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1 O PAPEL SOCIAL DO ARTISTA PARA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: UM OLHAR SOBRE BOSCH NA BAIXA IDADE MÉDIA Meire Aparecida Lóde Nunes (PPE/UEM/CESUMAR) [email protected] Palavras – chave: História da Educação, Artista; Baixa Idade Média. Introdução Entende-se a Arte como uma representação do pensamento humano nos diferentes períodos que trilharam nosso caminho até chegar à contemporaneidade. Diante desse preceito, acreditamos que para o entendimento da Arte enquanto linguagem humana há a necessidade do estudo das relações sociais que permearam o homem em diferentes momentos históricos. Sabe-se que o homem é fruto do meio em que vive, portanto, um ser social que pensa e age conforme as informações que recebe, sendo essas, conseqüências da forma de organização coletiva. Nesse cenário, a Educação, que se propõe a contribuir com processo de formação do homem, está vinculada à realidade social posta em cada momento histórico, sendo necessário, portando, compreender essas organizações para discutirmos a Educação em qualquer período que seja. Entendendo a Arte e a Educação como elementos sociais co- particípes do desenvolvimento humano, nos dedicamos ao estudo dessas duas áreas no para compreender o processo educativo no momento de transição entre o mundo feudal e o moderno. Diante desse contexto, temos como projeto de pesquisa o estudo da Arte no período da Baixa Idade Média visando a compreensão da relação estabelecida entre a Educação e a Arte. A delimitação do estudo se faz pelas obras do pintor holandês Hieronymus Bosch (1450-1516). Bosch viveu em um período de embate entre o pensamento medieval e a nova visão de mundo que se estabelecia com o Renascimento. Suas obras são conhecidas por refletirem as inquietações sociais desse período. Contudo, o estudo de suas obras se estabelece diante de uma grande complexidade, como pontua Janson (2001, p.559) “A sua obra, plena de imagens fantásticas e aparentemente irracionais, mostrou-se tão difícil de interpretar que grande parte dela se mantém indecifrável [...]”. Essa situação ganha proporções ainda maiores quando busca-se entender as criações a partir das informações sobre o artista, pois pouco se sabe a seu respeito. Assim, para que possamos desenvolver um estudo acerca das obras de Bosch, acreditamos na necessidade de buscar o máximo de informações que nos possibilite compreender o contexto que foi palco para as criações desse artista. Panofsky, (2002) discutindo a diferença entre o observador que é chamado de ‘ingênuo’ e o historiador de arte, reforça esse nosso posicionamento, pois chama a atenção para a necessidade de investigarmos todos os elementos oriundos do contexto que envolveu o artista, assim como sua arte. Para o autor o historiador de arte:

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O PAPEL SOCIAL DO ARTISTA PARA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: UM OLHAR SOBRE BOSCH NA BAIXA IDADE MÉDIA

Meire Aparecida Lóde Nunes (PPE/UEM/CESUMAR) [email protected]

Palavras – chave: História da Educação, Artista; Baixa Idade Média.

Introdução

Entende-se a Arte como uma representação do pensamento humano nos diferentes períodos que trilharam nosso caminho até chegar à contemporaneidade. Diante desse preceito, acreditamos que para o entendimento da Arte enquanto linguagem humana há a necessidade do estudo das relações sociais que permearam o homem em diferentes momentos históricos.

Sabe-se que o homem é fruto do meio em que vive, portanto, um ser social que pensa e age conforme as informações que recebe, sendo essas, conseqüências da forma de organização coletiva. Nesse cenário, a Educação, que se propõe a contribuir com processo de formação do homem, está vinculada à realidade social posta em cada momento histórico, sendo necessário, portando, compreender essas organizações para discutirmos a Educação em qualquer período que seja. Entendendo a Arte e a Educação como elementos sociais co-particípes do desenvolvimento humano, nos dedicamos ao estudo dessas duas áreas no para compreender o processo educativo no momento de transição entre o mundo feudal e o moderno.

Diante desse contexto, temos como projeto de pesquisa o estudo da Arte no período da Baixa Idade Média visando a compreensão da relação estabelecida entre a Educação e a Arte. A delimitação do estudo se faz pelas obras do pintor holandês Hieronymus Bosch (1450-1516). Bosch viveu em um período de embate entre o pensamento medieval e a nova visão de mundo que se estabelecia com o Renascimento. Suas obras são conhecidas por refletirem as inquietações sociais desse período. Contudo, o estudo de suas obras se estabelece diante de uma grande complexidade, como pontua Janson (2001, p.559) “A sua obra, plena de imagens fantásticas e aparentemente irracionais, mostrou-se tão difícil de interpretar que grande parte dela se mantém indecifrável [...]”. Essa situação ganha proporções ainda maiores quando busca-se entender as criações a partir das informações sobre o artista, pois pouco se sabe a seu respeito. Assim, para que possamos desenvolver um estudo acerca das obras de Bosch, acreditamos na necessidade de buscar o máximo de informações que nos possibilite compreender o contexto que foi palco para as criações desse artista. Panofsky, (2002) discutindo a diferença entre o observador que é chamado de ‘ingênuo’ e o historiador de arte, reforça esse nosso posicionamento, pois chama a atenção para a necessidade de investigarmos todos os elementos oriundos do contexto que envolveu o artista, assim como sua arte. Para o autor o historiador de arte:

