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DIREITO DO TRABALHO NEWSLETTER RVR 3 Setembro de 2007 O PERÍODO EXPERIMENTAL NOS CONTRATOS DE TRABALHO Paulo Ramos [email protected] A matéria referente ao período experimental dos contratos de trabalho está regulada nos artigos 104º a 110º do Código do Trabalho (CT), aprovado pela Lei nº 99/03, de 27 de Agosto. O teor dos artigos 104º, 105º, 107º, 108º e 110º, corresponde, com alterações, ao regime anteriormente previsto nos DL nºs 49.408, de 24 de Novembro de 1969 (Lei do contrato de trabalho) e 64-A/89, de 27 de Fevereiro (Lei da cessação do contrato de trabalho e do contrato a termo), e os artigos 106º e 109 constituem inovações do CT. Podemos fazer uma análise ao período experimental do contrato de trabalho abordando separadamente três elementos: (1) o seu conceito e função, (2) a contagem do período e (3) os prazos de duração do mesmo. CONCEITO E FUNÇÃO Em termos conceptuais, dir-se-á que o período experimental corresponde ao tempo inicial de um contrato de trabalho, durante qual a entidade empregadora e o trabalhador tem a possibilidade de ponderar o seu interesse na manutenção do contrato em causa, podendo qualquer deles provocar a sua cessação sem obrigatoriedade de invocação de justa causa, sem necessidade de aviso prévio, em regra, e sem que daí advenha, salvo acordo contrário, uma obrigação de indemnização a cargo do denunciante (art. 104º, nºs 1 e 2 e art. 105º, nº 1, ambos do CT). Deve realçar-se que o período experimental existe em todos os contratos de trabalho, independentemente da sua forma de celebração, e só pode ser afastado mediante acordo escrito das partes. Inversamente, o Código do Trabalho prevê que nos contratos de

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DIREITO DO TRABALHO NEWSLETTER RVR 3

Setembro de 2007

O PERÍODO EXPERIMENTAL NOS CONTRATOS DE TRABALHO

Paulo Ramos

[email protected]

A matéria referente ao período experimental dos contratos de trabalho está regulada nos artigos

104º a 110º do Código do Trabalho (CT), aprovado pela Lei nº 99/03, de 27 de Agosto. O teor dos

artigos 104º, 105º, 107º, 108º e 110º, corresponde, com alterações, ao regime anteriormente

previsto nos DL nºs 49.408, de 24 de Novembro de 1969 (Lei do contrato de trabalho) e 64-A/89,

de 27 de Fevereiro (Lei da cessação do contrato de trabalho e do contrato a termo), e os artigos

106º e 109 constituem inovações do CT.

Podemos fazer uma análise ao período experimental do contrato de trabalho abordando

separadamente três elementos: (1) o seu conceito e função, (2) a contagem do período e (3) os

prazos de duração do mesmo.

CONCEITO E FUNÇÃO

Em termos conceptuais, dir-se-á que o período experimental corresponde ao tempo inicial de um

contrato de trabalho, durante qual a entidade empregadora e o trabalhador tem a possibilidade de

ponderar o seu interesse na manutenção do contrato em causa, podendo qualquer deles provocar

a sua cessação sem obrigatoriedade de invocação de justa causa, sem necessidade de aviso

prévio, em regra, e sem que daí advenha, salvo acordo contrário, uma obrigação de indemnização

a cargo do denunciante (art. 104º, nºs 1 e 2 e art. 105º, nº 1, ambos do CT).

Deve realçar-se que o período experimental existe em todos os contratos de trabalho,

independentemente da sua forma de celebração, e só pode ser afastado mediante acordo

escrito das partes. Inversamente, o Código do Trabalho prevê que nos contratos de

comissão de serviço o período experimental só existe se estiver expressamente previsto no

acordo celebrado. O que é de todo compreensível na medida em que as chamadas comissões de

serviço pressupõem, normalmente, especiais relações de confiança entre a entidade empregadora

e o trabalhador, as quais, maioritariamente, dispensarão o período experimental.

As partes devem, no decurso do período experimental, agir de modo a que se possa apreciar o

interesse na manutenção do contrato de trabalho (art. 104º, nº 2 do CT). Durante o período

experimental formam-se juízos de interesse: com perspectivas necessariamente diferentes, a

entidade patronal e o trabalhador formam um juízo sobre o seu interesse na continuidade da

relação laboral. Assim, o período experimental começa a correr com a efectiva prestação

do serviço. Nesta medida, as partes têm, desde logo, o dever de actuar segundo os ditames da

boa fé, cumprindo os deveres a que legal e contratualmente estejam vinculados (arts. 119ª a 122º

do CT).

Cabe, no entanto, ressalvar que o direito conferido às partes de fazer cessar o contrato de

trabalho não depende, como já foi referido, de invocação de justa causa, pelo que qualquer delas

pode denunciar o contrato por razões completamente alheias ao desempenho da contraparte (v.g.

o trabalhador que recebe uma oferta de trabalho melhor remunerada).

