS, 2015).

Portanto, no que se refere ao trabalho com o conhecimento prévio, ainda que os

PCN ressaltem sua importância em diversos momentos, como visto anteriormente,

somente em um livro produzido em 2011, dentre os selecionados para a pesquisa, é

possível encontrar uma sistematização efetiva. Assim, pode-se notar a influência do

PNLD nesse processo, mesmo que ele não tenha garantido a presença do trabalho com o

conhecimento prévio nos dois livros aprovados no segundo edital. Nesse sentido, é

importante ressaltar que o livro “Formación en español” propõe a presença de uma

seção de abertura denominada “Calentando el motor”. Entretanto, essa seção se dedica a

levar os alunos a uma discussão inicial sobre o tema e a proposta da unidade e não a

fazer um trabalho especifico com os conhecimentos prévios dos alunos em relação a

algum texto que se apresente na seção seguinte.

Ainda sobre o trato com o conhecimento prévio, é importante observar a grande

quantidade de questões que buscam sua ativação depois dos alunos terem desenvolvido

uma primeira leitura do texto. Dentro dessa categoria, encontram-se as chamadas

perguntas de opinião, que acabam solicitando aos alunos respostas que ignoram a leitura

do texto. Geralmente, são questões que solicitam o relato de alguma experiência do

aluno ou alguma opinião sobre o tema do texto, mas não efetivamente sobre o texto

lido. Dessa maneira, os textos podem ser ignorados para o desenvolvimento dessas

tarefas e elas, como atividades de leitura perdem seu sentido. O lugar delas deveria ser

antes e não depois da leitura inicial do texto, mesmo que ele volte a ser lido pelo aluno

durante a feitura das questões, uma vez que assim os conhecimentos prévios dos alunos

poderiam ser ativados (ou construídos) para serem melhor integrados às informações

trazidas pelos textos.

Em relação às questões inferenciais, a diferença quantitativa entre as obras

produzidas anteriormente ao primeiro PNLD (mesmo as aprovadas nesse edital de

2011) e as produzidas posteriormente a esse PNLD é bastante considerável, por duas

razões. Em primeiro lugar, porque o número de questões literais reduz-se bastante, o

que quer dizer que as obras mais recentes apresentam uma maior preocupação em

extrapolar em suas atividades os limites da linearidade do texto e, em segundo lugar,

303

por que o número de questões inferenciais aumentou consideravelmente nas obras mais

recentes.

Pode-se observar, desse modo, que a desproporção entre as questões literais e as

questões inferenciais nas primeiras obras é bastante significativa, chegando a 65%

contra 5% no livro “Radix”, com apenas 8 questões inferenciais. Antes da primeira

edição do PNLD, esse e o livro “Arriba” apresentam o maior índice de questões literais.

Nesse, o comparativo é de 67% literais para 20% inferenciais. Mesmo nos livros

aprovados pelo PNLD 2011, o índice de questões literais ultrapassa os 50%. O livro

“Entérate”, por exemplo, tem o mesmo índice de questões literais do livro “Arriba”,

além de ter um dos índices mais baixos de questões inferenciais – apenas 13% dentre

todos os analisados. O livro “Saludos” chega a apresentar um índice, em comparação

aos outros livros, alto de questões inferenciais – 38% –, mas o índice de questões literais

ainda é alto também – 55%.

Em comparação ao livro “Ventana”, poderia dizer-se que o percentual do livro

“Saludos” é ainda relevante, já que nele apenas 20% das questões são inferenciais.

Entretanto, é preciso observar que esse índice se apresenta mais baixo nesse livro

devido à quantidade considerável de questões de ativação de conhecimento prévio

apresentadas no momento de pré-leitura – um índice bastante relevante (27%),

praticamente inexistente nos outros livros. Além disso, em relação às questões literais,

ele apresenta índice maior apenas do que os aprovados no segundo edital (51%), o que

representa a interferência do PNLD nesse processo de transformação do trabalho com a

leitura.

Se se observam os números do “Formación”, aprovado no PNLD 2014, vemos

que a porcentagem dele (45%) é bem próxima a do Ventana (51%), sendo menor

também por causa do índice de questões de conhecimento prévio, postas, entretanto, em

sua maioria, após a leitura do texto, o que não contribui para o processo de integração

do leitor com o texto durante sua leitura. Assim, é importante observar que, mesmo após

o segundo edital, ainda encontra-se aprovado um livro que possui apenas 25% de

questões inferenciais.

Por fim, cabe observar a distribuição equilibrada entre os tipos de questões no

livro “Cercanía”, cujo trabalho com a leitura é formado em sua maior parte por questões

inferenciais (47%), além da considerável quantidade de questões de ativação de

conhecimento prévio presentes anteriormente à leitura do texto (17%), o que pode ser

304

um importante fator a contribuir nos processos de inferenciação desenvolvidos pelos

alunos que interagem com seus textos. Observa-se ainda que ele apresenta o menor

percentual de questões literais (23%), bem distante dos demais, sendo inclusive o único

que tem uma quantidade menor de questões literais do que inferenciais.

A partir dessa análise, é preciso observar, então, como as práticas de ensino de

leitura apresentadas nos livros, principalmente em relação ao plano inferencial de

leitura, ainda oscilam entre a busca por um trabalho com a leitura que integre os saberes

dos alunos aos saberes apresentados no texto e a busca por um trabalho centrado no

controle da leitura dos alunos. Tal controle só é possível dentro de um modelo

reprodutor, focado em questões literais, que ignoram os saberes e as experiências dos

alunos e apenas exigem a repetição de informações explicitamente apresentadas na

linearidade dos textos. Da mesma maneira, a falta de sistematização do trabalho com o

conhecimento prévio revela a pouca relevância dada pelos livros aos processos

cognitivos desenvolvidos pelo leitor em uma leitura integrativa.

Portanto, ainda que a estrutura e o lugar do texto tenham sido alterados ao longo

do tempo e que o resultado desse processo apareça nos livros aprovados no segundo

edital – PNLD 2014 –, o trabalho efetivo com a leitura ainda não conseguiu

efetivamente livrar-se de uma visão reprodutora de aprendizagem. Observando-se os

níveis de leitura solicitados pelas questões, nota-se, então que a interferência do PNLD

na história recente dos livros didáticos de espanhol alterou, mas não ainda de modo

significativo o trabalho com o plano inferencial de leitura, uma vez que, mesmo no

último PNLD, apresentou-se um livro com alto índice de questões literais e de questões

de ativação de conhecimento prévio não localizadas no momento de pré-leitura.

Como representações de políticas cognitivas e como suportes para a construção

de affordances que são usados pelos alunos para que aprendam como devem se

comportar como aprendizes em sala de aula, os livros didáticos acabam contribuindo

para a formação de aprendizes que não se integram ao que se traz de novo nesse espaço.

Com exceção do “Cercanía”, nessa recente história e em relação às aulas de leitura, os

livros didáticos contribuíram para a formação de aprendizes que aprenderam que

aprender é reproduzir um conhecimento previamente construído.

Ainda assim, não se pode negar que há um aumento no número de questões

inferenciais nos livros, o que leva à percepção de que há algum movimento de

reconhecimento do aluno como participante ativo no processo de leitura, ainda que se

305

possa problematizar a forma como essas questões são apresentadas, o que será feito

mais adiante. Entretanto, esse aumento não se apresenta de modo progressivo nem é

acompanhado de uma diminuição considerável de questões literais e de um aumento do

trabalho com o conhecimento prévio dos alunos.

7.1.2. O que se faz com a leitura: níveis e estratégias de leitura trabalhados –

exemplos

Para explicar melhor o que a tabela anterior demonstra através de números, trago

nesta subseção um exemplo de atividade de cada livro analisado. Dessa forma, é

possível ver de maneira detalhada como o trabalho com o texto foi sendo alterado ao

longo do tempo e em que medida eles foram reconhecendo o papel agentivo que o leitor

deve ter em seu processo de leitura. É importante destacar que, mesmo que selecionados

com critérios, se trata apenas de exemplos, uma vez que os limites de tempo e espaço

para a produção desta tese não permitem detalhar mais a apresentação dos dados.

7.1.2.1. “Arriba”

A primeira atividade analisada foi retirada do livro “Arriba” (RINALDI e

CALLEGARI, 2005, p.117). Localizada na seção “Entretextos”, ela se desenvolve a

partir de um texto sobre o desperdício de alimentos, aparentemente criado

especialmente para o livro, já que sua fonte não é citada.

Observa-se inicialmente uma questão de ativação de conhecimento prévio,

apresentada anteriormente à leitura do texto: ¿Te acuerdas de haber desperdiciado

algún alimento esta semana?. Ainda que não direcione a leitura do aluno para a

formulação de hipóteses sobre o texto a ser lido, para o estabelecimento de objetivos de

leitura ou que traga informações relevantes para auxiliar o aluno em sua geração de

inferências (cf. BOTELHO, 2010; 2015; GERHARDT, BOTELHO e AMANTES,

2015), é interessante notar a presença desta questão na atividade, principalmente porque

essa é a única questão de pré-leitura apresentada no livro, ou seja, é a única questão que

traz em si a noção de que, de alguma forma, é preciso motivar o aluno à leitura do texto.

306

Figura 6 - Atividade de leitura do livro "Arriba" - 1a página

307

Figura 7 - Atividade de leitura do livro “Arriba” - 2a página

308

Em seguida, apresentam-se três questões de múltipla escolha, que apenas

solicitam ao aluno a seleção de informações explicitamente apresentadas na linearidade

do texto e duas questões que solicitam a seleção e explicitação de conhecimentos

prévios dos alunos, sem que se faça qualquer tipo de trabalho de integração entre as

informações apresentadas pelos alunos antes da leitura do texto e as informações

trazidas pelo texto. Assim, o aluno ou reproduz o que foi dito no texto ou reproduz os

conhecimentos que já tinha mesmo antes da leitura do texto.

Dessa forma, é possível notar uma prática de ensino de leitura baseada em uma

política de recognição. As experiências e os saberes dos alunos, bem como o texto, já

estão dados antes do momento da leitura. Segundo as atividades, nenhum conhecimento

novo pode surgir dessa experiência de inte(g)ração, ou, se pode, não é considerado

como algo que deve ser trabalhado em sala de aula. Não é tratado como relevante para a

prática da leitura na escola esse movimento de integração. A atividade de leitura parece,

assim, ser um pretexto para a aprendizagem, aparentemente contextualizada, de

vocabulário referente a alimentos.

7.1.2.2.. “Radix”

Apresento agora uma atividade apresentada pelo livro “Radix” (GARCÍA e

HERNÁNDEZ, 2006, p.124-125). Esta atividade se apresenta na seção “Leyendo”,

dedicada exclusivamente à leitura no final da unidade, e apresenta a história de Laurita,

uma menina que fazia desenhos na parede de casa, enquanto estava sozinha. De início,

já é possível observar que não há nenhuma atividade de pré-leitura, o que, por si, já

prejudica o trabalho com o plano inferencial de leitura.

Observa-se que a maior parte das questões se mantém em nível literal, exgindo a

cópia do texto, como, por exemplo, em:

a) ¿Qué hace Laurita?;

b) ¿Dónde habían ido los padres de Laurita?;

c) Retira del texto la frase que demuenstra que a Laurita le gusta dibujar.

O mesmo padrão se repete nas outras questões, exceto na última, que exige do

aluno a ativação de um conhecimento prévio, que poderia ser exigido em um momento

de pré-leitura:

i) ¿Y a ti te gusta dibujar? ¿Dónde dibujas? ¿Qué dibujas?.

309

Figura 8 - Atividade de leitura do livro "Radix" - 1a página

310

Figura 9 - Atividade de leitura do livro "Radix" - 2a página

311

Assim, é possível observar, nas duas atividades analisadas dos dois livros que

formam parte do corpus “pré-PNLD”, o mesmo padrão de direcionamento das

atividades: inicia-se o trabalho com atividades de seleção de informações literalmente

apresentadas nos textos e finaliza-se com atividades de ativação de conhecimento prévio

que independem da leitura dos textos. Esse padrão, inclusive, se reproduz em boa parte

das atividades apresentadas nos dois livros.

7.1.2.3. “Entérate”

A terceira atividade se encontra no livro “Entérate” (BRUNO, TONI e ARRUDA,

2009, p.35-37) e está incluída na unidade “Dónde vivo hay de todo”. Ela objetiva

trabalhar, ao mesmo tempo, a leitura e a compreensão auditiva. Inicialmente, os alunos

devem escutar dois poemas – um de Antonio Machado e outro de Rafael Alberti – e

completar as lacunas deixadas no poema com os verbos “tiene” ou “hay”. Assim, é

possível notar que os textos, de início, se apresentam como um pretexto para o ensino

desse tópico gramatical. Associando essa tarefa ao título da unidade, pode-se inferir que

esse seja o real objetivo para o trabalho com esses textos.

Abaixo de cada um dos poemas, apresentam-se caixas de texto com informações

sobre os autores dos poemas. Entretanto, não há nenhum direcionamento para a leitura

dessas informações, tampouco para a integração entre elas e os poemas, o que comprova

que, para os autores do livro, essa informação não é relevante para o desenvolvimento

das tarefas (cf. BOTELHO, 2010). Dessa maneira, informações que poderiam ser

relevantes para a ativação ou para a construção de conhecimentos prévios dos alunos

antes da leitura do texto, ou que poderiam ser utilizadas no processo de construção de

novas leituras após uma leitura inicial do texto, são ignoradas. Os textos não são

tratados nas atividades de leitura como passíveis de se integrarem também para a

construção de novos saberes.

Em seguida, são feitas as perguntas de leitura ao aluno. Novamente, o mesmo

padrão observado nos livros anteriores se reproduz: primeiramente, são feitas duas

perguntas literais de múltipla escolha sobre o poema de Antonio Machado. Elas

solicitam, portanto, a reprodução do poema:

1. En la Plaza hay un/a: a) jardín. / b) vivienda. / c) centro comercial.;

2. La dama vivía en un/a: a) casa. / b) piso. / c) castillo.

312

Figura 10 - Atividade de leitura do livro "Entérate" - 1a página

313

Figura 11 - Atividade de leitura do livro "Entérate" - 2a página

314

Figura 12 - Atividade de leitura do livro “Entérate” - 3a página

315

Posteriormente a essas duas questões são feitas duas perguntas inferenciais.

Entretanto, como se apresenta nas respostas sugeridas aos alunos, essas questões

solicitam apenas que os alunos descubram as inferências geradas pelos autores do livro,

e não que pensem sobre suas próprias inferências:

3. Se dice en el poema que el caballero se lleva la plaza, la torre, el balcón, la

dama y la blanca flor porque: a) es fuerte y poderoso / b) es secuestrador / c) la dama

da vida a la plaza.;

4. El poema describe un/a: a) ciudad / b) barrio / c) pueblo.

Essas respostas não se encontram na linearidade do texto e é preciso construir

inferências para que se pense sobre elas. Entretanto, o livro desconsidera o fato de que

as inferências geradas pelos autores não necessariamente são as mesmas geradas pelos

alunos e tratam essas questões da mesma forma como as que exigem apenas a seleção

de informações explícitas, o que pode levar os alunos a confundirem as inferências que

constroem com uma possível leitura literal e, consequentemente, a confundirem também

a natureza desses tipos de perguntas que solicitam diferentes tipos de respostas (cf.

VARGAS, 2012a).

Ademais, isso revela que, ainda que as questões inferenciais sejam postas no

livro, as condições de intersubjetividade postas por ele impedem que elas sejam

plenamente desenvolvidas, uma vez que a agentividade do leitor, seus conhecimentos,

suas experiências e a forma como ele lê o texto não são reconhecidos. Assim, são

inseridas questões inferenciais dentro de uma política cognitiva centrada na recognição,

e elas se transformam em questões tão reprodutoras quanto as literais, com o aluno

aprendendo que ler é sempre reproduzir o pensamento do outro, estando ele explícito no

texto ou não e nunca criar, em uma política inventiva, seu próprio pensamento sobre o

texto.

As questões sobre o poema de Rafael Alberti são formuladas de forma a serem

respondidas discursivamente. Ainda assim, seis delas são também literais:

1. ¿Qué hay em Roma?;

2. ¿Qué hay en la calle?;

3. ¿Qué hay en la casa?;

4. ¿Qué hay en la alcoba?;

5. ¿Qué hay en la cama?;

6. ¿Qué hay en el corazón de la dama?

316

E a última solicita a ativação de um conhecimento prévio do aluno, que

independe do desenvolvimento de sua leitura do poema:

7. Roma, ¿qué es? ¿Una ciudad, un pueblo o um barrio?.

Assim, novamente, repete-se o padrão anteriormente analisado.

7.1.2.4. “Saludos”

Em seguida, apresenta-se uma das atividades de leitura apresentada no livro

“Saludos” (MARTIN, 2010, pp. 108-110). Trata-se de uma atividade de leitura de um

texto especialmente criado para o livro que abre a Unidade 7 – “Todos los días pasa lo

mismo”. O texto apresenta a rotina de uma menina cuzquenha e está escrito em primeira

pessoa. Como no livro anterior, primeiramente, os alunos deveriam escutar a descrição

da rotina da menina para depois ler o texto e responder as questões apresentadas na

seção “Así lo dices”. Mais uma vez, observando-se as questões e sua relação com o

título da unidade, é possível observar que o texto está ocupando esse lugar como

pretexto para que o aluno aprenda certas estruturas que lhes permita falar de sua própria

rotina – o que lhes é solicitado na questão final.