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Tenta, portanto, ajustar-se, instruindo-se o máximo possível sobre as circunstancias em que os objetos de seus estudos foram criados. Não apenas coligirá e verificará toda informação fatual existente quanto a meio, condição, idade, autoria, destino, etc...mas comparará escritos que reflitam os padrões estéticos de seu país e época, afim de conseguir uma apreciação mais ‘objetiva’ de sua qualidade. Lerá velhos livros de teologia e mitologia para poder identificar o assunto tratado, e tentará, ulteriormente, determinar seu lugar histórico e separar a contribuição individual de seu autor da contribuição de seus antepassados e contemporâneos. Estudará os princípios formais que controlam a representação do mundo visível ou, em arquitetura, o manejo do que se pode chamar de características estruturais, e assim construir a historia dos ‘motivos’. Observará a interligação entre a influencia das fontes literárias e os efeitos de dependência mutua das tradições representacionais, a fim de estabelecer a história das formulas iconográficas ou ‘tipos’. E fará o máximo possível para familiarizar com as atitudes religiosas, sociais e filosóficas de outras épocas e paises, de modo a corrigir a sua própria apreciação subjetiva do conteúdo. Mas, ao fazer tudo isso, sua percepção estética como tal, mudará nessa conformidade e, cada vez mais, se adaptará à ‘intenção’ original das obras. (PANOFSKY 2002, p. 36-37)

Seguindo essa indicação, pretendemos neste trabalho, verificar o papel que o artista dos séculos XV e XVI desempenhava nessa sociedade. Para tanto, nossa atenção é direcionada ao meio urbano, pois Bosch viveu em Hertogenbosch, cidade holandesa que no final da Idade Média, apresentava uma prosperidade comercial muito grande. Ali viviam camponeses e artesãos que mantinham relações comerciais com a Europa do Norte e com a Itália. Dessa forma, iniciamos nossas reflexões remetendo-se às questões que norteiam o ressurgimento das cidades, pois, Le Goff (s/d), destaca o fato de que esse advento refletiu diretamente na forma de viver do homem medieval, seus interesses e necessidades foram determinadas a fim de atender aos anseios do promissor comércio que se estabelecia. Há, portanto, mudanças em todos os setores, inclusive na Arte.

Para entendermos essas mudanças buscamos pontuar, em linhas gerais, a arte gótica, por essa ser a arte que caracteriza a Baixa Idade Média. Percebemos na literatura que se destina a tratar da arte neste período histórico, um evidente destaque para a Arquitetura Gótica das Igrejas, que é facilmente entendido diante da grande representatividade dessas construções na historia da arte, contudo, nosso olhar é voltado à pintura, pelo fato de nosso interesse ser o universo de Bosch.

Após, as discussões referentes a cidade medieval e a arte que nela se concretizava, adentramos às discussões acerca do artista neste contexto urbano, sendo que para construirmos essas reflexões nos pautaremos em vários historiadores medievais.

A CIDADE MEDIEVAL

Antes de iniciarmos nossas reflexões acerca do artista no contexto urbano, ressaltamos a importância de, primeiramente, compreendermos, em linhas gerais, o que é cidade medieval. Para tanto, nos pautamos em Pirenne (1989) que inicia a discussão referente ao tema apontando a necessidade de clareza referente ao termo cidade em seu contexto histórico. O autor reporta-se às sociedades primitivas, pontuando que qualquer sociedade sedentária fornece a seus membros um local para reuniões e encontros: celebração de cultos, assembléias políticas e judiciárias, além de atender também às necessidades

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militares, pois as guerras são tão antigas quanto os homens e assim também as fortalezas, que consistem essencialmente na delimitação de um espaço por uma cerca e um fosso. Em tempos normais, esses espaços serviam para cerimônias religiosas ou civis, já em tempo de guerra a população ali se refugiava. Com o tempo foram sendo construídos templos e o povo: comerciantes e artistas, aí fixaram suas residências, sendo esse local transformado em centro administrativo, religioso, político econômico, ou seja, uma cidade como a conhecemos.

O autor pontua que os burgos1 e as cidades antigas desempenharam um papel histórico importante, porém não passaram de praças fortes e sedes administrativas. Sua importância se dá devido ao fato de que foi ao redor de suas muralhas que se formaram as novas cidades. Le Goff (s/d) associa o renascimento das cidades com a revolução comercial que ocorreu nos séculos XI e XII. Com o final das invasões, os combates cederam lugar às trocas pacificas. A paz favoreceu a renovação econômica, com as rotas terrestres e marítimas menos perigosas: ocorreu o recomeço do comércio.