A decisão de fazer cessar o contrato de trabalho não depende de prévia comunicação à

contraparte, a menos que o período experimental tenha durado mais de 60 dias, caso

em que a entidade patronal tem que comunicar a sua decisão ao trabalhador com a antecedência

mínima de 7 dias. Face à duração legal dos prazos de período experimental dos contratos a

termo - 30 ou 15 dias, aos quais aludiremos infra -, conclui-se que neste tipo de contratos a

denúncia dos mesmos no período experimental nunca está sujeita a aviso prévio.

Em regra, o direito de denunciar o contrato de trabalho durante o período experimental não

implica o pagamento à contraparte de qualquer montante indemnizatório, se bem que o

seu pagamento possa ser objecto de acordo entre as partes (art. 105º, nº 1 do CT).

Exemplificativamente, considera-se plausível que seja estipulada a possibilidade de pagamento de

uma indemnização por parte da entidade patronal a um trabalhador que exerça, por força do seu

prestígio profissional, um cargo de administração ou de grande visibilidade pública.

CONTAGEM DO PERÍODO EXPERIMENTAL

No que concerne à contagem do período experimental, deve frisar-se que é entendimento pacífico

que se aplicam as regras consagradas no art. 279º do Código Civil, sendo esta matéria de grande

importância, atendendo às consequências que da mesma podem advir.

É o início da execução do trabalho por parte do trabalhador que marca o começo da contagem do

período experimental, o que facilmente se entende considerando à função deste período, a que

supra nos referimos. Assim, as próprias acções de formação do trabalhador determinadas pela

entidade patronal ou ministradas pela mesma só contam para o período experimental se não

excederem metade do mesmo. O legislador pretendeu tornar claro que é condição essencial para a

ponderação a efectuar pela entidade patronal e pelo trabalhador, que este exerça o seu labor no

local e nas condições em que futuramente o desenvolverá. Seguindo o mesmo entendimento, os

dias de falta, ainda que justificadas, de licença e de dispensa, e os dias de suspensão

do contrato, não englobam o período experimental. Já o tempo de descanso semanal está

incluído no período experimental, porquanto faz parte do acervo dos direitos inalienáveis dos

trabalhadores.

A correcta contagem do período experimental torna-se um elemento importante nas relações

laborais, nomeadamente em casos de despedimento e no que concerne à antiguidade do

trabalhador. Assim, uma entidade patronal pode sofrer nefastas consequências se produzir uma

declaração de denúncia de um contrato trabalho fora do período experimental, atendendo a que a

mesma pode vir a ser judicialmente considerada como um despedimento sem justa causa. Por

outro lado, a antiguidade do trabalhador tem o seu início coincidente com o do período

experimental, precisamente porque é a partir desse momento que o trabalhador começa a

desenvolver a sua actividade profissional. Ora, este conceito, o de antiguidade, assume especial

relevo, nomeadamente no caso de cálculo de indemnizações compensatórias emergentes de

despedimentos, uma vez que estas variam segundo a antiguidade do trabalhador (v.g. art. 401º

do CT, despedimento colectivo).

PRAZOS DE DURAÇÃO DO PERÍODO EXPERIMENTAL

Estão consagrados na lei diversos prazos de duração do período experimental. O Código do

Trabalho faz variar a duração daquele período consoante se trate de contratos por tempo

indeterminado, de contratos a termo e de contratos em comissão de serviço (arts. 107º a 109º do

CT).

Assim, nos contratos por tempo indeterminado o período experimental geral é de 90 dias, de

180 dias para quem exerça cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou

que pressuponham uma especial qualificação, ou para quem desempenhe funções de confiança, e

de 240 dias para os trabalhadores que desempenham funções de direcção ou sejam quadros

superiores.

Nos contratos a termo, o período experimental é de 30 dias para contratos de duração igual ou

superior a 6 meses, e é de 15 dias para contratos de duração inferior a seis meses. Também é de

15 dias o período experimental nos contratos a termo incerto, mas cuja duração seja

previsivelmente inferior a 6 meses.

Nos contratos em comissão de serviço só existe período experimental se as partes

convencionarem expressamente a sua existência, como já dissemos, e, existindo, não pode

ultrapassar os 180 dias.

Quanto à matéria atinente à duração do período experimental, cabe, ainda, referir que este pode

ser objecto de redução através de um instrumento de regulamentação colectiva de

trabalho ou através de acordo escrito das partes.

O exercício desta faculdade dependerá, pois, da força negocial que uma associação sindical ou o

trabalhador tiverem face às associações patronais ou ao empregador, uma vez que estes terão,

tendencialmente, interesse em não abdicar dos prazos legais de duração do período experimental.

© Regal, Varela, Ramos & Associados – Sociedade de Advogados RL // 2007

Esta informação tem apenas carácter genérico, não constituindo uma forma de publicidade, de solicitação de clientes ou de aconselhamento jurídico. Caso necessite de aconselhamento jurídico sobre estas ou outras matérias sugerimos que contacte um advogado