Nessa atividade são feitas 10 perguntas classificadas como literais e, por fim,

seguindo o padrão já presente em outros livros, uma questão de ativação de

conhecimento prévio, que independente da leitura do texto. Interessante observar como

o trabalho de seleção de informações e o trabalho com o conhecimento prévio são

separados pelo número das questões:

1. Contesta a las preguntas sobre la rutina de Lucía:

a) ¿A qué hora se levanta de lunes a viernes?;

b) ¿Qué hace de las ocho a las doce y media, de lunes a viernes?;

c) Y qué hace después del almuerzo?;

d) ¿A qué hora hace los deberes?;

e) ¿A qué hora cena?;

f) ¿Qué hace antes de acostarse?;

g) ¿Y a qué hora se acuesta?;

h) ¿Qué le gusta hacer los sábados por la mañana?;

i) Y por la tarde, ¿qué hace?;

j) ¿Qué suele hacer los domingos?;

2. Y tu rutina, ¿cómo es.

317

Figura 13 - Atividade de leitura do livro "Saludos" - 1a página

318

Figura 14 - Atividade de leitura do livro "Saludos" - 2a página

319

Figura 15 - Atividade de leitura do livro "Saludos" - 3a página

320

Como no livro anterior, é possível perceber que o texto, criado para o próprio

livro, está aqui nessa atividade como um pretexto para o trabalho com as construções

linguísticas nele utilizadas. Entretanto, ao serem apresentadas como questões de leitura

ao aluno, elas também contribuem para a formação do aluno como leitor-reprodutor.

Assim, mais uma vez, não se apresentam propostas de integração entre o conhecimento

prévio do aluno e as informações trazidas pelo texto. Ainda que não haja incoerência

entre a proposta da seção e o trabalho que se desenvolve na atividade, isso não nos

impede de questionar a forma como o texto está sendo tratado e como este trabalho está

sendo desenvolvido. Inclusive, o próprio manual do professor desse livro, como

apresentado anteriormente, explicita o fato de que é preciso superar uma visão de

trabalho com a leitura como mero pretexto para o aprendizado de estruturas gramaticais

e vocabulário:

É importante que, no âmbito da leitura, o aluno possa perceber que

‘lemos para compreender o significado e não para aprender palavras

ou gramática’, como aponta Scott (1986). É preciso compreender,

portanto, a leitura de língua espanhola como uma prática social

(MARTÍN, 2010, p.7).93

Assim, ainda que exista uma tentativa talvez louvável de se trabalhar certas

estruturas linguísticos a partir da leitura de um texto, o trabalho com a leitura integrativa

não pode ser dispensado em nome dessa vontade, visto que, assim, pode-se contribuir

para a construção de concepções equivocadas do que é a leitura em língua estrangeira

para um aluno que está se construindo como leitor nessa língua – e em sua própria

língua, como é o caso de um aluno do 6º ano.

Em uma breve síntese, podemos dizer que se apresenta, essencialmente, nas

atividades dos livros didáticos apresentados até aqui, um padrão de atividade no qual os

livros não reconhecem os alunos como sujeitos de seu processo de construção como

aprendizes de uma língua estrangeira, e, consequentemente, as questões de leitura

deixam de desenvolver as capacidades cognitivas dos alunos enquanto leitores.

93

Em relação a essa citação, é importante observar que, ao isolar o aprendizado de palavras e da

gramática do aprendizado da leitura como prática social, o autor do livro ignora o fato de que a leitura

pode e deve ser vista também como uma atividade metalinguística, no sentido de que é preciso trabalhar a

leitura em sala de aula para que o aluno não apenas aprenda conceitos, mas também para que compreenda

como se lê e como pode se tornar um melhor leitor (cf. GOMBERT, 2003, entre outros).

321

7.1.2.5. “Ventana”

A próxima atividade foi retirada do livro “Ventana” (ALMEIDA e

AMENDOLA, 2011, pp.40-41) e se apresenta na seção “Contextos”.

Figura 16 - Atividade de leitura do livro "Ventana" - 1a página

322

Figura 17 - Atividade de leitura do livro "Ventana" - 2a página

323

Nela, se trabalha com o gênero textual Tira Cômica, a partir de duas tirinhas –

uma do Gaturro e outra da Mafalda. Nessa atividade, antes de qualquer interação com os

textos principais, é apresentado um pequeno texto sobre o gênero a que eles pertencem,

seguido de duas questões de pré-leitura, que ativam o conhecimento prévio do leitor

sobre a estrutura do gênero e seu uso pelos alunos:

a.¿Leen habitualmente tiras cómicas? ¿Cuáles?;

b. ¿Qué es lo más importante en una tira: el texto o la imagen?.

Apesar de essas questões auxiliarem o professor em seu trabalho de orientação à

leitura dos alunos, na medida em que podem saber o que seus alunos já sabem sobre o

gênero, nenhuma das questões aponta efetivamente para os textos a serem lidos, o que

auxiliaria os leitores em seu processo de integração com eles. Posteriormente, o livro

apresenta uma questão de nível literal, para que o aluno aponte a que tiras se referem as

frases citadas e duas questões de nível inferencial, focadas na intertextualidade entre as

tiras lidas e um texto lido na abertura da unidade:

4. ¿Te acuerdas de Andy, el alumno del colegio español que conocimos al inicio

de la unidad? Su evaluación depende de varios criterios, ¿verdad? ¿En cuál de ellos

Felipe, el personaje de la tira 2, no sacaría una buena nota?;

5. ¿Crees que a Gaturro le gustaría participar de las actividades deportivas del

colegio de Andy? ¿Por qué?

Nessas questões, deixa-se de lado o nível literal da leitura e pede-se ao aluno que

ative informações do conhecimento prévio e as articule às informações apresentadas em

dois textos, de forma a estabelecer julgamentos sobre os textos lidos. Entretanto,

observam-se no livro duas formas de tratar esse tipo de questão: para a primeira,

apresenta-se uma resposta que, na verdade, mais uma vez, representa apenas uma das

inferências possíveis (“Felipe no sacaría una buena nota en el requisito de prestar

atención en clase.”) - a selecionada pelos autores do livro.

Dessa forma, o livro apresenta uma inferência construída por seus autores como

sendo a correta sem que se justifique essa possibilidade de resposta ou chame a atenção

para o fato de que outras respostas são possíveis e devem ser justificadas pelos alunos,

com base em seu conhecimento prévio e no texto lido. Para a segunda, apresenta-se a

possibilidade de uma “Respuesta libre”, acompanhada de uma possível inferência:

“Sugerencia de respuesta: No, a Gaturro no le gustaría participar de las actividades

deportivas del colegio de Andy porque es muy perezoso”.

324

Assim, é possível notar um problema muito comum no trabalho com a leitura

inferencial: quando questões inferenciais são propostas, não se sabe o que fazer com

elas, justamente porque os livros ainda não alteraram as condições de intersubjetividade

postas neles para a interação com os alunos. Partindo de uma mesma visão de

aprendizagem, norteados para uma mesma política cognitiva, essas questões passam a

ser trabalhadas de maneira confusa e não conseguem desfazer a percepção do aluno de

que ler é repetir o que já foi dito. Esse trabalho com o plano inferencial acaba por

caminhar em direção ou a uma resposta correta que não pode ser criada pelo aluno ou a

questões que, por aceitarem qualquer resposta como correta, passam a ser irrelevantes.

Isso se comprova nos gabaritos apresentados, que ora apelam para uma “resposta

pessoal”, que aponta muito mais para um “vale tudo” por parte do leitor do que para

uma leitura integrativa de fato; ora apresentam possibilidades de resposta, que, na

verdade, são inferências geradas por seus autores tidas, portanto, como corretas. Isso

quando não apontam respostas que recorrem à linearidade do texto para questões que

desenvolveriam um alto potencial de explicitação de processos inferenciais – o que não

é o caso da atividade analisada, mas também pode acontecer. Assim, ainda que se fuja

da “Resposta Pessoal” como gabarito, não se apresenta aos professores como eles

poderiam trabalhar a multiplicidade de respostas possíveis e que critérios poderiam

adotar para o desenvolvimento das habilidades trabalhadas em cada questão. Tampouco,

apresenta-se aos alunos como eles poderiam explicitar seus processos inferenciais e

pensar metacognitivamente sobre eles.

Posteriormente, apresenta-se uma questão com três subitens voltados para a

compreensão do gênero trabalhado que apenas solicitam a seleção de informações

apresentadas explicitamente nos textos. Trata-se, portanto, de questões literais, uma vez

que não exigem qualquer nível de inferência por parte dos alunos e trabalham com a

estrutura dos gêneros de maneira passiva:

6. A continuación tienes algunos de los recursos empleados en las tiras cómicas.

Extrae de las tiras de la página anterior un ejemplo de cada recurso:

a. Dos tipos de globo para expresar lo que piensa o dice el personaje.

b. Palabras que imitan sonidos.

c. Juegos de palabras.

325

7.1.2.6. “Cercanía”

Por fim, apresento as atividades dos livros aprovados no PNLD 2014. A seguir,

apresento a do livro “Cercanía” (COIMBRA, CHAVES e ALBA, 2012, p.72-74).

Figura 18 - Atividade de leitura do livro "Cercanía" - 1a página

326

Figura 19 - Atividade de leitura do livro "Cercanía" - 2a página

327

Figura 20 - Atividade de leitura do livro "Cercanía" - 3a página

328

Ela se encontra na seção “Lectura”, que, como visto anteriormente, se subdivide

em três: “Almacén de ideas”, “Red (con)textual” e “Tejiendo la comprensión”. A

atividade foca na leitura de um teste de revista que trata de temas como a beleza e a

autoestima. Inicialmente, apresentam-se uma série de questões de pré-leitura, que

devem ser respondidas oralmente:

1.¿Qué piensas sobre la vanidad?;

2. ¿Qué papel cumplen los medios de comunicación en el establecimiento del

“ideal de belleza”? ¿Cómo reacciona la sociedad frente a eso?;

3. En muchas revistas de belleza y salud, se encuentran tests para verificar

cómo está tu cuerpo, tu salud, tu mente, entre otras temáticas. ¿Sueles hacer tests de

revistas? ¿Crees que son eficaces?;

4. Si fueras a hacer un test sobre tu autoestima, ¿cuál de los siguientes

resultados esperarías encontrar? ( ) Vivo a gusto conmigo mismo / ( ) Un día me

gusto, el otro, no. / ( ) Me hago críticas todo el tiempo. / ( ) Me creo muy importante y

mejor que los demás.

É interessante observar que as perguntas tratam dos temas a serem abordados

nos testes de forma crítica, levando os alunos a refletirem sobre questões sociais

relativas à beleza e a saúde, mas também focam nos modos como esse gênero circula na

sociedade e em como eles podem reproduzir informações equivocadas. Além disso, a

questão 4 solicita uma formulação de hipótese, que vai ser confirmada ao final da leitura

do texto. O gabarito dessas questões alterna a Respuesta personal com instruções para o

professor, como, por exemplo:

Es bueno señalar que los chicos y las chicas están siendo constantemente

bombardeadas con informaciones que muchas veces los llevan a creer que lo único

importante es la apariencia (…).

De certo modo, é possível notar que essas questões de pré-leitura também

apresentam um objetivo para a leitura do texto, além do que aparece explicitamente para

o aluno: pensar criticamente sobre o texto que vai ser lido, o que auxilia o aluno em seu

processo de integração com o que vai ser lido. Essa proposta se complementa com as

orientações para os alunos dadas antes da leitura do texto (e consequente realização do

teste):

Ahora vas a hacer un test autodiagnóstico de autoestima sacado de la revista

Todos Amigos, año X, n.7, abril de 1997. Es importante saber que los resultados son

329

preliminares y para un diagnóstico es preciso consultar a un profesional. Al leer, no te

olvides de mirar el diccionario de términos que aparece al lado del test.

Assim, ao mesmo tempo em que guia o aluno para a leitura do texto, o

enunciado apresenta possibilidades de estratégias de leitura, tais como o

estabelecimento de um objetivo de leitura e o uso de dicionários, e alerta sobre a forma

como o texto deve ser encarado pelo aluno. Nas orientações ao professor, pede-se que

ele converse com os alunos sobre a forma como esse tipo de texto circula na sociedade.

Quanto às perguntas de leitura, observa-se, inicialmente, uma questão literal (questão

1), que serve de apoio para uma questão inferencial que a segue (questão 2):

1. ¿Cuál es el resultado de tu test?

2. ¿Estás de acuerdo con tu resultado del test? ¿Crees en los resultados de ese

tipo de tests? ¿Por qué?

Em seguida, apresenta-se uma questão que se divide em duas perguntas – uma

literal e uma inferencial:

¿Cuál es el ave de la foto? ¿Qué relación hay entre ella y el tema del test?

Nesse sentido, é possível observar como as questões literais podem servir de base

para questões inferenciais, na medida em que elas enquadram os fragmentos do texto

que devem ser observados para que os alunos construam inferências ou explicitem

inferências já construídas a partir deles. Assim, ainda que não levem os alunos a

pensarem metacognitivamente sobre esse processo, essas questões auxiliam o aluno a

construir uma nova forma de lidar com o texto, não utilizando-o apenas para reproduzir

informações explicitamente apresentadas.

Em seguida, a atividade apresenta uma questão voltada para a compreensão da

estrutura do gênero, em nível inferencial:

En ese test, ¿cuál es la función de los íconos?

Nela, é possível ver a diferença de abordagem da proposta pelo livro anterior, uma

vez que aqui, pede-se que o aluno identifique um elemento da estrutura do texto e que, a

partir dessa identificação, infira sua função. Depois, o livro propõe duas questões sobre

o uso dos pontos de interrogação e uma questão inferencial final:

Basándote en el contenido del test, formula otro título.

Observando os gabaritos das questões, pode-se notar que eles ou apontam, mais

uma vez, para a Respuesta personal, acompanhadas de possibilidades de respostas ou

apresentam respostas com inferências dos autores dos livros. Novamente, então, apesar

330

da boa progressão das atividades, não há um direcionamento ao professor de como ele

pode trabalhar com as inferências dos alunos, tampouco há nas próprias perguntas,

direcionamentos ao aluno de como ele deve explicitar as inferências geradas e justificá-

las com base na integração entre seu conhecimento prévio e as informações do texto, ou

seja, com base não apenas em uma leitura integrativa, mas também na reflexão sobre

seu próprio processo de leitura.

7.1.2.7. “Formación”

Posteriormente, analisamos uma atividade presente no livro “Formación”

(VILLALBA, GABARDO e MATA, 2012, p.7). Essa atividade se encontra na seção

“Puerta de acceso” e se constrói com base em uma tirinha da Mafalda, de Quino, em

que ela dialoga com a pequena Libertad sobre seu tamanho. É possível notar, em relação

a essa atividade, que não há qualquer tipo de trabalho de pré-leitura, nem em relação ao

tema trabalhado no texto nem quanto a algum tipo de direcionamento a ser dado à

leitura do aluno, o que não contribui para o processo de integração do aluno com o texto

lido, tampouco para a construção de inferências mais significativas ao longo da leitura.

Observando o texto e percebendo o quanto ele depende de informação do conhecimento

prévio para ser entendido, pode-se imaginar a falta que um trabalho de pré-leitura dele

faz aos alunos que têm que responder às questões apresentadas no livro.

As perguntas que surgem após a leitura da tira podem ser divididas em dois

grupos. Primeiramente, se apresentam três questões literais:

1.¿Quiénes están hablando?;

2. ¿Cómo se llama la niña pequeña?;

3. ¿Qué comentario hace Mafalda (la chica más alta) antes de preguntar el

nombre de la pequeña?)

A essas questões se seguem três questões inferenciais:

4. ¿Qué pretende indicar el autor de la tira al establecer una relación entre el

tamaño y el nombre de Libertad?;

5. ¿Por qué dice Libertad en el último globito: “Sacaste ya tu conclusión

estúpida? Todo el mundo saca su conclusión estúpida cuando me conoce.”?;

6. Por el comentario de Libertad a Mafalda, ¿cómo calificarías a Libertad:

tonta, estúpida, grosera, educada, inteligente, triste? Justifica su respuesta.

331

Figura 21 - Atividade de leitura do livro "Formación"

Nota-se que existe uma intenção dos autores do livro em encaminhar as

perguntas literais de forma a auxiliar os alunos em suas respostas para as perguntas

inferenciais. Entretanto, isso não aparece explicitamente nem para alunos nem para

332

professores ao longo da atividade. Há que se observar também que, assim como ocorre

em outros livros, nessa atividade, apresentam-se diferentes tratamentos para questões

inferenciais: para as questões 4 e 5, a resposta do gabarito é uma única inferência

construída pelos autores do livro, sem haver qualquer problematização em relação a

isso.

Na pergunta 5, apresenta-se uma sugestão ao professor:

Argentina, en la época de las tiras de Mafalda, vivia una dictadura. Durante ese

período, no había libertad de expresión ni de oposición al régimen político. Lo mismo

pasó en Brasil.

Essa sugestão contem uma informação que poderia ter sido trabalhada em um

momento de pré-leitura, por exemplo, de forma a que o aluno pudesse integrar mais

informações à sua leitura. Na pergunta 6, por fim, apresenta-se como sugestão ao

professor um possível encaminhamento para o trabalho com as inferências dos alunos:

Es posible que haya otras respuestas. Discutan las razones dadas por cada

alumno, sin imponer una sola respuesta, ya que es una cuestión de punto de vista.

Sobre essa questão, não se pode negar que esse tipo de direcionamento pode

trazer novas perspectivas para o trabalho com as inferências em sala de aula. Entretanto,

é importante destacar que ela não alerta para o fato de que as inferências precisam ter

um suporte também nas informações do texto e não depender apenas de um ponto de

vista, o que pode ser entendido como uma simples opinião sem embasamento na

integração entre o leitor e o texto.

A diferença entre uma abordagem e a outra é crucial para a formação de um

leitor crítico, autônomo e reflexivo, uma vez que, assim, ele é ensinado a criticar o que

lê a partir de conhecimentos construídos em função de uma integração com o texto e

não de juízos embasados apenas no conhecimento prévio. Nesse sentido, trata-se

também de uma diferença entre políticas cognitivas, posto que uma opinião que parte

dos conhecimentos prévios apenas representa uma visão de aprendizagem que acredita

em um mundo previamente construído e que é da integração que se deriva uma

aprendizagem inventiva.

7.1.2.8. Em resumo

A partir da trajetória demonstrada por essas atividades, não se pode negar o

importante papel desempenhado pelo PNLD e por seu processo de avaliação na

transformação das atividades de leitura apresentadas nos livros didáticos de espanhol.