Neste contexto destacamos um fato importante, com implicações comerciais, principalmente entre a Europa do Norte e do Sul, Itália e Flandres, que envolve a emancipação das cidades: o movimento comunal, o qual teve início no século XI, mas se estabeleceu no século seguinte. Guizot destacava a situação que desencadeou o movimento comunal da seguinte forma:

Todas as vezes que o proprietário do domínio em que uma cidade se encontrava encravada tinha algum acesso de avidez para satisfazer, era sobre os burgueses que exercia sua violência. É, sobretudo nesta época que se manifestaram os lamentos da burguesia contra a falta absoluta de segurança do comércio. Os mercadores, ao retornar de viagem, não podiam voltar em paz para sua cidade; as rotas, os caminhos sempre assediados pelo senhor e seus homens. (GUIZOT, 1838, MENDES & OLIVEIRA, 2005, p.36)

Portanto, devido a esse contexto, é estabelecido o movimento comunal, uma revolta urbana, que acarreta na mudança de governo, o qual ora é feita com violência, ora de forma pacífica. Com relação ao assunto Le Goff (1998, p.98) elucida “A denominação ‘comuna’ surge quando existe a outorga, pelo senhor, de uma carta de liberdade e de privilégios: ela consagra o reconhecimento de uma forma inédita de organização coletiva”. Contudo Guizot (MENDES & OLIVEIRA, 2005) pontua que essa aceitação não foi muito tranqüila, mesmo depois das cartas terem sido juradas por ambas as partes eram ainda infringidas. Somente no século XII é que a emancipação das comunas é consumada. Essa nova forma de organização coletiva dá outros rumos às relações sociais.

ARTE NAS CIDADES MEDIEVAIS

Para Le Goff (1998), a atividade mais inovadora da cidade medieval é sua função cultural: escola, arte, teatro, urbanismo. Desses segmentos nos propomos a realizar algumas breves reflexões acerca da Arte no período do renascimento da cidade medieval. Contudo, o universo que envolve a Arte é extremamente complexo. Não é nossa intenção abordá-la em sua totalidade, mas sim, fazer um recorte de como a pintura estava presente nas cidades medievais.

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A revolução comercial foi um movimento que teve início por volta do século XI e causou profundas mudanças na Europa, pois proporcionou a expansão econômica, acarretando na reorganização das cidades. O centro da vida social que estava fundamentada, até o momento, no campo e nos mosteiros começa a ser deslocado gradativamente para as cidades. Era esse o local onde as pessoas se encontravam, conversavam e trocavam informações, conseqüentemente, há renovação do conhecimento, da organização social, sendo, também, esse o cenário da uma outra forma de arte: a gótica2. Le Goff (1998) afirma que, por volta do século XII, sob a influência da arte gótica e a escolástica, a Idade Media cria a beleza artística urbana. A arte gótica, assim como a arte românica, é uma arte cristã, contudo já indica um novo momento social, como podemos verificar em Cheney

A arte gótica, pois, é uma arte cristã, porém, não uma arte monástica. Começava-se a ouvir falar das corporações leigas e das comunas. Não estávamos muito longe do tempo em que se viria a falar de uma igual representação dos três estados, igreja, nobreza e povo. Durante algum tempo, todavia, as influencias que iam separar os três convergiam para a expressão única, coletiva. A alma do fenômeno gótico, pode-se dizer, reside na associação estreitíssima da idéia de Cristo à Igreja (CHENEY 1995, p. 224)

No que se refere ao estudo da arte gótica, ela pode ser entendida por alguns técnicos como igual a arte grega, isso devido ao realismo. Estes estudos chegam a diferenciar o realismo existente nas duas artes, sendo a grega pautada no realismo material e intelectual e a gótica no místico. Cheney (1995, p. 225) coloca que existe uma corrente contraditória à esse pensamento. Contudo o autor admite que “[...] há muita verdade nele: uma circunstancia real e insólita da arte gótica é a de que de uma das maiores realizações da expressão mística na arte da construção, há uma corrente de fresca expressão realística baseada na observação da natureza”.

Ao verificarmos o desenvolvimento da arte gótica nos deparamos com a presença dos mosteiros e a contribuição dos monges artistas. Porém, nesse momento encontramos leigos também fazendo parte desse processo. Isso devido a ampliação de sua abrangência enquanto centros de educação. Mesmo com a transição das comunas monásticas às comunas cívicas, o artista permanece anônimo. Para Cheney (1995, p. 228) “A recompensa estava na obra concluída que levaria um artista devoto a encarar tranqüilamente a possibilidade de um reconhecimento dos seus trabalhos no Julgamento Final”.