333

Observando as atividades de leitura apresentadas nos livros analisados, que

correspondem a um interessante panorama da produção de materiais didáticos voltados

para o ensino de língua espanhola no Brasil, pode-se perceber que a situação do trabalho

com a leitura já se alterou de maneira significativa, sendo possível encontrar atividades

em que se encontrem um maior número de questões inferenciais e a presença de

questões literais atuando como suporte para as inferenciais.

Considerando os exemplos anteriormente apresentados, mas também observando

os livros em sua totalidade, é possível notar que, assim como já notei em Vargas

(2012a) em relação aos livros de Língua Portuguesa, em nenhum deles, há um trabalho

de ensino de leitura propriamente dito, visto que não há orientações para o aluno de

quais estratégias ou habilidades de leitura ele poderia desenvolver ao longo das

atividades, muito menos sobre como fazer para respondê-las e, assim, desenvolver suas

capacidades como leitor.

As questões de leitura postas como nos exemplos anteriores apenas avaliam

possíveis estratégias ou habilidades que os alunos já tenham desenvolvido ou venham a

desenvolver por meio das tentativas e dos erros que vão cometendo conforme vão

realizando-as. Essa visão de ensino (e, consequentemente, de aprendizagem) de leitura

reforça uma visão behaviorista (ou neobehaviorista, nas palavras de Litowitz, 1993,

apud KIRSHNER e WHITSON, 2009) de aprendizagem em que o aluno aprende por

repetição e erro, de forma passiva.

Dessa maneira, mesmo que haja questões que estimulem ou reconheçam a

integração como construção de conhecimento, a aprendizagem da leitura, em si, se dá

dentro de uma prática comportamental, pois o aluno precisa aprender a lidar com essas

questões sem que haja qualquer reflexão sobre esse processo de aprendizagem. Isso se

manifesta também na (não) progressão em relação aos tipos de questões de leitura que

são trabalhadas ao longo das unidades dos livros – sempre se repetem os mesmos

modelos de questões que trabalham as mesmas habilidades de forma aleatória,

independentemente dos textos trabalhados.

Em relação às questões inferenciais, como se pode ver anteriormente, apresentam-

se, basicamente, dois problemas que dificultam o trabalho do aluno ao respondê-las: a)

não guiam o aluno-leitor a sistematizar seu processo de explicitação de inferências e, b)

ainda que as questões considerem um trabalho inferencial com a leitura dos textos, o

334

gabarito, de modo geral, aceita qualquer resposta como possível ou se aferra a uma

única possibilidade de leitura do texto – a do autor do livro didático.

Assim, não se estimula, de fato, uma integração entre os saberes trazidos pelos

alunos e saberes trazidos pelo livro didático, já que as respostas dadas pelos gabaritos

ignoram as possibilidades de integração entre os conhecimentos prévios dos alunos e os

textos dos livros. Dessa forma, muitas vezes, a proposta das questões é anulada, já que

se contraria os princípios de um trabalho de leitura desenvolvido no plano inferencial.

Poucas são as atividades, de modo geral, que levam o aluno a ativar seu conhecimento

prévio de uma melhor maneira e que validam esse conhecimento para que, a partir dessa

validação, ele possa alcançar uma integração com o texto, focada em um objetivo de

leitura.

Entendo que isso aconteça porque atravessam essa discussão políticas cognitivas,

que, como já analisado no capítulo anterior, oscilam entre recognição e invenção tanto

nos Parâmetros Curriculares Nacionais como nos editais do PNLD e, assim, aparecem

também nos livros didáticos. Na apresentação das atividades de leitura predomina

assim, o modelo, já tradicional, da recognição, que vai sendo adaptado, na forma, em

função das novas propostas teóricas postas nos documentos oficiais. Altera-se, assim, a

forma como o texto é apresentado, mas não se altera a forma como o aluno aprende a

ser leitor desses textos.

Além disso, acredito também que o apagamento dos conhecimentos derivados dos

estudos em cognição e sua relação com a leitura fez com que não se olhasse

efetivamente, ao longo dos anos, para as atividades de leitura apresentadas aos alunos

em sala de aula. Ao apresentar-se como partindo de teorias sociointeracionistas e

discursivas, os editais focam mais nos textos apresentados do que no que se faz com ele.

Assim, sem que uma discussão sobre a aprendizagem seja apresentada nos editais, não

se enfoca em como tais teorias podem se transformar em atividades didáticas que

ensinem ao aluno formas de se relacionar com o texto, com a língua, com a leitura.

Igualmente, postulo que esse apagamento histórico fez com que a formação dos

professores e, consequentemente, de quem faz e de quem avalia esses livros (tanto para

a avaliação do PNLD como para o uso em sala de aula) deixasse de prepará-los para a

avaliação e produção de atividades de leitura centradas nos processos desenvolvidos

pelos alunos e não nas informações (linguísticas, textuais, genéricas, temáticas,

contextuais etc.) trazidas nos textos lidos. Acredito que é justamente a inserção dos

335

estudos em cognição que permite o desenvolvimento efetivo de uma discussão sobre

aprendizagem, tendo em vista que as teorias linguísticas diversas, de modo geral, não

trazem consigo pressupostos de como se aprendem as práticas que podemos

desenvolver com a linguagem, principalmente, em contexto escolar.

7.2. Como os alunos se integram às atividades de leitura dos livros didáticos?

Neste momento da tese, analiso, então, para finalizar os planos de análise

anteriormente apresentados, as respostas dos alunos para as questões de leitura dos

livros didáticos. Dentro desse parâmetro, é importante considerar o fato de que, no

momento de aplicação das atividades, apenas dois livros estavam em circulação nas

escolas públicas brasileiras – os aprovados na edição de 2014 do PNLD. Para o

desenvolvimento desta etapa de análise, eu selecionei, então, uma atividade de cada um

dos dois livros anteriores ao primeiro PNLD e uma atividade dos dois livros aprovados

no PNLD 2014.

Dessa forma, levando-se em conta a oscilação com que se construiu essa breve

trajetória dos livros didáticos de espanhol, apresentada nas seções anteriores, acredito

que essa análise restrita aos primeiros e aos últimos livros consegue apresentar um

panorama comparativo interessante sobre a capacidade de essas atividades validarem as

inferências construídas pelos alunos e lhes auxiliarem nesse processo de construção ou

de explicitação. Como se trata de atividades pontuais e não de um trabalho progressivo,

não há como avaliar a capacidade dos livros de auxiliarem os alunos em seu

desenvolvimento metacognitivo, mas é possível verificar se as atividades apontam para

esse caminho ou não.

Para o desenvolvimento dessa análise, trabalhei com as mesmas categorias

apresentadas anteriormente, tanto em relação às questões como em relação às respostas

dos alunos: a) ativação de conhecimento prévio; b) literal; c) literal-inferencial; e d)

inferencial. As questões e as respostas dos alunos serão agrupadas nessas categorias e

analisadas comparativamente entre si e entre elas e o gabarito apresentado pelos livros.

Para o desenvolvimento da análise, foi importante dividir as respostas literais que

atendem ao gabarito e as que não atendem. Destaco ainda que, como essas atividades

foram aplicadas em dias diferentes de aula, não necessariamente o número de alunos

336

que as responderam será o mesmo para todas. Além disso, os alunos foram autorizados

a responderem as questões na língua de sua preferência (português, espanhol ou

misturando as duas).

7.2.1. Atividade do livro “Arriba”

A atividade selecionada do livro “Arriba” se encontra na seção “Entretextos”, ao

final da unidade 6: “Estoy perdido”. Os objetivos da unidade são apresentados na

imagem abaixo. Nela, é possível observar que não há qualquer objetivo proposto que

envolva habilidades de leitura, o que pode levar à compreensão de que o texto está

apenas servindo a esses objetivos “comunicativos”, centrados no uso de certas

expressões. Ou, como postulado anteriormente, que a atividade de leitura se encontra ao

final justamente por ser uma atividade extra sem qualquer relação com o trabalho

desenvolvido na unidade e que, portanto, pode ser facilmente dispensada.

Figura 22 - Objetivos da unidade 6 - "Estoy perdido" do livro "Arriba"

A atividade se apresenta em uma única página (RINALDI e CALLEGARI,

2004, p. 102), como se pode ver na figura 23. Logo de início, se pode notar que não há,

antes do texto, qualquer questão de pré-leitura. Entretanto, aparece para o professor uma

instrução logo abaixo do texto:

Explícales que el barrio de La Boca está en Buenos Aires, Argentina y

diles que se acuerden del equipo de fútbol Boca Juniors. Ofréceles

ayuda con el vocabulario si hace falta, o diles que consulten un

diccionario o el glosario del final del libro. Después de la lectura, diles

que contesten a las preguntas de comprensión (RINALDI e

CALLEGARI, 2004, p. 102).

337

Figura 23 - Atividade de leitura do livro "Arriba" respondida pelos alunos

338

A partir dessas orientações, é importante observar que o trabalho com o

conhecimento prévio é tratado com o mesmo peso que orientações que não fazem falta

ao trabalho do professor, como a de que ele precisa pedir aos alunos para que façam a

atividade, por exemplo. Nota-se também que o livro acredita que o conhecimento prévio

é dado e, por isso, comum a todos, uma vez que ele parte do pressuposto de que os

alunos já conhecem o time Boca Juniors, e, por isso, o professor apenas precisa lhes

lembrar disso.

Além disso, como se poderá ver a seguir, essa informação não faz qualquer

diferença no desenvolvimento da atividade. Inclusive, a informação de que o bairro está

na Argentina já aparece no texto, não precisando, assim, ser apresentada pelo professor.

Deveria, na verdade, ser feito um trabalho maior anteriormente à leitura do texto que

fosse além dessa identificação e que efetiassem contribuísse para a ativação / construção

de conhecimentos prévios que pudessem auxiliar os alunos em suas leituras.

Todas as questões que seguem à primeira leitura do texto são questões literais,

com respostas facilmente localizáveis no texto:

a) ¿Dónde surgió el barrio La Boca, que está en Buenos Aires?

Alrededor del primer puerto natural.

b) ¿De qué país eran los principales inmigrantes del nuevo barrio?

De Italia.

c) ¿Qué hay en la escuela Pedro de Mendoza?

Hay una escuela primaria, un museo y un teatro.

d) ¿Qué hay de especial en las casas de la calle Garibaldi?

Son hechas de chapa y pintadas de varios colores alegres como verde,

amarillo, rojo, celeste, naranja, azul.

e) ¿En la calle Caminito pasan coches? ¿Por qué?

No, porque es una calle peatonal, o sea, en ella sólo se puede caminar.

Em relação a essas atividades, as respostas dos alunos foram classificadas de

acordo com o quadro abaixo:

Tabela 3 - Respostas da atividade de leitura selecionada do livro "Arriba"

Qu

estã

o Respostas

To

tal

Conhecimen

to Prévio

Literal igual

ao gabarito

Literal

diferente do

gabarito

Literal-

inferencial

Inferencial Branco

A - - 12 60% 8 40% - - - - - - 20

B - - 16 80% 4 20% - - - - - - 20

C - - 20 100% - - - - - - - - 20

339

D - - 12 60% 8 40% - - - - - - 20

E 3 15% - - 13 65% - - 4 20% - - 20

Como todas as questões são literais e, portanto, exigem dos alunos a seleção de

informações explicitamente apresentadas no texto, a maior parte das respostas dos

alunos cumpriram com o esperado pelo livro, sendo também literais. Entretanto, é

interessante observar que, nem sempre, essa seleção correspondeu ao que o livro

apresentou como gabarito, o que revela o caráter seletivo de qualquer leitura.

Observando questão por questão, é possível entender melhor como essas respostas

foram selecionadas pelos alunos.

Em relação à primeira questão, 8 respostas são diferentes da esperada pelo livro

e 12 correspondem ao gabarito, não necessariamente com resposta idêntica à proposta

pelo livro, mas indicando, de alguma maneira, que La Boca surgiu perto ou nos

arredores de um porto natural. As respostas que se diferiram disso podem ser divididas

em dois grupos. O primeiro grupo é composto por 5 alunos que responderam

“Argentina”, que, apesar de não corresponder ao gabarito proposto, também responde

corretamente à questão. Aqui é interessante observar que estes alunos, ao invés de

utilizarem o frame centro-periferia para responderem uma questão sobre a espacialidade

do bairro, utilizaram o frame de contêiner, uma vez que esse bairro se encontra dentro

de um país. Essas respostas, inclusive, apresentam um padrão mais prototípico para a

questão “Onde?” do que a sugerida pelo gabarito. O segundo grupo apresenta respostas

que selecionaram palavras ou trechos aparentemente aleatórios do texto:

2 – La boca es un barrio lleno de sorpresas e historia.

10 – escuela

20 – Escuelas

Essas respostas demonstram que os alunos não entenderam a questão ou não

entenderam o texto. Entretanto, é interessante observar que, mesmo assim, a estratégia

selecionada por eles foi a seleção e a cópia de algum fragmento do texto, o que

demonstra que esse modelo de interação com o texto e com as questões do livro didático

foi aprendido ao longo de seus anos de escolaridade.

Na segunda questão, além dos 16 alunos que responderam como o gabarito,

indicando que os imigrantes eram italianos, apresentaram-se 4 respostas diferentes

dessa. Duas delas propõem que os imigrantes eram da Argentina, e duas delas que eles

340

eram da Argentina e da Itália, o que demonstra, provavelmente, apenas a incompreensão

do que significa a palavra “inmigrante”, ainda que o mesmo frame de nacionalidade

tenha sido ativado em todas as respostas.

Na quarta questão, encontram-se 12 respostas semelhantes à proposta pelo

gabarito, indicando, de alguma maneira, uma das duas características nele apresentadas

para as casas da rua Garibaldi: serem feitas de chapas metálicas e serem coloridas.

Outras seis respostas foram também literais, mas apresentaram outra característica que,

segundo os alunos que as responderam, tornariam as casas dessa rua especiais: o fato de

haver uma linha de trem passando no meio da rua. Outras duas selecionaram

características de outra rua – a Caminito: a presença de uma feira artesanal e de um

teatro. Em relação a essas outras respostas, é interessante observar como elas ampliam,

em relação à proposta do gabarito, o frame de “casa especial” ao trazerem para essa

caracterização também elementos externos a essas casas e que se encontram ao redor

delas. Assim, muitos, por exemplo, consideram mais especial o fato dessas casas

estarem em uma rua em que passa uma linha de trem do que o material com que elas foi

feito e as cores com que foram pintadas. Muito provavelmente, isso se dê em função da

sua própria experiência com elementos que compõem o seu frame “casa”,

A quinta questão apresenta resultados mais interessantes. Para entendê-los, é

preciso observar que a questão exige um conhecimento lexical de uma palavra

específica, uma vez que a resposta sugerida pelo gabarito traz a necessidade de que o

aluno saiba o significado de “peatonal” e saiba que esse tipo de rua é exclusivo para

pedestres. Assim, a resposta depende tanto do conhecimento lexical de “peatonal” como

da ativação do frame de rua para pedestres (“calle peatonal”) pelos alunos, algo

incomum em nossas cidades e inexistente nas regiões próximas a que os alunos vivem.

Além disso, ainda que a questão não aponte explicitamente para nenhum fragmento do

texto, como nas anteriores, sua resposta exige o reconhecimento e a seleção de um

fragmento do texto. Sem, entretanto, conhecerem o significado dessa palavra e sem

serem direcionados pela pergunta a qualquer fragmento do texto, os alunos receberam a

questão de diferentes modos, e nenhum deles deu a resposta esperada pelo gabarito.

Do total de 20 alunos, 13 selecionaram outras informações para justificar sua

resposta, 4 deram respostas inferenciais e 3 apenas ativaram seu conhecimento prévio,

ignorando informações dadas pelo texto. Das 13 respostas literais, 9 indicaram que não

poderia passar carros ali, porque a rua é um museu ou uma feira de artesanatos a céu

341

aberto. Dessa maneira, a experiência dos alunos com museus ou feiras, e a ativação

desses frames em sua memória, fez com que eles chegassem à conclusão esperada pelo

gabarito. Outras quatro indicaram também que não, pois há uma linha de trem no meio

dela, confundindo a Rua Garibaldi com a Rua Caminito. As respostas que demonstram

apenas a ativação de conhecimento são de duas naturezas diferentes. Duas delas partem

apenas da forma da palavra “peatonal”, traduzindo-a por “pantanal” e apontando que

não poderia passar carros na rua por isso. Assim, ignoram-se outras informações do

texto que comprovam que não havia um pantanal ali. A outra resposta igualmente

ignora informações do texto e diz que:

19 – Sim, porque era uma rua normal.

Já as respostas inferenciais podem ser divididas em dois grupos. No primeiro

dele, encontram-se duas respostas baseadas em inferências lexicais, que fazem

referência ao tamanho da rua em função de seu nome estar no diminutivo. Assim, a

palavra “Caminito” ativou ou criou um frame de “rua pequena” e fez com que eles o

opusessem, através de um processo inferencial ao frame de “rua onde passam carros”.

Considerando-se as localidades em que esses alunos vivem, em bairros pobres ou

favelas, é possível que conheçam ruas pequenas (estreitas) nas quais, de fato, é

impossível que carros passem.

16 – Não, porque o caminho é muito pequeno.

18 – Não, porque o caminho é muito pequeno.

As outras duas respostas justificaram o fato de passar carros na rua Caminito

pelas coisas que atrairiam a ida de pessoas até ela. Dessa forma, passariam carros ali

porque essa seria uma das formas de se chegar até essas coisas. Sem o conhecimento do

que seria uma rua “peatonal”, lexicalmente e experiencialmente, os alunos construíram

inferências mais globais a partir de outros elementos apresentados no texto, ativando o

frame de trajetória e negando, assim, a possibilidade de que não passem carros em uma

rua com tantos atrativos.

3 – Sim, porque eles querem i ao museu Caminito.

9 – Sim, porque tem muitas coisas que algumas pessoas gosta.

Nessa atividade, assim, é possível observar pequenos caminhos tomados pelos

alunos que rompem com a lógica reprodutiva em relação ao trabalho com a leitura

proposto pelo livro, mesmo que a atividade não tivesse pensado neles. Dessa forma,

ainda que o livro se proponha a construir políticas de recognição em sala de aula e

342

fomentar uma visão de leitura como repetição do que já foi dito, alguns alunos

romperam com essa lógica e buscaram apresentar respostas que demonstrassem algum

nível de reflexão sobre o que leram. Como se pode ver, isso se deu em uma proporção

muito pequena, o que demonstra por um lado que os alunos, mesmo estando no 6º ano

de escolaridade, aprenderam que, na escola, ler é repetir e cumpriram com o esperado

na maior parte das questões, mesmo quando selecionavam outros fragmentos que não o

esperado pelo gabarito. Nesse sentido, não reproduziram o que se esperava, mas

reproduziram o comportamento esperado do aprendiz escolar.

7.2.2. Atividade do livro “Radix”

A atividade selecionada do livro “Radix” já foi apresentada anteriormente e se

encontra na seção “Leyendo”, ao final do módulo 6: “El vestuario”. Os objetivos da

unidade são apresentados na imagem abaixo. Nela, como no livro anterior, é possível

observar que não há objetivos propostos para as atividades de leitura. Todos fazem

referência direta a conhecimentos lexicais, gramaticais e ortográficos. Assim,

novamente, pode-se entender que o texto está apenas servindo a esses objetivos ou,

como antes, que a atividade de leitura pode ser considerada uma atividade extra

facilmente dispensada.

A atividade apresentada, no livro, em duas páginas, propõe ao aluno as seguintes

questões:

a) ¿Qué hace Laurita?

Laurita hace dibujos en la pared.

b) ¿Dónde habían ido los padres de Laurita?

Habían ido a trabajar.

c) Como siempre, ¿con quién se quedaba Laurita?

Se quedaba sola, con Humo, su gato gris.

Figura 24 - Objetivos do Módulo 6 – “El vestuario” do livro "Radix"

343

d) Retira del texto la frase que demuestra que a Laurita le gusta

dibujar.

“¡Qué lindo era hacer dibujos de colores!”

e) ¿A qué compara Laurita los lápices de color?

A caramelos.

f) (...)

g) ¿Cómo era aquella mañana?

Aquella mañana era mojada y solitária.

h) ¿Dónde pintaba Laurita y qué pintaba?

En una de las paredes, y pintaba patos, trenes, barcos y manigotes.

i) ¿Y a ti te gusta dibujar? ¿Dónde dibujas? ¿Qué dibujas?

Respuesta Personal.

Tem-se, então, sete questões de nível literal e uma questão, ao final, que solicita

apenas a ativação de conhecimento prévio dos alunos. A questão f não foi analisada

porque é uma questão de múltipla escolha. Em relação a essas atividades, as respostas

dos alunos foram classificadas de acordo com o quadro abaixo:

Tabela 4 - Respostas da atividade de leitura selecionada do livro "Projeto Radix"

Qu

estõ

es Respostas

Tota

l

Conhecimen

to Prévio

Literal

igual ao

gabarito

Literal

diferente do

gabarito

Literal-

inferencial

Inferencial Branco

A - - 25 96% 1 4% - - - - - - 26

B 1 4% 25 96% - - - - - - - - 26

C 1 4% 25 96% - - - - - - - - 26

D - - 10 38% 13 50% - - - - 3 12% 26

E - - - - 25 96% - - - - 1 4% 26

G - - 8 31% - - 3 12% 11 42% 4 15% 26

H 1 4% 24 92% - - - - - - 1 4% 26

I 26 100% - - - - - - - - - - 26

Em relação às três primeiras questões, pode-se observar que as respostas dadas

pelos alunos manifestam um comportamento muito parecido: em todas três, apenas um

aluno deu uma resposta diferente da esperada pelo gabarito. Para a primeira questão,

apenas um aluno não respondeu que Laura desenhava ou pintava e focalizou outra parte

do texto, apontando que:

25 – Laurita ficava com o gato dela quando a mamá y papá ia trabajar.

344

Já para as outras duas questões, na verdade, as respostas que se diferenciam da

esperada do gabarito vêm de um mesmo aluno e se derivam, muito provavelmente, de

dificuldades de leitura mais básicas ou de falta de interesse na tarefa:

2 – b) A escola.

2 – c) Senhora Remedios.

Em relação à questão “d”, aparece já um dado interessante, uma vez que a maior

parte das respostas dadas não corresponde à proposta pelo gabarito, ainda que sejam

também literais. O mais significativo é que a maior parte delas selecionou um mesmo

fragmento do texto – a primeira frase dele: “Voy a hacer dibujos en la pared”. Nesse

sentido, é interessante observar como esses alunos buscaram na fala da própria

personagem a comprovação de que ela gostava de desenhar. Ainda que tanto esses como

os que corresponderam ao gabarito tenham selecionado fragmentos do texto, cada um

dos grupos de alunos evidenciou um caminho de comprovação, a partir de sua própria

concepção de “demonstrar”.

Ao ativarem o frame correspondente a essa ação, dez alunos selecionaram o

mesmo fragmento proposto pelo gabarito, buscando a demonstração do conteúdo

proposto pela questão, outros dez alunos selecionaram o fragmento anteriormente

citado, buscando a demonstração de que Laurita havia falado algo em relação ao

conteúdo proposto pela questão. Além desses, dois alunos selecionaram outros

fragmentos, muito provavelmente guiados pelo uso da palavra “gosta” na questão e da

palavra “gustaba” no texto. Esses dois alunos copiaram em suas respostas, então, o

fragmento “Le gustaba sin embargo pensar en esos brillantes lápices de aceite que

tenían algunos chicos”. Outros três deixaram a questão em branco, o que também é

significativo se observarmos que esse é, até então o índice de não respostas mais alto,

justamente em uma questão com mais respostas diversas, ainda que todas literais.

A questão “e” traz um dado interessante também, uma vez que nenhuma das

respostas dadas pelos alunos estava de acordo com o gabarito, ainda que, com exceção

de uma única resposta em branco, todas elas também tenham sido também literais. O

gabarito esperava que os alunos entendessem que Laurita compara os lápis de cor com

balas (“caramelos”). Provavelmente, sem entenderem que “caramelos” eram balas, de

modo geral, e que a lista apresnetada eram sabores dessas balas, quatro dos alunos

apresentaram os sabores de bala citados ao longo do texto em suas respostas: “frutilla,

menta, chocolate, limón, dulce de membrillo, coca-cola”. Outros 17 alunos

345

categorizaram essas palavras, buscando frames que pudessem ser compostos pelos

sabores de balas citados ao longo do texto, e responderam que ela comparava os lápis a

“comidas”, “gostos”, ou “sabores”. Dois alunos disseram ainda que ela os compara a

“frutas”, focalizando mais as frutas citadas do que os outros sabores. Outros três alunos

selecionaram ainda outros fragmentos, sendo dois deles outros materiais que a Laurita

usava para desenhar no texto, fugindo, assim, dos frames ativados pelos colegas nas

respostas anteriores:

23 – Negro y azul.

20 – Compara com giz, carvão e tijolos.

10 – Ao tijolo pedra e giz.

A questão “g” é a que traz a maior diversidade de respostas. Nela, apenas 7

alunos disseram que a manhã era “molhada e solitária” como apontava o gabarito

proposto pelo livro didático. Quatro alunos deixaram a questão em branco. Além desses,

8 alunos selecionaram a informação de que a manhã era “molhada” e responderam que

era uma manhã chuvosa, de chuva ou com muita chuva, explicitando aí uma inferência

de baixo nível. Dessa forma, a ideia de “manhã molhada e solitária” apresentada no

texto ativou o frame de “manhã chuvosa”, levando-os a essa explicitação. Outros 6

alunos também deram respostas inferenciais, sendo 3 delas apoiadas em trechos

selecionados do texto e também copiados nas respostas. Nesses casos, a ativação do

frame “solidão” fez com que os alunos o integrassem às suas experiências com esse

frame e fizessem os julgamentos apresentados em suas respostas:

24 – A manhã dela era um pouco bom por que sempre os pais delas

saia é ela ficava em casa.

25 – Era ruim por que ela ficava sozinha.

22 – Uma manhã triste como siempre.

As outras respostas inferenciais não aparecem explicitamente respaldadas em

fragmentos do texto, mas são passíveis de terem sido derivadas da integração entre os

conhecimentos prévios dos alunos e o texto lido. Os alunos podem ter ativado outros

frames a partir de outros fragmentos do texto, como os de diversão, em função dos

desenhos, ou de rotina, por exemplo e tê-los integrado com suas experiências:

21 – manera

23 – bem, boa, cauma, como outra qualquer

26 – normal

Nas questões anteriores, como no livro anterior, foi possível observar que,

mesmo em questões literais, não há como garantir que os alunos selecionem os mesmos

346

fragmentos selecionados pelos autores dos livros didáticos. Aqui, é possível ver que,

além disso, não é possível garantir que, para uma questão literal, não haja respostas

inferenciais. Nesse sentido, pode-se observar, então, que, mesmo em questões literais e

mesmo em tarefas centradas em práticas reprodutoras, os alunos podem fugir do que se

espera e resgatar a natureza inferencial de qualquer leitura ao formular suas respostas.

Assim, mesmo que o livro não espere, alguns alunos se colocam como agentes de sua

leitura e, nesse momento, se permitem ir além do que está explicitamente apresentado

no texto, demonstrando que o que ali está não dá conta de expressar o que é pedido pela

questão.

Prosseguindo, as questões “h” e “i” não fogem do esperado. Para a segunda,

como se tratava de uma questão de ativação do conhecimento prévio, os alunos fizeram

o que se esperava deles e ativaram seus conhecimentos para responderem à questão.

Para a questão anterior, a grande maioria dos alunos selecionou o mesmo fragmento

esperado pelo gabarito do livro didático. Apenas um aluno deixou a questão em branco

e outro deu uma resposta que apenas representou a ativação de seu conhecimento

prévio, ignorando informações dadas pelo texto:

2 – Na escola ela pintava desenhos.

De forma geral, então, em relação a esse livro, é possível observar que a maior

parte dos alunos fez o que se esperava deles, selecionando fragmentos explicitamente

apresentados no texto para comporem suas respostas, uma vez que todas as questões,

com exceção da última, eram questões literais. Entretanto, ainda assim, foi possível

observar que mesmo a seleção de informações pode ser imprevisível dependendo da

questão que é proposta aos alunos, e que, além disso, eles podem ir além do que lhes é

proposto, se entendem que apenas a extração de um fragmento do texto não dá conta de

explicar o que se pede.

Tudo isso revela o potencial inventivo dos alunos em oposição às restrições

impostas por uma prática centrada na recognição, na ideia de leitura como reprodução

do que já foi dito. Mesmo que não haja crença em qualquer possibilidade de

agentividade por parte do leitor no desenvolvimento de sua tarefa, os alunos

demonstram que podem ser agentivos em suas leituras e criar sentidos que vão além da

recepção do que está explícito. Vamos observar agora como eles reagem a atividades

mais inferenciais, propostas pelos dois livros aprovados no PNLD 2014.

347

7.2.3. Atividade do livro “Cercanía”

A atividade aplicada do livro “Cercanía” se encontra na Unidade 2, intitulada de

“Cine en casa: ¡a convivir con la familia y la pandilla!”. Os objetivos desta unidade são

apresentados na imagem abaixo:

Figura 25 - Objetivos da Unidade 2 - "Cine en casa: a convivir con la familia y la pandilla!" do livro

"Cercanía"

Assim, é possível ver que, diferentemente dos livros inicialmente analisados, há

uma ampliação de objetivos para além do aprendizado de estruturas da língua, ainda que

tais objetivos também se apresentem. Entretanto, nenhum desses objetivos envolve

habilidades ou competências de leitura. Na verdade, excluindo-se os elementos

estruturais, não há nenhum objetivo linguístico ou de aprendizado da linguagem. Todos

são objetivos que podemos chamar de temáticos, envolvendo questões relativas à

família e ao cinema.

A atividade de leitura aplicada se adéqua perfeitamente a esses objetivos, uma

vez que envolve as duas temáticas centrais da unidade: o cinema e a família, ao solicitar

que os alunos leiam a capa e a contracapa de um DVD. É interessante observar que,

diferentemente das outras atividades aplicadas, essa apresenta um objetivo de leitura

para o aluno: “elegir si se quiere ver o no la película”. A última pergunta da atividade

toda, inclusive, retoma esse objetivo. Entretanto, como se pode ver, as questões parecem

tomar caminhos dispersos, nem sempre encaminhando o aluno para o alcance desse

objetivo. Assim, se entrecortam questões literais, inferenciais e de ativação de

conhecimento prévio que buscam fazer com que o aluno pense sobre o gênero textual,

sobre o filme apresentado e sobre a leitura de uma capa e contracapa de um DVD, como

forma de decidir se quer ou não assistir ao filme.

348

Figura 26 - Atividade de leitura do livro “Cercanía” respondida pelos alunos - 1a página

349

Figura 27 - Atividade de leitura do livro “Cercanía” respondida pelos alunos - 2a página

350

Figura 28 - Atividade de leitura do livro "Cercanía" respondida pelos alunos - 3a página

351

A partir delas, é possível observar que há ainda outro objetivo de leitura, que é a

compreensão da estrutura do gênero sinopse de filme, mas esse objetivo não é

explicitado ao aluno. Nesse sentido, pode-se notar que se explicita um objetivo de

leitura em termos do que o texto apresenta, mas não se faz o mesmo em função de um

processo de aprendizagem (cf. NELSON e NARENS, 1996).

É possível ver que a atividade, como todas as atividades do livro, é dividida em

três partes: a primeira trabalha com a pré-leitura, a partir da leitura de uma capa de

DVD. A segunda é o momento da primeira leitura do texto e a terceira é o momento em

que as questões de leitura aparecem, podendo levar ou não o aluno a fazer novas leituras

dos textos em função do que se pergunta. Para o desenvolvimento da análise aqui

apresentada, também trabalharei com a divisão proposta pelo livro. Assim, num

primeiro momento, trabalho com a análise das questões de pré-leitura e depois com as

questões de leitura do texto principal.

No momento de pré-leitura, parece que um novo objetivo de leitura se coloca,

mas esse objetivo é retomado somente ao final da atividade toda. Antes do aluno ler a

capa do DVD, pergunta-se a ele: “¿Sabes qué es una familia ensamblada? Mira la tapa

del DVD de la película Míos, tuyos, nuestros y haz hipótesis”. Aqui é interessante que

leva-se o aluno a pensar sobre um termo que não aparece no texto, de modo bastante

artificial, posto que o trabalho com a inferência lexical precisa ser feito a partir do que

aparece no texto. No caso da atividade, da forma como o enunciado está colocado,

parece que o texto está ali para servir a esse conhecimento lexical. Depois, esse

levantamento de hipótese não é retomado. Faz-se apenas uma observação ao professor:

Probablemente los alumnos todavía no conocen el significado del

verbo ensamblar. Pero algunos elementos de la tapa del DVD pueden

ayudarles a comprender que ensamblar significa “unir, juntar, ajustar”.

El uso de los pronombres míos y tuyos remite a la junción (unidad) a

partir del posesivo nuestros.

As questões de pré-leitura, a partir da leitura da capa, são postas assim:

1. Básandote en la tapa, la película es esencialmente: ( ) de horror. (x)

de comedia. ( ) de aventura. ( ) de ciencia ficción. ( ) de amor.

2. ¿Qué elementos te permiten inferir el género de la película?

La pelota, el skate, el cerdo comiendo pizza, los hijos intentando salir,

la frase “¡qué locura!”, las expresiones de los padres.

3. ¿Qué esperas ver en esa película? ¿Cómo debe ser su trama?

Por la tapa, se espera ver una película entretenida con mucho lío, pues

las expresiones en el rostro de los padres son de susto. Están

intentando cerrar las puertas para que sus hijos no se encuentren.

352

Además hay un cerdo comiendo una pizza. Son dos padres y 18 hijos;

probablemente, habrá problemas.

Assim, notam-se duas questões inferenciais – a primeira e a terceira – e uma

questão literal que busca justificar a primeira questão literal. A terceira questão também

é derivada das duas anteriores. Em relação à primeira, todos os 18 alunos que

responderam a atividade disseram que o filme seria um filme de comédia. Para as outras

duas questões, a classificação das respostas ficou assim:

Tabela 5 - Respostas dos alunos à atividade de pré-leitura do livro Cercanía

Qu

estõ

es

Lit

era

is Respostas

To

tal

Conhecimen

to Prévio

Literal igual

ao gabarito

Literal

difer. do

gabarito

Literal-

inferencial

Inferencial Branco

2 - - 4 22% 11 61% 2 11% 1 6% - - 18

Qu

estõ

es

Infe

ren

c.

ais

Conhecimen

to Prévio

Literal Literal-

inferencial

Inferencial

igual ao

gabarito

Inferencial

difer. do

gabarito

Branco

Tota

l

3 - - 1 6% - - - - 17 94% - - 18

Pode-se ver, assim, que boa parte das respostas dadas pelos alunos não atendeu

ao esperado pelo gabarito do livro, mesmo que todos tenham identificado que se trata de

um filme de comédia. Esse é um dado interessante, inclusive, porque o livro não

apresenta qualquer flexibilização em relação às respostas esperadas, o que contraria a

essência de um trabalho com a construção de conhecimento prévio e com o plano

inferencial de leitura, esperado em um modelo de três etapas como esse.

Sobre a primeira, apresentam-se apenas duas respostas literais-inferenciais, em

que aparece uma inferência construída pelos alunos acompanhada de informações

extraídas da linearidade do texto:

3 – Eu que todos são bagunceiros que são 18 nem uma casa.

7 – Por causa que eles querem se “livrar” das pessoas, pelas caras

deles, e pela frase ali no canto.