Com relação a situação social em que a arte gótica se desenvolveu, ou seja, a organização das cidade, Le Goff (1998) elucida que a cidade medieval se caracteriza por um pequeno espaço de produção e troca, sustentado pelo artesanato e o comércio monetário. É palco de ostentação, de prazeres, festas, diálogos nas ruas, escolas, além de favorecer o desenvolvimento do prestigio e nesse cenário vão se delimitando um espaço de divisão social. A cidade é o lugar das riquezas, que se prolifera por meio dos mercadores e o comércio. Cheney (1995) pontua a existência de duas visões distintas. Ilustra o primeiro posicionamento se valendo das palavras de Ralph Adams Cram, que descreve a beleza das cidades louvando a não existência de subúrbios industriais. Todavia, o autor mostra um outro lado, com seus problemas de higiêne e com as miseráveis moradias dos pobres. Além do pagamento de tributos exorbitantes e as epidemias que se agravava com a crescente urbanização. O autor posiciona-se em um campo intermediário: a ascensão social vai se delimitando a qual fecha os olhos para a miséria das outras classes. Le Goff (1998, p. 26), nos ajuda a entender essa questão ao comentar que Paris possuía em, 1300, uma população bem diferenciada, composta de comerciantes, artesões, camponeses e aristocratas,

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especificamente com relação à essa última classe, “[..] dispõe de um forte poder de consumo: pode se dizer que uma das principais indústrias parisienses é a industria suntuaria [...]”. Contudo, mesmo o oficio da arte possuir uma função social importante, pois trazia de fora materiais que em Paris eram transformados e ao lado da produção da farinha e do pão garantiam à essa cidade o respeito de um grande centro industrial, esse ofício não se situava no coração da cidade e sim no subúrbio. O artista, diante dessa divisão social não ocupava uma condição privilegiada. Le Goff (s/d, p. 84) pontua que “O trabalho dos pintores, dos arquitetos, dos estatuários era considerado apenas como um trabalho manual – e como tal, menosprezado. O titulo de mestre que usavam não significava outra coisa se não “mestre de obras”, “mestre artesão”.

A diferença e, conseqüentemente, o respeito social não se estabeleciam somente nos limites das cidades, abrangiam, também, o camponês. Em conseqüência, acreditava-se que as pessoas que moravam na cidade eram melhores do que as que moravam no campo. Esse pensamento é uma reminiscência do pensamento da Antiguidade que o cristianismo vem a reforçar. O camponês é menosprezado, considerado pelos cristãos urbanos como eternos pagãos, pelo fato do camponês ser o último a se deixar cristianizar. Assim, considerado portanto, como condenado a trabalhar em compensação ao pecado original. Mesmo com a mudança do pensamento acerca do trabalho, o camponês ainda é menosprezado. Assim sendo, não se cobra muito dele, apenas o dízimo e que não seja criminoso, do mais, pouco poderá contribuir para a sociedade. Nas cidades, no entanto, a valorização do trabalho é elevada a sua máxima: não há lugar para preguiçosos.

Retomando as questões acerca da Arte, ressaltamos que mesmo não sendo o foco desse trabalho abordar a arquitetura, quando se fala de arte gótica é impossível não mencionarmos as construções, em especial das catedrais, pois são consideradas como a chave para a compreensão do estilo. Nelas estão esculturas, vitrais, objetos de ourivesaria, dentre outros. Além de representarem a nova aparência das cidades medievais, sobre essas construções Cheney (1995, p. 235) elucida que “A lição das torres ponteadas e altas e das flechas era a mais eficiente porque o edifício era dominador e sempre presente na comunidade medieval. A massa da catedral ou igreja sobressai na cidade sobre a paisagem. É a coroa da cidade, o símbolo do reinado de deus”. Percebe-se que a estrutura da cidade medieval se define para o alto, pela torres. As famílias ricas competiam entre si para ver quem tinha a torre mais alta. O desejo em construir em direção ao céu é evidente. Surge, então, a beleza artística urbana, dando origem a um novo urbanismo.

A pintura gótica desenvolve-se a partir do século XIII, além dos murais das igrejas, apresentou-se também em quadros de menor proporção e em retábulos3. Um dos grandes artistas desse período é Giotto (1266/7 – 1337), que retratava os santos de acordo com as figuras humanas comuns. Santos (1991, p. 71) pontua que se faz necessário entender o contexto social do século XIII para compreender a arte de Giotto, principalmente sua representação dos santos.

O crescimento do comércio fez com que as cidades se desenvolvessem e gerassem uma sociedade mais dinâmica, ou seja, com relações sociais mais complexas e não rigidamente estabelecida como eram outrora as relações entre camponeses e o senhor feudal. Começava a surgir, então, uma nova classe – a burguesia –, que acaba assumindo o poder econômico e político das cidades. Essa classe era composta por pessoas do povo que acumularam fortunas na atividade do comércio. Neste contexto, o homem sente-se forte, capaz de conquistar muitos bens, e já não se identifica mais com as figuras dos santos tão espiritualizadas e de postura tão estáticas e rígidas como as da arte bizantina e românica.