Além dessas, como resposta não literal, aparece uma resposta que foi

classificada como inferencial, apesar de o aluno ter acreditado que dava uma resposta

literal, uma vez que ele diz que, na capa do DVD, há uma informação que, em nível

explícito, não existe:

353

9 – Porque eu acho que filme de comédia porque a capa está falando

que é de comédia

Dentre as respostas literais, aparecem 4 que, de algum modo, correspondem a

elementos apresentados no gabarito da questão:

13 – Pela cara deles e das crianças.

12 – Pela cara deles e das crianças.

11 - ¡qué locura!

4 – Pelo jeito que a cara deles eles estão.

Ainda que elas correspondam parcialmente ao gabarito, pode-se notar que

nenhuma delas explica realmente porque elas embasam a inferência construída de que

se trata de um filme de comédia. Na verdade, o gabarito, ao focar exclusivamente na

linearidade do texto, também não o faz. Entre as respostas que não correspondem ao

gabarito, vê-se a mesma situação, com algumas respostas pouco precisas:

18 – pela capa

16 – pela foto e pelo nome

15 – Os elementos que me fais acha que esse filme é de comedia é por

que tem um homem e uma mulher fazendo senas engrasadas.

17 – pela foto engraçada

14 – a foto aparece muita gente

10 – eles segurando a porta

8 – gênero textual

1 – a capa de um DVD

5 – dois pais segurando a porta

6 – é muita familia

2 – que eles estão fugindo dos filos

Assim, a maior parte dos alunos foi capaz de responder à questão, apresentando

elementos da capa do DVD que fizeram com que, ao integrá-los às suas experiências,

ativassem o frame de filme de comedia. Entretanto, sem que a questão peça e ensine o

aluno a explicitar a integração entre seus conhecimentos prévios e as informações do

texto, não aparecem respostas que efetivamente expliquem as inferências construídas,

ou seja, que expliquem o processo em sua totalidade e não que apenas apontem para a

linearidade do texto.

Na questão 3, inferencial, acontece o mesmo: explicitam-se inferências, mas

não se explicam como elas foram construídas. O curioso é que o gabarito dessa questão

aponta para movimentos integrativos, explicitando inferências e elementos do texto que

as embasam. Entretanto, isso não aparece na questão, o que nos leva mais uma vez à

percepção de que há uma naturalização do aprendizado da leitura e de que o livro

acredita que o aluno deva aprender as habilidades de leitura que ele lhes exige apenas

354

por tentativa e erro. Assim, nenhuma das respostas acompanha o gabarito. Nos

exemplos abaixo, é possível ver como as respostas dos alunos se constroem de forma

vaga ou focadas simplesmente na ideia de comédia ou na ideia de família com

problemas, ou seja, apresentando apenas, e novamente, o frame ativado a partir da

leitura da capa do DVD ou apenas o resultado do processo de integração entre ele e o

conhecimento prévio, mas nunca o processo em si:

6 – muita comédia

5 – Uma familia com muitas dificuldades na familia

2 – uma familia muito bagunçada.

1 – um filme engraçado

10 – Muito engraçada. Muita palhaçada.

17 – muito legal, muita diversão.

15 – Espero ver uma familia com varios filhos com problemas de

convivência um com o outro.

9 – muito engrasada

12 – Uma familia muito maluca.

Além delas, há uma resposta literal que seleciona um fragmento do texto que

aparece na capa: “8 - 18 hijos, uma casa...¡qué locura!”. Assim, é possível observar que,

apesar de partir uma ideia interessante – a ativação e construção de conhecimentos

prévios por parte dos alunos a partir da leitura da capa do DVD –, o trabalho de pré-

leitura pouco contribuiu para o desenvolvimento da leitura da sinopse, a não ser pelo

fato de os alunos terem hipotetizado que se trata de um filme de comédia – algo pouco

retomado nas questões seguintes.

Na etapa seguinte, aparece o enunciado que propõe efetivamente um objetivo

para a leitura do texto pelo aluno:

En la contratapa de un DVD aparece la sinopsis de la película, que nos

cuenta un poco sobre la historia que se verá. Pero, además de la

sinopsis, hay otras informaciones, tales como idiomas, subtítulos,

duración, escenas extras, entre otras. Pon atención en todo y, al final

de las actividades, vas a decir si quieres ver o no esa película.

Entretanto, ao mesmo tempo em que apresenta um objetivo específico para a

leitura dos alunos, o enunciado se contradiz ao pedir a eles que ponham atenção em

tudo, como se, para cumprir esse objetivo específico, fosse necessário fazer uma leitura

detalhada de toda a contracapa do DVD. Essa contradição em relação às instruções

acaba por negar a possibilidade de o aluno desenvolver estratégias, habilidades e

competências de leitura relativas ao cumprimento de um objetivo para sua leitura, o que,

consequentemente, atrapalha seus processos inferenciais.

355

As questões sobre a leitura do texto principal – a contracapa do DVD –

apresentam também o trabalho com diferentes níveis de leitura e diferentes objetivos.

Entretanto, não há uma progressão entre as questões em direção ao objetivo pretendido

pela atividade, como se pode ver abaixo:

1. Por la sinopsis ¿qué quiere decir el título de la película Míos, tuyos,

nuestros?

Un hombre soltero tiene sus propios hijos y forman una familia; una

mujer soltera tiene los suyos y forman otra familia. Si se unen estas

dos famílias en una sola, el hombre y la mujer ya no podrán hablar

sólo de “mis hijos”y “tus hijos”sino también de “nuestros hijos”.

2. ¿Qué informaciones hay en la sinopsis? ¿En ella se debe elogiar o

criticar el filme?

La sinopsis presenta de forma objetiva y sintética la estructura

narrativa de una película, a partir de su trama principal, destacando los

elementos de espacio/tiempo, personajes y situaciones clave. La

sinopsis debe elogiar el filme para que las personas quieran verlo.

3. ¿Se puede contar el desenlace? ¿Por qué?

No se puede contar el desenlace ya que el lector, si sabe el desenlace,

problablemente, no querrá ver la película. Hay que mantener la

curiosidad de ver en qué acaba todo.

4. Según la sinopsis, ¿los hijos están de acuerdo con el matrimonio?

¿Qué hacen?

En la sinopsis se dice que las dos famílias chocan desde el primer

momento, de modo que los hijos traman un plan para sabotear el

matrimonio.

5. La película Míos, tuyos, nuestros es esencialmente una comedia.

En la sinopsis, ¿cuál es la expresión que aparece relacionada con la

risa?

La expresión es “reír a carcajadas”.

6. ¿Cómo imaginas que será el final de la película?

Las respuestas son personales, pero los alumnos tienen que decir si la

pareja se mantendrá o no, o sea, si los hijos conseguirán o no sabotear

el matrimonio.

7. ¿Qué otras informaciones da la contratapa? Anota los elementos

más importantes.

Actores principales: Dennis Quaid y Rene Russo

Idiomas: español, inglés, catalán e italiano

Subtítulos: español, inglés, portugués, italiano, holandês, e hindu

Duración: 84 minutos

8 ¿Qué elementos extras trae el DVD? ¿Para qué sirven?

Los elementos extras son: comentarios del director, escenas

eliminadas, cómo se hizo la película, el trailer del cine y algunos

documentales. La función de esos extras es añadir informaciones

sobre la película, su temática, su técnica y exponer puntos de vista de

los que trabajaron en la película, su temática, su técnica y exponer

puntos de vista de los que trabajaron en la película sobre el proceso de

trabajo a lo largo de las grabaciones.

9. La película trata de una familia ensamblada, esto es, formada por

personas que fueron casadas y que tienen hijos de otro matrimonio.

¿Conoces alguna familia así?

Respuesta personal.

356

10. ¿Te dan ganas de ver la película? Si vas a alquilarla, ¿qué tal hacer

palomitas para comer mientras te diviertes con tus amigos?

La respuesta es personal, si al alumno le gustan películas de comedia

le darán ganas de ver la película.

Como as questões aparecem de modo não progressivo, para facilitar a

compreensão de como os alunos lidam com os diferentes tipos de questões, na tabela

abaixo e na análise que se segue a ela, agrupei as questões de ativação de conhecimento

prévio, as questões literais, as questões inferenciais e as questões literais-inferenciais.

As respostas dos alunos foram classificadas assim, segundo cada tipo de questão:

Tabela 6 - Respostas dos alunos à atividade de leitura do livro "Cercanía"

Qu

estõ

es

Lit

era

is Respostas

To

tal

Conhecimen

to Prévio

Literal igual

ao gabarito

Literal

difer. do

gabarito

Literal-

inferencial

Inferencial Branco

4 - - 18 100% - - - - - - - - 18

5 - - 6 33% 7 39% - - - - 28 % 18

7 - - 18 100% - - - - - - - - 24

Qu

estõ

es

Infe

ren

c.

ais

Conhecimen

to Prévio

Literal Literal-

inferencial

Inferencial

igual ao

gabarito

Inferencial

difer. do

gabarito

Branco

Tota

l

1 - - 14 78% - - 3 17% 1 5% - - 18

6 - - - - - - 4 22% 11 61% 3 17% 18

10 - - - - - - 18 100% - - - - 18

Qu

estõ

es

C.

Pré

vio

Conhecimen

to Prévio

Literal Literal-

inferencial

Inferencial

Branco

Tota

l

2 9 50% 3 17% 3 17% 2 11% - - 18

3 18 100% - - - - - - - - 18

9 18 100% - - - - - - - - 18

Qu

estõ

es

Lit

. In

f. Conhecimen

to Prévio

Literal igual

ao gabarito

Literal

diferente

do

gabarito

Inferencial

diferente do

gabarito

Literal

Inferencial

igual ao

gabarito

Literal

Inferencial

igual ao

gabarito

To

tal

8 1 5% 10 56% 1 5% 1 5% 2 11% 3 17% 18

357

Em relação às questões literais, é possível notar que, em duas delas, na 4ª e na 7ª

questões, todos os alunos atenderam ao que se esperava, localizando as informações

solicitadas no texto. Em uma delas, porém, há uma dispersão interessante entre as

respostas. Na questão que pede que os alunos localizem uma expressão relacionada ao

riso – questão 5 – 6 alunos selecionaram o fragmento esperado e outros 7 selecionaram

outros fragmentos, inclusive da capa do DVD, como se pode ver abaixo. Dessa forma,

sem talvez saberem o que significa a expressão “reir a carcajadas”, eles buscaram no

texto elementos que também estivessem relacionados ao frame de “riso”:

9 – Por causa do final.

10 – Eles seguram a porta cheia de filhos.

5 – Un viudo conochos hijos, dirige un lugar como se fuera un buque

de guerra.

6 – perturba

18 – del caos más absoluto

13 – en esta comedia

15 – en esta comedia

Além desses alunos, outros 5 deixaram a questão em branco. Sobre essa questão,

é importante salientar que ela poderia justamente servir como forma de levar o aluno à

comprovação da hipótese anteriormente levantada sobre o gênero do filme. Entretanto,

esse trabalho não foi feito, e a própria questão já confirma que se trata de um filme de

comédia, sem que o aluno seja levado a buscar essa informação. Como está posta, a

questão parece estar mais interessada em trabalhar apenas um conhecimento lexical

específico do que uma habilidade de leitura.

Em relação às questões inferenciais, apenas em uma delas todos os alunos

responderam o esperado pelo gabarito: justamente, na questão final que solicitava que

os alunos dissessem se querem ver o filme ou não. Isso aconteceu porque o gabarito

exigia apenas um sim ou não, sem qualquer tipo de justificativa em relação à resposta

dada. Do total de alunos, 5 disseram que não desejariam ver o filme e 13 disseram que

sim. O interessante é que, mesmo sem que a questão solicitasse, 2 alunos justificaram

suas respostas.

4 – Sim, pois parece emocionante.

7 – Tenho vontade de assistir o filme e faria pipoca porque o filme

parece legal e acompanhado com pipoca melhor ainda.

Quanto à questão 1, também inferencial, é possível notar que a maior parte dos

alunos a entendeu como sendo uma questão literal, apenas traduzindo o título para

“meus, teus, nossos” e / ou copiando palavras da sinopse que remetam a esses

358

pronomes, a partir do frame de família – foco do filme e de sua sinopse apresnetada na

contracapa do DVD, tais como “filhos / hijos” ou “familia / família”. Apenas três

alunos explicitaram a mesma inferência sugerida pelo gabarito, também a partir da

ativação do mesmo frame.

15 – Porque os filhos são dele e também tem os dela ai junta tudo vira

nosso.

7 – Primeiro, ele tem os filhos dele (míos) e ela tem os dela (tuyos) e

depois todos se junta (nuestros).

6 – Os filhos dele e os filhos dela juntos.

Além desses, outro aluno explicitou outra inferência, diferente das sugeridas

pelo gabarito, mas ainda dentro do mesmo frame, o que comprova que os alunos se

mantiveram em raciocínios próximos para responder à questão, inclusive, em relação ao

fato de não terem dado o detalhamento esperado pelo gabarito do livro.

1 – Parece ser uma família muito engraçada.

A questão 6 apresenta um gabarito interessante, porque ele solicita dos alunos

algo que não aparece na pergunta. A pergunta pede apenas que os alunos digam como

imaginam que será o final do filme e o gabarito pede que eles digam necessariamente se

o casal ficará junto ou não. Por conta disso, apenas 4 alunos corresponderam ao que o

gabarito sugeria:

5 – Eles se casam.

8 – O casamento dos pais vai acabar.

6 – O casamento vai acabar

15 – O casal vai resolver os problemas dos filhos e ficar juntos

Os outros alunos deram respostas diversas, tais como. Aqui, é interessante

observar como nas respostas anteriores o foco está no frame de casamento e de casal,

como esperava o gabarito, e, nas seguintes, no frames de família e de felicidade:

1 – Com todo mundo feliz.

6 – muito ruim.

7 – eu acho que eles vão acabar virando uma família unida e legal.

10 – Todos se separam.

2 – Eu imagino a familia inteira feliz.

3 – Eles se dão bem

18 – Um final feliz, com muito amor.

Assim, como a questão não orienta os alunos nesse processo, o que poderia ser

feito, inclusive, a partir da verificação de que realmente se trata de um filme de

comédia, as respostas, novamente, se apresentam de forma bastante vaga e sem

359

nenhuma justificativa, independentemente de estarem de acordo com o gabarito ou não.

Ainda se somam a essas respostas três outras deixadas em branco.

Entre as questões de ativação de conhecimento prévio, é possível notar que, em

duas delas, todos os alunos ativam seu conhecimento prévio para respondê-las. Uma

delas – a questão 9 – é uma questão como as que se apresentaram nos primeiros livros.

Ao final da atividade de leitura, pede-se para o aluno dizer se ele conhece uma família

“ensamblada”, após a própria questão dar a definição do termo. Dez alunos disseram

que não e 8 que sim. Nenhum deles justificou a resposta, mesmo porque a questão não

exigia isso.

As outras duas questões, na verdade, poderiam atuar como questões inferenciais

se remetessem à integração entre os conhecimentos prévios dos alunos e a leitura do

texto. São duas questões centradas na estrutura do gênero “sinopse de filme”.

Entretanto, como elas não fazem qualquer referência – nem em seus gabaritos – ao texto

lido, elas acabaram se tornando questões de ativação de conhecimento prévio, uma vez

que exigiriam do aluno um saber prévio sobre o gênero lido. Obviamente, os alunos

poderiam utilizar a leitura do texto para inferir informações sobre os gêneros, mas as

questões não parecem organizar-se em função disso. Assim, o livro parece esperar que

os alunos já saibam como se estrutura o frame “sinopse de filme” e não que construa

esse conhecimento em inte(g)ração com o texto.

Na questão 2, metade dos alunos ativou seu conhecimento prévio, respondendo

apenas à segunda parte da pergunta e dizendo que a sinopse deve elogiar ou criticar o

filme, sem qualquer justificativa, uma vez que a questão também não a exigia. Desses,

apenas 2 disseram que a sinopse deveria criticar o filme, fugindo do que o gabarito

esperava deles. Outros três trazem respostas literais, selecionando fragmentos do texto

lido:

16 – español, inglés

8 – tem que é de comedia e que tem cenas eliminadas

13 – O filme vai te fazer rir e ele é divertido.

Outros três dão respostas literais-inferenciais, respondendo às duas perguntas

propostas. Aqui cabe ressaltar que o julgamento sobre se a sinopse deve elogiar ou

criticar o filme pode ser, na verdade, apenas a ativação de um conhecimento prévio que

o aluno já possuía antes de ler o texto. Nessas três, é interessante observar como o frame

de família, central na construção do filme, se evidencia.

360

18 – Elogiar mostrando como uma família com rotina diferente junta a

outra.

7 – Um par de pais (divorciados) resolvem se casar, os filhos de um

não corresponde ao jeito de ensinar aos filhos do outro e todos os

filhos fazem de tudo para eles se separarem. A sinopse deve elogiar o

filme.

2 – Que é uma família bem complicadar, crítica.

Outras duas respostas foram classificadas como inferenciais, mas, como nas

anteriores, pode ser que elas apenas representem o conhecimento prévio dos alunos

sobre o gênero lido. Nelas, diferentemente das anteriores, o frame de família é ignorado

e os alunos focam apenas na estrutura do gênero:

1 – Tem as informações do filme todo menos o final. elogiar.

17 – elogiar. Tem que fala sobre oque tem no filme.

Em relação à terceira questão, todos os alunos responderam ativando seu

conhecimento prévio, sem fazer qualquer referência ao texto lido, dizendo que uma

sinopse não pode contar o final de um filme. Dessa forma, os alunos ativam o frame

“assistir a um filme” e constroem seus julgamentos a partir disso e de suas próprias

experiências com esse frame. Nenhum deles, porém, deu a justificativa proposta pelo

gabarito de que as pessoas deixariam de querer ver o filme por isso, o que, inclusive, é

algo bastante pessoal. Abaixo, apresentam-se alguns exemplos de respostas:

13 – Não, porque já vai saber o final.

1 – Não. Porque o filme vai ficar sem graça.

7 – Não, para deixar o telespectador curioso.

11 – Não, porque estraga.

12 – Não. Porque conta o final.

5 – Não. Porque não. Porque a sinopse só fala sobre o filme.

3 – Não, porque se leu não viu.

4 – Não. Para a história ficar mais emocionante.

Por fim, encontra-se a questão 8, classificada como uma questão literal-

inferencial. Trata-se também de uma questão sobre a estrutura do gênero lido. Nela,

pede-se para o aluno identificar alguns elementos extras presentes no DVD e pensar

sobre sua função. Para essa questão, mais da metade dos alunos apenas citaram (todos

ou alguns) os elementos extras presentes no DVD, dando, portanto, uma resposta literal

que está de acordo com a parte literal do gabarito. Além desses, um aluno apenas ativou

seu conhecimento prévio (4 – a locadora para que nunca viu); um aluno deu uma

resposta literal diferente do que gabarito previa (7 – comentários servem para saber o

que as pessoas acharam do filme); dois deram respostas inferenciais semelhantes à

proposta pelo gabarito (8 – para saber mais sobre como o filme foi feito; 1 – Para a

361

gente conhecer mais sobre o filme.) e três deram uma resposta literal-inferencial

próximas à proposta pelo gabarito.

5 – Comentarios do diretor, cenas eliminadas com comentarios

opcionais. Por tras das câmeras e trailer do filme e servem para contar

mais sobre o filme.

13 – Comentarios del director, escenas eliminadas, Cómo se hizo:

detrás de las câmeras, trailer del cine, documentales. Servem pra gente

saber mais do filme.

18 - Comentarios del director, escenas eliminadas, Cómo se hizo:

detrás de las câmeras, trailer del cine, documentales, 18 hijos – 1

guión: escribiendo “míos, tuyos, nuestros”, casting de las dos famílias,

em el interior del faro, puesta en escena de velero, consejos para

jóvenes actores. Dizer como o filme foi feito e agente ter mais

informação dele.

Ao analisar-se a organização do livro e a diversidade de níveis de leitura

trabalhados por ele, é possível observar que a proposta de trabalho com a leitura desse

livro é mais bem desenvolvida que a dos demais, uma vez que ele trabalha, em todos os

textos lidos, com a leitura em três etapas, articula essa leitura ao trabalho com outros

aspectos da linguagem e desenvolve questões de leitura em níveis diversos, priorizando

os níveis inferenciais ao nível literal de leitura. Entretanto, ao observar-se

detalhadamente essa atividade, a partir das respostas dadas pelos alunos, é possível

notar que, se por um lado há muitos avanços nesse trabalho, por outro há permanências

que impedem o desenvolvimento do aluno como leitor.

Com base na tabela anterior e nas respostas dos alunos às atividades, pode-se

perceber a confusão que se estabelece quando as questões fogem, em seus enunciados,

do padrão escolarmente estabelecido de reprodução, solicitando dos alunos respostas

que explicitem processos inferenciais e formulações de hipóteses. Isso se dá, inclusive,

porque as próprias questões aparecem de forma desorganizada, apontando para

objetivos diversos e não solicitando dos alunos a explicação para suas respostas. As

questões literais não direcionam o aluno claramente para as questões inferenciais e as

questões inferenciais não mostram para o aluno como ele deve explicitar suas

inferências e justificá-las. O trabalho na seção de pré-leitura tampouco é retomado ao

longo da atividade de leitura e as questões, de modo geral, parecem não se direcionar

para o objetivo de leitura apresentado ao aluno.

7.2.4. Atividade do livro “Formación”

362

Nesse momento, apresento, então, os resultados da aplicação das atividades

propostas pelos livros aprovados no PNLD 2014 e produzidos quase dez anos depois

dos apresentadas anteriormente. A atividade selecionada do livro “Formación en

Español” se encontra na Unidade 1 – “Mi mundo y yo”. Essa unidade apresenta como

temas trabalhados os seguintes: “Identidad personal, características físicas y

psicológicas, nacionalidades, familia”. Além disso, ela também apresenta um objetivo

para o aluno: “Elaborar un blog”, porém, aparentemente, a atividade selecionada não

apresenta nenhuma relação direta com esse objetivo. Essa atividade já foi analisada

anteriormente e se baseia em uma tirinha da Mafalda, de Quino:

En parejas

1 - ¿Quiénes están hablando?

Dos chicas / niñas.

2 - ¿Cómo se llama la niña pequeña?

Libertad. / Se llama Libertad.

3 - ¿Qué comentario hace Mafalda (la chica más alta) antes de

preguntar el nombre de la pequeña?

¡Qué chiquita sos!

4 - ¿Qué pretende indicar el autor de la tira al establecer una relación

entre el tamaño y el nombre de Libertad?

Ambos / Los dos son cortos y pequenos.

5 - ¿Por qué dice Libertad en el último globito: “¿Sacaste ya tu

conclusión estúpida? Todo el mundo saca su conclusión estúpida

cuando me conoce.”?

Porque se imagina que igual que todo el mundo Mafalda piensa que la

niña es tan chiquita como la libertad. Sugerencia al professor(a):

Argentina, en la época de las tiras de Mafalda, vivía una dictadura.

Durante esse período, no había libertad de expresión ni de oposición al

regimen político. Lo mismo pasó em Brasil.

6 – Por el comentario de Libertad a Mafalda, ¿cómo calificarías a

Libertad: tonta, estúpida, grosera, educada, inteligente, triste? Justifica

tu respuesta.

Inteligente, porque percibe inmediatamente la posible conclusión de

Mafalda. Sugerencia al professor(a): es posible que haya otras

respuestas. Discutan las razones dadas por cada alumno, sin imponer

una sola respuesta, ya que es una cuestión de punto de vista. Se puede

repetir esse procedimiento con la tira Mafalda (B).

É interessante observar, antes de tudo, que essa é a primeira atividade de leitura

com a qual o aluno se depara ao usar esse livro. Assim, considerando que a língua

espanhola dificilmente está no currículo dos anos iniciais, essa pode ter sido a primeira

atividade de leitura em espanhol de muitos alunos brasileiros. Observa-se que, mesmo

assim, não há qualquer trabalho com o conhecimento prévio dos alunos, nem mesmo

enunciados que antecedam o desenvolvimento da atividade pelo aluno. Assim, pode-se

363

pensar que o livro toma como já aprendido pelo aluno o que ele deve fazer para realizar

a atividade, o que de fato se confirma no momento da aplicação. Os alunos já teriam,

assim, aprendido o comportamento que devem assumir diante de um texto em sala de

aula, independente de qual seja e do suporte em que esteja.

Como observado anteriormente, pode-se notar na ordenação das perguntas um

desejo de apresentar inicialmente questões literais que ajudassem os alunos na tarefa de

responderem às questões inferenciais que seguem às literais. Têm-se, então, 3 questões

literais seguidas de 3 questões inferenciais. Entretanto, não há uma relação direta entre

elas nem há um encadeamento que faça o aluno perceber como as primeiras questões

podem ajudá-lo na tarefa de responder às questões mais inferenciais seguintes. Também

não há qualquer trabalho de ensino aos alunos sobre como eles devem se comportar ao

responderem essas questões, uma vez que as perguntas são apresentadas de modo

bastante direto. Há apenas algumas sugestões ao professor nas duas últimas perguntas.

Nesse sentido, é importante observar que, ainda que as três últimas questões sejam

literais, apenas a última apresenta uma orientação de aceitação a respostas diferentes da

esperada pelo gabarito do livro.

Tudo isso acaba se manifestando nas respostas dadas pelos alunos, que nos

ajudam a entender os problemas apresentados nas questões. Como nessa atividade,

aparecem questões literais e questões inferenciais, a categorização das respostas foi feita

de modo diferente para cada grupo de atividades, uma vez que o gabarito dessas

questões também é de natureza diferente.

Tabela 7 - Respostas da atividade de leitura selecionada do livro "Formación"

Qu

estõ

es

Lit

erais

Respostas

To

tal

Conhecimen

to Prévio

Literal igual

ao gabarito

Literal

difer. do

gabarito

Literal-

inferencial

Inferencial Branco

1 - - 9 38% 14 58% - - - - 1 4% 24

2 - - 24 100% - - - - - - - - 24

3 1 4% 20 83% 2 - - - - 1 4% 24

Qu

estõ

es

Infe

ren

c.

ais

Conhecimen

to Prévio

Literal Literal-

inferencial

Inferencial

igual ao

gabarito

Inferencial

difer. do

gabarito

Branco

To

tal

4 - - 3 13% - - - - 20 83% 1 4% 24

364

5 - - 9 38% - - - - 16 67% - - 24

6 - - 2 8% 3 13% - - 13 54% 6 25% 24

Em relação às três primeiras questões literais, é possível notar um padrão de

respostas que se diferencia entre a primeira e as outras duas questões. Na primeira

questão, observa-se um maior número de respostas literais diferente da sugerida pelo

gabarito. Todas elas citaram o nome de Mafalda ou o nome dela e de Libertad. Nesse

sentido, é interessante que o gabarito do livro suponha que os alunos ignorem essa

informação e descrevam apenas as personagens como duas meninas, como se não

tivessem saído do primeiro quadrinho da tira. O livro parece pressupor que o caminho

reprodutor do aluno, ao responder à questão, o leve a ignorar o que já tenha lido e as

inferências que tenha construído globalmente para responder à atividade na ordem dos

quadros apresentados na tirinha.

Por outro lado, pode-se destacar também o número relevante de alunos que

reproduziu o comportamento esperado pelo livro, ignorando as outras informações

apresentadas na linearidade do texto. Sobre isso, cabe ressaltar que 9 alunos disseram

que apenas Mafalda estava falando, o que mostra que eles associaram a pergunta

apresentada na primeira questão apenas ao primeiro quadrinho em que se encontra uma

fala, tendo em vista o fato de que Libertad fala até mais que Mafalda na tirinha inteira.

Para a segunda questão, todos os alunos responderam como o gabarito sugeria,

uma vez que se trata de uma informação bastante pontual e muito facilmente localizada

no texto. Em relação à terceira questão, apenas quatro alunos não copiaram ou

“traduziram” o trecho pedido pelos autores do livro. Desses, um deixou a resposta em

branco, duas disseram que Mafalda perguntou o nome de Libertad, repetindo o que a

pergunta já havia dito e um deles deu uma resposta que sugere uma ativação de

conhecimento prévio em relação ao tamanho da personagem.

5 – Uma das alegrias de ser eu.

Em relação às três questões inferenciais, também se apresentam resultados muito

próximos, com a maior parte dos alunos elaborando respostas inferenciais que não

correspondem às propostas pelos gabaritos. Sobre isso, cabe destacar que, em nenhuma

das três questões, os alunos apresentaram respostas semelhantes às sugeridas pelo

gabarito, o que demonstra, por um lado, mais uma vez, o caráter subjetivo e

365

imprevisível do processo inferencial e, por outro, a dificuldade do livro em orientar os

alunos a alcançarem a leitura por ele desejada.

Sobre a questão 4, um aluno não respondeu e três deram respostas literais,

respondendo com uma descrição da personagem a partir de elementos explicitamente

apresentados no texto:

7 – E que ela é pequena e o nome dela é Libertad.

8 – Porque ela é bem pequenina.

10 – Porque ela es pequenina.

Entre as respostas inferenciais, 8 delas disseram que o autor da tira estabeleceu

uma relação entre o tamanho e o nome de Libertad “para que não zombem dela”. Outras

respostas inferenciais também caminharam para a construção de uma “moral” para a

história contada na tirinha. Dessas, quatro respostas focaram na existência da liberdade:

9 – porque parece que os anões não tem liberdade.

16 – que ela é solta, tem, liberdade.

18 – ele está indicando que a menina grande acha que tem liberdade e

que a menina pequena não tem

4 – Que ela tem liberdade pra fazer o que quer.

É possível identificar que, ainda que também sejam respostas inferenciais, essas

trazem um caráter mais descritivo que “moralesco”. Outras oito trouxeram também

lições focadas no tamanho da personagem:

23 – Que ser pequeno não tem ploblema nenhum

22 – Não importa o tamo e sim a amizade

13 – Não importa o tamanho mas sim a amizade.

12 – Por que não importa o tamanho, mais sim a amizade entre duas

pessoas.

11 – Que não depende do tamanho, cada um tem algo de especial.

6 – Por que ela ser pequena soão pela ela que ser livre

3 – mesmo ela sendo pequena ela tem liberdade

2 – Que ela é pequena por fora e não por dentro.

Observando essas respostas, é possível perceber nelas que os alunos tentam

encaixar a leitura em um padrão provavelmente construído em seu processo de

escolaridade. Sem terem conhecimentos prévios, ou tendo poucos conhecimentos, sobre

o contexto de produção da tirinha ou sobre a possibilidade de que a liberdade de alguém

seja pequena, os alunos não conseguiram associar a ideia de pequenez ao frame de

“liberdade”. Assim, ativaram o frame interacional a que estão acostumados, ao

responderem atividades como essa e o sobrepuseram à leitura da tirinha, buscando

construir lições que teriam sido pretendidas pelo autor do texto – lições essas, inclusive,

muito mais próximas à vida de crianças do 6º ano do ensino fundamental do que a

366

inferência desejada pelo gabarito do livro. A partir de suas experiências, os alunos

associaram à ideia de criança pequena a frames negativos como o de ofensa ou de

bullyng e buscaram construir morais que desconstruíssem essa relação.

Obviamente, não há problema nenhum em um livro querer fazer com que os

alunos saiam de uma leitura focada em suas experiências e produzam inferências como

as propostas pela atividade. Entretanto, o trabalho precisa também conduzir o aluno

nesse processo de integração entre mais elementos do texto, do contexto de produção da

obra e de seu conhecimento prévio. A ausência desse trabalho se nota também no

encaminhamento das questões seguintes.

Para a questão 5, nove alunos deram respostas literais, descrevendo ou narrando

elementos ou cenas da tirinha:

2 – Porque a menina ficou pensando porque liberdade.

7 – porque ela achar todo mundo tira conclusão estubita.

8 – Porque Libertad é muito pequenina

1 – Por que ela é pequena

10 – Porque libertad e muito pequenina

22 – Porque ela chamou a menina de pequena

13 – Porque chamou a menina de pequena.

9 – Porque ela tem uma cara de lerda , e a menina pequena já viu a

menina grande.

18 – Porque ela é pequena.

Assim, nota-se, nessa questão, o maior número de respostas literais entre as

questões inferenciais, o que também demonstra a dificuldade da questão em orientar o

aluno para a explicitação de seus processos inferenciais. O gabarito, inclusive, ao fechar

apenas uma possibilidade de inferência já demonstra a incapacidade da questão se

orientar para o desenvolvimento dos alunos enquanto leitores. Entre as respostas

inferenciais, oito delas apontam que a razão para a fala de Libertad seria o fato das

pessoas a acharem muito pequena, seguindo com os mesmos frames ativados na questão

anterior. É interessante observar que essa inferência é parte importante do processo de

construção do sentido pretendido pela questão, uma vez que o aluno precisa, em

primeira instância, reconhecer que “a conclusão estúpida” se refere ao tamanho da

personagem. Entretanto, era preciso que eles associassem o tamanho ao frame de

liberdade, o que não aconteceu.

Outros quatro alunos também fazem referência ao tamanho de Libertad, mas

retomam a lição construída na questão anterior e dizem que Libertad disse a fala citada

na questão para que ninguém a chame mais de pequena. Outras três respostas mostram

367

inferências que se aproximam das anteriores, construídas a partir dos mesmos frames,

mas trazem outros elementos:

4 – Porque todas as pessoas que conhecem ela já jugão ela, ou seja

taram conclusões estúpidas.

16 – Porque ela acha que ela ficou com preconceito do nome dela.

11 – Porque todos acham o nome dela inadequado para ela.

Por fim, em relação à última questão, é importante esclarecer que efetivamente

apenas um aluno deixou a resposta em branco. Outros cinco entraram nessa categoria

por terem escolhido um dos adjetivos apresentados no enunciado da questão, mas não

terem justificado sua escolha. Dentre os que justificaram suas escolhas, dois recorreram

a elementos explícitos no texto para fazê-lo. Esses dois alunos disseram que Libertad é

“pequena e parece um bebê”, apenas descrevendo-a como ela aparece na imagem da

tirinha. Os outros que fizeram suas escolhas e as justificaram também se dividem em

subgrupos. Três deles deram respostas que foram classificadas como literais-

inferenciais, porque os alunos utilizaram informações explícitas para justificar suas

escolhas:

7- Eu acho ela grosseira e mal educada porque ela é baixinha.

11- Grosseira. “Todo mundo tem essa conclusão estupida, quando me

conhece”.

16 – Grosseira e triste por que ela e groseira por que todo mundo tira

uma conclusão estupida do seu nome e por isso ela e triste.

Observando essas duas respostas, é possível notar que as justificativas não

explicam as opções dos alunos, tendo em vista que elas precisariam explicitar uma

integração entre essas informações e seu conhecimento prévio, mas é possível observar

que todos seguem a mesma cadeia inferencial derivada da ativação de frame

anteriormente apresentada. Dentre os alunos que explicitaram essa integração, dois

parecem ter priorizado mais as informações de seus conhecimentos prévios em

detrimento das informações trazidas pelo texto e não conseguiram justificar plenamente

o julgamento feito, mas novamente percebemos os mesmos frames sendo ativados.

6 – Normal, igual a todos ela só é pequena nada demais.

18 – Educada. Porque ela tem a parencia especial que a menina grande

não tem.

O interessante é que os alunos que explicitaram a integração entre conhecimento

prévio e linearidade do texto caminharam por duas direções. Nenhuma delas

corresponde à inferência sugerida pelo livro como resposta no gabarito. Entre elas, 4

alunos disseram que Libertad é uma menina grosseira pelo que ela disse à Mafalda:

368

3 – Groseira porque foi logo dando fora na outra menina

4 – Grosera. Porque ela agil de enguinorancia com a menina.

9 – Crosera, porque a Mafalda só bergunta o nome dela com

educação.

10 – Grosera, porque ela no 4 quatradinho ela fala com o gento

grosero.