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Assim, a pintura de Giotto vem ao encontro de uma visão humanista do mundo, que, gradativamente, se afirma até ganhar plenitude no Renascimento.

A ascensão de uma nova classe, a burguesia, cujas origens são humildes, proporciona o desenvolvimento artístico alavancado sob vários aspectos. Le Goff (s/d) pontua que para o comerciante a obra de arte significava investimento, uma fonte de lucro, pois era tida como um objeto, uma mercadoria. O segundo aspecto levantado pelo autor é que a proteção e a contratação de artistas para trabalharem em igrejas ou edifícios públicos são ações tradicionais de manifestação de poder. Tem-se ainda o fato de que os comerciantes, durante suas viagens, adquiriam conhecimento e gosto pelas coisas belas, tornando-se uma clientela cada vez mais requintada. Por fim, o outro aspecto mencionado é ter a arte enquanto meio de influenciar o povo. Os temas das produções artísticas deviam refletir as intenções e inspirações, além de que, ofertando divertimento ao povo, era uma forma de mantê-los longe da política e das reflexões em relação a sua condição social. E é, nessas referências ao mecenato na pintura que Le Goff (s/d) menciona Giotto, pois eram nas capelas que as grandes famílias de mercadores realizavam suas cerimônias particulares e, portando, mandavam orná-las com afrescos.

Assim como Giotto, os irmãos Van Eyck, Jan (1390-1441) e Hubert (1366 – 1426), também são artistas de grande representação dessa época. No retábulo Cordeiro Místico (1426 – 1432) pintado pelos irmãos são evidentes as características das ilustrações dos manuscritos, como a minúcia e a preocupação com os detalhes. Porém os Van Eyck são considerados como inauguradores da fase renascentista da pintura flamenga. No quadro, de 1436, Nossa Senhora do Chanceler Rolin (fig. 1), Jan Van Eyck retrata uma paisagem urbana, demonstrando que no século XV, o centro da vida social girava em torno da cidade com seus edifícios, pontes e torres. As obras desse artista também apresentam outras características que refletem os desejos e interesses do homem que vivia nesse período: o mercador. O quadro O Casal Arnolfini (fig. 2), demonstra o sentimento de prestigio que o mercador desejava alcançar, assim como deixa imortalizada sua imagem, pois, como não tinha armas nem emblemas que os representasse, a arte do retrato servia também a esse interesse. Portanto, o realismo da pintura gótica também servia ao propósito de não deixar ser confundido com outra pessoa. Le Goff (1998, p. 88), comenta a forma que os mercadores gostavam de ser representado, observa que

Gosta de ser representado nesses quadros rodeado de um cenário de interior, com moveis opulentos, com seus objectos quotidianos, e essa decoração, simultaneamente familiar a rica, transborda para a pintura religiosa. As Virgens da Anunciação e os Santos nos seus retiros são representados como burguesas e burgueses em cenas de interior, tal como S. Jerônimo que trocou a gruta da pintura primitiva por um escritório de mercador humanista. Gosta também de se rodear da família, sobretudo dos filhos, garantia da continuidade da casa, dos negócios, da prosperidade. Arnofini é pintado ao lado da mulher, grávida, pormenor realista mas também símbolo de fecundidade, tal como a Madona de Monterchi de Piero della Francesca.

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Figura 1- Nossa Senhora do Chanceler Rolin– detalhe-(Jan van Eyck, 1436). 66cm x 62cm. Museu do Louvre, Paris.

Figura 2 – O casal Arnolfini (Jan van Eyck, 1434). 82 x 60 cm. National Gallery ) Londres

Por meio das obras de Giotto e dos irmãos Van Eyck ficam evidentes as mudanças que ocorreram nas sociedades européias, além de apontarem outras que ainda estariam por vir. Dessa forma, essas reflexões anteriores constituem um material valioso para as discussões acerca de Bosch e de sua arte.

O ARTISTA

Normalmente nos referimos aos artistas como seres dotados de uma capacidade superior, suas obras são entendidas como produções intelectuais e não mero trabalho manual. Conferimos ao artista seu importante papel na sociedade. Entretanto, pontuamos a necessidade entendê-lo, bem como suas obras, como resultantes dos embates sociais que constituíram a historia de um tempo especifico, portanto ele é um ser histórico e como tal deve ser compreendido a partir das relações que o permeia. Nessa perspectiva pretendemos fazer algumas considerações acerca do artista no contexto urbano da Baixa Idade Média. Contudo, salientamos o pensamento que direciona o entendimento de arte à uma instancia especifica da sociedade: a corte, “[...] em resumo, a tese de que, sob o nome ‘arte’, o que concebemos como um sistema especial da atividade humana, é uma conseqüência das formas especificas, pelas quais as cortes se relacionaram com a arte e com os artistas (WARNKE 2001, p. 15).