Além desses 4, outro aluno disse que a menina era grosseira e inteligente

justificando essas avaliações inferencialmente:

2 – Eu acho ela grosera e inteligente pelo fato de ter reparado que a

menina estava fazendo “buling” com o seu nome, etc.

Outros seis alunos disseram que Libertad era uma criança triste e justificaram

suas escolhas com a inferência de que ela sofre por todos a chamarem de pequena.

5 – Triste, porque todos que chamam ela chamão de pequenina.

17 – Triste porque tos que chamam ela de pequenina.

20 – Triste. Porque todos que chamam ela de pequena.

19 – Triste. Porque todos chamam ela de pequenina.

21 – Triste. Porque todos que chamam ela chamam de pequena.

12 – Inteligente e triste. Porque ela está certa e porque todo mundo

chama ela de pequena.

Ao observar as respostas inferenciais, é possível notar que os sentidos

produzidos pelos alunos para o texto lido foram bastante diferentes dos sentidos

esperados pelo livro, uma vez que nenhum deles associou a ideia de pequenez ao frame

de liberdade. Ao mesmo tempo, é possível notar como as questões foram pretendendo

conduzir os alunos a construírem esses sentidos sem dar suporte para que eles

entendessem esse processo de construção. Não é possível saber se os sentidos

construídos ao longo da tarefa mudaram a leitura inicial dos alunos, mas é possível

notar que as questões não orientam o aluno em seu processo de construção de

inferências ou de explicitação de inferências construídas anteriormente. Isso faz com

que as respostas dos alunos apresentem muito precariamente (quando o fazem) a

integração entre o conhecimento prévio deles e as informações trazidas pelo texto.

Outro problema que se apresenta, nesta atividade, é derivado da ausência de um

trabalho de ativação ou construção de conhecimento prévio anterior à leitura do texto.

Sem qualquer orientação sobre sua leitura, sem qualquer trabalho com informações que

o aluno precisa saber antes de lê-lo, é possível notar que as leituras dos alunos não se

afastam muito de suas experiências prévias de vida e de interação com outros textos.

Assim, a atividade não faz com que eles se aprimorem como leitores nem que

desenvolvam outros conhecimentos, ainda que se deparem com um texto novo

369

produzido em um contexto muito distante deles. Desse modo, pode-se observar que,

como dito anteriormente, não basta entregar bons textos aos alunos. O trabalho de

leitura desenvolvido ao longo das atividades é fundamental para o desenvolvimento do

aluno como leitor. Para que uma prática inventiva aconteça, o aluno não pode direcionar

seu olhar para o texto, considerando que ele mesmo, o aluno, já está pronto, mas para

que ele faça isso, é preciso que a atividade o ensine a fazê-lo.

Essa situação se agrava quando os gabaritos das atividades não se abrem para a

possibilidade de que outras respostas apareçam, o que faz com que o livro considere

como erradas leituras legítimas derivadas de um trabalho precário desenvolvido pelo

livro. Assim, o livro exige dos alunos o que não lhes dá. Nesse sentido, é importante

ressaltar que não é a leitura dos alunos que está equivocada. Não há problema algum em

relação às inferências construídas pelos alunos que efetivamente se integraram ao texto,

uma vez que elas se derivam da articulação entre os elementos presentes no texto e de

seus conhecimentos prévios. Isso não significa, porém, que não seja função do livro

ampliar as possibilidades de leitura dos alunos, o que poderia ser feito se a tarefa os

encaminhasse, de uma melhor maneira, nesse processo de integração.

Com base nisso, é possível perceber, então, que a construção de políticas

cognitivas envolvidas no ensino de leitura não depende apenas da presença de questões

inferenciais ou não. Ainda que, ao responderem essas questões, grande parte dos alunos

efetivamente saia de uma visão de leitura como reprodução de informações

explicitamente apresentadas no texto, o que é importante, por outro, eles não aprendem

a desenvolver um olhar inventivo sobre o texto. Não há sequer qualquer tipo de

aprendizado de qualquer habilidade ou competência nova de leitura por parte dos

alunos, que, inclusive, trazem para a leitura desse texto padrões de leitura já

estabelecidos anteriormente, sem que, sequer, pense sobre isso antes, durante ou depois

de sua leitura.

7.2.5. Em resumo

Tudo isso faz com que as respostas dos alunos, em sua absoluta maioria,

independentemente de corresponder ou não aos gabaritos propostos, se apresentem de

forma muito precária e a atividade seja desenvolvida apenas como mais uma atividade

de leitura sem que habilidades, competências e estratégias de leitura tenham sido

370

desenvolvidas junto aos alunos de forma metacognitiva. Postulo aqui que isso se dá

porque as políticas cognitivas que atravessam esse livro são as mesmas que atravessam

os livros anteriores e são as mesmas que atravessam os documentos oficiais aqui

analisados – os PCN e os editais do PNLD –, predominando os modelos recognitivos

sobre os modelos inventivos.

Dessa forma, novas formas de trabalhar a leitura aparecem, mas a visão de

aprendizagem (e de ensino, consequentemente) da leitura permanece a mesma: acredita-

se que o aluno deve aprender apenas desenvolvendo atividades diversas, respondendo às

mais diversas questões, sem que ele reflita sobre o que está aprendendo, ou seja, sem

que ele de fato seja tomado como ativo nesse processo. Assim, a leitura integrativa

também fica impedida de se desenvolver, e predomina uma visão recognitiva sobre uma

visão integrativa e inventiva de aprendizagem.

Ainda que as questões inferenciais apareçam, e sejam diversas, nos últimos

livros, elas também entram na lógica de um mundo dado, pronto, que precisa ser

recebido pelo aluno enquanto aprendiz de leitor. Isso se comprova em dois momentos:

quando os gabaritos não reconhecem a diversidade de respostas que uma questão

inferencial pode gerar e quando as questões inferenciais são tratadas como questões de

conhecimento prévio sem que se remetam ao texto lido e à sua integração com os

conhecimentos trazidos pelo aluno.

Esse panorama pode ser compreendido como fruto do percurso histórico

apresentado no capítulo 3 desta tese, tanto em relação à história da disciplina “Língua

Espanhola” na escola brasileira como em relação à história do livro didático no Brasil.

Além disso, também é fruto da precariedade que se dá em relação ao trabalho com a

leitura na escola brasileira, apresentada no capítulo 4. O ensino de língua espanhola só

recentemente começa a se pautar pela educação linguística dos alunos, e a reconhecer

todo o debate proposto pela Linguística Aplicada em torno das práticas de letramento

escolar. Até o momento de produção dos últimos materiais analisados para esta tese,

ainda não havia conseguido transformar, efetivamente, as políticas cognitivas que se

manifestam nas práticas de leitura propostas pelos livros didáticos voltados para o

ensino fundamental.

Nesse sentido, é importante lembrar também que o aluno cuja cognição busquei

entender, na análise anteriormente apresentada, é considerado um self situado (SINHA,

1999; GERHARDT, 2013), que cogniza em diversos ambientes de maneiras diferentes.

371

Assim, considerando a existência de um plano meta da cognição, acredito que o aluno

cogniza no espaço da sala de aula de uma forma que não é a mesma que ele realiza em

outros espaços, fora dela. Assim, os resultados anteriormente apresentados descreveram

somente aspectos do que podemos chamar de cognição escolar. Essa consideração não

ignora, porém, o fato de que essa cognição pode ser levada para outros espaços, uma

vez que a escola é a agência de letramento prestigiada em nossa sociedade (KLEIMAN,

1995). Entretanto, ao definirmos problemas na construção da cognição escolar,

entendendo-os sempre como problemas no nível meta, é possível pensar formas de

melhorar sua qualidade, o que pode ser feito com propriedade quando se reconhece a

realidade situada – distribuída – da cognição (VARGAS, 2012a).

Cabe explicitar, porém, que não espero que os alunos, em uma única leitura em

uma única atividade, resolvam, ao desenvolver as tarefas, todos os seus problemas de

leitura, ou melhor, todos os problemas de ensino de leitura dos quais tenham sido

vítimas ao longo de sua escolarização. Acredito que todas as questões propostas, em

uma atividade de leitura devam ser discutidas em sala de aula, de forma conjunta,

ouvindo o maior número de alunos possível e fazendo com que eles escutem as

respostas dos colegas e pensem sobre elas. Afinal, entendendo que a cognição é

distribuída e que, portanto, os significados construídos em grupo são diferentes dos

construídos individualmente, os alunos podem, também em conjunto, pensarem sobre

suas respostas e sobre as respostas dos colegas.

Dessa forma, acredito que podemos contribuir para a formação de leitores

críticos conscientes de como se desenvolve seu processo de leitura e, portanto,

assumindo uma postura mais agentiva em sua integração com o texto. Além disso, como

citado anteriormente, esse tipo de trabalho permite o desenvolvimento de uma cultura

do pensar em sala de aula, que rompe com o padrão de reprodução. Mais do que

atividades avaliativas, baseadas apenas na correção das respostas dos alunos para

questões produzidas por quem não conhece de fato quem vai respondê-las, dessa

maneira, as atividades de leitura passam a ser a base para que os alunos pensem sobre

suas próprias respostas e sobre as respostas dos colegas e para que os professores

percebam e contribuam para o desenvolvimento de seus alunos como leitores.

Assim, os resultados da aplicação de uma atividade podem levar o professor a

produzir novas atividades, focadas em um ou outro aspecto que considere mais

relevante para o desenvolvimento de seus alunos, focadas no trabalho com um

372

conhecimento que perceba que deveria ter sido trabalhado anteriormente, com o

desenvolvimento de propostas mais coletivas que acompanhem as tarefas inicialmente

pensadas, entre tantas outras possibilidades, mesmo que utilizando o livro didático

como um suporte para isso.

373

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como apontado na introdução desta tese, assumo este trabalho como sendo o

resultado – sempre provisório – de uma pesquisa em Linguística Aplicada. Nesse

sentido, seguindo as bases teórico-éticas descritas no primeiro capítulo, todo o

movimento de pesquisa aqui apresentado se deu em função da busca por, nas palavras

de Moita Lopes (2006, p.86), “criar inteligibilidades sobre a vida contemporânea ao

produzir conhecimento e, ao mesmo tempo, colaborar para que se abram alternativas

sociais com base nas e com as vozes dos que estão à margem”.

Entendendo que, no mundo de hoje, a escola, em especial a escola pública, ainda

tem um papel fundamental na construção das possibilidades de vidas dos alunos que

estão à margem dos processos de globalização e que, no Brasil, ela tem cumprido muito

precariamente seu papel, foi minha intenção, em cada capítulo, em cada seção e em

cada subseção anteriormente apresentados, problematizar o objeto central desta tese – o

trabalho com o plano inferencial de leitura nos livros didáticos de língua espanhola. Tal

objeto, por sua vez, não foi escolhido aleatoriamente. Ele foi fruto de minhas

experiências em sala de aula e de meu processo de formação como pesquisador dentro

dos estudos em cognição. Sua escolha se deu justamente porque, tanto em meus estudos

como em minha prática como professor em diferentes etapas de ensino, ele se mostrou

um importante instrumento para a ruptura com uma lógica escolar, que, buscando o

controle sobre a aprendizagem dos alunos, gera o silêncio e a exclusão em sala de aula

Considerando que a sala de aula pode – e deve – ser um espaço de voz para os

alunos e de construção crítica de questionamento da realidade que lhes traz sofrimento,

não foi meu objetivo encontrar soluções rápidas e resolver todos os problemas

apresentados pela educação brasileira. Entretanto, acredito que, colocando o foco sobre

o plano inferencial de leitura e tudo que o envolve no ensino da língua espanhola, pude

trazer questionamentos relevantes para a situação que hoje se apresenta na escola

brasileira e vislumbrar alternativas para que o pensamento e a linguagem dos alunos

apareça nesse espaço de outra maneira: de maneira que eles se vejam como agentes de

seus processos de construção de sentidos e, por isso mesmo, agentes de seus processos

de criação de si e do mundo.

Nesse caminho, me vi obrigado a trazer à tona os estudos em cognição, uma vez

que a percepção da precariedade que existe hoje na escola brasileira e, em especial, no

374

ensino de espanhol dentro dela, em relação ao objeto desta pesquisa, só foi possível por

conta da existência desses estudos e de tudo que aprendi ao me relacionar com eles.

Sabendo do lugar de margem que eles ocupam hoje no discurso sobre o ensino de

línguas no Brasil, me detive na apresentação detalhada de alguns de seus princípios

mais direcionados às questões que envolvem esta tese, de forma que fosse possível

advogar por sua inclusão em uma Linguística Aplicada comprometida com as demandas

sociais contemporâneas.

Aqui, cabe esclarecer que não é meu desejo que os estudos em cognição ocupem

lugar central dentro da Linguística Aplicada. Ao contrário, reconhecendo a necessidade

de desenvolvermos pesquisas cada vez mais inter/trans/multi/indisciplinares, meu

desejo foi – e é – simplesmente reivindicar um lugar também para tais estudos, em meio

a tantos outros que compartilhem com eles as mesmas preocupações. Nesse sentido,

parto da ideia de que não é possível tratar de práticas de ensino e de aprendizagem,

ignorando os princípios expostos ao longo desta tese sobre a cognição humana. Da

mesma forma como, por exemplo, não foi possível, para mim, entender o trabalho com

o plano inferencial de leitura em livros didáticos sem me voltar também para a sócio-

história do ensino de língua espanhola na escola brasileira e da trajetória do livro

didático no Brasil.

Ao partir do arcabouço teórico-ético da Linguística Aplicada e ao me guiar pelos

princípios dos estudos em letramentos e pela noção de educação linguística, a leitura foi

aqui tratada como uma prática social, e como uma prática social que pode ser utilizada

para o nosso próprio desenvolvimento metacognitivo. Assim, ela se torna um meio

importante para nossos processos de construção de sentidos e, consequentemente, para

nossa formação cidadã crítica. Através de uma visão de cognição como social e cultural,

intersubjetival, corporificada, baseada em frames e desenvolvida por meio de

mesclagens conceptuais, ou seja, através de uma visão de cognição distribuída, foi

possível compreender efetivamente como as práticas de letramento não são neutras e

como o ser humano se insere no mundo da leitura com toda sua potência cognitiva

plenamente desenvolvida (ou em desenvolvimento), independentemente de sua relação

com ela.

Ao entender que a leitura – assim como a escola – não está a serviço da

formação de seres mais inteligentes, mas sim da formação de seres que pensem sobre

como podem usar melhor sua inteligência, é possível, portanto, pensar caminhos que

375

levem, de fato, a que os aprendizes de uma língua estrangeira (ou mesmo a materna),

como defende Rajagopalan (2013a), dominem a língua aprendida sem serem dominados

por ela. Entretanto, tais caminhos não são os mesmos pelos quais nossos estudantes

estão passando na escola de hoje.

O panorama apresentado nesta tese mostra justamente o contrário e só foi

possível entender esse panorama devido à inserção do conceito de políticas cognitivas.

Ao mostrar que práticas de ensino trazem consigo visões de aprendizagem e, por isso,

manifestam políticas da cognição, também ensinando-as aos aprendizes, Kastrup (2005,

2012, 2005) me ofereceu o suporte necessário para entender tal panorama histórico

descrito e analisado anteriormente, em suas diferentes instâncias de construção.

Historicamente, foi possível observar, por exemplo, que o ensino de língua

espanhola, em todas as abordagens inseridas na escola brasileira sempre esteve voltado

para os modelos de recognição, ou seja, para as práticas de aprendizagem pela

reprodução. O aluno nunca foi considerado agente de seu processo de aprendizagem de

uma língua estrangeira. A língua, sempre tão distante dele, foi sempre oferecida a ele

como pronta e ele também sempre foi tratado como ser pronto, acabado e fechado em si

mesmo. Nunca lhe fora dada a chance de estabelecer uma relação inventiva com essa

língua. Ainda que, recentemente, os discursos apontem, de modo bastante tímido, para

práticas inventivas, até o momento em que os materiais e documentos aqui analisados

foram produzidos, tal panorama não se alterou.

Igualmente, a trajetória do livro didático nos mostrou que seu papel em sala de

aula sempre foi o de exercer o controle sobre as relações de intersubjetividade postas

neste espaço. O modelo de livro didático que hoje circula na escola brasileira se

desenvolveu justamente para suprir a precariedade do trabalho e da formação do

professor em um momento de expansão da escola pública. Logo, o livro didático serve à

precariedade da escola brasileira, que não pode ser ignorada. A compreensão dessa

trajetória me fez construir essa pesquisa através da busca de um duplo olhar sobre esse

objeto: de um lado, não cair em um discurso fácil que recrimine sua presença em sala de

aula e que busque sua exclusão, de outro, não recair em uma crítica que culpabilize o

professor pelos problemas que venham a ocorrer em seu uso e que jogue sobre ele toda

a responsabilidade do processo de seleção e de uso dessas obras.

Nesse sentido, estou de acordo com Lerner (2004), quando ele cita que, em um

país como o Brasil, onde existe uma política pública em relação ao livro didático, nós

376

temos a obrigação de entregar um livro de qualidade a todos os alunos de nosso sistema

escolar público. A isso acrescento: um livro que respeite os alunos como pessoas que

constroem conhecimentos dentro e fora da escola. Por isso, não posso aceitar

argumentos que justifiquem a ausência de determinadas práticas nos livros em função

da presença do professor em sala de aula. Obviamente, acredito e confio nas

potencialidades inventivas do professor em sala de aula. Entretanto, isso não pode

minimizar a luta para que os materiais didáticos sejam o mais próximo possível do que

desejamos em um plano ideal e que, portanto, facilitem o trabalho do professor no

(re)conhecimento de seus alunos como sujeitos de sua aprendizagem.

Cabe, então, também dizer que não foi minha intenção atacar os autores ou as

editoras que produziram os livros aqui analisados pelos problemas anteriormente

apresentados. Justamente por entender todo o panorama histórico que leva à inserção

desse objeto na sala de aula brasileira tal e como ele se apresenta hoje e por entender a

trajetória da inserção do livro didático de língua espanhola nesse panorama, é que não

posso deixar de enxergar esses objetos como manifestando visões de aprendizagem, de

interação, de linguagem etc, de um tempo, de uma cultura. Por isso, postulei aqui um

caminho costurado por objetos que chamei de reguladores. Sem buscar personalizar a

discussão, foi minha intenção entender como se construíram os modelos de livros

didáticos de espanhol apresentados entre 2004 e 2012 para que seja possível pensarmos

em modelos diferentes.

Inclusive, ao longo desta tese, como disse em sua apresentação, pude vivenciar a

experiência de produzir um material didático e sentir diretamente, em meu trabalho, o

peso dessas trajetórias histórica e culturalmente produzidas. Sei, inclusive, que a

coleção que produzi, juntamente às outras autoras dela, não resolveu todos os problemas

levantados nos capítulos anteriores. Entretanto, sei também que esse meu movimento de

pesquisa me fez enxergar esse trabalho com outros olhos e, nesse sentido, pude

contribuir, como foi possível, para a construção de rupturas nesses percursos históricos

– do livro didático no Brasil e do ensino de língua espanhola na escola brasileira –,

entendendo que elas também podem ser (re)inventadas sempre.

Como dito anteriormente, o ensino de leitura foi focalizado por mim porque

acredito que ele consegue, na escola de hoje, ser uma porta para um processo de início

de reconstrução da realidade anteriormente apresentada. Parto do princípio de que a

leitura em língua espanhola, diferentemente do trabalho com outras habilidades, pode

377

ser trabalhada em qualquer sala de aula de qualquer escola brasileira hoje, e pode,

portanto, ser um meio para que a educação linguística em língua espanhola se

desenvolva minimamente neste espaço. Para isso, porém, torna-se necessário incluir

verdadeiramente os alunos e possibilitar o exercício do agenciamento de seus processos

de aprendizado (GERHARDT, 2013) ou, em outras palavras, proporcionar-lhes a

capacidade de desenvolver formas de resistência para que decidam o que é melhor para

si (RAJAGOPALAN, 2003).

O plano inferencial de leitura tornou-se, assim, um suporte ótimo para a

compreensão dessas possibilidades. Entendendo a leitura como construção de sentidos

que parte da integração conceptual entre os conhecimentos prévios do leitor e das

informações explicitamente apresentadas no texto, o plano inferencial de leitura surgiu

como o que melhor manifesta esta visão de leitura que denominei de integrativa. Dentro

dessa visão, o processo inferencial pode ser tratado como a manifestação dessa natureza

integrativa, bem como a comprovação dessa perspectiva sobre o processo leitor. Nela,

nem leitor nem texto se sobrepõem: ambos se integram para a construção de novos

sentidos – as inferências construídas. Esses sentidos se guiam pelos objetivos do leitor,

pela situação de leitura, pelos conhecimentos prévios de quem lê e pelas próprias

informações que o texto traz.

Caberia, portanto, à escola ensinar ao aluno o que ele pode fazer, em seus

múltiplos caminhos, com essa sua capacidade, integrando a essa visão de leitura às

possibilidades oferecidas pelos estudos em metacognição e sua articulação com a noção

de cognição distribuída e com a perspectiva oferecida por Kastrup (2005, 2012, 2015)

de cognição inventiva. Encarando, assim, a metacognição como experiência de

problematização, é possível pensar em caminhos de ensino de leitura diversos que fujam

do modelo de “tentativa e erro” trazido pelos dados analisados nesta tese. Para isso,

seria necessário fugir das políticas de recognição, que predominam tanto nos materiais

didáticos como nos documentos oficiais que norteiam sua produção.

Como visto nos capítulos de análise, os Parâmetros Curriculares Nacionais de

Língua Estrangeira trazem consigo uma visão de ensino e de aprendizagem de língua

ainda muito pautada em modelos recognitivos, uma vez que, em poucos momentos, o

aluno é tratado como sujeito de seu processo de aprendizagem. Nele, tanto o aluno

como o mundo com que ele interage são tomados como prontos, pré-construídos e em

poucos momentos, é possível notar concepções que considerem a possibilidade de

378

criação de novos sentidos, tanto dos alunos para consigo mesmos, como do mundo em

que se encontram. Ao dissociar processos sociais de processos cognitivos, e focar nos

primeiros, o documento deixa de entender que “a significação, na linguagem humana, é

uma representação mental produzida para e pelos seres humanos” (SALOMÃO, 1998,

p.262). E, assim, deixa de auxiliar o professor que o lê na construção de práticas que

coloquem o aluno no centro do processo de aprendizagem e não uma língua tomada

dentro de uma visão homogeneizadora e externa aos falantes.

Essa visão acaba por se reproduzir nos editais que guiam o processo de avaliação

dos livros didáticos de língua espanhola nos PNLD 2011 e PNLD 2014. Em ambos, é

possível notar a predominância de uma visão de aprendizagem como reconhecimento de

um mundo dado, mesmo quando aparecem objetivos que visam à reflexão, à construção

de conhecimento e ao desenvolvimento da consciência crítica. Tais objetivos parecem

remeter a uma ideia de reflexão e crítica como algo que já existe e não como sentidos

construídos pelo aprendiz. Ao se tratar da leitura, especificamente, é possível notar, por

exemplo, uma preocupação muito maior com a forma como os textos se apresentam aos

alunos do que com as atividades que se realizam a partir deles. Tal preocupação revela a

predominância de uma visão que trata o texto como elemento central e não o aluno, em

sua relação com esses textos. Assim, a formação crítica do leitor aparece em critérios de

avaliação diversos sem que se estabeleça uma relação entre ela e as atividades que são

desenvolvidas nos livros.

Ainda que o segundo edital aponte mais diretamente para a avaliação das

atividades, elas ainda são tratadas pontualmente, como se não estivesse nelas a

capacidade de fazer com que o leitor efetivamente encare sua leitura como um momento

de criação e que desenvolva práticas inventivas – e não reprodutivas – de leitura. Ao

longo desta tese, porém, espero ter conseguido mostrar que são as atividades,

efetivamente, que auxiliam os alunos na construção de sua relação com os textos lidos.

Por conta de toda a trajetória anteriormente descrita, são as atividades apresentadas nos

livros didáticos que ensinam para o aluno como ele deve se comportar como leitor,

como aprendiz e, daí, podemos prosseguir: como deve se comportar como cidadão,

como trabalhador etc.

Entretanto, não se pode negar o importante papel que cumpriram historicamente

para o ensino de línguas no Brasil os PCN e o processo de avaliação do PNLD – esse

atuando, inclusive, mais fortemente do que aquele, como foi possível ver na análise dos

379

livros selecionados para esta tese. Comprovando-se assim o caminho regulador que

postulei ao longo da tese, os modelos de livros apresentados inicialmente foram

completamente alterados em sua proposta didática, em sua organização, no lugar que

dedicam ao texto e ao trabalho com as diferentes habilidades linguísticas.

Os editais também fizeram com que os livros assumissem seu papel efetivo de

intervenção nas práticas de sala de aula e que tal papel fosse problematizado ao longo

dos discursos apresentados nos manuais do professor. Assim, por exemplo, os livros

foram deixando de responsabilizar o professor pelo trabalho com as três etapas de

leitura e foram assumindo para si essa responsabilidade, ainda que nem todos o tenham

feito de igual modo. As concepções teóricas também foram se transformando e os

discursos apresentados aos professores passou a ser mais bem desenvolvido e melhor

fundamentado em teorias que focalizam a interação e não a reprodução.

Ao analisar as atividades, porém, foi possível notar que, ainda que tenham

alterado em sua forma de organização e apresentação ao aluno, as políticas cognitivas

que as embasam não se alteraram. Em função disso, tem-se positivamente uma melhora

no trabalho com a leitura, inclusive marcada quantitativamente pelas questões de leitura

e pela quantidade e diversidade de textos apresentados aos alunos. Além da maior

quantidade total de questões nos livros mais recentes, também se apresenta neles um

aumento de questões inferenciais e uma diminuição de questões literais. Essa melhora,

porém, não se dá de forma progressiva e oscila entre os livros.

Tal oscilação também é notada no trabalho com o conhecimento prévio dos

alunos e é, justamente, nesse trabalho que mais se manifesta a pouca relevância dada

pelos livros aos saberes trazidos pelos alunos para a realização de sua integração com o

texto. Como aponta Gerhardt (2010, pp.260-261),

Ora, já se atestou mais de uma vez a dificuldade de a escola, em

especial a escola pública de países emergentes como o Brasil,

reconhecer a realidade em que se encontram os alunos; o que se

verifica a rigor é o trato único e restrito aos conhecimentos validados

pela instituição escolar. (...) o estabelecimento de quais conceitos são

merecedores de aprendizado na escola está inserido num universo de

práticas escolares que orientam nossa observação de todos os

referenciais pertinentes ao universo escolar: como serão vistos, que

valor terão, o que eles representam no universo fora da escola, que

status conferirão aos alunos que os possuírem.

Somente dois livros apresentam um trabalho constante de pré-leitura e,

inclusive, um dos dois mais recentes não traz essa sistematicidade em relação à ativação

380

ou construção de conhecimentos prévios antes da leitura dos textos. Além disso, mesmo

nos livros mais recentes, permanecem questões de ativação de conhecimento prévio

após a leitura inicial do texto e sem que exijam do aluno qualquer articulação com o

texto lido. Não se estimula assim, ao longo das atividades, a efetiva integração entre

leitor e texto, ainda que questões inferenciais apareçam com mais frequência.

Sobre as questões inferenciais, inclusive, é possível notar também problemas

que revelam o lugar que é dedicado ao aluno no livro didático. A maior parte delas não

auxilia os alunos em seu processo de explicitação de inferências, o que faz com que suas

respostas explicitem precariamente as articulações feitas entre o conhecimento prévio

deles e o texto lido. Ademais, observando seus gabaritos, é possível notar que ou se

trabalha com um genérico “resposta pessoal”, como se valesse qualquer tipo de resposta

para essas questões, ou se trabalha com um gabarito fechado que apresenta somente

uma inferência possível – a dos autores do texto, ignorando-se todas as demais

possibilidades que possam surgir a partir da relação de diferentes leitores com esses

textos. Dessa forma, os alunos são ensinados que a leitura inferencial se constrói da

mesma maneira que uma leitura literal – através da reprodução do pensamento do outro,

estando ele explícito ou não.

Portanto, mesmo em questões inferenciais, o aluno é ensinado a repetir,

ignorando-se o fato de que é “a atividade inferencial por trás das trocas comunicativas

cotidianas (...) que possibilita essa reinvenção de novos significados e conceitos”

(VANIN, 2009, p.57). Com seu pensamento sendo tratado como “erro”, reforça-se a

cadeia de silenciamento e de sofrimento a que esses alunos estão submetidos, não

apenas em sala de aula, porque, como defendi anteriormente, um ensino baseado no

controle e na repetição forma sujeitos reprodutores e pouco críticos em relação não

somente aos textos que leem, mas a toda a realidade com que se deparam nos mais

diferentes espaços de sua existência.

Tal cadeia de silenciamento se manifesta nas respostas dadas por eles às

questões dos livros. Tais respostas me mostraram que não basta haver questões

inferenciais. Essas questões precisam guiar os alunos efetivamente em seu processo de

integração com o texto ou na explicitação desse processo. Se por um lado, apresenta-se

um alto número de respostas que fogem ao gabarito proposto pelos livros, o que mostra

que os alunos nem sempre aceitam esse lugar de reprodução, por outro, elas também

demonstram que os alunos não sabem explicar as inferências que constroem, tratando-as

381

como se fosse simplesmente uma informação literal. Dessa forma, também não há

leitura crítica, uma vez que sequer o aluno consegue descolar o que construiu em

integração com o texto do que efetivamente está na linearidade do texto.

Tudo isso acontece porque o trabalho de pré-leitura é precário e, mesmo quando

acontece, não é retomado ao longo da atividade de leitura. Além disso, questões literais

e questões inferenciais são apresentadas de forma desorganizada, sendo tratadas como

se requeressem o mesmo tipo de comportamento cognitivo. A isso, se soma a má

elaboração das questões inferenciais e seu pouco direcionamento ao aprendiz do que ele

deve fazer com elas. Ademais, quase não se apresentaram questões que propusessem

objetivos concretos de leitura para os alunos e que se guiassem por tais objetivos. Em se

tratando de uma tese sobre cognição distribuída, não posso deixar de falar ainda do

pouco estímulo aos alunos a que busquem construir, em grupos, sentidos para os textos

lidos, ignorando-se o fato de que o outro também faz parte da nossa cognição e que

podemos nos usar uns aos outros para pensarmos melhor.

Assim, em resumo, temos, ao longo desta tese, a apresentação de um breve e

recente panorama histórico que, apesar das alterações por que tenha passado ao longo

dos últimos anos, não se transformou efetivamente para que novas visões de

aprendizagem adentrassem o espaço da sala de aula e alterassem a prática do ensino de

leitura e, especificamente, o trabalho desenvolvido com o plano inferencial. Essa não

transformação se dá porque as políticas cognitivas que embasam esses trabalhos são as

mesmas.

Como afirma Daher (2006, p.3, tradução minha), “a política não se resume a

discursos oficiais, a encontramos no modo de proceder, nas lutas, em estratégias visíveis

e dizíveis de produções singulares e coletivas”94

. Assim, dentro de uma mesma política

de recognição, o aluno é tomado como pronto e como fator não relevante para a

proposta da construção didática. A língua, por sua vez, é também tomada como dada

previamente à sua aprendizagem pelos alunos. Assim, como o foco central está na

língua (seja na forma de elementos gramaticais descontextualizados, seja na forma de

textos), o ensino é o mesmo porque a língua é a mesma ao longo dos anos.

94

Original: “La política no se resume a discursos oficiales, la encontramos en la manera de proceder, en

las luchas, en las estrategias visibles y “decibles” de producciones singulares y colectivas” (DAHER,

2006, p.03).

382

Além disso, dentro dessas políticas, em nível macrossocial e em nível

microssocial, na interação em sala de aula, é papel do livro didático controlar o trabalho

do professor e é papel do professor controlar como os alunos reagem a esse trabalho.

Esse controle, pautado apenas no certo e no errado, e desconsiderando os processos de

aprendizagem do estudante e seu desenvolvimento como aprendiz, como leitor, como

cidadão, se contrapõe ao fazer didático com o plano inferencial de leitura, uma vez que

tal plano manifestaria justamente a não capacidade de se controlar os diferentes sentidos

produzidos pelos diferentes sujeitos em diferentes situações.

Retomando as questões propostas por Pennycook (2006) e adaptadas ao final do

primeiro capítulo desta tese, é possível responder, então, que a estrutura de controle e de

reprodução que se manifesta nas salas de aula como estruturas de poder afetam não só o

acesso dos alunos aos textos, mas também a forma com que eles interagem com os

textos trazidos para a sala de aula. Além disso, ao aprenderem que ler é repetir, os

alunos aprendem também que a leitura em língua estrangeira não tem qualquer função

em sua vida social, o que reduz também sua motivação para que busquem textos em

língua espanhola fora do espaço escolar. Dessa forma, se agrava mais ainda a situação

de exclusão desses alunos em uma sociedade cada vez mais globalizada, em que a maior

interação entre culturas traz “consequências diretas sobre a vida e o comportamento

cotidiano dos povos” (RAJAGOPALAN, 2003, p.23).

Mais uma vez, apresenta-se a comprovação de que “as propostas ligadas ao

letramento, no livro didático, não minimizaram seu caráter normalizador, regulador e

objetivante de forma social escritural por excelência” (ROJO e BATISTA, 2003, p.19).

Logo, ainda não houve uma quebra no padrão de material didático que visa à formação

de aprendizes reprodutores, impedidos de criarem e pensarem com qualquer nível de

agentividade sobre seus próprios processos (sócio)cognitivos e metacognitivos.

Sendo silenciados em suas leituras em sala de aula, os alunos são ensinados que

os sentidos que constroem, antes, durante ou depois das leituras, são sempre errados, ou

pior, que nem merecem ser ditos. Assim, não somente suas leituras são invalidadas

como eles mesmos são invalidados em sua própria existência. Utilizando os termos de

Pennycook (2006), pode-se dizer assim que, as relações de domínio que se sobrepõem

aos alunos na escola, em especial na pública, agravam a situação de disparidade delem

em relação aos que ocupam os espaços de poder; apagam as diferenças entre os sujeitos,

uma vez que todos são obrigados a construírem os mesmos sentidos em busca da

383

correção escolar e, por fim, eliminam o desejo desses aprendizes de ocuparem posições

de sujeito e interpretações (de texto e de mundo) diferentes das que lhes são

apresentadas.

É preciso romper com essa lógica urgentemente, principalmente, se

considerarmos que essa também é a lógica dos movimentos de ataque a uma educação

pública de qualidade denunciados na apresentação desta tese e em tantos outros

trabalhos. Como aponta Rajagopalan (2012, p.110):

O professor que se atreve a criar um espaço dentro de sala de aula para

que seus alunos possam discutir livremente própria vida fora da sala

de aula e procurar relacionar o que se aprende nos livros à realidade

que eles vivem no seu dia a dia é visto com desconfiança e tachado de

agente provocador ou alguém que confunde a nobre tarefa de educar

com a prática nefasta de “fazer cabeças”, de doutrinar.

Portanto, sem temer a desconfiança citada por ele, temos que pensar em uma

nova prática de trabalho com o plano inferencial de leitura em livros didáticos. Essa

nova prática exige pensar em novos objetivos para o ensino de língua espanhola, novos

objetivos para a presença do livro didático em sala de aula, novos objetivos para o

trabalho do professor e novos objetivos para a escola, que, por sua vez, deveria, assim,

estar preocupada não com o controle do que está certo ou errado, mas com o

desenvolvimento metacognitivo dos estudantes, em diferentes situações de

aprendizagem inventiva. Tal desenvolvimento precisa, para isso, ser visto como parte da

formação crítica e cidadã dos estudantes, reconhecendo-se, desse modo, que essa

formação não se dá somente de fora para dentro, mas também de dentro para fora, em

movimentos integrativos que levam à invenção de si e do mundo.

384

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