Para atender as necessidades artísticas até a metade do século XIII, podia-se contar com as oficinas dos mosteiros. Porém, a partir desse momento, começam a ser requisitados os artesãos leigos que estavam a disposição nas cidades. Warnke (2001, p.24), evidencia essa nova situação quando se remete as necessidades artísticas da corte.

Quanto mais rotineira se tornava a necessidade de arte das cortes e quanto mais intensamente a atividade cultural das cortes resultava no desenvolvimento de uma cultura profana dominante fora da esfera da Igreja, tanto menos podia uma tal expansão artística ser suprida apenas

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pelos mosteiros. Assim a corte se voltou para os artistas itinerantes ou que estavam disponíveis nas cidades.

Podemos destacar nesse cenário urbano duas formas distintas de entender o artista: o artista da corte e o da corporação de oficio.

Para entendermos as corporações de oficio nos remetemos a Guizot, o qual nos esclarece que, durante a república e os primeiros anos do império, os escravos fabricavam tudo que seu proprietário necessitava e também para que pudesse ser vendido àqueles que não tinham escravos. Com o decorrer dos tempos, essa industria doméstica deixou de existir, surgindo os artesões livres que fabricavam para o seu próprio consumo e para um determinado público. De acordo com Guizot (MENDES & OLIVEIRA, 2005, p. 50} “Desde então, eles estavam constituídos em corporações, em corpos de ofícios, representados por alguns membros. A maior parte das corporações, cuja origem se costuma atribuir a Idade Média, remonta, sobretudo no sul da Gália e na Itália, ao mundo romano”

A corte representava uma abertura profissional ao artesão, pois os artistas da corte não eram submetidos às imposições que a cidade apresentavam aos demais. Uma das obrigações que os artistas da cidade, assim como os demais cidadãos, tinham era de pagar impostos. De acordo com Le Goff (2007, p. 153), é nas cidades que se estabelece uma Europa de impostos sendo que seu destino eram as obras públicas, ou seja, seu destino era “financiar obras que chamaríamos de utilidade pública e que, de fato, no século XIII remetiam às doutrinas escolásticas que defendiam o bem comum. Infelizmente, esse mundo do imposto foi também, muito cedo, o da desigualdade e da injustiça”. Outro diferencial era que a corte não se opunha aos artistas estrangeiros, assim como as corporações que tendiam a impor barreiras a novos membros.

As diferenças entre essas duas classes de artistas aumentam quando se trata das remunerações. Warnke (2001, p. 27) pontua que tanto a Inglaterra como a França possuíam formas desenvolvidas de contratar e, conseqüentemente, remunerar os artistas que prestavam serviços à corte, pois, além de receberem uma renda permanente, ainda tinham a chance de ampliá-la com um posto de camareiro, sendo essa “uma condição totalmente desconhecida para o artesão da cidade, que devia obter seus ganhos unicamente por meio do trabalho pago por peça executada”. Ao que parece, o posto de camareiro era uma promoção da condição de pintor, elevando sua posição dentro da corte:

O título de camareiro (valet de chambre) parece inicialmente designar o grau de dignidade que se conferia ao novo “assalariado” na hierarquia dos servidores da corte. O pintor está situado no circulo dos servidores incumbidos do bem-estar pessoal do soberano; já o camareiro tinha acesso permanente ao soberano; também devia prestar juramento individual a ele (WARNKE 2001, p. 26).

Nesse cenário, no qual os artistas da corte ocupavam postos que lhes garantiam uma posição invejável aos demais artistas, vai se estabelecendo uma espécie de competição, ou seja, dificulta-se o intercambio entre a cidade e a corte. Esse fato pode ser atribuído à duas questões principais: a peste, que ocasionou uma diminuição dos artesões; e a política que vinha traçando novos contornos as cidades. A peste negra foi um acontecimento catastrófico que atingiu a Europa em meados do século XIV. Era caracterizada “[...] pelo aparecimento de gânglios, chamados bubões, com as virilhas cheias de um sangue negro, cuja cor definiu a doença e a epidemia. [...] A epidemia tornou-se catastrófica, antes de tudo, pelo caráter fulminante da doença” (LE GOFF 2007, p. 227). As pessoas

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contaminadas iam à óbito, geralmente, em um período de 24 a 36 horas após a manifestação da doença. Com relação as questões políticas que envolviam as relações entre os artistas podemos verificar que ocorriam:

[...] também mudanças políticas nas cidades, através das quais as camadas médias obtinham influencia política, de certo modo dificultavam as relações de intercambio entre as cidades e as cortes. Nas cidades, as corporações de artesões estavam incorporadas à vida política. Nas cortes, no entanto, era acelerada a organização de seus próprios empreendimentos artísticos, na qual os postos mais altos de artistas da corte adquiriam contornos cada vez mais nítidos. Assim, do ponto de vista do artista, a corte e a cidade contrapunham-se de modo cada vez mais claro como esferas opostas de pensamento e de existência (WARNKE 2001, p 38)

Le Goff (2007, p. 237), ao comentar as revoltas urbanas, dá subsídios para compreendermos melhor essa situação de oposição que envolvia os artistas nesse período. Deu-se, após 1260, um enfraquecimento no progresso urbano, acarretando a multiplicação de pobres e marginais que organizavam motins e revoltas contra os judeus e “[...] representantes do poder real, cuja avidez fiscal e repressão policial eram cada vez mais mal suportadas. A concentração artesanal e a dominação dos mestres das corporações atiçaram as revoltas dos artesões e dos pobres”.

Diante dessas questões políticas, a presença do artista na corte fica cada vez mais indispensável. A exemplo da Igreja que já se valia da arte para disseminar a doutrina cristã, agora era usada também para atender as necessidades laicas: “[...] pois para o povo simples, as coisas penetram mais rapidamente pelos olhos do que entra pelo ouvido” (WARNKE 2001, p. 318). Essa intenção educacional, também entendida como política, desempenhada pelas instituições monásticas, visava à si atenção e lealdade dos súditos, o que justificava e aproximava, cada vez mais, o artista do príncipe.

Podemos identificar, como conseqüência dessa aproximação, outras funções que o artista passa a desenvolver como, por exemplo, de acompanhante de viagem do príncipe. Destacamos duas funções do artista durante as viagens: educativa para o príncipe, pois o artista podia esclarecer os conhecimentos culturais de outros paises; e o de divertimento. Esses apontamentos ficam evidentes na carta que Francesco Gonzaga envia a seu pai pedindo a companhia de dois artistas.

De Bolonha, onde penso ficar dois dias, vou seguir para paras termas. Para um pouco de consolo e distração e para espantar o sono – o que é necessário nesses lugares – eco ao senhor que ordene a Andréa Mantegna e Malagise que viagem para lá e fiquem comigo. A Andréa eu gostaria de mostrar meus camafeus, estatuetas em bronze e belas antiguidades, sobre as quais poderemos conversar e discutir. Malagise, espero, vai me divertir com suas brincadeiras e cantos. Dessa forma, seria mais fácil para mim espantar o sono.( WARNKE 2001, p.326)

Outra função desempenhada pelos artistas, de modo geral, no final da Idade Média, é o de retratista, àquele que se dedica à arte do retrato. No começo do século XV, os indivíduos buscam sua afirmação por meio da sua representação, de vivos e mortos. “O rosto dos que jazem deixa de ser convencional para se tornar ‘real’. Os retratos mais antigos impõem a

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figura dos poderosos: papas, reis, senhores e ricos burgueses; depois o retrato se democratiza” (LE GOFF 2007, p. 255).

Nesse cenário, do artista da corte, não há registros de que Bosch tenha ocupado algum cargo efetivo. Podemos, inclusive, encontrar em Martindale (s/d) indicações de Bosch como um artista provinciano. Assim, de acordo com Bosing (2006), as poucas informações sobre a vida do pintor vêm dos documentos da Confraria de Nossa Senhora, que era uma associação de homens leigos e religiosos para a qual Bosch prestou vários serviços, o que nos leva a pensar em Bosch como uma artista prestador de serviços. As contradições a respeito do destino das obras de Bosch são sintetizadas por Martindale (s/d, p. 107) ao pontuar que “Não se acha suficientemente esclarecido para quem essas obras seriam originalmente destinadas, embora mais tarde, no século XVI, a obra de Bosch fosse admirada pelo rei Felipe II de Espanha”. Esse apontamento vai ao encontro dos apontamentos que Warnke (2001, p. 330), faz em relação ao gosto exótico que a corte apresentava, relacionando à essa questão o fato de Bosch ter realizado uma encomenda à Felipe: “Em 1504, Felipe, O Belo, pagou um quadro do Juízo Final, de Hieronymus Bosch, que ‘ele fez terminar em sua residência, para seu nobre prazer’, um prazer do qual sabe-se que a corte espanhola partilhou”.

Diante desses aspectos, explicita-se que, mesmo não tendo comprovações de que Bosch ocupou algum cargo na corte e as poucas indicações a seu respeito nos direcionou a entendê-lo como um artista que prestava serviços a Igreja de São João, que estava vinculada a Confraria de Nossa Senhora, ele estava inserido em uma sociedade em que a arte relacionava-se com a corte e as corporações de oficio, não fugindo dessa realidade. Assim suas criações podem ser resultantes desses dois universos, cabe nos, portanto, intensificar os estudos nesse campo para que possamos caminhar rumo a uma contextualização mais precisa do ambiente que abrigou a construção artística de Bosch.

Considerações Finais

Uma das principais conclusões que chegamos em nosso estudo é que o desenvolvimento e o ressurgimento das cidades envolveu todos os setores das atividades humanas. Os centros de poder, sob a influência da revolução comercial, se deslocam da região rural para as cidades, nas quais são favorecidas condições que propiciaram a divisão de classes sociais. Ocorrendo, então, a ascensão da classe comerciante a ponto de deterem o total domínio da situação.

A Arte, enquanto reflexo do posicionamento do homem frente ao seu mundo, foi atingida de várias formas, seja para atender interesses materiais de uma nova sociedade em ascensão ou para doutrinar o pensamento que era conveniente que se formasse, sendo o artista um trabalhador a serviço desses interesses.

Outro aspecto que observamos é que ocorreu neste momento um grande desenvolvimento da Arte, a valorização da beleza e a importância das obras desse período são manifestadas em várias linguagens artísticas. A arte gótica é o marco da arquitetura medieval, suas catedrais são portadoras de inestimáveis informações históricas e culturais. Contudo, as demais linguagens, como a pintura, também desempenham um papel considerável nesse processo: da arte das iluminuras e dos temas sagrados, a arte passa a representar o homem e sua realidade, o que pode ser verificado nas obras dos artistas Giotto e Jan Van Eyck, que se fundamentam na expressão do momento vivido e nas aspirações de um novo tempo que se aproxima.

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Nesse contexto de mudanças na organização social, o artista está inserido em dois ambientes diferentes: na corte e na cidade, desempenhando sua função de acordo com o local em que esta. Contudo, indiferente do contexto em que se encontra, o artista representa a forma de pensar e agir da mentalidade coletiva de sua sociedade. Sua obra é um registro da história que permite, em linhas gerais, reconstruirmos o imaginário desses homens. Bosch, enquanto artista envolvido nesse processo, pode constituir uma possibilidade de reflexão da sociedade nesse período de transição da Idade Média para o Renascimento. Para o êxito dessa proposta, há a necessidade de considerarmos sempre o ambiente que envolve o artista. Nessa perspectiva, consideramos que a realização desse estudo foi de extrema importância para o estabelecimento e a consolidação de um respaldo teórico que será requisitado nas discussões que permeiam o universo desse intrigante e fantástico artista: Hieronymus Bosch.

Referências bibliográficas

LE GOFF, J. Por Amor às Cidades. São Paulo: Ed. UNESP, 1998.

______. Mercadores e banqueiros da idade média. Lisboa : Gradiva, [s/d]

______.As Raízes Medievais da Europa. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.

CHENEY, S. Historia da arte. Sao Paulo: Rideel, v. 2. 1995.

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PIRENNE, H. As Cidades da Idade Média. Sintra: Publicações Europa – América, 1989.

SANTOS, M. História da arte. São Paulo: Ática, 1991.

WARNKE, M. O artista da corte: os antecedentes dos artistas modernos. São Paulo: Edusp, 2001.

1 Os burgos se organizaram como os castelos e se caracterizam como instituições militares que se unem à centros administrativos e não apresentam características urbanas, não sendo sua população a de cidade, mas sim da fortaleza. Pirenne (1989, p. 08) coloca que são assim entendidos por que: “Nem comércio nem indústrias, são possíveis ou mesmo de conceber num tal meio. Nada produz por si próprio, vive dos rendimentos do solo vizinho e não tem outro papel econômico exceto o do simples consumidor” Os burgos se organizaram como os castelos e se caracterizam como instituições militares que se unem à centros

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administrativos e não apresentam características urbanas, não sendo sua população a de cidade, mas sim da fortaleza. Pirenne (1989, p. 08) coloca que são assim entendidos por que: “Nem comércio nem indústrias, são possíveis ou mesmo de conceber num tal meio. Nada produz por si próprio, vive dos rendimentos do solo vizinho e não tem outro papel econômico exceto o do simples consumidor” 2 Kidson (1978, p. 10) esclarece que o termo gótico vem dos godos, um povo germânico que participou das invasões e destruições da cidade de Roma.

CHENEY (1995, p.222) A sua primeira aplicação, no terreno das artes, foi feira pelos eruditos italianos da Renascença, que, revelavam seu desdém pelo estilo cristão do Norte, dando-lhes o nome das ignaras tribos bárbaras. 3 Um retábulo consiste em dois, três, quatro ou mais painéis que podem ser fechados uns sobre os outros e abertos durante as celebrações religiosas. Conforme o numero de painéis, o retábulo recebe um nome especial. Se possui dois painéis, ele se chama díptico; com três ele é um tríptico; e com quatro ou mais, é um políptico. (SANTOS 1991, p. 76)